NOVOS MOVIMENTOS SOCIAIS E ESFERA PÚBLICA:
uma reflexão crítica
Antonio de Ponte Jardim
1 - Introdução
Este artigo tem por objetivo fazer uma reflexão crítica a respeito de como são
analisados, no geral, os novos movimentos sociais assim como a importância
enquanto agentes de transformação social e política. Neste sentido, parte-se das
mudanças dos paradigmas estabelecidos para a análise dos movimentos sociais no
que se refere ao papel dos atores sociais na transformação da ação política e social. O
ponto de partida centra-se na análise de três princípios, que julgamos ter um papel
fundamental na determinação dos novos movimentos sociais que são: a questão da
identidade, vista através do reconhecimento da especificidade dos sujeitos (dos
atores); a questão de oposição em relação ao social e ao político, onde o papel dos
novos movimentos sociais é fundamental no processo de mudança de enfoque e
atuação na esfera pública e administrativa e, no terceiro princípio ressalta-se a
questão da totalidade, como proposta crítica e alternativa para a reinterpretação das
mudanças sociais e políticas ocorridas na sociedade capitalista, a partir dos anos 60.
Finalmente, nas considerações finais, conclui-se que não existe um consenso
do que sejam novos movimentos sociais, pelo fato de que a compreensão dos novos
movimentos sociais passa pelo entendimento de que a sociedade e a política precisam
 Este trabalho foi elaborado a partir das discussões do curso “Metrópole, Esfera Pública e Movimentos
Sociais”, ministrado pela professora Ana Clara Torres Ribeiro no IPPUR/UFRJ, segundo bimestre de 1997.
Texto publicado na Revista Redes, vol.2, n.5, 1998. p: 55-77

Pesquisador da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE.
1
ser (re)nomeadas, no que se refere à ação dos novos atores. Essa compreensão
associa-se, também, ao entendimento de que os sujeitos são os principais agentes de
transformação social. Desse modo, os novos movimentos sociais estão relacionados à
análise de que a sociedade possui processos e dinâmicas próprias, a partir da ação dos
sujeitos, enquanto agentes transformadores da estrutura social.
2 - A Contextualização
Até os anos 60 a leitura dos movimentos sociais era feita através da análise
estruturalista, da economia, da política e de modelos pretensamente explicativos e
totalizantes, a partir de uma visão estrutural-funcional da sociedade. A ruptura
analítica começou a ser realizada no momento em que se percebeu que a sociedade já
não era somente um ecofenômeno da economia e da política, mas também da cultura.
Assim, temos, por um lado, uma multiplicidade de práticas e compromissos
evidenciados por organizações que procuravam defender e explicar os interesses
populares e/ou de grupos que em base na Segunda e Terceira Internacionais
Socialistas, cujos projetos pretendiam “revolucionar” o mundo no sentido de “uma
concepção serial das fases históricas pelas quais deveriam passar necessariamente
todos os países” (Ingrosso, 1973, p. 20)1. Por outro lado, o economicismo e o
reducionismo funcionalista, estabelecido pelo modelo americano imposto após a
Segunda Guerra Mundial, contribuíram significativamente para a mudança de
sensibilidade analítica. Em relação ao primeiro aspecto, o acontecimento se deu, por
um lado, a partir da crise paradigmática no interior do próprio marxismo. E, por
outro, a partir da “tradição sociológica” que se fundamentava nas noções de
sociedade, evolução e papeis referenciados a uma totalidade estrutural-funcional, que
não era capaz de interpretar os processos históricos específicos (Touraine, 1996)
relacionados aos sujeitos. Observa-se que pelo lado da nova concepção analítica da
esquerda, passou a existir um anseio em superar as estruturas sem se perder a visão de
1
INGROSSO, Marco. - Modelos socioeconómicos de interpretación de la realidad latinoamericana: de
Mariátegui a Gunder Frank, tradução de Joaquín Jordá, Barcelona, Editorial Anagrama, 1973, (Cuadernos
Anagrama).
2
totalidade (Lefebvre, 1991; Giddens, 1976, 1989; Bourdieu, 1989)2. É nesse sentido
que a vida em sociedade passa a ser vista, em parte, através das práticas dos sujeitos
(Bourdieu) e das disputas entre diferentes interesses. Esta nova perspectiva analítica
permitiu o surgimento de um novo enigma teórico/político no que se refere à
valorização de novos sujeitos, cujo processo e construção não passam pela política,
mas envolvem diferentes classes sociais. Passa-se a valorizar o cotidiano no sentido
que permite conhecer o sujeito social como ele atua3. É, neste aspecto, que há uma
mutação analítica profunda, pelo fato de que é no cotidiano que os sujeitos agem. A
valorização dos sujeitos no cotidiano remete-os ao diálogo e ao senso comum.
Entretanto, o senso comum, elemento formador do cotidiano se desloca no tempo,
enquanto que a cotidianidade é interrompida resultando em perdas de referenciais em
relação às práticas anteriores. Desse modo, a autonomia dos novos sujeitos passa a ser
sinônimo de indeterminação dos processos históricos.
Entretanto, ressalta-se que a noção de sujeito passa pelo seu coletivo, pois é na
coletividade onde se elabora e se organiza a identidade, através de práticas pelas
quais seus membros pretendem defender seus interesses e expressar suas vontades,
constituindo-se assim, em lutas (Sader, 1988:55) permanentes. Deste modo, os
sujeitos representam a construção permanente de novas identidades, que vão permitir
o surgimento de novas sensibilidades analíticas, construídas a partir das práticas dos
sujeitos (Touraine - 1996; Giddens - 1986). Entre essas novas sensibilidades
analíticas, as práticas dos sujeitos podem ser interpretadas a partir das noções de ator
e agente, que veem da tradição sociológica que os considera como os fundantes do
sistema social. Nesta tradição, o ator representa e possui papéis definidos na estrutura
social. É a partir dessa constatação que Touraine retoma a noção de ator4 e
2
LEFEBVRE, H. - A Vida Cotidiana no Mundo Moderno. Tradução de Alcides João de Barros. São Paulo,
Ática, 1991, (Caps. I, II e V) 216 p; GIDDENS, A- Novas Regras do Método Sociológico - uma crítica
positiva das sociologias compreensivas. Tradução de Maria José da Silveira Lindoso. Rio de Janeiro, Zahar
Editores; 1976. GIDDENS, A. - A Constituição da Sociedade. Tradução de Álvaro Cabral. São Paulo,
Martins Fontes, 1989; P. BOURDIEU, - O Poder Simbólico. Lisboa, DIFEL, 1989.
3
O cotidiano aqui referenciado “é o conjunto de atividades que caracterizam a reprodução dos homens
particulares, os quais, por sua vez, criam e recriam a possibilidade de reprodução social” - Agnes HELLER, Sociologia de la Vida Cotidiana, Barcelona, Ediciones Península, 1987, p. 19
4
O autor, para Touraine (1996:12), é o indivíduo constituído historicamente, produzido pelas grandes
orientações normativas da vida social.
3
autonomia, em relação à ação dos atores. Já em Giddens, os sujeitos estão
referenciados ao conceito de agência no sentido que só pode ser definida em termos
de intenções, pela razão de que para cada item do comportamento seja considerado
uma ação é preciso que o realizador tenha a intenção de manifestar, caso contrário o
comportamento em questão é apenas uma resposta relativa. Desse modo, a agência
diz respeito a eventos dos quais um indivíduo é portador, pelo fato de que ele poderia
em qualquer fase de uma dada sequência de conduta, ter atuado de modo diferente. É
a partir dessa postura que as práticas dos sujeitos passam a ser referidas à dinâmica
viva da sociedade (aos processos sociais) e estão associadas aos acontecimentos
(descrição dos problemas sociais). Desse modo, os atores ganharam representação e
historicidade5. Daí, a valorização de novos sujeitos enquanto agentes e formadores de
novas identidades (dos Novos Movimentos Sociais).
