Rodrigo Tarcha Amaral de Souza A INCIDÊNCIA DOS PRINCÍPIOS REFERENCIAIS SALESIANOS NA PRÁTICA DO EDUCADOR DOCENTE DO CENTRO PROFISSIONAL DOM BOSCO (CPDB) - CAMPINAS Centro Universitário Salesiano de São Paulo - UNISAL Americana – SP Campus Maria Auxiliadora – 2013 Rodrigo Tarcha Amaral de Souza A INCIDÊNCIA DOS PRINCÍPIOS REFERENCIAIS SALESIANOS NA PRÁTICA DO EDUCADOR DOCENTE DO CENTRO PROFISSIONAL DOM BOSCO (CPDB) - CAMPINAS Dissertação apresentada como exigência parcial para obtenção do grau de Mestre em Educação Sociocomunitária à Comissão Julgadora do Centro Universitário Salesiano de São Paulo – UNISAL – sob a orientação da Profª. Drª. Renata Sieiro Fernandes. Centro Universitário Salesiano de São Paulo - UNISAL Americana – SP Campus Maria Auxiliadora – 2013 S718i Souza, Rodrigo Tarcha Amaral de A Incidência dos princípios referenciais salesianos na prática do educador docente do Centro Profissional Dom Bosco (CPDB) - Campinas. – Americana: UNISAL, 2013. 215f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Centro Universitário Salesiano - UNISAL – SP Orientador (a): Profª Drª Renata Sieiro Fernandes. Inclui Bibliografia. 1. Ensino Profissional - CPDB. 2. Dom Bosco. 3. Pedagogia Salesiana. I. Título. II. Autor CDD 370.1 Catalogação: Bibliotecária Carla Cristina do Valle Faganelli CRB 04/2012 UNISAL: Unidade de Ensino de Americana Rodrigo Tarcha Amaral de Souza A Incidência dos princípios referenciais salesianos na prática do educador docente do Centro Profissional Dom Bosco (CPDB) – Campinas Dissertação apresentada como exigência parcial para obtenção do grau de Mestre em Educação Sociocomunitária à Comissão Julgadora do Centro Universitário Salesiano de São Paulo – UNISAL – sob a orientação da Profª. Drª. Renata Sieiro Fernandes. Trabalho de Conclusão de Curso defendido e aprovado em __/__/__, pela comissão julgadora: Banca examinadora ___________________________________________ Prof. Dr.: Fábio José Garcia dos Reis / UNISAL ___________________________________________ Prof. Dr.: Francisco Evangelista / UNISAL __________________________________________ Prof. Dr.: Antônio Carlos Miranda / UNISAL __________________________________________ Profª Drª Renata Sieiro Fernandes (Orientadora) / UNISAL Americana, 2013 “Quando entra na sala de aula, o professor pode estar apenas interessado em ensinar, transmitir conhecimentos e informações, esclarecer sobre assuntos de sua matéria. Mas existe um outro ensinamento que ele comunica, quer queira ou não: a lição de si mesmo como pessoa. Isso significa que, quando vai dar aula, mais do que a notícia de sua matéria, ele está inevitavelmente se anunciando aos seus alunos, quer deseje ou não, pelo seu modo de ser, de falar e de agir, imbuídos na entonação de voz, na maneira de gesticular, no modo como trata os alunos, na forma de encarar suas obrigações profissionais, nos comentários que faz sobre o mundo e as pessoas, nas opiniões sobre valores como felicidade, amor, religião, etc. E é justamente aí que, de maneira mais profunda, se torna educador” Franz Víctor Rúdio (1983) DEDICATÓRIA Aos meus pais Marco Antônio e Jussara que em sua demonstração de amor me proporcionaram elementos para um dia compartilhá-los. Àqueles membros da Congregação Salesiana que me incentivaram o ingresso no mestrado e me apoiaram nas pesquisas. Ao Salesiano irmão, Alcides Venturi, símbolo de todo o trabalho salesiano desenvolvido pelo CPDB ao longo dos anos. AGRADECIMENTO À Professora Doutora Renata Sieiro Fernandes, pela competência e atenção no processo de orientação, pelos ensinamentos e amizade, pela paciência e dedicação em ajudar-me a construir esta dissertação. Além de ser uma pessoa ‘legal e gente boa’. Ao Professor Doutor Luís Antônio Groppo e colegas mestrandos, pelo enriquecimento intelectual de conversas em momentos de refeição e final de aula. Ao Professor Doutor Dílson Passos Júnior, diretor da comunidade religiosa a qual pertenço, pelos inúmeros momentos de conversa e partilha de minhas ansiedades, angústias existenciais e auxílio na correção da dissertação. A banca examinadora de qualificação e defesa de mestrado, Professores Doutores Francisco Evangelista, Antônio Carlos Miranda e Fábio José Garcia dos Reis que, compromissados com a Pedagogia Salesiana, puderam enriquecer o trabalho. Aos educadores docentes e alunos do Centro Profissional Dom Bosco (CPDB) que, solícitos em ajudar, tornaram possível a concretização deste trabalho. Aos meus familiares e comunidade religiosa salesiana que souberam compreender-me nos momentos de ausência. RESUMO Este trabalho investiga como são entendidos e desenvolvidos os princípios educacionais salesianos elaborados por Dom Bosco e que servem de referencial para os educadores-docentes do Centro Profissional Dom Bosco (CPDB) da Escola Salesiana São José de Campinas. Adotar-se-á o referencial teórico historicista, investigativo e analítico de tipo qualitativo e estudo de caso com uso metodológico das técnicas de observação participante, questionário (quali – quanti) e entrevista aberta. Fundamentado em literatura salesiana, o texto contempla o período de fundação, implantação e expansão da congregação salesiana na Itália e no mundo, bem como a reprodução e ressignificação dos procedimentos educativos legados por João Bosco no CPDB de Campinas. Com a chegada dos salesianos no Brasil, em 1883, foram construídas unidades educacionais em várias regiões do país. Na cidade de Campinas fundou-se em 1897 o Liceu Nossa Senhora Auxiliadora. Tempos depois, em 1953, a Escola Salesiana São José e o CPDB, este último, objeto de análise deste estudo. O objetivo deste trabalho é de pesquisar como são interpretados e desenvolvidos os princípios educacionais salesianos na práxis dos educadores-docentes no CPDB. A questão é tratada por meio de análise dialética entre a perspectiva historicista dos fundamentos salesianos e o discurso institucional aliado à prática docente no CPDB. Essa pesquisa procura verificar se há incidência desses princípios salesianos na práxis docente do CPDB, constatação que permitirá avaliar o grau de fidelidade do projeto e da práxis educativa desta instituição com o ideal educativo proposto pelo fundador Dom Bosco na Itália do século XIX e que, transplantado para o Brasil, se apresenta como marco referencial desta Instituição. Palavras-chave: Ensino Profissional; Dom Bosco; Sistema Preventivo; Pedagogia Salesiana; CPDB. ABSTRACT This work investigates how the educational salesian principles elaborated by Don Bosco are understood and developed that serve as a reference for educators-teachers of the Professional Center Don Bosco (CPDB) of St. Joseph Salesian School from Campinas. The historic, investigative and analytic theoretical reference will be adopt as qualitative approach and case study with methodological use of participant observation, questionnaire (qualitative quantitative) and open interview. Grounded in Salesian literature, the text contemplates the period from foundation, introduction and expansion of the Salesian Congregation in Italy and worldwide, as well as the reproduction and reinterpretation of educational procedures bequeathed by John Bosco in the CPDB from Campinas. Starting from the arrival of the Salesians in Brazil in 1881, educational units were built in various regions of the country. The Our Lady Help of Christians School was founded in 1897 at the city of Campinas. Later, in 1953, the St. Joseph Salesian School and CPDB, this last one is the object of analysis of this study. The objective of this work is to investigate how the Salesian educational principles are interpreted and developed in the praxis of educators-teachers in the CPDB. The matter is addressed by the dialectic analysis between the historic perspective of the salesian fundamentals and the institutional discourse combined with teaching practice in the CPDB. This research seeks to ascertain whether there is an incidence of these salesian principles in teaching praxis of the CPDB, finding that would allow to assess the degree of fidelity of the project and educational practice of this institution with the educational ideal proposed by founder Don Bosco in Italy in the nineteenth century, tha transplanted for Brazil, presents itself as a reference point of this Institution. Keywords: Professional Teaching, Don Bosco; Preventive System; Salesian Pedagogy, CPDB. SUMÁRIO INTRODUÇÃO...……….…………………………………..…………………. 11 CAPÍTULO 1………………………………………………………..... 14 1.1 – Os primórdios da história salesiana………………………………………....... 14 1.2 - Gênese e revelação de João Bosco Educador………………………………... 17 1.3 – As obras salesianas…………………………………………………………… 26 1.3.1 – Na Itália, o período da fundação…………………………………… 30 1.3.2 – No mundo, a caminho da interculturalidade……………………….. 34 1.4 – Princípios referenciais da práxis educativa salesiana…………………………38 1.4.1 – Razão……………………………………………………………….. 43 1.4.2 – Religião…………………………………………………………….. 44 1.4.3 – Bondade…………………………………………………………….. 45 1.4.4 – Os sonhos…………………………..………………………………. 49 CAPÍTULO 2…………………………………………………………. 56 2.1 – Implantação e expansão da obra salesiana no Brasil………………………… 56 2.2 – Em Campinas………………………………………………………………… 70 2.2.1 – Escolas……………………………………………………………… 73 2.2.2 – Escola Agrícola…………………………………………………….. 81 2.2.3 – CPDB, tempo e lugar………………………………………………..85 2.2.3.1 – O CPDB na esfera da gestão............................................... 95 2.2.3.2 - O ensino profissional como educação não formal, sociocomunitária e regular……………………. 99 CAPÍTULO 3…………………………………………………………. 109 3.1 - Uma abordagem localizada (a problematização)…………………………….. 109 3.2 – A pesquisa de campo………………………………………………………… 114 3.2.1 – A observação participante…………………………………………. 117 3.2.2 – O questionário com os alunos……………………………………… 123 3.2.2.1 – Análise de dados: categoria ambos os gêneros…………… 130 3.2.2.2 – Análise de dados: categoria curso………………………... 133 3.2.2.3 – Análise de dados: categoria série………………………… 136 3.2.3 – As entrevistas com os educadores docentes……………………….. 144 3.3 – Os educadores docentes no CPDB: Desafios e perspectivas………………… 166 CONSIDERAÇÕES FINAIS.……………………………………...... 172 REFERENCIAS……………………………………………………… 178 APÊNDICE A – Autorização para pesquisa e uso de voz e imagem ..…...………....................... 191 B – Atividades de campo........................................................................................... 192 ANEXOS A – Lei Nº 8.069, de 13 DE JULHO DE 1990………………………...................... 196 B – Proposta de Resolução………….………………………………….................... 202 C – Carta de Roma.......………………………….……………………..................... 209 LISTA DE ILUSTRAÇÕES Ilustração 1 – A casa dos Becchi…….…………………………………………….. 18 Ilustração 2 – A cidade de Turim…………………………………………………... 21 Ilustração 3 – Mapa do império napoleônico………………………………………. 34 Ilustração 4 – Mapa da Europa após o Congresso de Viena…..…………………… 35 Ilustração 5 – Esquema salesiano e pilares da educação…………………………… 55 Ilustração 6 – Primeira Expedição Salesiana………………………………………. 57 Ilustração 7 – Década de 1890…..…………………………………………………. 71 Ilustração 8 – Pátio interno do Liceu em 1919…………………………………….. 77 Ilustração 9 – Oficina de Mecânica do CPDB em 1988..………………………….. 93 LISTA DE TABELAS Tabela 1 – Educação Profissional….………………………………………………. 100 Tabela 2 – Análise descritiva do banco de dados………………………………….. 128 Tabela 3 – Quadro expositivo da questão número nove…………………………… 140 Tabela 4 – Questões semiestruturadas aos educadores docentes..…………………. 147 Tabela 5 – Categorias de análise e critérios para a entrevista……………………… 148 11 INTRODUÇÃO De inspiração cristã e caráter católico, a educação salesiana tem sua origem nas proposições teóricas, intuitivas e experienciais de João Bosco, que hoje se constituem numa verdadeira Escola de Educação: a salesiana. É nosso objetivo retomar os fundamentos educacionais elaborados no século XIX por Dom Bosco e legados aos seus discípulos como instrumento de educação para suas obras espalhadas pelo mundo. Isso nos permitirá verificar se as práticas educacionais do Centro Profissional Dom Bosco (CPDB) de Campinas estão alinhadas, neste século XXI, com os princípios educacionais elaborados por Dom Bosco como educador e fundador. Pretendo, por meio de pesquisa investigativa e analítica de abordagem qualitativa, apontar elementos que permitam visualizar como são interpretados e desenvolvidos os princípios referenciais salesianos pelos educadores docentes no CPDB, em Campinas. Somente uma docência efetivamente pautada por elementos pedagógicos salesianos garantirá e consolidará a identidade desta obra como desejavam seus fundadores. Cabe-nos questionar e verificar neste trabalho investigativo, em que medida é hoje compreendida, integrada e desenvolvida a pedagogia salesiana pelos educadores docentes no Centro Profissional Dom Bosco (CPDB). Na condição de membro da equipe de gestão da Escola Salesiana São José e do CPDB, foi desafiador integrar o trabalho escolar cotidiano com o material acadêmico por mim desenvolvido. O que me sensibilizou para esta pesquisa foi minha primeira participação na reunião com a equipe pedagógica e corpo docente do CPDB, ano de 2012. Percebi que o espaço, lugar e problema de pesquisa estavam ali, no corpo docente como ponto de partida de minhas hipóteses e sondagens. A realização desta pesquisa é não só de relevância pessoal, por me trazer as memórias e experiências de aluno que fui 12 do CPDB de Pindamonhangaba, mas também institucional, pois acredito ser do interesse dos salesianos e da equipe de gestão envolvidos nesta frente de trabalho escolar, verificar a qualidade e a articulação dos princípios referenciais salesianos na práxis dos docentes deste setor. Para produzir um diagnóstico confiável e que nos permita aquilatar a intensidade, o alcance e a incidência dos princípios referenciais salesianos na práxis dos educadores docentes do CPDB, buscarei construir essa verificação, por meio das técnicas de pesquisa de observação participante em sala de aula e espaços adjacentes, questionário (quali – quanti) e entrevista aberta. Entendo que se trata de um trabalho viável, sabendo que essa pesquisa proporcionará elementos para uma maior compreensão do grau de incidência dos princípios referenciais salesianos na práxis do educador docente no CPDB. Pautar-me-ei em fundamentação literária atualizada. O referencial teórico perpassa nomes como Braido, Wirth, Passos Júnior, Ferreira, Lenti e outros autores que norteiam, conceitualmente, este trabalho. Neste sentido, a pesquisa será apresentada em três capítulos que, sinteticamente, perpassam os pressupostos históricos e teóricos da pedagogia salesiana: o período de consolidação e expansão da congregação e o estudo e análise da realidade atual do CPDB como forma de medir o grau de incidência salesiana no setor pela práxis docente. No primeiro capítulo, trato do fundamento pedagógico conhecido como Sistema Preventivo que nasceu das práticas educacionais de João Bosco e de seus primeiros discípulos, construído em meio às crises econômica, política, social e religiosa da Península Itálica do século XIX. No segundo capítulo, apresento o processo de implantação da obra salesiana no Brasil com seu impacto e ressonância na sociedade do final do século XIX e início do XX, implantando-se nas cidades do Rio de Janeiro, São Paulo, Lorena e Campinas. É no cenário histórico de Campinas que se funda a Escola Agrícola, ponto de partida para a atual Escola Salesiana São José e o Centro profissional Dom Bosco, objeto primeiro de nossa pesquisa. 13 No terceiro capítulo, apresento a metodologia e as técnicas de pesquisa sendo esta do tipo estudo de caso e abordagem qualitativa. Discorro sobre os desafios e perspectivas da pedagogia salesiana no CPDB, a partir dos dados coletados na pesquisa de campo com as técnicas de observação participante, questionário e entrevista. Cabe mencionar que o desenvolvimento de tais técnicas e síntese de dados coletados, não têm por objetivo uma intervenção direta e imediata na obra, mas sim, visualizar a conjuntura do trabalho e pesquisa no processo de aprendizado acadêmico do mestrado em Educação Sociocomunitária. Nada impede, porém, que ele seja uma contribuição à direção e ao corpo docente da obra com a oferta de elementos que lhes permitam uma avaliação do seu nível de fidelidade aos princípios que a configuram enquanto instituição salesiana. 14 CAPÍTULO 1 Este capítulo apresenta os primórdios da história da educação salesiana, sua expansão, inicialmente, pela Itália e, posteriormente, pelo resto do mundo, considerando-se o contexto sócio-político e econômico no qual viveu o fundador João Bosco. São referências deste trabalho as obras de Braido, Wirth, Passos Júnior, Lenti, Santos, Castilho, Rodríguez, Buccellato, Villanueva, Ferreira e autores complementares da educação salesiana. A estrutura do capítulo apresenta João Bosco como educador e os elementos basilares de sua prática educativa: razão, religião e amorevollezza1, que são princípios referenciais da práxis da educação salesiana. O Entendimento destes princípios referenciais permite avaliar o nível de fidelidade das obras que nasceram sob sua inspiração religiosa-pedagógica. 1.1 Os primórdios da história salesiana Ao discorrer sobre a história da educação salesiana, devem-se levar em conta os contextos político, econômico, social e religioso, que contribuíram para a configuração desta moderna congregação da era industrial. A vida de João Bosco e os primórdios da congregação salesiana acontecem no período pós-napoleônico2, tempo de guerras entre as potências europeias e revoluções na península itálica, num contexto de disputas dinásticas e entre as monarquias europeias dos últimos séculos. “Era o período da Restauração em que os poderes legítimos depostos por Napoleão eram 1 Palavra italiana sem tradução plena, mas que se aproxima da ideia de carinho, amabilidade, amor demonstrado, solidariedade e bondade. 2 Período napoleônico (1799 – 1815) que, politicamente, pode ser dividido em três partes: Consulado (1799 – 1804), Império (1804 – 1815) e governo dos cem dias, também em 1815. 15 restabelecidos em seus domínios, voltando-se ao antigo regime3 (Ancien Régime)” (LENTI, 2012, p. 125). É um período de ruptura da ordem feudal em vista da construção de um novo modelo de sociedade, embasado em fundamentos filosóficos de justiça e soberania popular, construindo um conceito de política fundamentada no Iluminismo e na Revolução Francesa. Este período foi catastrófico na Península Itálica ao impor aos jovens, tanto campesinos como urbanos, o alistamento militar e sobrecarregar as populações com pesados impostos para cobrir os custos de guerra. Apesar destes problemas, não se pode ignorar que o período napoleônico teve também o mérito de introduzir medidas administrativas positivas como a exigência de experiência, competência e talento para o exercício dos cargos administrativos, não prevalecendo somente a influência. Combateram-se também atos que infringissem a ordem e a moral. Essas reformas napoleônicas não tiveram, porém, os mesmos resultados em toda a península itálica. O sul, menos desenvolvido, não aderiu às propostas de Napoleão por conta dos ideais revolucionários que defendiam uma nação independente e unificada. Enquanto que o norte4, representado pelo reinado de Sardenha, prosperou, assumindo reformas importantes e duradouras, com a adesão de intelectuais, políticos e clérigos que optaram por permanecerem ligados ao império napoleônico. Desta forma, os decretos e reformas napoleônicas transformaram a vida italiana, ao abolir as leis feudais de propriedade e de restrição aos judeus. Separou as jurisdições civil e criminal. Reorganizou o sistema judicial, com o apoio de armas francesas. “A consequência mais importante do domínio francês foi ter semeado na mente do povo a ideia de que uma revolução liberal 3 O Antigo Regime se caracterizava por uma monarquia absoluta e de direitos divinos e uma desigualdade social, baseada em privilégios de nascimento para a nobreza e o importante papel desempenhado pelo clero. Não há constituição escrita e é o rei que personifica o Estado. (Tradução nossa). “L'Ancien Régime se caractérise par une monarchie absolue et de droit divin et une inégalité sociale fondée sur des privilèges de naissance pour la Noblesse et le rôle important joué par le Clergé. Il n'y a pas de constitution écrite et c'est le roi qui incarne l'Etat”. Disponível em: http://www.toupie.org/Dictionnaire/Ancien_regime.htm. Acesso em: 23-jan-2013. 4 O vale do rio Pó, ao assumir a política napoleônica, converteu-se numa extraordinária zona econômica têxtil, de calçados e de materiais de construção, prosperando comercialmente. 16 poderia ter sucesso e que a Itália poderia se converter numa nação unida” (Idem, ibidem, p. 127). O ideal napoleônico de um império forte e estruturado se concretizou na reorganização da península itálica em âmbito político e administrativo, servindo para reduzir a fragmentação regionalista e alimentar o ideal de um país unificado5. Com a prisão de Napoleão na ilha de Elba (1814), as principais potências europeias, Áustria, Rússia, Inglaterra, Prússia e França, reuniram-se em Viena (Áustria), restaurando a antiga ordem política da Europa (l´ancien regim). Dentre os muitos acordos, os Estados regionais italianos foram restaurados, tornando a península, novamente, num mosaico político. Somente o reino da Sardenha, conhecido também como reino de Sabóia e Piemonte, era o único Estado independente na península itálica e foi onde João Bosco desenvolverá parte de sua vida de estudos e trabalho. Esta região, embora independente, abastada e desenvolvida, em comparação com outras partes da península, não tardou a entrar em colapso sob a pressão das ideias liberais de unificação nacional e à revolução do rissorgimento6 em 1848. Após um curto período de estabilidade nas primeiras décadas do século XIX, tanto na península itálica como nos países adjacentes, Alemanha, Império Austro-húngaro e França, eclodiu um conjunto de revoluções contra as políticas monárquicas nas principais cidades europeias, como Paris, Viena, Berlim, Milão, etc. Ainda no período napoleônico começava a se configurar a mentalidade pré-industrial e liberal, sobretudo nas potências colonialistas europeias, como Alemanha, Reino Unido e a própria França. Conforme nos diz Passos Júnior (2011, p.40): Será neste lastro de revoluções que também na península itálica se articularão os movimentos liberais buscando superar o poder da 5 “A revolução Francesa, cujas ideias básicas foram transmitidas por Napoleão ao resto da Europa ocidental, junto com a experiência da Itália sob o governo de Napoleão no campo político, social, militar, econômico e ideológico, influenciaram o pensamento italiano e a evolução futura e a evolução futura do Ressurgimento” (LENTI, 2012, p. 126). 6 Movimento revolucionário que buscou unificar o país. 17 Igreja e dos príncipes pela unificação dos diversos reinos na constituição de um estado-nacional burguês. A península itálica viverá com intensidade esses momentos com grupos que procuram subverter a ordem vigente [...]. É neste complexo cenário sociopolítico e económico, entre novos e antigos regimes, republicano e monárquico, que se desenvolve a história salesiana iniciada com o nascimento de João Bosco e onde, posteriormente, se desenvolverão suas ações educativas, religiosas e sociais. 1.2 Gênese e revelação de João Bosco educador João Melchior Bosco nasceu no dia 16 de agosto, em 1815, nas proximidades de Turim num bucólico aglomerado de casas, chamado Becchi. Conforme Lenti, (2012, p. 146): A pequena casa era, na realidade, um galpão malconservado, que se apoiava na parede de trás da casa grande; constava, no momento da compra, de um ambiente mais baixo e um pequeno estábulo contíguo, com um depósito de feno, também pequeno, sobre ele. O galpão carecia, logicamente, de reformas e ampliação, pois devia converter-se em moradia da numerosa família de Francisco, o que era, sem dúvida, desejado por ele. Seus pais Francisco Bosco (1784 – 1817), Margarida Occhiena (1788 – 1856) eram camponeses. Aos dois anos perde o pai, assumindo sua mãe a manutenção da casa e a educação dos filhos. João, o menor, José e Antônio, o mais velho, fruto do primeiro casamento de Francisco Bosco. Sobre o falecimento do pai, Bosco (apud, Wirth, 2000, p. 25) descreve: Eu não tinha ainda dois anos, quando Deus misericordioso nos feriu com terrível desgraça. Com essas palavras, Dom Bosco comentava a morte de seu pai, ocorrida a 11 de maio de 1817. Ao voltar do trabalho, banhado de suor, cometera Francisco à imprudência de entrar na adega. Tomado de violenta febre, sucumbia poucos dias depois. Contava trinta e três anos. Por toda a vida, João ouvirá ressoar aos ouvidos as palavras de sua mãe ao retirá-lo do quarto do falecido: Pobre filhinho vem comigo, já não tens pai. Era um período em que já palpitavam os ideais do liberalismo e patriotismo italiano, culminando no ressurgimento, movimento revolucionário de 18 1848. Tais ideais sociopolíticos germinavam de forma intensa, sobretudo na região sul da Itália não unificada. Na região de João Bosco, o Piemonte, o reino de Savóia permanecia sólido por meio e em defesa do legado napoleônico. Ilustração 1- A casa dos Becchi7 Extraído de (LENTI, 2012, p. 149). Em 1831, João Bosco entra para o colégio em Chieri, sendo pensionista em casa de famílias das redondezas. No tempo contrário às aulas, torna-se aprendiz de ofícios como ferreiro, carpinteiro, sapateiro, etc. que lhe foi útil nas décadas seguintes quando, com conhecimento e experiência suficientes, pode promover oficinas de ofício. Segundo descreve Wirth, (2000, p. 29): Os estudos correram bem. No primeiro ano (1831 – 1832) recuperou quase totalmente o atraso, superando sucessivamente as três classes inferiores dos estudos secundários. O resto continuou regularmente: classe de gramática em 1832 – 1833, humanidades em 7 Na ilustração 1 percebe-se a rústica casa num ambiente bucólico. Nestes tempos difíceis, havia escassez de materiais e de recursos para o trabalho no campo. Como todas as crianças de áreas campesinas, João auxiliava sua mãe, prestando pequenos serviços em casa e no campo cuidando de vacas e perus. 19 1833 – 1834, retórica em 1834 – 1835. Bosco era um excelente aluno, dotado de memória felicíssima. Apaixonado pelos estudos literários clássicos, devorava – de preferência à noite – os autores italianos e latinos de uma “Biblioteca popular”. Entre seus professores sua admiração recaía em Petro Banaudi, “um verdadeiro modelo dos professores”, que “conseguia fazer-se temer e amar sem nunca infligir nenhum castigo”. Desde o início de sua infância e adolescência, alimentou o desejo de ser padre para as crianças e adolescentes8 (SANTOS; CASTILHO, 2003). Em 1835 entra para o seminário maior, em Chieri, tendo sido ordenado sacerdote no dia 05 de junho de 1841, em Turim. No mesmo ano, em 08 de dezembro, funda seu primeiro Oratório9 Festivo. Cabe lembrar que já existiam outros oratórios nessa época (FERREIRA, 2000). Segundo Gomes (2008, p. 238): O que Dom Bosco viu, então, em 1841, foi a cidade de Turim no momento de seu despertar para a Revolução Industrial, com uma nascente malha ferroviária e a implantação tardia, em relação à Inglaterra, de uma indústria têxtil incipiente. A força de trabalho se constituía, entre outros, de meninos e de jovens, sobretudo órfãos em virtude de guerras e da fome, os quais já trabalhavam a partir dos oito anos de idade. 8 [...] Dom Bosco sonhou com os jovens. A coisa é tão óbvia que, às vezes, naturalmente, fazia declarações óbvias: Porque eu amo meus jovens, então eu sempre sonho de estar em sua companhia, [...] a matéria-prima da humanidade! (Tradução nossa). “[...] Don Bosco sognò i giovani. La cosa è tanto ovvia che talora con naturalezza ne faceva palese dichiarazione: Siccome io amo i miei giovani, quindi sogno sempre di essere in loro compagnia, [...] la materia prima dell'umanità!” (CICCARELLI, 1981, p. 11 – 12). Desde pequeno, sentiu inclinação para trabalhar pelos meninos de seu ambiente rural e em condições similares as suas, com quem manteria sempre uma singular sintonia pastoral [...] “Reuni-los, dar-lhes catecismo, era uma inspiração que sentia em mim desde quando tinha cinco anos. Era meu maior desejo. Pareciame ser a única coisa que eu tinha que fazer na minha vida”. Era um impulso inato, um gérmen de graça, inconsciente ainda para ele, que terá de evidenciar-se, pouco a pouco, até formar uma aspiração explícita e um modo de ser assumido como próprio [...]. (Tradução nossa). “Desde muy pequeño siente inclinación a trabajar por los chicos de su ambiente rural y en condiciones similares a las suyas, con quienes mantendrá siempre una singular sintonía pastoral […] “Reunirlos, darles catecismo, era una inspiración que sentía en mí desde cuando tendría cinco años. Era mi mayor deseo. Me parecía ser la única cosa que tendría que hacer yo en mi vida”. Era un impulso innato, un germen de gracia, inconsciente aun para él, que habrá de evidenciarse, poco a poco, hasta formar una aspiración explícita y un modo de ser asumido como propio […]” (LEAL, 2003, p.13). 9 Reunião educativa, de cunho social-religioso, estabelecida por São João Bosco, na congregação dos salesianos, que criou. In: Dicionário on-line Michaelis. Oratório. Disponível em: http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/index.php?lingua=portuguesportugues&palavra=oratório. Acesso em: 09-jan-2013. 20 Em 1846, Bosco10 consegue firmar sua obra11 no bairro turinense de Valdocco, época de turbulências política e ideológica com embates entre a monarquia e a república, o conservadorismo e o liberalismo. A cidade vivia todas as consequências da revolução industrial, particularmente o êxodo rural, exploração demográfica, exploração de 12 mão de obra, desemprego e subemprego. Os jovens “agora de Dom Bosco”, são os mais atingidos pelos graves problemas (SANTOS; CASTILHO, 2003, p. 251). Neste contexto e em contato com a realidade juvenil, amadure sua opção pelos jovens, percebendo-os frágeis e fragilizados frente às mazelas econômicas, políticas e sociais. Volta-se para os jovens abandonados e órfãos, entendendo suas desventuras e procurando dar soluções para suas necessidades neste mundo em transformação. Mostra-se sensível aos problemas sociais, humanos e religiosos deste momento histórico com suas contradições e injustiças (SOFNER; SANDRINI, 2012). 10 Neste momento, de acordo com o período cronológico que representa a fase adulta e madura de João Bosco, passo a identificá-lo como Bosco e não mais como João que faz jus à infância. 11 “Para todos os efeitos, pode ser considerada histórica a já citada carta com que, em 13 de março de 1846, Dom Bosco apresentava o Oratório ao autorizado e autoritário marquês Michele Benso de Cavour (1781 – 1850), Vigário da Cidade, isto é, titular da mais alta e complexa magistratura civil, administrativa, alfandegária, policial. Na carta, Dom Bosco revela traços pessoais típicos que o acompanharão por toda a vida: dedicação à missão juvenil fora das estruturas canônicas, concepção do oratório como instituição de finalidade religiosa e humana, insistência nos valores de promoção moral e social (político) da obra, capacidade de produzir envolvimento e consenso de quem detém o poder”. (BRAIDO, 2008, p. 200). 12 Palavra de origem italiana que, na tradução para o idioma português, significa padre. Devido à presença da Sociedade de São Francisco de Sales em muitas nações se tornou cultural manter a palavra dom em referência à pessoa de Dom Bosco. Dicionário italiano – português. Disponível em: http://palavrasitalianas.wiki.br/ricerca_pt.php?espressione=dom&lingua_espressione=pt. Acesso em: 09-jan-2013. 21 Ilustração 2 – A cidade de Turim13 Extraído de (LENTI, 2012, p.139). Em 1853 Bosco dá início às primeiras oficinas de ensino profissional, procurando preparar jovens para essa nova realidade das cidades industriais. Essas oficinas são a origem dos centros profissionais salesianos, como é hoje o CPDB14 de Campinas, tendo variações apenas naquilo que lhe é exigido para se adequarem às leis, normas e cultura de cada país. Sua ousadia, não obstante, na busca de soluções para os problemas da juventude, granjeara-lhe várias situações de desconfiança de segmentos conservadores da Igreja e da sociedade.15 Para consolidar este serviço de educação da juventude, funda em 1859, a Sociedade São Francisco de Sales, em favor da juventude vulnerável e desamparada. A Congregação, num primeiro momento, se expande para a Espanha, França Argentina. Já em 1883, os salesianos chegam ao Brasil na cidade de Niterói. Em 1888, com sua obra já consolidada e respeitada, Bosco 13 Conforme a ilustração 2, a cidade de Turim, consolidada como reino do Piemonte, sofre forte inchaço demográfico já no século XIX, época de vital importância para a economia da península itálica. 14 O Centro Profissional Dom Bosco (CPDB) é uma obra social profissionalizante, atendendo jovens entre 14 a 18 anos. Os cursos oferecidos são definidos pelas necessidades da indústria regional. O CPDB é a dimensão filantrópica das escolas salesianas. 15 O clero mais capacitado da Itália do século XIX, normalmente, voltava-se para as classes mais abastadas, tanto para o atendimento religioso como para o ensino. Quando Bosco, tendo oportunidade de receber um seguro provento da Marquesa Barolo, rica dama da sociedade turinense e que mantinha obras sócias na cidade, opta por trabalhar com jovens desprovidos de fortuna, rompe com essa lógica que buscava, antes de tudo, segurança. 22 falece em Turim com 72 anos desgastado pelo seu intenso empenho físico em favor dos jovens. Sua ação como educador foi fruto de seus dotes e habilidades humanas (PASSOS JÚNIOR, 2004). Após sua morte, seus seguidores, os salesianos consagrados16 e leigos17 colaboradores que partilhavam os princípios e práticas do trabalho salesiano, viveram um natural processo de idealização de sua pessoa como costuma acontecer com os grandes líderes. Há hoje um significativo esforço dos centros históricos18 salesianos de ressignificar a real dimensão humana e histórica de Bosco, superando-se uma historiografia inicial marcada por forte idealização. Lenti (2012), sinaliza uma metodologia acrítica na produção das memórias de Bosco pelos primeiros salesianos, entre eles: Julio Barberis (1847 – 1927), Joaquim Berto (1847 – 1914), João Bonetti (1838 – 1891), João Batista Lemoyne (1839 – 1916), Domingos Ruffino (1840 – 1865) e Carlos Vigliez (1864 – 1915), cujas narrações estavam permeadas pela mentalidade pré-científica. É compreensível a postura de parcialidade dos primeiros biógrafos e cronistas na mitologização e idealização de Bosco nos seus escritos, sobretudo pela proximidade e relação afetiva. Somente a partir da década de 1960, as gerações de novos salesianos começaram a manifestar inquietação quanto à leitura hagiográfica do passado, sentindo a necessidade de promover a revisão histórica de Bosco, que fosse filologicamente atenta, endossada pelas fontes e feita historicamente, segundo uma metodologia atualizada. Atualmente, há uma vasta gama de intérpretes e comentaristas da história salesiana e do próprio Bosco, que se pontuam pelas mais modernas técnicas da historiografia. 16 Consagrado: que se doa, dedica, consagra ao serviço de Deus ou da Igreja. Disponível em: http://www.priberam.pt/dlpo/. Acesso em: 24-jan-2013. 17 Por leigos entendem-se aqui todos os cristãos que não são membros da sagrada Ordem ou do estado religioso reconhecido pela Igreja, isto é, os fiéis que, incorporados em Cristo pelo Baptismo, constituídos em Povo de Deus e tornados participantes, a seu modo, da função sacerdotal, profética e real de Cristo, exercem, pela parte que lhes toca, a missão de todo o povo cristão na Igreja e no mundo. Carta encíclica Lumen Gentium nº: 31. 18 O principal Centro Histórico encontra-se em Roma. No Brasil, na cidade de Barbacena – MG, está o centro nacional, articulado com os centros regionais e locais em obras mais antigas. 23 Lenti (2012) esclarece que tal parcialidade pré-científica nos escritos dos primeiros biógrafos e cronistas, explica-se por estarem imersos e envoltos de uma “meta-história” de Bosco, a serviço de uma mensagem idealizada para o futuro dos salesianos. Meta-história, mais para compreender a mentalidade, a espiritualidade e o estilo educativo de Bosco, do que pelos seus outros aspectos, o que, obviamente, cria problemas aos historiadores e biógrafos atuais. O verdadeiro personagem Bosco pode ser observado e entendido a partir do contexto histórico, cultural, místico, religioso, psicológico e social do seu tempo. No plano histórico e cultural, percebe-se um homem real, concreto de vivência familiar tradicional, um camponês que tinha como concepção de educação a sabedoria popular (PASSOS JÚNIOR, 2004). Quando se sentiu impulsionado a buscar condições de estudo e trabalho no centro urbano de Turim, vivenciou na prática a experiência do êxodo rural, algo natural nesses tempos de carestia nos campos. Sua personalidade forte, enérgica e dinâmica trazia os traços do camponês Piemontes afeito às rudes lidas do campo. Seus laços familiares eram sólidos, embora o quadro de muitas famílias da época era instável pelas guerras, êxodos19 e falecimentos precoces20, já que a medicina não usufruía de recursos adequados. Bosco é filho do seu tempo e é à luz da história e da cultura de sua época que se pode entender sua formação humana. Sua experiência mística e religiosa, amadurecida ao longo de sua vida é o fruto de sua natureza camponesa, confrontada com este período histórico de 19 “No século XIX ir para uma cidade em início de industrialização era mais que percorrer alguns quilômetros entre o campo e a urbe, mas sim transpor no percurso de uma pequena viagem à barreira de vários séculos com a quebra de paradigmas culturais, religiosos e sociais. Sua história pessoal é como a de tantos adolescentes e jovens que saíram dos campos para se integrarem no ambiente urbano-industrial que começa a se organizar em algumas cidades da península, acreditando-se que nelas as oportunidades seriam melhores. João Bosco, na cidade, busca sua subsistência como aprendiz” (PASSOS JÚNIOR, 2011, p. 62). 20 “De fato, “em 1815, uma extraordinária carestia afligia o Piemonte, assim como toda a Itália, consequência das agitações de 1814 e de condições atmosféricas que fizeram faltar as colheitas de cereais, e perdurou em 1816 e até 1817”, sentida obviamente também nas terras e na casa dos Bosco. Os preços dos cereais chegaram a alturas vertiginosas, precipitando no decênio sucessivo” (BRAIDO, 2008, p. 114). 24 mudanças. É filho de uma cultura tridentina21 e de uma Itália, berço do catolicismo, envolta num processo anticlerical e liberal. A religiosidade de cada um está ligada ao contexto em que se vive. Bosco foi capaz de amalgamar, não sem dificuldades e conflitos22, sua religiosidade subjetiva com a institucional da Igreja, adequando-a a sua realidade sociocultural. Conforme Passos Júnior (2004, p. 20): João Bosco, mentor da Pedagogia Salesiana, foi marcado por sólida formação filosófica clássica. Ainda que no século XIX a Igreja Católica continuasse a seguir as instruções do Concílio de Trento, onde o pensamento tomista havia sido eleito como filosofia oficial da cristandade, o pensamento agostiniano, com marcante influência platônica, não deixava de ter grande simpatia pelo seu aspecto espiritual e intuitivo. Mística e racionalidade, agostianismo de matriz platônica e tomismo de matriz aristotélica eram objetos de estudos aprofundados dos clérigos do século XIX e se constituem no embasamento filosófico da pedagogia salesiana. Sua religiosidade, entre o popular e o institucional, favoreceu a educação religiosa e moral dos jovens de seu tempo aproximando-os da Igreja. Tanto seus estudos filosóficos como teológicos não ofereciam bases de aproximação com uma sociedade em passagem de um mundo agrícola feudal para um mundo urbano e industrial. Desta forma, terminado o curso de teologia e ordenado sacerdote, Bosco procurou ampliar seus estudos teológicos no colégio eclesiástico23 enquanto trabalhava com a juventude de Turim. 21 O Concílio de Trento, realizado de 1545 a 1563, foi o 19º concílio ecuménico. É considerado um dos três concílios fundamentais na Igreja Católica. Foi convocado pelo Papa Paulo III para assegurar a unidade da fé (sagrada escritura histórica) e a disciplina eclesiástica, no contexto da Reforma da Igreja Católica e a reação à divisão então vivida na Europa devido à Reforma Protestante, razão pela qual é denominado como Concílio da Contra-Reforma. In. Referência: AQUINO, [S/D], Disponível em: http://www.cleofas.com.br/virtual/texto.php?doc=IGREJA&id=igr0501. Acesso em: 13-jan-2013. Citação de documento eletrônico avulso. 22 Na década de 1870, Bosco teve dificuldades para institucionalizar seus oratórios como sendo seminários. A aplicação da formação religiosa em seus seminários era vista pela cúria romana com certa apreensão. Sabe-se que, em 1871, quando o bispo Lorenzo Galtaldi assumiu a diocese de Turim, encontrando-a em uma desordem, justamente por estar vacante por muitos anos, tentou restringir as novas iniciativas do clero que não estivessem em concordância com as tradicionais práticas religiosas (BRAIDO, 2008). 23 “No preâmbulo do Regulamento, formulam-se as ‘Razões para a existência do Colégio’, aludindo à necessidade de os padres recém-ordenados terem formação mais específica em moral e maior preparação para a pregação. Resultado dessa insuficiente formação sacerdotal é a falta de espírito sacerdotal, unida ao desânimo ou à perda de motivação, o que explicaria a deplorável falta de confessores experientes e a fuga generalizada dos sacramentos entre os fiéis. O colégio é, portanto, uma tentativa de abordar esses problemas” (LENTI, 2012, p. 343). 25 Bosco, visto pelo aspecto psicossocial24, recebeu influência dos laços familiares na fase da infância. Teve carências e faltas materiais, desafetos familiares, sobretudo pela relação instável com o irmão mais velho e falecimento precoce do pai. Obviamente que Bosco, personagem histórico, é compreendido em seu conjunto de elementos políticos, sociais, religiosos e psicológicos (PASSOS JÚNIOR, 2011). Seus exemplos, feitos e ensinamentos tornaram-se a coluna vertebral de um sistema pedagógico ancorado no humanismo cristão. Como sinaliza Papes (1989, p. 57): A originalidade de Dom Bosco é, provavelmente, identificada na riqueza potencial de suas intuições de educador, fundador e organizador operante em um tecido onde as forças da sua industriosidade estão ao serviço daqueles que o Espírito de Deus vai 25 aprofundando . (Tradução nossa). Bosco foi reconhecido como alguém vocacionado à Educação. Ainda criança se utilizava de suas habilidades lúdicas e de trabalhos manuais com o chamariz para ter ao seu redor seus coetâneos que, implicitamente, lhe reconheciam a liderança. Após algumas experiências de trabalho formativo e educacional no oratório, Bosco “formava-se, na vida e na história, não só padre em atividade pastoral, pregador e confessor, mas, ao mesmo tempo, educador e agente social em favor da juventude e do povo” (BRAIDO, 2008, p. 197). Muitas experiências de sua infância e adolescência contribuíram para a elaboração do seu método pedagógico. Merece destaque sua capacidade de agir, dialeticamente, entre modernidade e tradição. Neste sentido, Braido (2004, p. 154) referenda: Modernidade e tradição determinam uma dualidade de atitudes que, por mais que distintas e distintivas com relação a outros padres e católicos do tempo, geralmente se fundem em Dom Bosco com extrema naturalidade. Efetivamente, nele a dependência do ambiente 24 Para maior aprofundamento, conferir a abordagem psicossocial de Bosco feita, exponencialmente, por Ferreira (2010). 25 Nota de tradução: “L´originalitá di Don Bosco va probabilmente individuata nella ricchezza potenziale delle sue intuizioni di educatore, fondatore e organizzatore operanti in un tessuto dove le forze della sua industriosità sono al servizio di quelle que lo Spirito di dio gli va profondendo” (PAPES, 1989, p. 57). 26 espiritual do qual provém, às vezes fortemente conservador, se concilia quase sempre com um realismo que o faz aderir a novas situações e exigências com moderada ousadia: tradicional sem ser reacionário, moderno, sem alinhar-se com nenhuma forma de liberalismo católico. Seu labor social, assistencial e educativo, permite-nos perceber o quão perspicaz ele era, que “[...] encontrava crescentes oportunidades de aperfeiçoar hábitos e comportamentos e adquirir conhecimentos e capacidades úteis à realização de sua missão específica” (Idem, 2008, p. 202). Participava de encontros com educadores profissionais, não raras vezes interagindo com a chamada província pedagógica, grupo de educadores que se manifestavam na imprensa e jornais. Tais ações dizem de sua presteza e dedicação no campo educativo. Segundo Braido (idem, 208 – 209): Dom Bosco encontrou-se bem cedo também com algumas expressões explícitas, tanto escritos como pessoas, da “província pedagógica”, levando a certa interação entre esta e suas experiências educativas. [...] Dois anos depois, em junho de 1846, a revista popular de Lorenzo Valério, Leituras de família, tornava público o que se assinalava sobre a iniciativa oratoriana de Dom Bosco em Valdocco através de um anônimo – quem é e quem pode tê-lo solicitado? – acenando brevemente às finalidades, conteúdos e métodos. Dom Bosco era associado à figura do padre Giovanni Cocchi, promotor de obra semelhante. 1.3 As obras salesianas A historiografia salesiana estabeleceu o dia 8 de dezembro de 1841 como início do oratório salesiano; encontro com um jovem de 17 anos, Bartolomeu Garelli, com Bosco (BRAIDO, 2004). Imediatamente, ele entendeu o quão importante era criar e consolidar um oratório para os jovens desamparados, não só da família, mas da própria igreja. O seu primeiro oratório estará localizado no bairro de Valdocco, oferecendo atividades lúdicas e religiosas para esses jovens. Sua experiência entre 1841 e 1846, provou que essa concentração de jovens carentes financeira, afetiva e familiar, somente 27 nos fins de semana, permitia apenas uma formação em ‘gotas’ não correspondendo aos seus propósitos de uma sólida formação moral e religiosa. Um importante fator que começou a favorecer uma educação mais original foi a fundação do primeiro internato salesiano com jovens provindos de áreas rurais do Piemonte, em busca de trabalho assalariado, que não tinham onde residir. Bosco, sensibilizado por tal situação, os acolhe no espaço do oratório. Era o ano de 1847, data de fundação da chamada casa anexa de Valdocco, uma novidade na época26. Nesse período, fundou também as chamadas escolas noturnas e escolas dominicais que atendiam a jovens do internato que trabalhavam em empreiteiras, durante o dia, e, à noite, tinham oportunidade de estudar. A assistência às aulas dominicais beneficiava a muitos, mas não bastava: porque muitos, de bem pouca inteligência, esqueciam totalmente quanto haviam aprendido no domingo anterior. Foi quando introduzimos as escolas noturnas que, começadas no Refúgio, continuaram com maior regularidade na casa Moretta, e melhor ainda quando pudemos dispor de um local estável, em Valdocco. As escolas noturnas produziam dois bons efeitos: animavam os rapazes a vir aprender a leitura, da qual sentiam grande necessidade e, ao mesmo tempo, nos ensejavam a oportunidade de instrui-los na religião, que era a finalidade de nossa instituição (BOSCO, 2012, p. 181 – 183). Já no início dos anos 50, cresceu o número de internos chegando a 80. Com um bom número de jovens residentes na casa anexa de Valdocco, tornou-se necessário a busca de colaboração financeira para manter essa estrutura, ainda incipiente. Recebeu, então, recursos de beneficência pública e privada, além da presença de seminaristas da diocese local para serviços de vigilância, assistência e docência. A iniciativa do ensino neste local foram os germens das futuras escolas salesianas. Bosco, percebendo a exploração em que os jovens se encontravam, entende que era necessário proporcionar condições de trabalho digno. Assim fez parcerias com comerciantes e artesãos, intermediando contratos de trabalho com os mestres de ofício, em que se definiam direitos e deveres de 26 “As condições de aceitação exigiam que o candidato fosse isento de doenças ‘asquerosas ou infecciosas’, como sarna, tinha escrófula e semelhantes, com atestado médico, obedecendo às normas legais das autoridades sanitárias e escolares. O sistema antigo de educação das escolas era disciplinado pelo rosto severo do professor e pelo chicote. As inovações de Dom Bosco arejavam em demasia a liberdade e causavam preocupação, principalmente, por serem novidades” (SANTOS, 2000, p. 141 – 142). 28 patrões e aprendizes. Assim, de um lado, estes ensinavam o ofício aos jovens e, de outro, os mesmos produziam com vantagens para o empregador. Isso funcionou por certo tempo, sobretudo na área de tipografia. Em 1853, foram fundadas as oficinas de carpintaria, sapataria, tipografia e outras. Tinham como trabalhadores os próprios jovens residentes do internato. Era uma combinação de ensino, trabalho e moradia, tendo como viés a perspectiva religiosa. Para Bosco, o ato de trabalhar e inserir-se com qualidade e dignidade na sociedade, de ter moradia e estudar um ofício era um ato educativo de ordem moral para alcançar uma finalidade escatológica: a própria salvação (FERREIRA, 2008). Conforme Saviani (2008, p. 13): “[…] o trabalho educativo é o ato de produzir, direta e intencionalmente, em cada indivíduo singular, a humanidade que é produzida histórica e coletivamente pelo conjunto dos homens”. Pelos bons resultados das aulas em formato de internato, no ano de 1862, Bosco pede ao Ministério da Instrução Pública a aprovação das escolas secundárias do oratório como ginásio privado (BRAIDO, 2008). Com o êxito do ensino da escola secundária em Valdocco, foi solicitado, por parte do Arcebispo Dom Lorenzo Gastaldi, que Bosco e sua congregação, já fundada no ano de 1859, assumissem colégios particulares em situação pedagógica e financeira debilitada. Isto foi motivo de muitas discussões internas entre os salesianos. Por se tratar de um pedido do arcebispo Dom Lorenzo Gastaldi, (BUCCELLATO, Bosco aceita a direção 2009). Posteriormente, o do prédio colégio de Valsalice foi comprado pelos salesianos, passando a ser patrimônio da Sociedade de São Francisco de Sales. Conforme Braido (2004, p. 150): Depois, a partir dos anos 60, vários colégios-internatos foram assumidos por Dom Bosco com base em vários convênios com municípios desejosos de oferecer estudos secundários aos filhos de boa família do lugar. De Turim, as instituições se espalham rapidamente pela Itália, fora da Itália, na Europa e além-mar, em uma cadeia que não cessou de se desenvolver em ritmo ininterrupto e veloz: [...]. 29 Bosco foi também um exímio construtor de edifícios para culto, Igrejas e capelas27. Ocupou-se de grandes empreendimentos, tanto em Turim como em Roma. De forma resumida, Santos (2000, p. 147) explica que: Para entender o desenvolvimento da obra de Dom Bosco, após 1860, é necessário examinar a situação da Itália nessa época, envolvida como estava no esforço de conseguir a unidade política sob o modelo liberal, que, aliás, se estendia por toda a Europa. O Oratório de Valdocco fervilhava de atividades nas oficinas, especialmente, tipográficas que publicavam uma grande quantidade de livros populares com o objetivo de atender à melhoria da cultura cristã do povo e também limitar o avanço do protestantismo (considerado por Dom Bosco como subversivo por tentar eliminar a autoridade) e do iluminismo, procedente do século anterior. Igrejas, Oratórios, Escolas e Oficinas profissionais são para Bosco instituições e ambientes inseparáveis. Muitas destas escolas, passado século e meio, existem atualizadas pedagógica e cientificamente até hoje28. Além disso, novas frentes de trabalho educacional foram incorporadas ao contexto salesiano, como as instituições de ensino universitário (IES), as medidas socioeducativas com jovens que cometeram atos infracionais e, mais recentemente, o início de reflexão sobre os novos pátios, entendidos como o mundo virtual, televisivo, elementos e aparatos de comunicação em geral. Conformam realidades distintas com públicos diferentes. Esses trabalhos não foram idealizados por Bosco, embora haja a compreensão que, se vivesse hoje, seria o primeiro a promover essas modalidades educacionais por corresponderem às necessidades do nosso tempo, além de estarem arraigadas no sistema salesiano de educação. 27 “Dom Bosco, financeiramente, partira do nada. Edifícios e terrenos não eram de sua propriedade, mas alugados. Em Valdocco começara logo a adquirir e ampliar. A primeira construção relevante, por dimensões e custos em dinheiro, foi a de uma igreja dedicada, obviamente, a São Francisco de Sales: ‘primeira – escrevia a Rosmini – elevada no Piemonte em favor da juventude abandonada’ ” (BRAIDO, 2008, p. 243). 28 Torna-se importante esclarecer que, distante de uma tentativa de reforçar a figura de Bosco como um mito, são elencadas as referências históricas de seus trabalhos e obras realizadas. 30 1.3.1 Na Itália, o período da fundação No ano de 1859 é fundada a Sociedade de São Francisco de Sales 29. Após dez anos de reformas, atualizações e acomodações às exigências de Roma, a fundação salesiana recebe a aprovação definitiva em 1869. Alguns anos antes, em 1854, Bosco se dirige a alguns jovens comprometidos30 com o serviço do Oratório e lhes propõe um exercício prático de caridade e um voto a Deus, sendo as premissas do ato de fundação, que tinha por finalidade: a colaboração na salvação da juventude, a vivência virtuosa dos sócios e no bom cumprimento da missão, encontro do caminho da santificação (CONSTITUIÇÕES SALESIANAS art. 2, p. 20). A criação desta estrutura institucional religiosa favoreceria a continuidade do trabalho realizado por ele e seus colaboradores. Assim não se perderiam os oratórios, colégios, centros profissionais e Igrejas que estavam sob sua responsabilidade e administração. Era uma preocupação não só com o fator administrativo, mas, sobretudo, com o método educativo e catequético vivenciado em cada ambiente: o Sistema Preventivo. O período de fundação e expansão inicial da obra salesiana aconteceu, conforme elucidações anteriores, num cenário político instável, de transformações socioeconômicas e de intensos e acalorados debates 29 Francisco de Sales, primogênito entre os 13 filhos dos Barões de Boisy, nasceu no castelo de Sales, na Sabóia, em 21 de agosto de 1567. Por devoção dos pais ao Poverello de Assis, recebeu seu nome e, chegado ao uso da razão, o menino escolheu-o por patrono e guia. Baluarte da Contrarreforma e Doutor da Igreja. Uma das maiores figuras da Contrarreforma católica na França, tido pelos seus contemporâneos — incluído o grande São Vicente de Paulo — como a mais perfeita imagem do Salvador então existente na Terra. Disponível em: http://www.lepanto.com.br/catolicismo/vida-de-santos/sao-francisco-de-sales/. Acesso em: 23jan-2013. Documento avulso. Bosco no século XIX o teve como santo inspirador. A bondade do trinômio salesiano é reflexo da vida virtuosa de amabilidade e brandura de São Francisco de Sales. A Congregação salesiana recebe o nome do santo, haja vista a simpatia que Bosco tinha por este, sem contar que almejava que os membros da nascente fundação tivessem como guia o estilo de vida de São Francisco de Sales. 30 “Um testemunho escrito pelo padre Miguel Rua, que tinha ido viver no Oratório em 1852 aos 17 anos de idade, recebendo pouco depois a veste clerical, faz remontar a 1854 o empenho que já contém as premissas de uma consagração com vistas a um ‘exercício prático da caridade’. Ele escreve: ‘Na noite de 26 de janeiro de 1854, reunimo-nos no quarto de Dom Bosco: além dele próprio, estavam presentes Rocchietti, Artiglia, Cagliero e Rua. E foi-nos proposto fazer, com a ajuda de Deus e de São Francisco de Sales, uma experiência de exercício prático da caridade para com o próximo, a fim de chegar depois a uma promessa e, em seguida, se fosse conveniente, fazer um voto a Deus. Desde aquela noite, deu-se o nome de Salesianos aos que se propuseram e, no futuro, propuserem fazer tal exercício” (BUCCELLATO, 2009, p. 125). 