2 D E S TA Q U E
PÚBLICO•SEGUNDA-FEIRA, 23 JUN 2003
INTERNET
FOTOS DAVID CLIFFORD
A nova Ágora
da democracia,
ou quando
a política chega
à blogosfera
A comunidade de blogues nacionais cresce de dia para dia,
existindo muitas centenas, a caminhar para um milhar. O
fenómeno ganhou maior proporção durante a guerra no
Iraque e foi precisamente nesse período que alguns blogues
construiram uma fronteira ideológica. A fase efeverscente
ainda se mantém
MARIA JOSÉ OLIVEIRA
No Brasil, a blogosfera conta
com mais de três mil blogues. Em Portugal, existem
perto de mil. Mas a erupção
do fenómeno, nascido no ano
passado, parece estar agora
a revelar-se e ilustra-se com
a apresentação diária de
dezenas de blogues. Basta
observar a lista disponível
em blogsempt.blogspot.com,
à qual já aderiram, entre outros, Francisco José Viegas
(aviz.blogspot.com), Jorge
Ferreira (22blog.com/jf2003/
), Miguel Vale de Almeida
(valedealmeida.blogspot.com)
e Nélson de Matos (textosdeco
ntracapa.blogspot.com). Para
meados de Julho, e depois de
José Pacheco Pereira (ver
caixa), é a vez de o deputado
socialista José Magalhães
entrar na blogosfera com um
prolongamento do seu Ciberscópio, publicado no jornal “A
Capital”.
Muitos dos blogues nacionais são meramente acessórios, adoptando registos
diarísticos, que, aparentemente, só interessam a quem
os produz. Outros, são tidos
como uma espécie de serviço
público: a eles afluem um elevado e diversificado número
de leitores; neles se podem
ler comentários, opiniões
e textos de divulgação que
abrangem desde a política
à literatura, passando pela
educação e ideias, até às artes
e ao humor. Neste contexto,
existem blogues temáticos,
que cingem os seus escritos,
por exemplo, ao jornalismo,
e blogues que mesclam propostas. Entre estes últimos,
encontram-se algumas das
páginas mais interessantes
da blogosfera. E é significativo que sejam vincadamente
politizados.
No rol de blogues políticos
— e aqui não se incluem
aqueles que pecam pelo puro
“exibicionismo político”,
como foi aludido no Desejo
Casar — a fronteira faz-se
entre a direita conservadora
e a esquerda distante do centro. Que edificaram um muro
ideológico naquela que foi a
fase mais politizada na blogosfera: durante a guerra no
Iraque. Assunto que, além de
ter incrementado uma clara
clivagem de posições, desencadeou a discussão de muitos
outros temas e acontecimentos políticos.
Em termos exclusivamente
quantitativos, é longa a distância que separa a direita
e a esquerda: os esquerdistas
estão representados num
reduzido número de blogues,
enquanto a galáxia da direita
não pára de aumentar, sendo
até mais organizada (veja-se
a criação da União dos Blogues Livres — organização
interblogacional contra o
perigo totalitário marxista
na blogosfera, que congrega
dezenas de blogues).
“A vida política
é uma chatice”
A disparidade política,
contudo, pode também ser
desvalorizada e entendida
como mais um elemento de
uma “realidade mais complexa”. Pelo menos, é esta a
posição de Pacheco Pereira
(abrupto.blogspot.com),
que, nas suas reflexões sobre
blogues, escreveu o seguinte:
“O que se passa em alguns
blogues políticos é que existe
uma forte tendência autoproclamatória, de autoclassificação, que acompanha quase
sempre uma maior pobreza
analítica, a dificuldade de
pensar a política como uma
actividade complexa, que,
em territórios como estes, só
sobrevive se for associada a
uma mais vasta perspectiva
cultural e social. Quem chega
Como encontrar os
blogues mais importantes
O aumento do número de blogues nacionais tem vindo a ser acompanhado
pela criação de novas páginas de busca,
que permitem ao visitante encontrar
facilmente qualquer endereço. No
blogsempt.blogspot.com, está disponível, por ordem alfabética, a lista integral dos blogues portugueses (715 na
contagem de ontem); através da morada blogo.no.sapo.pt, estão arrumados
por categorias, o que torna a procura
mais rápida; o frescos.blogger.com.br
dá informação sobre as últimas actualizações de cada blogue, com ligação
imediata para cada um deles; e existe
ainda o postodeescuta.blogspot.com,
que faz uma selecção diária de comentários, serviço que dá muito jeito aos
bloguistas que não têm tempo.
assim tem a tentação de plantar a bandeira logo, marcar o
território e escolher lado.
