ESTUDOS PRELIMINARES PARA AVALIAÇÃO DA
SUSTENTABILIDADE AMBIENTAL NA TRUTICULTURA
EM TERMOS DE QUALIDADE DA ÁGUA
Mayara Alves Lopes, Marcelo Ricardo Formolo, João Pedro Paim Rech, Thiago El Hadi Perez
Fabregat e Everton Skoronski
Universidade do Estado de Santa Catarina, e-mail: [email protected]
Palavras-chave: Sustentabilidade; truticultura; qualidade da água.
Introdução
Santa Catarina é um estado que possui superfície
bastante irregular, altas montanhas e, ainda, grandes
variações de temperatura nas diferentes estações do ano.
Mesmo assim, a piscicultura de água doce tem conseguido
superar os obstáculos naturais e vem se tornando uma
atividade importante no contexto produtivo brasileiro.
Tornando-se assim o segundo maior estado produtor de
peixes de água doce do Brasil (Martins, 2014).
A piscicultura, de forma geral, até pouco tempo atrás
não era considerada uma atividade geradora de impacto
ambiental, porém já se foi comprovado que o os impactos
negativos causados são muitos, com consequências diretas
ao meio ambiente. Dentre estes impactos pode se citar de
acordo com Eler e Millani (2007) o aumento da quantidade
de sólidos suspensos na água, da quantidade de nutrientes
dissolvidos e a redução nas concentrações de oxigênio
dissolvido. Há também o enriquecimento pelo fósforo e
nitrogênio, tendo como maior problema a estimulação do
crescimento de fitoplânctons. Além do efluente produzido
pelos processos naturais, tais como fezes, ração não
consumida e o enriquecimento de nutrientes a piscicultura
também pratica o lançamento de produtos químicos, os quais
são utilizados na desinfecção, controles de pestes e
tratamentos de doenças.
Devido aos impactos causados no meio ambiente
decorrentes da piscicultura, recentemente, introduziu-se o
conceito de "Aquicultura Sustentável" que de acordo com
Valenti (2008) pode ser definida como a produção lucrativa
de organismos aquáticos, mantendo uma interação
harmônica duradoura com os ecossistemas e as comunidades
locais.
Neste contexto, a truticultura em Santa Catarina
caracteriza-se como uma atividade típica de propriedades
familiares cujos sistemas de cultivo foram adaptados à
realidade regional em função da sua topografia acidentada.
Devido ao Oeste e Serra Catarinense, por exemplo, possuir
corpos hídricos com temperaturas baixas, o local é propício
para criação de trutas, objeto deste trabalho, as quais são
espécies que só sobrevivem em regiões que apresentem
temperaturas inferiores aos 22 º C (Amaral, 2007). Não
existem ainda estudos sobre o impacto ambiental do cultivo
de trutas em Santa Catarina, sendo esta situação a principal
motivação para realização deste estudo que irá gerar um
diagnóstico para elaboração de um plano de gestão que
favoreça a produção sustentável sob o ponto de vista
ambiental.
O presente estudo teve como objetivo o monitoramento
da qualidade da água com relação à criação de trutas na
Serra da Farofa, no Planalto Catarinense, e por fim, avaliar
se pode ser aplicado o conceito da piscicultura sustentável
neste sistema.
Material e Métodos
A propriedade escolhida para realização deste estudo
possui a capacidade de produzir 36 toneladas por ciclo. A
instalação está alocada em uma área total de 3,2 ha. A área
construída ocupa 2 ha e contém 22 tanques para o
crescimento das trutas (21 sendo retangular e um maior
irregular dividida em subseções menores). A área molhada
totaliza 946 m² e após os tanques existe uma lagoa de
decantação com 200 m² para o descarte da água utilizada no
processo. A água é totalmente renovada a cada hora, em
função do tempo de detenção hidráulico médio. Os alevinos
são estocados com uma densidade de 95,1 peixes/m².