31 educativos e escolares. A religião se via enfraquecida pelos interesses políticos marcados pelo anticlericalismo e pelas revoluções. Segundo Lenti (2012, p. 502): A República Romana terminou com a intervenção francesa. Pio IX retornou a Roma em abril de 1850. Entretanto, não acabaram os problemas políticos do Papa. No início e em meados da década de 1850, continuou a secularização da vida italiana; fecharam-se conventos e mosteiros; decretaram-se leis contra a Igreja. Roma passou a ser a capital da Itália em 1870, indicando o fim do poder temporal do Papa. Pio IX, não aceitando tal situação, contestou a lei das garantias e todas as propostas do governo italiano que buscavam acordo com a Igreja e se retirou a um confinamento autoimposto no Vaticano (Idem, ibidem). Quanto ao cenário político, destaca-se a sucessão de reinados no Piemonte: Vítor Emanuel I (1802 – 1821), Carlos Félix (1821 – 1831), Carlos Alberto (1831 – 1849), Vítor Emanuel II (1849 – 1878), Humberto I (1878 – 1900), que tomaram parte na revolução nacional (BRAIDO, 2004). No período da fundação da obra salesiana, progridem ideias liberais 31, espalham-se movimentos e sociedades quase sempre secretas, como maçonaria, as ligas estudantis e as federações decididas em promover movimentos radicais de inspiração democrática frente à soberania dos regimes monárquicos. Conforme Santos (2000, p. 136): Era a época do Ressurgimento italiano e também de messianismo educativo, em que fermentavam ideias e projetos de intensa renovação civil e política do povo, através da criação de escolas, inclusive filantrópicas, da publicação de livros, jornais e revistas em que se discutiram os problemas e métodos educativos, especialmente na Lombardia, no Piemonte e na Toscana. Ao mesmo tempo, nasciam numerosas congregações religiosas para providenciar a educação tanto feminina como masculina, quase sempre em regime de internato (asilos ou os chamados “ospizi”, pensionatos). 31 “O decênio 1852 – 1861 é dominado pelo presidente do conselho, Camillo Benso di Cavour (ministro desde outubro de 1950). Apoiado em uma coligação de liberais moderados e de democráticos não extremistas, comandados por Urbano Rattazzi, que conduz uma enérgica política de liberalização leiga do Estado, com base no princípio ‘Igreja livre em Estado livre’, unida a uma intensa atividade, visando internacionalizar o problema da unidade da Itália” (BRAIDO, 2004, p. 20). 32 No ano de 1861, Vítor Emanuel II é proclamado rei da Itália e Roma declarada formalmente capital, tornando-se capital de fato em 1871, quando houve a transferência de governo e corte de Florença, capital provisória de 1865 a 1871, para Roma. A configuração política da Itália atual que conhecemos se dá neste período. Bosco, embora de matriz conservadora do ponto de vista eclesial e político32, não se envolveu, porém, nos embates políticos e ideológicos, tendo diálogo e influência, tanto com conservadores como os liberais33, embora, por necessidade, tenha recorrido diversas vezes ao auxílio da monarquia e da Igreja. O desenvolvimento de suas obras com a tônica dada ao trabalho educativo e catequético acontece inicialmente no período monárquico, quando predomina uma política civil conservadora e uma Igreja tradicional. Quando os ventos da política liberal, e até anticlerical, surgem, Bosco se vê na necessidade de se adaptar e reelaborar seus planos de fundação e evangelização34. 32 A literatura salesiana apresenta Bosco como uma pessoa fiel à figura papal, inclusive em assuntos que envolviam a Igreja e o Estado. No processo de unificação italiana em que parte do Estado Pontifício foi tomado pela nova república, Bosco permaneceu ao lado dos posicionamentos e posturas papais (BRAIDO, 2008). 33 Vale ressaltar que o cenário religioso e político da península itálica teve diferentes configurações no século XIX. Na década de 1840, Bosco e o clero turinês foram perseguidos por radicais liberais. “[...] também em Turim, houve perquirições e prisões de eclesiásticos fiéis ao Pontífice. Dom Bosco não foi uma exceção. Estava em boas relações com o Arcebispo no exílio. Quando o Arcebispo de Pisa foi aprisionado e conduzido a Turim, na casa dos Lazaristas, Dom Bosco teve um encontro com ele que durou umas duas horas” (FERREIRA, 2009, p. 34). Já na década de 1850, tornou-se intermediário entre figuras políticas como o primeiro ministro Cavour e o cardeal Antonelli. “Quando Dom Bosco foi a Roma pela primeira vez, em 1858, recebeu uma carta de Camilo Benso de Cavour. A diocese de Turim estava sem bispo há muitos anos; Dom Fransoni continuava no exílio e não renunciava ao cargo. Impunha-se encontrar uma solução para o problema. Cavour propunha como saída, que a S. Sé nomeasse para Turim um coadjutor com direito à sucessão. Em compensação, que fizesse cardeal a Dom Fransoni, reconhecendo-lhe assim publicamente os méritos. Dom Bosco tratou do assunto com o Cardeal Antonelli, Secretário de Estado. Voltando a Turim, falou com cavour e com o Núncio Apostólico, Abade Caetano Tortone. Mas a questão infelizmente não encontrou uma solução que satisfizesse a todas as partes e as tratativas terminaram em nada” (Idem, Ididem, p. 33). 34 “O processo de institucionalização provavelmente foi acelerado pela intervenção de fatores externos. Particularmente um colóquio com o ministro Rattazzi em 1857 teria feito intuir a Dom Bosco a necessidade de dar continuidade à sua obra e à específica forma jurídica a ser conferida à nova Congregação, para evitar disposições governamentais e qualquer possível sequestro dos bens eclesiásticos. Uma viagem a Roma em 1858 e as audiências do papa Pio IX entre 9 de março e 6 de abril daquele ano teriam finalmente contribuído a estabelecer as bases da nova Sociedade” (BUCCELLATO, 2009, p. 126). 33 Neste contexto, no Piemonte, há gradual interesse pela cultura e pela escola popular. Por outro lado, o poder executivo foi pondo limites sempre mais apertados às escolas particulares. Quanto a isso, Braido (2008, p. 403) esclarece: É óbvio que as maiores e mais imediatas preocupações de Dom Bosco tinham como objeto primordial o Oratório de Valdocco, que se encaminhava para se tornar, por precedência cronológica, amplitude e prestígio, a casa mãe tanto das suas obras juvenis como da congregação religiosa. E o Oratório, por antonomásia, era o arquétipo e o centro de irradiação de um novo tipo de obras que começavam a ter prioridade na atividade educativa: as escolas e os aprendizes, preferivelmente organizados no interior de colégios ou de internatos, com oratório anexo, festivo e quotidiano. No ano de 1863, Bosco inaugura a primeira casa salesiana fora de Turim, Mirabello Monferrato, colégio que abriu as portas com o número de 90 alunos. Seguidamente, colégios e obras foram abertos e/ou passaram à direção de Bosco junto aos seus salesianos. Tratou-se dum fenômeno notável de colegialização que se alargou posteriormente. Foram feitos sucessivos convênios com os municípios de Cherasco (1869 – 1871), Alassio (1870) e Varazze (1871) para gestão de colégios civis e ainda a aceitação do colégio dos nobres, de Valsalice – Turim (Idem, ibidem). Também nos anos 1870, Bosco assume a responsabilidade de construções de Igrejas como a de Nossa Senhora Auxiliadora, São Segundo, São João Evangelista e outras, entendendo que a educação sem religião é manca. Estes empreendimentos foram fruto de uma Itália ainda não unificada, com diversos problemas: êxodo rural e inchaço demográfico urbano com préindustrialização no Piemonte. Apesar dos problemas econômicos políticos e sociais, as obras de Bosco: internato – escolas, centros de ofícios profissionais e Igrejas se expandiram e prosperaram em variadas localidades da Itália, mostrando já uma vocação de expansão para além dos territórios da península itálica. 34 1.3.2 No mundo, a caminho da interculturalidade O continente europeu, representado pelas principais potências econômicas, vivia no início do século XIX o contexto da restauração da antiga ordem política deliberada no Congresso de Viena, no dia 1º de setembro de 1814 a 9 de junho de 1815. De todas as deliberações e acordos recolhidos nas atas do Congresso, eis as mais importantes: 1. As monarquias da Áustria e Prússia foram restauradas com numerosas adições e ajustes. Por exemplo, na Itália, com o domínio sobre Milão (Lombardia), a Áustria recebeu a região de Veneza, formando o Reino Lombrado-Vêneto. 2. O Reino dos Países Baixos, integrado por Holanda e Bélgica, foi formado no quadro do antigo governo hereditário, reinando então Guilherme I. 3. Uma Confederação alemã foi criada para substituir a Confederação do Rin (Rheindund) do tempo de Napoleão e o antigo Império que compreendia 39 estados soberanos. 4. A Rússia recebeu a maior parte do Grão-ducado de Varsóvia (Reino da Polônia), enquanto Cracóvia, ao sul, tornou-se um estado independente. 5. O Reino Unido manteve Malta, Helgoland (pequena ilha no mar do Norte), uma parte das colônias da França e dos Países Baixos e a República das Sete Ilhas Jônicas, posteriormente cedidas à Grécia. 6. A Suécia manteve a Noruega, adquirida anteriormente por força de um tratado. 7. Os 19 cantões da Suíça passaram a 22, mediante a adição de Genebra, Neuchâtel e Wallis. 8. As dinastias da Espanha e dos estados regionais italianos foram restauradas. 9. A Grã-Bretanha, Alemanha, Áustria, Prússia e Rússia mantiveram a fórmula congressual na “Quádrupla Aliança”. (LENTI, 2012, p. 129). Ilustração 3 – Mapa do império napoleônico 35 Disponível em: http://www.portalsaofrancisco.com.br/alfa/imperio-napoleonico/periodonapoleonico.php. Acesso em: 19-jan-2013. O retorno à antiga ordem política representava o retorno à monarquia. A Itália volta a ser uma ‘colcha de retalhos’, dividida em reinados, ducados e jurisdições de países vizinhos. Anterior ao Congresso de Viena, entre o período do consulado, império e o governo de cem dias da era napoleônica, a Europa recebera outra configuração de ordem política. A França (Cf. ilustração 3) tinha sob seus domínios, países anexados por força do exército e países vassalos como o caso da Espanha, havendo sujeição por motivos de herança familiar e reinado. Ilustração 4 - Mapa da Europa após o Congresso de Viena (1814 – 1815). Disponível em: http://www.unificado.com.br/calendario/10/congr_viena.htm. Acesso em: 19-jan2013. O Reino Unido e a Confederação alemã (Cf. ilustração 4), potências econômicas expressivas pós Congresso de Viena, tiveram no contexto da revolução industrial, relevante projeção no cenário mundial. A estável relação diplomática com a península itálica favoreceu que esta angariasse recursos para a incipiente pré-industrialização da época de Bosco, e não somente nesta 36 região, mas em todas as futuras nações e países subjacentes como Espanha, países baixos, França, etc. A industrialização proporcionou às nações europeias o desenvolvimento econômico, como seus benefícios e mazelas como inchaço demográfico urbano, e com crescimento de problemas como a violência, a falta de moradia, a baixa e/ou inexistente qualidade de escolarização dos imigrantes e das pessoas provindas de áreas rurais, etc. Neste contexto 35, muitas Ordens e Congregações religiosas foram interpeladas a assumir o trabalho com internatos, abrigos, obras sociais, escolas profissionais, gráficas e oratórios festivos (PASSOS JÚNIOR, 2011). Os salesianos de Dom Bosco (SDB), já estabelecidos e consolidados como Congregação na Itália, partem para expedições missionárias. Em 1875, ano do impulso missionário, desenvolvem e constroem obras em Bordighera – Vallecrosia (Itália), Nice (França), Almagro (Argentina), Buenos Aires (Argentina), Montevidéu (Uruguai) Marselha (França), Utrera (Espanha), Paris (França) (BRAIDO, 2004). Como nos diz Ferreira (1995, p. 55 - 56): Desde 1875, a congregação começou a sua expansão na Europa e na América. Na França, ele tinha fundado a casa de Nice. E de Turim tinha deixado para a Argentina a primeira expedição missionária salesiana. Guiado por Dom Cagliero, chegou ao porto de Montevidéu. [...] Os salesianos no momento prosseguiram a viagem para Buenos Aires e no ano seguinte aceitou o colégio Villa Colón. Depois, veio o pedido de ajuda pelo Delegado Apostólico, Mons. Angelo Di Pietro, para resolver a grave situação em que se encontrava depois da Guerra do Paraguai da Tríplice Aliança. Dom Bosco aceitou o convite da Santa Sé para enviar missionários e nomeou o inspetor de Buenos Aires encarregado de prover. Mas no final vieram os lazaristas, enquanto os salesianos os substituíam na Patagônia. [...] A congregação tinha propostas para abrir missões no Oriente e nos 35 “Com o declínio das corporações de ofício, no século XIX, floresceram na América e, sobretudo na Europa congregações religiosas masculinas e femininas preocupadas com o ensino profissional, tais como Salesianos, Lassalistas, Irmãs da Congregação de São José, etc. São congregações que estruturam suas atividades pedagógicas à luz das necessidades sociais criadas pela industrialização e urbanização. O estudo do ensino profissional dessas congregações é muito importante para se entender as escolas técnicas e profissionais do século XIX, uma vez que aquele ensino constitui, de certa forma, o embrião dessas escolas” (BUFFA, NOSELLA, 1998, p. 35). 37 Estados Unidos: as negociações entravam em porto após a morte do 36 fundador (Tradução nossa). Tal expansão missionária ultrapassou fronteiras do além mar. Desde o primeiro envio missionário pelas mãos de Bosco, em 1875, a tantos países, também ao Uruguai, o mais distante nesse período, fincou raízes em solo sulamericano37. A expansão missionária, no final do século XIX, e da congregação, no século XX, tem como causa não somente o êxito e eficiência do método educativo, mas também os esforços de adaptação38 dos sócios salesianos às realidades das nações que os requisitaram como missionários. Não é fácil adequar-se a uma cultura. Portanto, o aculturar-se, tornou-se ao longo dos tempos, o primeiro passo para a vivência da pedagogia da bondade de Bosco. O êxito da rápida expansão se deu de acordo com a capacidade de se integrar e interagir dos salesianos39 com os povos de 36 Nota de tradução. “Dal 1875 la congregazione aveva iniziato la sua espansione in Europa e in America. In Francia si era fondata la casa di Nice. E da Torino era partita per l'Argentina la prima spedizione missionaria salesiana. guidata da don Cagliero, aveva toccato il porto di Montevideo. [...] I salesiani al momento proseguirono il viaggio per Buenos Aires e l'anno successivo accettarono il collegio di Villa Colón. Venne poi la richiesta di aiuto da parte del delegato apostolico, mons. Angelo Di Pietro, per tentare di risolvere la grave situazione in cui si trovava il Paraguay dopo la guerra della triplice Alleanza. Don Bosco accettò l'invito della Santa Sede di inviarvi missionari e diede all'ispettore di Buenos Aires l'incarico di provvedere. Ma alla fine vi andarono i lazzaristi, mentre i salesiani li sostituivano in Patagonia. [...] Alla congregazione arrivavano proposte di aprire missioni anche in Oriente e negli Stati Uniti: le trattative sarebbero arrivate in porto dopo la morte del fondatore”. 37 No final do ano de 2012, os salesianos no mundo somam um contingente de aproximadamente dezesseis mil membros em cento e trinta e uma nações. 38 É importante mencionar que a palavra “adaptação” deve ser entendida como capacidade de operacionalizar os recursos materiais e logísticos da época. Por outro lado, do ponto de vista ideológico e religioso, Passos Júnior (2011, p. 107) afirma que, fruto de um processo de romanização; “[...] a grande missão que lhes cabe é civilizatória que como europeus, se entendem portadores de uma cultura superior que deve ser passada para um povo bárbaro. Como educadores devem passar o saber para ignorantes. Como sacerdotes devem converter a pecadores devassos. Como católicos devem restaurar verdadeira religião fiel ao papa. Da nova terra nada têm a receber e tudo tem a dar. Transplantar, literalmente a Europa, seus costumes, mentalidade, hábitos e práticas são um ato de caridade cristã e civilizatório. Daí, os colégios se fecharem como ilhas para o mundo ‘lá fora’ e se constituírem ‘cidades’ perfeitas de sabedoria, ciência, saber e conhecimento. Ignora-se a realidade dos autóctones que serão educados quando forem europeizados e serão evangelizados quando forem romanizados”. 39 Nós, Salesianos de Dom Bosco, oficialmente pertencidos à Sociedade de São Francisco de Sales, somos reconhecidos na Igreja como um instituto religioso clerical de direito pontifício, dedicados às obras de apostolado. Somos uma congregação religiosa masculina dedicada à atividade apostólica e missionária e para os muitos trabalhos diferentes, inspirados pela caridade cristã, mas, acima de tudo, a serviço dos jovens, especialmente os mais pobres e abandonados (Tradução nossa). “Noi salesiani di Don Bosco, conosciuti ufficialmente come la Società di San Francesco di Sales, siamo riconosciuti nella Chiesa come istituto religioso clericale, di diritto pontificio, dedito alle opere di apostolato. Siamo una Congregazione religiosa 38 variadas nações com seus respectivos costumes, culturas e contextos particulares. Villanueva (2012, p. 12) ressalta que a aculturação é: [...] marcada também pela crescente mentalidade intercultural. A globalização, a migração crescente e a fusão de culturas criam possibilidades de encontro, provocando certa purificação das mesmas estruturas e convidando à valorização das diferenças. As obras salesianas, desde sua origem até os dias atuais, tiveram papel definido em sua ação. Fazer ver o Sistema Preventivo na ótica da promoção de cada menino ou menina a educar, a resgatar na totalidade de sua vida, no sentido da antropologia cristã, mas com uma referência precisa à transformação da sociedade, para que já não sejam marginalizados (Idem, 2008, p. 32). Desde sua fundação, os salesianos sabem que sua fidelidade a Bosco está condicionada à fidelidade aos princípios cristãos e à prática do sistema preventivo que tem na presença do educador entre os educandos o sinal mais visível de que é discípulo deste educador piemontês. 1.4 Princípios referenciais da práxis educativa salesiana Bosco não foi apenas um teórico da educação. Sua práxis pedagógica se condensa num conjunto emaranhado de princípios e valores religiosos e humanos de base intuitiva, experiencial, de sua inteligência arguta e observadora (PASSOS JÚNIOR, 2011). Neste sentido, Sofner e Sandrini (2012, p. 13) afirmam: João Bosco trabalha o conceito de práxis em sua pedagogia quando se preocupa com a autonomia que os jovens deverão apresentar em relação à vida, no difícil momento histórico em que vivem. Não basta o oferecimento da educação formal, há que se preparar os educandos para as questões e conflitos da vida. Sua proposta de emancipação das pessoas chega ao nível de prepará-los para os ofícios, o que pode parecer paradoxal, mas no contexto do industrialismo europeu é pertinente. Sua interpretação do que seja a pedagogia, não apenas a forma pela qual um conteúdo ou lição seja maschile dedita all'attività apostolica e missionaria ed alle molteplici opere che la carità cristiana ha suscitato, ma soprattutto al servizio dei giovani, specialmente i più poveri e abbandonati”. Disponível em: http://www.salesianos.com.br/links-salesianos/congregacao.html. Acesso em: 19-jan-2013. 39 transmitida aos aprendentes, mas algo a ser executado e praticado em vida, transformando-se em experiência vivida com valor de reflexão do processo como um todo, é ainda perseguido em nossos tempos por teóricos e pensadores da educação. Bosco “[...] visava o progresso do educando na formação de sua consciência e na consolidação de suas convicções para que fosse adquirida plena autonomia no querer e praticar o bem” (SOUZA, 2008, p. 263). Uma consciência livre, convicta e autônoma, articulada com princípios e valores, favorece uma educação integral40 em seu quadro de potencialidades e dimensões. O método pedagógico de Bosco tem como elemento central a pessoa numa perspectiva antropológica cristã: educadores e educandos num ambiente salesiano vivenciam, por meio de práticas pedagógicas e pastorais cotidianas, elementos considerados afetivos e religiosos. Habermas (1996) define essa relação de alteridade no quadro educativo de simetria de convivência. Esta equiparação da categoria pessoas e não funções e cargos permite criar um ambiente afetuoso, pautado no entendimento da alteridade de respeito ao outro. Outro fator que corrobora neste argumento é que para Villanueva (2008, p. 15) “Os jovens devem ser provados na responsabilidade, no cumprimento dos valores41 que proclamam, na solidariedade, na autogestão”. Promover a responsabilidade do jovem não é buscar um ‘produto’ final mercadológico, e sim, a lapidação de uma vida. Na educação salesiana, o jovem não é conhecido com testes psicológicos ou no desenvolvimento de áreas específicas de trabalho ou estudo, mas sim, no pátio 42, e ambiente em que ele é espontâneo. 40 Em um enquadramento geral de dimensões do ser humano, se faz referência ao intelectual, espiritual, humano, afetivo, psicológico, etc. 41 A ideia de valor está direcionada a vertente psicológica, por tratar dos comportamentos e atitudes das pessoas, no caso deste texto, o jovem. 42 “A expressão ‘vida do pátio’ foi criada por Alberto Caviglia, o primeiro estudioso que tentou uma ampla síntese do pensamento pedagógico de Dom Bosco. A ‘vida do pátio’ deve ser entendida em sentido amplo, pois inclui passeios, encontros espontâneos pelas estradas e nos vários ambientes, as reuniões alegres e descontraídas. Enfim, tudo aquilo que não é determinado pelo regulamento e não depende da administração ordinária. Deve-se incluir, portanto, o teatro, o canto e a música, entendidos, porém, não como aula e, sim, como recreio, isto é, diversão livre e criativa, e, por fim, também as grandes ‘festas’, com sua coreografia, semelhança às competições esportivas” (PERINI, 2012, p. 93). 40 “Por vida de pátio, Dom Bosco não entendia nem a ginástica, concebida como aula, que exige atenção e trabalho, nem o esforço cansativo, e sim, um divertir-se com jogos, livre de qualquer preocupação exagerada” (PERINI, 2012, p. 93). Estratégia permeada pelo princípio da assistência salesiana. Estar presente43, afetuosa e responsavelmente é uma orientação e ensinamento vital. Exige disciplina e empenho. Processo educativo que relaciona o amor e a autoridade (VILLANUEVA, 2008). O núcleo fundamental da pedagogia de Bosco é o sistema preventivo 44, pautado pela razão, religião e amorevollezza 45. Portanto, sua proposta educativa é um estilo singular de educação pastoral, uma espiritualidade vivida na ação, pois não está e não se constitui nos moldes de um sistema científico (FERREIRA, 2008). O sistema preventivo, tal como é conhecido por nós hoje, tem elementos originários da primeira parte do século XIX, provenientes da política escolar francesa. O afloramento da discussão do termo preventivo coexistia com o método repressivo, vigente na época. Braido (2004, p. 69) referenda: Na França, o “sistema preventivo” era sustentado pelos fautores, em sua maioria leigos, do monopólio estatal da escola, como era consagrado pelo sistema napoleônico da “Universidade”. Este excluía “preventivamente” toda possibilidade de “escola livre”, não – estatal, ou então sustentava a imprescindibilidade de uma “autorização preventiva”. Era, na realidade, um sistema preventivo-opressivo”. [...] O “sistema repressivo”, ao contrário, era próprio de quantos propugnavam, de vários modos, a liberdade de ensino, sancionada em linha de princípio pela Carta constitucional promulgada por Luís Filipe I de Orléans, em 14 de agosto de 1830. O sistema era chamado “repressivo” porque a lei Guizot, de 28 de junho de 1833, que aplicava o texto constitucional, previa vários tipos de controle sobre os institutos privados, até a eventual supressão no caso de graves inadimplências de caráter jurídico, moral e didático. 43 “A carta de Roma, de 1884, insiste nesse ponto. ‘Onde estão os nossos salesianos?’ questiona o ex-aluno. E Dom Bosco conclui: os superiores já não eram a alma dos recreios” (FERREIRA, 2008, p. 27). 44 “O princípio preventivo inspira os participantes do Congresso de Viena, reunidos para redesenhar o mapa político da Europa, após a tempestade napoleônica, com o fim de restaurar o antigo, conservando o que de positivo haviam trazido as novas ideias e os novos tempos” (BRAIDO, 2004, p. 29). Na educação, ampliou-se a discussão de propostas e alinhamentos. Bosco recebeu forte influência deste contexto. 45 Para uma melhor assimilação do termo e fluidez na compreensão do conceito amorevollezza, no transcorrer do texto será utilizada a palavra bondade. 41 O sistema repressivo sempre vigorou na história da educação. Ele se apoia na exigência arbitrária dos educadores e na repressão inconteste. Mantém a hierarquia e distanciamento entre educador e educando, gerando desafetos, ressentimentos e rancores. Neste sentido, entende-se que “[...] a educação é analisada como uma prática disciplinar de normalização e de controle social” (LARROSA, 1994, p. 52). A estrutura hierárquica é própria da área militar, nem tanto na educação, embora se reconheçam papéis e o mínimo de regramento para que ocorra a educação, respeitando processos e itinerários de formação. O Sistema Repressivo consiste em fazer conhecer a lei aos súbditos, depois vigiar para conhecer os transgressores e infligir, quando necessário, o castigo merecido. Neste sistema, as palavras e o aspecto do superior devem ser sempre severos e, até ameaçadores, e ele mesmo evitar qualquer familiaridade com os dependentes [...]. (SANTOS, 2000, p. 118) Os autores Costa e Filho (2002) afirmam que, além do já conhecido modelo repressivo que assumiu no século XX, formas ainda mais degradantes e perversas do que aquelas vivenciadas em outros períodos da história, há também, como forma de classificação, o modelo preventivo clássico. Tem como vértice, o ambiente educativo, embora tenha surgido na área da saúde. Trata-se de possibilitar ao educando uma confrontação com resultados danosos, de modo que ele venha adquirir consciência da realidade. Os autores reconhecem que tal abordagem tem seu efeito dissuador, gerando sentimentos de medo e temor. Larrosa e Skliar (2001, p. 11), em forma de contestação, apresentam a ideia de que “[...] o problema já não é a dominação e tem-se a impressão de que os homens não devem aprender a viver livres, mas a viver juntos e a comunicar-se ordenadamente”, para administrar as diferenças em suas modalidades de representação do outro. Para estes, o cerne da educação está nas relações humanas, e, não tanto nas estruturas, programas e recursos. Costa e Filho fazem, ainda, menção à chamada educação no paradigma do desenvolvimento humano, que aborda a formação do jovem, partindo do critério do querer formar e não do evitar dano. São trabalhados elementos que favorecem o desenvolvimento e crescimento do educando em detrimento de aspectos de risco à sua pessoa e ao social. Este modelo se apoia na força do jovem e não na consideração de suas vulnerabilidades. 42 Com uma descrição analítica e cronológica de atitudes de abordagem educativa, reconhece-se um último modelo, visto como neopreventivo, em outras palavras, a preventidade de Bosco sob uma nova roupagem. Neste sentido, conforme Costa e Filho (2002, p. 78): [...] na relação entre jovens e riscos ao seu normal desenvolvimento como pessoas, cidadãos e futuros profissionais, ocorre no modelo neopreventivo. Esse modelo, ao invés de enfatizar os danos, procura incentivar o jovem a assumir uma atitude de autoafirmação de sua identidade e de sua autoestima. Assim, no marco desse paradigma, vemos os adultos incentivarem os jovens a serem eles próprios e a gostarem mais de si mesmos, como forma de incentivo à adoção de condutas que evitam os riscos. Hoje em dia, esse é o modelo mais praticado pelas escolas, paróquias e obras sociais populares quando se trata de evitar o envolvimento dos jovens com produtos e situações que podem ser lesivas ao seu normal desenvolvimento pessoal e social. Com a junção de elementos culturais, sociais, acadêmicos e tantos outros, Bosco deu forma ao seu sistema preventivo, com princípios de religiosidade, moralidade e de ordem que inspiravam as práticas educativas de suas obras. O jovem educando, preventivamente avisado e consciente das orientações estabelecidas, não se surpreende e nem se sente humilhado pela advertência por uma falta cometida. “O Sistema Preventivo torna avisado o aluno de modo que o educador sempre possa falar com a linguagem do coração, seja na fase educativa, seja depois dela” (SANTOS, 2000, p. 119). Atualmente, trabalha-se o retorno aos princípios originais elaborados e legados por Bosco. Não se trata mais de fazer do modo como ele fazia, já que o contexto de época era outro, mas capturar os critérios por ele elaborados, adequando-os à realidade juvenil do hoje. Para Ferreira (2008, p. 31): A preventividade, no entender de Dom Bosco, não pode ser concebida como simples proteção ou defesa exterior do educando. Seu verdadeiro sentido é positivo. O sistema preventivo, desde o ponto de vista etimológico, revela-se muito rico de conteúdo: o sentido de chegar com antecedência. À luz do pensamento de Bosco, tal procedimento preventivo é guiado pela razão, moldado pela religião e sentido pela bondade. 43 1.4.1 Razão A Razão era entendida por Bosco como razoabilidade entre a análise dos diversos fatos e aspectos do cotidiano e o bom senso no uso moral e ético. Ressaltando o mesmo aspecto, embora sejam com outras palavras e contexto, Gramsci, nas palavras de Jesus (2005, p. 37), diz que “[...] não se deve apontar para um ‘espontaneísmo’ cultural, que deixaria a formação do indivíduo à mercê do acaso. Fica o exercício do pensamento, adquirido por ideias gerais e pelo hábito de ligar causa e efeito”. Não há dúvidas que há uma visão metafísica que é apreendida de forma subjetiva por cada educando que experiencia a salesianidade, na medida em que é o objeto deste sistema educativo. Quando este jovem é convencido da relevância de tais princípios educativos, transforma, assumindo-os. Uma forma profícua de se alcançar essa razoabilidade é o diálogo, fruto do respeito e confiança entre educadores e educandos, promovendo o equilíbrio entre a sabedoria popular e intelectualidade. Para Ferreira (2008, p. 17), entende-se que: Ao diálogo unia-se a convivência. Se o educador entrava no meio dos jovens e falava com eles, acabava vendo o mundo deles com uma nova sensibilidade. Era com o diálogo e a convivência que o educador conseguia colocar-se no lugar social dos jovens. O educador tomava o jovem onde se encontrava e começava daí. Era puro bom senso e o segredo de todo auxílio. No período de Bosco, cabia ao educador mostrar a racionalidade das normas, em uma perspectiva diretiva, semelhante ao que entendemos por educação bancária46, segundo Paulo Freire, associando este modelo pedagógico tradicional. Nos salesianos atuais prevalece o conceito de ‘protagonismo’ entendendo uma ação ativa do educando no seu processo educativo, reconhecendo que ele é capaz de contribuir de forma ativa na própria educação, cabendo ao educador neste processo, o papel de facilitador e articulador, não só da aprendizagem, mas, sobretudo da educação. 46 Termo desenvolvido por Paulo Freire e faz alusão a ideia do aluno como depositário de conteúdo (FREIRE, 1987). 44 1.4.2 Religião Quanto à religião, pela sua própria natureza dá ensinamentos e preceitos de que Bosco procurava contextualizá-la para o cotidiano da urbe, o diferente das práticas religiosas do campo (PASSOS JÚNIOR, 2011). Para ele não havia sentido o trabalho educativo, se não tivesse como vértice a figura divina47. Entendido e integrado este princípio, o educando poderia então, por meio da pessoa do educador, moderar seus ideais de mundo. “Entende-se assim, que o ser humano possui uma propensão a buscar significado para a vida por meio de conceitos que transcendem o tangível” (GIOVELLI et al, 2008, [S/P]). Desta forma, o jovem, quando percebido e entendido de forma explícita e radical o sentido de sua existência, passa a demonstrar corresponsabilidade na vida de fé. Estar com o jovem é educá-lo implícita e suavemente. A religião desenvolve não só a consciência do transcendente, mas também promove a responsabilidade das ações. É neste sentido que a ação educativa e religiosa se complementam. Desta visão surge a máxima salesiana de evangelizar educando e educar evangelizando. Duas faces indeléveis do legado de Bosco, que ainda que distintas, complementam-se. Entende-se a partir de Ferreira (2008, p. 22) que: A religião não tinha para Dom Bosco uma função puramente exterior ou instrumental. Não desejara que se fizessem práticas de piedade, nem queria, em si e por si, a frequência aos sacramentos pelo simples fato de que são eficazes para a educação. Viver a religião era tornar mais robusta a vida de graça, prevenindo em tempo as insídias do mal. Não eram impostas práticas devocionais ou de piedade, ainda que fosse sob uma ótica reforçadora da religiosidade popular (SANTOS; CASTILHO, 2003). Na tentativa de favorecer condições de crescimento espiritual e religioso aos seus jovens, sempre oportunizou a conversa pessoal e o aconselhamento. 47 Figura divina pautada em um modelo de Igreja Católica Apostólica Romana institucional e não como comunhão, concepção eclesial atual. Deus é entendido como figura masculina, cultuado em instituições específicas como ordens e congregações religiosas. A relação do divino com o humano era mediada por um sacerdote. 45 Como nos diz Leal (2010, p. 40): “Acompanhar era para ele uma necessidade do amor pastoral e educativo próprio de sua vocação”. Sobre o tema de acompanhamento e redirecionamento existencial 48, Pieri (apud Souza 2012, p. 11) nos diz que: “Na orientação, há de fato, uma importância fundamental não somente aos diretamente interessados, os jovens, mas também aos pais, professores, educadores, instituições de ensino, locais de trabalho, a realidade social”. O direcionamento existencial do jovem para o catolicismo acontece não somente pelo diálogo, mas também, na vida cotidiana, no transcorrer de atividades recreativas, festivas na comunidade educativa, ambientes de relação social que proporcionem experiências significativas de vida. Este ambiente católico pode suscitar um redirecionamento existencial, conscientização e capacidades de mobilização. 1.4.3 Bondade A bondade é o terceiro elemento da ação educativa de Bosco. Ainda que citado por último, após a razão e religião, é, porém, o primeiro elemento a ser sentido pelo jovem pelo respeito e amor percebido nos educadores. Não é nem uma cordialidade pegajosa e muito menos uma ‘técnica pedagógica’. Trata-se de um real e perceptível afeto (SANTOS; CASTILHO, 2003). Amar é mostrar apreço pelos outros e é neste sentido que o educador demonstra por suas ações, gestos e palavras, que o jovem é importante, querido e capaz. “Tal amor tornava o educador presente no coração do educando, até mesmo nos momentos em que a presença física não era possível” (FERREIRA, 2008, p. 12). Bosco valorizava o que o jovem gosta, facilitando uma aproximação amistosa, para que, por meio de mista intenção, o educador pudesse passar a 48 “O programa articulou-se a partir de uma tendência humanista existencial cristã” (MARTINS, 2010, p. 51). 46 valer para o educando. Era gostar do que o jovem gosta para que este também goste do que o educador gosta. Não é um jogo de manipulação, mas o reconhecimento da realidade juvenil. Tanto é que, anterior ao ponto de dar o primeiro passo em direção ao jovem, ainda que seja difícil, o educador deve se despojar de seus preconceitos e juízos de valor, em preparação para esse encontro, para que a relação entre educador e educando seja válida, autêntica e sustentável (SOUZA, 2008). É neste sentido que Ferreira (2008, p. 12) referenda: Para Dom Bosco, a pessoa do educador exprime de maneira encarnada a amorevollezza: presença significativa de caridade pastoral, de equilibrado e profundo amor, de afeto demonstrado. Afeto racional, jamais conturbado pelo egoísmo sensual ou por atitudes doentias. Afeto incondicional pelos jovens, que permanece apesar das faltas que acontecem, que se manifesta no compreendê-los, no sentir os fatos do ponto de vista deles, no permitir que eles mesmos encontrem o caminho para a sua correção e o próprio crescimento. “Esquecer e fazer [o jovem] esquecer os tristes dias de seus erros é a arte suprema do bom educador”. Trabalhar com jovens é dar vez a sonhos e confiar em projetos a médio e longo prazo. Essa bondade tem suas bases na razão. Guiado por ela, a bondade desperta a sensibilidade à criatividade, o sentimento da dignidade pessoal e da confiança em si (Idem, ibidem). Mais do que uma metodologia, ela é uma pedagogia em seu sentido de ordenar métodos, uma pedagogia do amor, que respeita e promove os direitos dos jovens. A educação salesiana está pautada nesta ideia de bondade que se constrói nas relações de respeito e empatia com os jovens. Hoje estes princípios educativos e pedagógicos de Bosco encontram eco no Estatuto da Criança e Adolescente49 (ECA), que traz como disposição preliminar, no artigo primeiro que “Esta lei dispõe sobre a proteção integral à criança e ao adolescente”, afirmando os direitos fundamentais de liberdade, respeito, dignidade, convivência familiar e comunitária. Neste sentido, os princípios referenciais salesianos asseguram ao jovem, formação integral em uma ótica antropológica. As relações afetuosas favorecem o desenvolvimento das potencialidades do jovem educando. Método 49 Cf. Lei Nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Anexo A, p: 196. 47 e abordagem que não se contradiz ao inferido no ECA, mas o concretiza com um tinte salesiano. O método preventivo de Bosco, tendo sido, sistematicamente, aplicado nos colégios e no pequeno seminário nos idos de 1863 – 1864, foi robustecido e consolidado quando mais colégios salesianos eram abertos. Os resultados desta pedagogia se fizeram também pela difusão de escritos biográficos de alunos de Bosco, tais como Domíngos Sávio50, Miguel Magone51 e Francisco Besucco52. Estes jovens, descritos como virtuosos53 por Bosco, representam para ele a concretização e êxito de seu método educativo e pedagógico. 50 Domingos nasceu 02 de abril de 1842 em San Giovanni di Riva próximo à Chieri, na Província de Turim. Morre em 1857 no Oratório de Valdocco - Turim. Cresceu em uma família rica de valores. Quando pequeno impressionou muito por sua maturidade humana e cristã. Esperando o padre fora da igreja, mesmo sob a neve, para servir na missa. Ele estava sempre alegre. Levou a vida com seriedade, de modo que apenas com sete anos foi admitido a fazer a Primeira Comunhão. Traçou em um caderno seu projeto de vida: Confessarei-me muitas vezes e farei a comunhão todas as vezes que o confessor me permitir. Quero ser santo e tornar os dias festivos (Tradução nossa). “Domenico nacque il 2 aprile 1842 a San Giovanni di Riva, presso Chieri, in provincia di Torino. Muere en 1857 en el oratorio de Valdocco – Turim. Cresciuto in una famiglia ricca di valori, _n da piccolo impressionò moltissimo per la sua maturità umana e cristiana. Attendeva il sacerdote fuori dalla Chiesa, anche sotto la neve, per servire alla santa Messa. Era sempre allegro. Aveva preso con serietà la vita, tanto che _ ammesso a soli sette anni alla Prima Comunione _ tracciò in un quadernetto il suo progetto di vita: _Mi confesserò molto sovente e farò la comunione tutte le volte che il confessore me lo permetter à. Voglio santi_care i giorni festivi”. Disponível em: http://sdl.sdb.org/greenstone/collect/italian/index/assoc/HASH01ca.dir/doc.pdf. Acesso em: 23jan-2013. Citação de documento eletrônico avulso. 51 Miguel Magone, ou o “rueiro de Deus”, (1845 – 1859). Dom Bosco definiu a vida como uma vida única e romântica. A biografia de Dom Bosco agradou muito aos colegas que o tinham conhecido. Agradará também aos meninos de hoje, dado que a história de Miguel poderia ser a historia de qualquer moleque das ruas (Tradução nossa). “Miguel Magone, o ‘el pandillero de Dios’, (1845 – 1859). Don Bosco definió la vida de Magone como ‘una vida singular y romántica’. La biografía escrita por Don Bosco agradó sobremanera a los compañeros que lo habían conocido y amado. Y agradará también a los muchachos de hoy, dado que la historia de Miguel podría ser la historia de cualquier chico de la calle”. Disponível em: http://www.salesianosaqp.edu.pe/site/iMiguelmagone.html. Acesso em: 23-jan-2013. Citação de documento eletrônico avulso. 52 Francisco Besucco (1850 – 1864) Muito piedoso, tímido, sensível, impressionante. De inteligência normal. Foi acompanhado antes de seu ingresso no Oratório. Quer ser padre (Tradução nossa). “Francisco Besucco (1850 – 1864) Muy piadoso, tímido, sencillo, impresionable. Inteligencia normal. Muy trabajado antes de su ingreso en el Oratorio. Quiere ser sacerdote”. Disponível em: http://www.conoceadonbosco.com/descargas/estudios/Acompa%C3%B1amiento%20en%20bio grafias%20juveniles%20Don%20Bosco.pdf. Acesso em: 23-jan-2013. Citação de documento eletrônico avulso. 53 Qualidade moral de cunho subjetivo com certa inclinação para o bem. Na época de Bosco, a Igreja romana perde os poderes de regente civil, perde também certa incidência religiosa sobre o povo. Até esse momento de passagem de poderes da Igreja para o Estado, era exigido dos fiéis leigos apenas o cumprimento das leis e ritos eclesiais. Hoje, esperam-se do fiel leigo a 48 Bosco divulgou sua obra, utilizando dum marketing de seu tempo: as cartas enviadas a jovens familiares, a amigos e a jornais. Criou e popularizou fascículos populares, escritos em estilo jornalístico. Segundo Braido (2008, p. 551): [...] Dom Bosco continuava a atividade de escritor e editor no decênio, dedicando a mesma solicitude pela continuação e difusão das Leituras Católicas, com atenção maior às regiões recentemente anexadas ao Reino da Itália. A Cultura popular, religiosa e de entretenimento continuava um de seus principais cuidados e, em base às Constituições, tornava-se um dos fins operativos primários da Sociedade de São Francisco de Sales. Esse trabalho de difícil divulgação de suas ideias educativas ampliou seus resultados com a implantação de uma tipografia em Valdocco, intensificando a estamparia e edições de livros, o que fez com que o seu trabalho educacional fosse divulgado e prosperasse54. consciência e a disposição de reconhecer a manifestação do transcendente em sua vida, bem como entender sua missão, segundo suas condições humanas e culturais. 54 “A progressiva fundação de escolas secundárias e dos respectivos colégios-internatos abria novo campo de empenho cultural em benefício de um público, sobretudo católico, mais vasto: a produção didática e paradidática, em especial no setor das línguas e literaturas italiana, latina e grega. A este fim, enquanto trabalhava pela liberdade de ensino, Dom Bosco exortava os professores mais apreciados e capazes a qualificar-se com a preparação de textos escolares, comentários de autores latinos, edições de textos clássicos italianos, dicionários. Era também uma exigência imposta pelos novos programas introduzidos na escola com a Itália unificada. Assim, em 1866, tendo como responsável o neo-laureado padre Frencesia e contando com a colaboração de Tommaso Vallauri, da Universidade de Turim, nascia a coleção Selecta ex latinis scriptoribus in usum scholarum. No primeiro biênio a coleção atingiu vinte e quatro títulos, colocando-se no nível das outras principais editoras escolares turinesas, Loescher e paravia. A partir de 1869, a coleção acolheu também obras destinadas aos liceus. Em 1884 era atualizada quanto aos textos críticos adotados e ao tipo dos comentários, ampliando o arco dos colaboradores e dos destinatários, escolas privadas e públicas. A atividade continuou com ritmo intensificado nos anos sucessivos até atingir, em 1910, os setenta e cinco mil volumes” (BRAIDO, 2008, p. 554). 49 1.4.4 Os sonhos Na tradição da educação salesiana ganham destaque os “sonhos” de Bosco. Não nos importa se foram sonhos ou se um método de dramatização de sua pedagogia, ou ainda que tenham sido simples parábolas. O fato é que essas narrações materializam de forma explícita o seu ideário educacional. O “sonho”55 dos nove anos é fundamental para quem estuda a educação salesiana, visto que seus objetivos e métodos estão aí explícitos. Neste sonho, Bosco expressa sua missão de educador, como estilo de vida e base da espiritualidade salesiana56. Padre Lemoyne, um de seus biógrafos, afirma que as palavras “sonho e Bosco” são correlatas, pois é admirável a repetição do fenômeno durante sua vida. Como nos diz Ferreira (2008, p. 33), por meio do sonho, Propõe-se uma meta a ser atingida ou norma de vida a ser seguida. Mas não se indicam os meios concretos para se atingir essa meta. Essa tarefa fica entregue à industriosidade do sonhador. A vida vivida pelo santo confirmará a proposta de sonho e levará à realização de quanto ali contido. 55 João Bosco foi chamado de homem dos sonhos. Começando do sonho vocacional tido aos nove anos até os sonhos grandiosos sobre o futuro das missões salesianas, toda sua vida e apostolado foram iluminados por estas manifestações psíquicas que o faziam viver num nível acima de seu cotidiano e que indicavam um além para a suas aspirações (FERREIRA, 2010). 56 Com o termo ‘salesiano’ compreendemos toda a família salesiana, composta por grupos institucionais oficialmente similares ao carisma salesiano. Dom Bosco inspirou o início de um vasto movimento de pessoas que trabalham de maneiras diferentes para o benefício da juventude. Ele mesmo fundou não só a Sociedade de São Francisco de Sales (Salesianos de Dom Bosco), mas também o Instituto das Filhas de Maria Auxiliadora e a Associação dos Salesianos Cooperadores. Incluindo estes e outros que foram originados em diferentes partes do mundo, a Família Salesiana tem agora 28 grupos oficialmente reconhecidos, que têm um total de 402.500 membros. Estes grupos vivem em comunhão uns com os outros, compartilham o mesmo espírito e com vocações especificamente distintas, continuando a missão que ele começou. O carisma de Dom Bosco continua a inspirar pessoas de boa vontade. Existem atualmente 27 outros grupos que estão tentando tornarem-se membros da Família Salesiana (Tradução nossa). “Don Bosco ha ispirato l’inizio di un vasto movimento di persone che in differenti modi lavorano a vantaggio della gioventù. Egli stesso ha fondato non solo la Società di San Francesco di Sales (Salesiani di Don Bosco), ma anche l’Istituto delle Figlie di Maria Ausiliatrice e l’Associazione dei Salesiani Cooperatori. Includendo questi e altri che sono stati originati in differenti parti del mondo, la Famiglia salesiana oggi comprende 28 gruppi ufficialmente riconosciuti che hanno un totale di 402.500 membri. Questi gruppi vivono in comunione reciproca, condividono lo stesso spirito e con vocazioni specificatamente distinte continuano la missione che egli ha iniziato. Il carisma di don Bosco continua a ispirare persone di buona volontà. Ci sono attualmente altri 27 gruppi, che stanno cercando di diventare membri della Famiglia salesiana”. Disponível em: http://www.salesianos.com.br/linkssalesianos/congregacao.html. Acesso em: 13-jan-2013. Citação de documento eletrônico avulso. Conferir também a Carta de Identidade Carismática da Família Salesiana de Dom Bosco. Brasília: Editora Dom Bosco, 2012. 50 Relato do sonho57: Nessa idade tive um sonho, que me ficou profundamente impresso na mente por toda a vida. Pareceu-me estar perto de casa, numa área bastante espaçosa, onde uma multidão de meninos estava a brincar. Alguns riam, outros divertiam-se, não poucos blasfemavam. Ao ouvir as blasfêmias, lancei-me de pronto no meio deles, tentando, com socos e palavras, fazê-los calar. Nesse momento apareceu um homem venerando, de aspecto varonil, nobremente vestido. Um manto branco cobria-lhe o corpo; seu rosto, porém, era tão luminoso que eu não conseguia fitá-lo. Chamou-me pelo nome e mandou que me pusesse à frente daqueles meninos, acrescentando estas palavras: - Não é com pancadas, mas com a mansidão e a caridade que deverás ganhar esses teus amigos. Põe-te imediatamente a instruí-los sobre a fealdade do pecado e a preciosidade da virtude. Confuso e assustado repliquei que eu era um menino pobre e ignorante, incapaz de lhes falar de religião. Senão quando aqueles meninos, parando de brigar, de gritar e blasfemar, juntaram-se ao redor do personagem que estava a falar. Quase sem saber o que dizer, acrescentei: - Quem sois vós que me ordenais coisas impossíveis? - Justamente porque te parecem impossíveis, deves torná-las possíveis com a obediência e a aquisição da ciência. - Onde, com que meios poderei adquirir a ciência? - Eu te darei a mestra, sob cuja orientação poderás tornar-te sábio, e sem a qual toda sabedoria se converte em estultice. - Mas quem sois vós que assim falais? - Sou filho daquela que tua mãe te ensinou a saudar três vezes ao dia. - Minha mãe diz que sem sua licença não devo estar com gente que não conheço; dizei-me, pois, vosso nome. - Pergunta-o a minha mãe. Nesse momento vi a seu lado uma senhora de aspecto majestoso, vestida de um manto todo resplandecente, como se cada uma de suas partes fosse fulgidíssima estrela. Percebendo-me cada vez mais confuso em minhas perguntas e respostas, acenou para que me aproximasse e, tornando-me com bondade pela mão, disse: - Olha. Vi então que todos os meninos haviam fugido e, em lugar deles, estava uma multidão de cabritos, cães, gatos, ursos e outros animais. - Eis o teu campo, onde deves trabalhar. Torna-te humilde, forte, robusto; e o que agora vês acontecer a esses animais, deve fazê-lo aos meus filhos. 57 Sonho relatado por Bosco em seu livro Memórias do Oratório de São Francisco de Sales, 2012, p. 28 – 30. 51 Tornei então a olhar e, em vez de animais ferozes, apareceram mansos cordeirinhos que, saltitando e balindo, corriam ao redor daquele homem e daquela senhora, como a fazer-lhes festa. Neste ponto, sempre no sonho, desatei a chorar, e pedi que falassem de maneira que pudesse compreender, porque não sabia o que significava tudo aquilo. A senhora descansou a mão em minha cabeça, dizendo: - A seu tempo tudo compreenderás. Após essas palavras, um ruído qualquer me acordou, e tudo desapareceu. Fiquei transtornado. Parecia-me ter as mãos doloridas pelos socos que desferira e doer-me o rosto pelos tapas recebidos; além disso, aquele personagem, a senhora, as coisas ditas e ouvidas, de tal modo, me encheram a cabeça que naquela noite não pude mais conciliar o sono. P. João Bosco Neste sentido, Bosco se sente chamado por Deus a realizar seu trabalho de educador, confiando que a providência divina, expressa, no sonho, pelas figuras de Jesus e Maria, não lhe faltaria com recursos espirituais e materiais. Promessa que servia de ânimo a seus seguidores quando se sentiam esgotados pelo trabalho. Há também a Carta de Roma, originada de um dos sonhos de Bosco 58. No sonho, colocado no ano de 1884, o pátio do Oratório de Valdocco não tem mais a mesma dinamicidade e alegria. Os educandos estão tristes e isolados. Os educadores, seus salesianos, estão preocupados com outras coisas, outros afazeres que não o estar com os jovens. Um sonho revelador do momento presente da época sobre a estrutura salesiana, bem como sinalizador dos perigos futuros ao carisma salesiano. “Presença não se delega, e sem ela não se educa” (PASSOS JÚNIOR, 2011, p. 94). Segundo Ferreira (2010, p.06): Com a palavra “sonho” Dom Bosco exprime uma série de relatos de não igual natureza. Na maioria dos casos, trata-se realmente da exposição de material onírico. Outras vezes são apólogos, parábolas, meios enfim de tornar clara e interessante a apresentação de ensinamentos diversos. 58 Carta de Roma de 1884 (CASTRO, 2007). Anexo C, p. 209. 52 Os elementos apresentados em cada sonho são reveladores. Interpretados isoladamente, são insípidos e mancos, mas agrupados, tornam-se um programa metodológico operacional. Bosco quis que suas obras fossem marcadas pelo espírito de família, pela sensibilidade e gestos da acolhida, pelo relacionamento amigo e simpático entre educador e educando. Construiu ambientes físicos com amplos espaços para esportes e recreações que dessem a sensação de liberdade e autonomia. Enfim, um ambiente verdadeiramente educativo, favorecendo a seus jovens a experiência do associacionismo59, visto que é natural do ser humano agrupar-se; sobretudo o jovem. [...] a primeira dimensão da proteção tutelar de Dom Bosco para seus meninos foi “a criação de um ambiente educativo rico de humanidade, de alegria e de esforço, que é já por si mesmo, veículo e expressão de valores e de propostas”. Era óbvio para Dom Bosco que não bastava tirá-los das circunstâncias em que se achavam. Havia de colocá-los em outra dimensão que lhes pusesse em evidência ante os olhos dos meninos o que sua situação afogava” (RODRÍGUEZ, 2000, p. 132 – 133). Na década de 1850 – 1860, Bosco, por intuição, soube reconhecer e aproveitar o momento de pré-industrialização a favor de seus destinatários. Percebia que o trabalho e estudo dos jovens de seus Oratórios, oficinas e internatos não avançavam significativamente em qualidade, tanto conteudista como moral. Utilizou dos serviços de mestres e professores externos da sua obra. No entanto, apartados dos anseios e proposta educacional de Bosco, não assumiram a máxima salesiana: ensinar com o coração. Acredita-se que as exigências de Bosco em reduzir a carga horária de trabalho nas oficinas de doze para oito horas, tratar os jovens com dignidade e respeitar as condições físicas de cada adolescente foram entendidas como incorretas por mestres de ofício numa cultura de exploração do trabalho juvenil. Havia ainda aqueles mestres de oficina que blasfemavam, outros que eram desleixados, sem contar aqueles que não ensinavam corretamente os 59 Bosco, em tenra idade, fundou um grupo de jovens chamado Sociedade da Alegria. Sua finalidade era o encontro, a brincadeira. “O nome vinha a calhar, porque cada sócio tinha a obrigação estrita de arranjar livros e brinquedos e provocar assuntos, que pudessem contribuir para estarmos alegres” (BOSCO, 2012, p. 56). 53 ofícios de carpintaria, sapataria, tipografia e outras funções, por medo de que os jovens os suplantassem no futuro. Com o tempo aconteceu que os mestres, sendo substituídos pelos jovens por inabilidade no ensinar e serem maus exemplos de conduta moral aos jovens aprendizes, estes assumiram as oficinas na condição de mestres de ofício provindo das bases do Oratório. Bosco os tinha animado ao estudo e trabalho, bem como contribuído com sua formação humana, religiosa e integral. Estes jovens foram denominados salesianos coadjutores60. O histórico do salesiano leigo61 se funda, exclusivamente, sobre as práticas e estilo de vivência de Bosco que nos deixa seu pensamento, anunciando para o hoje a figura do educador salesiano. Dom Bosco não se contenta com que seu coadjutor seja bom e hábil em seu trabalho, quer que seja capaz de conduzir moralmente seus empregados e guiá-los com ordem à moral e ao bem, ou seja, à virtude. Por isso, disse que a competência em assistir e conduzir seus funcionários deve ser tamanha que inspire confiança e dê segurança aos superiores de que, no local de trabalho, no dormitório e na escola onde estiver o irmão, reinará a ordem, o dever, a moral nas palavras, nos atos, nas relações entre alunos e no bem que engloba toda a virtude e tudo aquilo que se pode desejar em uma casa de educação 62 (BOSCO apud RINALDI, 2008, p. 40. Tradução nossa) . Ao longo da história da fundação salesiana, a figura do salesiano leigo foi entendida em sentido literal como coadjuvante na educação dos jovens. Hoje se contesta essa visão, pois se configura como agente imprescindível no ato educativo de prisma salesiano (LEAL; SOUZA, 2010). 60 Hoje são compreendidos como salesianos leigos. Há também variações de nomenclatura conforme o regionalismo. “Torna-se, contudo difícil precisar se a figura do coadjutor surgiu, em seu espírito, ao mesmo tempo em que a ideia de Congregação ou se foi fruto de sua experiência. Na elaboração da ideia do Salesiano leigo notam-se mesmo algumas incertezas em Dom Bosco, e até contradições, talvez também propositais para não dar muito na vista para os detratores dos frades. Não parece, todavia falso afirmar que a necessidade de homens qualificados no plano profissional desempenhou papel não insignificante nessa iniciativa. Basta lembrar as dificuldades e incertezas que surgiram quando do lançamento das primeiras oficinas dentro do Oratório” (WIRTH, 2000, p. 94). 