Depois faz sempre batalhas
de posição, e essas batalhas
não nos ensinam nada.”
Blogues políticos
são os mais visitados
A resposta a esta e a outras
considerações de Pacheco Pereira veio de O País Relativo
(paisrelativo.blogspot.com) —
“as juventudes do PS”, como o
eurodeputado do PSD insinua
na sua última crónica no PÚBLICO —, assinada por Rui
Branco e Pedro Machado: “O
melhor dos leitores de Bourdieu, Pacheco Pereira marca
a agenda do que há e não há
para discutir, (só) propõe temas de relevo e reserva para
si certos tópicos apetecíveis.
Esta tentativa para impor como legítima uma certa (a sua)
visão das divisões e para apresentar como natural aquilo
que resulta de uma (a sua)
construção revela uma pulsão totalitária iniludível. O
Abrupto quer transformar-se
na rotunda dos Produtos Estrela da blogosfera e Pacheco
no seu polícia sinaleiro.”
Independentemente das
divergências, os blogues
políticos continuam a enfileirar-se na dianteira dos
blogues mais visitados. Os
novos contornos do debate
magnetizam a curiosidade
da maioria dos visitantes e
daí deriva uma profícua interactividade entre bloguistas e leitores. Seja através
das caixas de comentários
disponibilizadas por alguns
blogues, seja através do envio
de “e-mails”. E note-se que entre os blogues marcadamente
políticos, são extremamente
ténues as colagens partidárias, sendo até, em alguns
casos, recusadas. Para João
Pereira Coutinho, da desaparecida Coluna Infame (ver
caixa), a gradual abertura de
blogues por políticos explica-se assim: “A vida política
é uma chatice, um tédio. São
vidas tristes.” Na blogosfera,
por enquanto, ainda não há
rumores entediantes. ■
D E S TA Q U E
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PÚBLICO•SEGUNDA-FEIRA, 23 JUN 2003
OS BLOGUES DA DISCÓRDIA
Fazer uma selecção na blogosfera não é tarefa fácil. O PÚBLICO escolheu,
de entre os blogues politizados, sete espaços onde os textos revelam maior
consistência. E optou por manter a Coluna Infame, apesar do seu recente
desaparecimento. O fecho deste blogue não lhe retira importância nem
estanca os seus efeitos, pelo que é legítima a sua inclusão nesta mostra.
MARIA JOSÉ OLIVEIRA
Pacheco Pereira “perde
tempo” com blogues
abrupto.blogspot.com
Quando Pacheco Pereira chegou à blogosfera, nos primeiros dias de Maio último, a incredulidade tomou
conta dos bloguistas. O eurodeputado encontra uma
explicação para o cepticismo: “Fiquei com a ideia que
achavam pouco provável que alguém com fácil acesso
aos outros meios de comunicação e com muito que
fazer, não iria ‘perder tempo’ num blogue. Durante
alguns dias prolongou-se uma discussão em torno da
verdadeira identidade da abreviatura JPP. Até ao
“post” de 7 de Maio, no qual o eurodeputado do PSD
decidiu “tirar todas as dúvidas”: em jeito de pré-publicação, transcreveu o primeiro parágrafo do texto que
havia escrito para o PÚBLICO e que seria publicado
no dia seguinte. As reacções
efusivas não
se
fizeram
esperar.