Durante o primeiro mês, os juvenis são alimentados 6 vezes
por dia, na proporção de 10% do peso corporal. Na próxima
fase, os peixes recebem duas refeições por dia. A quantidade
de alimento fornecido pode diminuir a 3% do peso corporal
do peixe de acordo com as respostas dos peixes nesta fase. A
produtividade é 38,05 kg / m². Os trabalhadores temporários
são contratados para a colheita e os peixes são destinados
para refrigeração. Neste trabalho, foi dado ênfase à
qualidade da água como principal indicador de
sustentabilidade. A vazão de água na propriedade é 10 L/s.
O plano de coletas para avaliação da qualidade da água
envolveu 5 pontos, sendo eles: água bruta a montante da
fazenda (P0); saída dos tanques de cultivo de truta (P1);
saída da lagoa de decantação (P2); água do rio 15 m à
jusante do lançamento (P3) e água do rio 30 m à jusante do
lançamento (P4).
Os parâmetros utilizados para avalição da qualidade da
água foram: pH, oxigênio dissolvido (O.D.), sólidos totais
dissolvidos (S.T.D.), sólidos suspensos (S.S.), cor, turbidez
(Turb.), demanda bioquímica de oxigênio (DBO5),
nitrogênio amoniacal (N-NH4), nitrato (N-NO3), nitrito (NNO2), fósforo total (P) e coliformes termotolerantes (C.T.).
As análises foram coletadas segundo recomendações para
coleta e preservação de amostras segundo o guia nacional de
coleta e preservação de amostras (ANA, 2011). As análises
foram
realizadas
segundo
metodologias
padrão
recomendadas pelo Standard Methods for the Examinattion
of Water and Wastewater (APHA, 2005). As análises de
oxigênio dissolvido, sólidos totais dissolvidos e pH foram
realizadas utilizando uma sonda multiparâmetro (YSI United
States). As amostras da série nitrogenada, fósforo total foram
realizadas por métodos colorimétricos após filtração da
amostra em membrana de 0,45 um e as análises de cor,
turbidez e sólidos suspensos foram determinados por
espectrofotometria utilizando um fotômetro spectroquant
NOVA 60 (Merck, Deutschland). A demanda bioquímica de
oxigênio foi determinada por respiromentria em sistema
oxitop (WTW, Deutschland). Coliformes termotolerantes
foram identificados e medidos utilizando a técnica de
filtração por membrana e posterior incubação a 44,5 °C em
meio mFC água e ácido rosólico como indicador. Este
trabalho preliminar apresenta os resultados da primeira
coleta realizada. Este estudo terá continuidade por 24 meses,
com coletas mensais para levar em conta os efeitos sazonais
referentes ao impacto ambiental da truticultura.
Resultados e Discussão
Os resultados obtidos após a realização da coleta são
apresentados na Tabela 1. As amostras foram coletadas em
uma condição de escoamento de base no corpo hídrico que
abastece a fazenda de truta. No entanto, serão coletadas
amostras e em diversas condições de vazão, sendo que este
parâmetro será avaliado em trabalhos futuros.
Em termos de qualidade da agua bruta, observa-se que
todos os parâmetros avaliados enquadram este corpo hídrico
como classe I segundo a resolução CONAMA 357 de 2005.