61 Para um maior aprofundamento sobre a vocação leiga consagrada salesiana consultar as obras de BRAIDO, 1961. DICASTÉRIO DA FORMAÇÃO, 1990. 62 Non si contenta dunque Don Bosco che il suo Coadiutore sia buono ed abile nel suo mestiere, ma vuole che sia capace di dirigere moralmente i suoi dipendenti e di guidarli con ordine nella moralità e nel bene, cioè nella virtù. Perciò dice che la competenza in assistere e diriggere i suoi subalterni deve essere tale che ispiri confidenza e dia sicurezza ai superiori che in quel laboratório, in quel dormitório, in quella scuola dove c‟è il Confratello, regni l‟ordine, cioè disciplina, dovere, moralità nelle parole, negli atti, nelle relazioni tra gli alunni, ed il bene, che comprende ogni virtù, e tutto quello che può desiderarsi in una casa di educazione [...]. Nota de tradução. 54 [...] faz-se necessário uma ação personalizada no mundo, de forma que atenda e atue nos diversos contextos que se apresentem de acordo com a singularidade de cada pessoa e sobretudo dos jovens educandos. Esta é uma postura dialogal frente às diferenças e mesmo uma prática testemunhal de ‘ordem, moralidade e bem’. Palavras que atualizadas e ressignificadas à atualidade nos permite entender a ordem como a práxis responsável de abertura ao novo, a moralidade como a fidelidade aos princípios de humanização de contextos particulares e o bem entendido como a busca pessoal e comunitária de sentido que supere o tangível a partir de uma espiritualidade antropológica (Idem, ibidem, p. 541). Historicamente, esta figura vocacional, lapidada por Bosco, favoreceu e robusteceu a aceleração de ritmo do caminho educacional. Hoje, com o número reduzido de salesianos, educadores pagos realizam o trabalho educacional legado por Bosco. Caliman (2009, p. 262) traz a observação de que: O humanismo pedagógico de Dom Bosco já contemplava, em meados do século XIX, as quatro dimensões (racional, existencial, afetiva e operacional), muito próxima daqueles que se tornaram política educacional mundial no final de século XX (conhecer, fazer, ser e conviver). A qualidade da educação depende da boa articulação dessas dimensões. Em âmbito salesiano, é destacado sobremaneira o diálogo para conhecer, o estar presente para fazer, o transcender-se para ser e o querer para conviver. Aproximação de conceitos amplos e não tão ajustáveis, mas quando articulados, projetam o ser humano em sua integralidade (DELORS, 2010). De forma esquemática, Caliman (2009, p. 262) sintetiza a relação metodológica de Bosco com os pilares da educação referendados pela UNESCO. 55 Ilustração 5 - Esquema salesiano e pilares da educação Os princípios referenciais e a práxis salesiana condensam a vida e a experiência de Bosco. A atualização de conceitos da história salesiana não representa o desvio do legado do fundador, mas uma fidelidade robusta e criativa a este método eficaz: o sistema preventivo, consolidado e aplicado nas obras salesianas. 56 CAPÍTULO 2 Consolidada a presença salesiana em Niterói, São Paulo e Lorena, os salesianos estendem suas obras por diversos Estados. Este capítulo pretende demonstrar o processo de implantação e expansão da obra salesiana no Brasil, recorrendo ao histórico missionário na Argentina e no Uruguai, a partir dos historiadores interpretes Wirth, Azzi, Santos, Passos Júnior, Cunha, Evangelista, Negrão e Pacheco, das depoências de educadores envolvidos no Centro Profissional Dom Bosco e autores complementares que discutem a estrutura salesiana em contextos diversos de política, sociedade e Igreja na realidade campineira do século XX. 2.1 Implantação e expansão da obra salesiana no Brasil A expansão salesiana na Europa e continente sul-americano se deu com Bosco ainda vivo. O êxito do trabalho salesiano na educação de jovens tornara-se cada vez mais visível e bem sucedido, crescendo os pedidos de autoridades civis e eclesiásticas a Bosco para que enviasse salesianos a trabalharem com os jovens. Em alguns casos, tratava-se de assumir pedagógica e administrativamente estabelecimentos educativos. A 14 de dezembro de 1875, desembarcava em Buenos Aires a primeira expedição missionária salesiana para além da fronteira europeia. Os salesianos contavam com a generosidade e acolhida dos compatriotas italianos que, na Argentina, já conheciam a fama de Bosco e dos salesianos. De fato, os missionários salesianos “puderam verificar com os próprios olhos que a solicitude de Dom Bosco os havia precedido” (WIRTH, 2000, p. 167). 57 Ilustração 6 – Primeira Expedição Salesiana63 Extraído de (AZZI, 1982, p. 34) Quando Bosco os enviou para Buenos Aires, bem como missionários a outras nações, sob o incentivo da Santa Sé64, incumbiu-os, principalmente, de dar assistência religiosa aos compatriotas italianos que se viam fragilizados do ponto de vista religioso em terras estrangeiras. Conforme Braido (2008, p. 376): A ação pastoral em favor dos imigrantes italianos ele colocava em primeiro lugar, em ordem de tempo e de empenho. Como se viu, essa ação foi iniciada com extrema abnegação pelo padre Baccino e continuada com idêntica força pelo padre Bodrato. O caráter popular das instituições, sobretudo das escolas profissionais, e a instrução das classes inferiores e médias, da juventude pobre e periclitante, era o primeiro em ordem ao próprio salesiano, e como tal era tenazmente defendido. As urgências do trabalho em Buenos Aires, no primeiro momento, colocavam em segunda linha as perspectivas propriamente missionárias, mas também estas permaneciam no horizonte mental do padre Bodrato. Com efeito, seis meses antes de morrer, conseguia finalmente organizar a entrada dos salesianos em Carmen de Patagónes, na Patagônia Setentrional. [...] Tornava-se, também, sempre mais vivaz e concreto o empenho para a projeção missionária em direção a zonas que ele considerava mais vastas e ricas de futuro 63 Conforme a ilustração 6 na primeira fila João Cagliero tornou-se cardeal na Igreja Católica, João Bosco, comendador João B. Gazzolo e José Fagnano. 64 “Segundo o pensamento de Pio IX, os salesianos deviam ter duas metas principais em suas atividades no novo Continente: em primeiro lugar, dar assistência aos filhos de imigrantes italianos que para lá haviam afluído em grande número; em segundo lugar, ocupar-se da evangelização dos indígenas” (AZZI, 1982, p. 53). 58 que as missões patagônicas: as regiões habitadas pelos aborígenes do Brasil. Acolhidos pela comunidade italiana, os salesianos construíram, de imediato, Oratórios e realizaram atendimento religioso na Igreja Mater Misericordiae que congregava quase trinta mil compatriotas. Este trabalho trouxe prosperidade para as localidades urbanas e rurais por eles atendidas, gerando satisfação no clero local e favorecendo a expansão e consolidação das obras salesianas na Argentina. Wirth (2000, p. 167) esclarece que: Um mês após a chegada, o arcebispo congratulava-se pelo grandíssimo bem que faziam na capital. [...] lá o enérgico diretor conseguiu em pouco tempo transformar uma pequena casa em colégio, juntar-lhe um oratório, organizar missões para as estâncias disseminadas pelos campos. Em carta a Dom Bosco, datada de 10 de junho de 1876, o protetor deles, Ceccarelli lhes dizia: estimadíssimos na cidade, e acrescentava com lirismo que seu nome já ressoava em toda a América do Sul. Os pedidos de fundações se multiplicavam, mas faltavam salesianos para atender a todos. Para a Argentina foram enviadas três expedições missionárias, sendo que, parte da terceira, em 1880, foi destinada a atender as urgências religiosas e educacionais dos compatriotas italianos no Uruguai, em Las Piedras. Os salesianos conquistaram prestígio e fama tanto pelo êxito do projeto expansionista romano em que contou com o apoio eclesial e, em alguns casos, de Estados monárquicos, como por sua significatividade na educação, sobretudo pela estrutura e aparato pedagógico nos observatórios, colégios e obras. Wirth (idem, p. 168) explica que: “Mais tarde, em 1885, quando foi votada uma lei que proibia as congregações religiosas no Uruguai, tamanha era a fama do observatório de Villa Collón que o governo desistiu de molestar os salesianos”. Quando a urgência de assistência religiosa aos compatriotas italianos se fez menor tanto em solo argentino quanto uruguaio, foi dada vez à aspiração missionária aos povos indígenas, inicialmente, na Patagônia e, posteriormente, em terras brasileiras. Sabe-se que, desde 1549, os religiosos jesuítas já estavam presentes em solo brasileiro, império de Portugal. Tanto estes como 59 os salesianos foram movidos, cada qual em seu período histórico, pelo ímpeto missionário de espalhar a fé católica pelo mundo que, segundo o pensamento europeu, os indígenas eram os povos que se apresentavam com mais necessidade de catequese, sendo o período de colonização propício para o contato de religiosos com os indígenas (VAINFAS, 1995). Tanto para os colonizadores portugueses e espanhóis do século XVI, com a presença de religiosos jesuítas65 no território sul americano, assim como para os interesses modernizadores no século XIX, a presença dos religiosos salesianos nas missões brasileiras tinha idêntica utilidade, pois, em ambas as circunstâncias, ofereciam doutrina religiosa e educação aos indígenas, colonos e imigrantes, pela necessidade de civilizar e evangelizar, principalmente, os autóctones, caracterizando, obviamente, uma prática etnocêntrica. A partir de Buenos Aires, na primavera de 1878, os salesianos padres 66 Costamagna, Fagnano e Lasagna fazem a primeira expedição missionária em terras patagônicas que não teve êxito pelas más condições climáticas para navegação com quase um naufrágio devido ao mar revolto e fortes ventos. No ano seguinte, em 1879, surge uma segunda possibilidade de investida missionária, desta vez por terra, quando da indesejada confrontação entre militares e indígenas mapuches67 da região patagônica. A incursão militar de conquista do deserto pampa68 era justificada pelo temor de invasão indígena nas fronteiras da região sul e oeste. 65 Os Jesuítas dominam no Brasil o campo intelectual do século XVII e exerciam a gerência da estrutura colonial, conforme a lógica dos latifúndios monocultores. Com o tempo, “[…] passaram a ser acusados pelos empreendedores seculares de concorrência desleal, de exploração dos indígenas e de serem lesivos aos interesses da Coroa” (SAVIANI, 2008, p. 69). 66 Missionários pioneiros da Sociedade de São Francisco de Sales. De naturalidade italiana, todos se formaram sob a orientação de Bosco, no Oratório de Valdocco, em Turim. 67 “Mapu” significa Terra e “Che” significa Gente. “O povo mapuche é originário da América do Sul. Se encontra assentado desde suas origens na zona que hoje ocupa a zona central do Chile e as províncias argentinas de Neuquén, Rio Negro e parte de Buenos Aires”. Tradução nossa. “Mapu” significa tierra e “Che” significa Gente. (“El pueblo mapuche, es originario de América del Sur. Se encuentra asentado desde sus orígenes, en la zona que hoy ocupa la zona central de Chile y las provincias argentinas de Neuquén, Río Negro y parte de Buenos Aires. Disponível em: http://pueblos-originarios-argetnina.wikispaces.com/Mapuches. Acesso em: 06-fev-2013. Citação de documento eletrônico avulso). 68 Ampla planície seca, arenosa e desértica que se estende entre a região de Santa Fé ao norte e Bahía Blanca ao sul, no território argentino. 60 Os salesianos, em acordo com o general Roca, ministro da Guerra, puderam acompanhar o exército como capelães. Situação compreendida pela próxima relação de poderes entre Igreja e o Estado. À medida que cavalgavam pelos pampas, os salesianos entravam por fim, em contato com os indígenas. Segundo Wirth (idem, p. 169): Um primeiro destacamento, em que se achava o padre Costamagna chegava às margens do Rio Negro, nas fronteiras da Patagônia, no dia 24 de maio de 1879. Após semanas a cavalo, durante as quais haviam sofrido cruelmente pelo cansaço, pelo frio e pelo espetáculo de brutalidade da soldadesca contra os índios, os missionários foram tomados de profunda comoção. Ao ler as notícias entusiastas do padre Costamagna, Dom Bosco também exultava: “As portas da imensa Patagônia estão abertas aos Salesianos!”. Depois desta expedição, os salesianos puderam se organizar e instalar dois centros de trabalho missionário: um em Carmen de Patagónes, na margem esquerda do Rio Negro, e o outro na margem oposta, em Viedma. O sucesso do trabalho missionário na Patagônia fortaleceu na Europa o entusiasmo missionário salesiano nas terras distantes como o Brasil. Os salesianos, em trânsito pelo Rio de Janeiro para chegar ao Uruguai e Buenos Aires, puderam conhecer e saudar as autoridades eclesiásticas; ação sempre recomendada por Bosco. Em uma dessas ocasiões, padre Lasagna conheceu Dom Pedro Maria de Lacerda, bispo da diocese do Rio de Janeiro, que foi, posteriormente, o responsável pelos primeiros contatos e negociações com Bosco, entre 1876 até 1882, para a vinda dos salesianos ao Brasil. Sobre este assunto, Santos (2000, p. 202) afirma que: O sucesso do trabalho dos salesianos chegava ao Brasil, de onde começavam a chegar pedidos de bispos ao novo provincial no sentido de abrir instituições semelhantes em suas dioceses. Dom Bosco tinha se tornado conhecido no Brasil, graças à imprensa francesa, que falava de suas viagens e de suas realizações. Deve-se, entretanto, a D. Pedro Maria de Lacerda, bispo do Rio de janeiro, o início das 69 negociações com ele. Por ocasião do Concílio Vaticano I , houve a visita do bispo, pessoalmente, no Oratório de Valdocco, onde passou uma semana e tomou contato com sua experiência educativa. Ficou vivamente impressionado com o ambiente ali reinante. Daí para frente, não descansou enquanto não trouxe os salesianos para sua diocese. Sua atividade contagiava os demais bispos brasileiros. 69 O Concílio do Vaticano I foi o acontecimento de maior relevo na História da Igreja do século XIX. Foi convocado pelo Papa Pio IX, em 1869, e tratou sobre o racionalismo, o liberalismo e o materialismo. Disponível em: http://www.universocatolico.com.br/index.php?/historia-doconcilio-vaticano-i.html. Acesso em: 07-fev-2013. Citação de documento eletrônico avulso. 61 Em 1877, Dom Lacerda fora a Turim para convencer Bosco que enviasse missionários para sua diocese do Rio de Janeiro. Apresentou argumentos como a escassez do clero local, urgência da missão entre as tribos das florestas equatoriais, além do abandono aos jovens, após a lei do ventre livre de 1871. Bosco se sensibiliza com a realidade de abandono e marginalização dos jovens, principalmente, negros que enfrentavam a rejeição por parte de uma parcela da sociedade. Escolhe, então, o padre Lasagna, salesiano superior em terras uruguaias, para conduzir o processo de negociação com Dom Lacerda no Brasil, nação imperial que constituía um mistério para os salesianos. Nesse período vigorava no Brasil uma sociedade semifeudal, em que o sistema patriarcal era a nota dominante. “De um lado, estavam os senhores, cercados de um mundo de escravos e de servos e, de outro, o povo simples, pobre, bom, sofredor e marginalizado” (SANTOS, 1999, p. 38). Padre Lasagna, encorajado por Dom Pedro II, imperador do Brasil, empreende uma viagem exploratória pelas costas do Brasil, a partir do Rio de Janeiro até Belém do Pará, percorrendo diversos Estados e ouvindo as lamentações dos bispos que pediam ajuda para suas dioceses carentes de educação. Ao retornar ao Rio de Janeiro, propôs ao governo imperial criar um vicariato apostólico na Amazônia. Prometeu a abertura de uma casa nas colinas de Niterói que dominavam a capital. “Em São Paulo, onde eram numerosos os italianos, prometeu uma paróquia e um colégio. Seu pensamento voltava-se já para os índios70 do Mato Grosso71” (WIRTH, 2000, p. 171). 70 O ímpeto missionário europeu, desde o século XVI com os jesuítas, até os salesianos no século XIX, foram catastróficos do ponto de vista da aculturação. Entendendo que seu trabalho educacional e religioso foi uma transplantação de crenças e verdades estabelecidas no continente europeu à realidade ameríndia, não se proporcionou um processo de confrontação de conceitos locais indígenas com os europeus (PASSOS JÚNIOR, 2004). 71 Embora houvesse entusiasmo missionário para com o trabalho indígena, os salesianos entraram em território mato grossense apenas em 18 de junho de 1894, doze anos da chegada no Brasil (DUROURE, 1977). “No Brasil, a situação era muito mais delicada. A escolha de um bispo para os povos indígenas do Brasil não tinha passado pela prática normal de consultas aos bispos brasileiros e à respectiva nunciatura. No Rio de Janeiro, a sede episcopal estava vacante. Em Minas Gerais, o governo de Ouro Preto e do bispo coadjutor de Mariana tinham bom relacionamento com os inspetores-bispos salesianos. Eram esperados com ansiedade em Cuiabá, Mato Grosso. [...] Depois de visitar Botucatu, Mons. Lasagna decidiu fazer, em Mato Grosso, um verdadeiro centro missionário salesiano do Brasil” Nota de tradução. (“In Brasile la 62 Após tratativas e negociações, no dia 14 de julho de 1883, sete salesianos72 chegavam a Niterói - RJ. Deram início à fundação do colégio Santa Rosa73 e das escolas profissionais que em pouco tempo foram reconhecidas de alto nível profissional, chegando a ganhar prêmios que variavam entre troféus e certificados de parabenização em várias exposições das áreas esportiva e profissional, como mecânica e elétrica, organizadas pelo Estado e outras escolas (SANTOS; CASTILHO, 2003). O período da chegada dos salesianos no Brasil, ao final do século XIX, é marcado pelo descompasso de alinhamento ideológico nas questões do padroado74 e beneplácito75 entre Igreja e governo imperial. Segundo Passos Júnior (2004, p. 68): Formam-se duas vertentes. De um lado um clero com visão bastante independente, aliado ao imperador e marcado pelas ideias da revolução francesa e do iluminismo, de outro, o movimento de reforma intitulado de restauração, visando que Roma retomasse o controle do clero, combalido então pela ignorância, imoralidade e dependência política e econômica do Império. Esse longo processo envolveu de um lado, a formação de um clero brasileiro educado em situazione era molto più delicata. La scelta di un vescovo per gli indigeni del Brasile non era passata attraverso la normale prassi delle consultazioni ai vescovi brasiliani e alla rispettiva nunziatura. A Rio de Janeiro la sede vescovile era vacante. A Minas Gerais il governo di Ouro Preto e il vescovo coadiutore di Mariana erano in ottimi rapporti coll’ispettore-vescovo dei salesiani. Lo si aspettava pure con ansia a Cuiabá, nel Mato Grosso. [...] Dopo aver visitato Botucatú, mons. Lasagna decise di fare del Mato Grosso il vero centro missionario dei salesiani nel Brasile”) (FERREIRA, 1995, p. 26 – 27). 72 Pe. Miguel Borghino (1855-1929), Pe. Carlos Peretto (1860-1923), Seminarista Miguel Foligno (1858-1938), Seminarista Bernardino Monti (deixou posteriormente a Congregação), Irmão Domingos Delpiano (1844-1920), Irmão José Daneri (1849-1907), Irmão João Batista Cornélio (1852-1921) (SANTOS, 2000). 73 “No dia 26 de julho de 1882, foi comprada uma ‘modesta casa’, em Niterói, no bairro Santa Rosa, juntamente com o terreno anexo, planejada para ser ‘grande asilo de meninos pobres e abandonados e talvez um viveiro de novos missionários’, à imitação do Oratório de Valdocco, para levar a cruz e a civilização cristã ao centro da América Meridional. Sonhava Pe. Luís Lasagna daí partir para o Pará, Cuiabá, esta ‘na terra mais desconhecida da América’ (Idem, ibidem, p. 204). 74 O Padroado foi um tratado administrativo e religioso impulsionado pelo Papa Calisto III no século XV entre a Igreja Católica e o reino de Portugal. Posteriormente, o tratado passou a ser válido para o reino espanhol e seus domínios. Os monarcas destes reinos tinham o direito de nomear bispos e construir Igrejas e em um segundo momento, receberia aprovação papal. (COSTA, 1999). 75 O Beneplácito, inverso do padroado, era um preceito em que a Igreja Católica deliberava e determinava orientações aos fiéis católicos e ao clero, contando, em um segundo momento, com a aprovação do monarca português (Idem, ibidem). 63 Roma, com matizes de profunda fidelidade ao papado, procurando neutralizar na Igreja brasileira, não só o clero iluminista, como também o catolicismo popular, com suas devoções, irmandades e confrarias, então muito independente da Igreja. Quando informado do trabalho salesiano, em seus oratórios, escolas profissionais e obras, tanto nas missões na Patagônia como nos pampas, o imperador exprimiu vivo desejo de que o quanto antes, esses se transplantassem para o império brasileiro. “O governo imperial, que se dispusera a pagar a viagem dos salesianos de Montevidéu até Cuiabá, acedeu também em cobrir os gastos de viagem do primeiro grupo que deveria vir de Montevidéu para o Rio de Janeiro” (AZZI, 1982). Os salesianos tiveram significativo acolhimento do episcopado reformador ultramontano76 que, somado aos empenhos e colaboração de religiosos Lazaristas77, Capuchinhos78, Jesuítas79, congregações femininas e outros institutos religiosos, fortaleceram no Brasil a Reforma Católica80 de inspiração romana e tridentina (Idem, ibidem, p. 63). Reforma, aliás, almejada também pelo imperador que considerava, juntamente com seus ministros, que as ordens monásticas vigentes no país eram irrecuperáveis devido à falta de elementos religiosos, culturais e humanos suficientes no clero brasileiro, inviabilizando a reforma católica. Neste sentido, abriam-se, então, as portas para a vinda de religiosos estrangeiros81. Recém-chegados no Brasil, os salesianos sofreram também oposições. Se de um lado recebiam apoio do governo imperial e de uma parcela do 76 O ultramontanismo é uma nomenclatura associada ao processo de romanização eclesial, mais fortemente marcado nos últimos séculos. Consistiu na tentativa de fortalecer o clero em sua jurisdição local, podendo autogerir-se frente aos Estados, de carátar monárquico e republicano. 77 Lazaristas ou ainda padres e irmãos vicentinos são uma sociedade de vida apostólica masculina católica. Disponível em: http://www.pbcm.com.br/inicio.php. Acesso em: 07-fev-3013. 78 Ordem religiosa que tem como ramo os frades franciscanos conventuais. Disponível em: http://www.capuchinho.org.br/. Acesso em: 07-fev-2013. 79 Ordem religiosa denominada Companhia de Jesus, conhecida como Jesuítas. Foi fundada em 1534 por Inácio de Loyola. Disponível em: http://www.jesuitasbrasil.com/jst/conteudo/visualiza_lo12A.php?pag=;portaljesuitas;paginas;vis ualizaFixo&cod=2801&secao=32. Acesso em: 07-fev-2013. 80 Reforma interna da Igreja no Brasil no final do século XIX. Movimento eclesiástico, especialmente na classe sacerdotal. 81 “Em seu diário de 1862, ao traçar as diretrizes que norteavam a sua administração, o próprio D. Pedro II escrevia a 2 de janeiro: Não sou contrário à instrução religiosa e missão de padres estrangeiros, sob a vigilante inspeção dos bispos e do governo, enquanto não se habilitem os padres nacionais”. (AZZI, 1982, p. 61). 64 episcopado reformador, por outro eram atacados pela imprensa anticlerical de influência iluminista, que lhes atribuía preconceitos transferidos das antigas ordens religiosas presentes no império. “Os primeiros tempos em Niterói foram difíceis para os primeiros salesianos que encontram toda a forma de oposição e perseguição por alas do pensamento liberal” (PASSOS JÚNIOR, 2004, p. 72). Para esses liberais, defensores da modernização da nação e desejosos de um estado republicano, o poder clerical sempre se fizera presente no império. Acreditavam que, com a vinda de novas ordens religiosas, inclusive os salesianos, seria reforçada a influência de Roma na política nacional, tornando-a mais tradicional e conservadora. Denunciaram então a chegada dos salesianos como verdadeira invasão do ultramontanismo82 no Brasil. Após alguns anos de presença salesiana no Brasil, ficara claro que vieram para trabalhar com os jovens, oferecendo assim “elementos capazes de lhes prover as oportunidades de promoção social, ascensão econômica e libertação política e cultural” (COSTA; FILHO, 2002, p. 52). Vieram ainda para contribuir com a educação juvenil, popular, social e moral de matriz religiosa católica. Este último, não se aplicou de modo tradicional, mas moderno com novas frentes de atividade religiosa. Neste sentido, Azzi (1983, p. 74) afirma que: Foi essa uma das razões que levou D. Lacerda a preferir os 83 Salesianos aos Dominicanos , temendo a posição negativa do governo com relação a esses últimos. O próprio prelado afirmava ao P. Bodrato, em dezembro de 1876: “O governo não quer frades. O senhor me inspirou para chamar os Salesianos, porque apenas eles podem ser aceitos”. 82 Doutrina política católica. “A própria razão do nome indica claramente esse esforço no sentido de se resgatar o primado de Roma sobre o mundo ocidental, irradiando a nova doutrina para além das montanhas, isto é, das fronteiras eclesiásticas e espirituais do mundo romano, mas que reafirmasse, em contrapartida, a autoridade do papa e dos fundamentos eclesiásticos estabelecidos pelo Direito Canônico e consagrado nas bulas para todos os povos e culturas onde houvessem indivíduos que professassem a fé católica”. Disponível em: http://comunidadewesleyana.blogspot.com.br/2012/05/dicionario-teologicoultramontanismo.html. Acesso em: 07-fev-2013. Citação de documento eletrônico avulso. 83 Ordem religiosa fundada em Toulouse, França no ano de 1216 por São Domingos de Gusmão. Disponível em: http://www.dominicanos.org.br/index.php/dominicanos. Acesso em: 13-fev-2013. 65 Os salesianos eram considerados a vanguarda no âmbito da inserção no mundo do trabalho em comparação a outros institutos religiosos. Eram bem vistos e aceitos pelo seu trabalho nas escolas de artes e ofícios e pela maior facilidade em assimilar os valores da cultura moderna, embora a maioria desses religiosos europeus carecesse de espírito crítico da realidade brasileira (SANTOS, 1983). Aliás, existia carência de criticidade e de participação política também por parte do povo brasileiro, que assistiu, com pouco ou nenhum interesse, a alteração de regime imperial para o republicano. “Nesse período, apenas as oligarquias rurais dos senhores de engenho e fazendeiros dirigiam os destinos do país, enquanto a população conservava-se alheia ao sistema político de governo” (AZZI, 1983b. p. 18). No contexto de passagem de regime político imperial para o republicano, os salesianos, embora identificados com o espírito da reforma católica e sob o apoio e proteção imperial, tiveram apoio e colaboração também dos novos líderes políticos nos primórdios da república84. Fator que permitiu a consolidação e a expansão da obra de Bosco. Consolidada a obra salesiana no Rio de Janeiro, o colégio Santa Rosa implantou cursos de monotipia, encadernação, sapataria, marcenaria, mecânica e eletricidade. Tratavam-se de áreas e técnicas que muitos salesianos se especializaram na Itália, além de que no contexto do Brasil imperial, ainda que de forma tardia, estas áreas estavam em desenvolvimento, atendendo o anseio iluminista de que a capital Rio de Janeiro pudesse assemelhar-se ao nível de beleza e nobreza das potências econômicas europeias como França e Alemanha (SANTOS; CASTILHO, 2003). Este formato de ensino perdurou até 1969, quando surgiu a secundarização, modelo de ginásio industrial. Não obstante, nos idos 1885, ano de fundação da obra salesiana na cidade de São Paulo, o ensino de escolas de artes e ofícios eram 84 “Com a proclamação da República em 1889 e a promulgação da Constituição de 1891, resultado de uma tensa aliança de liberais e positivistas, a Igreja Católica foi declarada separada do Estado” (CUNHA, 2000, p. 21). Os religiosos salesianos passaram a gozar das boas graças dos novos líderes políticos republicanos devido ao formato institucional da sociedade salesiana que se adequava à legislação e exigências governamentais, não permanecendo alheio ao Estado e nem tanto, porém subserviente como outras ordens religiosas no governo imperial. 66 a técnica mais moderna de desenvolvimento social e educação juvenil no Brasil. Antes mesmo que os salesianos chegassem ao Rio de Janeiro, já havia negociações para a abertura de uma segunda casa em São Paulo 85. A proposta de fundação pareceu viável aos superiores salesianos, considerando a posição estratégica de São Paulo, pelo clima agradável e mais ameno em comparação ao Rio de Janeiro, além da proximidade com o colégio Santa Rosa, quebrando seu isolamento. Conforme Santos (1985, p. 19): Os salesianos foram os primeiros religiosos a instalarem na Capital 86 bandeirante seus colégios. Os maristas chegaram em 1897, assumindo a direção do Arquidiocesano. Os missionários de S. 87 Carlos abriram suas escolas profissionais em 1895. Os beneditinos 88 fundaram o Colégio São Bento em 1903 e os carmelitas iniciaram suas escolas somente em 1909. Os jesuítas, que possuíam o famoso colégio de Itu, transladaram-se para São Paulo mais tarde. Os salesianos chegam a São Paulo em 1885, assumindo a administração da capela anexa ao Liceu de Comércio, Artes e Ofícios que foi projetada pela Conferência Vicentina do Sagrado Coração de Jesus. No ano seguinte, em 1886, fundavam o Liceu Coração de Jesus com suas escolas profissionais que foram até quase a metade do século XX, uma das maiores escolas do gênero, respondendo aos sinais de desenvolvimento industrial que necessitava de mão de obra especializada para o trabalho. Por outro lado, por parte da imprensa local e movimentos partidários, havia críticas quanto à 85 “A viabilidade do projeto pareceu-lhe evidente e aceitável pelas seguintes razões: 1) a posição estratégica de São Paulo, cidade emergente na época, de clima mais ameno e mais agradável que o do Rio de Janeiro; 2) a proximidade da primeira casa salesiana do Rio de Janeiro, quebrando-lhe o isolamento e o assédio da imprensa liberal; 3) o apoio unânime encontrado em São Paulo à obra nascente. Pe. Luís Lasagna aceitou, imediatamente, na expectativa de que Dom Bosco não lhe recusasse o aval” (SANTOS, 2000, p. 223). 86 A congregação dos irmãos maristas foi fundada por São Marcelino Champagnat, em 1817, na França. Tratam-se de religiosos leigos não ordenados. Disponível em: http://maristas.org.br/. Acesso em: 13-fev-2013. 87 Ordem religiosa fundada por S. Bento, nascido em Núrsia, Itália, no ano de 480. Disponível em: http://www.ourladyoffatimachurch.net/ENCICLOPEDIA(B)BENEDITINOS.html. Acesso em: 13-fev-2013. Citação de documento eletrônico avulso. 88 Ordem religiosa do século XI na antiga Porfíria, atual Estado de Israel. Disponível em: http://www.carmelo.com.br/default.asp?ml1=4&ml2=0&ml3=0. Acesso em: 13-fev-2013. Citação de documento eletrônico avulso. 67 organização, proposta pedagógica e clientela atendida pelos religiosos salesianos. Cunha (2000, p. 30) explica que: [...] houve fortes críticas ao apoio que o governo prestou ao Liceu. Republicanos e maçons protestaram contra o que seria o reforço do controle clerical no ensino paulista. Além dos jesuítas, que já dominavam o ensino secundário para as classes ricas, os salesianos viriam a dominar a formação de uma classe que vai ser poderosa, a que fica entre o operário e o capitalista, isto é: o mestre de ofício. Evidentemente são críticas e observações pertinentes em um contexto de adversidade política e consolidação de regime político republicano. Não obstante, para além das críticas de favorecimento estatal à obra de Bosco na cidade de São Paulo, evidenciou-se a eficácia do método pedagógico salesiano em relação à prática pedagógica vigente em estabelecimentos estatais89 de atendimento educacional à população de baixo poder aquisitivo, sendo adolescentes financeiramente pobres. Em 1887 é fundada, na cidade de Lorena, a terceira obra salesiana, o colégio São Joaquim, marcado por significativa receptividade. As negociações de fundação desta obra, feitas entre padre Lasagna e o bispo de São Paulo, contou com o completo apoio do Conde de Moreira Lima90, figura importante da cidade de Lorena. Sua influência favoreceu que o colégio salesiano “gozasse não só do respeito da sociedade local, mas também estivesse cotado entre os melhores do Brasil” (PASSOS JÚNIOR, 2004, p. 73). A decisão dos religiosos salesianos em optar pela cidade de Lorena se deu pela localização da obra na cidade que facilitava o intercâmbio por via férrea com os Estados do Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais com suas posteriores fundações. Neste período, a cidade de Lorena como região agrária 89 “O ensino industrial dado nas Escolas de Aprendizes Artífices, desde a sua criação até o Regulamento de 1918, manteve a feição assistencial. Era ministrado por professores normalistas – e nisso não se diferenciava muito do ensino nas escolas primárias – e por mestres diretamente retirados das fábricas e das oficinas – mestres sem a base teórica, o conhecimento técnico e a formação pedagógica” (NAGLE, 1974, p. 165). 90 “Joaquim José de Moreira Lima – nasceu em Lorena, no dia 11 de junho de 1842, filho do negociante e capitalista Joaquim José Moreira Lima, natural de Portugal e de Carlota Leopoldina de Castro Lima, filha do capitão-mor de Lorena, Manoel Pereira de castro e Ana Maria de São José. Foi comerciante, agente dos correios, fazendeiro, político, titular do Império, mecenas e capitalista. Na guarda nacional de Lorena, obteve as patentes de Alferes Secretário e Major ajudante de Ordens. Fundador da Santa Casa de Misericórdia de Lorena e seu provedor por mais de cinquenta anos” (PASIN, 2001, p. 70). 68 com uma economia ancorada nos fazendeiros cafeicultores, ainda não havia se ressentido fortemente pela crise do café. Segundo Santos (2000, p. 225): O conde, com a anuência do Bispo de São Paulo, cedeu, em perpétuo, à Congregação Salesiana, o uso da Igreja de São Benedito e a propriedade do chalé anexo. Foi comprado, de um major, um grande terreno vizinho. Pretendia-se fundar um Colégio de Artes e Ofícios, que foi imediatamente aceito. A região do Vale do Paraíba e mais precisamente na cidade de Lorena, diferente de São Paulo, não havia se implantado a industrialização. Seu contexto agrário não foi favorável ao ensino profissional por falta de ambiente adequado às oficinas e demanda de jovens que justificassem tal investimento. Por outro lado, a obra abrigava seminaristas, motivo pelo qual se investiu no ensino secundário em forma de internato, já reconhecido em 1906. Na tradição salesiana, o internato era visto como a melhor forma para se consolidar um projeto educacional. Em Lorena observou-se que havia potencial para um público para os estudos colegiais: filhos de fazendeiros pagantes e filhos de agricultores não pagantes, pois o colégio atendia a ambas as classes sociais (SANTOS, 2000). A partir desta realidade foi possível implantar o colégio salesiano em Lorena. Desta forma, Evangelista (1991, p. 290) referenda: O colégio São Joaquim conseguiu formar-se como sólida escola da segunda década do novo século, terceiro de sua existência, 91 equiparado ao Pedro II , o que garantia aos seus alunos a prestação de todos os exames de conjunto como eram chamados, na própria casa, embora diante de bancas de professores nomeados pelo governo federal, com ótimas instalações e orientação de ponta do padre Mourão, o colégio tinha que conquistar renome e boa fama [...]. Em pouco tempo, as escolas de Niterói, São Paulo e Lorena tornam-se referência para a Igreja e para o poder político. Nas primeiras décadas de presença no Brasil, os salesianos são reconhecidos como educadores eficientes e modernos (PASSOS JÚNIOR, 2004). Estas três obras salesianas se configuram em contextos diferenciados. A primeira, no Rio de Janeiro, foi marcada por contradições: de um lado o apoio 91 Cf. Evangelista, 1991. 69 imperial e eclesiástico e de outro a resistência e dureza da imprensa liberal e iluminista. A prática pedagógica salesiana foi realizada não sem desgaste por parte desta primeira comunidade. A segunda, em São Paulo, o Liceu de Artes e Ofícios, granjeou simpatia tanto do governo como da população atendida, pois a atividade salesiana de preparação de mão de obra e trabalho industrial era bem quista, haja vista que a cidade estava em processo de industrialização (SANTOS, 1985). Desenvolveu seus trabalhos não sem farpas e fagulhas com a imprensa local, porém não de forma comparável com as dificuldades enfrentadas pelos salesianos no Rio de Janeiro. Há na cidade de Lorena, num ambiente bucólico e agrário, o colégio São Joaquim que atendia às elites agrárias e políticas da república velha. Para Passos Júnior (2004, p. 76): A expansão dos salesianos no Brasil é muito rápida, porque seu método de ensino, a seriedade com que assumiam a educação, o estilo de seus colégios e suas obras sociais tinham, no sistema preventivo, um referencial que respondia aos anseios do século que começava, diferentes dos que tinham configurado os internatos tradicionais, marcados então por rígida disciplina, nem sempre acompanhada de certa doçura com os alunos. O processo de implantação das obras salesianas no Brasil contou com a ressonância do trabalho educativo na Argentina e no Uruguai. Havendo fundado as três primeiras obras no Brasil, sendo o Colégio de Santa Rosa no Rio de Janeiro, Liceu de Artes e Ofícios em São Paulo e Colégio São Joaquim em Lorena, dá-se por consolidado a presença salesiana no Brasil. As obras que foram fundadas após estas três primeiras, caracterizam o período da expansão salesiana. No Estado de São Paulo, os salesianos ampliaram o número de obras, sequencialmente, para a região, hoje, conhecida como Paulista. 70 2.2 Em Campinas Consolidada a presença salesiana no Brasil, com a implantação do colégios Santa Rosa no Rio de Janeiro, o Liceu de Artes e Ofícios em São Paulo e o São Joaquim em Lorena, os salesianos iniciam o período da expansão92, com fundação de unidades nas cidades de Cuiabá, Campinas, Recife, Salvador e Rio Grande (RS) (CUNHA, 2000). Na cidade de Campinas, os salesianos chegaram em 1897, fundando sucessivamente três obras educativas: Liceu Nossa Senhora Auxiliadora, Escola Agrícola, hoje Escola Salesiana São José e Externato São João, atual Obra Social São João Bosco93. O núcleo urbano tem sua origem de um caminho de passagem de bandeirantes. Em 1732 começavam a surgir esparsas choupanas, precursoras da Freguesia de Nossa Senhora da Conceição de Campinas (MARTINS, 2010), que se consolidam quando da abertura do caminho de Goiases 94 em 1772 até 1774. Campinas permaneceu subordinada à comarca de Jundiaí até 1797, quando conquistou autonomia, elevando-se a Vila de São Carlos. Para Negrão (1997, p. 14) “A recém-nascida Freguesia mostrava-se tímida, mas prometia crescer forte e tornar-se um grande polo agrícola95, comercial, político, industrial e cultural”. Região a Centro Oeste de São Paulo, apresentava privilegiada condições naturais de clima ameno e solo hábil para plantio de café, tendo seu auge de produção no século XIX (Idem, 1997). Confirmando as palavras de Negrão sobre os aspectos econômicos e políticos históricos da cidade de Campinas, Lapa (1983, p. 28) explica: 92 No ano de 1904, os salesianos já dispunham de dezesseis estabelecimentos de ensino no Brasil, dos quais catorze tinham escolas profissionais. “As escolas salesianas não se destinavam exclusivamente ao ensino profissional, embora essa fosse a prioridade conferida pelo fundador da congregação” (CUNHA, 2000, p. 30). 93 Unidade salesiana de trabalho social. Cf. http://www.ossjb.org.br/controller.php?ac=historico. Acesso em: 25-fev-2013. 94 Passagem para caminhantes. Compreendia o trecho entre a então Vila de Jundiaí e Mogi Mirim. Disponível em: http://www.sp-turismo.com/campinas/historia.htm. Acesso em: 21fev-2013. 95 Uma visão mais aprofundada sobre a questão agrária pode ser encontrada em (Cf. SOARES, 1976). 71 No Oeste Velho de São Paulo, onde as primeiras lavouras foram estabelecidas no primeiro quartel do século XIX, a cidade de Campinas será o grande polo de expansão, em terrenos sedimentares, tendo duas irradiações marcadas pelas estradas de ferro que antecedem ou sucedem os fatos urbanos que, por sua vez, continuam surgindo ou tendo grande desenvolvimento graças ao café. A Freguesia foi idealizada e fundada oficialmente por Barreto Leme96 que planejou praças, arruamentos e condições de habitação para o povoamento que passou significativamente de 350 habitantes no período da fundação em 1774 para 7.369 habitantes em 1822, ano de emancipação brasileira do domínio lusitano (PUPO, 1983). Em 1842, ainda conhecida como Freguesia de Nossa Senhora da Conceição de Campinas, foi alçada à categoria de cidade, resgatando o nome de Campinas (MARTINS, 2010). Ilustração 7- Década de 1890 96 “Francisco Barreto Leme, o fundador de Campinas, nasceu na então Vila de Taubaté, em 1704, e ali se casou aos 26 anos com Rosa Maria de Gusmão. Veio estabelecer-se com a família no termo de Jundiaí e, ouvindo falar da uberdade do solo entre a cidade e a Vila de Mogi-Mirim, passou a residir num lugar chamado de Campinas de Mato Grosso”. Citação de documento eletrônico avulso. Disponível em: http://pro-memoria-de-campinassp.blogspot.com.br/2006/08/personagem-francisco-barreto-leme-uma.html. Acesso em: 21-fev-2013. Cf. também http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-. Acesso em: 08-mar-2013. 72 “Em primeiro plano o teto da Catedral de Campinas. Logo atrás o Teatro São Carlos, construído em 1850. As ruas que margeiam o Teatro são a 13 de maio e a Costa Aguiar. Ao fundo a torre do relógio da Estação”. Cf. O Teatro Municipal de Campinas e a sua Demolição. Disponível em: http://www.getuliogrigoletto.cng.br/teatrodemolicao.htm. Acesso em: 22fev-2013. Citação de documento eletrônico avulso. Em 1890, a cidade já possuia cerca de 60 mil habitantes e sólida estrutura socioeconômica com estabelecimentos comerciais, ferrovias, teatros e correios (Cf. ilustração 7). Quadro histórico e social que, conforme Negrão (1997, p. 15), são entendidos pela: 97 […] expansão da lavoura cafeeira , a transformação material do país, o crescimento industrial, o fim do regime da escravidão e o início do trabalho assalariado motivaram a vinda de muitos imigrantes portugueses, espanhóis, italianos e franceses, dando origem ao proletariado urbano no início do século XX. Silva (1995, p.75) esclarece que a robustez sócia econômica da cidade de Campinas, no final do século XIX, é explicada pelas transformações das relações de produção: A partir do último quartel do século XIX, apesar da agricultura manter-se como a atividade dominante, as transformações das relações de produção determinam um novo período que, por suas características básicas, está muito mais ligado aos períodos posteriores, em particular à industrialização, do que aos períodos anteriores onde a acumulação se apoiava no trabalho escravo. De forma complementar quanto ao panorama histórico do Oeste Velho de São Paulo, precisamente a cidade de Campinas, Lapa (1983, p. 32-33) afirma que a elite agrária e política paulista tiveram participação ativa no desenvolvimento da região: [...] reconheça-se que a oligarquia paulista e sua vanguarda empreendedora, como setor privilegiado das classes dominantes, conseguem desenvolver certas formas de pressão ou ação, manipuladoras dos aparelhos do Estado, acionando mecanismos de domínio político e mandonismo local. Essa vanguarda, graças à sua experiência e acumulação, bem como estimulada também pelo declínio da produtividade nas áreas mais velhas, arremetia para as frentes pioneiras, sabendo aproveitar-se das condições favoráveis do mercado. 97 O Brasil, no século XIX, teve o café como principal produto de exportação e consumo interno, sendo que o trabalho cafeeiro era o fator que caracterizava a economia como agrária. “O consumo do café dentro do próprio país é considerável, pois todo mundo saboreia várias vezes por dia essa bebida nacional, seja rico ou pobre, moço ou velho, patrão ou empregado. […] a produção de café chegou no Brasil ao seu ponto culminante, e que, sob as condições administrativas e agrícolas atuais, a soma de dois e meio milhões de sacas de café representa o máximo daquilo que o Brasil pode produzir para a exportação, sendo que neste século, tal número não representará a média das colheitas a serem obtidas” (TSCHUDI, S/D, p. 47). 73 Estes breves apontamentos históricos sobre Campinas constituem o pano de fundo para o entendimento do processo de fundação da presença salesiana nestas paragens. 2.2.1 Escolas Desde a chegada dos salesianos ao Brasil, em 1883, até se estabelecerem em Campinas, em 1897, a sociedade brasileira passara do sistema imperial para o republicano, em 1889. Essa mudança política atingiu a Igreja, pois o catolicismo deixou de ser a religião oficial do Estado, deixando o clero de ser funcionário público. Neste contexto, proliferaram os colégios privados, principalmente, os protestantes metodistas. Há também uma mudança nos modelos educacionais, quando se defende que os métodos e conteúdos para a instrução sejam elaborados de acordo o regime político, que é laico. Segundo Negrão (idem, p. 17): Entre 1837 e 1838, com a fundação do Colegio Pedro II, no Rio de Janeiro, houve a uniformização dos currículos nas províncias. Como modelo oficial de ensino no Brasil Império, esse colégio destinava-se à sociedade agrária, patriarcal e escravagista. Seu ensino caracterizava-se por ser informativo e enciclopédico, bem diferente da instrução dos jesuítas, de cunho clássico-humanístico-formativo. […] Nos moldes do Colégio Pedro II, criaram-se Liceus provinciais e colégios leigos e religiosos. […] No segundo reinado, surgiu a preocupação com o ensino profissionalizante, pois já se vislumbrava o movimento pela abolição da escravatura. A sociedade brasileira passava por transformações, principalmente, pelo surto migratório e o desenvolvimento industrial, trazendo consigo a urbanização. No final do século XIX, o parâmetro de programa educacional ideal era o do Colégio Pedro II que atendia a elite de população no Rio de Janeiro (SANTOS, 1976). Os colégios e liceus que seguissem programa semelhante teriam seus exames reconhecidos e validados pelo Estado após fiscalização pública. Após a proclamação da República em 1889, os princípios positivistas de Ordem e Progresso eram um referencial para a educação estatal, valorizando uma proposta educativa científica, sem dimensões místicas ou sobrenaturais. 74 Sob influência do positivismo de Augusto Comte, fundou-se em Campinas o Colégio Estadual Culto à Ciência, a primeira escola laica da cidade, mas não sem grande repercussão por atender um ideal maçônico de personalidades de destaque no cenário social e político como Campos Sales, Visconde de Indaiatuba, etc. (NEGRÃO, 1997). Este modelo de escola estava sendo cogitado por políticos e administradores do ensino público na década de 1890. Neste mesmo caminho de desenvolvimento escolar, no final do século XIX, em Campinas, Souza (1997, p. 24-25) explica: No dia 7 de fevereiro de 1897 foi inaugurado oficialmente o Grupo Escolar de Campinas. A ata de inauguração da escola foi transcrita pelo diretor Chistiano Volkart no primeiro relatório encaminhado à 98 Inspetoria do ensino Público em 1897 . Nesse relatório o diretor deixava evidenciado o significado político da criação dessa escola primária como obra republicana: “Antes, porém, de fazer a exposição dos fatos referentes à instituição que tenho a honra de dirigir, seja-me permitido congratular-me com o Governo pelos notáveis progressos que nestes últimos anos, a partir do dia 15 de novembro de 1889 tem feito a instrução pública no nosso Estado devendo isso aos esforços do nosso patriótico Governo e à feição nova que o mesmo tem sabido dar a esse importante ramo da administração pública. A educação da juventude é quase sempre o objetivo dos que elevados pela confiança de um povo inteiro, tem sobre si o encargo sublime de dirigir os destinos desse mesmo povo. Em nosso país onde durante muitos anos se descuidou desse importante fator do progresso, já agora os benéficos resultados do regímen adotado não se fazendo sentir, pois que diariamente vemos aparecerem novos estabelecimentos de instrução onde o ensino é ministrado com proveito e vazado nos moldes dos mais modernos processos pedagógicos. Quem observa o desenvolvimento que tem tido o ensino público nestes últimos anos e fizer um confronto com as antigas escolas régias do regime decaído e as novas escolas da República, de certo não deixará de encher-se de entusiasmo e levantar este brado: - Viva 99 a república !” A proposta educacional republicana não estava direcionada para a massa popular, e sim à elite intelectual e financeira das principais cidades do país. Em Campinas esta realidade não era diferente. Os jovens desvalidos da 98 A ata de inauguração do edifício do grupo Escolar de Campinas. Grifo em itálico do autor. Cf. SOUZA, 1997. 99 Relatório apresentado pelo diretor Christiano Volkart, do Grupo Escolar de Campinas, em novembro de 1897. Arquivo do Estado de São Paulo, Setor de Manuscritos, ordem 6.815. Cf. SOUZA, 1997. 75 fortuna não tinham meios de conciliar o trabalho e estudo formal. Na década de 1880 para 1890 foi fundado a Escola do Povo, custeada pelo Barão de Itatiba. Tratou-se de um gesto de benemerência que não era usual para a época, sobretudo relacionado à educação. Neste mesmo caminho de auxílio à realidade de jovens desafortunados de oportunidade de estudo formal “[…] o liceu surgiu com o objetivo específico de acolher os órfãos abandonados. Além disso, desde a sua fundação, foi também um colégio, ofertando educação salesiana aos filhos da sociedade campineira e regiões circunvizinhas” (NEGRÃO, 1997, p.18). A história da chegada dos salesianos, em Campinas, coincide com dois acontecimentos em 1889: a Proclamação da República e a febre amarela que ceifou, só em Campinas, mais de mil vidas. Muitas famílias abandonaram suas casas, buscando refúgio nas fazendas e municípios vizinhos. Os serviços públicos e privados ficaram parados, os estabelecimentos comerciais fechados e objetos pessoais eram incinerados. A epidemia de febre amarela foi um abalo no projeto de modernização em curso. Conforme Lapa (1996, p. 04): A epidemia forçou intervenções abruptas das autoridades e a criação de políticas públicas visando à higienização e saúde das pessoas. [...] a aspiração à modernidade que se espraiava pela ainda senhorial sociedade campineira racionalizou as práticas filantrópicas e esforçou-se por confinar os sofrimentos humanos, pois dor, pobreza e fragilidade não coadunavam com a imagem de civilidade e imponência que se buscava. Portanto cabia à Santa Casa de Misericórdia atender os desvalidos, regrando a assistência com a disciplinarização moral e social. Frente a esta situação de calamidade pública, algumas pessoas dispuseram de seu tempo para ajudar nos serviços de enfermagem e higienização da cidade (NEGRÃO, 1997). Pessoas beneméritas como Dona Maria Umbelina Alves Couto100 e do Cônego (depois bispo) João Batista Corrêa Nery101 realizaram o projeto da casa beneficente, com a finalidade de 100 Idealizadora do asilo para os órfãos desamparados da Cidade de Campinas. “Campineira de nascimento, casada com o comerciante Antônio Francisco de Andrade Couto” (NEGRÃO, 1997, p. 30). 101 Cônego Nery, como era conhecido, nasceu no dia 6 de outubro de 1863, filho de Benedito Correa Alves e de dona Maria do Carmo Neves. Em 1896, aos 33 anos, recebeu por decreto do Papa leão XIII, o título de bispo e assumiu a Diocese do Espírito Santo. “Criado o bispado em Campinas, Dom Nery retorna a sua terra natal, em 1908. Querido pelos campineiros e, 76 socorrer os órfãos da longa epidemia de febre amarela que assolou a cidade (SANTOS, 2000). Uma vez idealizado o projeto da casa beneficente, esforços não foram poupados tanto por parte do Cônego Nery como pela população de Campinas, assolada pela febre amarela. Neste sentido, conforme Negrão (1997, p. 21): 102 Os beneméritos barão e baronesa Geraldo de Resende, Francisco Bueno de Miranda e sua esposa, dona Amélia Alves Bueno de Miranda, doaram ao cônego Nery a área de 43.443 m² no bairro do Guanabara, subúrbio de Campinas, que fazia limite com as propriedades dos doadores e a estrada pública do Taquaral, tendo na frente uma rua, ainda sem nome. O local era afastado do centro, mas muito aprazível, e a planta do edifício ficou aos cuidados do 103 engenheiro salesiano Domingos Delpiano . No dia 09 de outubro de 1892 lançou-se a pedra fundamental do edifício denominado Liceu de Artes e Ofícios. Neste mesmo dia, ocorreu o acordo entre padre Lasagna e o cônego Nery de que, depois de inaugurada a construção do edifício, a administração seria entregue aos salesianos. Negrão (idem, p. 2223) destaca: O Correio de Campinas, cujo diretor era o sr. Henrique de 104 Barcelos , assim se espressou, no dia 9 de outubro de 1892: “Dá-se hoje a cerimônia do lançamento da pedra fundamental do Lyceu de Artes e Offícios. Esta cerimônia constitui um acontecimento para Campinas, porque realiza uma aspiração há muito sentida entre nós. À excelentíssima Sra. Dona Maria Umbelina Alves Couto não principalmente, pelos pobres; sua vinda representava uma esperança em relação a obras de benemerência” (Idem, ibidem, p. 29). 102 “Francisco Bueno de Miranda nasceu em Itu, em 1º de maio de 1840, filho de Francisco Bueno de Miranda e dona Úrsula Ferraz de Camargo, de estirpe genuinamente paulista. Conhecido como “Bueninho”, casou-se com dona Amélia Leopoldina Alves Bueno de Miranda, com quem teve nove filhos: Inácio, Elisa, Francisco, Luís, Anna, Joaquim, Amélia, Suzanna e Antonio. Bueninho era abastado fazendeiro e capitalista. […] Sofreu, porém as consequências da crise do café, que levou o produto a preços ínfimos e fez a Fazenda Santa Genebra decair. Em 16 de julho de 1902 faleceu a baronesa e, anos depois, no dia 1º de outubro de 1907, morreria o barão, deixando a cidade consternada” (Idem, ibidem, p. 32). 103 Salesiano irmão de origem italiana. Chegou ao Brasil no dia 14 de julho de 1883 sendo um dos sete missionários vindos para o continente sul-americano na primeira expedição missionária para além do continente europeu. Desempenhava função de engenheiro e arquiteto. Foi responsável por obras monumentais no Brasil, tendo como exemplo o Colégio Santa Rosa, no Rio de Janeiro, e o Liceu Nossa Senhora Auxiliadora, em Campinas. Disponível em: http://www.salesiano.org.br/dombosco/historia.html. Acesso em: 25-fev2013. 104 Foi diretor do Diário popular de Campinas por vinte anos. Cf. http://www.liceu.com.br/downloads/Coletanea_concurso_Liceu_115_anos.pdf. Acesso em: 25fev-2013. 77 pode haver dia mais grato do que este, em que ela vê concretizada a sua ideia. Ao cônego Corrêa Nery cabe a honra de ter lançado esse pensamento no coração campineiro e lá vê-lo frutificar com inaudito entusiasmo. A pedra fundamental do Lyceu de artes e Officios é a pedra angular da instrução dos filhos do povo de Campinas. O que vai ser este estabelecimento de educação eminentemente popular pode-se desde já prever, sabendo-se que sua Direção vai ser entregue aos padres salesianos, que no ensino manual não encontra termo de comparação com nenhum outro educador da mocidade, nas artes e nos oficios, por meio dos quais, os meninos conquistam facilmente o meio seguro de ganhar o pão”. Pelas palavras desse fragmento fica evidente que a vinda dos salesianos para Campinas estava já gravada no coração dos campineiros. Certos dos benefícios que trariam à cidade, através da educação profissional. Ilustração 8 – Pátio interno do Liceu em 1919105 Extraído de: (NEGRÃO, 1997, p. 47) A obra foi inaugurada no dia 23 de maio de 1897, mas o internato começou somente em 1898, com sessenta e quatro alunos internos, atingindo logo, em 1899, cento e cinquenta. Triênio em que “[…] as artes e ofícios foram instalados e, depois, o curso comercial, com uma grade curricular semelhante à do Liceu Coração de Jesus […]” (SANTOS, 2000, p. 227). 105 Pode-se observar na ilustração 8 as divisões de alunos divertindo-se no pátio interno do Liceu, dado que nos permite entender sobre a realidade espacial deste colégio. 