Código Florestal: a seguir cenas dos próximos capítulos1
Li essa semana, em um jornal de grande circulação nacional, depois da votação da última 3ª
feira no Senado, que enfim a novela do código florestal chegou ao seu desfecho. Errado! Por
pelo menos três motivos.
O primeiro motivo é que Dilma pode - e em nossa opinião deve, vetar alguns dispositivos do
texto aprovado pelo Parlamento. Senão por razões jurídicas ou constitucionais, com certeza
por ferir o interesse público (ambiental) nacional. Só a título exemplificativo, merecem veto,
dentre outros dispositivos, os parágrafos 4º 2, 5º 3 e 13 4 do Artigo 61-A, pois ampliam
injustificadamente a anistia ao reduzir a recomposição e consequentemente a proteção de
mata ciliar e nascentes, em benefício de grandes proprietários5.
Tem agora a Presidenta uma segunda chance de fazer valer sua palavra6. Será ela complacente
com mais anistia aos desmatadores ilegais, contrariando seu compromisso de campanha?
Permitirá que grandes proprietários de terras infratores da legislação ambiental se livrem da
responsabilidade de recompor integralmente a mata ciliar e as nascentes?
O segundo motivo é que o novo texto é desprovido de razoabilidade, proporcionalidade e
equidade na diferenciação de tratamento entre os proprietários rurais que cumprem e os que
descumpriram a lei. Cabem questionamentos consistentes de ordem constitucional tanto em
ações judiciais difusas por todo território nacional (o chamado controle difuso de
constitucionalidade), quanto por meio de ação (ou ações) direta(s) de inconstitucionalidade (o
chamado controle concentrado de constitucionalidade).
Não cabe aprofundar este assunto estritamente jurídico neste momento, mas o que
acontecerá com a segurança jurídica tão defendida e propalada pela bancada ruralista no
parlamento se o artigo 61-A, por exemplo, for julgado inconstitucional (total ou parcialmente)
por ferir os princípios constitucionais da razoabilidade, proporcionalidade, isonomia, função
social da propriedade rural e do desenvolvimento sustentável?
1
André Lima, advogado (OAB-DF 17.878), Mestre em Gestão e Política Ambiental pela UnB, Assessor Especial de
Políticas Públicas do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia, Consultor Jurídico da Fundação SOS Mata
Atlântica, Sócio-fundador do Instituto Democracia e Sustentabilidade e membro da Comissão de Direito Ambiental
da OAB-DF.
2
O §4º (incisos I e II) do artigo 61-A reduz a recomposição das APPs ciliares de imóveis com área entre 4 e 15
módulos fiscais de 30 para 15 metros e nos imóveis com área superior a 15 MF define o mínimo de 20m de
recomposição de APP.
3
O §5º do 61-A reduz a recomposição de APP de nascentes de 30 para 15 metros.
4
Estabelece parâmetros técnicos para recomposição de APP permitindo inclusive a recomposição de mata ciliar
com espécies frutíferas exóticas.
5
As alterações promovidas na Medida Provisória pela Câmara e chanceladas pelo Senado beneficiam propriedades
com até 1500 hectares da Amazônia e 1000 hectares na Mata Atlântica consolidando desmatamentos ilegais de
matas ciliares e em margem de nascentes.
6
Na primeira oportunidade que teve a Presidenta Dilma vetou perifericamente. Com o veto homeopático driblou a
Rio+20 e devolveu a matéria para sua agrobase parlamentar na Câmara dos Deputados decidir. O Senado apenas
chancelou. E o resultado foi mais anistia, mais consolidação de desmatamento ilegal, mais redução de área
protegida e mais redução de recuperação de área de preservação permanente.
E o terceiro (e não menos importante) motivo é que agora começa de fato a peleja real no
chão e nos gabinetes do governo. Acabou o palco para o discurso fácil do tipo “essa lei
compatibiliza produção agropecuária com proteção ambiental”, ou o que também foi muito
dito que “é possível ser potencia ambiental e agropecuária”. Vamos à prática. Agora é lei,
certo? Agora é pra valer? É o que veremos...
Entramos na fase de regulamentação da nova lei, oportunidade em que tanto o governo
federal quanto os governos estaduais deverão esclarecer as lacunas, eliminar as ambiguidades
e dizer como será sua implementação.
Apesar do prazo definido pela Lei já estar contando desde maio último (vence em 25 de
novembro), até agora o Ministério de Meio Ambiente não abriu diálogo direto com as
organizações do campo socioambiental a respeito. Na regulamentação há espaço para
recuperar ou ampliar perdas importantes para a produção rural sustentável. Teremos
surpresas nos atos normativos que regulamentarão a nova lei rural? A sociedade terá
oportunidade de participar desse processo em tempo de evitar novos “consensos duvidosos”
ou retrocessos?
Exponho a seguir algumas perguntas que indicam alguns dos desafios que teremos que
enfrentar seja como governo, sociedade civil, setor privado, acadêmico, ambientalista ou
ruralista:
- teremos uma política e um programa nacional de florestas robusto que ofereça, em prazo
razoável e compatível com o proposto pela Lei, as condições materiais, tecnológicas, humanas
e financeiras objetivas para que as áreas de preservação permanente e reservas legais sejam
de fato recompostas em escala no País?
- haverá transparência e controle social suficientes sobre a implementação dos planos de
regularização ambiental e respectivos sistemas de licenciamento, monitoramento e
cadastramento ambiental rural nos estados?
- os órgãos ambientais (federal e estaduais) vão aplicar as sanções necessárias aos infratores
que desmataram ilegalmente após a data de “anistia” ou consolidação rural (julho de 2008)?
- qual será o programa de incentivos econômicos (crédito e incentivos fiscais) para beneficiar
os proprietários (principalmente os pequenos) que cumpriram a lei ou que aderirem
voluntariamente aos programas de regularização ambiental?
Infelizmente ouvi, há poucos meses atrás, da boca de uma importante autoridade em meio
ambiente da Confederação Nacional de Agricultura que, em no máximo cinco anos, - prazo
para implementação do cadastramento ambiental rural em todo país (estranha coincidência?),
seremos obrigados a rever a Lei novamente porque o governo e os produtores rurais não serão
capazes de cumpri-la. Temo sinceramente que essa não seja somente uma aposta pessoal do
alto dirigente dessa importante instituição corporativa.
Enfim, a novela do código florestal deve se converter agora em um longo seriado que promete
muita emoção e demandará muito trabalho pelos próximos cinco anos. Não perca!
Download

"Código Florestal, uma novela sem fim", por André Lima