ESUD 2013 – X Congresso Brasileiro de Ensino Superior a Distância
Belém/PA, 11 – 13 de junho de 2013 - UNIREDE
FORMAÇÃO DE PROFESSORES, A EDUCAÇÃO E O
ENSINO FRENTE AOS DESAFIOS DAS NOVAS
TECNOLOGIAS DE INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO
Jair Miranda de Paiva1, Patrícia Wand Del Rey de Oliveira Amaral2
1
Universidade Federal do Espírito/Departamento de Educação e Ciências Humanas/CEUNES,
[email protected]
2
Universidade de Uberaba/Curso de Pedagogia em Ead/Polo Nova Venécia-ES, [email protected]
Resumo – Este trabalho tece considerações sobre os significados das tecnologias da
informação na educação, bem como sobre as competências atribuídas à escola e aos
professores em relação ao uso das mesmas. Fez-se uso da metodologia de revisão
bibliográfica e definiu-se como objetivo: problematizar o impacto das novas
tecnologias de informação e comunicação sobre o trabalho docente. Partiu-se das
transformações que as novas tecnologias da informação e comunicação têm no
modelo escolar tradicional, reconhecendo que o mundo vive uma nova cultura
caracterizada por tecnologias que afetam a inteligência, o tempo e o espaço de
ensinar. Enfatizou-se a apropriação crítica da tecnologia por um novo professor, que
deixa de ser mero transmissor para se tornar um animador e problematizador das
atividades escolares de pesquisa, participante da inteligência coletiva, entendida esta
como ação cooperativa que soma e compartilha as inteligências individuais por toda
a sociedade, potencializadas pelas novas tecnologias. Argumentou-se que os jovens
"alienígenas" estão lendo mais nesse novo território virtual, o que contrasta com
certa visão de declínio atual da leitura. Como consequência, defende-se que a escola
e seus protagonistas não podem se furtar a refletir sobre a educação, o ensino e a
produção do conhecimento nesse espaço e que a formação de professores deve ser à
luz do trabalho escolar real e não imposta pelos sistemas educativos.
Palavras-chave: Tecnologias, Formação, Professores, Cyborg, Interatividade.
Abstract – This paper reflects on the significance of information technology in
education, as well as the powers assigned to the school and teachers regarding the
use of the same. Made use of the methodology for literature review and set as goal:
to discuss the impact of new technologies of information and communication about
the teaching profession. Broke the transformations that new technologies of
information and communication have the traditional school model, recognizing that
the world is experiencing a new culture characterized by technologies that affect
intelligence, time and space to teach. Emphasized the critical appropriation of
technology by a new teacher who ceases to be a mere transmitter to become an
animator and problematical school activities research, participant of collective
intelligence, understood as cooperative action that sum and shares individual
intelligences by whole society, boosted by new technologies. It was argued that
young people "aliens" are reading more in this new virtual territory, which contrasts
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with certain vision of current decline of reading. As a result, it is argued that the
school and its protagonists can not shirk think about education, teaching, and
knowledge in this space and that teacher training should be in the light of actual
school work and not imposed by educational systems.
Keywords: Technology, Training, Teachers, Cyborg, Interactivity.
1. Considerações iniciais
Quando se propõe a pergunta pelos desafios acarretados pela emergência das novas
Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC) à educação, ao ensino e à formação de
professores, em geral encontra-se diante de ideias e frases que quase sempre param no lugar
comum: Os desafios contemporâneos do professor! A necessidade de capacitação do
professor! Tecnologia, informação, conhecimento, aprendizagem, educação, usadas como
clichês para nomear a sociedade contemporânea. Segundo Barreto (2004, p. 1195) esses
discursos precisam ser objetos de atenta análise política, posto que ao circular "contribuem
para a produção de um imaginário o qual faz com que uma interpretação particular apareça
como sendo a necessária, ao sustentar a legitimação e a fixação de sentidos hegemônicos”.
Acreditamos na necessidade de apreender essas palavras e refletir sobre a
metamorfose que a primeira (tecnologia) está causando nas demais, não apenas descrevendo
os efeitos dos avanços tecnológicos sobre as sociedades, mas, e, sobretudo, analisando os
sentidos e representações que os sujeitos do espaço escolar atribuem ao uso das TIC na
educação, quem são esses sujeitos concretos conclamados para a transformação e que lugar é
esse onde o diálogo e a experiência acontecem ou deveriam acontecer1.