78 Passados três anos de inauguração da obra em Campinas, Dom Nery, recém nomeado bispo da diocese do Espírito Santo, oficializou a doação do Liceu de Artes e Ofícios de Nossa Senhora Auxiliadora aos salesianos, no valor de cem contos de réis. Negrão (1997, p. 47) afirma que: As oficinas ofereciam aos alunos roupas, calçado, moradia, alimento e educação em tempo integral. O Lyceu de Artes e Officios era um lar. Os aprendizes lidavam com as máquinas e se dedicavam a trabalhos manuais. Frequentavam aulas de instrução especial complementar, aprendendo a ler, escrever, fazer as quatro operações, um pouco de teoria musical, catecismo e educação moral. Eram submetidos, a cada seis meses, a um exame prático. Os produtos feitos nas diversas oficinas eram vendidos à população, para cobrir os custos com a matéria-prima utilizada. Com o passar dos anos, os alunos aprendizes transformaram-se em monitores e mestres. Passados os primeiros anos de receptividade aos salesianos, o Liceu de Artes e Ofícios de Campinas começou a receber questionamentos e críticas por parte de famílias de alunos internos, quanto à estrutura formativa e curricular do curso secundário, a demora da construção do prédio que estava em expansão e rigidez das normas disciplinares como no caso da proibição dos alunos106 de visitarem os pais na semana santa e em sábado de Aleluia. Os progenitores exigiam o respeito a seus direitos paternos, enquanto que os salesianos diziam obedecer às normas da congregação, tratando-se de um modelo da escola de Valdocco (Turim – Piemonte – Itália), criados pelo próprio Bosco (SANTOS, 2000). Para Passos Júnior (2004, p. 64): Os colégios em todo o mundo assumem o mesmo formato e estilo das escolas italianas, não existindo inculturação. A nacionalidade italiana é condição para se ocupar os postos chaves na obra em todo o mundo, prevalecendo a mentalidade da superioridade da cultura europeia. A fidelidade ao ideário educacional se estende aos costumes, hábitos e até horários da própria Itália. A situação se agrava quando as famílias abastadas de Campinas passaram a exigir ensino secundário exclusivo e não ensino nos moldes 106 “O problema foi desencadeado devido à proibição, por parte do Diretor, da saída de alunos no sábado de aleluia, praxe então comum adotada em todos os Colégios Salesianos, segundo a qual os alunos não podiam sair para a casa de seus pais durante a Semana Santa. O debate está publicado no Diário de Campinas, de 6 de abril de 1898 (uma das cartas dos pais) e de 7 de abril de 1898 (resposta do Pe. Alexandre Fia)” (SANTOS, 2000, p. 226). 79 salesianos, sendo secundário e Artes e Ofício. Para Cunha (2000, p.31) comenta: A pressão da demanda das famílias abastadas por ensino secundário exclusivo e de boa qualidade para seus filhos fez que o ensino secundário salesiano se hipertrofiasse. Enquanto até 1910 as escolas profissionais salesianas formavam um quase sistema de ensino profissional, a partir dessa data elas entraram num período de decadência, quando passaram a ser meros “anexos” dos liceus, que nada mais tinham de artes nem de ofícios. Chega-se ao ponto de não se ter quase nada de Artes e Ofícios no Liceu, ainda que tenha sido construído para esta finalidade, constatando-se uma percepção míope e errônea da realidade dos salesianos, pois, não havia público e demanda de jovens que pudessem acessar os cursos oferecidos. Além de que a ausência de rendas, pela não absorção da mão de obra formada pelas poucas indústrias campineiras, era prejudicial a todos os jovens aprendizes que não conseguiam emprego, não sendo absorvidos integralmente pelo mercado (SANTOS; CASTILHO, 2003). A localização do Liceu num contexto agrário aproximava-o mais da realidade de Lorena, agrária e de população abastada que procurava ambientes para uma educação de qualidade (EVANGELISTA, 1991). Tanto as casas salesianas de Lorena como de Campinas apresentaram dificuldades semelhantes em seus inícios com a oferta de cursos de Artes e Ofícios107. Por este motivo mudaram o foco educacional para o ensino formal secundário exclusivo 108. Negrão (1997, p.53) 107 Feita uma breve aproximação dos contextos das realidades dos colégios salesianos nas cidades de Lorena e Campinas em âmbito educacional, Lapa (1983, p. 29) apresenta um quadro de aproximação contextual das cidades, considerando as diferenças de modelos econômicos, sociais e culturais: 1850 - 1910 Vale do Paraíba Velho Oeste Paulista 1. Formas tradicionais de ocupação e uso da 1. Formas capitalistas de ocupação e uso da terra terra 2. Fracionamento dos latifúndios 2. Predomínio da grande propriedade 3. Estagnação econômica 3. Progresso 4. Mentalidade tradicional na administração 4. Mentalidade empresarial capitalista da fazenda 5. Investimento improdutivo dos lucros 5. Investimento produtivo dos lucros 108 Santos (2000) afirma que o ponto determinante da mudança de ensino Artes e Ofícios para ensino secundário exclusivo no Liceu ocorreu devido à exigência da Reforma Epitáfio Pessoa, promulgada em 1901, além das situações particulares existentes nesse período como alto custo de manutenção das máquinas, ausência de renda e de demanda de jovens para realizar os cursos oferecidos, etc. As afirmações de Santos (2000) e Negrão (1997) são complementares quanto à mudança de modalidade educativa. 80 afirma da realidade do Liceu, podendo ser estendido à casa salesiana de Lorena que apresentava quadro social semelhante. As oficinas profissionalizantes não prosperaram e acabaram falindo. Isso se deu por vários motivos. Sua montagem e manutenção exigiam grandes despesas e a distância do Liceu ao centro urbano comprometia a demanda de encomendas e a venda dos produtos. O Guanabara, bairro de difícil acesso, sem arruamentos e caminhos poeirentos, dificultava a vinda de pessoas. Ademais, era problemática a integração dos estudantes mais favorecidos com os aprendizes, provindos de classe socioeconômica mais baixa. Além disso, o ensino profissionalizante, por enfatizar a atividade manual, não encontrou acollhida numa sociedade eivada de preconceitos. Entende-se que tanto na cidade de Lorena como em Campinas, a mudança de Artes e Ofícios para o Ensino Secundário, exclusivo em formato de internato, dá-se mais pela necessidade de se oferecer resposta eficaz à condição das pessoas e sociedade agrária, do que pela crítica de inadequação social dos cursos e pressão, sobretudo das famílias abastadas. A partir desta experiência de trabalho educacional infrutífera, a diretoria do Liceu Nossa Senhora Auxiliadora entrara em contato com Dom Nery, bispo de Campinas e resolvera transferir as atividades de Artes e Ofícios para o centro da cidade. Com recursos financeiros do Liceu, adquiriam, em 1909, uma propriedade109 para sediar o ensino profissionalizante. Nasce o Externato São João, que havia funcionado nas dependências do Liceu até 1911. No ano seguinte, passou a ter autonomia enquanto unidade de ensino formal, segundo regulamentação da congregação salesiana, mas não quanto à Reforma110 educacional de Epitáfio Pessoa, cujo cumprimento dos requisitos oferecia garantias de ginásio à escola. Curiosamente, tanto o Liceu Nossa Senhora 109 “Em 1905, os salesianos conseguiram um acordo com Barão Geraldo de Rezende, que fez uma doação inicial de 400.000m² para a realização do projeto. A região de Campinas estava coberta de fazendas de café, daí o interesse de se criar uma escola agrícola para fornecer mão de obra semi especializada preparada para atender aos trabalhos das fazendas. Com o falecimento inesperado do Barão, a escola só pôde tornar-se realidade em 1909” (SANTOS; CASTILHO, 2003, p. 34). 110 “Em 1º de janeiro de 1901, ocorreu a Reforma de Epitáfio Pessoa, então ministro da Justiça, cuja pasta estava anexada ao Ministério da Educação. O presidente da República, Campos Sales, aprovou o código dos institutos oficiais dos ensinos superior e secundário, do qual o artigo 361 mostrou-se decisivo para as mudanças educacionais da sociedade: Aos estabelecimentos de ensino superior ou secundários fundados pelos Estados, pelo Distrito Federal ou por qualquer associação de indivíduo, poderá o governo conceder os privilégios dos estabelecimentos federais congêneres” (NEGRÃO, 1997, p. 53). 81 Auxiliadora como o recém-fundado Externato São João111, não buscaram, inicialmente, a equiparação de grade curricular com as exigências da Reforma Epitáfio Pessoa, permanecendo com a grade de estudos de orientação italiana (Idem, ibidem). De forma concomitante à fundação do Externato São João, no centro de Campinas, os salesianos decidiram transformar os espaços destinados às oficinas de Arte e Ofício numa Escola Agrícola, sendo os germens do que é hoje a Escola Salesiana São José. Tais transformações, menos rentáveis, dirigiam-se para os jovens pobres, demonstrando o desejo da fidelidade às origens com o trabalho social e profissional, voltado para a população juvenil à margem da sociedade. 2.2.2 Escola Agrícola O projeto de fundação da Escola Agrícola floresceu quando, em 1905, o Barão Geraldo de Resende doou 4 mil m² de terras ao Liceu. Tratava-se da Fazenda Santa Genebra que não oferecia renda com a produção e venda de café devido aos preços ínfimos praticados durante a crise do café. Por intermédio do Senador General Francisco Glicério que solicitou do Congresso o benefício de cotas lotéricas anuais, a fazenda Santa Genebra foi transformada em Escola Agrícola. Com o êxito das cotas lotéricas, os salesianos alugaram uma fazenda chamada Santa Amélia, pertencente à família do Barão Geraldo. Adquiriram máquinas agrícolas, ferramentas e animais de tração e iniciaram um pavilhão como casa de máquinas. Entretanto, segundo Negrão (1997, p. 54): Apesar dos esforços e independentemente da vontade de todos, a escola não se consolidou por embargo da escritura de compra e 111 Desde sua fundação, o externato São João desenvolveu atividades educacionais formais como escola particular para meninos, e também Artes e Ofícios, principalmente, para filhos de operários, vindo a interromper suas atividades em 1994. Hoje é a atual Obra Social São João Bosco, oferecendo atendimento a crianças e adolescentes em situação de rua num bairro nascido de invasão, Vida Nova. 82 venda. Parte da fazenda foi provisoriamente alugada ao Liceu por 112 500 mil réis, até sua compra definitiva . Neste contexto de investimento na compra de imóveis, P. Carlos Peretto, diretor da escola, em nome dos salesianos, preocupava-se cada vez mais com a temerosa ideia de confisco público das propriedades religiosas, realidade vivenciada pelos salesianos em Portugal. Santos e Castilho (2003, p. 35) referendam: […] Carlos Peretto, recém-chegado de Portugal, vítima da revolução que derrubou a monarquia e a casa de Bragança. Assistira ele a confiscação de todos os bens das congregações religiosas. Para evitar a repetição de fatos semelhantes, insistia padre Carlos que se cassassem as propriedades e imóveis das comunidades religiosas à sociedade dos cooperadores que fossem católicos praticantes. Exemplos análogos a esses acabava de dar o Uruguai. Na tentativa de evitar tal desfecho de confisco, os salesianos, junto com Dom Nery, bispo de Campinas, somaram forças para dar suporte, estrutura e personalidade jurídica a esta sociedade de cooperadores. Foi a alternativa encontrada de dar início às almejadas atividades de ensino agrícola sem o risco de perder a propriedade para o governo, a exemplo do acontecimento em Portugal. Conforme Negrão (1997, p. 55): Coube ao padre Manoel Gomes de Oliveira, sucessor do padre Peretto, a constituição de uma sociedade de cooperadores, com personalidade jurídica, estatutos e contrato com a inspetoria salesiana. Com Dom Nery na presidência consolidou-se, em 1912, a Associação Agrícola de Educação e Assistência, em cujo nome lavrou-se a escritura das terras e benfeitorias da fazenda. Os sócios nada dispenderam, pois ao Liceu coube o encargo da administração geral da escola, através das verbas, subvenções e cotas lotéricas do governo federal. A inauguração da Escola Agrícola aconteceu no dia 1º de julho de 1914, nove anos após a doação dos terrenos da Fazenda Santa Genebra, feito pelo Barão Geraldo de Resende. No primeiro ano de funcionamento oficial, matricularam-se apenas dez alunos. No ano seguinte o número subiu para 112 A Escola Agrícola não iniciou suas atividades anterior ao ano de 1914 devido à morte de Barão Geraldo, ocorrida em 1907, complicando assim a parte jurídica da doação do terreno, realizada em 1905 (SANTOS; CASTILHO, 2003). 83 vinte113. “Os 62 alqueires da Escola Agrícola tornaram-se o celeiro provedor do sustento liceano” (Idem, ibidem, p. 57). Se por um lado, parte da produção de hortaliças, legumes e frutas era revertida para o Liceu, de outro o Liceu ajudava nos custos gerais da escola, pois os recursos financeiros previstos por lei a favor da escola chegavam parcialmente. Santos e Castilho (2003, p. 36) atestam: O Liceu soube honrar seus compromissos com o presidente da Associação, apesar dos sacrifícios e pesados encargos que foi obrigado a arcar, tais como alimentação de quase todos os trabalhadores braçais por anos a fio, adiantamentos e capital próprio, sem juro algum, entre outros. A cobertura de gastos, na Escola Agrícola, por parte do Liceu, tornou-se maior na década de 1930, quando a situação ficou mais difícil pela queda da produção de café, hortaliças e legumes na lavoura e pomares, somados a problemas como ausência de controle de venda a estranhos, pouca honestidade na administração, contabilidade e balancetes (NEGRÃO, 1997). Diante desse quadro de infraestrutura comprometida e ausência de recursos financeiros para refazer os pomares, lavouras e máquinas, a Associação Agrícola de Educação e Assistência resolveu passar para os salesianos a propriedade. Segundo Amêndola (apud NEGRÃO, 1997, p. 59): A transmissão da Escola ao Lyceu não prejudica a quem quer que seja e só traz vantagens. Aos meninos pobres não prejudica porque o seu número seria conservado e elevado para resolver o caso das aulas antie-conômicas; 25, 30 ou 35 seriam elles, em vez dos 20 do contrato em vigor. Traz vantagens: porque incorporados ao Lyceu, formando uma secção desse estabelecimento, teriam de maneira permanente a mesa farta dos lyceanos, teriam bem vastos e confortáveis dormitórios, salas de aula amplas e arejadas, fornecidas de copiosos material escolar, grandes pátios, jogos de diversão e educacionais, teriam, enfim, as installações e o mesmo bem-estar do Lyceu Nossa Senhora Auxiliadora, que muitos julgam – modelares. Nas casas de Dom Bosco, os alunos são tratados igualmente, e não se distinguem os pensionistas dos não-pensionistas, a bem da caridade e do brio dos alunos. Passada uma década de ausência de dispêndios e infortúnios 114, a Escola Agrícola se viu cercada pela repentina urbanização. Arruamentos foram 113 Santos e Castilho (2003) fazem notar que as matrículas dos alunos só puderam ser feitas em 1918, quatro anos após a inauguração da escola agrícola, devido a mal entendidos com autoridades que pretendiam ter sobre a escola poderes exagerados. 114 Apesar de não haver moléstias e problemas maiores relacionados à escola após a passagem da escritura da Escola Agrícola aos salesianos, estes não conseguiram promovê-la. 84 feitos e prolongou-se a rua Barão de Itapura até a lagoa do Taquaral. Diante da expansão da cidade para área do campo, os salesianos elaboraram um projeto de venda dos terrenos, até porque estavam vulneráveis a invasores. A Escola Agrícola estava condenada. O espaço pegava da rua Carolina Florença, a rua Barão de Itapura e dava volta atrás do Liceu, descia para o bairro Taquaral, e subia aqui outra vez. Depois começou a lotear. A inspetoria começou, mas como não é do ramo, passou para a prefeitura. Loteamento não era nosso 115 ramo, e estava indo para trás. A prefeitura assumiu , loteou, trouxe os serviços de luz, esgoto, toda a infraestruturua de praças e jardins. A inspetoria não estava preparada para isso. Então, a prefeitura assumiu no mandato político do prefeito Joaquim de Castro Tibiriçá. [Pergunto em que ano foi isso. E ele:] 1945 e 1946. Por isso puseram o nome de jardim Nossa Senhora Auxiliadora, pelos salesianos. Este loteamento aqui em baixo, muitos compraram. (Testoni, E 29/08/2012). Com a renda da venda das terras da antiga Escola Agrícola, orçada em 5 milhões de cruzeiros, somado a doação da prefeitura municipal de Campinas de quinhentos títulos da dívida pública, chegou-se ao montante de 12 milhões de cruzeiros, o suficiente para a construção de um novo edifício para ensino agrícola profissional, hoje a Escola Salesiana São José, inaugurada em 1953. “Em 1931, por exemplo, só houve um diplomado. No ano seguinte, quatro e, em 1935, sete. Nesse ano não houve 1º e 2º ano. Em 1937, contavam-se 17 alunos na 1ª série, mas não funcionaram as demais séries. Daí em diante, não mais apareceram alunos. […] Em 1937, os primitivos membros da Associação Agrícola de Educação e Assistência já haviam desaparecido todos” (Iden, ibidem, p. 43). 115 “Um ofício do então Prefeito de Campinas, Dr. Joaquim de Castro Tibiriça, passava às mãos do Diretor do Liceu N. S. Auxiliadora o processo protocolado de nº 5879, de 7 de junho de 1945, sobre a construção de um parque municipal, solicitando a manifestação positiva sobre esse plano e cessão da área para o parque. Em resposta adenda ao referido Ofício, à mão, dizia-se que os Salesianos não se opunham, contanto que houvesse indenização justa, em benefício da Escola Agrícola, uma vez que se tratava de patrimônio beneficente dessa Escola. Em carta ao padre José Joaquim Santana, o Provincial salesiano, padre Orlando Chaves, manifestava a opinião de não ceder a título gratuito os terrenos da Escola Agrícola, porque não pertencia aos Salesianos, e sim a essa instituição, que os Salesianos deviam ‘defender e desenvolver em benefício dos pobres’, mas autorizava a cessão dos terrenos se as compensações fossem as melhores possíveis, exigindo indenização da cocheira uma vez que a construção de outra seria bastante elevada. O cumprimento da cláusula imposta pela Resolução 1.141/1946 começava assim a realizar-se com a construção da Escola São José” (Iden, ibidem, p. 49-50). 85 2.2.3 CPDB: tempo e lugar A construção da Escola Salesiana São José teve seu início em 1948. Embora tenha admitido alunos no segundo semestre de 1952, sua inauguração oficial aconteceu somente em 25 de maio de 1953 (VIEIRA, 2002). Sua origem remonta à “Associação Agrícola de Educação e Assistência com o objetivo de ministrar cursos profissionais na modalidade de internato” (MIRANDA, 2002, p. 139). No ano de inauguração da Escola, eram 214 internos nas oficinas de mecânica, carpintaria, sapataria, alfaiataria, tipografia e nas suas plantações. Do total de alunos internos, 68 procediam do serviço social de menores da Capital Paulista, sendo que muitos destes jovens traziam uma carga de maus costumes difíceis de erradicar, causando dificuldades à manutenção de uma disciplina tranquila (CASTRO, 2002). Santos e Castilho (2003, p. 75) trazem o relato do diretor da Escola São José, Pe. Alfredo Bona, como encontrou a escola: Em 1953 quando fui nomeado diretor, mais que depressa, procurou-se voltar ao sistema preventivo. Procurou-se eliminar as célebres “carolinas”. Criou-se um clima de liberdade. Incutiu-se que ninguém estava obrigado a permanecer na Escola, mas nem por isso precisava fugir. A diretoria se encarregaria de levá-lo à casa ou devolvê-lo à FEBEM. Foi o suficiente para que se eliminassem as fugas. Com a abertura da Escola São José, ouviram-se comentários por parte da sociedade, estas palavras: que beleza, os salesianos 116 voltaram a tomar conta das crianças pobres ! Na condição de escola confessional, contou desde o início com um grupo de Salesianos Irmãos117 e Padres para a operacionalização e efetivação 116 Deve ser recordado que o Liceu Nossa Senhora Auxiliadora, casa mais próxima da então Escola São José atendia à elite agrária da cidade (Cf. Negrão, 1997). 117 “Depois, emancipamos e ficamos com as escolas profissionais. Tinha sapataria, alfaiataria, encadernação, tipografia, mecânica, marcenaria e todos os chefes de oficinas eram salesianos irmãos. Competentes com o ofício. Não foi fácil. Mas está aí a obra. A parte salesiana, nós fizemos, os irmãos. Veio nosso superior Pe. Orlando Chaves realizar a visita canônica e pediu que marcássemos o terreno da Escola. Nós descemos a marcação com arame farpado e ocupamos toda a área. Toda ela estava ocupada” (TESTONI, E 29/08/2012). Relato do período que vai do fim da Escola Agrícola de Educação e Assistência, em 1945 a 1953, com a construção da Escola Salesiana São José. Esta escola também tinha a finalidade de oferecer formação adequada ao mundo do trabalho, segundo sua própria temporalidade aos jovens salesianos irmãos. Estavam presentes nessa obra em 1953, ano de inauguração, Anibal Ranguetti, Antonio Testoni, Walderino Andreatta e Silvio Wagner. Tal finalidade de formação se decompôs com o tempo, caindo em desuso sua aplicação. Já na década de 1980 não se enviavam mais salesianos irmãos a esta obra, haja 86 do ensino profissional. Entretanto, havia queixas dos salesianos pela falta de apoio governamental118. Esta situação pode ser compreendida e justificada pelo contexto da época, sendo que o Estado119 passou a emitir certificação como controle das entidades confessionais e particulares filantrópicas. Parte da verba estatal era direcionada às escolas profissionais federais, implantadas e robustecidas em concomitância com a criação do SENAI120 (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial), quando a Indústria se encarregaria do preparo do pessoal necessário para suas atividades de produção. Neste sentido, Santos (1974, p. 157) explica: Os Decretos-Leis que criaram o SENAI e o Ensino Industrial vêm assinados por personalidades que conheciam as Escolas Profissionais Salesianas: Getúlio Vargas, Gustavo Capanema e Alexandre Marcondes Filho, respectivamente, Presidente da República, Ministro da Educação e Saúde e Ministro do Trabalho, em 1942. Inicialmente, algumas escolas do SENAI funcionaram em estabelecimentos salesianos, como o Instituto Dom Bosco no bairro do Bom Retiro, em São Paulo. Santos (idem, p. 161) ainda afirma que: Os cursos do SENAI, plásticos, ajustados, flexíveis, revisionistas, cresciam aceleradamente no período 1943/1952 de 572,60% […]. A criação pelo Governo de suas Escolas Técnicas, bem equipadas, e do SENAI, sob responsabilidade das indústrias deixou os Salesianos sem condições de realizar um trabalho idêntico, o que talvez os tenha desestimulado, uma vez que suas escolas profissionais dependiam também de verbas e auxílios governamentais, nem sempre fáceis de adquirir. Como é que o Governo iria sustentar as escolas particulares vista o declínio vocacional dos salesianos irmãos e a nova configuração provincial, abrindo o leque de profissionalização a outras áreas e lugares, diversas das ofertadas na Escola São José (SANTOS; CASTILHO, 2003). 118 Recorde-se que os salesianos não tinham autonomia para modificar sua estrutura administrativa e funcional, já que qualquer modificação deveria receber aprovação do conselho superior dos salesianos. O não apoio governamental pode ter como uma das causas, a não adequação imediata da Escola São José aos parâmetros e critérios educacionais do governo. Situação semelhante fora relatada sobre o Liceu Nossa Senhora Auxiliadora, em Campinas, (Cf. NEGRÃO, 1997) e sobre o Liceu Coração de Jesus, em São Paulo (Cf. Santos, 2000). “No exame que Manoel Esaú fez dos documentos do Liceu Coração de Jesus, não foi encontrado sinal algum do interesse dos padres em adaptar as escolas profissionais à ‘lei’ orgânica do ensino industrial, visando à equiparação dos seus cursos aos das escolas federais” (CUNHA, 2000, p. 32). 119 Período conhecido como era Vargas de 1935 a 1960. 120 Kochem (1999, p. 49) observa em seu estudo sobre o SENAI que há um viés utilitarista em sua articulação. “Esta visão utilitarista se torna mais clara quando o Ministério da Educação manda em 1938 um anteprojeto sobre a aprendizagem industrial de adolescentes a entidades patronais. Em 1942 é criado, por meio do Decreto – Lei n.º 4.048, o Serviço Nacional de Aprendizagem dos Industriários que, só mais tarde, passa a ser chamado Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI), sob a tutela da Confederação Nacional da Indústria (CNI)”. Sobre a Confederação Nacional da Indústria, (Cf.SANTOS, 2008). 87 de ensino técnico-profissional, se estava ele empenhado em equipar e fazer funcionar suas escolas técnicas que consumiam verbas consideráveis? Enquanto o SENAI se desenvolvia e conquistava a hegemonia no campo do ensino profissional, o Ministério da Educação empreendia o reforço do ensino propriamente escolar. Em 1942, com a lei orgânica, o ensino técnico industrial “[…] foi organizado como um sistema, isto é, passou a fazer parte dos cursos reconhecidos pelo Ministério da Educação, articulando-se com os demais cursos” (CUNHA, 2000, p. 38). A educação profissional foi um dos elementos motores da incipiente indústria nacional, que, de forma tardia, centrou-se na produção de bens duráveis e semiduráveis, tendo como exemplo as indústrias têxtil, alimentar, de couro, de peles, etc. Em Campinas, que tinha sido uma grande produtora de café, justificando-se assim a fundação do Instituto Agronômico do Café no final do século XIX, após os anos de 1930, verificou-se uma lenta passagem para a atividade industrial (SANTOS, 2000). Na década de 1950, o cenário político foi marcado pelo populismo nacionalista, alimentado ainda pelo cinema novo, pela Bossa Nova e pela Copa de 1958 (SANTOS; CASTILHO, 2003). Cenário que Costa (1971, p. 128) explica: A popularidade de JK, com seu plano de metas, dobrou a produção industrial através da instalação do parque automobilisto, da inauguração de 20 mil quilômetros de estradas de rodagem e da construção de Brasília. Mas tudo isso levou à elevação vertiginosa da dívida externa, da inflação, provocando numerosos conflitos sociais. Ao lado da industrialização, a educação aparecia como elemento chave, segundo o modelo urbano industrial do programa de metas do governo de Juscelino Kubitschek. Ventilado por esta proposição, Santos e Castilho (2003, p. 88) referendam: Um grupo do Ministério, dentro da Diretoria do ensino industrial, ligado aos setores progressistas, conseguiu concretizar uma proposta da qual saiu o Decreto nº 50.942, de 25 de abril de 1961. Tal Decreto dispunha sobre a organização e funcionamento do ginásio industrial, que mantinha seu caráter de cultura geral, permitindo, entretanto, uma iniciação em atividades nos ramos industriais predominantes na região da escola. Com campo aberto para o avanço industrial em âmbito escolar, no mesmo ano de promulgação do Decreto nº 50.942 do ensino industrial no 88 ginásio, celebrou-se o acordo entre a Inspetoria Salesiana e o Serviço Social do Estado que liberou os recursos necessários para a ampliação das oficinas, inauguradas no dia 1º de maio de 1962. Conforme explica Miranda (2002, p. 140): Em 1961 a escola abriu suas portas à comunidade local, ampliando o atendimento para os alunos externos (ensino particular), que frequentavam o curso primário ou o ginásio industrial, compondo com os alunos internos que residiam na própria escola (obra social) o corpo discente da instituição. Dos 283 aprendizes, 72 frequentavam a mecânica e 24 a marcenaria, sendo que a primeira turma formou-se em 1964, ano da abertura do curso de eletromecânica. Com a instalação do curso de eletrônica no ginásio industrial, a Escola Salesiana São José foi pioneira, em Campinas e na região, conferindo excelência a essa unidade salesiana campineira. No início da década de 1970, com o crescimento econômico, há forte enfoque nos aspectos técnico e científico. Realidade apresentada por Santos e Castilho (2003, p. 117): O DIÁRIO DO POVO de Campina publicava, em 21 de janeiro de 1973, um artigo de uma página inteira com ilustrações, com este título em manchete: “Formar técnicos, desafio das telecomunicações que Campinas precisa vencer”. Campinas firmava-se então como sede de microeletrônica. Fruto desta demanda de mercado, em 1972, foram construídas as instalações da ETEC (Escola Técnica de Telecomunicações de Campinas) e do 2º grau técnico de Eletrônica e Telecomunicações, precursores da criação da Faculdade Salesiana de Tecnologia (FASTEC), em 1987, e do Centro Universitário Salesiano (UNISAL), em 1997121. Com este ritmo de crescimento, a escola fechou o ano de 1975 entre as cinco maiores escolas técnicas do país, tornando-se modelo em Campinas e região. “Em 1976 a escola abriu 121 Decreto de 24 de novembro de 1997. Art. 1º - Fica credenciado, pelo prazo de três anos, por transformação das Faculdades Salesianas, o Centro Universitário Salesiano de São Paulo, mantido pelo Liceu Coração de Jesus, com sede na cidade de Americana, e unidades de ensino fora de sede nas cidades de São Paulo, Campinas e Lorena, todas no Estado de São Paulo. Art. 2º - Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação. Brasília, 24 de novembro de 1997; 176º da Independência e 109º da República. FERNANDO HENRIQUE CARDOSO. Disponível em: http://unisal.br/wpcontent/uploads/2013/08/regimento_geral_2013.pdf. Acesso em: 10-jun- 2013. Acrescente-se que a PORTARIA Nº 1.654, DE JUNHO DE 2004 resolve: Art. 1º - Recredenciar, pelo prazo de cinco anos, o Centro Universitário Salesiano de São Paulo, com sede na cidade de São Paulo, mantido pelo Liceu Coração de Jesus, com sede na cidade de São Paulo, no Estado de São Paulo. Diário Oficial da União – Seção 1, Nº 109, terça feria, 8 de junho de 2004. 89 suas portas aos adolescentes de baixa renda122 da periferia de Campinas para a promoção social local, oferecendo cursos de profissionalização” (MIRANDA, 2002, p. 141). Se de um lado o modelo e estrutura de ensino técnico fluíam bem, de outro o ginásio, em formato de internato, pautado numa tradição de disciplina, rigor e fuga do mundo, desgastou-se frente os ventos da modernidade, impulsionada pelo rompimento de tradicionais costumes familiares e institucionais, entendidos como verdadeiros e certos (VILLANUEVA, 2013). Desta forma, em 1977 o internato foi fechado e, no ano seguinte, o ginásio industrial. Vecchi (apud SANTOS; CASTILHO, 2003, p. 140) desmistifica o ideal que foi o modelo educacional em formato de internato: No passado, quando era só internato, a escola chegou a ter mais de 200 alunos internos. Porém, naquela época, a Escola estava propriamente afastada da cidade e a mentalidade do tempo facilitava o ambiente do internato. Hoje, o progresso avançou e a escola está cercada de bairros populosos e que necessitam de atendimento, também do ponto de vista escolar. Esta necessidade da população, aos poucos, foi forçando a Escola a se abrir para o bairro, aceitando alunos externos. É bom esclarecer que o internato foi diminuindo, não devido ao aumento de alunos externos, mas porque os jovens, hoje, e principalmente os que estão em regime de internato, manifestam um desejo muito grande de liberdade em todos os sentidos, o que é incompatível com o internato. Eles exigem coisas que são perfeitamente válidas e normais para a idade, mas que de nenhuma forma se pode permitir ao jovem dentro do internato. Com o fechamento do internato, a educação básica, hoje compreendida como Educação Infantil, Fundamental I, II e Ensino Médio, passou a atender somente um público externo e pagante na condição de escola particular confessional católica. Quanto aos cursos profissionais sob a Lei Nº 5.692/71 de 1976, que criou o ensino profissionalizante, foram, gradativamente, de 4 para 2 anos nas áreas de marcenaria, mecânica e eletricidade (CASTRO, 2002). Por 122 Para um maior aprofundamento no assunto sobre o trabalho com adolescentes de baixa renda, consultar o trabalho monográfico de CONCON, 2002 que desenvolve uma reflexão bastante ampla a respeito desse tema, abrangendo, inclusive, o tema circunscrito do mercado de trabalho. 90 consequência, os pavilhões destes cursos passaram por total adaptação ao ensino de 1º grau. Passada uma década, em 1986, atendendo as alterações da política educacional, a escola deixou de oferecer os cursos profissionalizantes aos alunos regulares da educação fundamental (MIRANDA, 2002). Entretanto esses cursos passaram a ser oferecidos, exclusivamente, a adolescentes de baixa renda. Critério basilar evidenciado nas palavras de Miranda (E 21/11/2012): Nós precisamos fazer a seleção de forma que privilegie os mais desprivilegiados financeiramente, os mais pobres. Houve uma ocasião de que uma menina ficou contente em ver o nome dela no primeiro lugar de classificação para cursar o CPDB, mas, mal sabia ela que, no fundo, ela era a mais pobre de todas, porque o critério é a pobreza, a necessidade. Trazem essas famílias para dentro da escola. O sentido que acho maravilhoso que tem no CPDB é o seguinte: a família e o aluno têm gratidão por aquilo ali, sendo que é de alguma forma o direito deles, mas quando ele vai à escola 123 salesiana, a família se sente grata dele ter sido tratado de forma digna. Em 1988 foi celebrado um convênio com o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI) para a profissionalização de adolescentes de baixo poder aquisitivo, ampliando assim a prestação de serviços. Após novo convênio com o SENAI, em 1990, abriu-se o curso de desenho de máquinas e costura industrial para adultos no período noturno. Realizou-se também parceria com a Federação das Entidades Assistenciais de Campinas (FEAC) e suas afiliadas. “Deste período em diante, já com 732 alunos matriculados, convencionou-se a chamar de Centro Profissional Dom Bosco (CPDB)” (CASTRO, 2002, p. 08). Com um considerável número de candidatos aos cursos, para fins de seleção, eram usados critérios de escolaridade, idade e renda per capita familiar, somente depois de realizadas as sessões de orientação profissional e entrevista com a família pela assistente social, “[…] a classificação estava condicionada ao atendimento dos candidatos de menor renda para o preenchimento das vagas” (MIRANDA, 2002, p. 144). Para tanto, os objetivos do Centro Profissional Dom Bosco consistiam em formar bons cristãos e 123 Para maior aprofundamento sobre a relação entre família, aluno e escola, consultar (KOCHEM, 2003). 91 honestos cidadãos, além de oferecer a seus alunos a oportunidade de adquirir conhecimentos técnicos básicos, a fim de que tivessem condições de buscar um trabalho digno para uma sobrevivência e realização pessoal. O setor foi se desenvolvendo, ampliando sua estrutura, também alavancado pelo êxito dos cursos universitários com o qual o CPDB se beneficiou, ocorrendo assim uma simbiose com os cursos técnicos de nível médio e os da FASTEC, hoje UNISAL, por meio do uso das aulas práticas de oficina, máquinas convencionais e CNCs, entre outras. No CPDB, até o ano de 2009124 foram ofertados cursos de mecânica industrial, eletricidade, marcenaria, costura industrial e desenho de máquinas (CASTRO, 2002). A área em que a Escola Salesiana São José está localizada se desenvolveu, tornando-se assim de classe média. Este quadro complicava a frequência do público-alvo do Centro Profissional Dom Bosco que era composto por 90% por pessoas de classe média baixa e 10% por pessoas em condições de risco social, que procediam de bairros periféricos de Campinas e da Região Metropolitana, especialmente Sumaré e Hortolândia, o que demandava, em média, quatro conduções por pessoa (VIEIRA, 2002). Neste sentido, Santos e Castilho (2003, p. 218) evidenciam que os planos de ação de 1994 e 1995 apresentam uma série de problemas que desafiavam a escola e ao CPDB: […] Queimas de etapas de desenvolvimento humano prejudicavam o desempenho nos cursos desejados; heterogeneidade da procedência escolar que redundava na dificuldade de rendimento satisfatório dentro do processo de aprendizagem; ocorrência de acidentes nas 124 Os cursos ofertados no CPDB até o ano de 2009 estavam na condição de ensino profissionalizante, categorizados como ação social pela Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS) LEI 8742/93 que dispõe sobre a organização da Assistência Social, alterada pela LEI nº 12.101/2009 conhecida como “lei da filantropia” em que “transfere a responsabilidade da concessão e renovação dos Certificados de Entidade Beneficente de Assistência Social para os ministérios do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, da Saúde e da Educação”. Disponível em: http://direitodoterceirosetor-lei121012009.blogspot.com.br/. Acesso em: 20-mar2013. (Citação de documento eletrônico avulso). Também em 2009, homologou-se a proposta de instituição do Catálogo Nacional de Cursos Técnicos de Nível Médio PARECER CNE/CEB Nº: 11/2008. O CPDB torna-se assim parte integrante da Escola Salesiana São José na condição de ação educacional, ofertando cursos técnicos e não mais profissionalizantes. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=12683%3Atecnico-denivel-medio&catid=190%3Asetec&Itemid=861. Acesso em: 20-mar-2013. Este tema será desenvolvido com mais profundidade a seguir. 92 oficinas durante a aprendizagem em virtude do baixo desenvolvimento da atenção, percepção, agilidade e concentração dos alunos; ausência de um seguro contra acidentes pessoais para alunos e funcionários onerava a responsabilidade da Escola; inexistência de um programa específico de orientação profissional para capacitar melhor as pessoas; impossibilidade de encaminhamento ao mercado de trabalho imediato após a conclusão do curso devido à recessão industrial que atingia o País. Por estes fatores, em 1994, no CPDB, começou um processo de reestruturação, com o intuito de otimizar o trabalho realizado e dar novas diretrizes no âmbito da profissionalização. Conforme Miranda (2002, p. 143): A nova coordenação pedagógica redirecionou as atividades técnicas, pedagógicas e o processo de seleção dos candidatos usado até então no CPDB. As atividades técnicas e pedagógicas foram direcionadas, considerando a mudança nos padrões tecnológicos incorporados pelo centro, através de laboratórios de simulação (tecnologias CAD, CAM e CAE) e na aquisição de equipamento de manufatura computadorizado. Tal processo de reestruturação foi realizado com êxito e é evidenciado por meio das entrevistas concedidas para fins de desenvolvimento acadêmico: Era outro momento na educação, em 1994, quando assumi a coordenação. Nós tínhamos algumas preocupações, principalmente com o avanço tecnológico. A gente não poderia ficar só com equipamento convencional. Aí, nós começamos a fazer um trabalho. Conseguimos um convênio da Bélgica para ter o material. Demorou um tempo. Quando chegou parte do material, em 1996, conversamos com os professores e dizíamos que era preciso investir em máquinas CNC. Escrevemos uma carta para a Bélgica, pois eles não queriam mandar o dinheiro. Vieram até a escola para ver o que era tudo. Nesse período, nós conseguimos um convênio com a empresa de DPaschoal. A DPaschoal, na soma de tudo, fez uma doação de mais de R$ 500.000,00 para o CPDB (MIRANDA, E 21/11/2012). 93 Ilustração 09 – Oficina de Mecânica do CPDB em 1988125 Extraído de: (SANTOS; CASTILHO, 2003, p. 190) O projeto pedagógico do CPDB se desenvolve paralelo com o Projeto Político Pedagógico Pastoral da Escola Salesiana São José, possibilitando uma interação de ideias e propostas aplicáveis no ensino profissional (CASTRO, 2002). Tem seu vértice conceitual salesiano na aplicação de disciplinas que, embora tenham sofrido alterações de nomenclatura por motivos de legislação, desdobram elementos de fundamentação religiosa e valores salesianos que, segundo Menão (2003, p. 59): O Ensino Religioso, caracterizado como área de conhecimento, pode contribuir com o desenvolvimento da religiosidade do jovem/adolescente e com a sua formação humanística quando tem como enfoque, no processo ensino-aprendizagem, o fenômeno religioso entendido como sendo o processo de busca que o ser humano realiza na procura da transcendência e sentido para a vida. Essa disciplina não tem como proposta doutrinar o aluno para a religião católica, mas de aprofundar em temas que abordam a religiosidade humana e que contribuam para a formação de cidadãos e cidadãs capazes de terem uma visão crítica e intervir na sociedade em que vivem. Desde seu início, na década de 1950, a escola já prezava pela competência profissional, humana e salesiana de seu corpo docente. Em vista 125 A educação profissional básica, expresso na ilustração 09 de oficina mecânica do CPDB, em 1988, tem como referência a metodologia e a didática desenvolvidas pelo SENAI, que, até então, ditara um modelo de educação profissional na esfera industrial no Brasil. 94 disto, a docência era, inicialmente, reservada aos religiosos salesianos, padres e irmãos que lecionavam no internato e no ginásio industrial, quadro este que perdurou até a década de 1970. Quando a escola deixou de ser unicamente assistencial com o internato e passou a prestar serviços educacionais pagos como de escola particular confessional, aumentou a clientela. Consequentemente foi necessário requerer os serviços de professores externos que, inicialmente, superaram o número de religiosos, os quais hoje estão voltados para trabalhos de direção pedagógica e administrativa da obra. No pensamento de Bosco, todos os que atuam em suas obras são educadores. Contando com um grande número de professores e funcionários, torna-se cada vez mais necessário a realização de itinerários formativos sobre os elementos basilares da Pedagogia Salesiana para todos esses profissionais. Quanto ao processo de iniciação ao conhecimento e à proposta de educação salesiana de candidatos às funções remuneradas, comenta a supervisora de Recursos Humanos da Escola Salesiana São José: Os novos já fizeram o curso em Campos do Jordão. Eu procuro, quando faço as entrevistas, deixar uma noção bem rápida e clara do que é a pedagogia salesiana, logicamente é importante você fazer o curso de Pedagogia Salesiana. Não é somente pelo conteúdo a ser dado, mas pela oportunidade de troca de experiências, pois são todos novos. Estão entrando para uma realidade diferente, uma obra 126 salesiana. Então, as trocas de ideias entre si e com quem está ministrando o curso em um ambiente diferente é interessante. Então, todas as vezes que há professores ou mesmo auxiliares novos, eles vão para Campos do Jordão, talvez não no mesmo ano, porque há um número reduzido de vagas, mas todos vão porque é importante que eles tenham uma visão bem correta do que seja a pedagogia salesiana (MELO, E 05/11/2012). Tendo mencionado a preocupação da equipe de gestão da Escola Salesiana São José com a formação de seus colaboradores, embora não de forma sistemática, cabe comentar que o quadro administrativo e pedagógico passou nos últimos anos, por mudanças na esfera contratual e salarial. 126 No Capítulo Geral 24 dos salesianos de Dom Bosco, realizado em 1996, trabalhou-se o tema “Salesianos e Leigos: Comunhão e partilha no espírito e na missão de Dom Bosco”. Requer-se-ia uma mudança de mentalidade para viver e trabalhar juntos, salesianos e leigos. “O primeiro passo para nós, salesianos SDB e leigos, é conhecermo-nos, apreciando-nos quer no que temos em comum quer nas nossas diferenças. O ponto de encontro é a partilha do coração oratoriano e do estilo do Bom Pastor” (Documento Capitular, 1996, p. 95). 95 2.2.3.1 O CPDB na esfera da gestão Trabalhou-se no item anterior o tempo e lugar do CPDB na história e na tradição. Fruto da inserção como pesquisador junto ao CPDB, bem como por meio de entrevista com pessoas relacionadas à administração da instituição, abordam-se, agora, aspectos da gestão da Escola Salesiana São José naquilo que ela se relaciona com o CPDB. A Escola Salesiana São José de Campinas, ao longo dos anos, tem se consolidado como uma unidade de ensino que possui não só qualidade, mas também valores humanos e cristãos. Nos últimos anos tem havido significativo crescimento de alunos pagantes da Educação Infantil até o Ensino Médio, com a natural necessidade do aumento de salas de aula, laboratórios e outros espaços, assim como a contratação de um maior número de funcionários para atender as necessidades administrativas e pedagógicas desta instituição de Ensino (BELLETI, E 16/09/2013). Com os sucessivos aumentos de salário e reajustes anuais da convenção coletiva, percebeu-se, no início da década de 2000, por parte da equipe de gestão da escola, o risco de uma folha de pagamento superior à receita mensal. Perdia-se receita e havia reajuste salarial que normalmente vinha sendo superior. Percebíamos que a despesa da escola aumentava em uma proporção maior que a receita. A folha de pagamento com todos os encargos gerais chegava a ultrapassar a 100% da receita. Só para pagar a folha, a escola gastava mais que recebia. Ela tinha que pagar as demais despesas que havia. Uma escola deste porte, tem manutenção mensal. Constante e muitas. Não são poucas as situações que envolvem manutenção. Não havia caminho a não ser mexer de forma bastante significativa na folha de pagamento (BELLETI, E 16/09/2013). A equipe de gestão da escola, juntamente com a mantenedora, Liceu Coração de Jesus, elaboraram então estratégias e processos para dirimir os riscos de déficit financeiro para os anos seguintes, já que encargos e folha de pagamento haviam ultrapassado o 100% da receita. Por meio de entrevista, relatou-se que, uma escola com o porte desta unidade de ensino, deveria trabalhar com uma folha de 50% a 60% da receita. Hoje, a Escola trabalha com 70% da receita. 96 [...] a obra está passando por um processo de saneamento econômico que comporta redução de pessoal e de salários. Estes procedimentos são dolorosos tanto para os salesianos como para os educadores, mas que, muitas vezes, são necessários para garantir a continuidade da obra. (ATA DE REUNIÃO, 2003). Em 2005, a equipe de gestão, tendo se reunido com os setores, administrativo e pedagógico, expôs a delicada realidade financeira da obra. Buscando amparo legal, realizou-se a proposta de rescisão de contrato e, vencido o tempo mínimo permitido por lei, houvera a recontratação com uma nova faixa salarial, compatível com a receita. Tratava-se naturalmente de uma faixa salarial mais baixa. Houve aceitação e adesão da proposta por uma considerável parcela de colaboradores127. Segundo informações obtidas por meio de entrevista, a rescisão de contrato ocorreu de forma processual e por setores. No CPDB não houve necessidade deste processo rescisório, pois os salários já eram compatíveis com a nova faixa salarial adotada128. Não obstante, a equipe de gestão129 da Escola, em 2008, ofereceu ao setor CPDB indenização por meio de processo rescisório, assegurando a todos o direito de retorno à instituição após o tempo mínimo permitido em lei. Vale frisar que, no período de 2005 a 2008, quando ocorreram as rescisões de contrato em todos os setores, os colaboradores e docentes que aceitaram os termos de rescisão e recontratação com a nova faixa salarial continuaram, por meio de amparo legal, em suas funções administrativas e pedagógicas, já que eram contratados pelo UNISAL. Concluído, entre 2005 e 2008, o processo de rescisão e recontratação do administrativo e pedagógico, assumiu-se que, logo que a escola alcançasse estabilidade financeira, voltar-se-ia a um aumento real130 de salário, além dos reajustes anuais estabelecidos por convenção coletiva de sindicato. Este 127 Houve também recusas da proposta de nova faixa salarial que culminou em rescisão de contrato. 128 Neste contexto de economia, remanejou-se a auxiliar do setor para a secretaria central da Escola, fazendo que tanto a assistente social como o coordenador se desdobrassem para cobrir as funções de secretaria do CPDB, havendo sobreposição de funções. 129 A equipe de gestão ofereceu os direitos de indenização ao setor CPDB, mesmo não sendo necessário realizar demissões para readequação à nova faixa salarial. Havia entendido que era um fator de justiça e igualdade com os outros setores. 130 Diferente da porcentagem estabelecida pela convenção coletiva de sindicato, a unidade escolar tem a autonomia para determinar o aumento real de salário com base na receita. 97 aumento real vem acontecendo de forma gradativa por setores conforme ordem de rescisão contratual realizada a partir de 2005. Tendo sido o CPDB o último setor a passar pelo processo de rescisão, deverá ser o último setor a passar pela análise de aumento real de salário de acordo com a receita ao período de estudo131. Os discursos oficiais ao longo dos anos sempre foram marcados pela valorização do CPDB por ter sido ele a origem da Escola Salesiana São José. Constata-se, porém dicotomia entre o discurso e a efetiva operacionalização de ações que, por parte da instituição, de fato, não privilegiam o setor. Tanto é que, embora este tenha explícita identidade salesiana, antes da padronização da nova faixa salarial em 2005, o administrativo e pedagógico do CPDB, recebiam um tratamento salarial de obra social mais baixos que os outros setores. A faixa salarial do CPDB era o menor dos setores. Era menor por fatores históricos, sempre foi assim por ser um setor que não tem 132 receita . Na época não era técnico e sim profissionalizante. A estrutura sempre foi mais enxuta no CPDB (BELLETI, E 16/09/2013). Considerando que a maior parte da filantropia praticada pela Escola é por meio das bolsas de estudo integrais para os alunos do CPDB, conclui-se que o aumento e a diminuição de alunos no CPDB estão atrelados ao aumento e diminuição dos alunos pagantes. Tal realidade permite questionar que real valor dá ao CPDB a equipe de gestão. Há preocupação do setor econômico em detrimento do pedagógico e pastoral. Nos últimos anos, sob o manto de temas como parceria e trabalho conjunto, o CPDB tem perdido espaço de oficinas, 131 Recentemente, todos os coordenadores tiveram um aumento real de 10%, inclusive do CPDB. Também a assistente social, por força de lei, teve um reajuste, representando um aumento salarial. Já houve um início de processo. Lento, mas está ocorrendo. 132 Embora o conceito de receita esteja atrelado aos rendimentos e ganhos líquidos financeiros pelo serviço educacional prestado, entende-se que o CPDB é um setor que gera receita indireta pela imunidade patronal concedida pelos governos federal, estadual e municipal à Escola Salesiana São José que preenche os requisitos de “[...] associação civil de natureza confessional, beneficente, filantrópica, sem fins econômicos e lucrativos, de caráter assistencial, educacional, religioso e cultural, constituída sob a inspiração dos ensinamentos e do carisma de São João Bosco, conforme Decreto de Ereção Canônica n.º 662, de 28 de junho de 1952 estando regularmente registrada e inscrita no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ) do Ministério da Fazenda sob o nº 46.066.296/0001-44”. (ESTATUTO SOCIAL DA ESCOLA SALESIANA SÃO JOSÉ, 2013). Não contar com o benefício de imunidade patronal pelo cadastro de associação civil seria mais oneroso à Escola pelos numerosos impostos governamentais. O CPDB, portanto, visto nesta óptica, gera receita à Escola. 98 salas de aula e laboratórios para a ETEC133 e UNISAL que, muitas vezes, guiam-se por motivos não pastorais, ampliando sua máquina universitária como é próprio de grandes instituições. [...] há um grande empenho da comunidade educativa na condução deste campus do Centro UNISAL. Nos últimos anos cresceu significativamente o número de cursos e de alunos. Financeiramente conseguiu progredir bastante. Além de apoiar financeiramente a Escola, até como retribuição de todo apoio financeiro recebido no início de sua caminhada [...] (ATA DE REUNIÃO, 2005). [...] o CPDB constitui um serviço consolidado, competente e significativo para os jovens menos favorecidos da cidade. Este trabalho, seja no sentido pastoral quanto técnico, é apreciado e tem 134 recebido reconhecimento da sociedade. Esta CEP ressente e está procurando se adaptar às mudanças exigidas pelo tempo e pelo crescimento do Centro UNISAL. Passar de uma situação hegemônica para dividir espaços, privilégios e conquistas tem sido um pouco traumatizante para algumas lideranças da escola (ATA DE REUNIÃO, 2006). Defendeu-se a opção que propôs o compartilhamento de espaços. Foram pensados meios e estratégias que favorecessem o uso dos espaços às duas instituições. O que existiu de fato foi uma espécie de ‘invasão territorial’ em que o UNISAL utiliza oficinas, maquinário e ferramentas do CPDB para fins de ensino, agindo com hegemonia. Sendo o CPDB o setor que não gera receita direta, há resistência em se oferecer melhores salários ao corpo docente 135, que, com certa facilidade, migram para a ETEC. Até continuam no CPDB, porém com menor carga horária. Entende-se que, o docente migra para a ETEC reconhecendo o benefício de um salário mais alto do que o oferecido pela Escola. O fato deste profissional permanecer no CPDB, embora com menor carga horária, representa o apreço e adesão à proposta pedagógica salesiana. Não se pode ignorar que a articulação das dimensões jurídicas, trabalhistas, pedagógicas e pastorais é indissociável. Situações de salários menores geram áreas de desconforto tanto para o contratante como para o 133 Escola Técnica ligada ao UNISAL. Comunidade Educativo Pastoral. 135 Anterior ao período de 2005 em que a Escola Salesiana São José necessitou apresentar uma nova faixa salarial, havia diferenças salariais por setores em que os menores salários, estes pagos ao administrativo e pedagógico do CPDB eram justificados por se tratar de um setor que não gera receita direta. Percebe-se, porém, por meio de observação participante que, tanto a equipe de gestão como os demais setores da Escola, creem, ideologicamente, que o fato de trabalhar com jovens de baixo poder aquisito e vulnerabilidade social, seja um trabalho por ‘vocação’, justificando assim um menor salário. 134 99 contratado, com desgaste para ambas as partes. Não obstante, para além dos percalços apresentados ao CPDB, percebe-se que, por motivos afetivos, o corpo docente que opta por permanecer no setor136 confirma sua fidelidade à identidade salesiana e ao trabalho com jovens de baixo poder aquisitivo. Neste sentido, coordenação e equipe de professores do CPDB, em conformação com a grade curricular de ensino profissionalizante e os princípios educacionais salesianos, procuram estar articuladas como comunidade educativa numa ação unitária, promovendo uma educação profissional, integrando a legislação do MEC, com os princípios da Pedagogia Salesiana. 2.2.3.2 O ensino profissional como educação não formal, sociocomunitária e regular Sendo o braço social da Escola Salesiana São José, o Centro Profissional Dom Bosco esteve sujeito às leis do Estado, desde seu início com a antiga Associação de Educação e Assistência Beneficente e, depois como Escola Agrícola. A lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) de 1961 foi um marco na história da Educação no Brasil, trazendo avanços, principalmente quantitativos. Universalizou-se o ensino fundamental e foram atraídos mais alunos para as escolas, em todos os níveis e modalidades, ainda que a qualidade do ensino não tenha sido preservada com a expansão quantitativa de alunos, caracterizando um divórcio entre o ideal pedagógico e a instituição escolar (BUFFA, 1979). Novas leis surgiram nas décadas seguintes, como a LDB 5.692 de 1971 que estabelece o ensino profissionalizante obrigatório para todos os alunos do 2º grau (atual ensino médio), mas que fracassou na pretensão de capacitar profissionais necessários para atender à demanda de trabalho (PACHECO, 2012). Em 1996, a LDB 9.394 permite que o curso profissional técnico de nível médio possa ser realizado concomitantemente com o ensino médio. 136 Em pesquisa de campo, no próximo capítulo, será melhor aprofundado este assunto. 100 Com aprovação do Congresso Nacional, em 1996, a LDB, no que corresponde à educação profissional, segundo Pacheco (idem, p. 19): […] se encontra estruturada em dois níveis – educação básica e educação superior -, por não localizar a educação profissional em nenhum deles, o texto explicita e assume uma concepção dual em que a educação profissional é posta fora da estrutura da educação regular brasileira, considerada algo que vem em paralelo ou como um 137 apêndice . Niskier (1996, p. 92 – 93) traz, em forma de estudo comparativo, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional no que diz respeito à educação profissional: Tabela 1 – Educação Profissional ANTIGA LEGISLAÇÃO A NOVA LEI Nº 9394/96 CAPÍTULO IV CAPÍTULO III Dos Serviços Nacionais de Da Educação Profissional Aprendizagem Art. 159. (Dec.