ISSN 2236-8671 v. 1, n. 1, jul./dez. 2011 Revista das Faculdades Integradas Coração de Jesus 1 INTER FAINC v. 1, n. 1, jun./dez. 2011 EQUIPE EDITORIAL Editores Chefe Prof. Dr. Wellington de Oliveira, FAINC Profª Ms. Missila Loures Cardozo, FAINC Editoração Gráfica Agência Experimental, FAINC, Santo André, SP Joyce Francisca da Silva Revisores de Texto Ir. Ivone Braga de Rezende Bibliotecária Esp. Tânia Aparecida da Silva Contato Principal Sandra Rodrigues Lima E-mail: [email protected] COMITÊ CIENTÍFICO Dr. Alcides José Scaglia, UNICAMP (Campinas, SP) Dr. Arquimedes Pessoni, USCS (São Caetano do Sul, SP) e FMABC (Santo André, SP) Dra. Daniele Pimenta, FAINC (Santo André, SP) Dra. Fernanda Coelho Liberali, PUC- SP (São Paulo, SP) Dra. Ivana Maria Lopes de Melo Ibiapina, UFPI (Teresina, PI) Dra. Maria Cecília Camargo Magalhães, PUC-SP (São Paulo, SP) Dra. Maria Otilia Guimarães Ninin, UNIP (São Paulo, SP) Dra. Maria Dora Ruiz Temoche, UEPB (Campina Grande, PB) Dra. Mônica Pegurer Caprino, USCS (São Caetano do Sul, SP) Dra. Tânia Regina de Souza Romero, UFLA (Lavras, MG) Dr. Wellington de Oliveira, FAINC (Santo André, SP) e PUC-SP (São Paulo, SP) SANTO ANDRÉ, SP PERIODICIDADE SEMESTRAL ISSN: Inter Fainc, Santo André, SP, v. 1, n. 1, p. 1-84, jun./dez. 2011 2 FACULDADES INTEGRADAS CORAÇÃO DE JESUS - FAINC Diretor Prof. Dr. Wellington de Oliveira Vice-Diretora Ir. Ivone Braga de Rezende Diretora Financeira Ir. Célia Regina Querido Secretária Acadêmica Ivone Nagy Martinasso Inter Fainc Rua Siqueira Campos, 483 CEP 09020-240 - Centro - Santo André - SP Fone: (11) 4433-7477 / Fax: (11) 4433-7474 e-mail: [email protected] site: www.fainc.com.br FICHA CATALOGRÁFICA Elaborada pela Biblioteca Cecília Meireles – FAINC Tânia Aparecida da Silva, CRB-8/5516 Inter FAINC [recurso eletrônico] / Faculdades Integradas Coração de Jesus. Rede Salesianas de Ensino – Vol. 1, n. 1 (jan./jun. 2011) – Santo André, SP: FAINC, 2011Semestral Resumo em Português e Inglês. Modo de acesso: World Wide Web: <www.interfainc.com.br/inter01.pdf> ISSN 1. Comunicação - Periódicos 2. Educação - Periódicos 3. Artes Periódicos 4. Nutrição - Periódicos 5. Biblioteconomia - Periódicos 7. Administração 8. Comunicação científica - Periódicos 9. Ciência da informação I. Faculdades Integradas Coração de Jesus. Rede Salesianas de Ensino CDD 001.25 3 EDITORIAL Imbuídos no espírito crítico da ciência, é que com grande satisfação, apresentamos à comunidade científica o primeiro exemplar da Revista INTERFAINC, produzida pelo Grupo de Pesquisa em Educação - GEST, Subjetividades e Tecnologias das Faculdades Integradas Coração de Jesus - FAINC. A revista se destina à publicação de trabalhos inéditos e originais na área de Educação, Subjetividade e Tecnologias resultantes de pesquisas e práticas educativas refletidas teoricamente e recebe artigos e resenhas congregando elaborações teóricas e metodológicas em torno desse tema, visando a estimular reflexão interdisciplinar e articulação de diferentes maneiras de compreender a temática a partir de suas múltiplas faces. Ao entregarmos este exemplar para a comunidade com a contribuição dos membros do Comitê Científico, nós, os Editores, demonstramos que há no diálogo compartilhado a possibilidade de um fazer científico renovador e transformador, que inspira estratégias e espaços concretos para o exercício da cidadania ativa e responsável. Esta edição também concretiza um antigo anseio da FAINC em ter um espaço para o registro de suas produções e do fazer científico em nossa casa. Estamos certos de que a revista muito contribuirá para o aprimoramento acadêmico da FAINC e, esperamos que, a partir de agora, a INTERFAINC consolide-se como um veículo aberto a todos aqueles que desejarem colaborar para um fazer compartilhado em ciência. Wellington de Oliveira e Missila Loures Cardozo Editores 4 SUMÁRIO Eventos oficiais como ferramenta da comunicação pública ---------- 06 Para pensar a metodologia de pesquisa nas ciências humanas ---------- 17 Theoretical-Methodological Choices in AL Research: Critical Research of Collaboration in Teacher Education ---------- 34 A produção colaborativa e critica na ciência: uma alternativa para desenvolvimento da pluripertença social ---------- 46 A formação profissional e o futebol: dilemas pedagógicos ---------- 54 Atividade docente de professores universitários: Reflexões crítica em contexto colaborativo ---------- 65 O teatro contemporâneo e o ensino das artes cênicas ---------- 74 Normas para publicação ---------- 81 5 Eventos oficiais como ferramenta da comunicação pública Official events