Para Moran (2000), as TIC estão trazendo novos desafios pedagógicos para as escolas
e os professores precisam aprender a gerenciar vários espaços, esse gerenciamento para Lévy
(1999) desloca-se para o acompanhamento e gestão das aprendizagens, e não mais para a
difusão do conhecimento. Além de gerenciar novos espaços, é preciso integrá-los de forma
aberta, equilibrada e inovadora, sendo o primeiro espaço uma nova sala de aula equipada e
com atividades diferentes, associada com a ida ao laboratório conectado em rede para
desenvolver atividades de pesquisa e de domínio técnico pedagógico. Para Moran, o
computador e a internet são novas propostas metodológicas e o primeiro passo é preparar os
professores para a utilização dos mesmos.
“O primeiro passo é procurar de todas as formas tornar viável o acesso frequente e
personalizado de professores e alunos às novas tecnologias, notadamente a internet.
É imprescindível que haja salas de aulas conectadas, salas adequadas para a
pesquisa, laboratórios bem equipados. Professores e alunos necessitam ter facilitada
a aquisição de seus próprios computadores por meio de financiamentos públicos,
1
Tais questões estão desenvolvidas no escopo da monografia de pós-graduação intitulada “Tecnologias da
Informação e da Comunicação numa Escola Municipal de Educação Básica de Montanha (ES): Sentidos e
Possibilidades”, defendida e aprovada em 31 de Julho de 2012, no programa de Pós-graduação em Ensino na
Educação Básica, do Departamento de Educação e Ciências Humanas, Centro Universitário Norte do Espírito
Santo (CEUNES), Campus São Mateus, da Universidade Federal do Espírito (UFES). Monografia elaborada por
Patrícia Wand Del Rey de Oliveira Amaral e orientada pelo Prof. Dr. Jair Miranda de Paiva (UFES). O texto da
monografia está disponível no endereço eletrônico: http://www.ceunes.ufes.br/conteudo.asp?cod=2712
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privados – com juros baixos – e o apoio das organizações sociais e nãogovernamentais. Pode parecer utopia falar nisso no Brasil atualmente, mas hoje o
ensino de qualidade passa necessariamente pelo acesso rápido, contínuo e
abrangente a todas as tecnologias, principalmente às telemáticas.” (MORAN, 2000,
p. 50)
Em artigo publicado recentemente, Moran (2012, p. 2) questiona o uso das tecnologias
móveis em espaços fixos, sendo assim, não é mais imprescindível salas de aula equipadas,
mas o que não faz mais sentido é precisar ir à escola todos os dias repetir os mesmos rituais.
“A chegada das tecnologias móveis à sala de aula traz tensões, novas possibilidades
e grandes desafios. As próprias palavras tecnologias móveis mostram a contradição
de utilizá-las em um espaço fixo como a sala de aula: elas são feitas para
movimentar-se, para levá-las para qualquer lugar, utilizá-las a qualquer hora e de
muitas formas. Como conciliar mobilidade e espaços e tempos previsíveis? Por que
precisamos estar sempre juntos para aprender? A escola precisa entender que uma
parte cada vez maior da aprendizagem pode ser feita sem estarmos na sala de aula e
sem a supervisão direta do professor. Isso assusta, mas é um processo inevitável. Em
lugar de ir contra, por que não experimentamos modelos mais flexíveis? Por que
obrigar os alunos a ir todos os dias repetir os mesmos rituais nos mesmos lugares?
Não faz mais sentido. A organização industrial da escola em salas, turmas e horários
é conveniente para todos – pais, gestores, professores, governantes – menos para os
mais diretamente interessados, os alunos.” (MORAN, 2012, p. 2)
Vale destacar a pergunta de Moran: “Por que precisamos estar sempre juntos para
aprender?” Contrariamente, este trabalho acentua a importância do outro para a construção do
conhecimento; com ou sem o uso das TIC, tomando a mediação como processo real que
acontece no cotidiano escolar, presencial ou não, como a própria relação que ocorre através
dos signos, da palavra que impulsiona, alimenta e retroalimenta as experiências de
aprendizagem.
Percebemos a urgência de se perguntar como tem sido a inserção das TIC na escola
quando se constata com o filósofo Pierre Lévy (1999, p. 26) que, “enquanto discutimos sobre
os possíveis usos de uma dada tecnologia, algumas formas de usar já se impuseram.” Então, o
que é prioritário? O que representa a inclusão das TIC na educação? Seriam as continuidades
das práticas pedagógicas com novos recursos tecnológicos? A troca do mimeógrafo pela
máquina de xerox? Ou as rupturas para um novo modo de fazer presentes no cotidiano
escolar?