-Lei 4.936, art. 2º O Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI) deverá organizar e administrar escolas de aprendizagem não somente para trabalhadores industriários, mas também para trabalhadores dos transportes, das comunicações e da pesca. Parágrafo único. Todas as escolas de aprendizagem ministrarão ensino de continuação e de aperfeiçoamento e especialização. Art. 39. A educação profissional, integrada às diferentes formas de educação, ao trabalho, à ciência e à tecnologia, conduz ao permanente desenvolvimento de aptidões para a vida produtiva. Parágrafo único. O aluno matriculado ou egresso do ensino fundamental, médio e superior, jovem ou adulto, contará com a possibilidade de acesso à educação profissional. Art. 160. (Dec.-Lei 4.048/42, art. 3º e Dec.-Lei 4.936/42, art. 1º) O Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial será organizado e dirigido pela Confederação Nacional da Indústria. Art. 161. (Dec.-Lei 8.621/46, art. 1º) Fica atribuído à Confederação Nacional do Comércio o encargo de organizar e administrar, no território nacional, escolas de 137 Art. 40. A educação profissional será desenvolvida em articulação com o ensino regular ou por diferentes estratégias de educação continuada, em instituições especializadas ou no ambiente de trabalho. Art. 41. O conhecimento adquirido na educação profissional, inclusive no trabalho, poderá ser objeto de avaliação, ao reconhecimento e certificação para A Lei 11.741/08, ao alterar a LDB, localiza a educação profissional técnica de nível médio no Capítulo I – Da Educação Básica, explicitando que essa oferta educacional é integrante desse nível de ensino (PACHECO, 2012). 101 aprendizagem comercial. Parágrafo único. As escolas de aprendizagem comercial manterão também cursos de continuação ou práticos e de especialização para os empregados adultos do comércio, não sujeitos à aprendizagem. Art. 162. (Dec.-Lei 8.621/46, art. 2º) A Confederação Nacional do Comércio, para o fim de que trata o artigo anterior, criará e organizará o Serviço Nacional de aprendizagem Comercial (SENAC). prosseguimento ou conclusão de estudos. Parágrafo único. Os diplomas de cursos de educação profissional de nível médio, quando registrados, terão validade nacional. Art. 42. As pessoas técnicas e profissionais, além dos seus cursos regulares, oferecerão cursos especiais, abertos à comunidade, condicionada a matrícula à capacidade de aproveitamento e não necessariamente ao nível de escolaridade. Art. 163. (De.-Lei 8.621/46, art.3º) O SENAC deverá também colaborar na obra de difusão e aperfeiçoamento do ensino comercial de formação e do ensino imediato que com ele se relacionar diretamente, para o que promoverá os acordos necessários, especialmente com estabelecimentos de ensino comercial reconhecidos pelo Governo Federal, exigindo sempre, em troca do auxílio financeiro que der, melhoria do aparelhamento escolar e determinado número de matrícula gratuitas para comerciários, seus filhos ou estudantes a que, provadamente, faltarem os recursos necessários. Parágrafo único. (Dec.-Lei 8.621/46, art. 3º) Nas localidades onde não existir estabelecimento de ensino comercial reconhecido, ou onde a capacidade dos cursos de formação em funcionamento não atender às necessidades do meio, o SENAC providenciará a satisfação das exigências regulamentares para que na sua escola de aprendizagem funcionem os cursos de formação e aperfeiçoamento necessários, ou promoverá os meios indispensáveis a incentivar a iniciativa particular a criá-los. Para além das divergências entre especialistas sobre os aspectos de melhorias e/ou retrocessos das leis sancionadas em vários períodos, é relevante perceber o enquadramento do Centro Profissional Dom Bosco a essas leis. Castro (2002, p. 12) a respeito do Centro Profissional Dom Bosco afirma: Todas as diretrizes pedagógicas são de responsabilidade do coordenador pedagógico dos cursos, que faz um acompanhamento dos programas que está sendo desenvolvido. Este acompanhamento acontece através de reuniões pedagógicas mensais, observações diárias, acompanhamento do planejamento de cada professor, entrevistas individuais com os professores, com pessoal administrativo, orientação educacional e serviço social. 102 Os programas de cada componente curricular são, periodicamente, avaliados, a fim de se determinar qual deverá ser a estratégia de ação para que os objetivos sejam alcançados com sucesso. Este nível de ensino profissional não formal e gratuito oferece condições favoráveis a uma avaliação de processo, com turmas relativamente pequenas (21 a 30 alunos) e torna possível o acompanhamento individual do trabalho realizado pelo aluno. O Centro Profissional Dom Bosco elaborou seu quadro curricular dos cursos profissionais, considerando a prática de oficina, desenho técnico, tecnologia aplicada, cálculo técnico, associados a conteúdos salesianos como o ensino religioso escolar e a educação física138. Esta estrutura é aplicada aos alunos dos cursos de mecânica industrial, eletricidade, marcenaria e desenho de máquinas, tendo como referência a metodologia e didática desenvolvidas pelo SENAI. Estes cursos foram oferecidos no formato de ensino profissionalizante até o ano de 2009. De forma pormenorizada, o programa do curso de mecânica industrial consistia em formar o aluno para desenvolver atividades nas áreas industriais de usinagem convencional e assistida por computador. Foi um dos cursos mais procurados, chegando a ter cinco candidatos disputando uma vaga (MENÃO, 2003). No curso de eletricidade, o aluno era formado para desenvolver atividades nas áreas industriais de manutenção e instalações elétricas, como também comandos elétricos e automação industrial (CASTRO, 2002). No curso de marcenaria, o aluno era formado para desenvolver atividades nas áreas industriais de fabricação e montagem de móveis. Já no curso de costura industrial, o aluno era formado para desenvolver atividades nas áreas industriais de confecção de vestimentas. No curso de máquinas, o aluno desenvolvia atividades nas áreas industriais de projeto e desenho de componentes de máquinas, assistido por computador. Posteriormente, ao ano de 2009, por motivos de legislação, na passagem do formato profissionalizante para técnico, não se abriram mais 138 A educação física, no curso de corte e costura, com carga horária reduzida, não tinha caráter obrigatório. 103 cursos de costura e marcenaria139, havendo então espaços de oficinas não utilizáveis140. Por outro lado, com a crescente demanda de alunos do UNISAL, a equipe de gestão da Escola Salesiana São José, em diálogo com a equipe de gestão do UNISAL, acordaram de reformar as antigas oficinas para salas de aula. Por meio de observação participante, constata-se, no CPDB, que tal realidade de mudança logística de espaços, representa, aos olhos dos docentes e membros funcionários do setor, não somente uma readequação legislativa, mas também uma inclinação mercadológica das gestões, sobretudo do UNISAL. No âmbito pedagógico e pastoral, de acordo com os conteúdos programáticos dos cursos e grade curricular como profissionalizante, os docentes, até então com a nomenclatura de instrutores141, tinham uma carga horária de disciplinas que favorecia um maior tempo de contato com os alunos de cada curso. Com competência e profissionalismo, ministravam as aulas práticas e teóricas referentes à sua área de curso. Neste sentido, do ponto de vista pedagógico e pastoral, havia o benefício de exercer influência moral e afetiva aos alunos. Embora o CPDB esteja integrado a uma escola de ensino regular, sua estrutura interna e operacionalização dos cursos profissionais e proposta pedagógica se enquadrava até 2008142, na educação não formal. Referendado por Trilla (apud Fernandes; Park, 2007, p. 132): […] A educação não formal é definida como aquela que não tem uma legislação nacional que regula e que incide sobre ela; portanto seu foco é na parte legislativa que, ao ser adotada de forma generalizada, conforma as possibilidades do fazer educativo e pedagógico. 139 Seria necessário um alto investimento para a readequação de oficinas e maquinário, além da baixa procura de alunos que havia no anterior formato de CPDB. 140 Parte do maquinário do curso de costura industrial foi doado para o Centro Profissional Dom Bosco de Lorena e a outra parte para o Centro Profissional Dom Bosco de São Carlos, juntamente com o maquinário do curso de marcenaria. 141 Os docentes do CPDB, no formato de profissionalizante, eram registrados como instrutores. No formato de ensino técnico, por força de lei, foram, em 2008, registrados como professores. Ambas categorias na Escola tinham a mesma faixa salarial. 142 Ano que o CPDB teve seus programas curriculares legislados pelo MEC. Anterior a essa data, a coordenação pedagógica realizava os programas curriculares com certa aproximação da estrutura do SENAI. 104 Na modalidade de educação não formal, compreendemos que, segundo Gohn (2008, p. 128): [...] esta ocorre em ambientes e situações interativas construídas coletivamente, segundo diretrizes de dados grupos – usualmente a participação dos indivíduos é optativa, mas ela também poderá ocorrer por forças de certas circunstâncias da vivência histórica de cada um. Se ampliarmos a discussão sobre a educação não formal, perceberemos que esta modalidade, em sua ampla compreensão, tem proporcionado certa integração entre casa/família e escola/educador/educando. Considerem-se, para isso, projetos extracurriculares no período de férias ou mesmo projetos sociais que integrem a família, educadores e educandos, favorecendo uma maior interação social e cultural de entendimento comunitário143 (SOUZA, 2011). Observamos que: “O espaço educativo ocupado pela práxis comunitária não é o da educação formal, mas preponderantemente o da denominada não formal [...]” (MARTINS, 2007, p. 23). Modalidade não formal que, segundo nos orienta Lima; Dias (2008, p. 05), “[...] propicia a reflexão sobre as desigualdades sociais e possíveis encaminhamentos para sua superação [...]”. A descrição da modalidade não formal, compreendida também como formação complementar e cultura geral, tem potencial para aplicação no campo laboral. Desta forma, salientamos que a parte educativa profissional, com suas devidas competências e habilidades, está em total correlação com valores e princípios humanos e salesianos, podendo assim, no CPDB, ser articulada a formação profissional com as práticas pedagógicas salesianas que são permeadas pelas dimensões social e comunitária, visando não somente a preparação dos jovens para o mundo do trabalho, mas também sua formação integral (VILLANUEVA, 2012). Conforme Fernandes (2007, p. 125): Uma educação integral visa desenvolver todas as facetas humanas, facilitando e descobrindo habilidades. Uma educação em tempo integral visa promover novas e ousadas formas de se ensinar, aprender e construir o conhecimento, em diferentes espaços e 143 Para maior aprofundamento da perspectiva comunitária de âmbito social e cultural (Cf. BAUMAN, 2001; GROPPO, 2011). 105 termporalidades, valendo-se da contribuição de variados sujeitos com seus repertórios geracionais, sociais, históricos e culturais, ou seja, do intercâmbio entre contextos sociais e culturais e da mistura da idade, gênero, etnia etc. Neste sentido, o CPDB, setor genuíno do trabalho salesiano, faz jus ao termo sociocomunitário, tendo uma perspectiva comunitária de cunho social que tem suas raízes pautadas em Bosco, na sua história e formas de intervenção educativa. Neste sentido, reportamo-nos a Gomes (2008, p. 52 – 53): [...] a proposta da investigação em educação sociocomunitária surgiu do estudo da identidade histórica de uma prática educativa, a educação salesiana. Em suas origens históricas, ela se fundava na 144 articulação de uma comunidade civil de religiosos e cidadãos comuns – em torno de um projeto educacional, que participou e promoveu transformações sociais em seu tempo e lugar histórico. A educação sociocomunitária salesiana é o pano de fundo do programa educativo do CPDB que procura favorecer e garantir a centralidade da pessoa em relação à economia, haja vista que é um setor de preparação para a inserção ao mundo do trabalho145. Procura também salvaguardar a dimensão da gratuidade contra o poder incontestável do lucro, e “[…] a promoção de modelos mais justos de desenvolvimento, impedindo o alargamento da disparidade das desigualdades presentes no sistema” (VILLANUEVA, 2012, p. 10). Que outra educação se pode fazer para o trabalho que não deva ser uma educação para a esperança e para o sonho? “Que outra forma existe de o ser humano se realizar que não através do trabalho, na amplitude das suas formulações possíveis?” (AZEVEDO, 2012, p. 86). Com uma estrutura de curso de dois anos, o CPDB pretende apresentar uma prática pedagógica que busque harmonizar e integrar valores humanos e salesianos com a dimensão do trabalho e da profissionalização. Um elemento da prática pedagógica salesiana é o denominado ‘bom dia’ ou ‘boa tarde’. É uma mensagem de cunho humanístico e motivacional dirigida aos alunos no 144 Para maior aprofundamento do termo comunidade e sociedade civil, consultar (Cf. MARTINS; GROPPO, 2010; VOLTOLINI, 2004). 145 GRACIANI (1995) discute os princípios geradores da educação pelo trabalho que implicam a familiarização com os valores, hábitos e atitudes relacionados com o trabalho. Há também um valor atrativo para os jovens participantes desses projetos coletivos, além de um irrecusável valor formativo do caráter. 106 início de cada período de aula com duração média de cinco minutos. Esta mensagem é emitida pelos docentes146, por meio de escala organizada pela coordenação pedagógica. Eu observei nesses dois anos, dando aulas no CPDB, uma coisa muito linda. Eu nunca tinha participado antes porque sempre trabalhei no Unisal e no Unisal não há a dinâmica de bom dia, boa tarde e boa noite. Aliás, acho que bons dias, boas tardes e boas noites são imprescindíveis e obrigatórios em todos os lugares. Já fiz e faço bom dia e boa tarde no CPDB quando sou convidada. Antes na escola tinha o dia certo. Então, há oportunidade para todos. Acho isso fantástico. (D1, E 10/10/2012). [Pergunto o que poderia ser potencializado e fortalecido em âmbito de salesianidade no CPDB. E ele:] olha, a vivência dentro da escola, já faz toda uma diferença. O que a gente não pode perder é o princípio, deixar as coisas caírem no esquecimento, embora sempre trabalhemos com as palestras que envolvam a questão da salesianidade, com os vídeos, com os bons dias e boas tardes. São muito importantes, pois, sempre se passam uma mensagem. Não necessariamente você precisa colocar o nome de Dom Bosco no meio das coisas. O sistema preventivo é independente de Dom Bosco. Acho que quando você trabalha com o jovem, mostra para ele o caminho certo, como as coisas devem ser. Quando ele está ali, prestando atenção no que você faz, já estamos aplicando o que Dom Bosco fez. Você não precisa levar o nome dele, embora sempre o façamos de alguma forma (D2, E 19/10/2012). A estratégia e dinâmica de ‘bom dia’ e ‘boa tarde’ foram mantidas na ocasião da adaptação da estrutura do CPDB às leis Nº 12.101/2009 da transferência da responsabilidade da concessão e renovação dos certificados de Entidade Beneficente de Assistência Social para os Ministérios do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, da Saúde e da Educação. Adequação de estrutura também feita ao Parecer CNE/CEB Nº 11/2008 da homologação da Proposta de Instituição do Catálogo Nacional de Cursos Técnicos de Nível Médio. Pacheco (2012, p. 29) referenda: Ao alterar a LDB, a Lei 11.741/08 localiza a educação profissional técnica de nível médio como seção IV – A do Capítulo II Da Educação Básica. Essa disposição no texto legal procura ressaltar a concepção de que esses cursos são da Educação Básica e encontram-se, portanto, no âmbito das políticas educacionais. 146 Os depoentes membros do corpo docente terão suas identidades preservadas por opção do autor. A identificação será feita pela letra D, abreviação de docente, seguido de numeração dos depoentes. 107 Surgem então diferenças em comparação ao ensino profissionalizante, enquadrado no modelo de educação não formal, quanto ao formato e condução da gestão e exigências normativas em lei. Todavia Castro (E 06/12/2012, destaque nosso) ressalta que, no CPDB, o procedimento educativo extracurricular, denominado ‘bom dia e boa tarde’, não sofreram corrosão: Há essa preocupação de realizarmos o bom dia e o boa tarde e não se perder a característica de passar sempre os princípios salesianos de Dom Bosco. Trazer os jovens aqui para que sintam que é uma escola de preventividade. Penso que o bom dia e a boa tarde não os perdemos. É uma característica bem forte no CPDB e não deixamos de realizá-lo. Embora esta estratégia didática, ‘bom dia e boa tarde’, aconteça, efetivamente, no CPDB, o pesquisador tem constatado, por meio de observação participante que, tanto no ano de 2012 como no primeiro semestre de 2013, certa fragilidade e desconformidade entre o ideal e princípio salesiano e a prática do bom dia e boa tarde. Consiste em que o docente, entendido como educador, deve, por meio de escala elaborada pela coordenação pedagógica, transmitir a mensagem humanista cristã de cunho motivacional ao aluno. Porém, em geral, os professores não participam desta atividade, não se fazendo presentes neste momento147, salvo quando solicitados. A operacionalização do ‘bom dia e boa tarde’, por parte do quadro docente, não tem funcionado. Em suma, o CPDB, ao longo de sua história de trabalho social e educacional, fortaleceu a malha industrial da cidade de Campinas e região, preparando para atender as demandas industriais e tecnológicas. O CPDB, como obra salesiana, preocupa-se com a formação humana, profissional e religiosa de seus destinatários. Elementos fundamentais para que os objetivos institucionais salesianos sejam alcançados, que seu corpo docente e funcionários estejam afinados e comprometidos com a formação salesiana dos jovens. O CPDB é herdeiro da tradição educacional e pedagógica que legou o educador Bosco, especialmente, voltada para a formação dos jovens de baixo poder aquisitivo. 147 Constata-se, por meio de observação participante, que, tanto no período da manhã como da tarde, os docentes procuram ‘ganhar’ tempo em sala de aula escrevendo a matéria na lousa. Tal realidade é entendida pelo curto período de aula restante após os ‘bons dias e boas tardes’ que, em alguns dias, ultrapassam o limite do tempo. 108 A estrutura salesiana, em obras, recursos humanos e financeiros pauta-se na convicção e fidelidade criativa, por parte de seus seguidores, aos princípios educacionais salesianos, originários de Bosco. Seu entendimento, aplicação e vivência são requisitos basilares a todos os educadores salesianos para a eficácia da educação salesiana, como já visto ao longo da história salesiana, manifesto nestes breves e concisos recortes temáticos sobre o trajeto histórico salesiano até o Centro Profissional Dom Bosco, sendo este, pano de fundo da pesquisa de campo e investigação do seguinte capítulo. 109 CAPÍTULO 3 3.1 Uma abordagem localizada (a problematização) Tendo percorrido o trajeto da história dos referenciais salesianos, sua sistematização como procedimento educativo e sua aplicação temporal e espacial, na Itália e no mundo, desde o início com Bosco até hoje, a abordagem neste tópico se centrará sobre o processo de entendimento dos princípios referenciais salesianos no corpo docente do Centro Profissional Dom Bosco (CPDB). Consta, no Estatuto Social da Escola Salesiana São José – Campinas, ano de 2012, que “A dissolução ou extinção desta Associação se dará quando não mais puder levar a efeito as suas finalidades institucionais” (ARTIGO 81). Desde a fundação da antiga Associação Beneficente de Educação e Assistência Social, no início do século XX, e depois da Escola Agrícola, os estatutos sempre asseguraram a finalidade social, sem a qual, os salesianos perderiam o direito outorgado pelo Estado de se manterem em funcionamento. Neste sentido, o atual CPDB, configurado como ensino técnico profissional, mantido pela Escola Salesiana São José (ESSJ), assegura à mesma o caráter filantrópico e assistencial de natureza confessional. Nos últimos anos e, especialmente, a partir de 2009, o CPDB passou a apresentar, por motivos de legislação, uma estrutura diferenciada em formato, currículo e público atendido. Tornou-se ensino técnico regular e não mais profissionalizante de ensino não formal148, tendo o currículo fixado pelo MEC com suas respectivas portarias149 e pareceres educacionais, em detrimento dum currículo pautado em orientações internas da Escola Salesiana São José. Por meio de entrevistas realizadas com os depoentes do CPDB, entende-se que, na condição de curso técnico, a demanda de candidatos aumentou, tornando-se necessário o aumento do nível de elaboração do 148 Cf. Trilla, 1985 que identifica o ensino não formal como não legislado pelo Estado. Cursos técnicos de eletroeletrônica, fabricação mecânica e informática, autorizados pela Portaria DREC de 28/12/2010, publicada no D.O.E. de 29/12/2010. 149 110 exame teórico para os candidatos aos cursos técnicos. Os critérios de seleção continuaram os mesmos, embora passaram a ser mais exigentes na seguinte ordem: 1) número de vagas fechadas com seleção por meio de exame teórico; 2) constatação de carência socioeconômica, por meio de entrevista com a orientação educacional e coordenação pedagógica; 3) os jovens deviam ter entre os quatorze e dezessete anos; 4) frequência à escola regular estadual e municipal (PPPP150, 2009). Evidencia-se que os jovens com menor rendimento escolar não mais conseguiriam atingir a pontuação necessária para pleitear o segundo passo de acesso a vagas no curso, que é a entrevista. Considerando o aspecto da escolaridade, o CPDB, em seu novo formato de ensino regular, tornou-se mais seletivo e, consequentemente, mais elitizado151, não sem críticas e resistências de pessoas próximas à realidade do CPDB, como ex-alunos, professores e a própria coordenação: Só lamento que tivemos que passar para o ensino técnico. É simples, nós atendíamos alunos de sétima série. A gente profissionalizava curso de duração de três anos. Com o técnico, você tem que pegar alunos do 2º ano do ensino médio para frente. Então, a maioria dos nossos alunos não chegam (sic) aqui. Nós deixamos de atender, não por nossa vontade. A briga foi grande nesse sentido. Eu queria que permanecesse a profissionalização vinculada com a educação para aqueles que precisam mais, para aqueles com atraso de escola, pois aí, na hora que você mostra a profissionalização, ele vê a necessidade de aprender outras coisas que não via como importante. Se você pega no ensino médio, você já tem que fazer uma seleção. Sim, o governo quer assim, e não podemos fazer muita coisa […] (E, MIRANDA, 21/11/2012). No novo formato de CPDB, a fim de cumprir seus objetivos legais de ensino profissional, com cursos técnicos de informática, eletroeletrônica e fabricação mecânica, são pertencentes, respectivamente aos eixos tecnológicos de informática e comunicação e os dois últimos ao eixo de controle e processos industriais. 150 Projeto Político, Pedagógico e Pastoral, ano de 2013. Disponível em: http://www.essj.com.br/site/arquivos_pdf/pppp2013.pdf 151 Embora o CPDB tenha hoje um público de alunos com perfil socioeconômico aproximado dos alunos do anterior formato de CPDB, percebe-se um distanciamento institucional das escolhas feitas por Bosco quanto à escolha de público e trabalho com jovens. 111 Conforme o plano do curso técnico em informática, o principal objetivo é atender ao perfil de um profissional que combine o conhecimento técnico e visão mercadológica, com os pressupostos humanísticos e culturais, formando profissionais capazes de exercer atividades técnicas com habilidades e atitudes que lhes permitam participar de forma responsável, ativa, crítica e criativa na solução de problemas na área de informática, sendo capaz ainda de continuar aprendendo e adaptando-se com a flexibilidade às diferentes condições do mercado de trabalho. O curso de eletroeletrônica tem como objetivo possibilitar ao aluno o acesso a conhecimentos, desenvolvimento de competências, oportunidades práticas e de pesquisas que, dentro do conceito de ‘aprender a aprender’, proporcionem-lhe subsídios para identificar e enfrentar os desafios impostos pelas rápidas transformações que ocorrem no setor elétrico, por meio de uma visão ampla dos processos industriais, gerando e aplicando de forma sustentável os recursos disponíveis, observando e atendendo às normas e procedimentos de qualidade, saúde, segurança e meio ambiente vigentes. O curso de fabricação mecânica está alinhado ao mesmo eixo tecnológico que a eletroeletrônica, apresentando, portanto, semelhanças nos objetivos. Acrescenta-se como elemento próprio do curso, a ampla visão do processo industrial que envolva a fabricação mecânica, utilizando-se de maneira sistêmica os conhecimentos adquiridos, por meio dos componentes curriculares desenvolvidos durante o curso, no sentido de atuar na melhoria e desenvolvimento de técnicas e procedimentos voltados aos sistemas de produção. Percebe-se, no entanto, que os três planos do curso técnico assumiram uma abordagem tecnicista, em resposta às exigências do mercado da região metropolitana de Campinas (RMC). Na justificativa e nos objetivos dos planos de curso, observa-se um alinhamento teórico voltado para a busca da competência profissional produtiva, como evidenciado nos planos de curso do ano de 2013. Nossa região está servida por muitas indústrias de grande, médio e pequeno porte que respondem por grande volume de produção 112 industrial direcionada ao mercado nacional e internacional, com alto grau de produtividade e competitividade, não sendo diferentes nos setores de comércio e serviços. Campinas possui, segundo o Instituto brasileiro de geografia e estatística (IBGE), os seguintes índices: Índice de desenvolvimento humano (IDH – M): 0,852, índice de educação (IDHM – E): 0,925, índice de renda (IDHM – R): 0,845, assim havendo grande potencial de demanda nos variados ramos de atividades, por profissionais do mercado. Preparar-se teórica e tecnicamente para os desafios do mercado de trabalho não é um objetivo equivocado, salvo quando o conceito de produção e consumo é massificado e absolutizado em detrimento do ser humano que trabalha e produz (VILLANUEVA, 2012). Jesus (2005, p. 76 – 77) alerta, a partir do alinhamento teórico educacional gramisciano, do perigo da ausência de dialética nos estudos e sua consequente ideologização no currículo acadêmico: Gramsci não negava o momento “ativo” da escola, mas queria que ele fosse superado pelo momento “criativo”. Escola criadora, em seu pensamento, “é o coroamento da escola ativa”. A escola ativa, embora o nome implique ação, movimento, poderia existir sem que fosse comprometida a formação do aluno. Gramsci queria se precaver contra as teorias das escolas “novas” (do movimento “escolanovista”) que viam, em primeiro plano, a atividade da criança. Seu objetivo era superar o estágio de atividade da escola pelo da criatividade, pois sabia que em uma escola sem criatividade o aluno poderia ser uma marionete muito ativo. Nosella (1992) menciona a dualidade do trabalho intelectual da escola e do trabalho material da indústria que, necessariamente, complementam-se, harmonizados como princípio pedagógico até o momento em que um se sobreponha ao outro, seja como ideologia ou como produção. Gramsci, nas palavras de Mochovitch (1990, p. 18,) traz a luz o risco de que a dimensão intelectual, em seu aspecto crítico e dialógico, seja dominado pela ideologia produtivista, desenvolvendo assim o conceito de intelectual orgânico: São aqueles que se imiscuem na vida prática das massas e trabalham sobre o bom senso, procurando elevar a consciência dispersa e fragmentária das massas ao nível de uma concepção de mundo coerente e homogênea – os intelectuais orgânicos são dirigentes e organizadores. Desta forma, os autores acima alertam para os riscos do alinhamento unilateral, especialmente, para os modelos econômicos de enveredamento 113 para produção mercantil que, de certa forma, evidencia-se nos planos de curso do CPDB, neste novo formato de ensino profissional. Em contrapartida aos planos de curso que apresentam um alinhamento mercadológico, o Projeto Político Pedagógico e Pastoral (PPPP) apresenta de forma abrangente, a integração dos elementos: aprendizado técnico, humano e salesiano, expresso em objetivos, finalidades, currículo e, inclusive, na demonstração de recursos materiais e caracterização da Escola e setor CPDB, disponíveis para a consecução das propostas de ensino. “Neste contexto, contemplam-se as matrizes do currículo institucional, contribuindo para um novo tempo onde o nosso educando possa praticar e lutar pelos direitos universais do ser humano” (PPPP, 2013, p. 52). Entende-se que a prática pedagógica do CPDB é desenvolvida em conjunto com o Projeto Político Pedagógico e Pastoral da Escola Salesiana São José, entretanto não havendo uma demarcação clara dos limites de atuação pedagógica e pastoral do PPPP no CPDB. Pode vir a acontecer que a dicotomia entre planos de curso com destaque ao trabalho pragmático e PPPP da Escola Salesiana São José que enfoca, efusivamente, o humanismo cristão e a formação integral da pessoa, tenha o pêndulo voltado para uma das partes, de acordo com a tomada de decisão da equipe de gestão da Escola Salesiana São José, em detrimento ao equilíbrio das propostas técnica e humanista salesiana. Não obstante, percebe-se, na equipe de gestão, a preocupação em alinhar e homogeneizar os critérios de trabalho salesiano, por meio da pedagogia salesiana legada por Bosco. Tendo apresentado a estrutura do CPDB como elemento teórico, embasado no Projeto Político Pedagógico e Pastoral da Escola São José e planos de cursos do CPDB, cabe refletir sobre como os princípios referenciais salesianos são assimilados, vividos e integrados pelos educadores docentes na prática de ensino. Surge então a necessidade de uma melhor visualização da incidência dos princípios referenciais salesianos, entendidos, concisamente, pelo chamado sistema preventivo que se pauta pela Razão, Religião e bondade, na prática dos educadores docentes no CPDB, além de se buscar 114 saber se o conhecimento técnico é ensinado na perspectiva dos valores salesianos. Para tais questionamentos e problematizações, a pesquisa de campo apresenta-se como instrumental metodológico imprescindível no entendimento e visualização da realidade do CPDB, em âmbito de pedagogia salesiana. 3.2 A pesquisa de campo Tendo definido quais ferramentas, técnicas e métodos seriam necessários para se entender a intensidade, alcance e incidência dos princípios educacionais salesianos na prática do educador docente no CPDB, apresentou-se ao pesquisador uma primeira dificuldade: a demarcação do objeto e sujeito de pesquisa. Estar muito próximo dos sujeitos pesquisados, no caso, pelo acesso obtido no cotidiano, possibilitou ao pesquisador questionar o limite da parcialidade e imparcialidade nas observações. Recorrendo a Ludke e André (1986, p. 14) entende-se que “O pesquisador deve exercer o papel subjetivo de participante e o papel objetivo de observador, colocando-se numa posição ímpar para compreender e explicar o comportamento humano”. A posição do pesquisador, bem como os conceitos por ele trabalhados, são importantes para a delimitação, abordagem e desenvolvimento do trabalho. Se, por acaso, o pesquisador se enveredar pela corrente positivista que referenda a procedência de conhecimentos já estabelecidos (MARTINS; GROPPO, 2006), dificilmente, haverá espaço para a singularidade e a riqueza do excêntrico, sobretudo relacionado à pessoa humana. Não se tenta neste trabalho reduzir tal corrente científica, referendada por avanços e feitos científicos pautados na exatidão e precisão quantitativa, mas apenas trazê-la como forma de conceber a realidade. A pesquisa também pode ter um alinhamento fenomenológico na interpretação de fatos e configuração de mundo (GARNICA, 1997). A visão de 115 um ponto não passa de um anglo de visão que se soma a uma miríade de anglos e perspectivas do mesmo fenômeno. Frente à riqueza de correntes e métodos existentes, este trabalho dissertativo de cunho qualitativo e historicista, evidenciado nos capítulos primeiro e segundo, referenda, neste terceiro capítulo, o uso de técnicas de investigação para coleta e análise de dados particulares, caracterizando-se como um estudo de caso. Neste sentido, a pesquisa está calcada em conceitos defendidos pela etnografia152 que, nas palavras de Fonseca (1999, p. 58), entende-se que: A Etnografia é calcada numa ciência, por excelência, do concreto. O ponto de partida desse método é a interação entre o pesquisador e seus objetos de estudo, “nativos em carne e osso”. É, de certa forma, o protótipo do “qualitativo”. E melhor ainda – com sua ênfase no cotidiano e no subjetivo, parece uma técnica ao alcance de praticamente todo mundo, uma técnica investigativa, enfim, inteligível para combater os males da quantificação. O trabalho de pesquisa do tipo etnográfico na área de Educação visa compreender na cotidianidade os projetos do dia a dia (SEVERINO, 2007). A oportunidade de estar com o outro, no caso específico desta investigação, o corpo docente do CPDB, em diálogo e convivência, favorece o entendimento e interpretação do como a Pedagogia Salesiana é interpretada e sua decorrente aplicação docente. De forma específica a respeito da abordagem etnográfica na pesquisa educacional, conceitua Ludke e André (1986, p.13): Até muito recentemente as técnicas etnográficas eram utilizadas quase que exclusivamente pelos antropólogos e sociólogos. No início da década de 70, entretanto, os pesquisadores da área de educação começaram também a fazer uso dessas técnicas, o que deu origem a uma nova linha de pesquisas, que tem recebido o nome de ‘antropológica ‘ou ‘etnográfica’. Entendido que o pesquisador pertence à comunidade educativa e religiosa da Escola Salesiana São José, presente como membro responsável do setor CPDB, com convivência e contato direto com o fenômeno pesquisado: os educadores docentes, torna-se desafiador, portanto, ao pesquisador, 152 Na virada do século XIX para o XX, localiza-se o projeto de uma Antropologia do indivíduo e da singularidade cultural, projeto que se opõe à anterior tendência de buscar a universalidade do homem nos estudos comparativos das diferentes culturas. É, ainda, nesta virada de séculos que a Antropologia moderna se institui como ciência (SCHIMITDT, 2005). 116 encontrar o estranhamento necessário para buscar o novo naquilo que lhe já é familiar. Também foi feito o uso da abordagem quantitativa como ferramental complementar às hipóteses levantadas no trabalho. Entendendo que ambas as abordagens, qualitativa e quantitativa, têm suas referências epistemológicas e metodológicas, cabe, brevemente, distingui-las para complementá-las. Segundo Gunther (2006, p. 03): O contraponto feito entre a pesquisa qualitativa e a pesquisa quantitativa é o de estudar um determinado fenômeno no seu contexto natural versus estudá-lo no laboratório. A primeira estratégia – da pesquisa qualitativa – implica em relativa falta de controle de variáveis estranhas ou, ainda, a constatação de que não existem variáveis interferentes e irrelevantes. Todas as variáveis do contexto são consideradas como importantes. Na segunda estratégia – da pesquisa quantitativa – tenta-se obter um controle máximo sobre o contexto, inclusive produzindo ambientes artificiais com o objetivo de reduzir ou eliminar a interferência de variáveis interferentes e irrelevantes. Entre as variáveis irrelevantes e potencialmente interferentes, seus valores, quanto variáveis contextuais ou atributos do objeto de estudo que não interessam naquele momento da pesquisa. A complementação das abordagens “quali – quanti” dentro de suas especificidades se dará pela comparação das informações obtidas pelas técnicas de ambas as abordagens, por meio de aplicação de questionário quantitativo e qualitativo aos alunos, realização de entrevistas semiestruturadas com os educadores docentes do CPDB e observação participante, entendida como contato direto do pesquisador com o fenômeno observado. “Trata-se de compreender criticamente o mundo manifesto ou oculto das comunicações” (SEVERINO, 2007, p. 121). Por meio de uma criteriosa análise de conteúdo das entrevistas semiestruturadas, observação participante, diário de campo e a parte qualitativa do questionário, foi possível coadunar com as informações levantadas no questionário de abordagem quantitativa na tentativa de responder os questionamentos manifestos: Como os educadores docentes interpretam e põem em prática os princípios referenciais salesianos no CPDB? Sabe-se que a pesquisa qualitativa tem o ambiente natural como sua fonte direta de dados e o pesquisador como o principal instrumento. Conforme Martins (2004, p. 292) outra característica importante da abordagem qualitativa consiste: 117 […] na heterodoxia no momento da análise dos dados. A variedade de material obtido qualitativamente exige do pesquisador uma capacidade integrativa e analítica que, por sua vez, depende do desenvolvimento de uma capacidade criadora e intuitiva. Para tanto, percebe-se a necessidade de uma longa e intensa imersão na realidade para entender as regras, os costumes e as convenções que governam a vida do grupo estudado (Ludke; André, 1986). Compreendidos os mecanismos que conformam a pesquisa de campo, iniciou-se a aplicação das técnicas de trabalho metodológico: observação participante desenvolvida como tópico, embora o material coletado seja utilizado como elemento fundamental no decorrer da dissertação, questionário “quali – quanti” e entrevistas semiestruturadas e a posterior análise de dados. 3.2.1 A observação participante Pelo acesso ao setor Centro Profissional Dom Bosco (CPDB), na condição de membro efetivo da Associação Civil, de natureza confessional, beneficente e filantrópica (Escola Salesiana São José), foi possível realizar a observação participante com consistência, em termos de atividades e tempo, investido nesta técnica de pesquisa. Conforme Groppo e Martins (2006, p. 28): Na observação participante há um contato direto do pesquisador com o fenômeno observado, recolhendo as ações dos atores no seu contexto natural, com base nos pontos de vista dos atores. Ou seja, em vez de se portar como elemento externo à situação, o pesquisador encontra uma posição dentro do grupo pesquisado e o observa desde dentro, em situações cotidianas. Da mesma forma, Schimidt (2005, p. 14) afirma que: O termo participante sugere a controversa inserção de um pesquisador num campo de investigação formado pela vida social e cultural de outro, próximo ou distante, que, por sua vez, é convocado a participar da investigação na qualidade de informante, colaborador ou interlocutor. Trata-se de uma técnica sujeita a constantes críticas pela validade e rigor em sua utilização para posterior verificação (PAULILO, 1999). 118 Reconhecida a argumentação quanto a real validação da técnica ‘observação participante’, entende-se que as hipóteses e conclusões do pesquisador são decorrentes da interferência no fenômeno pesquisado, caracterizando seu caráter parcial de abordagens e perspectivas. São integradas pelo pesquisador que pertence à equipe de gestão da realidade pesquisada, que foi aluno do CPDB, em outra unidade escolar, e está imerso no setor como observador. Ter vivido a realidade de aluno e estar diretamente ligado à área da gestão e setor de pesquisa, no caso, o CPDB, amplia o quadro de possibilidades de hipóteses e conclusões. Além de responder a problemática do trabalho do ponto de vista metodológico, há que considerar a história pessoal do pesquisador no envolvimento com o fenômeno de pesquisa e a atual conjuntura de diálogo entre a área da gestão e o CPDB, no que competem a condições de trabalho, currículos formativo e contrato salarial, não permitindo, portanto, posicionamentos unilaterais e imparciais. O pesquisador usufrui de privilegiada condição para a pesquisa teórica e de campo, pois outros pesquisadores não teriam acesso a estas condições. Ser religioso salesiano possibilitou ao pesquisador acesso irrestrito aos documentos como atas e crônicas da instituição salesiana e setor CPDB, bem como contato direto e constante com o fenômeno pesquisado, sendo os educadores docentes do CPDB como amostra e demais sujeitos investigados153. Neste sentido, o objeto da pesquisa passa a ser também um importante sujeito da pesquisa (GROPPO; MARTINS, 2006). A observação participante exige condições pontuais para a inserção no grupo pesquisado, como atividades e tempo para observação, elaboração e combinação de ideias em forma de registro, a partir das representações sociais apresentadas ao interlocutor. Conforme Ludke e Marli (1986), o trabalho de campo deve durar pelo menos um ano escolar; em outras palavras, exige constância e sistematicidade na confrontação de ideias, cruzamento de 153 Com a aplicação de questionário aos alunos do CPDB de abordagem quantitativa e qualitativa foi possível, a partir das questões qualitativas com respostas explicativas que fazem menção aos educadores docentes, elencar critérios de escolha e categorias para análise de conteúdo das entrevistas. O questionário e as entrevistas serão desenvolvidos em tópicos seguintes. 119 informações adquiridas, tanto oralmente como pela vivência cultural do ambiente pesquisado. Neste sentido, frente à necessidade de obter elementos suficientes do quadro docente do CPDB quanto à forma que os mesmos compreendem e põem em prática os princípios referenciais salesianos, a partir da técnica de observação participante (totalizando 128 horas), iniciaram-se, no mês de maio de 2012, as primeiras anotações no diário de campo. Embora, no mês de janeiro, com o início do ano letivo escolar, já existisse contato e, inclusive, uma relação de amizade entre o pesquisador e os educadores docentes do CPDB, configurando assim uma imersão não intencional, mas espontânea e automática; por ser o local de trabalho do pesquisador. Compreendendo que os princípios referenciais salesianos são vivenciados não somente na prática docente em sala de aula, mas também em todos os espaços e momentos de convívio com os educandos, considerou-se necessário destacar, no diário de campo, não somente as observações da prática docente em aula, mas também os momentos que vão além desta, nos espaços adjacentes da sala de aula em que os docentes, foco do trabalho, estiveram presentes154. Com o início da aplicação da técnica da observação participante, principalmente, por meio da convivência com os educadores docentes do CPDB, numa relação de amizade estabelecida pelo vínculo do carisma salesiano, favoreceu-se para que a sensação interior de engano e erro, por parte do observador, ao dedicar-se a estar com o grupo pesquisado, não se tornasse um peso psicológico, mas sereno, pois bastou registrar a experiência do cotidiano. Severino (2007, p. 120) esclarece que o ato de observar, participando dos ritmos e costumes do fenômeno pesquisado são traduzidos pelo compartilhamento das vivências: “[…] para realizar a observação dos 154 Para tanto, a coleta de dados desta técnica de pesquisa, observação participante, abrangeu doze meses. Realizaram-se 56 atividades com um tempo geral de 128 horas de observação participante. Quadro de atividades assim distribuídas no Apêndice B. Cf. p. 192. 120 fenômenos, compartilha a vivência dos sujeitos pesquisados, participando, de forma sistemática e permanente, ao longo do tempo da pesquisa, de suas atividades”. Muitas atividades em campo são corriqueiras não trazendo novidades que pudessem revelar a forma de compreensão e prática docente quanto aos princípios salesianos. Uma destas atividades foi a convivência com os docentes no horário do intervalo na sala dos professores. Nesse período, normalmente, os professores conversam sobre casos e episódios de aula, especificamente, sobre aqueles alunos que são mais travessos. Futebol, já que a maior parte dos professores são homens e sentem prazer em discutir lances polêmicos. Essas conversas são sempre descontraídas e num ambiente de camaradagem e até amizade (DC, 02/04/2013). Embora, nos primeiros contatos do pesquisador com os educadores docentes, não houvesse confiança e proximidade suficientes, ainda por serem construídas, ao longo da aplicação da técnica de observação participante, convivência e momentos espontâneos, como um churrasco entre alunos e professores do CPDB, aos poucos estes elementos foram construídos. A ideia foi realizar um passeio final para os alunos do 2º ano do CPDB que estavam concluindo os estudos em suas respectivas áreas: fabricação mecânica, eletroeletrônica e informática. Foi um dia ensolarado sendo possível utilizar de todos os recursos oferecidos na chácara para diversão e confraternização, como o campo de futebol, a quadra de cimento, a piscina e o pátio. Estavam presentes todos os professores e os 45 alunos concluintes. Os professores participaram dos jogos, das rodas de conversas, deram atenção aos alunos com os quais construíram ao longo do curso laços de amizade (DC, 13/12/2012). A confiança cresceu na medida em que a convivência entre pesquisador e educadores docentes se ampliou a ponto do pesquisador ter sido convidado para participar da confraternização de fim de ano entre os docentes e coordenação pedagógica na residência de um dos docentes. Iniciou-se o churrasco às 12h00. Estavam presentes todos os professores, mais coordenação e assistente social, assim como os salesianos da instituição que também compareceram para prestigiar o momento de fraternidade. Ao som de músicas de pagode tocadas por alguns dos professores, tomando cerveja e saboreando o churrasco, a descontração foi longe. Relembravam os muitos anos que trabalhavam juntos: o futebol, a participação em encenações teatrais, os saraus, realizados na escola nos dias de ação de graças, as situações engraçadas. Realmente, trata-se de um excelente grupo (DC, 20/12/2012). 121 Houve também oportunidade para observar atividades de caráter pastoral e pedagógico da Escola Salesiana São José expressas nas formações humanas e celebrações ecumênicas, destacando os valores do humanismo cristão presente na instituição escolar. Os profissionais docentes se faziam presentes nestas celebrações quando elas correspondiam aos seus horários de aula. As atividades de cunho pastoral eram realizadas nos horários das 7h00 às 8h00 para os alunos do período da manhã e das 13h30 às 14h30 para os alunos do período da tarde, consistindo em dinâmica de ação de graças. O animador motivava os alunos, no salão de jogos, para o sentido de gratidão pelas experiências positivas vividas, assim como as não tão agradáveis. Os alunos eram divididos por grupos de curso: informática, fabricação mecânica e eletroeletrônica, sendo convidados a preencher com mensagens de agradecimento um tecido branco que simbolizava a paz. Após preenchimento, todos se dirigiram à capela, onde expunham a mensagem do grupo e cantavam algumas músicas que enfocassem gratidão a Deus. Os professores estiveram sempre presentes participando de todos estes momentos (DC, 21/12/2012). O pesquisador participou de inúmeras atividades da instituição, como as mencionadas acima, assim como das reuniões pedagógicas, manifestações culturais, semanas de planejamento, festas de homenagem aos pais e nas atividades formativo-recreativas do DDT (Dia da Turma), realizadas numa chácara. Além destas atividades extracurriculares, o pesquisador se fez presente na sala de aula, na qualidade de observador participante. Por meio do diário de campo são narradas as sensações, os ambientes, gestos, etc. Tudo, obviamente, sob a óptica do próprio pesquisador. Quando entrei em classe, nas primeiras vezes, senti certo desconforto de alunos e docentes, marcado pelo silêncio por alguns segundos, tanto de alunos, como do professor que escrevia na lousa. Fiquei imaginando o quanto era realmente desconfortável para ambas as partes, alunos e professores minha presença, que, certamente, no seu entender, se questionavam se eu não estaria ali para vigiá-los. Com o tempo, porém, após algumas aulas, percebi que o ambiente se serenou, acredito que entendendo que eu estava ali só para realizar uma investigação acadêmica (DC, 19/02/2013). Com as primeiras observações sistemáticas em salas de aula com os seis docentes, pude perceber que a compreensão da pedagogia salesiana era expressa de forma diferente por cada um, um misto de compreensão pessoal e propostas institucionais dos princípios referenciais salesianos. 122 Os registros que se seguem mostram os contextos e experiências do cotidiano em sala de aula. No início da aula, alguns alunos se aproximaram de D1 e tiraram suas dúvidas. Conversaram rapidamente e iniciou-se a aula. Novamente, a mesma coisa, D1 passando matéria na lousa e os alunos conversando, em baixo tom, mas conversando (DC, 18/04/2013). Era uma sexta feira chuvosa, os alunos estavam inquietos. D2 passava a matéria na lousa e os alunos copiavam, uns rápido e outros menos. Após passar a matéria na lousa, D2 disse: “Agora prestem a atenção, escutem para entender”. Fiquei pensando e meditando na estratégia de D2. Dar liberdade por instantes e depois retomar o controle do grupo. Ele apontava os detalhes na lousa com firmeza. Representava a convicção e confiança na importância do conteúdo e da necessidade de que aprendessem (DC, 05/04/2013). Os alunos estavam jogando no salão de jogos. Estavam divididos entre as mesas de pebolim, ping-pong e sinuca. Quando terminou este momento de jogos lúdicos, começou o chamado ‘bom dia’. Na escala do dia estava indicado D3. Sorridente, começou a dizer sua mensagem e, na sequência, conduziu a oração do Pai Nosso. Foi bastante enfática a necessidade de estudar. “Quem não estuda fica para trás”. Destacou que a concorrência no mercado de trabalho está cada vez mais acirrada (DC, 18/03/2013). Na aula, pairava certa tensão. Era dia de prova. A voz de D4 soava imponente, firme e confiante. De repente, o silêncio imperou. Podia se escutar os sons de outros setores, carros transitando nas ruas, pássaros cantando nas árvores próximas. Quando os primeiros alunos terminaram as provas, rompeu-se o silêncio por meio da despedida dos alunos e D4 (DC, 03/04/2013). Pude entrar na sala de aula, conversando com D5. Os alunos já estavam em seus lugares, conversando entre si e com seus computadores ligados, esperando o início da aula. O instante de conversa com o professor foi interessante. Pudemos retomar um assunto que nos encanta, o futebol. Argumentei que ainda não pude conciliar meus horários pessoais com os programados para o jogo dos funcionários da Escola Salesiana São José. Ele riu e eu também. Me afastei e ele assumiu a classe saudando-os com o chamado ‘boa tarde’ (DC, 11/03/2013). Na oficina do curso de fabricação mecânica fazia calor. O barulho me incomodava. Os alunos estavam protegidos com equipamentos de segurança: óculos, jalecos e fones de ouvido. Era uma aula prática, colocando em prática o conteúdo daquela semana. D6 caminhava vigilante, atencioso e preocupado com alguns alunos que já demonstram sinais de desatenção no uso das máquinas. Quando um dos alunos terminou sua peça, levou-a até D6. Este a esquadrejou e sorriu dizendo, está certa. O garoto também sorriu e voltou ao seu torno. Entendi que a vitória na vida é uma construção de curtos e profundos sorrisos (DC, 15/03/2013). 123 Observando posturas, atitudes e colocações dos docentes como educadores, o pesquisador teve dificuldade em distinguir o que era habilidade profissional, singular de cada um deles e o que era procedimento nascido da pedagogia salesiana e integrada por esses educadores. Como já foi sinalizada, a observação participante é uma técnica auxiliar na interpretação da realidade e cultura do fenômeno pesquisado. Porém é necessária a aplicação de outras técnicas que corroborem para consolidar se os princípios referenciais salesianos fazem parte efetiva ou não das práticas docentes destes educadores. 3.2.2 O questionário com os alunos A técnica da observação participante permite-nos compreender a maneira como os docentes entendem e põem em prática os princípios educacionais salesianos, em sua totalidade ou parcialmente. O acesso ao fenômeno pesquisado, com a aplicação da técnica da observação participante, permite também ampliar novas perspectivas e olhares complementares com a aplicação de outras técnicas como questionários e entrevistas. Na fase de estruturação de projeto de pesquisa, optou-se por contemplar o uso do questionário como forma de construção de dados dentro da abordagem quantitativa e qualitativa para fim de comparação de informações, observações e hipóteses, levantadas ao proposto questionamento de como são entendidos e colocados em prática os princípios educacionais salesianos pelo corpo docente do CPDB. Conforme a observação participante acontecia, aprimorando o olhar do pesquisador, ao descrever palavras, expressões, gestos, percepções pessoais, foi possível elaborar um questionário, embasado em conceitos e orientações técnicas. 124 Para Chagas (2010, p.02): “[…] um questionário é tão somente um conjunto de questões, feito para gerar os dados necessários para se atingir os objetivos do projeto”. De forma complementar, mas com destaque ao aspecto do problema e não ao objetivo como o fazem Chagas, Groppo e Martins (2006, p. 28) o “questionário é uma relação de questões a ser apresentada a alguém que guarda informações sobre o tema e que, conhecidas, poderão ajudar a responder o questionamento manifesto pelo problema”. Optou-se por elaborar dez questões de abordagem ‘quali – quanti’ que, na condição de complementares, suprirão a desvantagem de uma e de outra abordagem. São nove questões fechadas e a última é aberta, e que, na interpretação e análise de conteúdo, dará margem para a escolha dos docentes depoentes em um quadro de amostragem. De forma geral, o questionário deve ter estrutura lógica, uma linguagem simples, eliminando assim o máximo possível as ambiguidades na interpretação (CHIZZOTTI, 2000). Outro elemento entendido como princípio de estruturação, de acordo com Gunther (2006, p. 06): […] é direcionar-se do mais geral para o mais específico; do menos delicado, menos pessoal, para o mais delicado, mais pessoal. Esta ordem se aplica a conjuntos temáticos de itens e a um grupo de itens que tratam de uma temática em comum. Seguindo o embasamento teórico de Gunther, as quatro primeiras questões elaboradas para os alunos do CPDB possuem um cunho geral, sendo questões fechadas com alternativas opostas. A primeira trata do curso, a segunda sobre o gênero, a terceira sobre a série que o aluno está cursando e a quarta sobre a idade. Todas as quatro são para a caracterização do aluno. Já as questões de cinco a dez são específicas do quadro docente do CPDB. 1. Curso ? 2. Sexo ? a. Eletroeletrônica a. Masculino b. Fabricação Mecânica b. Feminino 125 c. Informática 3. Série que está cursando ? 