as a tool of public communication 1 Arquimedes Pessoni Camila Moreira Fonseca Ferman 2 RESUMO O ponto de partida deste estudo é a análise da utilização dos eventos como ferramenta da comunicação pública, tornando visíveis as realizações da gestão governamental aos veículos de comunicação e respectivos públicos (população, parceiros, rivais políticos, etc.). Trata-se de uma estratégia de aproximação e divulgação de conteúdos que não teriam visibilidade apenas pela divulgação oficial. A análise teórica consiste na revisão bibliográfica sobre o tema e o cruzamento de informações entre evento e ferramentas de comunicação pública. Palavras chave: Eventos oficiais. Comunicação Pública. Cerimonial. Relações Públicas. ABSTRACT The starting point of this study is the analysis of the use of the events as a tool of public communication, becoming visible the accomplishments of the governmental management vehicles of communication and respective public (population, partners, rivals politicians, etc.). This is a strategy is to bring closer and spreading the contents that would not have visibility only for the official spreading. The theoretical analysis consists of the evaluation of official registers and public communication areas study, events and ceremonial. Keywords: Official Events. Public Communication. Ceremonial. Public Relations. RESUMEN El punto de partida de este estudio es examinar el uso de eventos como herramienta de comunicación pública, hacer visible los logros de la gestión de gobierno a los medios de comunicación y sus audiencias (públicos, socios, rivales políticos, etc) .. Se trata de una estrategia de aproximación y difusión de contenidos que no tienen visibilidad sólo para el lanzamiento oficial. El análisis teórico es revisar la literatura sobre el tema y el cruce de información entre el evento y las herramientas de comunicación pública. Palabras-clave: Eventos Oficiales. Comunicación Pública. Etiqueta. Relaciones Públicas. 1 Mestre e Doutor em Comunicação Social pela UMESP. Graduado em Jornalismo pela UMESP. Professor do corpo permanente do Programa de Mestrado em Comunicação e de graduação da USCS. Professor-colaborador da disciplina de Saúde Coletiva da Faculdade de Medicina do ABC - FMABC. Vice- presidente do Centro de Estudos de Saúde Coletiva da FMABC - CESCO. Assessor de imprensa da Prefeitura de Santo André desde 1991 (em licença). É editor do Blog da Rede Comsaúde, ligado à Cátedra Unesco/Metodista de Comunicação. Consultor ad hoc da Universidade do Norte do Paraná - Unopar e parecerista da Revista de Gestão USP (REGE-USP). E-mail: [email protected]. 2 Relações-Públicas e Especialista em Comunicação Organizacional pelo UniFIAMFAAM. E-mail: [email protected]. 6 1 Introdução O tema deste estudo visa a discutir a realização de eventos, por meio de cerimônias públicas/oficiais, como ferramenta de aproximação e visibilidade das ações desenvolvidas na gestão pública. O trabalho mostra que, independente das inúmeras novas mídias e estratégias de comunicação utilizadas para aproximar a população e formadores de opinião das ações realizadas por um órgão governamental, a realização dos eventos não perde espaço, muito ao contrário, cada vez mais as novas ferramentas são utilizadas no auxílio da propagação das informações divulgadas em eventos. O estudo busca o entendimento dos eventos e qual a sua participação no ciclo que abrange a transmissão das informações na comunicação pública, que tem obrigatoriedade por transparência e alcance máximo dentro da população. “Evento é um fato que desperta a atenção, podendo ser notícia e, com isso, divulgando o organizador” (Cesca, 1997, p. 14). É considerado um instrumento de marketing quando atinge o público desejado, torna a marca e os produtos do patrocinador conhecidos, promovendo as vendas e possibilita a conquista de novos mercados. Trata-se de uma excelente oportunidade de conquistar novos clientes e estreitar o relacionamento com clientes antigos (Sachuk e Corrêa, 2007, p. 44). A realização da pesquisa, baseada na metodologia da revisão bibliográfica, foi motivada pela crescente discussão sobre a necessidade de a área governamental investir numa política global de comunicação com os seus públicos de interesse e, como afirma Lima (2002), que esta política vá além da realeasemania. Na visão do autor, a atuação de um profissional de comunicação na área pública requer que este possua visão do que é a comunicação integrada, mesclando conhecimentos de várias áreas da comunicação para o desenvolvimento de trabalho de interface com os diversos públicos de interesse. A