O que é prioritário na chamada inclusão digital? Em relação aos governos, fatos de
nossa história deixam patente que bastaria instalar máquinas nas escolas, distribuir laptops ou
tablets e capacitar rapidamente os profissionais da educação (a maioria dos cursos na área
dura em média três meses). Este trabalho sustenta, no entanto, que o prioritário passa, além do
acesso às tecnologias propriamente ditas, pela discussão sobre novas práticas pedagógicas de
ensino, aprendizagem possíveis na escola, com a mediação das TIC. A escola deve se
apropriar das TIC colocando em questão sua própria prática, as concepções de ensinar e
aprender vigentes e análises advindas do encontro (ou não) com as recentes transformações no
mundo das tecnologias.
A construção de projetos desenvolvidos alhures, sem que as escolas participem dos
mesmos em nada se assemelha ao que propõe Alarcão (2001), no qual os projetos de uma
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escola reflexiva derivam da visão que seus membros têm sobre a própria escola, que conta
com o empenho de cada um para o desenvolvimento dos projetos, porque foi intensivamente
construído através do diálogo, no entrelaçamento de estratégias que vão do topo para a base e
da base para o topo.
“A minha convicção é de que, se quisermos mudar a escola, devemos assumi-la
como organismo vivo, dinâmico, capaz de atuar em situação, de interagir e
desenvolver-se ecologicamente e de aprender a construir conhecimento sobre si
própria nesse processo.” (ALARCÃO, 2001, p. 27)
Não se pode afirmar se é por comodidade ou necessidade (do sistema) de oprimir os
saberes docentes e manter o status quo que a maioria dos projetos desenvolvidos nas escolas é
pensada pelas equipes pedagógicas das Secretarias (do MEC às Municipais) que, por sua vez,
firmam os contratos de adesão com os projetos estaduais e federais, enviando para as escolas
aplicarem, outras vezes para serem rediscutidos e mesmo para serem inseridos no
planejamento anual escolar. Tais projetos muitas vezes não derivam da problematização dos
sujeitos coletivos envolvidos, pois as escolas são chamadas apenas para sua execução e nunca
a pensá-los, sequer para elaborá-los e avaliá-los no seu próprio cotidiano, no qual se inventam
alternativas criadoras e ressignificantes do trabalho docente.
Segundo Behrens (2000), os professores devem inovar a ação pedagógica no sentido
de proporem novas metodologias com mídia-educação e aparelharem-se para os desafios da
atualidade, principalmente para a produção do conhecimento reflexivo e investigativo.
“A tecnologia precisa ser contemplada na prática pedagógica do professor, de modo
a instrumentalizá-lo a agir e interagir no mundo com critério, com ética e com visão
transformadora. [...]. O desafio imposto aos docentes é mudar o eixo do ensino para
optar pelos caminhos que levam ao aprender. Na realidade, torna-se essencial que
professores e alunos estejam num permanente processo de aprender a aprender. O
desejo de mudança da prática pedagógica se amplia na sociedade da informação
quando o docente depara com uma nova categoria do conhecimento, denominada
digital.” (BEHRENS, 2000, p. 72-73)
Na perspectiva da autora, a inserção das TIC na educação se torna um meio a serviço
da aprendizagem crítica e transformadora, pois vai além de uma aquisição tecnológica: deve o
professor ter uma formação na área técnica e pedagógica, aliando a formação ético-humanista
aos desafios tecnológico-científicos.
Por sua vez, para Pierre Lévy a inteligência coletiva tem como condição elementar o
compartilhamento de conhecimento e esse conceito não é exclusivamente cognitivo; a base e
o objetivo da inteligência coletiva são o reconhecimento e o enriquecimento mútuo das
pessoas, como pode ser compreendida na expressão "trabalhar em comum acordo" (LÉVY,
1993, p. 29).
Pedro Demo (2009) indica a autoria como marca maior do professor do século XXI, e
defende a tese de educar pela pesquisa, porque ser professor não é dar aula, mas cuidar para
que o aluno aprenda, bem como ser aluno não é escutar aula, mas reconstruir conhecimento e
propõe as tecnologias como alavanca para esse processo.