4. Idade ? a. 1º Ano a. 15 anos b. 2º Ano b. 16 anos c. 17 anos d. 18 anos Formuladas as dez questões embasadas em referencial teórico e observação participante com o fenômeno de pesquisa, seguiu-se o processo de avaliação de qualidade do questionário com o pré-teste visando eliminar possíveis erros que invalidassem este instrumento de pesquisa bem como o êxito da pesquisa. Segundo Chagas (2010, p. 11): É importante a realização de um pré-teste porque é provável que não se consiga prever todos os problemas e/ou dúvidas que podem surgir durante a aplicação do questionário. Sem o pré-teste, pode haver grande perda de tempo, dinheiro e credibilidade caso se constate algum problema grave com o questionário já na fase da aplicação. Foram 7 respondentes na fase pré teste que puderam, além de responder o questionário, tecer comentários críticos sobre a estrutura do questionário. O alinhamento lógico e sequencial das perguntas, a ligação do problema com os objetivos da pesquisa, a linguagem e estética do questionário. Neste sentido, o questionário sofreu completa reformulação e, seguidamente, foi submetido a novo parecer em escala de orientação que, conformado às observações da fase pré-teste, tornou-se compacto e coeso para aplicação com os alunos do CPDB. Em meados do mês de julho do ano de 2012, as primeiras perguntas para enquete foram elaboradas. Após revistas e analisadas pela orientadora, foram estruturadas e conformadas à fase de teste que consiste em repassar o questionário às pessoas afins, com o qual se 126 relate criticamente a aplicabilidade, coerência e clareza dos enunciados, coesão, linguagem e alinhamento lógico de ideias a partir do preenchimento do mesmo. No mês de agosto de 2012, o questionário foi revisto pela 2ª vez, já com as observações alheias e parecer final da orientadora. No final do mês de agosto e início de setembro foi aplicado o questionário com os alunos do Centro Profissional Dom Bosco (CPDB). Eram alunos dos cursos técnicos de informática, eletroeletrônica e fabricação mecânica entre 1º e 2º anos. Dos 182 alunos inscritos nos cursos, foram preenchidos 159 formulários, sendo que 23 alunos faltaram nos dias de aplicação. Dentre as dez questões, nove eram objetivas para análise quantitativa e a última era explicativa. (DC, 3008 e 03-09/2012). O questionário foi aplicado com os alunos do CPDB pelo próprio pesquisador que contou com a adesão de 159 alunos respondentes. Estar presente em meio aos alunos no ato de resposta do questionário permitiu esclarecimentos sobre algumas dúvidas e, a partir destas, percebeu-se certo descompasso entre a linguagem das perguntas e o nível cultural dos alunos. Esclarecidas as dúvidas, o questionário pode ser respondido sem comprometimento. Com o auxílio de um software SPSS, um programa com recursos de armazenamento, análise e cruzamento de dados, os 159 questionários foram quantificados, primeiramente, isoladamente por questão da primeira a nona, e, em seguida por cruzamento das questões a partir das categorias de gênero, cursos e série. Na análise descritiva do banco de dados constam 48 alunos (30,2%) do curso de eletroeletrônica, 63 (39,6%) de fabricação mecânica e 48 (30,2%) do curso de informática, sendo que do conjunto de 159 (100%) alunos, 120 (75,5%) são homens e 39 (24,5%) mulheres. 87 alunos (54,7%) são do 1º ano e 72 (45,3%) do 2º ano. No quadro etário dos alunos respondentes, predominou a idade dos 16 e 17 anos, respectivamente, 59 (37.1%) e 58 (36,5%) alunos. Estas descrições gerais mostram a caracterização dos respondentes que também responderam às questões específicas de múltipla escolha. A descrição que se segue se relaciona às questões cinco e nove de abordagem quantitativa, seguido da análise e cruzamento dos dados das 127 questões de cinco a nove, por meio das categorias de gênero, curso e série. A décima questão de abordagem qualitativa será descrita ao final do tópico. Na questão cinco perguntou-se se os alunos visualizavam a integração da proposta do ensino técnico com o enviezamento institucional salesiano. 150 (94,3%) alunos respondentes afirmativamente, que percebiam essa relação. Embora para o pesquisador esta questão parcialmente poderia induzir o aluno a responder afirmativamente, os resultados não foram prejudicados. Na questão de número seis, perguntou-se se cada aluno identifica e percebe aspectos da Pedagogia Salesiana nos educadores docentes do CPDB. 92 (57,9%) dos alunos respondentes perceberam elementos da Pedagogia Salesiana em todos os educadores docentes. 62 (39%) identificam e percebem elementos da Pedagogia Salesiana em apenas alguns educadores. Na constatação de que 39% dos respondentes não percebem elementos de Pedagogia Salesiana nos educadores docentes, ficou a dúvida ao pesquisador sobre a quantidade e a que docentes se referiam os respondentes ao não indicá-los. Na questão sétima, perguntou-se se o aluno vê a mesma postura de Bosco nos educadores do CPDB. 102 (64,2%) respondentes visualizam a figura de Bosco em todos os educadores. 52 (32,7%) mostram que visualizam a figura de Bosco em apenas alguns educadores docentes. Este descompasso de respostas também sinaliza a dúvida sobre quantidade e a quais educadores docentes se referiam os respondentes quando eram comparados à figura histórica de Bosco. Embora as questões seis e sete sejam similares, a questão seis busca visualizar os princípios educacionais salesianos nos educadores, já a questão sete busca associar a figura histórica de Bosco aos educadores do CPDB. As questões são aproximadas em ideias, não obstante, os respondentes apresentaram um quadro diverso de respostas entre a questão seis e sete. O pesquisador entende, como hipótese, que os alunos, possivelmente, não compreendem, com profundidade, os princípios educacionais salesianos ao ponto de percebê-los nos educadores ou, simplesmente, a figura de Bosco é apresentada aos alunos no CPDB. 128 A diferença numérica de dez indicações e/ou afirmativas da questão seis para sete nas alternativas ‘Em todos e em alguns’ equivale a 7% dos respondentes (Cf. Tabela nº 2). Quadro que deixa a dúvida da clareza da linguagem das questões elaboradas pelo pesquisador, bem como a profundidade de conhecimento do alunado sobre os princípios educacionais salesianos e da figura de Bosco. Tabela nº 2 Análise descritiva do banco de dados - Questões 6 e 7 Você consegue identif icar e perceber aspectos de Salesianidade nos educadores do CPDB? Valid Frequency 92 Percent 57,9 Valid Percent 57,9 Cumulat ive Percent 57,9 62 39,0 39,0 96,9 Somente na part e profissional 2 1,3 1,3 98,1 Somente na part e pastoral 1 ,6 ,6 98,7 Mais ou menos 2 1,3 1,3 100,0 159 100,0 100,0 Em t odos Em alguns Total Você vê a mesma postura de Dom Bosco nos educadores do CPDB? Valid Frequency 102 Percent 64,2 Valid Percent 64,2 Cumulat ive Percent 64,2 52 32,7 32,7 96,9 Somente na part e profissional 1 ,6 ,6 97,5 Somente na part e pastoral 4 2,5 2,5 100,0 159 100,0 100,0 Em t odos Em alguns Total Na questão de número oito pediu-se que o aluno apontasse aspectos da Pedagogia Salesiana, a partir das características profissionais de seus educadores docentes. 51 (32,1%) respondentes afirmam que seus educadores buscam trazer novos conhecimentos; 45 (28,3%) afirmam que seus educadores são comprometidos com o trabalho; 39 (24,8%) afirmam que seus educadores são capazes e didáticos. 129 Para complementar as características profissionais desenvolvidas na questão de número oito, pediu-se na questão número nove que, a partir da singularidade e característica pessoal de cada educador, os alunos apontassem as manifestações de salesianidade mais marcantes. 72 (45, 3%) respondentes mencionaram a alternativa envolvimento e empenho. 36 (22,6%) mencionaram a alternativa religiosidade, companheirismo e amizade; 25 (15,7%) mencionaram a acolhida. Tratam-se de elementos de ordem prática vividos e experienciados pelos alunos no cotidiano do CPDB. Essas características profissionais e pessoais expressas como princípios salesianos, quando agrupados, conformam a Pedagogia Salesiana que para Ferreira (2008, p. 31) “[…] é genuinamente um estilo de educação, um tipo particular de ação educativo-pastoral, uma espiritualidade vivida na ação. Possui consistência orgânica, convicções e conteúdos precisos, atitudes, estruturas, metodologia e forma próprias”. De forma geral as questões de cinco a nove buscam delimitar o foco de pesquisa, questionando especificidades do fenômeno: o educador docente no CPDB e seu entendimento e a prática da Pedagogia Salesiana. 5. Você percebe que, no ”Centro Profissional Dom Bosco”, a proposta de profissionalizar e formar técnicos está sendo feita com as qualidades carismáticas da Instituição, pautadas na presença ou mescla da pedagogia de Dom Bosco como principal qualidade do carisma da instituição? a. b. c. d. e. Sim Não Somente na parte profissional Somente na parte pastoral Mais ou Explique:_________________________________________ menos. 6. O sistema Salesiano de educação também é marcado pela manifestação e expressão da alegria, empatia, acolhida, generosidade, bondade e tantos outros adjetivos que qualificam a salesianidade. Você consegue identificar e perceber estes aspectos da Salesianidade nos Educadores do “Centro Profissional Dom Bosco”? a. Em todos b. Em alguns 130 c. Somente na parte profissional d. Somente na parte pastoral e. Mais ou Explique:_________________________________________ menos. 7. Dom Bosco, como grande Educador que foi, procurou sempre proporcionar aos seus jovens condições para que estes desenvolvessem, da melhor forma, suas capacidades Profissionais e Humanas. Você vê esta mesma postura de Dom Bosco nos Educadores do “Centro Profissional Dom Bosco” ? a. b. c. d. e. Em todos Em alguns Somente na parte profissional Somente na parte pastoral Mais ou Explique:_________________________________________ menos. 8. Observando as características Profissionais dos seus professores aqui do “Centro Profissional Dom Bosco” aponte. Quais são as manifestações de salesianidade mais marcantes? a. b. c. d. e. Capacidade e Didatica Atenção com o conteúdo Busca trazer novos conhecimentos Comprometimento com o trabalho Sensibilidade para a realidade do aluno 9. Observando as características Pessoais dos seus professores aqui do “Centro Profissional Dom Bosco”, aponte quais são as manifestações de salesianidade mais marcantes? a. b. c. d. e. Alegria Acolhida Bondade Envolvimentos e empenho Religiosidade, companheirismo e amizade 3.2.2.1 Análise de dados: Categoria ambos os gêneros Para melhor compreensão dos dados apresentados nas questões específicas de cinco a nove, o pesquisador optou por realizar a análise das 131 mesmas também pela categoria de gênero, embora a proporção numérica seja, preponderantemente, masculina, não comprometendo e invalidando esta categoria. A partir da categoria de gênero, na questão de número cinco, 112 (93,3%) respondentes do gênero masculino atestam que a proposta de ensino técnico no CPDB está sendo realizada de acordo com a proposta pedagógica da Instituição Salesiana Escola São José. 38 (97,4%) feminino, também afirmam o mesmo. Na questão de número seis, 70 (58,3%) respondentes masculinos afirmam que conseguem identificar e perceber aspectos da Pedagogia Salesiana em todos os educadores docentes do CPDB. 48 (40%) também do gênero masculino, visualizam aspectos da pedagogia salesiana em apenas alguns educadores. Do gênero feminino, 22 (56,4%) conseguem visualizar aspectos da pedagogia salesiana em todos os educadores docentes; 14 (35,9%) respondentes, apenas em alguns educadores. Tanto a questão de número cinco como a de número seis mantém uma conformidade nas respostas de acordo com a proporção numérica no gênero, o que demonstra a visibilidade da proposta pedagógica salesiana no setor. Não houve desequilíbrio nas observações dos respondentes para as alternativas ‘todos e alguns’ das questões cinco e seis. Constata-se que, na questão de número sete, 78 (65%) respondentes do gênero masculino atestam que vêm a mesma postura de Bosco em todos os educadores do CPDB. 39 (32,5%) em apenas alguns educadores. Para o gênero feminino, 24 (61,5%) visualizam a mesma postura de Bosco em todos os educadores; 13 (33,3%) em apenas alguns. Houve, de acordo com os números, um aumento considerável do gênero masculino quanto à afirmativa de perceber a figura de Bosco nos educadores. Para o pesquisador esses dados são explicados pelo fato de, no CPDB, conter maior número de docentes homens somado a percepção do pesquisador de que os alunos não conhecem a figura de Bosco com profundidade, associando os professores homens a figura de Bosco por meio de características básicas e elementos evidenciados no CPDB como amizade, religiosidade, etc. 132 Na questão de número oito, 40 (33,3%) respondentes masculinos afirmam que a alternativa “comprometimento com o trabalho” é a principal manifestação salesiana dentro das características profissionais de cada educador docente. 36 (30%) indicaram a alternativa “trazer novos conhecimentos”. Para o gênero feminino, 15 (38,5%) respondentes destacam a alternativa “busca trazer novos conhecimentos”; 14 (35,9%) a alternativa “capacidade e didática” e, em terceiro lugar, com 5 (12,8%) indicações, a alternativa “comprometimento com o trabalho”. Observa-se que a alternativa mais destacada pelo gênero masculino “comprometimento com o trabalho” sob o olhar feminino aparece como periférico. Ponto fundamental a ser descrito é a complementaridade de visões de gênero dos mesmos educadores. Se para o gênero masculino é destacada a perspectiva do trabalho, no feminino, destacam-se o conhecimento e a didática. Destaques entendidos pelo fato do gênero masculino ser preponderante no curso de fabricação mecânica, que, embora trabalhe com alta tecnologia e manuseio de maquinário, envolve o trabalho de esforço físico, associando assim, a ideia do trabalho com o gênero masculino. O gênero feminino tem preponderância no curso de informática que, ao abordar ferramentas como softwares e programas, necessitam de criatividade e didática para manter o ritmo do ensino. Quando integrados, esses elementos robustecem a figura docente em competência profissional e habilidades pessoais. A questão de número nove apresenta similaridade nas respostas de acordo com a proporção numérica de gênero. A alternativa mais destacada para ambos os gêneros foi o envolvimento e empenho dos educadores como manifestação da Pedagogia Salesiana, a partir das características pessoais de cada educador docente. O destaque desta alternativa “envolvimento e empenho” é entendida pelo fato da Escola Salesiana São José e o setor CPDB realizarem, de acordo com o calendário de atividades civis e religiosas, eventos que proporcionem o trabalho conjunto entre alunos e docentes. Realizou-se também um cruzamento de dados por gênero no software SPSS entre a questão de número seis, tendo como pergunta a percepção e identificação dos aspectos da pedagogia salesiana nos educadores do CPDB com a questão de número sete: sobre a visualização da postura de Bosco nos 133 educadores do CPDB. Os resultados foram bastante consistentes. 54 (77,1%) respondentes masculinos mostram que identificam os princípios educacionais salesianos nos educadores e visualizam a figura histórica de Bosco nos mesmos. 19 (86,4%) respondentes do sexo feminino identificam os princípios educacionais salesianos nos educadores e também visualizam a figura histórica de Bosco nos mesmos e 3 (13,6%) respondentes em apenas alguns educadores docentes. Os dados são de ordem prática e percebidos na vivência do cotidiano, não sendo, por assim dizer, menos importantes que a abstração e compreensão teórica dos fundamentos da proposta pedagógica salesiana. 3.2.2.2 Análise de dados: Categoria curso Apresentados os dados das questões específicas de cinco a nove por meio da categoria gênero, continuamos a descrição de abordagem quantitativa, desta vez com base na categoria curso. Na questão de número cinco, 44 (91,7%) respondentes do curso de eletroeletrônica afirmam que percebem a proposta de estudo profissional com as qualidades carismáticas da instituição salesiana. 60 (95,2%) respondentes do curso de fabricação mecânica afirmam o mesmo. 46 (95,8%) respondentes do curso de informática confirmam a percepção da realização da proposta de ensino e aprendizagem de curso técnico com aspectos da pedagogia salesiana. Tanto no curso de eletroeletrônica como informática, 2 (4,2%) respondentes afirmaram que a proposta de profissionalizar com as qualidades carismáticas da instituição salesiana são percebidas somente em atividades extra curriculares como passeios, convivências e não em sala de aula. Para o pesquisador, este último dado apresenta-se bastante significativo, pois, embora seja mínimo numericamente, demonstra um rigor crítico apurado e consistente frente à pergunta do formulário com tendência indutiva à alternativa mais ajustada à questão. A questão de número seis apresentou equilíbrio nas indicações de alternativas por curso. 21 (43,8%) respondentes do curso de eletroeletrônica 134 afirmam que identificam e percebem os aspectos da pedagogia salesiana em todos os educadores do CPDB e 25 (52%) respondentes em apenas alguns. 39 (61,9%) respondentes do curso de fabricação mecânica indicaram a alternativa “todos” e 24 (38,1%) respondentes apontaram a alternativa “alguns”. 32 (66,7%) respondentes do curso de informática consideram a alternativa “todos” e 13 (27,1%) a alternativa “alguns”. Embora os três cursos apresentem certo equilíbrio nas respostas, no curso de eletroeletrônica elevou-se a alternativa “alguns”, deixando a dúvida do grau de percepção e entendimento que os alunos têm sobre os princípios educacionais salesianos expressos pelos educadores docentes deste curso, bem como a quantidade e quais educadores foram imaginados em tal deferência e seu contrário na alternativa “alguns”. Este quadro demonstra que apenas alguns educadores docentes expressam elementos e aspectos da pedagogia salesiana. Perguntou-se na questão de número sete sobre a visualização da proximidade da postura e figura de Bosco nos educadores do CPDB. A alternativa “todos” foi sobremaneira expressiva em comparação à alternativa “alguns”. A alternativa “todos” atingiu 28 (58,3%) indicações no curso de eletroeletrônica, 43 (68,3%) no curso de fabricação mecânica e 31 (64,6%) no curso de informática. Para a alternativa “alguns” 18 (37,5%) indicações no curso de eletroeletrônica, 19 (30,2%) no curso de fabricação mecânica e 15 (31,3%) no curso de informática. O destaque da alternativa “alguns” apresenta-se questionador ao pesquisador por não saber do porquê tal descompasso pedagógico na percepção dos respondentes, embora os dados da alternativa “todos” tenham consistência. Na questão de número oito, perguntou-se sobre as manifestações de salesianidade a partir das características profissionais de cada educador. 15 (31,3%) respondentes do curso de eletroeletrônica destacam a alternativa “capacidade e didática”. 14 (29,2%) também do curso de eletroeletrônica destacam a alternativa “busca trazer novos conhecimentos”. No curso de fabricação mecânica, 27 (42,9%) respondentes destacam a alternativa “comprometimento com o trabalho” e 13 (20,6%) destacam a alternativa “busca trazer novos conhecimentos”. No curso de informática 24 (50%) respondentes destacam a alternativa “busca trazer novos conhecimentos” e 13 (27,1%) 135 afirmam a alternativa “capacidade e didática”. Para o pesquisador, parece interessante a constatação de que no curso de fabricação mecânica, com predominância de alunos homens, haja mais indicações para a alternativa “comprometimento com o trabalho” e, nos outros cursos, com uma margem numérica maior de mulheres, tenham destacado mais as alternativas “capacidade e didática” e “busca trazer novos conhecimentos”. Quadro semelhante foi descrito por meio da categoria “ambos os gêneros”. Na categoria “curso” tornou-se mais evidente a associação de que os alunos do curso fabricação mecânica fizeram entre “gênero masculino” e a alternativa “trabalho”, pois, neste curso, o estudo prático exige significativo esforço físico. Obviamente que tratam de elementos de forte expressão na prática docente destes cursos. Na questão de número nove, a respeito das manifestações de aspectos salesianos a partir das características pessoais dos educadores docentes no CPDB, os respondentes dos três cursos destacaram a alternativa “envolvimento e empenho”. 22 (45,8%) do curso de eletroeletrônica, 32 (50,8%) respondentes do curso de fabricação mecânica e 18 (37,5%) do curso de informática, tornando assim, as alternativas como “alegria”, “acolhida”, “bondade” e “religiosidade”, em condição periférica. O curso de informática, porém, com equivalência numérica de gênero, apontou certo equilíbrio nas indicações das alternativas apresentadas. 14 (29,2%) respondentes destacam a alternativa “religiosidade”, 7 (14,6%) a “acolhida” e 6 (12,5%) a “alegria”. Por meio de observação participante, o pesquisador entende que neste curso há equidade de gênero que, somado ao dado de que há número elevado de jovens deste curso que participam de atividades extraclasses, como convivências, atividades lúdicas e esportivas fora dos espaços da escola Salesiana São José e em períodos de férias, estes alunos tornam-se, por assim dizer, aptos e com melhores condições de elaborar um parecer crítico distintivo dos respondentes dos outros cursos. Realizou-se, por parte do pesquisador, um cruzamento de dados da questão de número oito que trata das manifestações de salesianidade a partir das características profissionais de cada docente, com a questão de número seis que trata da identificação e percepção dos aspectos salesianos nos 136 educadores do CPDB. De forma equivalente, a alternativa “comprometimento com o trabalho” foi destacada nos três cursos, sinalizando a eficiência e credibilidade do ensino e processo pedagógico vivenciado na sala de aula e oficina de operacionalização de maquinário. 3.2.2.3 Análise de dados: Categoria série Apresentados os dados das questões específicas de cinco a nove, por meio da categoria curso, continuamos a descrição de abordagem quantitativa, com base na categoria série, que permite distinguir o grau de adesão dos alunos à proposta pedagógica salesiana no CPDB. Na questão de número cinco, 80 (92%) respondentes do 1º ano dos três cursos, eletroeletrônica, fabricação mecânica e informática, indicaram a alternativa “sim”, que percebem no CPDB a concretização da proposta de profissionalizar com as qualidades carismáticas da instituição salesiana. 4 (4,6%) afirmaram que os aspectos educacionais salesianos são perceptíveis somente em atividades extraclasses. Com relação aos alunos do 2º ano, 70 (97,2%) respondentes destacam a alternativa “sim” que também percebem a integração da Educação Profissional com a Pedagogia Salesiana. Na questão de número seis, 50 (57,5%) respondentes do 1º ano afirmam que identificam e percebem aspectos educacionais salesianos em todos os educadores do CPDB. 35 (40,2%), em apenas alguns educadores. No grupo de alunos do 2º ano, 42 (58,3%) respondentes destacam a alternativa “todos” e 27 (37,5%) a alternativa “alguns”. O quadro geral que representa a similaridade dos grupos nos dados apresentados e revela, de certa forma, o olhar crítico dos respondentes quanto ao discurso de integração da parte profissional com a pedagógica, evidenciado nas questões de número cinco e seis, sobretudo por parte dos alunos do 2º ano que estão no CPDB há mais tempo que o grupo do 1º ano. 137 A questão de número sete apresentou um quadro semelhante à questão de número seis, exceto pelo fato do grupo do 2º ano ter apresentado maior criticidade na dissociação da figura de Bosco com os educadores ou menor percepção nessa aproximação de papéis. Para o grupo de alunos do 1º ano, 58 (66,7%) respondentes destacaram que visualizam a figura de Bosco em todos os educadores do CPDB e 27 (31%) visualizam a figura de Bosco em apenas alguns educadores. No grupo de alunos do 2º ano, 44 (61,1%) destacaram a alternativa “todos” e 25 (34,7%) a alternativa “alguns”. Na questão de número oito que trata das manifestações de salesianidade a partir das características profissionais de cada educador docente no CPDB, o grupo de alunos do 1º ano com 28 (32,2%) respondentes destacaram a alternativa “capacidade e didática”, 24 (27,6%) “comprometimento com o trabalho” e 20 (23%) a alternativa “busca trazer novos conhecimentos”. Para o grupo de alunos do 2º ano, 31 (43,1%) optaram pela alternativa “busca trazer novos conhecimentos”, 21 (29,2%) “comprometimento com o trabalho” e 11 (15,3%) “capacidade e didática”. Torna-se evidente que a alternativa “capacidade e didática”, bastante destacada pelo grupo de alunos do 1º ano tornou-se periférica no grupo de alunos do 2º ano pela ausência de novidades nas metodologias, expressões e gestos dos educadores docentes. Além de que, em análise de dados pela categoria “gênero” a alternativa “capacidade e didática” é destacada pelo gênero feminino que na categoria “série” permanece em desvantagem numérica. Na questão de número nove, perguntou-se sobre as manifestações de salesianidade mais marcantes ao aluno a partir das características pessoais de cada educador docente. Para o grupo de alunos do 1º ano, 39 (44,8%) respondentes destacaram a alternativa “envolvimento e empenho”, 20 (23%) a alternativa “religiosidade, companheirismo e amizade” e 16 (18,4%) a “acolhida”. Para o grupo de alunos do 2º ano, 33 (45,8%) respondentes optaram pela alternativa “envolvimento e empenho”, 16 (22,2%) destacaram a alternativa “religiosidade, companheirismo e amizade” e 9 (12,5%) as alternativas “alegria” e “acolhida”. De acordo com os dados, tanto no grupo de alunos do 1º como do 2º ano, a alternativa “envolvimento e empenho” por parte 138 dos educadores docentes com o alunado é marcante. O que facilita a consecução do trabalho docente de ministrar aula, mas, não somente, de lapidar seres humanos. As alternativas de principal destaque da questão número oito “busca trazer novos conhecimentos”, “capacidade e didática”, articuladas com as alternativas de maior destaque na questão número nove “envolvimento e empenho” e “religiosidade, companheirismo e amizade” revelam a competência profissional, desenvoltura humana e pertença institucional salesiana do quadro docente do CPDB. A análise descritiva dos dados, por meio das categorias gênero, curso e série, permitiu ao pesquisador visualizar, embora não em sua totalidade, o como é percebido e entendido pelos alunos a proposta pedagógica salesiana e sua aplicação no CPDB pelos educadores docentes. Passada a última questão do questionário, a de número dez, o pesquisador, em sua elaboração de pergunta, tentou especificar melhor a relação do quadro docente do CPDB com as características salesianas. Para isso utilizou de uma tabela com três quadrantes verticais e horizontais em que o respondente pôde mencionar o educador docente que, em sua percepção, integra mais fortemente as características salesianas. No segundo quadrante horizontal, pôde mencionar os aspectos salesianos de destaque do respectivo educador e, no último quadrante horizontal, uma cena vivenciada relacionada a este educador. 10. Mencione Três Professores do “Centro Profissional Dom Bosco” que, para você, se destacam como Educadores (as) /Docentes, porque integram em si, de forma mais evidente e forte, as características Salesianas. Mencione também qual é a característica salesiana a que você se refere como de maior destaque do professor mencionado, descrevendo uma cena vivenciada que seja representativa disso. Nossos Profs.: Aline, Elizete, Gale, Gerson, Janilson, João Nelson, Marcelo, Menão, Nelson, Paula, Reinaldo, Santana, Teston, Tizzei. Aspectos Salesianos.: Razão, Religião, Bondade, Preventividade, Acolhida, Aconselhamento, (Cabe aqui uma lista para ajudar na contribuição do aluno). 139 Educador/Docente Aspecto Salesiano de destaque Respectiva cena vivenciada 1) 2) 3) Por se tratar de uma questão bastante específica e subjetiva aos alunos, o pesquisador percebeu, no momento da aplicação do questionário, que alguns respondentes se detiveram em responder livremente, continuando o preenchimento do formulário somente após a orientação do pesquisador afirmando dos fins acadêmicos e esclarecimento do como responder a questão. Esta última questão requereu mais tempo aos respondentes, ainda mais por serem três colunas, ou seja, três nomes de educadores, três aspectos salesianos e três cenas vivenciadas. Desta forma, dos 159 respondentes do formulário, 91 responderam esta última questão por completo. Os outros alunos responderam uma ou duas colunas verticais e horizontais, fator que não invalida a questão e não compromete a análise do pesquisador, pois a quantidade e qualidade das respostas são satisfatórias. Todos os educadores docentes mencionados na questão foram referendados nas respostas em maior ou menor grau como quem integrou fortemente algum tipo de característica salesiana. Cabe aqui uma menção155, a cada educador docente a partir das respostas apresentadas pelos respondentes156. 155 O todo do material coletado é de uso do pesquisador para análise de dados de abordagem “quali – quanti”. 156 As menções aos educadores docentes e seus respectivos aspectos salesianos não estão em escala de importância, apenas em âmbito demonstrativo com identificação fictícia, conforme quadro abaixo. 140 Tabela 3 – Quadro expositivo da questão número nove Educador A Aspecto Salesiano de destaque Bondade Educador B Religião “Ela aconselhou seus alunos a fazer crisma e comunhão para aqueles que não fizeram” (Respondente). Educador C Aconselhamento “Ele é muito bom para explicar e tem bastante paciência com a gente” (Respondente). Educador D Aconselhamento “Nos aconselha a prestar atenção nas aulas e é bem descontraído” (Respondente). Educador E Aconselhamento “Quando estava com dificuldade, ele me deu conselhos e me reanimou” (Respondente). Educador F Bondade “Ele é 10. Sempre nos ajuda nos laboratórios” (Respondente). Educador/Docente Respectiva Cena vivenciada “Faz de tudo para não ficarmos com nota vermelha. Explica muito bem, dá exercícios para aprofundarmos o conhecimento” (Respondente). 141 Educador G Aconselhamento “Nos aconselha a melhorar para o nosso próprio bem, e que lá na frente colheremos bons frutos” (Respondente). Educador H Inteligência, postura “A capacidade de nos ensinar uma matéria não entendida, pois sabemos que se precisarmos de cinco explicações ele explica” (Respondente). Educador I Razão e aconselhamento “Dá atenção a todos na sala de aula e ajuda com as dúvidas na matéria” (Respondente). Educador J Aconselhamento “Ela está sempre aconselhando para as provas” (Respondente). Educador K Aconselhamento “Todas as aulas, ele nos aconselha a não desistir e sim, persistir e estudar mais” (Respondente). Educador L Razão “Ensina em sala e fora dela a sermos pessoas melhores. Seus conceitos são bons. Ensina muito bem pelo seus trabalhos, por exemplo: valores humanos” (Respondente). Educador M Bondade “Ele sempre é bem alegre na sala de aula e trata a gente bem” (Respondente). 142 Educador N Bondade “Um professor excelente que sempre nos ajuda e muitas vezes nos faz rir, o que é até bom para descontrair um pouco a aula” (Respondente). Os comentários dos respondentes sobre as cenas vivenciadas com cada educador apresenta certa similaridade de ideias, haja vista que os cenários são os mesmos para todos: a sala de aula. Se por um lado os comentários dos respondentes são positivos, por outro, o pesquisador informa de que a vivência a partir da Pedagogia Salesiana não se resume ao espaço da sala de aula, mas se estende para as relações espontâneas no pátio e espaços adjacentes à sala de aula. Por meio da técnica de observação participante, o pesquisador constata que, da mesma forma que o momento denominado ‘bom dia e boa tarde’ apresenta certa corrosão em sua operacionalização, também a convivência docente e discente, no momento de intervalo de aula, apresenta uma desconexão com a Pedagogia Salesiana, não havendo assim a presença de docentes no pátio nos momentos de intervalo dos alunos. Muitos aspectos da Pedagogia Salesiana foram destacados na condição de princípios educacionais salesianos fortemente integrados no quadro docente do CPDB. Respectivamente a palavra “bondade” com 23 indicações; “aconselhamento”, 20 indicações; “razão”, 12 indicações; “acolhida’, 10 indicações; “descontraído”, 8 indicações; “alegria”, 5 indicações; “didática”, 5 indicações; “religião”, 4 indicações; “atualizado”, 4 indicações; somando, ao todo, 91 afirmações de características salesianas aos docentes do CPDB. Estas palavras são de ordem prática, tratando-se de constatações que os alunos fazem no cotidiano na vivência com/dos educadores docentes. Palavras que sendo complementares se estreitam em suas definições e significados. Temos, como exemplo, as palavras “bondade, acolhida, descontraído, alegria”, que se apresentam aos olhos dos alunos como símbolo 143 de um afeto demonstrado. Uma vez percebido o afeto, este passa a ser definido e conceituado em várias expressões, como as citadas acima. Palavras como “aconselhamento, razão, didática e atualizado (no sentido de atualização)” são próximas em uma dimensão intelectual e denotam, na compreensão dos alunos, as capacidades técnicas e lógicas do ensino nos cursos do CPDB. São palavras que demonstram a surpresa do aluno em deparar-se com conteúdos, experiências e aprendizados entendidos como novos e significativos. A palavra “aconselhamento”, no entanto, pertencente ao bloco da dimensão racional, rompe com este quadro quando permeia a relação de amizade entre docente e aluno. O “aconselhamento” passa a ter um segmento de cunho existencial, particularizando a relação, não mais contratual de professor e aluno, mas pelo estreitamento da amizade. A palavra “religião” expressa para o pesquisador o respeito dos alunos aos educadores que, de alguma forma, demonstram sua crença religiosa. A palavra “religião”, embora seja um dos pontos basilares da Pedagogia Salesiana, é apresentada com certa timidez pelos alunos, haja vista que há variadas denominações evangélicas no CPDB que, hipoteticamente, podem reconhecer e validar o Projeto Político Pedagógico e Pastoral da instituição de caráter cristão católico, bem como o seu contrário de agir com indiferença. Para o pesquisador, a palavra “religião” não é precisa ou, no mínimo confusa, pois, por meio da observação participante, constata-se que uma parte significativa dos alunos não participam livremente das atividades extracurriculares que enfatizem o aspecto religioso e pastoral. Tais palavras quando agrupadas, conformam o tripé pedagógico salesiano: razão, religião e bondade, sendo a base da Pedagogia Salesiana. Conforme os dados foram apresentados, o pesquisador pôde visualizar a realidade do CPDB, buscando elementos para compreender a forma de entendimento e aplicação dos princípios referenciais salesianos por parte dos educadores docentes no CPDB. 144 Terminadas a análise e descrição dos dados da técnica questionário, se faz necessária uma abordagem direta aos sujeitos pesquisados em escala de amostragem: os educadores docentes do CPDB. 3.2.3 As entrevistas com os educadores docentes A apresentação da descrição de dados da técnica questionário possibilitou visualizar como os princípios referenciais salesianos são entendidos e aplicados no CPDB. Visando buscar mais informações para o desenvolvimento da pesquisa, utilizou-se a técnica de entrevista aberta com questões semiestruturadas. Para Trivinos (1990 p. 146), a entrevista semiaberta é entendida como um modelo que tem origem em uma matriz, um roteiro de questões que dá cobertura ao interesse de pesquisa. […] parte de certos questionamentos básicos, apoiados em teorias e hipóteses que interessam à pesquisa, e que, em seguida, oferecem amplo campo de interrogativas, fruto de novas hipóteses que vão surgindo à medida que se recebem as respostas do informante. A opção por este modelo de entrevista tem por finalidade complementar as informações da técnica do questionário e da observação participante, permitindo a criação de uma estrutura para cotejamento de respostas e interpretação dos resultados, “[…] auxiliando na sistematização das informações fornecidas por diferentes informantes” (DUARTE 2006, [S/P]). A partir dos dados da última questão, pediu-se aos alunos que mencionassem o nome de três educadores docentes que tenham integrados em si, de forma evidente e forte, as características salesianas. Essa indicação foi variada, levando o pesquisador a estabelecer como estratégia, critérios para a escolha dos docentes depoentes como quadro de amostragem, bem como pensar as categorias de análise das entrevistas. Os critérios de escolha dos depoentes são: 1) elevada carga horária e elevada menção dos respondentes no questionário; 2) baixa carga horária e 145 elevada menção dos respondentes; 3) elevada carga horária e baixa menção dos respondentes. Estabelecidos os critérios157, foram convidados seis depoentes158 que, entendendo a importância da pesquisa, dispuseram-se a ajudar e favorecer o pesquisador a obter os elementos e informações necessários para a investigação. Entende-se que a técnica entrevista possui inúmeras vantagens, principalmente, por expressar dados referentes ao comportamento humano (PÁDUA, 2000), ainda que o pesquisador esteja ciente dos limites e riscos desta técnica, tal como afirma Groppo e Martins (2006, p. 29): É preciso levar em conta que os entrevistados podem omitir ou distorcer informações, bem como se sentir inibidos ao apresentar a informação verdadeira. Do mesmo modo, por outro lado, também o entrevistador pode compreender e avaliar de forma equivocada tais informações. O risco de informações equivocadas foi preocupação constante do pesquisador, seja pela possibilidade de má interpretação ou pela inibição dos depoentes, visto que o pesquisador é membro da equipe de gestão da Escola Salesiana São José. Todavia não houve relutância do corpo docente em participar deste processo. Segundo Ludke e André (1986, p. 33): De início, é importante atentar para o caráter de interação que permeia a entrevista. Mais do que outros instrumentos de pesquisa, que em geral estabelecem uma relação hierárquica entre o pesquisador e o pesquisado, como na observação unidirecional, por exemplo, ou na aplicação de questionários ou de técnicas projetivas, na entrevista a relação que se cria é de interação, havendo uma atmosfera de influência recíproca entre quem pergunta e quem responde. Especialmente nas entrevistas não totalmente estruturadas, onde não há a imposição de uma ordem rígida de questões, o entrevistado discorre sobre o tema proposto com base nas informações que ele detém e que no fundo são a verdadeira razão da entrevista. Na medida em que houver um clima de estímulo e de aceitação mútua, as informações fluirão de maneira notável e autêntica. 157 A relação dos docentes convidados para fornecer depoimentos será comentado adiante em formato de tabela. Cf. Tabela 5. 158 Os docentes na condição de depoentes serão identificados pela letra ‘D’ seguida de número crescente de um a seis. A ordem numérica representa a sequência de análise do intérprete, sendo este, o próprio pesquisador. 146 Em cada entrevista com questões semiestruturadas, houve um período de tempo de ocorrência e de experiências diversas. Por falta de experiência do entrevistador, as duas primeiras foram mais curtas, com tempo aproximado de quarenta minutos. As demais tiveram maior duração com um tempo aproximado de uma hora e meia. Essas entrevistas foram realizadas pelo próprio pesquisador e tiveram como ponto de partida três questões semiestruturadas, suficientemente, amplas para serem discutidas em profundidade sem que houvesse interferência entre elas ou redundâncias (DUARTE, 2006). Todas foram gravadas em áudio para posterior transcrição, trabalho que exigiu do pesquisador dedicação e paciência. Para melhor caracterização das entrevistas e depoentes, seguem algumas anotações de diário de campo que o pesquisador denominou como impressão do intérprete. D1. E comprometida com o trabalho salesiano. Desde o início, a depoente contribuiu com os objetivos da entrevista que era o de coletar informações. Demonstrou sua paixão com o trabalho salesiano visto que já participa de um grupo ligado ao projeto salesiano. Demonstrou profundo conhecimento da história salesiana. Mostrou-se serena e à vontade, expresso pela postura de sentar e deixar os braços soltos (DC, 10/10/2012). D2. Passado a primeira pergunta, desenvolveu-se um diálogo de amizade. O depoente se expressou com naturalidade e espontaneidade. Durante a entrevista semiaberta, o entrevistado se posicionou com disponibilidade e amabilidade, visando colaborar com o entrevistador. Respondeu as perguntas com confiança e tranquilidade. Terminada a entrevista, desligou-se o aparelho gravador. […] O depoente e entrevistador continuaram a conversa em tom de informalidade. Houve um momento em que o depoente se emocionou ao ponto de derramar lágrimas, quando partilhou de sua história o envolvimento e significatividade de Nossa Senhora Auxiliadora em sua vida e de sua família. […] Partilhou também seus sentimentos e impressões quanto aos percalços da instituição: não valorização da estrutura geral, sendo direção e colegas de trabalho de outros setores, entendendo que o CPDB é um setor complexo. Redução de salário pela metade desde o ano de 2008. Redução da equipe do CPDB. Reestruturação do setor enquanto legislação, currículos de curso, reforma de prediação, com o qual, parte da prediação do CPDB, passou a pertencer a outro setor (Unisal) (DC, 19/10/2012). D3. A entrevista ocorreu com tranquilidade. A depoente se dispôs a participar com entusiasmo e generosidade. O lugar foi o escritório do entrevistador. A depoente foi muito franca, abordando aspectos delicados no setor CPDB e instituição geral. Sua franqueza se deve à sua personalidade. Dispôs-se a contribuir com o que for necessário para que o projeto do entrevistador possa ser concretizado (DC, 07/11/2012). 147 D4. Final de outubro, dia quente, praticamente insuportável. O depoente e o entrevistador procuraram um lugar de clima agradável para a realização da entrevista. Encontramos o ar condicionado ligado em um dos laboratórios de informática. Desta forma a entrevista começou, com tranquilidade e em um clima de confiança. De jargão e perfil acadêmico, o depoente manifestou seu ânimo pela entrevista, instituição e trabalho realizado no setor. […] Além de corresponder ao anseio do entrevistador de que respondesse as perguntas, o depoente demonstrava o carinho e preocupação com a pedagogia salesiana no setor CPDB (DC, 31/10/2012). D5. A entrevista transcorreu com serenidade. Foi feita no momento do intervalo do período da noite. O professor foi atencioso e objetivo em suas respostas. Quando parou, mais para pensar em responder uma das questões, denotou atenção e carinho à identidade salesiana, sobretudo no setor CPDB. A pergunta feita tratava do que deveria ser mais robustecido enquanto elemento salesiano. Sua demora em responder denotou satisfação com as características presentes. O depoente expressou serenidade nas respostas e mencionou verbalmente a confiança que tem no entrevistador. […] O professor tem característica humorística e cômica. Suas palavras estavam repletas de risos (DC, 24/10/2012). D6. Pessoa amiga, sorridente e disponível ao diálogo em entrevista. O tempo de diálogo ocorreu com tranquilidade. O depoente pensou um pouco em suas palavras, tornando a entrevista um pouco formal. Partilhou sua história de vida salesiana com naturalidade. Sentiu confiança no entrevistador. Demonstrou emoção para com sua história de vida e de sua história salesiana. Demonstrou profundo conhecimento da história salesiana (DC, 18/10/2012). As anotações de diário de campo sobre as entrevistas e depoentes demonstram certa sintonia e similaridade na ótica do intérprete, o que exige um olhar mais crítico na análise e interpretação das entrevistas, confrontando convergências e divergências no entendimento e desenvolvimento da pedagogia salesiana no setor CPDB. Tabela 4 – Questões semiestruturadas aos educadores docentes 1) Quem foi e o que significa a pessoa/personagem de Dom Bosco para você? 2) Dos elementos e características salesianas, qual você considera que tenha mais significatividade e vivência no Centro Profissional Dom Bosco (CPDB)? 3) Através de sua prática docente, você consegue transmitir algum tipo de princípio salesiano? Explique como: 148 Ao transcrever as entrevistas, tendo por base as categorias de ambos os gêneros, idades diferenciadas e tempo de vivência159 e conhecimento salesiano, o pesquisador se deparou com sua própria sensibilidade ao rememorar a sensação vivida no ato de entrevista com cada depoente. Essas entrevistas se trataram de uma experiência singular pela riqueza da partilha de vida do ‘outro’, de um ser humano. Neste sentido, a partir da análise de conteúdo, tanto a percepção e entendimento do intérprete, como a subjetividade e sensibilidade dos depoentes serão descritas como forma de caracterização geral dos mesmos e demonstração do teor de cada entrevista. Tabela 5 – Categorias de análise e critérios estabelecidos a partir dos dados da técnica questionário Categorias Depoente Ambos os gêneros Idades diferenciadas D1 Feminino 60 Anos Tempo de vivência, conhecimento e trabalho salesiano 22 Anos D2 Masculino 42 Anos 34 Anos D3 Feminino 28 Anos 10 Anos D4 Masculino 50 Anos 30 Anos 159 Critérios estabelecidos para convite à depoência160 (2) – Alta significatividade em referência salesiana com baixa carga horária (3) – Baixa significatividade em referência salesiana com alta carga horária. (2) - Alta significatividade em referência salesiana com baixa carga horária (1) – Alta significatividade A palavra vivência é entendida pelo autor em sua abrangência temporal. O tempo total em anos de envolvimento direto ou indireto com a estrutura salesiana permeia o período de aluno, a condição de membro de grupos apostólicos de capelania, docência remunerada e voluntária. 160 Os critérios estabelecidos têm por base a descrição de dados da técnica questionário, precisamente, a questão de número nove de abordagem qualitativa e cunho investigativo aplicado aos alunos do CPDB. 149 D5 Masculino 40 Anos 36 Anos D6 Masculino 56 Anos 41 Anos em referência salesiana com alta carga horária. (1) – Alta significatividade em referência salesiana com alta carga horária. (3) - Baixa significatividade em referência salesiana com alta carga horária. D1 de gênero feminino, sessenta anos, participa há vinte e dois anos da vivência salesiana, sendo há dez anos como professora no Unisal e, há dois anos professora voluntária, no CPDB. É membro de grupos apostólicos e participante assídua de atos religiosos salesianos. Sua entrevista revela um sentimento de pertença à instituição salesiana, além de preocupação com a finalidade, público atendido e atualização dos princípios e referenciais salesianos. Entretanto suas palavras soam como salvacionistas, quando referidas à pedagogia salesiana. No CPDB, trabalho há 2 anos como professora voluntária por opção, ensinando inglês. [Pergunto sobre um possível programa de formação à salesianidade. E ela:] Programas de formação aos docentes, inclusive de formação salesiana é fundamental porque o professor é o modelo do carisma salesiano na sala de aula. Há a necessidade de que exista uma formação salesiana para que este professor possa levar Jesus Cristo que é nossa meta principal ao jovem. Então, há de ter formação salesiana, não somente em Campos do Jordão, mas, em todo o lugar do mundo: dentro da escola, onde tiver a chance de haver um encontro e juntar esses professores para entretenimento também. Por que não? A vida também é um ‘ludens’. A gente precisa ter diversão, mas precisa haver a formação salesiana. É fundamental. Como salesiana cooperadora, acho isso essencial na vida do professor salesiano. Não pode ter professor salesiano na sala de aula que não conheça Dom Bosco, a própria vivência, a própria estrutura, a chegada deles no Brasil, os porquês de ser salesiano, o tripé de Dom Bosco, o método de educação em comparação com outros métodos de educação. É impossível trabalhar em uma casa salesiana fora dessas condições. Acho muito complicado (D1, E 10/10/2012). D2 de gênero masculino, quarenta e dois anos, tem trinta e seis anos de vivência e trabalho salesiano, começando da época de aluno da educação 150 básica até os dias de hoje como docente no CPDB. Sua história está relacionada à estrutura salesiana. D2 apresenta um memorial afetuoso sobre a história salesiana, podendo comprometer, na ótica do pesquisador, a análise do real entendimento e aplicação dos referenciais salesianos no CPDB. Todo meu trabalho hoje está relacionado com a Pedagogia Salesiana de Dom Bosco. Toda a minha vida, praticamente, até mesmo antes de conhecer a Dom Bosco. Eu comecei aqui como aluno salesiano. Então, na época, entrei no primário, fiz o 1º ano, 2º ano, participei das 4 horas como era antigamente. Agora que aumentou a carga horária. […] Desde muito pequeno, quando vim para cá, a gente começou a conhecer um pouquinho sobre a história. Quando os professores falavam isso em sala de aula. Pouco a pouco fui interagindo nessa questão do que é a Escola Salesiana em seu todo, como ela nasceu. Fui um dos integrantes dos escoteiros salesianos. Então, essa história começa desde muito tempo atrás. Entrei na escola tinha 6 anos e hoje estou com 42 anos de idade (D2, E 19/10/2012). D3 de gênero feminino, vinte e oito anos, tendo dez anos de envolvimento com a instituição salesiana. Apresentou, na entrevista, um quadro panorâmico de seu entendimento sobre os princípios referenciais salesianos. Com clareza, a depoente comentou sobre a necessidade de saber relacionar os princípios referenciais salesianos com a realidade e público atendido no CPDB. Embora em determinado momento, suas palavras tenham soado como salvacionistas. Professora no CPDB faz três anos. Eu comecei a lecionar nos dias de sábado dando aula para os alunos de Americana que vêm para nossa escola ter aulas de oficina mecânica. Aí, no primeiro ano, somente nos dias de sábado. No segundo ano, o professor Innocenzo, deixou algumas aulas por motivo de carga horária excessiva e eu peguei as aulas de oficina. No terceiro ano que é esse de 2012, já peguei disciplinas de cálculo e metrologia. [Pergunto sobre o tempo total de casa salesiana. E ela:] Fiz faculdade de tecnologia e administração aqui. Estou aqui há dez anos. Já fui aluna no Unisal. Do CPDB, sabia de alguns eventos que aconteciam via informação. Já conhecia, sem antes trabalhar aqui. […] Para mim, vejo Dom Bosco como uma pessoa que viu uma luz no final do túnel para muitos jovens, porque os jovens não tinham um caminho. Estava tudo desnorteado. Ele, com muita persistência, muita perseverança, muita calma, conseguiu trazer essas crianças e jovens que estavam perdidos. Pode dar uma orientação. Pode dizer: estou aqui, eu te ajudo. Você precisa de mim, estou aqui. Você está indo para um caminho errado (D3, E 07/11/2012). D4 de gênero masculino, cinquenta anos, com trinta anos de vivência e trabalho salesiano. A entrevista é permeada por palavras que manifestam o sentido de pertença e paternidade com os jovens. Comentou sua percepção 151 sobre a estrutura salesiana e a aplicação real dos princípios referenciais salesianos no CPDB. [Pergunto quanto tempo está trabalhando na ‘casa’ salesiana. E ele:] na casa, 20 anos na escola São José e Unisal. CPDB, 2 anos. Como aluno, se contar o tempo de aluno do Liceu, desde 1982, depois aluno da FASTEC. No liceu, no colégio técnico e depois aqui a FASTEC. Já faz um tempão, um bom tempo. [Pergunto sobre o procedimento de contratação para o setor CPDB. E ele:] Fui contratado pela escola São José, depois fui para a ETEC-UNISAL, uma época que desmembrou o colégio técnico do ensino médio. Agora voltei para o São José por conta dos cursos técnicos de Informática. O coordenador Reinaldo precisava de alguns professores de informática em específico. Foi quando vim para cá (D4, E 31/10/2012). D5 de gênero masculino, quarenta anos, com trinta e seis anos de vivência e trabalho salesiano, desde o período de aluno até os dias de hoje como professor no CPDB e Unisal. Sua história de vida está fortemente ligada aos salesianos. Do início ao fim da entrevista, mencionou euforicamente os nomes de salesianos que fizeram parte de sua história de vida. Sua vivência e conhecimento salesiano aparentaram ser profundos, embora tenha manifestado forte tendência em traduzir os princípios referenciais salesianos como sendo salvacionistas. Tenho 40 anos. Eu estudei aqui desde o pré na escola São José. Fui aluno do São José desde o pré. Formei-me aqui. Fiz o curso na ETEC na época que funcionava o curso técnico e médio junto. Depois disso comecei a trabalhar aqui dentro. Fui monitor aqui e depois comecei a ser professor do curso técnico. Nesse meio tempo, eu tive contato com o pessoal do CPDB há muito tempo, mas, eu não lecionava para eles. Por que eu não lecionava para eles ainda? Porque no curso do CPDB antigo [...] nessa nova reformulação que houve, entrou agora o curso de informática. Antigamente, eles tinham o curso de mecânica, curso de elétrica, desenho técnico, não era minha área. Faz dois anos que estou trabalhando junto ao CPDB, mas, de casa, aqui, como profissional sou da (sic) UNISAL desde 1999. Na escola São José, estou desde 1990 na condição de professor. [Pergunto quanto tempo está na instituição somado o período de aluno. E ele:] em 1989 me formei na ETEC. Como aluno, entrei aqui com cinco anos e meio, pois, faço aniversário em junho. O ano foi 1977 (D5, E 24/10/2012). D6 de gênero masculino, cinquenta e seis anos de idade, com quarenta e um anos de vivência e trabalho salesiano. Demonstrou profundo sentimento de pertença e agradecimento à instituição salesiana por tê-lo acolhido como aluno em seus inícios de vida e estudo. [Pergunto quanto tempo está trabalhando na casa salesiana. E ele:] Há bastante tempo. Comecei em 1972. Aí, acho que fui até 1985. Saí, 152 fiquei uns sete, oito anos fora. Voltei em 1993. Estou até hoje. [Pergunto se foi aluno na casa salesiana. E ele:] Sim, fui aluno aqui na casa salesiana. Comecei aqui na primeira série, antigo primário. Fiz até a quarte série. Depois tinha a admissão. Fiz o ginásio industrial. Consistia em parte prática em um período e no outro as aulas acadêmicas. Estou com 56 anos. Comecei com 7 anos aqui na primeira séria, mas antes dos 7 anos, eu frequentava o Liceu Nossa Senhora Auxiliadora como oratoriano. Ia toda noite para participar da boa noite. Aos finais de semana eu participava da missa e jogava futebol. Depois disso, vim para a escola São José começar os estudos na primeira série. Deixei o Liceu e passei a ficar somente no São José. Conhecia a presença dos salesianos desde pequeno (D6, E 18/10/2012). A caracterização geral dos depoentes e o teor das respostas demonstram certa similaridade de ideias, como tempo de envolvimento e sentido de pertença na comunidade salesiana, embora se saiba que cada realidade e história sejam únicas. Tendo presente as categorias de ambos os gêneros, idades diferenciadas e tempo de vivência, conhecimento e trabalho salesiano, serão escritos e comentados os depoimentos das três questões semiestruturadas. Tendo perguntado na questão número um aos depoentes sobre a figura de Bosco, D1 demonstrou apreço e afeto à sua, destacando sua dimensão religiosa e racional como religioso, sacerdote e educador. Sua pertença e adesão à proposta educativa salesiana tem reflexos nos âmbitos pedagógico e religioso, favorecendo, por um lado a busca de atualização e conhecimento sobre a pedagogia salesiana, mas, por outro, correndo o risco da generalização, e queda em um discurso salvacionista. Nossa, me arrepia, fico até muito emocionada, porque para mim, Dom Bosco é tudo. 22 anos de conhecimento, encontro e de admiração com ele. Por todas as bênçãos recebidas e por ser uma pessoa além de santo, ser uma pessoa que deu sua própria vida em doação daqueles meninos. Já assisti aos filmes de Dom Bosco muitas vezes e tenho uma admiração profunda. Tenho uma comunhão com Dom Bosco, peço a intercessão dele a Jesus Cristo, sendo esta a de agradar o jovem, fazer o jovem pobre feliz. […] Dom Bosco era a pessoa que casava a razão com a religiosidade na condição de sacerdote, mas, era um ser humano e, como ser humano, tinha a temperança, o amor incondicional, o amor ágape por aqueles jovens. […] Na casa salesiana, não é possível, de professor e aluno não conhecerem a pessoa tão especial e tão maravilhosa que era Dom Bosco, bem como o método de educação preventiva de Dom Bosco. Um método que para mim é inigualável. Conheço muitos outros, já estudei, já vi, já comparei (D1, E 10/10/2012). D2 relatou sua história com relação a Bosco. Seu contato com ele começou ainda pequeno, ao ser convidado por um salesiano para participar de 153 um grupo de escoteiros. Em sua juventude, ao aprofundar seus estudos técnicos e profissionais na antiga Faculdade Salesiana de Americana, hoje UNISAL, permitiu-lhe um contato mais sistemático. E, finalmente, aprofundou mais os valores humanos e sociais de Dom Bosco ao se integrar no corpo docente do CPDB, em 1977. O depoente manifestou sua intuição de creditar a Bosco a influência, em determinados momentos de sucesso e felizes de sua vida, numa perspectiva devocional, atribuindo-lhe sua ascensão social pelo estudo e pelo trabalho e sua união conjugal