pesquisa abrangeu a realização de levantamento bibliográfico, visando compreender as concepções de autores da área sobre a função da comunicação e das relações públicas no governo. Constatou-se que existe pouca produção bibliográfica a respeito, partindo daí a necessidade de realização de pesquisas em documentos institucionais, entrevistas com profissionais atuantes nestas áreas e delineadores destas diretrizes de atuação e pesquisas junto às entidades da área de comunicação pública. A pesquisa busca mapear, a partir das diretrizes políticas ou partidárias, o evento como ferramenta de comunicação em cerimônias oficiais/públicas e um aprofundamento em torno das regras que delimitam estas cerimônias, que de forma geral norteiam os eventos públicos, ou seja, o conjunto de regras que regem um evento com a participação de uma autoridade pública, formalizado a partir do Decreto Federal nº. 70.274, de 09 de março de 1972, que estabelece as Normas do Cerimonial Público e a Ordem Geral de Precedência. 2 Comunicação pública Toda a base de estudos aqui apresentada gira em torno da atuação de órgãos governamentais e suas estratégias de comunicação. Inicialmente, parece simples a avaliação apenas vivenciada pela comunicação destes órgãos, mas em busca do embasamento teórico para esta análise, muitas lacunas ainda ficam sem preenchimento. As publicações nesta área ainda são limitadas a avaliações pontuais sobre determinados nichos de mercado, ou seja, os estudos constatados apresentam pontualmente análises sobre políticas públicas, impactos sociais, econômicos, ambientais e estruturais na sociedade a partir da atuação de cada gestão governamental, constatando-se assim, que os estudos em torno do conceito da comunicação pública são recentes e ainda pouco explorados. A discussão da comunicação pública a partir do enfoque pragmático-idealizante perpassa a análise conceitual e estabelece linhas de atuação conforme o interesse público. A comunicação pública tem origem na viabilização da democracia e na transformação do perfil da sociedade brasileira a partir da década de 1980, até então as referências de comunicação desenvolvida pela esfera governamental registram viés autoritário. Por uma breve passagem histórica permite-se a compreensão da mudança do perfil da comunicação pública nas últimas décadas, o que diferentemente das instituições privadas, que sempre dependeram da comunicação para captar clientes e obter lucro passou de autoritária a agregadora, compreendendo que o sistema comunicacional é fundamental para o processo das funções administrativas internas e do relacionamento das organizações com o 7 ambiente externo. Além disso, é preciso ver como ela funciona, identificando-se sua direção e sua rede de transmissão (Kunsch, 2003, p. 69). Nos anos 1930 o governo federal implementou as políticas de controle de informações por meio do Departamento de Imprensa e Propaganda – DIP, uma rede nacional que controlava e orientava a imprensa. Este controle foi ampliado durante o regime militar com a organização do Sistema de Comunicação Social com foco na propaganda e censura. A primeira mudança de panorama veio com o fim da censura, a Constituição de 1988, o Código de Defesa do Consumidor e a transformação do papel do Estado, que deu espaço para a atuação de movimentos sociais. Simultaneamente, o desenvolvimento tecnológico forçou a criação de mecanismos para dar entendimento aos cidadãos sobre informações do Estado e instituições. O surgimento do conceito empresarial socialmente responsável, ainda que diretamente ligado a estratégias comerciais, demanda maior transparência no setor público. Neste sentido, muitas empresas ganham espaço para a realização de ações comunitárias que são obrigação do governo e não são cumpridas. Já o contraponto do governo é a publicidade de suas ações. Mesmo com as mudanças, a população não se apropria das informações como interesse coletivo. De acordo com uma pesquisa realizada pelo Ibope em 2003 constou-se que 44% dos brasileiros desejam influenciar políticas públicas, entretanto 56% não têm interesse. E o que mais se destaca neste estudo é que dos não-interessados 35% alegam que não se interessam simplesmente por não ter informações de como fazer (DUARTE e VERAS, 2006). Isto posto, vale ressaltar que o cidadão entra em sua zona de conforto e alega não conhecer as fontes de informação simplesmente por não buscá-las ou por apresentar intolerância aos métodos oficiais de publicação das informações públicas, o que vale a defesa de que, o cidadão parece considerar os governos como algo não relacionado