Entre outras considerações, Demo conclama os pedagogos a serem autores
inequívocos para poderem fazer de cada aluno um autor e chega à seguinte conclusão:
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“É imprescindível formar professores especialmente para essa tarefa. Se eles não
sabem aprender bem com as novas tecnologias, nada de novo vai ocorrer com os
alunos. No milênio da aprendizagem – mais um modismo! – o desafio maior sequer
é a população como tal. É o professor. Figura emblemática, estratégica, crucial da
inclusão de toda a sociedade nas habilidades do século XXI, precisa ser retomada
com devido respeito e aposta.” (DEMO, 2009, p. 113)
Não se pode negar que as tecnologias da informação e comunicação invadiram o
cotidiano por meio de equipamentos como o telefone, a televisão e o computador, e que esses
aparatos alteram nossa forma de viver e de aprender na atualidade. As chamadas "tecnologias
da inteligência" (LÉVY, 1993) são construções internalizadas nos espaços da memória das
pessoas que foram criadas pelos homens para avançar no conhecimento e aprender mais.
Para Kenski (2010), o desafio para a educação é duplo: adaptar-se aos avanços
tecnológicos e orientar o caminho de todos para o domínio e a apropriação crítica desses
meios, não importando o lugar onde cada um habita, mas suas condições de acesso às novas
realidades tecnológicas.
Essas novas realidades tecnológicas, segundo Kenski, possibilitam atividade cognitiva,
afetiva e social e podem contribuir para transformar a escola em lugar de exploração de
cultura, de realização de projetos, de investigação e debate, mas isso exige novas abordagens
pedagógicas, novos caminhos e novos significados para a educação num espaço muito mais
ampliado: o ciberespaço.
Para Lévy (1999), o ciberespaço, também chamado de rede, é o novo meio de
comunicação que surge da intercomunicação mundial de computadores. O termo especifica a
infraestrutura material da comunicação digital, o universo de informações que ela abriga e os
seres humanos que alimentam e navegam esse universo.
Portanto, pensar nas TIC em forma de rizoma ou rede exige uma ressignificação do
papel dos atores do ato educativo, pois o ciberespaço é um território no qual todos participam,
seja como protagonistas ou como expectadores. Espaço que retira do docente o monopólio da
informação e única legitimidade do conhecimento, que também democratiza o acesso a alguns
bens culturais, antes inacessíveis.
A sociedade atual pressupõe um ensinar mais compartilhado, orientado, coordenado
pelo professor, mas com profunda participação dos alunos, individual e grupalmente, no qual
as tecnologias ajudam a pesquisar dados e informações e professor e alunos transformem
esses dados e informações em conhecimento, contextualizando-os, dando significados reais e
realizando assim uma aprendizagem significativa. Ensinar e aprender exigem hoje muito mais
flexibilidade espaço-temporal, pessoal e de grupo, menos conteúdos fixos e processos mais
abertos de pesquisa e de comunicação (MORAN, 2000).
Para Alarcão (2001), diante dessas rápidas transformações sociais, é preciso uma
mudança numa escola que ainda está distante de fazer face às demandas da sociedade.
“A mudança de que a escola precisa é uma mudança paradigmática. Porém, para
mudá-la, é preciso mudar o pensamento sobre ela. É preciso refletir sobre a vida que
lá se vive, em uma atitude de diálogo com os problemas e as frustrações, os sucessos
e os fracassos, mas também um diálogo com o pensamento, o pensamento próprio e
o dos outros.” (ALARCÃO, 2001, p. 15)
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2. A cibercultura e os novos desafios do saber
Pierre Lévy (1999, p. 84) define cibercultura como “um neologismo que especifica aqui o
conjunto de técnicas (materiais e intelectuais), de práticas, de atitudes, de modos de
pensamento e de valores que se desenvolvem juntamente com o ciberespaço que é o novo
meio de comunicação”. Trata-se de uma relação entre as novas formas sociais e as tecnologias
digitais, não é o futuro, é um presente que se delineia nos afazeres pessoais e profissionais do
dia a dia e não pode ser negado - e-books, voto eletrônico, cartão eletrônico, correio
eletrônico, iPad, celular, facebook, tablets, quadro digital e etc. São essas tecnologias que
estão causando uma transformação nas relações humanas e, consequentemente, no contexto
educacional.
A tecnologia não é neutra, é um instituto social que desempenha um papel político.
Para Lévy a tecnologia não é uma entidade real que existe independente do resto, que age por
vontade própria, ela existe na interação entre pessoas vivas e pensantes, sendo impossível
separar o humano de seu ambiente material. Material esse que o humano inventa, produz e
utiliza. Assim, o autor propõe pensar as tecnologias como produtos de uma sociedade e de
uma cultura e situar as irreversibilidades às quais seus usos podem nos levar e pede
benevolência e receptividade para pensarmos sobre a cibercultura.