No excerto
do soneto de
Sá de Miranda, que serve
como cartão
de apresentação do Abrupto
— “m’espanto
às vezes, outras m’avergonho” — e nos “posts” debutantes do blogue, Pacheco Pereira levantou o véu sobre
as suas propostas de reflexão. Que vão desde tertúlias
literárias virtuais, passando por comentários sobre a
actualidade nacional e internacional, até a mini-análises do fenómeno bloguístico. Desenganem-se, pois,
aqueles que julgam ali encontrar textos testamentários
exclusivamente sobre política. Denunciando que, “nos
últimos 20 anos”, chegou a utilizar o pseudónimo de
Abrupto para discorrer sobre arte, literatura e cinema
em “vários obscuros jornais e revistas”, Pacheco Pereira afirma: “Existe uma ideia muito reducionista do
que é a actividade política e do que são os políticos”. E
interroga: “Porque razão é que de mim se espera que
eu fale apenas de política?”.
Pacheco Pereira foi o primeiro político a entrar na
blogosfera. Para já, parece retirar satisfação da “verdadeira dialéctica” com o exterior. E não esconde um
certo orgulho: “Não me queixo da resposta de quem
me lê. O Abrupto teve já cerca de 25 mil ‘pageviews’
em duas semanas.” É obra. Além do Abrupto, que é
actualizado quase diariamente (as pausas acontecem
por obrigação das constantes viagens), Pacheco Pereira abriu recentemente o Estudos sobre o Comunismo,
blogue homónimo de uma publicação editada entre
1983 e 1985. A ideia de ressuscitar a revista, dedicada ao
estudo científico do comunismo, em formato “on line”
era já um “projecto antigo”. “Arranquei com o blogue
como instrumento de trabalho regular, em contacto
com outros investigadores”, conta, acrescentando, porém, que a versão virtual serve apenas como “instrumento activo de investigação e registo bibliográfico”.
A intenção é, afirma, “agrupar num sítio mais estável
os produtos finais”. O Abrupto, esse, vai de vento em
popa, ascendendo à galeria dos blogues mais visitados.
Apesar da larga afluência de leitores, Pacheco Pereira
diz que o Abrupto “é um entre 500”.
“Primus inter pares”
colunainfame.blogspot.com
A denúncia da tortura e a tradução da crueldade da
Inquisição no século XVII singularizaram “A história da coluna infame”, livro seminal de Alessandro
Manzoni, romancista, poeta e político do século XIX.
Entende-se, pois, como reveladora a escolha do título
do blogue de Pedro Mexia, Pedro Lomba e João Pereira Coutinho: em várias dimensões, a Coluna Infame
foi pioneira e ímpar, tendo mesmo involuntariamente
contribuído para experiências miméticas.
Com
um
número de
visitas que ascendia a meio
milhar por
dia, o blogue
depressa se
converteu numa referência
incontornável,
sustentada
pela qualidade dos seus
textos. Gravitando em torno das artes, da política ou
da literatura, a Coluna Infame, posicionada na direita
conservadora, revelou escritos pertinentes, críticos
e desafiantes, ao mesmo tempo que, porventura sem
esse propósito, ganhou funções didácticas.
Os três autores acabaram por transformar a relação do leitor com o blogue numa discussão contínua
que manteve desperto o espírito crítico e o “prazer
intelectual”, aludido por Mexia, era notório. Sem
uma obediência estrita à actualidade, a Coluna Infame permitiu “ressuscitar um certo tipo de escrita”
baseado na “precisão e concisão”, explicou Pedro
Lomba, admitindo que espera “daqui a uns anos
saltar para um jornal”.
Apesar de as questões políticas não terem sido
dominantes, foram elas que provocaram as maiores
controvérsias com outros bloguistas. “Sou defensor de
uma certa agressividade”, apontou Mexia. Não poucas
vezes, João Pereira Coutinho foi acusado de assumir
posições extremistas ou de ser demasiado truculento e
agressivo. “Esses comentários provêem de uma certa
ignorância histórica. Os 48 anos de ditadura retiraram
a política das ruas”, argumentou, sublinhando que
continua a estranhar-se a “frontalidade”. “Se lessem
a prosa jornalística da I República, viam que eu não
passo de um menino de coro”, acrescentou.
A Coluna Infame acabou no passado dia 10.