A partir das mudanças ocorridas na sociedade nos anos 60 e do surgimento de
novos enfoques analíticos, constata-se que a crise paradigmática não é uma crise das
ciências sociais, em si mesmas, mas das transformações sociais. Neste sentido, não é
análise da sociedade em sua totalidade que vai explicar os movimentos sociais, mas a
relação entre os novos movimentos sociais e as formas de organização social. Daí, as
diferenças teóricas fundamentais entre os paradigmas da sociologia clássica e os
atuais.
Como forma de explicar essas mudanças, a partir de categorias formuladas sob
a inspiração marxista, temos:
 1) a sociedade burocrática de consumo dirigido (Lefebvre, 1991);
 2) a reação às alianças do Estado com as burguesias (Castells, 1976)6 pelo fato de
ser a sociedade capitalista o locus da reprodução. Neste aspecto, Castells priorizou
a cidade como sendo o locus da mediação entre a produção e a reprodução;
5
Touraine substituiu a noção de representação da vida social pela noção de historicidade, de movimento social
e de sujeito. Para ele, a historicidade está associada “a capacidade que uma sociedade tem para construir as
suas práticas a partir de modelos culturais e através dos conflitos e dos movimentos sociais”. TOURAINE, A.O Retorno do Actor. Tradução de Armando Pereira da Silva. Lisboa, Instituto Piaget, 1996, p: 8-9.
6
CASTELLS, M. - La Cuestión Urbana, Buenos Aires, Argentina, 2a. edición corregida y aumentada, Siglo
XXI Editores, 1976.
4
 3) o capitalismo monopolista de Estado (Lojkine, 1981)7 que se esgota nos anos
80, onde a cidade é o locus da reprodução e não da produção. Neste sentido, há
uma relação entre meios de consumo coletivo, movimentos operários e
movimentos sindicais;
 4) a sociedade pós-industrial busca a construção teórica a partir de formas
abrangentes de sociedade, de organização e de manifestação dos sujeitos (A.
Touraine, 1970)8.
Essas
quatro
orientações
analíticas
estabeleceram,
de
modo
geral,
modificações entre as práticas de investigação e os modos de ação; procuram
delimitar as rupturas ideológicas e culturais, a partir de novas formas de organização,
associadas às novas relações com a política no aspecto de que a transformação social
está relacionada à legitimidade na esfera política. Assim, se configurou a base
identidária dos novos processos sociais pela:
 crescente tendência de determinantes sociais para o cultural;
 valorização do cotidiano no que se refere a coerência entre a prática e o discurso;
 crítica aguda ao teoricismo, a partir dos anos 60;
 crítica ao “etapismo” (a evolução econômica, social e cultural);
 crítica às chamadas “totalidades vazias” (Karel Kosik)9;
 crítica ao pensamento essencialista no que se refere a valorização da essência em
detrimento da aparência.
Desse modo, a base identidária dos novos processos sociais está associada ao
reconhecimento de quem está agindo por isso, passa-se a dar ênfase à agência
humana. É o discurso que constrói os sujeitos, a partir da valorização do aqui e o
7
LOJKINE, J. - O Estado Capitalista e a Questão Urbana, São Paulo, Martins Fontes, 1981.
TOURAINE, A. - A Sociedade post-industrial, Lisboa, Moraes Editorea, 1970.
9
A noção de totalidade de Karel Kosik - Dialética do Concreto, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1976, que M.
Santos redefine como sendo “o conjunto de todas as coisas e de todos os homens, em sua realidade, isto é, em
suas relações e em seu movimento”. Neste sentido, “a totalidade é, ao mesmo tempo, o real abstrato e o real
concreto. (...) Só se realiza completamente através das formas sociais, incluindo as geográficas. (...) Cada
indivíduo é apenas um modo da totalidade, uma maneira de ser. Ele reproduz o todo e só tem existência em
relação ao todo”. M. Santos, A Natureza do Espaço-técnica e tempo, razão e emoção, São Paulo,
HUCITEC, 1996, p. 92.
5
8
agora, da proximidade e não mais a questão da práxis enquanto ação revolucionária e
transformadora da totalidade social. Já que a práxis em Marx refere-se de modo
geral, a ação e a atividade como elemento transformador da sociedade e do próprio
homem. É através da práxis que o homem faz, produz, reproduz e transforma (como
também modela) o seu mundo (a história, o seu modo de agir). É a partir das
diferentes práticas que o cotidiano passa a ser visto como o lugar da vivência e da
convivência, no que se refere à organização da sociedade.
Para Touraine (1996)10 essa ruptura analítica se deu pelo fato de que: o ator
rebelou-se rapidamente contra o sistema, não aceitou definir-se pela sua
participação social, denunciou o imperialismo irracional dos dirigentes, definiu-se
mais pela sua história e pela cultura particulares do que pelo seu grau de
modernidade. É neste aspecto que o ator social e a sociedade opuseram-se entre si e,
por conseguinte, a sociologia estrutural-funcionalista entrou em crise. O que a
sociologia clássica chamava de sociedade “não era mais do que a confusão entre uma
atividade social, definida, em termos gerais - como a produção industrial ou o
mercado - e, um Estado nacional. A Unidade da sociedade era aquela que lhe dava e
impunha um poder legítimo”. Neste sentido, a sociedade era pseudônima de pátria
(Touraine, op. cit. p. 18). Hoje, as práticas já não podem ser compreendidas se não
conheço o tecido social, ou seja, se não conheço como se dão as trocas
intersubjetivas, os diferentes atores e agentes sociais. Assim, passa-se a valorizar
círculos de trocas simbólicas/afetivas (Bourdieu, 1992)11, aspectos que os grandes
projetos de transformação da sociologia clássica não os concebia.
Como podemos compreender a sociedade a partir da ação? Porém, quem age?
Como age? Por que age? Qual o sentido da ação? Parsons e Touraine partem desses
questionamentos.
10
TOURAINE, A. op. cit. p. 9.
BOURDIEU, P. - A Economia das Trocas Simbólicas. Introdução, Organização e Seleção de Sérgio
Miceli. Tradução de Sérgio Miceli, Silvia de Almeida Prado, Sônia Miceli e Wilson Campos Vieira. São Paulo,
Perspectiva, 1992.
6
11
Se por um lado, a nova concepção analítica avançou na recuperação da ação
individual e da historicidade dos sujeitos, por outro, houve perdas analíticas
significativas, no que se refere à particularização dos processos sociais e da sua
vinculação com à totalidade social. Para se entender essa situação é importante
ressaltar dois aspectos que achamos que merecem ser destacados a respeito dos novos
sujeitos (dos atores): o primeiro refere-se às perdas analíticas, em relação à
compreensão estrutural dos interesses, da análise das diferentes visões sociais de
mundo referenciadas às totalidades abrangentes, da temática dos sujeitos sociais e
dos projetos políticos de transformação radical da realidade social. O segundo
aspecto, refere-se aos ganhos analíticos, valoriza o ator, as bases culturais e os
valores intersubjetivos, que demarcam as diferentes visões sociais de mundo. A
historicidade dos fatos particulares ganham outras dimensões enriquecidas pela
mudança histórica (Touraine, 1996). Essas mudanças foram importantes no sentido
de que deixamos de analisar o sujeito a partir das estruturas e avançamos para os
processos, uma vez que os processos são instrumentos da totalidade e o veículo da
metamorfose da universalidade em singularidade, por onde passa a compreensão da
totalidade12. Neste sentido, os processos passam a ser referenciados a uma totalidade
que se apresenta em novas escalas e constitui-se num processo totalizante, como uma
aspiral. Estas novas dimensões permitem que se estabeleçam diferenças entre rede
social e rede técnica, entre relações sociais e relações técnicas (esta é a gênese e a
consistência da análise marxista). É a partir das interações entre relações sociais e
técnicas que se avança para o entendimento dos sujeitos, como agentes concretos da
transformação social. Desse modo, deixamos de pesquisar somente ação, orientada
por valores (no sentido weberiano e parsoniano), referenciada a expectativa do outro,
mas ação enquanto agente do processo de transformação. Este aspecto pôs à prova o
pensamento estruturalista/ funcionalista13.