Ao abordar as implicações culturais do desenvolvimento das tecnologias digitais de
informação e de comunicação, Lévy enfatiza a necessidade de transformações na relação com
o saber, nas questões relativas à educação e formação, dentre outras, pois as consequências
socioculturais que surgem com a cibercultura desenham um novo cenário com grandes
implicações para a educação e para a mídia de massa. Se antes a escola tradicional adotava
um modelo verticalizado de informações (arborescente) um-todos, na atualidade a escola
poderia propor o uso das TIC no processo de ensino aprendizagem como uma prática
dialógica (FREIRE, 1996).
Essa prática rizomática desenvolve-se numa pedagogia dos possíveis, em que os
saberes tornam-se sabores, sem raízes, trocos galhos ou folhas. Nessa pedagogia rizomática
proposta por Daniel Lins (2005) trabalha-se sempre com o novo. "O novo é o devir, é o por
vir. Nem genealogia, nem raízes: rizoma, abertura para a iminência, num eterno retorno em
que o que retorna são os blocos de diferença em forma de devires" (LINS, 2005, p. 1243). Na
prática rizomática não se trabalha com formas, mas com encontros nômades num espaço de
vida compartilhado no qual crianças, alunos, estudiosos, artistas, pesquisadores dividem suas
experiências e realizam seu trabalho.
A mídia tenta a todo custo se tornar interativa, visando ultrapassar a experiência
audiovisual, investindo em programações que permitam aos espectadores que migram para a
internet a experiência participativa, operativa. No entanto, professores, em sua maioria, ainda
se encontram excluídos da cibercultura, pois não têm em casa computador com acesso à
internet. Evidentemente ressignificar a educação em tempos de cibercultura significa superar
essa dificuldade.
Lévy (1999) aborda o impacto das novas tecnologias da informação sobre a sociedade
e a cultura, porém, acha inadequado o fenômeno “impacto”. A velocidade de transformação
explica parcialmente a sensação de impacto que nos toma quando tentamos apreender o
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movimento contemporâneo das técnicas. Por impacto entende-se a sensação de estranheza, de
exterioridade, pois, por mais conectado que se esteja, o adulto sempre estará ultrapassado pela
aceleração do ciberespaço, o estranhamento com a atividade de um "outro" ameaçador que
retorna para nós sob a máscara inumana da técnica.
“Uma técnica não é nem boa, nem má (isto depende dos contextos, dos usos e dos
pontos de vista), tampouco neutra (já que é condicionante ou restritiva, já que de um
lado abre e do outro fecha o espectro de possibilidades). Não se trata de avaliar seus
'impactos', mas de situar as irreversibilidades às quais seus usos nos levariam, de
formular os projetos que explorariam as virtualidades que ela transporta e de decidir
o que fazer dela.” (LÉVY, 1999, p. 26)
Para Pierre Lévy, um dos principais motores da cibercultura é a inteligência coletiva,
entendida como ação cooperativa e princípio onde as inteligências individuais são somadas e
compartilhadas por toda sociedade e potencializadas pelas novas tecnologias – e quanto mais
estas se desenvolvem através da sinergia entre competências e cooperações flexíveis e
transversais, melhor é a apropriação das alterações técnicas, e menores são os efeitos de
exclusão humana resultantes da aceleração do movimento técnico social.
O autor afirma que o ciberespaço é um ambiente propício para o desenvolvimento da
inteligência coletiva, porém não a determina automaticamente. Assim como na escola,
ambiente propício para a aprendizagem não a determina.
“O ciberespaço suporta tecnologias intelectuais que amplificam, exteriorizam e
modificam numerosas funções cognitivas humanas: memória (bancos de dados,
hiperdocumentos, arquivos digitais de todos os tipos), imaginação (simulações),
percepção (sensores digitais, telepresença, realidades virtuais), raciocínios
(inteligência artificial, modelização de fenômenos complexos).” (LÉVY, 2010, p.
159)
Lévy afirma que a tecnologia condiciona e que o ciberespaço favorece uma evolução
geral da civilização, evidenciando a dificuldade de analisar concretamente as implicações
sociais e culturais da informática ou da multimídia pela ausência de estabilidade nesse
domínio.
Os espaços antropológicos não são cortes cronológicos, eles brotam do interior das
práticas de milhões de seres humanos e surgiram progressivamente ao longo da história da
humanidade.