A concentração mínima de oxigênio dissolvido para
enquadramento em classe I é 6,0 mg/L e todos os valores
medidos situaram-se acima de 8,10 nesta coleta. O pH
medido situou-se na faixa de 7 a 8, estando em acordo com o
limite exigido na resolução citada (6,0 a 9,0). O critério
confiável mais importante para a truticultura é o suprimento
de água de boa qualidade. De acordo com Barbosa (2014,
apud TABATA, 2006), a vazão da água deve ser calculada
com base em períodos de estiagem e o teor de oxigênio
dissolvido (deve ser o de saturação), sendo o limite crítico
5,5 mg/L. O pH ideal é 7,0 (águas ácidas tornam os peixes
mais susceptíveis ao ataque de parasitas e águas alcalinas
possuem amônia na forma tóxica em maior proporção). O
valor de amônia na água bruta foi 0,10 mgN/L e este valor
não ultrapassa 0,19 mgN/L mesmo após a passagem pelos
tanques. Este valor máximo diminui sucessivamente após a
passagem na lagoa de decantação e também ao longo do rio
após o lançamento. Este valor é considerado baixo, tendo
como parâmetro o limite para a resolução 357 que estabelece
3,7 mgN/L como limite máximo para águas com pH menor
ou igual a 7,5. Nitrato e nitrito não ultrapassaram 10 e 1
mgN/L, respectivamente, indicando que mesmo com a
oxigenação acentuada na água, não existe uma atividade
significativa de microrganismos que oxidam amônia e
nitrito, não ocorrendo impacto devido à presença destes
ânions. A nitrificação pode comprometer a qualidade da
água devido aos problemas associados à ingestão de nitrato
como câncer, por exemplo. a transparência ideal é de 95% e
a turbidez de 50% o limite inferior (acima deste limite pode
haver comprometimento de guelras). A DBO5 da água bruta
apresentou-se abaixo do limite estabelecido pela resolução
CONAMA 357 para água classe I, que é 3,0 mg/L. No
entanto este valor aumenta para 6,0 após o tanque de trutas e
diminui sucessivamente após o lançamento no rio. Segundo
a resolução CONANA 430/2011 que estabelece o
lançamento de efluentes em corpos hídricos, define a DBO5
de lançamento com limite máximo de 60 mg/L, sendo o
valor observado neste trabalho estando bem abaixo e sendo
igual a 5,0 mg/L. Ainda, os valores obtidos demonstram que
existe uma autodepuração no corpo hídrico e para a
condição estudada não parece haver impacto devido ao
aporte de matéria orgânica no corpo receptor.
Em termos de compostos suspensos na água, os valores
de cor, turbidez e sólidos suspensos apresentaram
concordância com as características observadas na água
bruta. A presença de sólidos suspensos está associada à
transparência da água e segundo Barbosa (2014, apud
TABATA, 2006), o valor ideal é de 95% e a turbidez de
50% acima do limite inferior da resolução 357 (40 NTU),
sendo que acima deste limite pode haver comprometimento
de guelras.
Sólidos suspensos não apresentaram valores elevados
em relação à média observada entre as análises,
evidenciando que o uso de rações ou mesmo a liberação de
metabólitos pelos peixes não altera de forma acentuada a
quantidade de sais dissolvidos na água.
Sob o ponto de vista microbiológico, as análises de
coliformes termotolerantes aumentaram seu valor a partir da
captação. A água bruta apresentou 157 UFC/100 mL e após
a passagem do tanque de trutas o valor subiu para 205
UFC/100 mL, reduzindo para 191 UFC/100 mL após a lagoa
de decantação. Para a água bruta, o valor esteve em
concordância com o limite da resolução CONAMA 357 de
200 NMP (número mais provável)/100 mL. Neste trabalho
foi utilizado o método de contagem direta das colônia de
coliformes formadas, sendo análogo ao método que envolve
o número mais provável (NMP) tido como referência na
resolução 357. Para as amostras coletadas no rio após o
lançamento, estes apresentaram valores de 314 e 572
UFC/100 mL, maiores que os observados na água bruta e
após a lagoa de sedimentação. O corpo receptor apresenta
uma mata ciliar altamente preservada e a presença de
animais silvestres é frequente, principalmente os animais de
sangue quente. Neste sentido, os valores acima do esperado
para o parâmetro coliformes termotolerantes podem estar
associados à fauna no entorno do rio, uma vez que não existe
a influência antrópica e da criação de animais (suínos e
bovinos, por exemplo) na região de estudo. Pelo fato de a
fazenda ser operada por um numero reduzido de operadores
(em média 2 por dia) e não existir comunidades habitando a
região em um raio de pelo menos 20 Km, o aumento na
concentração de coliformes dificilmente pode estar
associada à atividades antrópicas ou mesmo ao cultivo de
trutas.