12
SANTOS, M. “A totalidade do Diabo: como as formas geográficas difundem o capital e mudam as
estruturas sociais”. Revista CONTEXTO, no. 4, novembro, 1996, p.:31-44.
13
Para GOHN, M. G. Habermas e Foucault, entre outros, são os principais articuladores da teoria fundada no
discurso dos agentes na ação dos indivíduos. O discurso sobre ação versus estrutura surgiu num contexto
histórico em que havia reação ao estrutural/funcionalismo, especialmente parsoniano. GOHN, M. G. - Teorias
dos Movimentos Sociais - Paradigmas clássicos e contemporâneos. São Paulo, Edições Loyola, 1997, p.
133.
7
Em síntese, é a partir dessas novas abordagens analíticas que ressaltamos a
existência de várias orientações teóricas, que normalmente partem da definição de
movimento social como se fosse uma questão dada. Essas orientações apresentam
restrições por serem definições que emergem do empírico, das observações indutivas
e por isso não é possível de se achar sempre generalizações. Neste aspecto, temos que
tomar cuidado com as imputações, pelo fato de haver dificuldades teóricometodológicas no trato dos procedimentos que se denominam (novos) movimentos
sociais (Ribeiro, 1997)14.
3 - A delimitação da abordagem da esfera pública e dos movimentos sociais
No que pese as limitações da abordagem analítica sobre os novos movimentos
sociais podemos destacar, no geral, a existência de três princípios básicos que
possuem um papel fundamental na delimitação das análises sobre a esfera pública e
do tema em questão. Estes princípios estão associados à identidade (reconhecimento
da especificidade e de sua historicidade); a questão da oposição (em relação ao social
e o político) e de totalidade (como proposta alternativa).
3.1 - No primeiro princípio podemos analisar os movimentos sociais através do
ângulo da identidade - visto através do reconhecimento da especificidade.
Este princípio remete-nos a uma questão que consideramos principal: Como (re)
pensar a dimensão da totalidade a partir das práticas?
Esta interrogação remete-nos à problematização da especificidade pelo fato de
que temos, por um lado, uma ruptura entre o pensamento empiricamente orientado
pelas práticas e pelo empirismo. E por outro, não dá para imputar aos processos
sociais (e os movimentos sociais) o sentido de classes sociais, na concepção do
marxismo clássico, tal como foi proposto por Marx no início da Revolução Industrial.
14
RIBEIRO, A. C. T. - Trabalho, mutações sociais e conjuntura urbana. VIII Congresso da Sociedade
Brasileira de Sociologia, Brasília, 7 a 9 de agosto de 1997. Grupo de Trabalho Novos Olhares Sociológicos
sobre o Urbano.
8
É necessário entender a natureza de classe a partir da dominação e da forma
contemporânea de realização do capitalismo15.
Essa questão remete-nos também, por um lado, aos aspectos das perdas
analíticas (após os anos 1960), pelo fato de termos que abandonar a postura analítica
do estruturalismo-funcionalista, a respeito da natureza estrutural dos interesses, ou
seja, a análise dos determinantes estruturais dos interesses. Neste sentido, sai-se das
estruturas para os sistemas (Vide crítica de Touraine a Parsons,)16. Passa-se a ter
dificuldades de lidar com categoria sujeito social, no aspecto da perda dos essenciais
dos sujeitos, enquanto atores capazes de transformação do social e possuidores de
historicidade, o que é possível somente a partir das estruturas, ou seja, das alianças
estratégicas na cena política. Deste modo, o conhecimento do mundo social e das
categorias que o tornam possível de entendimento fazem parte do jogo político (entre
política e o saber) nos vários campos (espaço onde as posições conquistadas pelos
agentes se encontram em permanente disputa) e pela posição do sujeito no mundo
(Bourdieu, 1989: 107-161)17.
Por outro lado, temos os ganhos analíticos através da valorização do ator,
como sujeito consciente de si, com capacidade e responsabilidade de agir, de
transformação, enquanto sujeito coletivo. Observa-se o surgimento de novos valores e
bases culturais mobilizadas, no que tange as transformações dentro da própria classe
operária, fazendo com que houvesse uma fragmentação do movimento operário,
15
Autores como Thompson (1987) e Robsbawm (1987) vão mostrar em seus estudos sobre o desenvolvimento
do capitalismo contemporâneo de que “as transformações e a estrutura de classe não são mais dirigidas
exclusivamente pela grande indústria; tampouco a classe operária é o único agente político que dinamiza as
lutas da classe trabalhadora. O desenvolvimento das forças produtivas materiais, diversificando as práticas
produtivas, ampliou também as diferenciações na mão de obra entre o trabalho qualificado e o trabalho
precário, entre emprego industrial e terciário. Mas ainda, o questionamento, a mobilização política e a luta
social fazem emergir novos agentes com novas questões...” AZAIS, C. H; APELLIN, P.; - “Para uma análise
das classes sociais” In SIQUEIRA, D. E.; POTENGY, G. F.; CAPELLIN, P. (Orgs.) - Relações de Trabalho,
Relações de Poder, Brasília, DF, Universidade de Brasília, 1996, p.27.
16
Para Touraine (1996:18), a sociologia parsoniana foi o espelho dos Estados Unidos no apogeu de seu poder e
de sua hegemonia o sentido de que “quanto mais se falava de sociedade menos se falava de atores sociais, uma
vez que eram concebidos como portadores de atributos próprios do lugar em que ocupavam no sistema
social...”
17
BOURDIEU, P. - “A Identidade e a representação: elementos para uma reflexão crítica sobre a ideia de
região”. In O Poder Simbólico. Lisboa/Rio de Janeiro, DIFEL/Bertrand Brasil. p.: 107-161.
9
enquanto classe unitária e portadora do processo de transformação18. Assim, temos a
alteração no teor da democracia a partir da fala dos outros, da fragmentação da
própria classe operária. Entretanto, constata-se que houve uma reificação do
proletariado como classe e o ator passou a explicar-se por si mesmo (Sader, 1988)19.
Os limites impostos à maioria das análises recentes a respeito das
identidades dos sujeitos
Os limites que se colocam às análises sobre a identidade dos sujeitos são tantos
quanto as suas representações. Assim, cai-se na questão da empiria, onde as vivências
e convivências dos sujeitos são tratadas através das falas e das práticas dos
dominados, explicam-se por si mesmas. Daí exclui-se a classe social, pelo fato de que
os agentes sociais não são mais vistos como sujeitos pertencentes a determinadas
classes sociais, mas relacionados a interesses específicos que transcendem a classe
social. Em substituição, surge a colocação dos sujeitos plenos no sentido de que eles
se estruturam em si mesmos, ou seja, se explicam por si mesmos, através da
subjetividade. Assim, quando se elimina as contradições, o princípio de dominação
(no sentido clássico da totalidade social -, tanto em Durkheim como em Marx passa a
não existir - o sujeito desaparece, enquanto construção de interesses sociais e
coletivos, no aspecto da luta de classes (da classe em si e para si). Desse modo,
observa-se a psicovalorização do sujeito, pelo fato de estar próximo do caminho da
fragmentação, da busca de interesses particulares (específicos). É por isso que a
fronteira entre fragmentação e plenitude é tênue.
Como reconstruir uma unicidade e não uma totalidade imposta?
A nova orientação analítica passa a valorizar o senso prático da vida, a partir
da introdução de uma alteração no fazer e na teoria da ação. Isto implica, por um
18
Vão nessa linha de raciocínio: THOMPSON, E. P. - A Miséria da Teoria. Rio de Janeiro, Zahar Editor,
(1981) e HOBSBAWM, E. - Revolucionários. Rio de Janeiro, Paz e Terra. 1982.
19
SADER, E. - Quando novos personagens entram em cena: experiências, falas e lutas dos trabalhadores
da Grande São Paulo (1970-1980) - Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1988, (Parte I).