O ciberespaço é um espaço nômade que possibilita a criação de expressões culturais,
de comportamentos, de transações comerciais, econômicas, políticas e sociais. E por isso é o
momento de refletir sobre a educação e a produção do conhecimento nesse espaço.
O ciberespaço se desenvolve no espaço antropológico do saber. O espaço
antropológico nasce das interações entre as pessoas e compreende as mensagens, as
representações que elas evocam, as pessoas que as trocam e a situação como um todo (LÉVY,
2007). "Um espaço próprio do mundo humano, portanto, antropológico, dependente de
técnicas, de significações, da linguagem, da cultura, das convenções, das representações e das
emoções humanas" (LÉVY, 2007, p. 22).
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Para Pierre Lévy as pessoas habitam vários espaços, e não apenas o espaço físico ou
geométrico, vivendo simultaneamente em espaços de significações várias: afetivos, estéticos e
sociais. Os quatro espaços antropológicos são constituídos de uma multiplicidade de espaços
interdependentes; a Terra, o Território, o Espaço das Mercadorias e o Espaço do Saber são
mundos vivos continuamente engendrados pelos processos e interações que neles se
desenvolvem (LÉVY, 2007).
Cada espaço antropológico produz sua própria infra-estrutura, que vem coroar o
espaço, conferir-lhe autonomia e consistência; vai surgindo de modo processual e
complementar, o surgimento de um novo espaço não supre o anterior. Embora se sucedam,
nenhum dos espaços é jamais superado. "Pelo contrário, cada um deles está sempre presente,
na expectativa de uma reativação mais intensa" (LÉVY, 2007, p. 190).
“A Terra é a freqüência básica. O primeiro espaço corresponde justamente à
instauração de uma velocidade superior à da vida animal: a das linguagens, da
técnica, da cultura. O Território constrói a primeira velocidade perceptível na escala
do indivíduo, a das escritas e dos impérios, da burocracia e das fronteiras: a lentidão,
o longo tempo do Território. O capitalismo inventa a aceleração. Quanto ao Espaço
do Saber, ele se elabora nos confins do „tempo real‟ [...]. E as quatro velocidades, as
quatro freqüências coexistem.” (LÉVY, 2007, p. 128)
Para Lévy, o espaço do saber, onde se situa o ciberespaço, não existe, é uma utopia,
um não lugar, não se realiza e por isso é virtual, existe como potência, equivale a outro,
podendo às vezes fazer deste um espaço da metamorfose das relações e do surgimento das
maneiras de ser, realidades, encontros.
3. Cibercultura, a (in) Formação de Professores para um novo Ensino num novo
Contexto Educacional
Para Freitas (2009) o impacto das novas tecnologias e as novas compreensões das relações de
trabalho, cidadania e aprendizagem, mudam as formas de construção do conhecimento
provocando um repensar no papel do professor nesse contexto, e, consequentemente, das
exigências relativas à sua formação e capacitação.
A pesquisa de Freitas (2009), diferentemente do que a maioria de nós imagina,
evidencia que a internet tem contribuído para que os adolescentes escrevam mais. Uma escrita
que é inseparável de uma leitura e se configura como um novo gênero discursivo. Os
adolescentes passam grande parte de seu tempo diante da tela, envolvidos em uma escrita
teclada criativa, espontânea e interativa. Suas pesquisas evidenciam também um descompasso
entre a sala de aula e o avanço das tecnologias digitais.
Porém, se tem visto também tentativas no sentido de colocar em compasso as
tecnologias digitais e as atividades em sala de aula. Em depoimento à autora, em 05/05/2012,
uma aluna-professora de língua portuguesa, disse usar como atividade a tradução de textos de
internetês para o português formal e vice versa, segundo a professora os alunos amaram a
experiência e “com essa atividade eles aprendem a norma culta e eu aprendo o internetês”.2
2
Depoimento dado à autora, em pesquisa qualitativa parte da metodologia de sua monografia de especialização
citada na nota anterior. Este artigo retoma as linhas fundamentais da revisão bibliográfica que serviu de base ao
referido trabalho.
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Internetês, jeito de escrever no ciberespaço que é uma grande provocação para integrar e
interagir com os alunos e o mundo globalizado, garantindo a possibilidade da livre expressão
e a aprendizagem da norma culta com a multiplicidade de linguagens, que surgem com a
proliferação de expressões e diferentes lógicas de articulação com a tecnologia.