Um desentendimento interno e uma consequente
cisão resultou no fecho do blogue. Mas há novidades: Pedro Mexia e Pedro Lomba já regressaram
(dicionariodiabo.blogspot.com e flordeobsessao
.blogspot.com respectivamente); e João Pereira
Coutinho prepara-se para abrir um “site” pessoal
com várias componentes, entre elas um blogue, um
arquivo de textos seus publicados nos últimos sete
anos e “links” para várias publicações.
Blogue familiar
blog-de-esquerda.blospot.com
Nasceu no primeiro dia do ano. E seis meses depois,
o “Blogue” de Esquerda (BdE) recebe já cerca de 400
visitas diárias, numa impressionante contabilidade
somente partilhada com a
Coluna Infame (entretanto dissolvida),
o Abrupto e
o Blogue dos
Marretas. O
seu “cartão
de
visita”
refere que ali
se escreve sobre “Política,
Cultura, Ideias, Opiniões, Manifestos e Etc.” — e
neste “etc.” cabem por vezes trechos sentimentais.
Um fenómeno
com seis anos
2003 marca a data da explosão dos weblogs em Portugal.
Em Janeiro deste ano, Pedro Fonseca criava aquela
que é a mais fiável lista de weblogs lusos, em http://
blogsempt.blogspot.com. Tinha na altura cerca de 150
blogs indexados. Na última consulta que fiz tinha 690. E
nem sequer vale a pena fixar este número porque o número
crescerá depressa e arriscava-me mesmo a dizer que
ultrapassará os mil antes do final deste mês
ANTÓNIO GRANADO
Quando Dave Winer fez aquele que
é considerado o primeiro “post” de
sempre num “weblog”, no já longínquo dia 1 de Abril de 1997, estava
certamente longe de imaginar o fenómeno global que iria desencadear.
Desde o início da World Wide Web
que muitos cibernautas faziam as
suas páginas na Internet e aí colocavam ligações para outras páginas
que consideravam interessantes. No
entanto, apesar desta ligação próxima, as primeiras páginas construídas
na WWW não podem nem devem ser
consideradas como sendo os primeiros exemplos de “weblogs”. A palavra
“weblog” — como sinónimo de uma
página ordenada cronologicamente,
onde um autor coloca periodicamente as suas próprias ideias ou ligações
para outras páginas que considera
interessantes — só aparece pela
primeira vez em Dezembro de 1997
pela mão de Jorn Barger.
Mas foi preciso esperar dois anos
para que as coisas tomassem um
rumo nunca antes esperado. No
dia 23 de Agosto de 1999 foi criado o
Blogger.com, uma ferramenta gratuita para criação de “weblogs”, que
revolucionou a edição de textos na
Web. Em 3 de Setembro de 2000, a Pyra
acrescentou a cereja em cima do bolo
ao criar o Blogspot.com, um “site” que
aloja gratuitamente milhares de “weblogs”, em troca de anúncios colocados
no topo das páginas. O sucesso foi tal
que, em pouco mais de dois meses (a 7
de Novembro de 2000), o Blogspot viu
nascer o seu blogue nº 10.000.
Na passada semana, o Blogger
anunciou que tem 1,5 milhões de
utilizadores registados, ainda que
muitos “weblogs” não tenham mais
do que alguns “posts”, ou tenham sido
abandonados há muito. Aliás, várias
tentativas têm sido feitas ao longo dos
anos para descobrir quantos “weblogs”
estão activos no mundo inteiro. Uma
das mais sérias tem algumas semanas
e pode ser consultada no endereço http://www.idlewords.com/crawler/
crawl_report.pl. Na altura em que o
consultei para escrever este artigo,
contavam-se 463.994 blogs, sendo o
português actualmente a segunda língua mais falada na blogosfera, muito
por culpa dos brasileiros.
Em Portugal, o fenómeno dos
“weblogs” terá começado no início
de 1999. Ao contrário do que podem
fazer crer alguns artigos publicados
em jornais e revistas nos últimos
meses, os blogs sobre jornalismo ou
política estão longe de ser a maioria
ou de sequer terem iniciado a moda
em Portugal. Há alguma discussão
entre os cibernautas sobre o que é ou
não um “weblog” mas, seja qual for
a definição que adoptemos, entre os
primeiros “sites” portugueses a aderir
a este fenómeno estão certamente o
Macacos Sem Galho, o Gildot.org, o
Dee’s Life, o Altas Doses de Cafeína, o
Nonio.com, o Velouria.org, o Sonhos
Virtuais e o Hiperbock, todos criados
ainda no século passado.