10
lado, paralelamente, numa perda do rigor analítico, no sentido de traçar os projetos
dos movimentos sociais. E, por outro, recupera-se a categoria Poder como forma de
alcançar os objetivos da transformação social, a partir do agir dos sujeitos. Deste
modo, a questão da institucionalidade e da institucionalização passa a ser o ponto
chave no estudo dos movimentos sociais. Abrem-se múltiplas possibilidades para a
interpretação dos processos sociais. Por exemplo, a questão da família deixa de ser
somente uma unidade produtiva e reprodutiva e passa, também, a ser analisada nos
aspectos referentes à sexualidade e à reprodução social que, vistos por diferentes
ângulos, nos dão outra dimensão da família em suas especificidades, até então não
relevantes. O mesmo se pode dizer em relação à questão do masculino e do feminino
que passa pela questão de gênero, pelas diferentes sexualidades e, portanto, pela
construção de identidades que transcendem aos aspectos anatômicos e de classe, mas
que são construídos por processos históricos específicos.
Em síntese, não é a análise da sociedade que vai explicar os movimentos
sociais, mas a relação entre os novos movimentos sociais e as novas formas de
organização, o que nos permitem inferir sobre as diferenças teóricas explicativas
sobre a sociedade20.
3.2 - No segundo princípio coloca-se a questão da oposição21 em relação ao
social e o político
Os autores que orientam suas análises de acordo como esse princípio, vão
analisar os novos movimentos sociais como sendo resultante de um processo entre o
social e o nível político, que se reestruturam a partir das demandas (de necessidades
20
A necessidade de explicar as transformações ocorridas na sociedade capitalista de consumo dirigido, após a
Segunda Guerra Mundial e a sua crise (reestruturativa) a partir da guerra do Vietnã, os pensadores como L.
Althusser - (On Contradiction and Overdetermination); H. Marcuse, (On Dimensional Man) e J. Habermas
(Knowledge and Human Interest) serviram de base para o questionamento, ao nível político-filosófico, das
noções positivistas do conhecimento e da ciência em relação às explicações e compreensão do Estado, do
partido e das organizações sociais e econômicas, no sentido do questionamento da produção de conhecimento
em relação à interpretação da realidade social de então. Vide: H. Wainwright - Uma Resposta ao
Neoliberalismo - Argumentos para uma nova esquerda. Trad. de Angela Melim. Rio de Janeiro, Jorge
Zahar Editores, 1998, p.87, 88.
21
BOURDIEU, p.op. cit.
11
prementes)22. Desse modo, a análise de conjuntura, feita a partir dos atores, nos
permite conhecer a estrutura. Assim, é um grande equívoco analisar os indivíduos
como um constructo de classe, pelo fato de que as representações são mediadoras na
disputa pelo poder, pelo fato de que a política é um jogo de forças, de posições e de
estratégias, de lutas entre mandantes e mandatários, onde os mandantes transformamse em consumidores de política, de estratégias de marketing e de representação
político-partidária. Assim, a política passa a ser uma “arte especializada”, através do
capital político, que permite que se instaure a lógica oligopolística do capital político,
expresso pelas marcas políticas. Quanto mais o partido se especializa ( coloca-se a
questão dos quadros técnicos) observa-se a uma tendência a siparidade (fissão). Neste
sentido, estabelece-se a crise do sistema de representação - via desgaste de
confiabilidade e crise das mediações do partido e do cargo.
A partir das práticas, o conceito de campo (Bourdieu, 1983:89)23 é
fundamental pelo fato de que implica relações e jogos de interesses. Ao nível
partidário, estabelece-se a concorrência no interior dos próprios partidos, com
tendência a fissão. Observa-se que a capacidade de mobilização como força política é
uma ameaça da potencialidade intrapartidária no sentido que se de instaura a questão
da verdade enunciada (o que não é uma verdade que se manifesta no embate político,
ou seja, na própria política). Daí, a importância da representação política em relação à
legitimidade que é organizacional e não pessoal. A partir deste fato, temos, ao nível
de partido, a seguinte questão: quanto maior o tempo de vida do partido maior é a
disputa interna e quanto maior o ciclo de vida do partido maior a distância entre as
reivindicações e as representações partidárias, devido à questão da especialização
político-administrativa dos quadros partidários. Estas situações podem ser analisadas
como fenômeno social, por ser um movimento mediado pelo partido na esfera da
22
Destacamos entre os principais autores, já clássicos nesta linha de análise, Clauss OFFE - Partidos Políticos
y Nuevos Movimientos Sociales. Madri, Editorial Sistema. 2a. edición 1996. Ao nível de América Latina,
Norbert LECHNER - Los patios Interiores de la Democracia: subjetividade y política. Santiago, FLACSO.
2a. edición , 1990.
23
Para Bourdieu, o campo é o espaço onde as posições conquistadas pelos agentes se encontram
permanentemente e disputa. O campo se define como o locus onde se trava uma luta concorrencial entre atores
em torno de interesses específicos que caracterizam a arena no campo específico. BOURDIEU, P.) - “Algumas
propriedades dos campos”. In Questões de Sociologia. Rio de Janeiro, Marco Zero, 1983, p.89.
12
política. Entretanto, é importante ter-se presente que a política enquanto movimento
político é o da sociedade.
É nesse sentido que Hannah Arendt (1993)24 estabelece processos diferentes
para a passagem dos sujeitos para a política -, através da hipérbole dos sujeitos plenos
-, onde essa passagem é analisada em si mesma. Assim, se faz necessário refletir
filosoficamente a política pelo fato de que a ação está ligada à intenção. É nesse
sentido que a compreensão sucede e precede o entendimento, pelo fato de que as
palavras não devem ser transformadas em armas geradoras de violência. Quando as
palavras se transformam em armas de violência, a civilização perde a sua
característica de compreensão do processo político, tornando-o doutrinas políticas
(em ideologia). Assim, há uma relação entre ordenação e doutrinação no aspecto de
haver uma imputação ao outro do meu discurso (a partir de práticas autoritárias, via
instrumentalização da política).
Para H. Arendt, a compreensão da perda do senso comum é a perda da relação
com a compreensão do conhecimento. É através dessa perda que se estabelece um
caminho para a impossibilidade do julgamento, o que torna próximo da estupidez, no
sentido de não haver conhecimento em si mesmo. Para não criar-nos estúpidos e préconceituosos temos que renomear o real (estabelecer novas categorias analíticas). Por
exemplo, o discurso do politicamente correto. Desse modo, a impressão se faz
necessária para que as coisas tenham significado no sentido de que sem ação não há
significado. Entretanto,
essa
impressão
estabelece uma hierarquização de
significados, construída a partir da visão social de mundo. É a partir da
hierarquização que incluímos ou excluímos o outro, pelo fato de divergimos
logicamente o seu sentido. Assim, o outro passa a ser um objeto do nosso
conhecimento e de nossas ações. É nesse aspecto que a análise histórica, de Hannah
Arendt, é feita a partir da causalidade e, por isso, não nos permite analisar a ação.
24
ARENDT, H. - “Compreensão e Política” e “Será que a Política ainda tem algum sentido?” In A
Dignidade da Política. Rio de Janeiro, Relume-Dumará, 1993.
13
O presente é que ilumina o passado e não o contrário no sentido de criar
novas possibilidades analíticas sobre os sujeitos e suas diferentes ações.