Para Green e Bigum (2009, p. 221) essa provocação traz a necessidade de investigar a
mudança cultural e epistemológica que envolve "mudanças em termos de tecnologia e
pedagogia e, portanto, novas compreensões da relação entre tecnologias e pedagogias,
escolarização e cultura da mídia". Segundo os autores esses princípios emergentes podem
contribuir para moldar novas relações entre textualidade e subjetividade, entre as novas
tecnologias do texto, da imagem e do som.
Segundo Freitas (2009, p. 58) existe entre os professores um desconhecimento e
preconceitos linguísticos, sociais e culturais em relação às práticas de leitura-escrita
possibilitadas pela internet. E que por isso se faz urgente "a necessidade de estudos sobre a
relação do professor com as novas práticas de leitura-escrita digital e com os processos de
aprendizagem neste tempo de inovações tecnológicas".
Green e Bigum (2009) de forma provocativa argumentam que os professores
imaginam os estudantes como alienígenas e os alunos também imaginam os professores como
tal, e que devemos avaliar o que já está acontecendo em nossas salas de aula.
Para além do exagero dos termos "cyborg" ou "alienígena" usados pelos autores, mas
que nos ajudam a entender as complexas interações no contexto da cibercultura, este trabalho
corrobora com alguns posicionamentos como, por exemplo, a necessidade de novos
entendimentos sobre as associações dos homens com as tecnologias, e nosso reconhecimento
sobre as dificuldades em partilhar esse ciberespaço que os jovens habitam.
Porém, apesar de soar como exagero, não se precisa ir longe para ver a imagem do
cyborg (nativos digitais). Basta assistir as crianças de cinco, seis anos, jogando com Xbox
3603 e ver seus movimentos em frente à TV interagindo com o jogo, o que coloca esses jovens
cada vez mais conectados, ampliados e estendidos. Visão desconfortável e até estranha para
„outros‟, tidos como estrangeiros digitais.
“Entretanto, termos como 'cyborg' ou 'alienígena', bem como novos quadros
discursivos, são necessários para se começar a lidar com as complexas interações
que localizam a educação no contexto de uma ecologia digital. Compreender essa
ecologia é um pouco como estar voltado para outro planeta, onde poucas das formas
de vida parecem familiares. Compreensivelmente, agimos de forma a nos apegar ao
familiar, às coisas que se parecem com as que conhecemos no planeta Terra, mas o
tempo todo explorando novas categorias e novas formas de descrição.” (GREEN e
BIGUM, 2009, p. 229)
Os autores nos convidam a rever visões pessimistas e discursos conservadores em
relação a essas novas formas de vida e discutir as implicações da cultura da mídia, da
tecnologia e da subjetividade na educação, bem como reconhecer a responsabilidade de
ensinar para e com a diferença. Green e Bigum (2009, p. 239) afirmam que, para escolarizar o
futuro, precisamos não apenas desenvolver "novas compreensões e novos recursos, mas
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Xbox 360 é um microcomputador usado para executar jogos eletrônicos.
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também um sentimento apropriado de humildade, juntamente com o reconhecimento da
inevitabilidade da diferença" cultural que representam o advento de novas formas de
subjetividade.
Para Silva (2008), em tempos de cibercultura, o professor precisará dar conta de pelo
menos três exigências como desafio à docência: que transite da mídia clássica para a mídia on
line, que dê conta do hipertexto próprio da tecnologia digital e da interatividade como
mudança fundamental do esquema clássico da comunicação.
Na mídia clássica a mensagem está fechada em sua estabilidade material, contenta-se
com fixar, reproduzir e transmitir a mensagem. Na mídia on line a mensagem pode ser
manipulada, modificada, imagem, som e texto não têm materialidade fixa, o usuário pode ter
a experiência da participação na elaboração da comunicação e na criação de conhecimento. O
hipertexto supõe uma montagem de conexões em rede que permite uma leitura-escrita não
sequencial:
“Na perspectiva do hipertexto, o professor constrói uma rede (não uma rota) e define
um conjunto de territórios a explorar. Ele não oferece uma história a ouvir, mas um
conjunto intrincado (labirinto) de territórios abertos à navegação e dispostos a
interferências, a modificações. Ele oferece múltiplas informações (em imagens,
sons, textos, etc.), sabendo que estas potencializam consideravelmente ações que
resultam em conhecimento. Ele dispõe entrelaçados os fios da teia como múltiplos
percursos para conexões e expressões com o que os alunos possam contar no ato de
manipular as informações e percorrer caminhos arquitetados.” (SILVA, 2008, p.