Mas não há dúvida nenhuma que
2003 marca a data da explosão dos “weblogs” em Portugal. Em Janeiro deste
ano, Pedro Fonseca criava aquela que
é a mais fiável lista de “weblogs” lusos,
em http://blogsempt.blogspot.com.
Tinha na altura cerca de 150 blogs
indexados. Na última consulta que
fiz tinha 690. E nem sequer vale a
pena fixar este número porque, na sequência deste destaque do PÚBLICO
e de outros artigos que durante esta
semana serão publicados noutros órgãos de comunicação social, o número
crescerá – como é costume acontecer
sempre que os “media” falam de blogues —, e arriscava-me mesmo a dizer
que ultrapassará os mil antes do final
deste mês.
A este súbito interesse dos media
pela blogosfera, e consequentemente
dos seus leitores, não é alheio o facto
de, nos últimos meses, algumas personagens mediáticas terem criado
o seu próprio “weblog”. Depois dos
blogs de política, à esquerda e à direita
(que nasceram como cogumelos), foi
o aparecimento do Abrupto – http://
abrupto.blogspot.com – de José Pacheco Pereira que trouxe para a ribalta
este fenómeno até então circunscrito
a umas centenas de aderentes em Portugal. Goste-se ou não do que escreve o
seu autor, não há dúvida que depois do
nascimento do Abrupto se nota uma
maior efervescência na blogosfera
portuguesa, com “weblogs” a serem
criados todos os dias, tornando impossível o seu acompanhamento mesmo
pelos mais dedicados cibernautas.
Esta explosão trará inevitavelmente crises de crescimento. Haverá
“weblogs” que não compreenderão o
ambiente de crítica aberta que se vive
na blogosfera, outros que não estarão
preparados para persistir na exigente
tarefa da escrita diária, outros ainda
que se cansarão facilmente de escrever
para leitores imaginários que nunca
(ou quase nunca) aparecem — é bom
nunca esquecermos que o acesso à Internet é ainda um privilégio de uma fatia muito estreita da população. Mas a
pluralidade de vozes que esta explosão
trouxe à Internet portuguesa só pode
ser positiva, como é positiva a pluralidade de órgãos de comunicação social
na esfera pública. Como acontece com
outros sectores da sociedade, os mais
bem escritos, mais interessantes, mais
persistentes resistirão e ganharão cada
vez mais credibilidade. Os outros desaparecerão sem deixar qualquer rasto.
Será a selecção natural aplicada à
blogosfera. ■
*Jornalista do PÚBLICO e
““weblog”ger” desde Janeiro de 2001
P.S. – Agora que o artigo terminou,
talvez se tenha tentado a criar o seu
próprio “weblog”, para ver como é.
Sente-se ao computador, ligue-se à Internet, vá a http://www.blogger.com
e inscreva-se. Em menos de cinco minutos, terá o seu próprio blog para
escrever o que lhe apetecer. Seja
bem-vinda/o.
4 D E S TA Q U E
PÚBLICO•SEGUNDA-FEIRA, 23 JUN 2003
INTERNET
Adiante.
Os irmãos José Mário Silva, 31 anos, jornalista
e poeta, e Manuel Silva, 26 anos, doutorando em
Ciências Musicais, em Paris, são os autores do BdE,
que conta também com as colaborações regulares
de Daniel Oliveira, Sandra Augusto França, Filipe
Moura e Fernando Venâncio. Perante a corruptela
da sua denominação, há uma questão que se impõe:
qual a relação do “Blog” de Esquerda com o Bloco de
Esquerda? José Mário esclarece: “Existe uma proximidade ideológica, mas fizemos questão de não ter
qualquer ligação ao Bloco. Até porque em muitos
aspectos não estamos de acordo com as linhas do
BE. É preciso separar as águas”, diz. E acrescenta:
“Isto é um espaço de liberdade a sério”. Um espaço
que, segundo o “post” inaugural, aspira a tornarse num “fórum aberto a todos os que se sentem à
esquerda das esquerdas convencionais”.