Ainda dentro do segundo princípio (a questão da oposição em relação ao social
e ao político), a Cidadania está dada pela igualdade na diferença25. A cidadania
possa ser associada à ampliação da esfera pública; entretanto, isto não significa um
processo democrático de institucionalidade crescente na sociedade. Pelo contrário, a
cidadania é vista pelo prisma do individualismo (da igualdade na diferença e da
diferenciação na igualdade). Esta visão é fruto da conquista do liberalismo em
relação ao feudalismo26. É sinônimo de sujeitos coletivos, de autores coletivos e
coletivizado. Entretanto, o individualismo é também sinônimo de exclusão, de autoreferência e de inclusão. Assim, o indivíduo tornou-se um “escravo” do consumo e da
produção. Entretanto, a questão do indivíduo e da individualidade estabelece um
novo código organizacional na modernidade, no que se refere à inclusão ou a
exclusão de novos processos societários. O sentido da inclusão está associado à
plenitude dos sujeitos, enquanto responsáveis pelos seus próprios destinos e de
exclusão na medida em que essa plenitude é, ao mesmo tempo, limitadora do outro,
no que tange ao consumo e a produção de diferenciação entre os sujeitos. Nesse
aspecto, as práticas classificatórias determinam e nomeiam o lugar dos sujeitos na
estrutura social. Por exemplo, quando digo: “menino de rua”: estou fazendo uso do
discurso de práticas organizativas e articuladoras da posição social do indivíduo na
estrutura social.
25
HEALEY, Patsy- “Planning Through Debate: The Communicative Turn in Planning Theory” In FISHER,
FORESTER, J. (Eds.) - The Argumentative Turn in Policy Analysis and Planning. Durham and London:
Duke University Press, 1993, p. 233-253.
26
HOBBES, TH. (1651) mostrava que o Estado funda a sociedade civil, a partir de sua leitura e concepção
individualista da sociedade na luta de todos contra todos. MARX, K., mostra a A Ideologia Alemã que a
sociedade burguesa oculta a exploração e as contradições sociais. E, finalmente, em GRAMSCI, A. temos o
reconhecimento da sociedade na valorização do senso comum, prático da concepção histórica da sociedade. O
reconhecimento está associado aos valores. Neste sentido, podemos ver como a estrutura de valores é
manipulada pela escolha na formação de hegemonia. Para Gramsci, o Estado é diferente de aparelho de Estado.
O Estado faz parte da sociedade civil no sentido de que o Estado está relacionado com a sociedade civil e a
sociedade política.
14
É a partir do lugar dos sujeitos na estrutura social que Eduardo G. Carvalho
(1991)27 mostra a relação entre a ordem política e as necessidades (valores profundos
da cultura versus o direito), onde os setores progressistas avançam na conquista de
direitos que não são acompanhados pela sociedade, como um todo. É nesse sentido
que a questão da legislação, por exemplo, avança para além das conquistas das lutas
sociais (do coletivo) e com isto há possibilidade de “engessamento” de futuras ações
do sujeito coletivo, portador de demandas específicas.
Na medida em que se institucionaliza o social como posso observar os novos
valores?
É nesse aspecto que o conceito de esfera pública28, da separação entre o
trabalho e a casa, que difere de vida pública, das relações interpessoais, está além do
conceito de Estado. A construção da esfera pública não estatal se dá a partir do
controle do Estado pelo denominado terceiro setor29, instituído pelo Estado como
sendo um campo de superação da concepção da esfera pública estatal. Ao mesmo
tempo, o Estado “avança” sobre a sociedade, como poder instituinte e normatizador
do social. Assim, atuais problemas do funcionamento político-administrativo do
Estado passam pela dissonância entre a racionalidade administrativa e sistêmica
(OFFE, 1996)30. Esse processo implica em alterações nas formas de domínio do
Estado de Bem-estar, no sentido de que há uma alteração na forma administrativa,
onde as prioridades passaram a serem traçadas a priori. Desse modo, estabelecem-se
duas racionalidades: uma racionalidade burocrático-legal (de direito genérico) e
outra racionalidade de prioridades. Assim, a administração passa a depender de
critérios empíricos de consenso. O que significa mudança na forma de administrar o
Estado. Nesse aspecto, possibilita a ruptura entre a administração e a política, o que
27
DE CARVALHO, E. G. - Negócios da Terra - A questão fundiária e a justiça. Rio de Janeiro, UFRJ série Universidade, 1991.
28
O conceito de esfera pública significa, em primeiro lugar, tudo que vem a público ou pode ser ouvido e visto
por todos e, em segundo lugar, significa o próprio mundo “na medida em que é comum a todos e diferente do
lugar que nos cabe dentro dele”. ARENDT, H. - A Condição Humana, Rio de Janeiro, Forense Universitária,
1991, p: 59-62.
29
O dito terceiro setor está relacionado com políticas sociais não estatais que podem ser públicas ou privadas,
envolvendo, assim, no caso brasileiro, a atuação das Organizações Não Governamentais (ONGs).
30
C. OFFE - Partidos Políticos y Nuevos Movimentos Sociales. Madri, Editorial Sistema, 2a. edición, 1996.
15
estabelece uma configuração mais ampla entre Estado e sociedade no capitalismo.
Nesse sentido, o cidadão passa a ser a referência da própria administração no aspecto
de que as funções executivas passam a ser assumidas pelo cidadão, que se expressa
desde o controle, via função executiva, até mutirões associados à economia solidária
ou da reprodução31. Ao mesmo tempo, constata-se que há uma luta pela reconquista
da esfera pública. Deste modo, o que politiza os movimentos sociais é o confronto
das políticas públicas como o Estado. Assim, temos a impressão do processo de
democratização do Estado, via pressão e participação de certos setores politicamente
organizados. Entretanto, o Estado deixa de fora a sua responsabilidade, pelo fato de
se criar uma institucionalização da parceira que contribui, cada vez mais, para a
despolitização dos movimentos sociais e, portanto, para a institucionalização dos
processos sociais. Esta nova configuração, que começa a se delinear nos anos 90,
ainda não está devidamente analisada.
Hoje, todo discurso político é afirmativo e não analítico. Por isso, há
dificuldade de discernir a técnica do social, pelo fato de que existe uma tensão entre
as Organizações Não Governamentais (ONGs), o chamado terceiro setor, e os novos
movimentos sociais principalmente no que se refere à representação política. Há uma
tendência do poder instituído (do Estado) transferir para as ONGs programas e
projetos
com
vistas
à
institucionalização
do
social,
ou
seja,
há
uma
instrumentalização do social, cada vez mais, por parte do Estado. Deste modo, as
ONGs passam a serem meras agenciadoras de políticas sociais e não agentes de
mudança. A partir dessa prática, trata-se a modernidade (técnico-administrativa) da
sociedade como sinônimo de cidadania. Neste aspecto houve, por um lado, um
deslocamento do Estado, enquanto movimento institucionalizado, para as
ONGs.
E,
por outro, as campanhas políticas, na contemporaneidade, passam pela questão
estratégica do discurso, via técnica de controle de ação (social e política).
31
A ideia de “economia solidária” ou “da reprodução” está ligada aos domicílios e à comunidade no sentido de
que as atividades sociais e econômicas não são monetarizadas, na maioria das vezes, mas que têm um papel
importante na viabilização e manutenção da reprodução econômica e social dentro do sistema capitalista.
16
Observa-se, também, o abandono das instâncias de controle pelo social, fato
que se traz a sociedade para dentro do privado (Offe, 1996) e, ao mesmo tempo, uma
publicização da vida privada. Entretanto, o que se observa é uma volta aos valores
fundamentais (tradicionais).
O Estado via escola e universidade foi um agente modernizador do projeto
fordista/taylorista32. Hoje, com a “privatização” do Estado provedor, observa-se a
perde de sua função de Estado de bem-estar social, implementada pelas políticas
keynesianas ou neokeynesianas. Esta perda se dá, em parte, pela reificação do mundo
da vida, via privatização (individualização) dos interesses sociais (coletivos). Assim,
estabelece-se um conflito distorcido de interesses e de terapias que estão associados
ao puro pragmatismo, via Milton Fridmann. Na concepção conservadora, a crise está
associada a um transtorno no sentido de retorno ao mundo da vida e da meta-política
(enquanto instrumentalização da política). Frente a essa concepção, temos que rever
as teorias da crise, por parte da esquerda que, normalmente, associa às crises como
sendo produto do próprio sistema.
