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ATRIBUNA VITÓRIA, ES, QUINTA-FEIRA, 02 DE ABRIL DE 2015
Reportagem Especial
LEI SECA
Medo de espionagem esvazia bares
RODRIGO GAVINI/AT
Donos de bares dizem
que a presença de
policiais disfarçados
espanta os clientes
dos locais, provocando
prejuízos e demissões
Francine Spinassé
Luciana Almeida
presença de policiais disfarçados, vigiando de perto
clientes que ingerem bebida
alcoólica e depois assumem a direção de veículos, tem causado prejuízos e até demissões em bares na
Grande Vitória.
Segundo empresários, apesar de
serem a favor da Lei Seca e de fiscalizações nas ruas, a medida de
colocar “espiões” dentro dos bares
tem afastado clientes. Eles pedem
mudança na forma de abordagem.
O presidente do Sindicato dos
Restaurantes, Bares e Similares do
Espírito Santo (Sindbares), Wilson
Calil, afirmou que, por causa da
medida, muitos comerciantes dispensaram pessoal.
“Hoje, cerca de 30% das demissões são motivadas pela redução do
movimento dos bares, por causa da
abordagem da Polícia Militar, além
de medidas do fechamento das casas mais cedo, como acontece na
Serra. Isso leva, automaticamente,
à redução do faturamento”, disse.
O sócio-proprietário do Ensaio
Botequim, na Praia do Canto, Bruno Meneguelli, afirmou que a presença do policiamento reservado
tem sido um dos motivos pelo qual
a casa teve uma queda de 35% no
faturamento, nos últimos meses.
A
WILSON CALIL (terceiro à direita) entre gerentes e proprietários de bares de Vitória: setor aponta queda no movimento devido às abordagens da polícia
“A gente sente que os clientes se
preocupam com a possibilidade de
estarem sendo vigiados o tempo
todo. Só do nosso bar, tivemos relatos de pelo menos dois clientes que
foram abordados ao sair daqui.”
Outros empresários e gerentes
de bares da região, como Partido
Alto, Bilac, Django e Abertura,
também relataram queda no movimento nos últimos meses.
O proprietário do Bar do Ceará,
Lourival Nepomuceno Silva Filho,
também falou sobre a queda no faturamento por conta das abordagens e da crise econômica.
“Esse medo de ser vigiado influencia diretamente no volume
das pessoas. Estão priorizando o
policiamento reservado nisso, sendo que bandidos estão nas ruas.”
Em Jardim Camburi e Jardim da
Penha, Vitória, empresários também comentaram o reflexo negati-
DONO DE BAR EM JARDIM DA PENHA
A gente sente
que os clientes
se preocupam com
essa possibilidade de
estarem sendo vigiados
o tempo todo
“
”
Bruno Meneguelli, sócio-proprietário
do Ensaio Botequim
ANÁLISES
“Tratam clientes como bandidos”
Ao ver o faturamento de seu bar
cair 30% nos últimos meses, por
conta das abordagens com policiais
disfarçados, um comerciante de
Jardim da Penha, Vitória, afirmou
que já teve de reduzir sua equipe.
O comerciante, que preferiu não
ser identificado, contou que, em
uma noite, cerca de 40 clientes foram abordados ao sair do local.
vo das abordagens da forma que
estão sendo feitas.
O sócio-proprietário do Mãe
Joana, em Jardim Camburi, Ramon Cavatti, afirmou que a região
de bares do bairro também tem sido alvo de policiais disfarçados.
“Muitas pessoas, até que moram
no próprio bairro, estão deixando
de sair. Ainda não tivemos que demitir, mas, com a queda de 20% no
movimento, corremos o risco.”
A TRIBUNA – A que o senhor
credita a queda no movimento?
COMERCIANTE – Em grande
parte, à presença de policiais disfarçados. O movimento já vinha
caindo, mas nos últimos 20 dias se
acentuou, depois de algumas operações no meu bar. Tive de demitir
quatro garçons e uma cozinheira.
Teve um dia em que 40 clientes foLEONARDO DUARTE/AT
DONO DE BAR em Vitória disse que clientes estão com medo de ir ao local
ram abordados e multados. As
pessoas estão com medo e param
de vir. Muitas vezes, beberam duas
cervejas e moram perto.
> Mas não acha que quem bebe e dirige tem de ser punido?
Não sou contra a Lei Seca e acho
que tem de fiscalizar, mas onde
tem riscos de acidente. Se a medida é para inibir acidentes, que não
façam isso dentro do bairro. Quero
saber quantos atropelamentos e
acidentes graves aconteceram
dentro de Jardim da Penha. Eles
estão colocando a responsabilidade para os comerciantes.
> Os clientes têm reclamado?
Estão deixando de sair, achando
que no meu bar vão ser vigiados
pela polícia. Os conceitos estão
sendo mudados. Não dá para sair a
pé com medo da violência, mas
quanto a isso não fazem nada. Mas
os clientes, mesmo os que bebem
pouco, saem com o carro e são
abordados na esquina. Um deles, a
radiopatrulha fechou o veículo e
saiu com arma na mão. Estão tratando os clientes como bandidos.
“Medida é uma total
falta de privacidade e
o efeito é desastroso”
“Esse tipo de abordagem é um total desrespeito à privacidade das
pessoas, que perdem o direito de se
divertir com tranquilidade.
A polícia tem de fazer blitze em
vias públicas, mas não ficar do lado
das pessoas nos bares e restaurantes vigiando. Em qualquer local que
se noticiar que tinha a presença de
“Abordagem é
preventiva e didática.
Não há ilegalidade”
“Juridicamente, não há nenhuma
ilegalidade no fato da Polícia Militar
utilizar o policiamento reservado
para observar quem está cometendo um crime e fazer a abordagem.
No caso do cumprimento da Lei
Seca, a abordagem é preventiva e
didática. Não há ilegalidade nisso,
já que se trata de um flagrante es-
Rivelino do Amaral,
advogado e professor de
Direito Penal
um policial disfarçado, esse bar ou
restaurante vai ter seu comércio
esvaziado. O efeito é desastroso.
Essas situações também se assemelham a um flagrante preparado, que estabelece que não há crime quando a preparação do flagrante pela polícia torna impossível
a sua consumação.”
Carlos Eduardo
Ribeiro Lemos, juiz da
7ª Vara Criminal de Vitória
e professor da FDV
perado. O outro tipo de flagrante,
que é o provocado, torna-se nulo
juridicamente, já que, nesses casos, o policial incita a prática de um
crime.
Quanto à privacidade das pessoas, nesse caso não é também invadida, já que as pessoas estão bebendo em locais públicos”.
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"Abordagem é preventiva e didática. Não há ilegalidade"