A intenção estendeu-se igualmente à direita e,
na verdade, outra coisa não seria possível, já que
o mapa político da “blogosfera” tem vindo a ser dominado pelos conservadores (e demais variações).
Facto para o qual José Mário Silva não encontra
muitas explicações. Tem, no entanto, uma certeza:
“Na ‘blogosfera’ não existem diferenças sociais, culturais ou geográficas. Não se trata de um reflexo da
sociedade, mas se pegarmos em 20 ou 30 blogues é
possível traçar um perfil”. Entre outras disparidades que podem ser nomeadas, aquela que adquire
um cariz mais estimulante é a que envolve o debate político. Basta espiar as reacções dos bloguistas
– por vezes, um “post” leva a outro e a outro e a outro
– e o elevado índice de comentários suscitados pelas
questões políticas e partidárias.
Há muito que José Mário se faz acompanhar de
um caderninho, daqueles onde se vai anotando frases e pensamentos soltos. Agora, as folhas brancas
servem também para esboçar os “posts” diários do
BdE. José Mário admite: “Isto é viciante”. E isso traduz-se numa das primeiras impressões que revela
– “Tenho a sensação que faço isto há dois anos”.
Agência de notícias
da blogosfera
cruzescanhoto.blogspot.com
O Cruzes Canhoto! é um daqueles blogues que deixam
o leitor a balançar entre a estupefacção e a pergunta
“mas estes tipos não fazem mais nada?”. Explique-se:
a escrita diária de “posts” é não só pautada por um
impressionante acompanhamento da actualidade
(nacional e internacional), como também se faz
acompanhar
por um ou
mais “links”
que remetem
para as mais
variadas
moradas da
Net e poupam
trabalho ao
visitante.
A
megaprodução do
Cruzes é assegurada por apenas duas pessoas — Nuno Guerreiro
(assina N), 30 anos, bibliotecário, e Jorge Palinhos
(J), 25 anos, coordenador editorial — e tem a sua base
no Porto, embora os dois bloguistas sejam naturais
de, respectivamente, Lisboa e Leiria. O trabalho de
ambos explica a assiduidade dos “posts” e a remissão
para informações veiculadas por órgãos de comunicação nacionais e internacionais: “Estamos junto de
terminais e por isso é mais fácil fazer um trabalho de
‘posts’ intermitente”, conta Nuno Guerreiro.
Criado em Fevereiro deste ano, o Cruzes foi
concebido devido àquilo que Guerreiro chama um
“desequilíbrio de forças ideológico” na blogosfera.
Tendencialmente de direita, acrescenta. Tal como a
sua própria denominação sugere, o blogue assume
uma posição política de esquerda, embora o faça
“sem cartilhas”, ressalva. “Existem muitas clivagens
nos blogues de esquerda. Parece que estão a pegar
numa cartilha”, diz. Mas nota, porém, que a “novidade” da generalidade do diálogo político na blogosfera
é precisamente o seu “descomprometimento”.
O cariz marcadamente informativo do Cruzes Canhoto não se reduz, contudo, à actividade política.
A partir de uma base de dados ancorada em jornais,
televisões e publicações internacionais, o blogue
serve também como meio de divulgação dos mais
diversos assuntos. “Impenitentemente impertinente,
inclinado sobre a política, a sociedade e a cultura”,
pode ler-se, em jeito de sub-título.
Os dois autores criaram ainda uma pequena
“janela” com as “últimas notícias” e uma longa
lista de links para outros blogues portugueses
e estrangeiros, dividida em vários módulos de
apresentação: “Pacto de Canhotos”, “Aliança de
Fachos”, “Blogues Desalinhados”, “Mecoblogues”,
Biblogues” ou “Irmãos e Amigos”.
Animal, Statler e Waldrof
marretas.blogspot.com
O contador marcou dez mil visitas no dia 13 de Maio.