A partir da crise é posta a questão da ingovernabilidade que, segundo Clauss
Offe (1996), não é uma situação atual, pelo fato de que ela nem sempre é aceleradora
de conflitos sociais ou de revoluções. Esta constatação nos dá outra leitura da
ingovernabilidade, no aspecto da quebra entre reprodução sistêmica e a reprodução
social. A sociedade não deve ser interpretada ou dirigida em relação ao afastamento
dos mecanismos de integração social, via sistema. O que deveria ser trabalhado, pelo
pensamento crítico, seria a questão da não existência do mercado autorregulado, isto
porque, por mais que exista técnica, a acumulação só funciona pela articulação entre
“trabalho vivo” e capital. É esta articulação que permite o afastamento entre
integração social e sistêmica. Para Offe, estes elementos dão o perfil dos novos
movimentos sociais no sentido de se estabelecer uma polarização entre o mundo da
vida e o sistêmico. E, a questão da ingovernabilidade para o pensamento político
32
HARVEY, D. - Condição Pós-moderna. Tradução de Ubirajara Sobral e Maria Stela Gonçalves. São Paulo,
Edições Loyola. 1993, p:115-184.
17
conservador estará posta nos fundamentos não políticos de ordem e de estabilidade.
Neste sentido, procura a redefinição restrita de política e de conflitos, no aspecto de
poder administra-los enquanto Estado instrumentalizado e, instrumentalizador do
social via políticas públicas setoriais.
A questão do velho paradigma do (Estado do bem estar social e do Estadoprovidência), da estabilização de um ciclo de acumulação através do enriquecimento
da classe operária, via aumento da capacidade de consumo dos trabalhadores, criou
cenários de disputas entre determinados atores sociais, no aspecto da modernização
social. Por isso, o velho paradigma se calcava, nos países centrais, em base a
valorização de uma cultura cívica desmobilizada, via estabilidade do consumo e do
bem estar social da população. É desta época a proclamação do fim das ideologias.
As teorias dos movimentos sociais, segundo Clauss Offe, seguem dois
caminhos: um subjetivista (dos atores) que se expressa através das características
específicas dos movimentos sociais (abordagem dos movimentos sociais em si);
outro, objetivista (da ação, dos agentes) que busca instrumentalizar os movimentos
sociais através de suas possibilidades políticas, da (re)instrumentalização da política.
É pela articulação desses dois caminhos que podemos reconhecer os atores e as ações.
Em síntese, observam-se alterações nas práticas sociais e políticas com o
surgimento de novos sujeitos na esfera pública. Verificam-se alterações no modo de
produção capitalista que emerge na Europa e nos Estados Unidos após a Segunda
Guerra Mundial. Constata-se a presença do Estado e sua intervenção na esfera da
cultura, através da mercantilização da cultura; por exemplo, a “indústria do turismo”,
a etnical foods entre outros. Verificam-se modificações no social e nas relações
sociais e societárias e, finalmente, observam-se mudanças nas esferas pública e
privada.
Essas modificações nos alertam, segundo Clauss Offe, para as possibilidades
de novos cenários traçados a partir:
18
a) da aliança conservadora através da velha classe média e o segmento dos
marginalizados;
b) da aliança que não contemple os novos movimentos - no sentido de
aliança com a nova e a velha classe média, deixando de lado os
marginalizados e usando da estratégia a difusão do medo;
c) da aliança entre a esquerda tradicional e os novos movimentos sociais
sentido da abertura dos sindicatos para tratar dos marginalizados numa
no
aliança
entre a nova classe média e a classe operária.
3.3 - No terceiro princípio coloca-se a questão da totalidade como proposta
alternativa (Lefebvre)
A compreensão da sociedade e da dominação contemporâneas passa pela
análise da dominação, no aspecto de que a sociedade não pode ser lida somente pelo
econômico, no sentido da sociedade burocrática de consumo dirigido, cuja ideia é a
da administração do consumo e da vida cotidiana. Esta ideia permite uma série de
âmbitos e práticas que anteriormente estabeleciam certo antagonismo, de imediato,
com a reprodução sistêmica. Entretanto, a sociedade de consumo dirigido também
expressa uma categoria de apropriação muito importante que é o irrelevante, pelo
fato de que não pode ser transformado em propriedade de alguém. A sociedade de
consumo dirigido colocou-nos nas mãos o fruto podre da ciência que, através de sua
institucionalização institui e faz uso do discurso terrorista, da competência33.
Nesse sentido, compreender os movimentos sociais é necessário compreender
à opressão, o terrorismo imposto pela sociedade de consumo dirigido. A sociedade é,
cada vez mais, apoiada na comunicação que, através da metalinguagem, constrói a
abstração da vida diária (do cotidiano). A metalinguagem se expressa em formas
abstratas, sem conteúdo, manipuladas para o consumo, com o objetivo de gerar novas
necessidades nos indivíduos, enquanto agentes e consumidores. O mercado passa a
33
. LEFEBVRE, H. A Vida Cotidiana no Mundo Moderno. Tradução de Alcides João de Barros. São Paulo,
Ática (cap. I, II e V), 1991, 216p.
19
ser o agente regulador do consumo, ocultando as contradições existentes em relação
à produção e circulação de bens e serviços. Esta orientação faz parte da estratégia de
manutenção da estrutura de classes existente na sociedade capitalista contemporânea.
Para que as classes se mantenham é necessário repressão, persuasão e opressão
(Lefebvre, 1991). É por isso que existe uma relação direta entre controle da vida
privada e o controle da vida pública, a publicização da vida privada e da intimidade.
O controle da vida pública e privada se acentuou a partir dos anos 70, quando se
passa a negar a realidade extradiscursiva, no aspecto de que a luta coletiva foi
dirigida para a transformação de estruturas que existem independentemente de suas
atividades. Desse modo, retoma-se a ideia inicial de Hayek de que a sociedade é
resultado das atividades cegas causadas pelos indivíduos. E neste aspecto, há
necessidade de proteger, por parte do Estado, os aspectos morais e políticos da
evolução social, contra qualquer protesto particularista no sentido de que se rompem
as diferenças entre essas duas esferas da vida humana34. Entretanto, o que se vem
observando é a publicização, cada vez maior, da vida privada. Esta situação vai se
manifestar em relação à opressão que se exterioriza para além dos contratos sociais e
jurídicos.
Por
exemplo,
matrimônio/sexualidade,
infância
idealizada,
masculino/feminino e gênero entre outros aspectos.
Para a compreensão da sociedade de consumo dirigido é necessário que se
estabeleçam diferenças entre uma sociedade repressiva de uma sociedade terrorista:
 na sociedade repressiva a repressão se desintitucionaliza para atuar na vida
cotidiana,
 enquanto que na sociedade terrorista, vista através da democracia liberal, o terror
ligado ao indivíduo no que se refere ao embate entre a igualdade na diferença, via
solidificação da concepção individualista e egocêntrica. E, aqui se faz necessário
que se estabeleça a diferença entre a individuação, onde os indivíduos passam a
serem sujeitos plenos em suas particularidades de ser e o individualismo, fruto do
egocentrismo, que é o ponto de referência de si e dos outros. Para nós, o
34
Vide: Wainwright, H. Uma resposta ao Neoliberalismo - Argumentos para uma nova esquerda, 1998,
especialmente, capítulos I e IV.
20
individualismo está centrado na competição e da exclusão do outro. Portanto, na
gênese do processo de exclusão/inclusão e de segregação sociais, aspectos cada
vez mais presentes na sociedade de consumo dirigido.
Desse modo, a diferença entre a sociedade aterrorizada e a terrorista é que
cada um torna-se terrorista do outro e de si mesmo. Os valores não precisam ser
explicitados, bastam a si mesmos. A sociedade terrorista é um caso extremo de
sociedade repressiva... As infrações à cotidianidade se tornam prescritas, rejeitadas
à demência, à marginalidade. O cotidiano se faz regra... (Lefebvre, 1991:159).
Assim, o que existe é uma promessa do que não existe, devido à impossibilidade de
sua realização. O presente passa a ser o futuro, pelo fato que as satisfações das
carências e necessidades tornam-se próximas, distantes, indefinidas e estão sempre no
futuro próximo.