103)
Para Lévy (1993) o hipertexto é uma metáfora do conhecimento por sua infinita
possibilidade de conexões e relações que se modificam a todo momento, a ativação de um
elemento no hipertexto desencadeia a ativação de vários outros e assim sucessivamente. E não
apenas cada palavra transforma pela ativação que propaga, mas também contribui para
construir ou remodelar a própria topologia da rede ou a composição de seus nós.
“Quando ouço uma palavra, isto ativa imediatamente em minha mente uma rede de
outras palavras, de conceitos, de modelos, mas também de imagens, sons, odores,
sensações proprioceptivas, lembranças, afetos, etc.” (LÉVY, 1993, p. 23)
Para Silva é tempo de criar e partilhar on line soluções locais disponibilizando um
campo de possibilidades, de caminhos que se abrem quando elementos são acionados pelos
educandos, é tempo de reinventar a velha sala de aula presencial, lugar que obriga “os alunos
a ir todos os dias repetir os mesmos rituais nos mesmos lugares” (MORAN, 2012, p. 02).
Mas não constitui tarefa fácil ressignificar esta velha sala de aula, reinventar os rituais
tornando-os dinâmicos; antes disso se acredita, como nos aponta Barros (2005), que é
necessário introduzir nos programas de formação docente a análise do trabalho real
desenvolvido no cotidiano da escola que se depara com „falhas‟, situações atípicas e formas
de regulação utilizadas diante dos imprevistos.
“Cada escola, cada sala de aula, cada grupo de alunos/as, e de educadores/as, fazem
história e, dessa forma, o patrimônio cultural presente não pode ser desconsiderado
sob pena de mutilar a atividade docente. No chão da escola, manifestam-se
diferentes interesses, histórias de vida, expectativas, ou seja, numa mesma escola, há
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diferentes currículos reais sendo tecidos nesses grupos.” (BARROS, 2005, p. 79)
O trabalho real se efetiva na experiência vivida, nos táticas que os professores e
professoras utilizam para dar conta das dificuldades do cotidiano, saberes não reconhecidos
formalmente e muitas vezes desvalorizados ou invisibilizados. Para Barros (2005), é um
equívoco abrir mão dessa inteligência em favor de estratégias que privilegiem a racionalidade
hegemônica e os saberes estabelecidos no campo da educação.
Para a autora, as propostas de formação dos/as professores/as precisam valorizar as
dimensões criadoras/recriadoras desses/as trabalhadores/as e desterritorializar os saberespoder, os saberes-propriedade que se apóiam em estratégias homogeneizadoras que excluem a
diferença e o múltiplo.
Barros aposta em trabalho de formação como processo configurado em múltiplas
formas de ação, como produção de saberes e de práticas sociais que instituem sujeitos e
aprendizado permanente, remetendo-nos à alternativa apontada por Freitas (2009):
“Pesquisas de intervenção funcionam como um espaço de formação e integram um
trabalho reflexivo sobre a própria prática pedagógica, podem ser importantes
alternativas para um efetivo uso do computador e da internet na escola.” (Freitas,
2009, p. 72)
Por outro lado, uma das preocupações mencionadas por Moreira e Kramer (2007) em
relação aos desafios da formação de professores e gestores diz respeito à degradação nas
relações de trabalho, afirmando que a escolaridade cada vez mais qualifica para um trabalho
controlado pela tela.
“Face mais grave do processo, os outros, (...) tornam-se cada vez mais concorrentes,
num ambiente em que preconceitos e mecanismos de discriminação prevalecem. Tal
ambiente social de inovação e mudança gera apreensão como o risco de cortes e
valorização de empregados mais jovens e de uma elite tecnológica.” (MOREIRA;
KRAMER, 2007, p. 1051)
Neste contexto, Moreira e Kramer (2007) assinalam que a atuação de professores,
gestores e pesquisadores precisa considerar as mudanças no mundo do trabalho e nos modos
de organização social, bem como a responsabilidade e responsividade. Responsabilidade em
assumir a compreensão dos fenômenos sociais contemporâneos em sua complexidade, e
responsividade “que significa catalisar a capacidade de dar respostas, ainda que provisórias, e
delinear ou propor discursos e percursos alternativos para uma educação de qualidade”
(MOREIRA e KRAMER, 2007, 1053). Qualidade que não passa por discursos e planos que
parecem prescindir do professor e sua dignidade profissional, mas qualidade que inclui a
inclusão do professor, indispensável em seu papel de mediador na construção do
conhecimento, cada vez mais necessário na educação de gerações vistas como „estranhas‟, „de
outro mundo‟.
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