A celebração fez-se com um comentário, intitulado
“Os três marretinhas de Fátima”, que terminava assim: “O mundo está mesmo perdido.” Actualmente,
o Blogue dos Marretas ultrapassou já a fasquia das
20 mil visitas e cerca de três meses volvidos sobre
o seu aparecimento, não se pode apontar falta de
entusiasmo ao trio de autores, baptizados com os
nomes de Animal, Statler e Waldorf.
A escolha da designação do blog e dos pseudónimos
surgiu defronte de um “Happy Meal” da Macdonald’s
— a embalagem oferecia bonecos dos Marretas em
borracha. Pelo menos, é esta a versão contada por um
dos seus criadores. Sob a “máscara” das personagens
da série televisiva (e com o mesmo cariz desconcertante) encontram-se Jorge Bacelar (Animal), 43 anos, Nuno Jerónimo (Statler), 31, e João Canavilhas (Waldorf),
37, amigos de
longa data e
professores
na Universidade da Beira
Interior, na
Covilhã.
No Blogue
dos Marretas,
o
terreno
ideológico
ostenta uma
fronteira: dois
de direita (Statler e Waldorf) e um “infiltrado” de esquerda (Animal). “Criámos facções: os velhotes são à
direita e eu sou assumidamente de esquerda”, conta
Jorge Bacelar. Resultado: “Já dizemos que somos
serviço público.”
Pese embora as divergências, que tiveram especial relevância no período da guerra no Iraque,
os Marretas preservam uma cumplicidade que se
nota sobretudo no tom humorístico dos “posts”.
“No início pensámos em discutir com seriedade. Até
descobrirmos que nos achavam graça”, diz Nuno
Jerónimo. Seja sobre política, cidadania, educação
ou cultura, os autores raramente escrevem sem pertinência. “Tentamos dar aos comentários um tom
jocoso, provocatório e talvez as pessoas apreciem o
nosso sentido de humor”, afirma Bacelar.
A abordagem da actualidade política, reincidente
neste blogue, promove uma elevada interactividade
com os leitores e devolve aos seus criadores um efectivo debate de ideias: “Aqui na Covilhã a realidade
é completamente diferente daquela que existe em
Lisboa ou no Porto. Do ponto de vista pessoal, alargou o leque de pessoas com quem me confronto”,
explica Nuno Jerónimo.
Da experimentação ao vício foi um pequeno instante. O Blogue dos Marretas prima por uma actualização
diária quase pontual — os visitantes assíduos depressa aprendem os horários de trabalho bloguístico de
cada um dos autores — e adivinha-se que continuará
assim ainda por muito tempo. Jorge Bacelar justifica:
“Somos bonecos de peluche, se nos cansarmos deste
brinquedo vamos brincar para outro lado. Mas neste
momento é difícil, pois sentimo-nos muito bem.”
A esquerda relativa
paisrelativo.blogspot.com
Resgata o título de um poema de Alexandre O’Neill,
“O País Relativo”, e nele embarcam Filipe Nunes,
Mariana Vieira da Silva, Mark Kirkby, Miguel
Cabrita, Pedro Adão e Silva, Pedro Machado, Rui
Branco, Sílvia Sousa, Tiago Tibúrcio, Domingos
Farinho e Luís Filipe Borges (este último saiu entretanto e já fundou o blogue Desejo Casar).
Poder-se-ia repescar a frase de Manuel Alegre – “não
somos independentes na esquerda” – para apresentar
o País Relativo. Entre os seus criadores, amigos de
longa data, encontram-se militantes do PS (um deles
dirigente nacional e um outro chefe de gabinete de
Ferro Rodrigues), mas não se julgue que a actividade
“Na
‘blogosfera’
não existem
diferenças
sociais,
culturais ou
geográficas.
Não se
trata de um
reflexo da
sociedade,
mas se
pegarmos
em 20 ou
30 blogues
é possível
traçar um
perfil”
JOSÉ MÁRIO SILVA
“Se lessem
a prosa
jornalística
da I
República,
viam que eu
não passo
de um
menino de
coro”
JOÃO PEREIRA
COUTINHO
“Porque
razão é que
de mim
se espera
que eu fale
apenas de
política?”