Observa-se, através da metalinguagem, o resgate da fala contra a escrita, mas
não o da narrativa. A fala é a nova rebeldia que se estabelece contra a narrativa. A
sociedade da fala é a sociedade da metalinguagem que prioriza as formas, a
esteticização, as aparências, o efêmero. Para Lefebvre, a sociedade terrorista é o caso
extremo de sociedade repressiva. Por isso, temos que ter bom-senso. É a sociedade
da promessa e da fartura que se expressa através da sociedade de consumo
dirigido. O projeto político da sociedade da metalinguagem é libertário, pelo fato de
que se identifica com a busca do bem-estar e com a felicidade plena. Por isso, há uma
tendência fugir, através do projetar-se para além do cotidiano, para o futuro. É a
sociedade dos sonhos que nos remetem ao mesmo tempo ao passado e ao futuro, mas
nunca ao presente vivenciado. A sociedade terrorista é a sociedade da escrita
propriamente dita, cuja lógica está contida, inclusive, no desenho da cidade e na
representação cartográfica, nas novas formas de instrumentalização do saber. Essa
lógica mostra as diferenças que se instauram entre projeto imediato (mediatizado) e o
projeto coletivo. Possibilitam que se observe a existência exacerbada das
comunicações como forma de superação das barreiras sociais e mentais. Verificam-se
processos de individuação simultânea e crescente. Assim, os novos direitos têm
21
aberto novos caminhos não-burocratizados, não institucionalizados, cujas diferenças
mostram também que:
 há uma sedução pela possibilidade de realização plena;
 há uma tensão entre opressão e apropriação (o direito à cidade, negação da
sociedade de consumo dirigido);
 há uma tensão entre as coisas que estão escritas e a fala (enquanto códigos sociais
e mentais) - a fala é resistência numa sociedade de metalinguagem. Para Lefebvre
o direito à cidade é o direito a palavra, o direito a produção/reprodução. A palavra
pode unir os fragmentos de recordações e de narrativas. A sociedade
contemporânea é uma sociedade de isotopias;
 há uma confusão entre o lugar com a sociedade, no sentido de que a noção de
espaço social é diferente do lugar.
Lefebvre ressalta a importância do espaço social para análise da sociedade de
classes, no aspecto de que toda sociedade de classes é uma sociedade repressiva. Isto
porque é, de um lado, uma sociedade de penúria e, de outro, de consumo de luxo e
acumulação, de persuasão e opressão. O fundamento da repressão está associado à
sexualidade e à fecundidade, pelo fato de que a repressão se estende à vida biológica
e fisiológica, à natureza, à infância, à pedagogia, a entrada na vida (Lefebvre,
1991:156).
Qual é o suporte da cotidianidade da sociedade terrorista?
O suporte da sociedade terrorista está dado pela burocracia e os seus métodos
de controle organizativo, via gestão (administração) dos diferentes espaços e
territórios. Este processo organizativo burocrático permite a supressão da história em
nome da memória, que em nome da transparência esvaziou o sentido - a razão
(enquanto saber individual e coletivo das lógicas em uso, do senso comum) - imputou
uma nova racionalidade técnica administrativa, com relação à universalização de
procedimentos como mecanismos de controle político-administrativos. É por isso que
a coisa escrita provoca adesão e fascinação pela sua flexidez. O código da sociedade
22
terrorista é a mercadoria (Lefebvre, 1991:167), inclusive em sua forma simbólica,
como um produto de troca e de consumo. Daí, a importância que assume o mercado,
como regulador da economia e da sociedade, para as políticas neoliberalistas35.
Desse modo, a sociedade terrorista faz com que o controle do tempo livre
transforme os sujeitos em objetos de ação (de gestão, administração de uso do
tempo). Assim, as necessidades passam a ser administradas com o propósito de cada
vez mais gerarem novas necessidades, numa cadeia incessante de insatisfações e
diferenciações excludentes, que realimentam o sistema. Deste modo, transforma-se o
cotidiano no lugar onde os embates entre produção/reprodução e revolta
revolucionam o próprio conhecimento, pelo fato de controlar a criação, a revolução,
transformando-a em modernização, no sentido das inovações tecnológicas e sociais.
Ao nível político, Lefebvre reconhece a importância da nomeação e ataca a
apropriação dos discursos, pelo fato de que quando o discurso político é destituído da
prática se distância das práticas sociais. É a partir dessas práticas discursivas, que a
sociedade transforma e controla as lutas sociais, através do terrorismo; institui o
politicamente correto, no sentido da administração da lógica em uso, como forma de
despossuir e desapropriar os movimentos sociais de sua utopia experimental36. As
necessidades (prementes) são absorvidas pela lógica instrumental da sociedade
(administrada) de consumo dirigido. Esta administração tem por propósito
“acomodar conflitos e igualar diferenças. Assim, institucionaliza-se o mundo das
tribos (Mafesoli, 1997)37, diferencia-se a representação, multiplicam-se as
cotidianidades, estabelece-se uma igualdade na diferença, no aspecto das pessoas
35
WAINWRIGHT, H. (1998) Op. cit. capítulos 2 e 3.
Para Lefebvre, a utopia experimental está relacionada com as práticas que ao serem praticadas não deixam de
ser utópicas. É um projeto rebelde, revoltado que está relacionado à ação. Neste sentido, a utopia experimental
seria uma ação possível que não compactua com nada. Lefebvre alerta-nos que na medida em a ação se torna
um programa já não é utópica. É importante ter claro que ao se instituir o projeto utópico se institui todas as
ações que tinham de rebeldes e utópicas. Para que se realize o projeto utópico, temos que saber ler o exercício
experimental da utopia assim como saber ler o cotidiano para encontrar as ocasiões e as personas capazes de
desenvolver tais atos. Para Lefebvre, são as próprias práticas que impulsionam o desenvolvimento das
contradições (e das diferenças) que se impõem e estruturam/reestruturam o espaço/tempo do cotidiano e
possibilitam o exercício da utopia experimental.
37
MAFESOLI, M) - A Transfiguração do Político - A tribalização do mundo. Tradução de Jurandir
Machado da Silva. Porto Alegre, Sulina, 1997.
23
36
viverem juntas, porém diferentemente. (Healey, 1993)38. Deste modo, a obra, a
felicidade, o trabalho, o sexo entre outros, tornam-se objetos de consumo dirigido e,
portanto, não são criadores e libertadores no sentido revolucionário (de transformação
e plenitude dos sujeitos). Pelo contrário, volta-se para o vazio e para a insatisfação
pessoal, num incessante processo de revoltas e de violência.
4 - Considerações finais
Com observamos, no transcorrer deste texto, não existe consenso em relação
definição do que sejam novos movimentos sociais, pelo fato de haver várias
orientações teóricas, que partem da definição de social como se movimento social
fosse uma questão dada. É a partir dos limites impostos à maioria das análises
recentes, que a maioria das definições caem na questão da empiria, no sentido das
análises fragmentadas e descritivas, feitas em si mesmas, desconectadas dos
processos que originaram a nova ordem, o novo, (os novos movimentos). Essas
análises partem, em sua maioria, do pressuposto de que o novo se explica por si
mesmo.
Os novos movimentos sociais são elos ativos entre a sociedade e a política, por
isso temos que acompanhar os processos e não os movimentos. Neste sentido, a
noção de processo é fundamental para o discernimento dos movimentos sociais, pelo
fato de que a sociedade possui processos e dinâmicas próprias. É somente a partir
desta compreensão que podemos fazer análises sobre os movimentos sociais. É a
compreensão da dinâmica própria da sociedade que nos remete às especificidades e
delimitações dos movimentos sociais, no aspecto das diferenças estabelecidas pelas
relações sociais e técnicas (como observadas por Marx, no Capital). Foi a partir desta
compreensão que se delimitou os movimentos sociais em relação aos seus aspectos
identidários (em relação ao reconhecimento da especificidade), de oposição (em
38
HEALEY, P. (1993) “Planning Through Debate: The Communicative Turn in Planning Theory” - In
FISHER, FORESTER, J. (Eds.) The Argumentative Turn in Policy Analysis and Planning. Durham and
London. Duke University Press. p: 233-254
24
relação ao social e o político) e de totalidade (como proposta alternativa para a
mudança social).