feliz. Acredita que seu rompimento com o trabalho na indústria para inserir-se na área educacional escolar salesiana, pode ser compreendido como resultado sua vivência salesiana na infância e adolescência. Passei a conhecer Dom Bosco, a partir do salesiano padre João Dec, quando fui escoteiro. Depois, lá em Americana, na escola salesiana, fui entendendo um pouquinho da história, como as coisas foram acontecendo. […] Tinha a intenção de continuar meus estudos, fazer a faculdade. Acabei voltando para Americana. Na época, abriu a faculdade lá e fiquei cinco anos em Americana. Nesse meio período, trabalhei em outras empresas, mas, o que acontece: por todas as empresas que passei, a minha grande vontade, meu grande desejo sempre foi a área educacional. Era passar, transmitir conhecimento que adquiri na vida para outras pessoas. Por que dentro da empresa, onde você está acostumado com produção, máquinas, peças, eu me sentia mais um parafuso, uma máquina, como se fosse um número a mais para essa empresa e, então, o que eu estaria fazendo de bom para outra pessoa, se eu só estou produzindo parafuso ou trabalhando com equipamentos? Enfim, eu queria juntar esse meu conhecimento e transmitir para outras pessoas. […] Aí deu certo de eu ficar sabendo de uma vaga na escola, porque tinha conhecimento de alguns professores que trabalhavam aqui. Um professor que trabalhava aqui, um grande amigo meu, falou assim para mim: Está precisando de um professor lá. Ele já sabia que eu tinha muita vontade de dar aula, principalmente para esse tipo de clientela nossa aqui. Foi de 1997 para 1998. Foi um grande marco na minha vida. Foi no ano que veio meu casamento. Conheci minha esposa em Americana. Às vezes costumo brincar que santo casamenteiro é Dom Bosco, não é santo Antônio (D2, E 19/10/2012). D3 apresentou a figura de Bosco numa perspectiva solidária, assistencial e educativa. Embora tenha menos tempo de envolvimento salesiano que os demais docentes, sua compreensão sobre Bosco parece ser ampla e atualizada. Neste sentido, o pesquisador percebe certa similaridade de informações entre as técnicas de entrevista aberta, técnica de questionário e 154 observação participante com destaque para os vocábulos: companheira, afetuosa e compreensiva. Quando a pessoa caía, ele apoiava e não o crucificava. Ele levantava e mostrava o caminho. Então, vejo que Dom Bosco foi uma pessoa que veio, não somente na época que veio, porque vai fazer 200 anos atrás que veio, mas, desde quando ele veio até hoje, isso precisa. Que sempre esteja ali, erguendo, sustentando. É como se fosse o alicerce da casa, porque não adianta ter uma casa bela, bonita se você não tem um alicerce bem feito. Ela vai cair. Então, vejo que Dom Bosco dá esse alicerce para os jovens. Por mais que eles estejam erguendo as casas erradas, ele vai falar: espere meu filho, venha cá, vamos reestruturar esse alicerce, vamos pegar esse caminho, porque senão teremos tal problema. […] Ele deu o apoio, não os crucificando e sim auxiliando. Deixava que caíssem, mas, os levantava. Mostrava caminhos. Não criticava, pois, a maioria das pessoas, hoje em dia são (sic) assim, criticam, crucificam e colocam a culpa nos outros. Não deve ser assim. Dom Bosco dizia: Você está errado por causa disso, disso e disso. É isso o que a imagem dele reflete para mim, uma pessoa reestruturada (D3, E 07/11/2012). D4 apresentou sua compreensão sobre a figura de Bosco de forma objetiva, destacando suas capacidades empreendedoras e de conselheiro dos jovens. Com conhecimento atualizado e profundo sobre ele, respondeu a questão com simplicidade, colocando-se dentro da resposta. Seu otimismo ao referir-se a Bosco surpreendeu o pesquisador. A pessoa de Dom Bosco significa muitas coisas, existem muitos significados na imagem dele. Acho que o principal mesmo foi ser empreendedor. Preocupado com os jovens. Ele deu a vida pelos jovens. Ele negou sua própria vida. Não tinha uma vida própria que permitisse fazer o que queria a exemplo de qualquer um de nós. Abriu mão disto tudo para cuidar e orientar os jovens. […] Hoje tentamos fazer um pouquinho, um pedacinho do que ele fez. [Pergunto sobre a fonte de conhecimento de tais conclusões afirmadas acima. E ele:] Acho que por um pouco de cada: estudo, livros, vivências salesianas. Isso aí. Os ensinamentos dos salesianos dando exemplos, fazendo, conversando, etc. Nós adquirimos um pouco disso. Faz-nos sentir parte deste processo diferenciado de educação (D4, E 31/10/2012). D5 comentou de sua relação de amizade com alguns salesianos em seu período de infância e adolescência. Pôde aprender e integrar os princípios referenciais salesianos a partir da convivência direta com esses religiosos educadores. Respondeu, todavia, a pergunta sobre Bosco de forma indireta, valorizando as qualidades dos salesianos de outrora e não definindo objetivamente o que representava para ele a figura de Bosco. Dom Bosco foi um cara que podemos chamar assim, que participou muito de minha vida e participa até hoje. Então, onde (eu) vivia (a figura) de Dom Bosco? Eu vivia no dia a dia aqui. O maior 155 incentivador de Dom Bosco era o salesiano irmão Alcides. Tive um contato muito próximo com ele. Ele era muito próximo dos alunos, principalmente do grupo do setor infantil. Crescemos com ele. Havia também o salesiano irmão Godoy. Aprendi a jogar xadrez com esse salesiano. Infelizmente não participa de nosso meio, mas, foram pessoas que nos envolveram e com certeza aqui sempre foi minha segunda casa. Muitas vezes a primeira, pois, vivemos mais aqui dentro do que fora. O que a imagem de Dom Bosco me traz hoje? Me traz uma tranquilidade, inclusive, há uma brincadeira de que eu e outro professor do CPDB parecemos com os dois meninos em forma de estátua ao lado da estátua de Dom Bosco na praça central do colégio (D5, E 24/10/2012). D6 destacou o aspecto empreendedor e social de Bosco que se materializara na ajuda direta e em incentivar o estudo e buscar trabalho para jovens em situação de vulnerabilidade social. Aos olhos do pesquisador, tratou-se de uma descrição genérica de Bosco. Foi um educador que tinha uma visão bem para o futuro, embora tenha enfrentado bastante dificuldade na época, pois, era um cara que tinha uma visão do que poderia fazer para a juventude no futuro. A juventude na época já precisava bastante dele, mas, ele não somente pensou na situação do momento, e, sim nas condições do futuro. Prova disso são as obras salesianas que cuidam dos jovens, da educação, da profissionalização. Tudo isso é reduto de um cara que teve uma visão além do momento. Para frente mesmo. Para séculos na frente, não somente ali naquele momento histórico (D6, E 18/10/2012). Percebeu-se que há similitudes no modo de compreender a figura de Bosco pelo apreço e respeito manifestado nos depoimentos, embora não sejam consensuais. Perguntados na questão de número dois sobre as características salesianas mais evidentes e significativas no CPDB, D1 comentou que os lanches para a alimentação dos alunos no momento do intervalo são fornecidos pela Escola Salesiana São José. Desenvolveu também o tema do chamado “bom dia e boa tarde”, tratando-se de um momento de acolhida dos alunos por parte da equipe pedagógica no início de cada período de aula. Os elementos “comida” e “acolhida” retratam uma visão assistencial e social da instituição. Há também no discurso de D1 uma carga emocional de realização pessoal em suprir as necessidades básicas dos alunos. Em síntese, a depoente apresentou-se religiosa e com sensibilidade ao público atendido. Uma característica muito forte são os lanches que são dados aos meninos. Os ambientes acolhedores são muito bons. […] Vejo essas coisas muito presentes, mas, o bom dia e boa tarde são 156 características fortemente salesianas e fundamentais no CPDB. Acho que isso ajuda a atrair o jovem a conhecer Jesus Cristo, levar Dom Bosco ao jovem. Ele não conhece, não tem como participar, ele faz dois cursos. O menino é de ouro, embora brinquem, fiquemos bravos com eles, mas, faz dois cursos, imagina. Pode acontecer de ele vir a ficar fumando maconha na rua, de roubar, de buscar o caminho mais fácil. Então, estamos trazendo esse aluno aqui dentro, dando todas as chances possíveis. Ajude-me professora, estou te ajudando filho. Já te dei um trabalho valendo nota de 07 a 10 pontos (D1, E 10/10/2012). D2 manifestou sua preocupação e estima pelo público de jovens atendidos no CPDB. Preocupação justificada pela realidade de vulnerabilidade social onde vivem e que os torna frágeis para descaminhos, mas que pode ser amenizada pela construção de estima e amizade com os educadores construídas durante o curso. Afirmou ainda que o CPDB sinaliza e aplica os princípios referenciais salesianos, embora o pesquisador tenha observado e entendido que estes princípios salesianos, nas palavras do depoente, tenham sido reduzidos à preocupação com o trabalho e inserção no mercado de trabalho. A ênfase no discurso de inserção no mercado de trabalho e não em outros aspectos da Pedagogia Salesiana pode ser entendida pela ausência de profundidade de D2 sobre a pedagogia salesiana. Bom, primeiro que no nosso setor CPDB é um setor que realmente atinge diretamente o propósito da pedagogia salesiana de Dom Bosco que é a questão da preventividade. Os nossos alunos que de repente não têm oportunidade no mercado de trabalho por uma questão social, que já vêm com certa deficiência onde os pais não têm um poder aquisitivo satisfatórios ao ponto de poder pagar uma escola particular, onde esse aluno de repente, ou esse jovem que está em casa e justamente pela casa e falta de recursos na família, acaba buscando esse recurso de maneira ilícita ou talvez por algum emprego que podemos chamar de subemprego. De repente, esse jovem não consiga se potencializar e estudar, crescer profissionalmente e possa no futuro ficar na condição de um subemprego para o resto da vida. Então, esse recurso, essa dinâmica que o setor pode disponibilizar para esse tipo de aluno, tipo de clientela é fundamental, porque ele pode se profissionalizar sem o custo, porque nossa escola, ao menos neste setor, há uma gratuidade ao aluno. Fazer esse aluno crescer, se profissionalizar, conseguir um emprego de melhor qualificação, e com isso, conseguir realmente dar toda oportunidade que qualquer outro jovem de classe média, classe alta poderia ter, não somente na questão profissional, mas, na questão social, educacional, toda política salesiana do bom cristão e honesto cidadão, conforme sempre colocamos nas entrelinhas, mas é isso mesmo. Talvez seja o setor de enfoque mesmo (D2, E 19/10/2012). D3 apresentou uma síntese dos referenciais salesianos a partir da vivência de trabalho e relação de amizade com os alunos no CPDB. Destacou 157 a característica do acolhimento, presente na ação educativa dos educadores docentes. Partiu de sua sensibilidade pelos alunos, revelando suas características de conselheira e educadora que compreende a proposta pedagógica salesiana. O acolhimento. Acho que é o acolhimento. Porque se você pegar algumas fichas de alguns alunos, são pai e mãe que abandonam, é a avó que cria. São pais que estão presos, são pais que usam drogas, estão envolvidos com o tráfico de drogas. Na maioria dos casos é avó, tia, amigo que cuidam. Então, acho que no CPDB se evidencia uma característica forte de acolhimento. Porque não adianta o aluno tirar nota dez nas provas se o psicológico dele está abalado. Não adianta o aluno vir para a aula, se este mesmo aluno não tem interesse em ser ajudado. Então, acho que esse é o perfil aqui no CPDB, de alunos que têm problemas, deficiências estruturais para uma vida de qualidade. O CPDB trabalha com a amorevollezza, a demonstração de carinho aos alunos para que eles percebam que não estão sozinhos e perdidos. Que percebam que estão em um lugar que há como prevenir o problema de cada um. Há como acolhê-los com muito amor. Assim, as coisas mudam. Então, penso que o CPDB é mais carinho e maior do que tecnológico em si. O tecnológico vem depois, com o decorrer. O carinho, penso ser maior e mais necessário (D3, E 07/11/2012). D4 creditou à instituição salesiana o trabalho benemérito de ajuda aos jovens desprovidos de melhores condições de vida por falta de trabalho e estudo. Manifestou seu sentimento de pertença ao projeto salesiano de proporcionar formação humana e salesiana para além da Educação Profissional. Em síntese, a característica salesiana de destaque em suas palavras foi a “orientação” em seu sentido existencial e profissional. No CPDB, segundo D4, a coordenação pedagógica e equipe de docentes orientam e aconselham os alunos com conversas amigáveis, a partir de suas experiências de estudo e trabalho. O elemento salesiano mais presente no CPDB é proporcionar uma orientação, um novo caminho, sendo até um único caminho a jovens carentes que não teriam e poderiam pagar um curso técnico e profissionalizante. Então, acho que a formação, mesmo do jovem, sempre foi a preocupação com os mais carentes por parte de Dom Bosco. A formação favorece uma oportunidade a ele. [Pergunto sobre o que significa estar e pertencer ao CPDB na condição de professor de um público diferenciado. E ele:] Estar aqui, trabalhar aqui, fazer parte desta obra, para mim é um privilégio. É uma oportunidade que tenho de contribuir com a formação desses jovens. Não deixar que ele fique na rua sem opção e se entregue a outras coisas que façam mal a ele. Então, pensando na condição de cidadão e ex-aluno, entendo que é sempre bom pôr em prática o que aprendemos e temos de vivência (D4, E 31/10/2012). 158 D5 apresentou um quadro amplo de características salesianas presentes no CPDB, dando destaque à “acolhida” como principal expressão da pedagogia salesiana no setor. Característica que se remete à atenção, ao esforço e trabalho da equipe pedagógica em proporcionar aos alunos, condições de se sentirem pertencentes a instituição salesiana. Enfatizou o trabalho da equipe pedagógica composta pelo coordenador, assistente social e professores comprometidos com o processo pedagógico do setor, não apenas como profissionais, mas motivados pelo comprometimento com a Pedagogia Salesiana. Há mil e uma qualidades de Dom Bosco. Eu vou falar o seguinte. O principal no CPDB acho que é a acolhida. A gente pode perceber, por exemplo, o que Dom Bosco fazia com aquelas pessoas, aqueles que estavam brigando. Eram ovelhas desgarradas e perdidas. Um querendo brigar com o outro. Ele acolhia esse pessoal. Acho que a imagem do CPDB é justamente essa, uma imagem de acolhida. Não é à toa que é interessante frisar que muitas vezes esses alunos vêm perguntar para mim: vocês não faltam aqui? Porque na escola deles dá a impressão que um professor não vai e tanto faz, tanto fez se foi ou se não foi. Se deu aula, se não deu. Então, temos o compromisso, mas, não somente com a aula, mas com o aluno como pessoa. Não é só esse negócio de dar aula. Por exemplo: tem um aluno faltando, o que está acontecendo com ele? Então, esse comprometimento no CPDB, essa acolhida realizada é o que mais me chama a atenção em Dom Bosco. Existem muitos elementos, mas, o principal que vejo é esse ponto de acolhida expresso na ação de muitos professores, coordenador e assistente social. Chamam o aluno para conversar, também os pais. Aqui os alunos são mais próximos. Aqui eles não pagam, é um curso gratuito. Eles dão um hiper valor. Quanto aos professores, os alunos os vêm como uns pais, com um forte carinho. Esse cara aí, vou seguir porque são pessoas boas, acredito eu (D5, E 24/10/2012). D6 destacou a amizade e o respeito entre os educadores, gerando nos alunos uma atitude de confiança. Suas palavras revelam a compreensão dos princípios referenciais salesianos como pano de fundo da Educação Profissional e humana desenvolvida no CPDB. Acho que são a amizade e o respeito, tanto entre os professores, educadores, coordenação e, principalmente, com os alunos. Saber respeitar o aluno, ser amigo do aluno sem ser aquele amigo que encobre algo errado, mas, o amigo que participa da formação do aluno. Ele te respeita e sabe que pode confiar. Acho que esse respeito e essa amizade que podem provocar todo esse movimento com os alunos de querer participar do CPDB e querer ter uma profissionalização. Por consequência disto aí, há uma vida humana cristã alinhada com o tempo (D6, E 18/10/2012). As questões um e dois abordaram a figura de Bosco e as características da Pedagogia Salesiana presentes no CPDB. Havendo similitudes, no modo de 159 compreender alguns aspectos da figura de Bosco, bem como a visualização das características salesianas no setor. Salta-nos aos olhos, os dados obtidos na categoria gênero que apontou elementos de dimensão afetiva com razoável carga emocional na relação aluno e professor para o gênero feminino e elementos da dimensão social como trabalho para o gênero masculino. Entende-se que há um ranço de história e tradição enraizado nos docentes quanto à configuração social dos gêneros: o homem se preocupando com o espaço público e a mulher com o privado. Na questão três, perguntou-se aos depoentes sobre sua vivência e aplicação dos princípios referenciais salesianos na prática docente. Esta questão, por exigir informações diretas e concretas da prática docente e sua relação com os referenciais salesianos, fez com que os depoimentos se ampliassem em volume. D1 comentou com entusiasmo sobre seu trabalho no CPDB. Percebe-se, em suas palavras, a junção de elementos pedagógicos e salesianos como exigência do processo de ensino e aprendizagem. Apresentou sua situação no setor como profissional, sendo professora voluntária por opção. Dedica-se ao projeto educacional salesiano pelo princípio de solidariedade. A partir de suas habilidades profissionais exerce a função de educadora. Com certeza. Foi para isso que vim aqui. Só para isso. Foi intencionalmente trabalhar como voluntária mesmo. Quero ser isso, enquanto tiver vida e Deus me deixar fazer isso, levar Jesus Cristo a eles e levar salesianidade acolhedora, amorevollezza. Meu negócio é trabalhar com o amor. Pode perguntar a quem quiser. Vivo abraçando esses jovens, agrado e faço carinho verdadeiro, natural. Porque é realmente o que sinto. Os amo demais. Dias de quarta-feira venho três vezes à escola. É um dia de sacrifício. Venho de manhã, de tarde e de noite, por causa do CPDB, de coração e gosto. Agradeço isso todos os dias de minha vida. Ter essa oportunidade de poder trazer Jesus Cristo, poder trazer essa salesianidade, mostrar Dom Bosco. Puxa, esta professora é assim, assim e assado. Ela me proporciona isso. Mostro o carisma, o agrado, o carinho, a acolhida de Dom Bosco. Acho que faço isso sim, não estou tentando, estou fazendo, e, muito claramente. Percebo e sinto-me muito amada. É o que Dom Bosco dizia: você dá amor, você só recebe amor, no olhar, no abraço, em todas as condições. É entendê-lo e ser entendido. Agora, com relação à própria disciplina do inglês, é muito difícil para eles. Eu estou sabendo que é difícil para eles devido ao meio de vida. A história que trazem não favorece a aprendizagem. Então, o coordenador colocou a gente dentro de um laboratório lindo. A gente tem todas as condições de trabalhar com a máquina, com os vocabulários, dicionários, textos, temos tudo lá dentro. É uma oportunidade a mais. Não deixo que coloquem um lixinho no chão. 160 Estou sempre cobrando para que peguem o lixinho, para que não percamos o direito de usar o laboratório. Deixar limpinho. Insisto em que desliguem as máquinas, os monitores, que prestem atenção em tudo, que existem regras, existem métodos a serem seguidos. Temos conseguido melhorar. O amor de Dom Bosco está sendo vivido e demonstrado, mas, sinceramente, o conteúdo de inglês está bem baixo. Eles têm muita dificuldade (D1, E 10/10/2012). D2 apresentou um quadro de características salesianas bastante amplas. Demonstrou, contudo, dificuldade em pormenorizar a relação dos referenciais salesianos e sua prática docente. Para o pesquisador, subentende-se que o depoente tenha optado por mencionar os elementos salesianos teóricos como resposta do que o mesmo, possivelmente, aplica e pratica no CPDB. Hipótese não manifesta diretamente. Outra hipótese sobre a dificuldade de D2 em pormenorizar a relação dos referenciais salesianos e sua prática docente pode ser a de que, embora tenha mencionado algumas características salesianas, não domine os conceitos da Pedagogia Salesiana, dificultando essa relação de teoria e prática. Além de se poder pensar que o intérprete já tivesse compreendido e julgado suficiente a resposta dada. Não necessariamente você precisa colocar o nome de Dom Bosco no meio das coisas. O sistema preventivo é independente de Dom Bosco. Acho que quando você trabalha com o jovem, mostra para ele o caminho certo, como as coisas devem ser, quando ele está ali, prestando atenção no que você faz, já estamos aplicando o que Dom Bosco fez. Você não precisa levar o nome dele, embora sempre o façamos de alguma forma. O que precisamos estar fazendo é isso, constantemente, trabalhando nossos próprios conceitos, nossa perspectivas, vendo onde estão nossos erros, e, tentar melhorá-los. Então, a gente tem que ser efetivo nessa parte, cada vez mais (D2, E 19/10/2012). D3 comentou de sua história como professora quando foi contratada para ministrar aulas no CPDB. Revelou certa mudança de compreensão sobre o ato de educar diferente da sua concepção anterior de avaliar os alunos de acordo com o desempenho em notas e comportamento. Manifestou otimismo com seu trabalho de docente. Em seu depoimento demonstrou fortes elementos da Pedagogia Salesiana. Como hipótese pode-se pensar que as informações e prática pedagógicas manifestadas pela depoente sejam originárias de suas convicções e características pessoais, tendo sido lapidadas no seu processo de formação e capacitação salesiana após sua contratação. Formação esta ampliada pela experiência do cotidiano aliada à sua já mencionada capacitação quando de sua contratação. 161 No começo que peguei as turmas, tive bastante dificuldade. Então, eu olhava com um olhar padrão. Todo aluno bom deve tirar notas 10, 9, 8 e acabou. Aí, comecei a perceber que não é assim. Havia alunos que tinham certa dificuldade, e, precisamos auxiliá-los. Há aluno que na prova escrita merece nota 6, mas, pela dedicação que está tendo em aprender, este quadro passa a valer uma nota 8 e não mais nota 6. Então, faço assim, não observo cada aluno de forma pontual, observo cada aluno em suas particularidades. […] Já aconteceu comigo umas 3, 4 vezes de chegar à sala de aula para aplicar prova e de 2, 3 alunos se aproximarem e partilhar alguma situação complexa. Devido tal situação, cancelo a imediata prova e transfiro para a próxima aula. Tem alunos que no dia de prova, eu mudo de lugar para que fiquem mais próximos de mim. Passo no lugar e digo: olhe, acho que este raciocínio não está muito bom. Não digo que está certo e nem errado. Dou essa dica porque ele está tão nervoso que trava a mente. Então, se não houver uma compreensão e atenção com esse aluno em fazê-lo aprender e se dedicar, pelo contrário, não será a ferro e fogo que ele vai aprender. É necessário ir com jeitinho, dobrando de um lado, dobrando de outro. Sim, exercícios são necessários. Mando listas e listas para praticar. Na matemática é necessário praticar para aprender. Mas, se não houver carinho e compreensão, não caminha. Em conversa, às vezes digo a um: hoje seu comportamento não foi bom, fiquei triste com o que você fez. Você demonstra para a pessoa que você ficou triste. Cheguei para um aluno e disse: Hoje estou triste com você. Você não colaborou com a aula, não fez a lição, fiquei triste porque você não é um aluno assim. Então, ele viu que simplesmente não é a nota que está influenciando na relação, é o ato de eu ficar triste. Indo com carinho e amor, o aluno se abre e se modifica. […] Um exemplo é que casei recentemente e teve aluno que veio trazer-me um guardanapo de presente. Teve gente que disse; mas, um guardanapo? Só que foi de coração. […] É isso que importa. Se fosse um aluno do colégio normal, não sendo o CPDB, você acha que ia surgir um guardanapo de presente para uma professora? Não ia. Então, isso é o amor que circula. Se você tem amor pelos alunos, estes retribuem. Quem planta amor, colhe amor. Quem planta tempestade, irá colher tempestade (D3, E 07/11/2012). D4 comentou como entende e aplica os referenciais salesianos em sua prática docente. Argumentou da qualidade e abrangência de viver em sua integralidade suas convicções e princípios, pois, quando isso é percebido pelos alunos, o professor torna-se referência e crível como educador. Exemplo citado pelo depoente consiste que, em dias de festa na Escola São José, os alunos veem os professores com seus familiares. Ficam admirados por visualizar como se respeitam e se querem bem, fator que credita a figura do docente como educador. Por outro lado, uma vez tendo recebido o crédito moral de educador digno pela visibilidade dos atos tidos como corretos, pode ocorrer que este educador, se falhe, gere decepção nos seus educandos. Acho que essa transmissão se dá automaticamente. Nós não ficamos a todo tempo citando e falando de Dom Bosco, mas, acredito que pela atitude de educador, não somente minha, mas de todos que trabalhamos aqui, a gente acaba transmitindo a estes jovens toda 162 essa bagagem que temos de aprendizado em Dom Bosco. Acho que a transmissão e vivência não se dá (sic) somente aqui dentro, mas também no convívio familiar nosso em casa. Porque eles, os jovens, sempre me perguntam algo. Vêm a gente nas festas das escolas. Vêm nossos filhos, a forma que são tratados. Nós, professores, naturalmente fazemos isso, tanto em ambiente de sala de aula como pátio e nas festas. O principal elemento salesiano é o estar junto. O estar junto, participar, ouvir, também cobrar, colocar um limite, uma luz para ser seguida. Então, o principal é isso (D4, E 31/10/2012). D5 descreveu a maneira como aplica e alinha na sala sua prática docente com os referenciais salesianos. Por meio de relação de amizade, o educador exerce influência positiva ao aluno, favorecendo com que este se interesse e se esforce em aprender o que o educador considere como necessário, tanto conteúdos programáticos como experiências em atividades extracurriculares oferecidas pela Escola. Acho que é a maneira de você tratar o aluno. É a conversa que você tem. Quando você não tem a barreira professor – aluno, você estoura essa barreira. O aluno deixa de ser aquela pessoa que só te olha como professor e começa a te ver como um companheiro, um cara que quer passar uma informação para você. Acho que o jeito que se entra em sala de aula, a maneira como se fala, se expressa, é uma forma de conquistar o aluno no bom sentido. Então, você conquista o aluno e traz o aluno para perto de você, você faz o que quiser. Quem que não aprende quando está com alguém que se gosta? Ou é preferível estar com alguém que não se gosta para aprender? Com certeza, há esta afinidade. Você tem afinidade. Tornam-se pessoas boas, mais próximas umas das outras. E a gente vai andando bem. (D5, E 24/10/2012). D6 demonstrou segurança e convicção em suas palavras. Comentou de sua formação salesiana desde sua educação básica, que continua e se aperfeiçoa como professor remunerado. No depoimento, demonstrou-se atualizado. Por meio da observação participante e do questionário, porém tais conceitos não se alinharam à entrevista. Entende que há dificuldade de pôr em prática os conceitos e referenciais salesianos. Acho que é esta amizade, respeito, o posicionamento, o jeito de ser. Não ser um jeito que não condiga com sua vida normal. Você não está sendo um artista, interpretando. Você é aquilo que você aprendeu a ser. Como já fui aluno salesiano, então já vivenciei o espírito salesiano, espírito de Dom Bosco desde os 7 anos, até um pouquinho antes. Então, toda essa formação é a minha postura hoje em dia como professor. Lógico que aprimorando o que a gente vem aprendendo, mas a postura tem que ser essa daí. Não tem como mudar. Se você se engajou nisso, temos isso nas veias. Faz parte da sua vida, do seu cotidiano. É isso que procuro transmitir para os alunos (D6, E 18/10/2012). 163 A entrevista aberta dificulta estabelecer um parâmetro preciso de comparação, exigindo do pesquisador a interpretação dos conteúdos e realizando aproximações das informações coletadas. As ideias e falas dos depoentes que convergem e divergem entre si, não foram pontuadas em uma perspectiva quantitativa, mas qualitativa por estarem localizadas em momentos variados nas questões. Os elementos convergentes e divergentes foram expressos de maneira não organizada. Os depoentes apresentam certas semelhanças no conhecimento da Pedagogia Salesiana na história, desde os tempos de Bosco até o momento presente no CPDB como professores remunerados. Os depoentes apresentaram conhecimento e experiência de trabalho e vivência salesiana, embora cada um tenha diferente “tempo de casa” e vivência salesiana. Como exemplificado no quadro quatro de categorias de análise dos depoentes, sabe-se que todos os educadores entrevistados têm significativo “tempo de casa”: D1 com 22 anos; D2, 34 anos; D3, 10 anos; D4, 30 anos; D5, 36 anos e D6, 41 anos. Esses números mostram um caminho de construção de identidade, baseada num ideal de comportamento, com pouco espaço para se inventar outras formas de ser e estar, exceto para D3 que tem pouco “tempo de casa”. A categoria “tempo de casa”, porém, não confirmou a lógica de que isso representa mais conhecimento e/ou vivência dos princípios referenciais salesianos. Isto é sinalizado pelo fato que tiveram baixa indicação dos alunos, sendo convidados ao depoimento pelo critério (3) de baixa referência salesiana contra alta carga horária. O que confirma que a categoria “tempo de casa” não deve ser absolutizada. Os depoentes convergem quanto ao modo como se colocam na entrevista. São profissionais capacitados e generosos, buscando atender esses jovens desprovidos de condições básicas para inserção social com qualidade. A homogeneização de base conceitual sobre a Pedagogia Salesiana apresenta diversificação na ordem prática do cotidiano, ou seja, os docentes aplicam, de formas diversas, os princípios referenciais salesianos. Os depoimentos tiveram como ponto de partida o público atendido. No entanto, analisando expressões, palavras e gestos dos depoentes com relação 164 ao público atendido, por meio da categoria “ambos os gêneros”, percebe-se que D1 e D3, do sexo feminino, desenvolveram um discurso mais afetivo, emocional e de pontuação direta na relação de amizade com os alunos, expressando carinho, atenção e compreensão que se afinam aos princípios referenciais salesianos. Na análise de conjuntura das técnicas aplicadas, sendo observação participante, questionário (quali – quanti) e entrevista aberta, D1 e D3 foram os depoentes que se destacaram. Com relação ao critério de escolha para entrevista, enquadram-se no critério (2) de alta referência salesiana com baixa carga horária. A categoria de idades diferenciadas também foi considerada como parâmetro de análise de conteúdo das entrevistas. Evidenciou-se que D4 e D5, respectivamente, com cinquenta e quarenta anos, não levaram vantagem para melhor vivência e aplicação dos princípios e referenciais salesianos. Ambos do sexo masculino e com muito tempo de trabalho e vivência salesiana foram escolhidos para entrevista pelo critério (1) de alta referência salesiana e alta carga horária. As categorias “tempo de vivência, conhecimento e trabalho salesiano” e “idades diferenciadas” não são determinantes para qualquer qualificação salesiana dos educadores. Ter mais ou menos “tempo de casa”, ser jovem, de idade mediana ou avançada, segundo análise de conjuntura das técnicas aplicadas, não confere ipso facto a integração dos princípios referenciais salesianos. Neste sentido, evidenciou-se que D1 e D3 com menos “tempo de casa” são mais influentes e representativos dos princípios referenciais salesianos. Evidenciou-se também que D3, D4 e D5 de idades medianas entre 28 e 50 anos apresentam alto índice de referência salesiana de acordo com a técnica questionário e também na análise de conteúdo das entrevistas. A exceção da categoria “idade diferenciada” se aplica a D2 com idade mediana de 42 anos que teve baixa indicação dos alunos na técnica questionário, mas demonstrou conhecimento teórico salesiano e profundo sentimento de pertença como adesão e entrega na técnica entrevista aberta. 165 A categoria “ambos os gêneros” apresentou um quadro consistente de elementos e informações confirmando o gênero feminino como mais incidente em vivência e representatividade dos princípios referenciais salesianos no CPDB. Consiste no fato de que D1, de sessenta anos de idade, vinte e dois de “tempo de casa”, e D3, de vinte e oito anos de idade, dez anos de “tempo de casa”, apresentaram, nas três técnicas abordadas, observação participante, questionário e entrevista aberta, elementos basilares da Pedagogia Salesiana, especialmente relacionados à dimensão afetiva e emocional. Diferente dos demais depoentes, D2, D4, D5 e D6, que, na condição de homens, manifestaram-se mais resistentes e menos desenvoltos na demonstração direta de afeto, conformando assim um estereótipo histórico social de que há divisões de funções por gênero. Os depoentes, de maneira geral, manifestaram cada um ao seu modo, sentimentos de carinho e pertença à instituição salesiana. Demonstraram ter integrado os princípios referenciais salesianos, devoção à figura religiosa de Bosco e preocupação com o público atendido no CPDB. Revelaram que provêm de “berço salesiano”, ou seja, procedem de alguma unidade salesiana, desde a adolescência. Apresentam características salesianas como acolhida, bondade, amizade, atenção, etc. De forma geral são ideias que procuram vivenciar no CPDB. Há semelhanças nas informações coletadas, embora alguns depoentes difiram na intensidade de adesão e olhar da proposta pedagógica salesiana. Com exceção de D4 e D5, os demais depoentes tendem a aderir a ela como salvacionista. Outro ponto que possui diferenças entre os depoentes são as dimensões de destaque da Pedagogia Salesiana. D1 enfatizou a perspectiva religiosa; D2, do trabalho; D3, a orientação e aconselhamento; D4, sua face paterna; D5, a amizade e D6, a disciplina e responsabilidade. São elementos complementares e necessários na formação integral do ser humano. Neste sentido, ciente dos riscos de abordagens unilaterais, também no âmbito pedagógico salesiano, fazse necessária uma revisão pessoal e coletiva das capacidades, propostas e aplicação pedagógica no CPDB. 166 3.3 Os educadores docentes no CPDB: desafios e perspectivas A descrição e análise dos depoimentos permitiram visualizar, com mais precisão, como são compreendidos e desenvolvidos os princípios e referenciais salesianos no CPDB. Tratar-se-á neste tópico da análise conjuntural do quadro docente no CPDB pautado pelos desafios apontados na observação participante, questionário (quali – quanti) e entrevista aberta. Além da configuração que o CPDB recebe na esfera da gestão, lida na fala dos depoentes. Aspectos como rescisões contratuais, relação CPDB e UNISAL quanto ao compartilhamento de espaços e a concepção de trabalho assistencial no CPDB. De cunho historicista, discorreu-se nos dois primeiros capítulos sobre a história salesiana como um modelo pedagógico legado pelo educador Bosco, que assumiu para si, ações e comportamentos em âmbito educacional como a atenção, respeito e empatia na relação aluno e professor. Neste sentido, atualizar, resignificar e pôr em prática a Pedagogia Salesiana são desafios para os educadores salesianos, exigindo, além das capacidades pessoais, uma formação e capacitação salesiana, que inclui um tempo de vivência em ambientes salesianos para compreender e apreender a dinâmica da instituição. Por fim, não menos importante, é a disposição de integrar-se e assumir o Projeto Político Pedagógico e Pastoral da instituição (PPPP) que vai além da ação meramente profissional. Aproxima-se do pertencimento comunitário de enraizamento filosófico e geográfico. Além do sentido religioso como pano de fundo. Ferreira (2008, p.17) referenda que: Ao diálogo unia-se a convivência. Se o educador entrava no meio dos jovens e falava com eles, acabava vendo o mundo deles com uma nova sensibilidade. Era com o diálogo e a convivência que o educador conseguia colocar-se no lugar social dos jovens. O educador tomava o jovem onde se encontrava e começava daí. Era puro bom senso e o segredo de todo auxílio. Neste sentido, o trabalho do educador salesiano consiste numa dedicação aos educandos que se expressa pela amizade, relação afetuosa e participação em atividades extracurriculares etc. Para Braido (2004, p. 267): 167 O educador é chamado a se apresentar operativamente como modelo que vive ativamente tudo aquilo que, segundo a razão, a religião e a amorevollezza, é válido em si e ao mesmo tempo é por ele tornado amável e atraente, motivante e envolvente para o aluno. O educador tem de apresentar em forma dinâmica, com relação a todos os possíveis fins educativos, aquilo que Dom Bosco afirma dele como ‘modelo de moralidade’. Por meio do questionário, a descrição dos dados demonstra que há forte incidência salesiana dos educadores sobre os alunos no CPDB, já que o questionário aplicado aos alunos apresentou um quadro favorável aos docentes no critério “semelhança à figura de Bosco” e “integração das características salesianas”. Entretanto os alunos não compreendem, com profundidade, a proposta educacional salesiana, visto que uma parcela significativa de alunos está no meio salesiano sem conhecimento de qualquer elemento e característica da Pedagogia Salesiana. A técnica de entrevista aberta revelou, nos depoimentos, amplo conhecimento da história salesiana e da figura do educador Bosco, não de forma sistemática e linear, mas afetiva, sinalizando a proposta pedagógica salesiana como salvacionista161 e mitológica que ora é reconfigurada e ora é mantida, percebida de acordo com a conjuntura dos tempos em suas nuances sociais, educacionais, políticas e religiosas. Em contrapartida aos dados apresentados no questionário que pergunta se os educadores incidem pedagógica e salesianamente nos alunos do CPDB, somado ao conhecimento da pedagogia salesiana revelado nos depoimentos, constata-se por meio da observação participante, que há incidência destes educadores docentes sobre os alunos. Não ultrapassando, porém, os limites da sala de aula por motivos de operacionalização de horários ajustados. Ambas as partes, docentes e educandos, têm poucos momentos de convivência para além do ambiente escolar. Não se pode ignorar que embora houvera há alguns anos um desconforto de âmbito salarial por parte de alguns docentes, há adesão ao 161 Embora próximo do final da escrita da dissertação, cabe aqui o esclarecimento de que o termo “salvacionista” se assemelha à ideia de mitologização da figura e método educativo de Bosco. Passos Júnior (2011) traz em sua tese de doutorado “Centro Universitário Salesiano, discutindo sua identidade” uma reflexão sobre a configuração do rito, mito e símbolo da figura e método educativo de Bosco. Entende-se, porém, que a postura salvacionista está incorporada na Sociedade por uma cultura cristã católica propagada. Integrada de forma equilibrada, traz seu aspecto positivo de encantamento, tornando a vida dinâmica. 168 projeto educativo salesiano e pertencimento a esta instituição educacional, confirmando sua fidelidade à identidade salesiana. As estratégias operativas, como, por exemplo, a escala de docentes para realização do chamado “bom dia e boa tarde” e a presença dos docentes com os alunos em eventos externos à escola apresentam-se frágeis. Momentos oportunos para contato com os alunos, como convivência e assistência nos intervalos de aula, são ignorados por conta da operacionalização de horários ajustados. Além da lenta adequação dos docentes nessa práxis pedagógica salesiana no novo formato do CPDB, que passou de ensino profissionalizante para ensino técnico, aumentando a distância na relação professor e aluno numa perspectiva familiar. Olha, procura-se (...) perdeu-se um pouquinho quando nós passamos de profissionalizante para técnico, porque houve uma fragmentação na questão das aulas. Os professores dão uma aula aqui, outra aula ali. Antes eles tinham o grupo de alunos na palma da mão. Então, passavam exemplos, sempre com a mesma turma (CASTRO, E 06/12/2012). No anterior formato da práxis do CPDB, cada professor era responsável por um grupo de alunos, permanecendo com eles longos períodos de aulas. No atual formato, os professores têm aulas de acordo com a grade curricular, tendo pouco contato com o alunado, o que gera uma relação funcional em que o professor apenas transmite o conteúdo e o aluno o assimila. A mesma situação se percebe entre os professores e coordenação pedagógica que não encontram meios e formas fáceis para se reunir como equipe. Por meio da técnica da observação participante, constatou-se que, no primeiro semestre de 2013, puderam agendar algumas datas com a finalidade de se reunirem como equipe pedagógica. A gente não consegue tomar um café juntos. Nossas reuniões, por conta de ser fragmentado, pois, os professores daqui também lecionam na ETEC, e, não conseguimos ainda realizar reunião com todos. Não temos tempo de nos reunirmos, de fazermos o resgate do grupo, da salesianidade, de falar de Dom Bosco. Então, isso está um pouco difícil depois que o curso passou a ser técnico, mas estamos nos adequando para ver o que é possível fazer (CASTRO, E 06/12/2012). A presença dos educadores no pátio, chave mestra da pedagogia salesiana, tem se apresentado débil e desafiadora, pois, embora a entrevista 169 aberta revele que os docentes compreendam este princípio de presença e assistência no pátio com os alunos, não a praticam pela massificação da carga horária de trabalho que é estendida a outra instituição jurídica, o UNISAL. Como ambas as unidades salesianas, Centro Universitário Salesiano e a Escola São José oferecem cursos técnicos semelhantes e ambas se utilizam dos mesmos espaços e dos serviços dos mesmos professores. Isto representa uma sobrecarga para os docentes que se restringem às aulas que devem ser ministradas. Essa situação de trabalho, em ambas as unidades, compartilhando os mesmos espaços, com bases salariais diferentes, tem gerado um desconforto nestes profissionais ao ponto de não assumirem por completo o projeto pedagógico pastoral salesiano na unidade salesiana que oferece menor remuneração, no caso, o CPDB da Escola São José. Ainda em âmbito salarial, por meio da observação participante, sabe-se que em 2005, por necessidade de reconfiguração administrativa nos setores, a instituição introduziu uma nova faixa salarial aos funcionários, acordando que, num futuro próximo, quando o quadro financeiro da Escola alcançasse estabilidade, seriam realizados estudos para reajustes e aumento real de salário. No CPDB, em 2013, houve aumento salarial de 10% para o coordenador. Também a assistente social, por força de lei, teve um aumento salarial. Os professores da ETEC – UNISAL são melhor remunerados que os professores da Escola, pois a universidade é maior, tem mais público e o nível de ensino exige maior salário, embora a grade curricular dos cursos técnicos sejam as mesmas. O que muda é a abordagem de acordo com o público. No CPDB são jovens que ainda realizam o ensino médio. Na ETEC são jovens adultos que trabalham e custeiam o próprio curso. Existe o descontentamento salarial, pois o curso é o mesmo. A diferença salarial pode vir a gerar uma desmotivação na equipe do CPDB (DC, 05/03/2013). Entende-se também que o CPDB trabalha com um público diferenciado, ponto chave do trabalho e identidade salesiana, mas que, na prática, recebe pouco destaque interno na escola. Tal cenário representa uma dicotomia entre o discurso e a efetiva prática de ações. Uma coisa importante também é sempre valorizar o professor que trabalha com esse tipo de jovem, clientela. É um trabalho difícil. Não é igual a uma escola normal que o professor vai lá, da sua matéria, depois acaba a aula, apaga luz, fecha a porta e acabou ali. Temos muito mais do que isso. Acho que falta um pouco isso, das pessoas como um todo, como os nossos colegas de trabalho, profissionais de até outra área saber mais sobre o CPDB, o tipo de trabalho feito aqui, 170 porque é um trabalho que é a menina dos olhos de Dom Bosco. Se nós perdermos a referência, perder isso, a nossa instituição perde sua essência, seu princípio. Hoje, temos muito poucos professores. Aparentemente, as pessoas têm certo receio, vamos colocar uma faixa aqui e falar de outra fase, de outro lugar e se esquece que aqui é o princípio, a essência. Acho que se deve valorizar mais isso aqui. Temos um trabalho muito bonito. O tipo de trabalho que essa escola faz é muito bonito para ser escondido, para ser colocado um pano em cima. Acho que deve ser mais divulgado, falado. Não tem que ter vergonha, pelo contrário, ter orgulho do trabalho feito aqui dentro (D2, E 19/10/2012). Para além dos entraves e desafios sinalizados na operacionalização das estratégias políticas, pedagógicas e pastorais no CPDB, percebe-se, por meio da observação participante, questionário (quali – quanti) e entrevista aberta, que os educadores docentes demonstram ter integrado, de razoável para elevado grau da Pedagogia Salesiana, somado a um apreço e respeito pela instituição salesiana. Interessante que são professores que se preocupam em fechar a janela, em apagar a luz, desligar o ar condicionado e computadores, em cuidar daquilo como manifestação de carinho e pertença. Então aquele equipamento está no estado em que está hoje, acredito que esteja em bom estado, porque sempre fizemos manutenção. Por cuidado dos professores para mostrar para os alunos, qual era a importância daquele equipamento. Todo esse cuidado que o professor tem é a mostra do comprometimento que ele tem com a instituição salesiana (MIRANDA, E 21/12/2012). Então, a gente percebe sim, que é comum neles essa atenção com o aluno. Eles ficam até mais tarde, entendem o que é necessário, são atenciosos, não está mecânico a coisa. Percebo isso (CASTRO, E 06/12/2012). O conhecimento e entendimento que os educadores docentes apresentam dos princípios referenciais salesianos são decorrentes da vivência salesiana que têm, seja na condição de ex-alunos ou docentes remunerados e voluntários. Situação que, equivocadamente, isenta e desobriga a instituição salesiana de preocupar-se com a Pedagogia Salesiana em seu caráter sistemático, assegurando assim, apenas os elementos básicos aos novos profissionais contratados em uma formação realizada em Campos do Jordão. [Pergunto sobre cursos de capacitação para os novos docentes em âmbito de salesianidade. E ela:] eles realizam o curso uma única vez em Campos do Jordão. O professor faz uma vez só, mesmo que fique muito tempo aqui. Então, a maioria deles já fez há muito tempo, logo que entraram […] (MELO, E 05/11/2012). O olhar do alunado, como já descrito, inclinou-se à aprovação do alinhamento docente com as características salesianas. Por parte do 171 professorado, há um significativo respeito e sentido de pertença à dimensão salesiana em suas nuances religioso, profissional, educacional, etc. Embora, em muitos aspectos, a proposta pedagógica tenha sido manifestada como salvacionista. Para além do conhecimento integrado e aplicação dos referenciais salesianos pelos educadores docentes no CPDB, observa-se a ausência de estratégias que permitam dirimir os desafios sinalizados. Uma vez tendo observado, descrito e desenvolvido reflexões sobre os desafios e perspectivas do quadro docente no CPDB, entende-se que a carta de Roma, escrita por Bosco, em 1884, a seus seguidores, afirmando que a realidade pedagógica de seu chamado oratório, como espaço educacional não estava operacionalizando os procedimentos educativos por ele sinalizados, se faz atual como alerta à instituição salesiana de que o setor CPDB, bem como seu corpo docente, devem receber atenção e acompanhamento no processo de condução da Pedagogia Salesiana. Além da concretização do aumento real de salário do corpo docente com base na receita, somado ao necessário esclarecimento do compartilhamento de espaços como oficinas e laboratórios entre Escola Salesiana São José e UNISAL e as condições de trabalho para os docentes que são membros das duas instituições jurídicas. Em suma, faz-se necessário mencionar que, para além dos percalços, a instituição salesiana Escola Salesiana São José, realiza como CPDB, desde 1977, um imensurável bem social, humano e religioso. Possível por meio de cursos profissionais via instituição e formação técnica, humana e salesiana via educadores. 172 CONSIDERAÇÕES FINAIS Esta pesquisa, de abordagem historicista, investigativa e analítica, discorreu sobre os primórdios da história salesiana, sua expansão para além do continente europeu e os impactos e as ressonâncias dos princípios referenciais salesianos no cenário atual do CPDB em Campinas. Procurou-se, ao longo desta dissertação, apresentar elementos dos fundamentos e princípios da Pedagogia Salesiana, assim como sua operacionalização na prática docente do Centro Profissional Dom Bosco (CPDB) em Campinas. De forma crítica, procurou-se verificar como são interpretados, entendidos e desenvolvidos os princípios referenciais salesianos pelos educadores docentes do CPDB, a partir de abordagem qualitativa, utilizando-se da observação participante, questionário e entrevista. Técnicas de pesquisa que, agrupadas, proporcionaram uma melhor visualização da realidade do CPDB, oferecendo respostas ao questionamento propulsor da pesquisa: Como são entendidos, integrados e colocados em prática os princípios referenciais salesianos pelos educadores docentes no CPDB? A resposta ao problema desta pesquisa apresentou um amplo quadro de situações que são desafios nos campos operacionais na gestão, nas perspectivas educacionais de ênfase salesiana e profissional, nos limites burocráticos e caráteres históricos na área da gestão escolar. Deve-se evidenciar que a questão de como são interpretados e desenvolvidos esses princípios referenciais salesianos pelos educadores docentes não foram esgotados, sabendo-se que o problema desta pesquisa requereria elementos que vão além dos espaços salesianos. A pesquisa seria mais completa se pudéssemos acompanhar o fenômeno pesquisado, no caso os educadores do CPDB, em seus ambientes familiares, sociais e de relacionamentos, captando se os valores salesianos permeariam suas vidas. Este processo, porém, abrangente, poderia fugir dos limites desta pesquisa, propostos inicialmente. Mas é certo que, por meio do material coletado, 173 interpretado e analisado, foi possível apontar, num quadro reduzido de ambiente de trabalho, elementos que sinalizam o modo e medida da interpretação e desenvolvimento da Pedagogia Salesiana pelos educadores docentes no CPDB. Em suma, a aplicação metodológica apresentou-se adequada à investigação, viabilizando o trabalho de coleta de dados, análise e interpretação. Tal investigação tem como modelo o estilo, os fundamentos e os referenciais salesianos legados pelo educador Bosco, explicitados na literatura salesiana que iluminam toda a práxis salesiana e que são referencial teórico do CPDB. Em nenhum trabalho anterior consultado sobre a Pedagogia Salesiana, encontrou-se algo semelhante no que compete à relação da abordagem metodológica historicista e temática focada em um estudo de caso, tratando-se da análise do entendimento e práxis dos princípios referenciais salesianos no CPDB. Torna-se assim, a partir dos critérios mencionados, material de consulta a futuros pesquisadores da educação salesiana. Cabe uma digressão em relação aos princípios referenciais salesianos legados por Bosco como parâmetro de análise da atual conjuntura da operacionalização educacional salesiana no CPDB. Concebe-se a práxis educativa assumida por Bosco como um emaranhado de princípios, valores religiosos e humanos de base intuitiva, experiencial, de sua inteligência arguta e observadora. Elementos que compõem e caracterizam a abertura e possibilidade de atualização do processo pedagógico salesiano que integra as condições plurais de temporalidades, contextos, legislações e a sensibilidade de cada educador. Bosco teve por meta o desenvolvimento do educando na formação de sua consciência, por meio de orientação religiosa, moral e cívica. No processo psicomotor e social, valoriza os estudos, a vivência lúdica, esportiva e a inserção no mercado de trabalho. O ponto central da práxis educativa de Bosco é a abordagem integral do jovem nas suas potencialidades e dimensões humanas, e os salesianos, ao se expandirem pelo mundo, o fizeram nessa óptica. Para tanto, utilizaram do ferramental conhecido como Sistema Preventivo, um conglomerado de elementos educativos sintetizados pelo 174 trinômio Razão, Religião e Bondade, elementos indissociáveis que não são escalonados em ordem de importância, mas articulados organicamente no processo pedagógico salesiano. Os elementos pétreos da Pedagogia Salesiana devem ser ressignificados e atualizados de acordo com o contexto plural contemporâneo. O educador salesiano articula a perspectiva da Razão como um passo além de sua concepção histórica de erudição, atrelando a ciência e o homem. Quanto à Religião, tal ressignificação perpassa por um processo dialógico entre a crescente secularização da sociedade e as diversas orientações religiosas. Entendido este novo contexto, educador e educando podem confrontar seus ideais de mundo, buscando significados no âmbito existencial e espiritual por meio de conceitos que transcendem o tangível. Ressignificar ainda a perspectiva da Bondade, em que o entendimento de amor demonstrado seja mútuo entre educadores e alunos, proporcionando significado e sentido ao projeto educacional salesiano, que em outras palavras, segundo Passos Júnior (2011, p. 304): É, em suma, uma presença competente no âmbito da racionalidade, digna na sua coerência de homem religioso, que dá o primeiro passo que, em suma, ama e se faz amar. O pensamento educacional salesiano elaborado por João Bosco literalmente se encarna na pessoa do educador. É uma presença física e espiritual que não é captada em livros com princípios e propostas, mas se encarna e se transmite num modo de ser e num estilo de vida. Dois conceitos sinalizam se ela é praticada: amor e clima de família. Por meio de técnicas de pesquisa observação participante, questionário e entrevista, constatou-se que os elementos pétreos da educação salesiana, razão, religião e bondade, são privilegiados no desenvolvimento pedagógico do CPDB, não, porém, em sua profundidade conceitual. A simples reprodução da Pedagogia Salesiana como era praticada nas décadas anteriores é um risco de desconformidade, enquanto desfiguraria as características e o espírito do educador Bosco que sempre foi dinâmico e atento aos sinais dos tempos nunca tendo medo de inovar e assumir novos caminhos frente aos sempre novos desafios do seu tempo. Não se atualizar, frente a questões plurais de âmbito político, econômico, religioso e antropológico é indispor-se ipso facto, como esse educador e com a Pedagogia 175 Salesiana legada por ele. Espera-se que os educadores docentes do CPDB sejam um grupo de seguidores da Pedagogia Salesiana nas suas várias nuances: religioso, assistencial, existencial, cidadão, político etc. O entendimento e desenvolvimento de suas práticas educativas correspondem à longa história dos ambientes salesianos, sempre capazes de se adequarem aos tempos. Não há espaço para a tendência de reprodução de práticas pedagógicas antigas com seus bordões tradicionais e marketings hoje ultrapassados. A pesquisa constatou elevado grau de pertença dos educadores docentes à instituição tendo como eixo o trabalho assistencial com os alunos com vulnerabilidade social. Para além dos percalços que vivem e que foram apresentados ao longo da pesquisa, os docentes optam por permanecer na instituição porque gostam e se identificam com o trabalho educativo salesiano. O fato de alguns pertencerem à instituição salesiana de maneira distinta no modo e no tempo, proporcionou a cada um, meios de integrar a Pedagogia Salesiana de modos diferenciados, ainda que a ausência sistemática de formação e atualização salesiana tenha corroído sua dinamicidade e criticidade. Tal postura, embora entendida como salvacionista por estar incorporada na sociedade como cultura cristã católica propagada, tem sua real dose de encantamento na figura histórica e mítica de Bosco para manter a vida dinâmica. Em síntese, a pesquisa revela considerável grau de entendimento e desenvolvimento dos princípios referenciais salesianos, haja vista que os educadores docentes têm elevado “tempo de casa”. As dificuldades e desafios evidenciados estão em âmbito de operacionalização de estratégias que equacionem, tanto para a equipe de gestão da Escola Salesiana São José, como para os educadores da Pedagogia Salesiana com o perfil e realidade do alunado. Embora as conclusões tenham sido sinalizadas ao longo da dissertação pelo destaque dos desafios operacionais no CPDB, seja na esfera da gestão como na da pedagógica, apresento agora algumas proposições de forma mais objetiva: 176 Quanto à esfera pedagógica: Elaborar e acompanhar a escala da estratégia didática “bom dia e boa tarde” no início de cada período de aula, de modo que os educadores docentes possam incidir, mais pedagógica, salesiana e pastoralmente, junto dos alunos. Retomar, nas reuniões pedagógicas, o discurso do valor da presença dos educadores docentes nos intervalos de aula e cotidiano escolar, a fim de oferecer ao alunado uma melhor experiência da Pedagogia Salesiana. Pensar estratégias didáticas em que se favoreça uma melhor adequação da equipe pedagógica ao novo formato de ensino técnico no âmbito pastoral e salesiano. Consolidando, portanto, a equipe pedagógica neste novo formato de ensino. Acrescentar os conceitos referenciais da Pedagogia Salesiana nas ementas dos cursos do CPDB, a fim de homogeneizar a teoria com sua aplicação prática no curso. Equalizar e alinhar as ementas de curso técnico do CPDB com o Projeto Político, Pedagógico e Pastoral da Escola Salesiana São José, ainda que as diretrizes dependam da análise e aprovação da Secretaria da Educação - MEC. Quanto à esfera da gestão: Elaborar um itinerário formativo sistemático em Pedagogia Salesiana para o corpo docente da escola e CPDB na medida que se perceba os limites da compreensão conceitual da história, da estrutura e da Pedagogia Salesiana. Continuar os esforços para elaborar estratégias e meios que favoreçam o uso e compartilhamento dos espaços das duas instituições: Escola Salesiana São José e UNISAL. Encontrar meios que ofereçam um real destaque ao CPDB, compatível com o discurso oficial da instituição, a fim de fazer justiça à sua história de relevância social e pastoral. 