JOSÉ PACHECO
PEREIRA
“No século
XIX os
deputados
eram muito
mais cultos
do que
actualmente
e tinham
uma forma
de discutir,
com grande
vivacidade,
que está a
regressar
agora nos
blogues”
RUI BRANCO
ou o discurso partidário ensombram este blogue, nascido em finais de Fevereiro. Apesar das infundadas
reivindicações de textos de índole político-partidária,
lançadas por muitos leitores, os bloguistas estendem
a sua escrita a temas tão diversos como o cinema, as
viagens, a literatura ou a música. “As pessoas não podem comparar o País Relativo à Acção Socialista: não
é nem nunca será”, diz Rui Branco, historiador a viver
em Florença. Como se pode ler no “post” inaugural do
blogue, a “trespassante lucidez e actualidade” do poema de O’Neill,
que descreveu
um Portugal
sorumbático
e fragilizado,
são motivos
para a exposição
de
ideias e para
o arranque de
debates interactivos. Embora Mariana
Vieira da Silva admita que “gostava que existisse
na blogosfera um maior equilíbrio entre a direita e
a esquerda”, não é por essa razão que as discussões
esmorecem.
Rui Branco explica que o modelo bloguístico
revisita um método de debate do século XIX: “Os
parlamentares eram muito mais cultos do que actualmente e tinham uma forma de discutir, com grande
vivacidade, que está a regressar agora nos blogues.”
Sublinhando a “saudável convivência” e a “crítica
irónica” que agora ressurge, o historiador aponta
ainda que, em alguns casos, o diálogo é “uma lição
de Estado”. E remata: “É uma espécie de blogues dos
fillhos da madrugada e isso revela um espírito diferente. Desde logo porque não somos info-excluídos.”
É um blogue português
com certeza
noquintodosimperios.blogspot.com
Quem é de esquerda tem “mais facilidade” em escrever na imprensa escrita. Logo, os de direita utilizam
os blogues porque “não têm acesso” a outros espaços
de publicação. Quem o diz é Diogo Henriques, um
dos autores do blogue No Quinto dos Impérios, que,
embora tenha nascido há pouco mais de um mês, é
já um dos sítios mais visitados da blogosfera. Paradigma da aldeia global (à escala europeia, refira-se),
o blogue é mantido por mais quatro dinamizadores
(além de Diogo Henriques, de Lisboa), espalhados
em diferentes geografias. A saber: Fernando Albino,
em Londres, João Vacas e Miguel Borges de Freitas,
ambos em Bruxelas, e Francisco Mendes da Silva,
que vive entre Coimbra e Viseu.
Para além
de refrear o
distanciamento físico, o
blogue ilustra
igualmente as
ideias políticas dos cinco
amigos, todos
eles filiados
no PP. Mas a
participação
política activa
não condiciona, assegura Diogo Henriques, a profusão
e o conteúdo dos “posts”. “O debate político é mais
rápido, mais descomprometido e não segue uma
disciplina partidária”, afirma.
Com um título inspirado no padre António Vieira
(não em Fernando Pessoa), o blogue apresenta-se como “liberal e conservador”, recolhendo ainda estes
epítetos duas correntes: “Tradicionalista ou democrata-cristão.” E ressalvam que as empatias variam
“consoante os dias e as assinaturas”. Escrevem que
não são “saudosistas” — têm, antes, saudades “da
nossa horta à beira-mar plantada” — e saúdam os
leitores “como o lindo azulejo de uma casa portuguesa:
seja bem vindo quem vier por bem”.
Apesar da militância activa dos bloguistas — que se
revela, muitas vezes, em referências “irónicas” à Nova
Democracia, de Manuel Monteiro —, o No Quinto dos
Impérios é um lugar abrangente, onde se prodigaliza a
“partilha de experiências e de heróis”, declara Diogo
Henriques, acrescentando que o diálogo estende-se
muitas vezes a afinidades culturais. E o cruzamento
de opiniões faz-se segundo um estilo de escrita “que
estava muito perdido”, sustentado em “bases diferentes” e propício a “discussões estimulantes”.
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A nova Ágora da democracia, ou quando a política chega à blogosfera