A compreensão dos novos movimentos sociais passa pelo entendimento de que
a sociedade precisa ser nomeada (especificada), no que se refere aos cenários onde
surgem os novos atores. E por isso é necessário que nos interrogássemos sobre o que
significam os novos atores? Quem são os atores não esperados política e
institucionalmente? Que sociedade é esta onde emergem esses novos atores? Quais
são os novos cenários?
A compreensão e a estruturação dos sujeitos, enquanto agentes de ação
transformadora, não está na política, mas na ação pelo fato de que os sujeitos só
podem emergir pelo agir. É através da ação que compreendemos o agir dos sujeitos,
no sentido de que só compreendemos o que podemos dar significado. A questão está
referenciada aos indivíduos, no que se refere a sua intersubjetividade, pelo fato de
serem ao mesmo tempo, objeto e sujeito de suas ações. Deste modo, a questão dos
sujeitos enquanto agentes transformadores estabelece um novo código organizacional
e institucional.
É nesse sentido que a administração passa a depender de critérios empíricos de
consenso, centrados nos princípios básicos da gestão, o que significa mudanças na
forma de administrar o Estado. A partir dessa forma, se estabelece a ruptura entre
administração e política, o que permite uma nova configuração, no sentido mais
amplo, entre Estado e sociedade capitalistas. Esta mudança faz com que haja, cada
vez mais, uma imbricação entre o político e o administrativo - entre o Estado e a
sociedade civil. Desse modo, o cidadão passa ser a referência da administração, no
que se referem às funções executivas que passam a serem, paulatinamente, assumidas
pelos cidadãos, através do Terceiro Setor. Neste aspecto, observa-se que a
modernidade é tratada como sinônimo de cidadania, no sentido de que está havendo
um deslocamento do Estado (institucional) para um Estado parceirizado, a partir das
Organizações Não Governamentais (ONGs), ou seja, no caso brasileiro se identifica
25
com o chamado terceiro setor. Esta parceria, a nosso ver, despolitiza os movimentos
sociais, pelo fato de transformar a gerência estatal em produtos versus programas
(políticas de ação). São as mudanças de programas para projetos, com a
institucionalização do social, que transformam o Estado em um mero executor de
políticas (públicas) e não um agente de mudança. É por isso, que se verifica uma
corrida para o campo da legislação da ação, por parte das ONGs, como forma de
garantir espaços no gerenciamento do Estado, da coisa pública. Entretanto, esta
corrida não significa uma mudança, necessariamente, nas práticas sociais, pelo
contrário, observa-se um retorno ao conservadorismo, via instrumentalização técnicoadministrativa da sociedade.
Finalizando, o aspecto que se coloca de novo nos novos movimentos sociais é
que há o reconhecimento de quem está agindo constrói os sujeitos e a si mesmo. Os
sujeitos ganham historicidade. Esta construção leva a valorização do aqui e do agora,
em relação à proximidade, o que significa uma ruptura com as chamadas totalidades
vazias, dos projetos das vanguardas predominantes até os anos 60. Neste sentido, os
novos movimentos sociais estabelecem rupturas ideológicas e culturais, no que se
refere às novas formas de organização e de política que são estabelecidas. Portanto,
observa-se uma transformação social com legitimidade na esfera política, a partir da
ação dos sujeitos.
* * * * *
26
5 - Referências bibliográficas
ARENDT, H. - A Condição Humana, Rio Janeiro, Forense Universitária, 1991.
___________- A dignidade da Política. Rio de Janeiro, Relume-Dumará, 1993.
AZAIS, Cristian; C. APPELIN, Paola; - “Para uma Análise das Classes Sociais”. In
SIQUEIRA, D. E. & POTENGY, G. F.; CAPELLIN, P. (Orgs.) Relações de
Trabalho, Relações de Poder, Brasília, DF, Universidade de Brasília, 1996, p.:1846.
BOURDIEU, P. - Questões de Sociologia. Rio de Janeiro, Marco Zero, 1983.
_____________ - O Poder Simbólico. Lisboa, DIFE. 1989.
_____________ - A Economia das Trocas Simbólicas. Tradução de Sérgio Miceli,
Silvia de Almeida Prado, Sônia Miceli e Wilson Campos Viera. São Paulo,
Perspectiva, 1992.
DE CARVALHO, E. G. - Negócios da Terra - A questão fundiária e a Justiça. Rio
de Janeiro, UFRJ, 1991, (série universidade).
CASTELLS, M. - La Cuestión Urbana, Buenos Aires, Argentina, 2a edición
corrigida y aumentada, Singlo XXI Editores, 1976.
LEFEBVRE, H. - A Vida Cotidiana no Mundo Moderno. Tradução de Alcides
João de Barros. São Paulo, Ática, 1991.
GOHN, M. - Teorias dos Movimentos Sociais - Paradigmas clássicos e
contemporâneos. São Paulo, Edições Loyola, 1997.
GUIDDENS, A. - Novas Regras do Método Sociológico uma crítica positiva da
sociologia compreensiva. Tradução de Maria José da Silveira Lindoso. Rio de
Janeiro, Zahar editores, 1976.
___________ - A Construção da Sociedade. São Paulo, Martins Fontes, 1989.
HEALEY, P. - “Planning Through Debate: The Communicative Turn in Planning
Theory”. In FISHER & FORESTER (Eds.) - The Argumentative Turn in Policy
Analysis and Planning. Durham and London: Duke Universty Press, 1993, p. 233253.
27
HELLER, A. - Sociología de la Vida Cotidiana, Barcelona, Ediciones Península,
1987.
HOBSBAWM, E. - Revolucionários. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1988.
KOSIK, K. - Dialética do Concreto. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1976.
LOJKINE, J. - O Estado Capitalista e a Questão Urbana, São Paulo, Martins
Fontes, 1981.
LYOTARD, F. (1988) - O Pós-moderno. Tradução de Ricardo Corrêa Barbosa, Rio
de Janeiro, José Olympio Editora.
MAFESOLI, M. - A Transformação do Político - A tribalização do mundo.
Tradução de Jurandir Machado da Silva, Porto Alegre, Sulina, 1997.
MARCUSE, H. - “Algumas Implicações Sociais da Tecnologia Moderna”. Revista
Praga, no. 1, Primeira1a reimpressão, 1997, p.113-140.
OFFE, C. - Partidos Políticos y Nuevos Movimentos Sociales, 2a. edición. Madri,
Editorial Sistema, 1996.
RIBEIRO, A. C. T. - “Trabalho, mutações sociais e conjuntura urbana”. VIII
Congresso da Sociedade Brasileira de Sociologia. Brasília de 7 a 9 de agosto. 1997.
SADER. E; - Quando novos personagens entram em cena experiências, falas e
lutas dos trabalhadores da Grande São Paulo (1970 -1980). Rio de Janeiro, Paz e
Terra, 1988.
SANTOS, M. - “A Totalidade do Diabo: como as formas geográficas difundem o
capital e mudam as estruturas sociais”. Revista CONTEXTO, no. 4, novembro,
1976, p. 31-44.
___________ - A Natureza do Espaço - Técnica e tempo, razão e emoção. São
Paulo, HUCITEC, 1996.
THOMPSON, E. P. - A Miséria da Teoria. Rio de Janeiro, Zahar Editores, 1981.
TOURAINE, A. - A Sociedade post-industrial, Lisboa, Moraes Editora, 1970.
TOURAINE, A. - O Retorno do Actor. Tradução de Armando Pereira da Silva.
Lisboa, Instituto Piaget, 1996.
WAINWRIGHT, H. - Uma Resposta ao Neoliberalismo Argumentos para uma
nova esquerda. Tradução de Angela Melim. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editores,
1998.
28
Download

Movimentos Sociais Urbanos - Profa. Ana Clara Torres Ribeiro