177 Promover aumento real de salário, conforme processo histórico de rescisões de contrato e análise de estabilidade financeira da receita. Unificar critérios ideológicos como competência profissional e vocacional no que compete à remuneração do administrativo e pedagógico do CPDB que trabalha com jovens de baixo poder aquisitivo. Uma vez apresentadas as proposições para uma melhor operacionalização da proposta educacional salesiana no CPDB tanto na esfera da gestão como pedagógica, entende-se que é um processo a ser assumido pelas equipes de gestão escolar, pedagógica e corpo docente de redirecionar os caminhos legados e encetados pelo educador Bosco. É um longo trabalho por se tratar de uma prática reflexiva, religiosa e afetiva, sendo preciso, porém, coragem para assumi-lo. Este é um grande desafio. 178 REFERÊNCIAS AFONSO, Almerindo Janela. Sociologia da Educação Não-Formal: Reatualizar um objeto ou construir uma nova problemática? In: ESTRENOS; Antônio J.; STOER, S. Tephen. A Sociologia na escola. Portos: Afrontamento, 1989, p. 83 – 96. AZEVEDO, Joaquim. Educação Profissional, democracia e emancipação: avanços além das utopias. In. Boletim Técnico do SENAC – a revista da educação profissional. Volume 38 nº 1 janeiro/abril 2012. AZZI, Riolando. Os salesianos no Brasil: à luz da história. São Paulo; Ed. Salesiana Dom Bosco, 1982. ------. Os salesianos no Rio de Janeiro. São Paulo: Ed. Salesiana Dom Bosco, 1983a. ------. Os salesianos no Rio de Janeiro. São Paulo: Ed. Salesiana Dom Bosco, 1983b. BOSCO, João. Memórias do Oratório de São Francisco de Sales. Brasília: Editora Dom Bosco, 2012. Bosco e seus sonhos. Disponível em: http://www.salesianos.com.br/linkssalesianos/congregacao.html. Acesso em: 13-jan-2013. Documento eletrônico avulso. BRAIDO, Pietro. 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Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001. 191 APÊNDICE A Autorização para pesquisa e uso de voz e imagem Eu, Rodrigo Tarcha Amaral de Souza, RG 42.703.215-5, sou aluno regular do Curso de Pós-Graduação (Mestrado em Educação) do Centro Universitário Salesiano de São Paulo (UNISAL), unidade Americana e orientando da Profª. Drª. Renata Sieiro Fernandes, docente deste curso e desta instituição. Como parte de material necessário para obtenção do grau de Mestre em Educação, necessito desenvolver uma pesquisa e venho solicitar a autorização para realizar o trabalho de campo, utilizando a técnica de entrevista com os educadores(as) docentes, coletar depoimentos orais e imagens para fins estritamente acadêmicos, durante o período de agosto/2012 a dezembro/2012. Para tanto, necessitarei realizar observações participantes em sala de aula no Centro Profissional Dom Bosco (CPDB) – Campinas. Comprometo-me a, ao final do desenvolvimento do trabalho de pesquisa, fazer o retorno dos resultados para todos os envolvidos diretamente no processo da investigação. Americana, 28 de agosto de 2012 ¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨ Autorização para pesquisa e uso de voz e imagem Eu,_____________________________,Rg_____________________ _______, autorizo o trabalho de campo de pesquisa através da técnica de entrevista, coleta de depoimento oral e imagem para fins estritamente acadêmicos do aluno Rodrigo Tarcha Amaral de Souza. Data____/______/2012 Assinatura______________________________________ 192 APÊNDICE B Atividades de campo Nº 29 1 1 1 1 Atividade Convivência no horário do intervalo na sala dos professores. Data 2º semestre de 2012: 13/09, 20/09, 10/10, 11/10, 14/11 19/11, 21/11, 07/12. 1º semestre de 2013: Todas as 3º feiras nos horários das 9:25 às 9:45 e 15:10 às 15:30. Total de 18h Convivência Dia 13/12/2012 com Horário das 7:00 churrasco às 17:00 entre alunos Total de 10h e professores do CPDB Participação 20/12/2012 na Horário das 12:00 confraterniza às 17:00 ção com os Total de 5 horas professores Presença no 21/11/2012 dia de ação Horário das 7:00 de graças às 8:00 e das (atividade 13:30 às 14:30 pastoral) Total de 2 horas Presença na Dia 07/12/2012 confraterniza Horário: 18:00 às ção dos 22:00 colaboradore Total de 4 horas s da ESSJ (ação de graças) Descrição Em cada intervalo, há professores de acordo com as disciplinas dos dias. Momento de integração entre alunos e professores. Joga-se futebol e conversa-se bastante em um clima de familiaridade. A confraternização realizou-se na casa de um dos docentes. Evidenciose bastante amizade entre os presentes. Presença dos docentes que tinham horário de aula com as respectivas turmas, pois a atividade entendida como aula dada. A festa foi preparada para 350 pessoas, entre funcionários de todos os setores da Escola São José e Unisal. Contou também com a presença dos voluntários do Oratório Dom Bosco. Os professores do CPDB estavam presentes em número quase completo. Como sempre, foi um momento descontraído. Com o grupo de professores do CPDB, pudemos conversar, divertir-nos também pelos comes e bebes. Muitos se animaram a participar do baile 193 7 Participação na reunião com os professores e coordenação pedagógica (conselho de classe) 1 Pauta: - preparação da acolhida aos alunos. Sempre no período da manhã. - distribuição das aulas por setor. 28/01 – manhã de acolhida com os alunos, orientações iniciais. 29/01 – integração dos alunos do 1º ano com o 2º ano, tanto as turmas da manhã como da tarde. Será passado o filme de Dom Bosco (fortalecer o espírito de família). 30 - 31/01 – Palestra com os embaixadores da prevenção, 1º e 2º ano, tanto as turmas da manhã como da tarde. 1º/02 – Manhã esportiva aos alunos. Presença em 05-12-19/02/2013 A observação participante consistiu sala de aula 50 min cada aula em estar presente em sala de aula na condição Total de 2h30 para observação geral da prática de docente. observador participante. Com o critério de número de Docente 1 menções mais expressivas e menos (D1) expressivas de nomes de educadores Presença em 04-11-18/03/2013 docentes no CPDB, feita por alunos sala de aula 50 min cada aula em questionário qualitativo, foram escolhidos seis docentes para na condição Total de 2h30 estudo. Estão identificados na de pesquisa pela letra D seguido de observador numeração. participante. Docente 2 (D2) 3 3 2º semestre de 2012: 29/09, 07/12; 1º semestre de 2013: 23/02, 23/03, 20/04, 18/05, 22/06; Horário: 8:00 às 12:00 Participação 1º semestre de na semana 2013: de 28/01, 29/01, planejamento 30/01, 31/01, do setor 01/02. (CPDB) Horário: 9:00 às 12:00 Total de 28h final, uma quase danceteria interna. Foi mais um momento oportuno de fortalecimento da familiaridade entre todos os funcionários dessas instituições. Quanto ao CPDB, podese dizer que os professores deram um passo a mais na consolidação da harmonia grupal. Reunião mensal com o conselho de professores para análise da situação dos alunos por áreas de curso: Informática, Fabricação Mecânica e Eletroeletrônica. 194 3 3 3 3 4 1 1 Presença em sala de aula na condição de observador participante. Docente 3 (D3) Presença em sala de aula na condição de observador participante. Docente 4 (D4) Presença em sala de aula na condição de observador participante. Docente 5 (D5 Presença em sala de aula na condição de observador participante. Docente 6 (D6) Participação nas atividades externas, denominadas DDT (Dia da Turma) com os alunos e professores Participação da festa dos pais Exposição cultural 08-15-22/03/2013 50 min cada aula Total de 2h30 02-03-05/04/2013 50 min cada aula Total de 2h30 9-16-23/04/2013 50 min cada aula Total de 2h30 10-17 e 24/04/2013 50 min cada aula Total de 2h30 2º semestre de 2012 15/04 e 16/04. 1º semestre de 2013 08/04 e 09/04 Horário: 9:00 às 17:00 Total de 32h 11/08/2012 Horário: 8:00 às 13:00 Total de 5 horas 15/09/2012 Horário: 8:00 às 17:00 Total de 9 horas Atividades lúdicas, esportivas e formativas, visando maior integração entre os alunos e professores. Confraternização da comunidade educativa com a motivação da festividade do Dia dos Pais. Exposição cultural de materiais artísticos e técnicos de cada etapa formativa da ESSJ. O evento contou com a presença dos professores do CPDB na condição de 195 organizadores e orientadores dos alunos expositores. Total de atividades 56 Tempo geral de observação participante 128h 196 ANEXO A Presidência da República Casa Civil Subchefia para Assuntos Jurídicos LEI Nº 8.069, DE 13 DE JULHO DE 1990. Texto compilado Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. O PRESIDENTE DA REPÚBLICA: Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei: Título I Das Disposições Preliminares Art. 1º Esta Lei dispõe sobre a proteção integral à criança e ao adolescente. Art. 2º Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade. Parágrafo único. Nos casos expressos em lei, aplica-se excepcionalmente este Estatuto às pessoas entre dezoito e vinte e um anos de idade. Art. 3º A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade. Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. Parágrafo único. A garantia de prioridade compreende: a) primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias; b) precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública; 197 c) preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas; d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude. Art. 5º Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais. Art. 6º Na interpretação desta Lei levar-se-ão em conta os fins sociais a que ela se dirige, as exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais e coletivos, e a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento. Título II Dos Direitos Fundamentais Capítulo I Do Direito à Vida e à Saúde Art. 7º A criança e o adolescente têm direito a proteção à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência. Art. 8º É assegurado à gestante, através do Sistema Único de Saúde, o atendimento pré e perinatal. § 1º A gestante será encaminhada aos diferentes níveis de atendimento, segundo critérios médicos específicos, obedecendo-se aos princípios de regionalização e hierarquização do Sistema. § 2º A parturiente será atendida preferencialmente pelo mesmo médico que a acompanhou na fase pré-natal. § 3º Incumbe ao poder público propiciar apoio alimentar à gestante e à nutriz que dele necessitem. § 4o Incumbe ao poder público proporcionar assistência psicológica à gestante e à mãe, no período pré e pós-natal, inclusive como forma de prevenir ou minorar as consequências do estado puerperal. (Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009) Vigência § 5o A assistência referida no § 4o deste artigo deverá ser também prestada a gestantes ou mães que manifestem interesse em entregar seus filhos para adoção. (Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009) Vigência 198 Art. 9º O poder público, as instituições e os empregadores propiciarão condições adequadas ao aleitamento materno, inclusive aos filhos de mães submetidas a medida privativa de liberdade. Art. 10. Os hospitais e demais estabelecimentos de atenção à saúde de gestantes, públicos e particulares, são obrigados a: I - manter registro das atividades desenvolvidas, através de prontuários individuais, pelo prazo de dezoito anos; II - identificar o recém-nascido mediante o registro de sua impressão plantar e digital e da impressão digital da mãe, sem prejuízo de outras formas normatizadas pela autoridade administrativa competente; III - proceder a exames visando ao diagnóstico e terapêutica de anormalidades no metabolismo do recém-nascido, bem como prestar orientação aos pais; IV - fornecer declaração de nascimento onde constem necessariamente as intercorrências do parto e do desenvolvimento do neonato; V - manter alojamento conjunto, possibilitando ao neonato a permanência junto à mãe. Art. 11. É assegurado atendimento médico à criança e ao adolescente, através do Sistema Único de Saúde, garantido o acesso universal e igualitário às ações e serviços para promoção, proteção e recuperação da saúde. Art. 11. É assegurado atendimento integral à saúde da criança e do adolescente, por intermédio do Sistema Único de Saúde, garantido o acesso universal e igualitário às ações e serviços para promoção, proteção e recuperação da saúde. (Redação dada pela Lei nº 11.185, de 2005) § 1º A criança e o adolescente portadores de deficiência receberão atendimento especializado. § 2º Incumbe ao poder público fornecer gratuitamente àqueles que necessitarem os medicamentos, próteses e outros recursos relativos ao tratamento, habilitação ou reabilitação. Art. 12. Os estabelecimentos de atendimento à saúde deverão proporcionar condições para a permanência em tempo integral de um dos pais ou responsável, nos casos de internação de criança ou adolescente. Art. 13. Os casos de suspeita ou confirmação de maus-tratos contra criança ou adolescente serão obrigatoriamente comunicados ao Conselho Tutelar da respectiva localidade, sem prejuízo de outras providências legais. Parágrafo único. As gestantes ou mães que manifestem interesse em entregar seus filhos para adoção serão obrigatoriamente encaminhadas à 199 Justiça da Infância e da Juventude. (Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009) Vigência Art. 14. O Sistema Único de Saúde promoverá programas de assistência médica e odontológica para a prevenção das enfermidades que ordinariamente afetam a população infantil, e campanhas de educação sanitária para pais, educadores e alunos. Parágrafo único. É obrigatória a vacinação das crianças nos casos recomendados pelas autoridades sanitárias. Capítulo II Do Direito à Liberdade, ao Respeito e à Dignidade Art. 15. A criança e o adolescente têm direito à liberdade, ao respeito e à dignidade como pessoas humanas em processo de desenvolvimento e como sujeitos de direitos civis, humanos e sociais garantidos na Constituição e nas leis. Art. 16. O direito à liberdade compreende os seguintes aspectos: I - ir, vir e estar nos logradouros públicos e espaços comunitários, ressalvadas as restrições legais; II - opinião e expressão; III - crença e culto religioso; IV - brincar, praticar esportes e divertir-se; V - participar da vida familiar e comunitária, sem discriminação; VI - participar da vida política, na forma da lei; VII - buscar refúgio, auxílio e orientação. Art. 17. O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, idéias e crenças, dos espaços e objetos pessoais. Art. 18. É dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor. Capítulo III Do Direito à Convivência Familiar e Comunitária 200 Seção I Disposições Gerais Art. 19. Toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no seio da sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente livre da presença de pessoas dependentes de substâncias entorpecentes. § 1o Toda criança ou adolescente que estiver inserido em programa de acolhimento familiar ou institucional terá sua situação reavaliada, no máximo, a cada 6 (seis) meses, devendo a autoridade judiciária competente, com base em relatório elaborado por equipe interprofissional ou multidisciplinar, decidir de forma fundamentada pela possibilidade de reintegração familiar ou colocação em família substituta, em quaisquer das modalidades previstas no art. 28 desta Lei. (Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009) Vigência § 2o A permanência da criança e do adolescente em programa de acolhimento institucional não se prolongará por mais de 2 (dois) anos, salvo comprovada necessidade que atenda ao seu superior interesse, devidamente fundamentada pela autoridade judiciária. (Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009) Vigência § 3o A manutenção ou reintegração de criança ou adolescente à sua família terá preferência em relação a qualquer outra providência, caso em que será esta incluída em programas de orientação e auxílio, nos termos do parágrafo único do art. 23, dos incisos I e IV do caput do art. 101 e dos incisos I a IV do caput do art. 129 desta Lei. (Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009) Vigência Art. 20. Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação. Art. 21. O pátrio poder poder familiar será exercido, em igualdade de condições, pelo pai e pela mãe, na forma do que dispuser a legislação civil, assegurado a qualquer deles o direito de, em caso de discordância, recorrer à autoridade judiciária competente para a solução da divergência. (Expressão substituída pela Lei nº 12.010, de 2009) Vigência Art. 22. Aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores, cabendo-lhes ainda, no interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais. Art. 23. A falta ou a carência de recursos materiais não constitui motivo suficiente para a perda ou a suspensão do pátrio poder poder familiar. (Expressão substituída pela Lei nº 12.010, de 2009) Vigência Parágrafo único. Não existindo outro motivo que por si só autorize a decretação da medida, a criança ou o adolescente será mantido em sua família de origem, a qual deverá obrigatoriamente ser incluída em programas oficiais de auxílio. 201 Art. 24. A perda e a suspensão do pátrio poder poder familiar serão decretadas judicialmente, em procedimento contraditório, nos casos previstos na legislação civil, bem como na hipótese de descumprimento injustificado dos deveres e obrigações a que alude o art. 22. (Expressão substituída pela Lei nº 12.010, de 2009) Vigência 202 ANEXO B Proposta de Resolução Definem as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Profissional Técnica de Nível Médio, nos termos da Lei 9.394/96, alterada pela Lei 11.741/08: Art. 1º. A presente Resolução sistematiza o conjunto de Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Profissional Técnica de Nível Médio nos termos da Lei 9.394/96, alterada pela Lei 11.741/08. Art. 2º. A Educação Profissional Técnica de Nível Médio, no cumprimento dos objetivos da Educação Nacional, integra-se, em suas diferentes formas – concomitante, integrada e subsequente – às diversas modalidades de educação, às dimensões do trabalho, da ciência, da tecnologia e da cultura e regula-se por esta Resolução. Parágrafo único. No caso dos cursos de Educação a Distância, a oferta poderá ocorrer nas formas subsequentes e concomitantes garantidas as especificidades dos cursos em seus respectivos eixos tecnológicos e observadas a legislação específica da Educação a Distância e as normas complementares dos sistemas de ensino. Art. 3º. Os cursos de Educação Profissional Técnica de Nível Médio visarão proporcionar ao estudante o domínio dos fundamentos científicotecnológicos, sócio-históricos e culturais de processos produtivos, em geral e específicos, de bens e serviços, assim como a apropriação de conhecimentos e técnicas necessários ao exercício profissional e da cidadania. Art. 4º. Os cursos de Educação Profissional Técnica de Nível Médio serão organizados por eixos tecnológicos, constantes do Catálogo Nacional de Cursos Técnicos de Nível Médio instituído pela Portaria Ministerial 870/08, aprovado pela Resolução CNE/CEB 3/08, com base no Parecer CNE/CEB 11/08. Art. 5º. A oferta dos cursos de Educação Profissional Técnica de Nível Médio, inclusive na modalidade de Educação a Distância, será precedida de autorização à instituição de ensino pelo órgão regulador competente. Parágrafo único. Os órgãos reguladores deverão observar no ato de autorização da instituição e dos cursos a serem ofertados se estes correspondem às especificidades e demandas socio-econômico-ambientais do território para os quais se destinam, de modo a potencializar os processos produtivos e a inclusão social. Art. 6º. A Educação Profissional Técnica de Nível Médio em todas as suas formas de oferta nos termos da Lei, inclusive nas modalidades Educação 203 de Jovens e Adultos e Educação a Distância, baseia-se nos seguintes pressupostos: I. II. III. IV. V. VI. VII. VIII. IX. X. Formação integral do educando; Trabalho como princípio educativo; Indissociabilidade entre formação geral e educação profissional; Indissociabilidade entre educação e prática social, considerandose a historicidade dos conhecimentos e dos sujeitos da aprendizagem; Integração entre educação, trabalho, ciência, tecnologia e cultura como base da proposta e do desenvolvimento curricular; Integração de conhecimentos gerais e profissionais realizada na perspectiva da interdisciplinaridade, tendo a pesquisa como princípio pedagógico; Indissociabilidade entre teoria e prática no processo de ensinoaprendizagem; Articulação com o desenvolvimento socioeconômico-ambiental dos territórios onde os cursos ocorrem; Valorização da diversidade humana, das formas de produção, dos processos de trabalho e das culturas a eles subjacentes. Inclusão educacional e acessibilidade como base para acesso ao currículo. Art. 7º. A estruturação dos cursos da Educação Profissional Técnica de Nível Médio, orientada pela concepção de eixo tecnológico, implica considerar em seus conteúdos e métodos: a) A matriz tecnológica, que inclui as tecnologias relativas aos cursos sobre as quais repousam suas finaldiades e seus objetivos educacionais; b) O núcleo politécnico comum relativo ao eixo tecnológico em que se situa o curso, que compreende os fundamentos científicos, sociais, organizacionais, econômicos, estéticos e éticos que informam e alicerçam as tecnologias (materiais, meios, métodos etc.) e a contextualização do referido eixo tecnológico no contexto do sistema da produção social; c) Os conhecimentos nas áreas de linguagem, ciências humanas, ciências da natureza e matemática vinculados à educação básica e à educação para o mundo do trabalho, necessários à formação e ao desenvolvimento profissional do cidadão; d) A pertinência, coerência, coesão e consistência de conteúdos, articulados do ponto de vista lógico e histórico, contemplando as ferramentas conceituais e as metodologias; Parágrafo único. Na forma subsequente, conhecimentos e habilidades inerentes à educação básica deverão ser introduzidos na forma de complementação e atualização de estudos, caso diagnóstico avaliativo evidencie necessidade de atender requerimentos dessa ordem em consonância com o eixo tecnológico. Art. 8º. As cargas horárias dos cursos de Educação Profissional Técnica de Nível Médio na forma integrada ao Ensino Médio deverão ter 3.200 horas, 204 no mínimo, atendidas as diretrizes curriculares nacionais estabelecidas para o Ensino Médio e para os cursos técnicos, em conformidade com o que requer cada eixo tecnológico e a legislação pertinente aos sistemas de ensino. § 1º A duração e as características dos cursos de Educação Profissional Técnica de Nível Médio integrados ao Ensino Médio, na modalidade Educação de Jovens e Adultos, considerarão, ainda, as diretrizes curriculares nacionais dispostas no Parecer CNE/CEB 11/00, no Decreto 5.840/06 e na legislação pertinente aos sistemas de ensino. § 2º Os cursos de Educação Profissional Técnica de Nível Médio oferecidos na forma subsequente, observado o disposto no artigo 5º, terão carga horária mínima correspondente à requerida pelo respectivo eixo tecnológico, garantido o disposto no artigo 6º desta Resolução. Art. 9º. Poderão ser organizados cursos de especialização técnica de nível médio, vinculados a uma habilitação profissional, para o atendimento de demandas específicas. § 1º A instituição ofertante dos cursos previstos no caput deste artigo deverão ter em sua oferta regular o curso técnico de nível médio correspondente; § 2º A carga horária mínima dos cursos previstos no caput deste artigo será de 20% da carga horária mínima do curso técnico de nível médio a que se vincula; § 3º Ao detentor de diploma de curso técnico de nível médio ou de graduação em áreas correlatas que cursar com aproveitamento os cursos previstos no caput deste artigo conferir-se-á a certificação de especialista técnico e, aos demais, a de formação continuada, observada, para os sistemas estaduais, a legislação estadual específica. Art. 10. As instituições terão autonomia na concepção, elaboração, execução, avaliação e revisão do seu projeto pedagógico, observados: I. II. III. IV. V. VI. VII. As exigências do caráter contraditório da produção social, como esfera e espaço de atividades de onde os sujeitos retiram os meios de reprodução de suas vidas; Os processos sócio-históricos e culturais que caracterizam a formação social brasileira, bem como sua relação com o contexto mundial; As características e identidades dos sujeitos adolescentes, jovens e adultos, considerando-se as diferenças humans; A participação ativa de gestores e educadores responsáveis pela formação geral e específica, bem como da comunidade em geral; A articulação da instituição com os familiares dos estudantes, com a comunidade local e a sociedade em geral; As necessidades socioeconômicas, culturais, educacionais e afetivas dos estudantes; As condições didático-pedagógicas necessárias à qualidade do ensino e a valorização do trabalho docente; 205 VIII. IX. A escola como um lugar de memória, construindo-se de práticas que incentivem o vínculo entre os sujeitos que a constituem. A promoção das condições de acessibilidade e o desenvolvimento de práticas educacionais inclusivas. Art. 11. Os currículos dos cursos de Educação Profissional Técnica de Nível Médio deverão proporcionar aos estudantes: I. II. III. IV. V. Os elementos para compreender e discutir as relações sociais de produção e de trabalho, bem como as especificidades históricas da vida nas sociedades contemporâneas; Os recursos para sua profissão com idoneidade intelectual, tecnológica e moral, autonomia e responsabilidade, orientados por princípios ético-políticos e compromissos com a construção de uma sociedade justa e fraterna; O domínio intelectual das tecnologias pertinentes ao núcleo politécnico do eixo tecnológico do curso e a sua matriz tecnológica de modo a permitir seu progressivo desenvolvimento profissional e sua capacidade de construir novos conhecimentos; O diálogo com diversos campos da ciência e da cultura como referências fundamentais a uma formação integral; Os instrumentais de cada habilitação, por meio da vivência de situações práticas de estudo e trabalho, experimentos, oficinas, simulações, observações e estágios, sempre referenciados e associados aos processos descritos nas alíneas anteriores. Art. 12. O Ministério da Educação e o Ministério do Trabalho e Emprego, em cooperação com os demais ministérios, subsidiarão os sistemas de ensino na regulação de processos de formação e certificação profissional que possibilitem aos cidadãos o aproveitamento e a validação de saberes profissionais adquiridos em experiências de trabalho e de estudos formais e não formais e a orientação para a educação ao longo da vida, dentro de itinerários formativos coerentes com suas respectivas histórias profissionais. § 1º Para o cumprimento do disposto neste artigo, entende-se por itinerário formativo a identificação das possibildiades de formação que se encontram articuladas, considerando a estrutura sócio-ocupacional e os fundamentos científico-tecnológicos de um dado processo produtivo de bens ou serviços, capaz de orientar o estudante na construção de uma trajetória educacional consistente. § 2º para fins de aproveitamento de conhecimentos, experiências e saberes anteriores de jovens e adultos trabalhadores, as instituições de educação profissional deverão: I. II. Elaborar instrumentos metodológicos de avaliação e validação de conhecimentos, experiências e saberes, a partir da concepção do trabalho como princípio educativo; Realizar avaliação diagnóstica para identificar os conhecimentos, experiências e saberes resultantes de sua trajetória profissional e de vida e, também, as suas insuficiências formativas; 206 III. Reconhecer os conhecimentos, experiências e saberes acumulados com a finalidade de permitir ao trabalhador o prosseguimento nos estudos e exercício profissional; § 3º Somente poderá realizar processos de certificação a instituição devidamente credenciada que apresente em sua oferta o curso técnico de nível médio correspondente previamente autorizado. I. As instituições oficiais dos sistemas públicos de ensino que não tenham o curso técnico correspondente, mas possuam oferta de curso técnico, inscrito no mesmo eixo tecnológico, cujos conteúdos da formação mantenham estreita relação com o perfil profissional a ser certificado, poderão ser credenciadas para a realização dos processos previstos no § 2º deste artigo, a critério do órgão regulador de seu respectivo sistema de ensino. Art. 13. A prática na educação profissional é entendida como o aprendizado necessário ao exercício da profissão, compreendendo atividades específicas em laboratório, investigação sobre as atividades profissionais, projetos de pesquisa e/ou intervenção, visitas técnicas e outras, que se somam à realização do estágio profissional supervisionado como ato educativo, quando este estiver previsto no projeto pedagógico do curso. Art. 14. Os cursos da Educação Profissional Técnica de Nível Médio, de estabelecimentos de ensino oficiais, devidamente autorizados pelos órgãos reguladores de seu sistema de ensino, podem ser reconhecidos como programas de aprendizagem profissional pelo TEM, observado o disposto nas Leis 10.097/00 e 11.788/08 e atos normativos específicos. Art. 15. A realização do estágio profissional supervisionado, quando previsto no projeto pedagógico, deverá estar em consonância com as Diretrizes específicas ditadas pelo Conselho Nacional de Educação, à luz da Lei 11. 788/08. § 1º A carga horária destinada ao estágio supervisionado deverá ser acrescida ao mínimo estabelecido para o respectivo curso, nos termos da legislação e normas específicas. § 2º A carga horária e o plano de realização do estágio supervisionado deverão ser explicitados na organização curricular constante do plano de curso, uma vez que são atos educativos da instituição educacional. § 3º O estágio profissional supervisionado não caracteriza vínculo empregatício do aluno com o órgão concedente e, por extensão, não cria contradição entre o direito do adolescente à educação profissional e sua proteção no trabalho. Art. 16. Os planos de curso, coerentes com os respectivos projetos pedagógicos institucionais, serão submetidos à aprovação dos órgãos competentes dos sistemas de ensino, contendo obrigatoriamente, no mínimo: I. II. Justificativas e objetivos; Requisitos de acesso; 207 III. IV. V. VI. VII. VIII. Organização curricular; Critérios de aproveitamento de conhecimentos e experiências anteriores; Critérios de avaliação; Instalações e equipamentos; Pessoal docente e técnico; Certificados e diplomas. Art. 17. O Ministério da Educação organizará e divulgará em nível nacional, no âmbito do Sistec – Sistema Nacional de Informações da Educação Profissional e Tecnológica, o cadastro nacional de instituições educacionais da educação profissional e tecnológica, e respectivos cursos de Educação Profissional Técnica de Nível Médio, e alunos matriculados e certificados ou diplomados. Art. 18. A expedição e registro dos diplomas de técnico de nível médio é de responsabilidade da instituição educacional credenciada e autorizada pelo órgão competente do sistema de ensino a que pertence, devendo a instituição, o curso e a turma estarem devidamente cadastrados no Sistec para que os diplomas tenham validade nacional. § 1º Os diplomas de técnico, correspondentes à habilitação profissional, deverão mencionar a forma de oferta do curso e o eixo tecnológico ao qual este se vincula. § 2º Os diplomas dos cursos realizados na forma integrada deverão incluir o certificado de conclusão do Ensino Médio, para fins de prosseguimento de estudos. Art. 19. Na formulação e no desenvolvimento da política pública, o Ministério da Educação, por intermédio de sua Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica – Setec e do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais – Inep, em regime de colaboração com os Conselhos Nacional e Estaduais de Educação e demais órgãos dos respectivos sistemas de ensino, promoverá, periodicamente, processo nacional de pesquisa sobre a Educação Profissional Técnica de Nível Médio com as seguintes finaldiades: a) Melhoria da qualidade da Educação Profissional Técnica de Nível Médio; b) Orientação da expansão de sua oferta, para cada eixo tecnológico; c) Promoção da qualidade pedagógica e efetividade social, com ênfase nos aspectos relacionados ao acesso, à permanência, ao êxito no percurso formativo e à inserção socio-profissional; d) Cumprimento das responsabilidades sociais das instituições por meio da valorização de sua missão, da promoção dos valores democráticos, da valorização das diferenças e da diversidade, da afirmação da autonomia e da identidade institucional. Art. 20. A formação inicial para o magistério na Educação Profissional Técnica de Nível Médio realizar-se-á em cursos de licenciatura em consonância com a legislação específica e atos normativos emanados pelo Conselho Nacional de Educação. 208 § 1º Os sistemas de ensino regulamentarão o processo de transição para viabilizar a formação em licenciatura dos profissionais que atuam na Educação Profissional Técnica de Nível Médio. § 2º A formação em licenciatura a que se refere o parágrafo anterior poderá ser organizada em cooperação com o Ministério da Educação, os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia, as universidades públicas e demais instituições de ensino superior públicas. Art. 21. A formação inicial, nos cursos de licenciatura, não esgota o desenvolvimento dos conhecimentos necessários à docência, cabendo aos sistemas e às instituições de ensino a organização e viabilização de planos de formação continuada aos professores da Educação Profissional Técnica de Nível Médio. Art. 22. A formação inicial e continuada dos professores da Educação Profissional Técnica de Nível Médio contemplará, pelo menos, os seguintes eixos: I. II. III. IV. Formação científica, com atenção às necessidades educacionais em cada eixo tecnológico de integração entre ensino-pesquisaextensão, da perspectiva interdisciplinar, do diálogo das ciências do pensamento, humanas, sociais e da natureza com a cultura e com os conhecimentos tecnológicos. Formação tecnológica, considerando a interação entre teoria e prática, a atual complexidade do mundo do trabalho, o aumento das exigências de qualidade na produção e nos serviços, a exigência de maior atenção à justiça social, questões éticas e de sustentabilidade ambiental, necessidades sociais e alternativas tecnológicas. Formação didático-pedagógica, tendo em boa conta as especificidades históricas, sociológicas, filosóficas, econômicas, organizacionais e políticas da educação profissional e tecnológica, incluindo seus conteúdos, métodos, processos de avaliação, identidade de docentes e discentes, gestão de sistemas, redes e instituições e suas relações com o contexto econômico e social, com as políticas sociais e de desenvolvimento. Conhecimentos sobre o desenvolvimento socioecômico-ambiental dos territórios e sobre a diversidade dos sujeitos, das formas de produção e dos processos de trabalho dos diferentes loci onde os cursos ocorrem. Art. 23. Esta Resolução entre em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário e as Resoluções CNE//CEB 4/99 e 1/2005. Fonte: PACHECO, Eliezer. (Org). Perspectivas da Educação Profissional Técnica de Nível Médio: Proposta de Diretrizes Curriculares. Brasília: Fundação Santillana; Moderna, 2012. Pág (s) 125-135. 209 ANEXO C Carta de Roma escrita por João Bosco a seus seguidores salesianos Perto ou longe, eu penso sempre em vós. Meu único desejo é ver-vos felizes no tempo e na eternidade. Esse pensamento e esse desejo é que me levaram a escrever-vos esta carta. Sinto, meus caros, o peso do afastamento, e o fato de não vos ver nem ouvir me aflige como não podeis imaginar. Desejaria por isso escrever-vos estas linhas há uma semana, mas as contínuas ocupações me impediram. Todavia, embora faltem poucos dias para minha volta, quero antecipar minha chegada ao menos por carta, já que não posso fazê-lo pessoalmente. São palavras de quem vos ama carinhosamente em Jesus Cristo e tem obrigação de falar-vos com a liberdade de um pai. Haveis de permiti-lo, não é verdade? E me prestareis atenção e poreis em prática o que vou dizer-vos. Afirmei que sois o único e contínuo pensamento de minha mente. Ora, numa das noites passadas, havia-me recolhido ao quarto, e, enquanto me dispunha a repousar, tinha começado a rezar as orações que minha boa mãe me ensinou. Nesse momento, não sei bem se dominado pelo sono ou fora de mim por uma distração, pareceu-me ver dois dos antigos jovens do Oratório virem ao meu encontro. Um deles aproximou-se e saudando-me afetuosamente me disse: — Dom Bosco, não me conhece? — Se te conheço, respondi. — E lembra-se ainda de mim? — acrescentou o homem. — De ti e de todos os outros. És Valfrè e estavas no Oratório antes de 1870. — Diga — continuou Valfrè —, quer ver os jovens que estavam no Oratório no meu tempo? — Sih, mostra-me — respondi —, isso vai dar-me grande prazer. Então Valfrè mostrou-me todos os jovens com o mesmo semblante, estatura e idade daquele tempo. Parecia-me estar no antigo Oratório na hora do recreio. Era uma cena cheia de vida, movimento, alegria. Quem corria, quem pulava, quem fazia pular. Aqui brincava-se de rã, de barra, ou com bola. Num lugar uma roda de jovens pendia dos lábios de um padre, que lhes contava uma história. Noutro, um clérigo no meio de outros meninos brincava de burro voa e de jerônimo. Cantava-se, ria-se por todos os cantos e em toda parte encontravam-se padres e clérigos, e ao redor deles jovens brincando e gritando alegremente. Via-se que entre jovens e superiores reinava a maior cordialidade 210 e confiança. Eu estava encantado com o espetáculo. Valfrè me disse então: — Veja, a familiaridade gera o afeto e o afeto produz confiança. Isto é que abre os corações, e os jovens manifestam tudo sem temor aos mestres, assistentes e superiores, Tornam-se sinceros na confissão e fora da confissão e se prestam docilmente a tudo o que porventura lhes mandar aquele de quem têm certeza de serem amados. Nesse instante aproximou-se de mim o outro ex-aluno, de barba toda branca, e me disse: — Dom Bosco, quer conhecer e ver agora os jovens que atualmente estão no Oratório? (Era José Buzzetti). — Sim, respondi; porque há já um mês que não os vejo! E apontou-os para mim: vi o Oratório e todos vós no recreio. Mas já não ouvia gritos de alegria e cantos, não via o movimento e a vida da cena anterior. Nos modos e nos rostos de muitos jovens lia-se enfado, cansaço, mau humor, desconfiança que me fazia sofrer o coração. Vi, é verdade, muitos a correr, brincar, agitar-se, com feliz despreocupação, mas muitos outros estavam sós, encostados às colunas, dominados por pensamentos desalentadores; encontravam-se outros pelas escadas e nos corredores ou na sacada perto do jardim para evitar o recreio comum; outros passeavam lentamente em grupos falando em voz baixa, lançando ao derredor olhares desconfiados e maliciosos. Sorriam de vez em quando, mas com um sorriso acompanhado de olhares que faziam suspeitar e até mesmo acreditar que S. Luis haveria de corar se andasse em tal companhia; mesmo entre os que brincavam alguns havia tão enfarados, que mostravam claramente não achar nenhum gosto nos divertimentos. — Viu seus jovens? — perguntou-me o ex-aluno. — Vejo-os —, respondi suspirando. — Como são diferentes do que éramos nós em nosso tempo! — exclamou o ex-aluno. — É Pena! Quanta falta de vontade nesse recreio! — De aí é que vem a frieza de tantos meninos na freqüência dos santos Sacramentos, o desleixo das práticas de piedade na igreja e fora; o estar de má vontade num lugar onde a Divina Providência os cumula,de todo bem para o corpo, para a alma, para a inteligência. De aí não corresponderem muitos à sua vocação; de aí a ingratidão para com os superiores; de aí os segredinhos e as murmurações, com todas as demais deploráveis conseqüências. — Compreendo, entendo — respondi —. Mas como reanimar estes meus caros jovens, para que retomem a antiga vivacidade, alegria, expansão? 211 — Com o amor! — Com o amor? Mas os meus jovens não são bastante amados? Sabes quanto os amo. Sabes quanto por eles sofri e tolerei no decorrer de bem quarenta anos, e quanto suporto e sofro mesmo agora. Quantas privações, quantas humilhações, quantas oposições, quantas perseguições para dar-lhes pão, casa, professores e especialmente para garantir-lhes a salvação da alma. Fiz tudo quanto soube e pude por eles, que são o amor de toda a minha vida. — Não falo do senhor! — De quem então? Dos que me fazem as vezes? Dos diretores, prefeitos, professores, assistentes? Não vês como são mártires do estudo e do trabalho? Como consomem sua juventude por aqueles que a Divina Providência lhes confiou? — Vejo, sei perfeitamente; mas isso não basta. Falta o melhor. — Que é que falta, então? — Que os jovens não somente sejam amados, mas que eles próprios saibam que são amados. — Mas, afinal, não têm olhos? Não têm a luz da inteligência? Não vêem que tudo o que por eles se faz é por amor deles? — Não, repito, isso não basta. — Que é preciso, então? — Que sendo amados nas coisas que lhes agradam, com participar em suas inclinações infantis, aprendam a ver o amor nas coisas que naturalmente pouco lhes agradam, como a disciplina, o estudo, a mortificação de si mesmos; e aprendam a fazer essas coisas com entusiasmo e amor. — Explica-te melhor. — Observe os jovens no recreio. Observei e respondi: — E que há de especial para ver? — Há já tantos anos que vive a educar os jovens e não entende? Olhe melhor! Onde estão os nossos salesianos? Observei e vi que bem poucos padres e clérigos se misturavam com os jovens e bem menos ainda eram os que tomavam parte em seus divertimentos. Os superiores já não eram a alma do recreio. A maior parte deles passeava conversando entre si, sem ligar ao que faziam os alunos; outros olhavam o recreio sem se preocuparem absolutamente com os jovens; outros vigiavam, 212 mas tão de longe que não poderiam perceber se os jovens cometiam alguma falta; um ou outro avisava mas em atitude ameaçadora e bem de raro. Ainda havia um ou outro salesiano que gostaria de intrometer-se no meio dos jovens; vi, porém, que estes procuravam propositalmente afastar-se dos professores e superiores. Então meu amigo continuou: — Nos velhos tempos do Oratório o senhor não estava sempre no meio dos jovens, especialmente na hora do recreio? Lembra aqueles belos anos? Era um santo alvoroço, um tempo que lembramos sempre com saudade, porque o afeto é que nos servia de regra, e nós não tínhamos segredos para o senhor. — Certamente. Tudo então era alegria para mim. Os jovens corriam ao meu encontro, para falar-me; ansiavam por ouvir meus conselhos e pô-los em prática. Vês, porém, que agora as contínuas audiências, os muitos afazeres e minha saúde não o permitem. — Está bem: mas se o senhor não pode, por que seus salesianos não o imitam? Por que não insiste, não exige que tratem os jovens como o senhor os tratava? — Eu falo, canso-me de falar, entretanto muitos não se sentem dispostos a enfrentar os trabalhos como outrora. — E então descuidando o menos, perdem o mais, e esse “mais” são seus trabalhos. Amem o que agrada aos jovens e os jovens amarão o que aos superiores agrada. E assim ser-lhes-á fácil o trabalho. A causa da mudança atual no Oratório é que bom número de jovens não tem confiança nos superiores. Antigamente os corações estavam todos abertos aos superiores, a quem os jovens amavam e obedeciam prontamente. Mas agora os superiores são considerados como superiores e não como pais, irmãos e amigos; são pois temidos e pouco amados. Por isso, se se quiser formar um só coração e uma só alma, é preciso que por amor de Jesus se rompa a barreira fatal da desconfiança e se lhe substitua uma confiança cordial. Guie pois a obediência o aluno como a mãe guia o filhinho; reinará então no Oratório a paz e a antiga alegria. — Como fazer então para romper a barreira? — Familiaridade com os jovens especialmente no recreio. Sem familiaridade não se demonstra afeto e sem essa demonstração não pode haver confiança. Quem quer ser amado deve demonstrar que ama. Jesus Cristo fez-se pequeno com os pequenos e carregou as nossas fraquezas. Aí está o mestre da familiaridade! O professor visto apenas na cátedra é professor e nada mais, mas se está no recreio com os jovens torna-se irmão. Se alguém é visto somente a pregar do púlpito, dir-se-á que está fazendo apenas o próprio dever; mas se diz uma palavra no recreio, é palavra de alguém que ama. Quantas conversões não provocaram algumas palavras suas ditas ocasionalmente aos ouvidos de um jovem enquanto brincava! 213 Quem sabe que é amado, ama; e quem é amado alcança tudo, especialmente dos jovens. A confiança estabelece uma corrente elétrica entre jovens e superiores. Os corações se abrem e dão a conhecer suas necessidades e manifestam seus defeitos. Esse amor faz os superiores suportarem canseiras, aborrecimentos, ingratidões, desordens, faltas e negligências dos meninos. Jesus Cristo não quebrou a cana já partida, nem apagou a mecha que fumega. Eis vosso modelo. Então não se verá ninguém mais trabalhar apenas por vanglória; punir somente para satisfazer o amor próprio ofendido, retirar-se do campo da vigilância tão-somente por ciúme de temida preponderância alheia; murmurar dos outros querendo ser amado e estimado pelos jovens, com exclusão de todos os demais superiores, ganhando nada mais que desprezo e falsas manifestações de carinho; deixar-se roubar o coração por uma criatura e, para fazer-lhe corte, descuidar todos os outros meninos; por amor da própria comodidade julgar de somenos importância o dever importantíssimo da vigilância; por vão respeito humano deixar de advertir quem deve ser advertido. Se houver esse verdadeiro amor, não se haverá de procurar senão a glória de Deus e a salvação das almas. Se vier a definhar, então é que as coisas já não vão bem. Por que se quer substituir à caridade a frieza de um regulamento? Por que se afastam os superiores da maneira de educar que Dom Bosco ensinou? Por que ao sistema de prevenir com a vigilância e amorosamente as desordens, se vai substituindo pouco a pouco o sistema, menos pesado e mais cômodo para quem manda, de impor leis que se mantêm com castigos, acendem ódios e geram desgostos, e se não se cuida de as fazer observar, geram desprezo aos superiores e causam gravíssimas desordens? É o que acontece necessariamente se faltar a familiaridade. Se se quiser, pois, que o Oratório volte à antiga felicidade, reponha-se em vigor o antigo sistema: O superior seja tudo para todos, sempre disposto a ouvir qualquer dúvida ou queixa dos jovens, todo olhos para vigiar-lhes paternamente a conduta, todo coração para procurar o bem espiritual e temporal dos que a Providência lhe confiou. Então, já não haverá corações fechados e não se alastrarão mais certos segredinhos que acabam matando. Somente em caso de imoralidade os superiores sejam inexoráveis. É melhor correr perigo de expulsar de casa um inocente, que conservar um escandaloso. Os assistentes considerem gravíssimo dever de consciência relatar aos superiores tudo o que souberem ser de algum modo ofensa de Deus. Então indaguei: — Qual é o meio mais indicado para que reine essa familiaridade, esse amor e confiança? — A observância exata das regras da casa. — E nada mais? — O melhor prato de um jantar é o bom humor. Enquanto meu antigo aluno acabava de falar e eu continuava a observar com vivo desprazer o recreio, pouco a pouco senti-me abatido por grande canseira, que ia crescendo cada vez mais. E chegou a tal ponto que não podendo mais resistir, estremeci e acordei. Encontrei-me de pé junto à cama. As pernas estavam tão inchadas e me doíam tanto que não podia ficar de pé. A hora já ia muito adiantada, de modo que me deitei resolvido a escrever estas linhas a meus filhos. Desejo não ter sonhos assim, por que me cansam demais. No dia seguinte 214 sentia-me todo moído e não via a hora de descansar na próxima noite. Eis, porém, que, apenas me deitei, o sonho recomeçou. Reaparece o pátio, os jovens que atualmente estão no Oratório, e o mesmo aluno do Oratório. Comecei a interrogá-lo: — Comunicarei aos salesianos o que me disseste; mas que devo dizer aos jovens do Oratório? Respondeu-me: — Que reconheçam quanto superiores, mestres e assistentes trabalham e estudam por amor deles, pois se não fosse pelo bem deles não se haviam de sujeitar a tantos sacrifícios; que se lembrem ser a humildade a fonte de toda tranqüilidade; que saibam suportar os defeitos dos outros, porque a perfeição não é deste mundo, mas somente do paraíso; que deixem de murmurar, porque as murmurações esfriam os corações; e sobretudo que procurem viver na santa graça de Deus. Quem não tem paz com Deus, não tem paz nem consigo nem com os outros. — Queres dizer então que há entre meus jovens alguns que não estão em paz com Deus? — Entre as causas do mal-estar que Dom Bosco conhece, e não vou recordar agora, e às quais deve pôr remédio, esta é a principal. Com efeito, não desconfia senão quem tem segredos a guardar, senão quem teme que tais segredos venham a ser conhecidos, porque sabe que isso lhes traria vergonha e desgraça. Ao mesmo tempo se o coração não está em paz com Deus, fica angustiado, irrequieto, rebelde à obediência, irrita-se por um nonada, parecelhe que tudo vai mal, e por não ter amor, julga que os superiores não o amam. — Entretanto, meu caro, não vês quanta freqüência de confissões e comunhões há no Oratório? — É verdade que é grande a freqüência das confissões, mas o que falta radicalmente em muitos meninos que se confessam é a firmeza nos propósitos. Confessam-se, mas sempre das mesmas faltas, das mesmas ocasiões próximas, dos mesmos maus hábitos, das mesmas desobediências, das mesmas transgressões dos deveres. E vai-se assim para a frente meses e meses, e também por vários anos, e alguns chegam assim até o fim do curso secundário. São confissões que pouco ou nada valem; conseqüentemente não trazem a paz. Se o menino fosse chamado nesse estado ao tribunal de Deus, que desgraça não seria. — E há muitos assim no Oratório? — Poucos em comparação com o grande número de jovens que se encontram na casa. Veja. E apontava. Olhei e vi os tais jovens um por um. Nesses poucos, porém, vi coisas que me amarguraram profundamente o coração. Não quero pô-las no papel, mas quando voltar quero contar a cada um dos interessados. Aqui apenas vos direi que é tempo de rezar e de tomar firmes resoluções: tomar propósitos não com palavras, mas com fatos, e demonstrar que os Comolos, os Domingos Sávios, os Besuccos e os Saccardis ainda vivem entre nós. Perguntei por fim ao meu amigo: — Não tens mais nada a dizer-me? — Pregue a todos, grandes e pequenos, que se lembrem sempre de Maria SS. Auxiliadora. Que ela os reuniu aqui para tirá-los dos perigos do mundo, para que se amassem como irmãos, e para que dessem glória a Deus e a ela, com o bom procedimento; que é Nossa Senhora que lhes providencia pão e meios para estudar mediante graças e portentos. Lembrem-se de que estão na vigília 215 da festa de sua Mãe S., e com sua ajuda deve cair a barreira da desconfiança que o demônio soube erguer entre jovens e superiores, e da qual se aproveita para ruína de certas almas. — E conseguiremos destruir essa barreira? — Sim, certamente, contanto que grandes e pequenos estejam dispostos a sofrer alguma pequena mortificação por amor de Maria e ponham em prática o que eu disse. Entremente, eu continuava a olhar meus jovenzinhos, ante o espetáculo dos que via encaminhar-se para a eterna perdição senti tamanho aperto no coração que acordei. Muitas coisas importantíssimas que eu vi gostaria de contar-vos, mas o tempo e as conveniências não permitem. Vou concluir. Sabeis o que deseja de vós este pobre velho, que gastou toda a vida por seus caros jovens? Nada mais do que, feitas as devidas proporções, retornem os dias felizes do Oratório primitivo. Os dias do afeto e da confiança cristã entre jovens e superiores; os dias do espírito de condescendência e tolerância por amor de Jesus Cristo de uns para com outros; os dias dos corações abertos com toda a simplicidade e candura; os dias da caridade e da verdadeira alegria para todos. Tenho necessidade de que me consoleis, dandome a esperança e a promessa de que fareis tudo o que desejo para o bem de vossas almas. Não conheceis suficientemente que felicidade é a vossa de haverdes sido recebidos no Oratório. Diante de Deus declaro: Basta que um jovem entre numa casa salesiana, para que a Virgem SS. o tome imediatamente debaixo de sua especial proteção, Ponhamo-nos, pois, todos de acordo. A caridade dos que mandam, a caridade dos que devem obedecer faça reinar entre nós o espírito de S. Francisco de Sales. Ó meus caros filhinhos, aproxima-se o tempo em que me deverei separar de vós e partir para a minha eternidade. (Nota do secretário: Neste ponto Dom Bosco suspendeu o ditado; os olhos se lhe encheram de lágrimas, não por desgosto, mas por inefável ternura que ressumava de seu olhar e do tom de sua voz; depois de alguns instantes continuou). Desejo, portanto, deixar-vos a todos, padres, clérigos, jovens caríssimos, no caminho do Senhor, em que Ele próprio vos deseja. Para tal fim, o Santo Padre, que vi sexta-feira, 9 de maio, vos manda de todo o coração sua bênção. No dia da festa de Nossa Senhora Auxiliadora estarei convosco ante a imagem de nossa amorosíssima Mãe. Quero que essa grande festa se celebre com toda a solenidade, e o Pe. Lazzero e o Pe. Marchisio providenciem para que estejamos todos alegres também no refeitório. A festa de Maria Auxiliadora deve ser o prelúdio da festa eterna que deveremos celebrar um dia, todos juntos, no paraíso. Vosso af.mo amigo em J. C. Sac. João Bosco. Data da carta: 10 de maio de 1884 Fonte: © Direzione Generale Opere Don Bosco, via della Pisana, 1111 - 00163 Roma, Italia No Brasil: A Pedagogia de Dom Bosco em seus escritos", Editora Salesiana, 2004, São Paulo, pág. 14 - 22.