Por fim, embora a truticultura e a psicultura em geral
sejam frequentemente realizados de forma rudimentar, são
Ponto
P0
P1
P2
P3
P4
N-NH4
(mgN/L)
0,10
0,19
0,14
0,16
0,10
N-NO3
(mgN/L)
0,029
0,038
0,047
0,028
0,033
N-NO2
(mgN/L)
0,010
0,012
0,012
0,013
0,013
P
(mgP/L)
0,01
0,10
0,09
0,05
0,03
Cor
(uC)
9,6
13,4
12,6
13,7
10,8
Turb.
(NTU)
3
5
4
5
3
S.S.
(mg/L)
1
7
4
3
1
pH
6,98
7,44
7,15
7,11
7,20
O.D.
(mg/L)
8,91
8,10
8,25
8,88
8,89
DBO
(mg/L)
2
6
5
4
3
C.T.
UFC/100 mL
157
205
191
314
572
S.T.D.
(mg/L)
83,2
91,9
88,8
84,1
84,2
Tabela 1 – Resultados obtidos para a primeira coleta.
sistemas altamente produtivos e podem ser muito lucrativos
com baixo impacto ambiental. A realização de experimentos
que avaliem a sustentabilidade da truticultura são
importantes para confirmar esta hipótese.
Comentários Finais
Os resultados obtidos neste trabalho apresentaram de forma
preliminar a qualidade da água envolvida na produção de
trutas em uma fazenda de pequena escala. Foi observado que
para esta coleta não ocorreram alterações significativas na
qualidade da água indicando que a atividade vem sendo
executada de forma sustentável. No entanto, outras amostras
serão coletadas para obtenção de dados temporais que
poderão levar a conclusões acerca do impacto ambiental
desta atividade em termos de poluição dos corpos hídricos.
Além disto, fazendas de maior porte deverão ser
investigadas e as relações entre a quantidade de trutas
produzida e a quantidade e qualidade da água utilizada e
produzida nesta atividade deverão ser correlacionadas para
uma avaliação mais generalista sobre esta atividade.
Agradecimentos
Os autores agradecem à EPAGRI/SC pelo apoio operacional
e ao CNPq pelo suporte financeiro.
Referências bibliográficas
Amaral, G. F.; 2007. Análise do Segmento de Trutas:
Abordagens de Cadeia Produtiva e Turismo Rural.
Dissertação (Mestrado em Agricultura, Desenvolvimento e
Sociedade), Universidade Federal do Rio de Janeiro,
Seropédica.
Barbosa, A.S; 2014. Viabilidade econômica do Sistema
Intensivo de Produção de Trutas na Serra Catarinense.
Dissertação (Mestrado em Produção Animal), Universidade
do Estado de Santa Catarina.
Eler, M.N; Millani, T.J; 2007. Métodos de estudos de
sustentabilidade aplicados a aquicultura. Revista Brasileira
de Zootecnia, v.36, p.33-44.
Guia nacional de coleta e preservação de amostras: água,
sedimento, comunidades aquáticas e efluentes líquidos.
Organizadores: Carlos Jesus Brandão, et al. São Paulo:
CETESB; Brasília: ANA, 2011.
Martins, T.M; 2014. Pesquisa e Extensão na Piscicultura
Continental Catarinense: Rotinas no Campo Experimental de
Piscicultura de Camboriú – CEPC/EPAGRI.
Valenti, W.C; 2008. A aquicultura brasileira é sustentável?
Aquafair, pp 1-11.
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ENG156 - Mayara Alves Lopes