à sua vida e tornam-se um tanto cínicas (sic) com relação à política e à capacidade dos governantes de buscar o interesse público. Mais do que simples interesse do indivíduo em ser sujeito da ação, muitas vezes, a apatia e a falta de formação política são resultado do cruzamento entre desinformação, falta de oportunidade de participação e descrédito com a gestão pública. (DUARTE e VERAS, 2006, p. 35) 8 A comunicação na área privada é administrada, essencialmente, para a eficiência de um ambiente lucrativo instável, volátil e crítico, já a comunicação pública precisa ter a capacidade de mediar seu próprio interesse com o atendimento direto ao cidadão na viabilização de demandas coletivas das mais diversas áreas. Assumir a perspectiva cidadã envolvendo os temas de interesse coletivo é a matriz estratégica da comunicação pública e, por isso, a compreensão do seu ambiente de atuação é fundamental. Os fluxos de informação interferem diretamente da interação entre agentes públicos e atores sociais. Este ambiente compreende a integração governamental, seja nas esferas federais, estaduais e municipais, por meio dos poderes executivo, legislativo e judiciário, conciliando interesses de partidos políticos, entidades representativas, movimentos sociais, organizações não governamentais, empresas e imprensa com foco na perspectiva cidadã em temas de interesse público. Toda a complexidade estratégica da comunicação pública não se limita ao ambiente e sim ao conteúdo e forma de expressar, para isto, de acordo com Duarte e Veras (2006, p. 51) alguns conceitos delimitam sua atuação: A comunicação governamental diz respeito aos fluxos de informação e padrões de relacionamento, envolvendo os gestores e a ação do Estado e a Sociedade. Estado, neste caso, é compreendido como conjunto das instituições ligadas ao Executivo, Legislativo e Judiciário, incluindo empresas públicas, institutos, agências reguladoras, área militar e não deve ser confundido com governo. Este é apenas o gestor transitório daquele. [...] A comunicação política trata do discurso e ação de governos, partidos e seus agentes na conquista da opinião pública em relação a idéias ou atividades que tenham a ver com poder político, relacionado ou não a eleições. A comunicação pública diz respeito à interação e ao fluxo de informação relacionados a temas de interesse coletivo. O campo da comunicação pública inclui tudo que diga respeito ao aparato estatal, às ações governamentais, partidos políticos, terceiro setor e, em certas circunstâncias, às ações privadas. A existência de recursos públicos ou interesse público caracteriza a necessidade de atendimento às exigências da comunicação pública. Na prática não há como restringir estas divisões, que se integram em diversas áreas, entretanto, a comunicação pública assume como desafio alinhar a perspectiva da sociedade acima das instâncias governamentais, privadas, midiáticas, pessoais e políticas, o que de alguma forma unifica o conjunto. Cabe justamente à comunicação pública o levantamento de ferramentas para informar a sociedade, abrindo espaço para mais diálogo e participação, o que requer um trabalho de qualificação da gestão do público, em outras palavras, organizar estratégias para popularizar os canais de informação adequando-os para cada nicho da sociedade. Para Duarte e Veras (2006, p. 44), as informações podem ser agrupadas didaticamente em categorias: a)institucionais: referentes ao papel, responsabilidades e funcionamento das organizações–o aparato relativo à estrutura, políticas, serviços, responsabilidades e funções dos agentes públicos, poderes, esferas governamentais, entre federativos, entidades, além dos direitos e deveres do cidadão. O que esperar, onde buscar e reclamar; b) de gestão: relativos ao processo decisório e de ação dos agentes que atuam em temas de interesse público. Incluem discursos, metas, intenções, motivações, prioridades e objetivos dos agentes para esclarecer, orientar e municiar o debate público. O cidadão e os diferentes atores precisam saber o que está acontecendo em temas relacionados a acordos, ações políticas, prioridades, debates e execução de ações; c) de utilidade pública: sobre temas relacionados ao dia-a-dia das pessoas, geralmente serviços e orientações. Imposto de renda, campanhas de vacinação, sinalização, causas sociais, informações sobre serviços à disposição e seu uso são exemplos típicos; d) de prestação de contas: dizem respeito à explicação e esclarecimento sobre decisões políticas e uso de recursos públicos. Viabiliza o conhecimento, avaliação e fiscalização da ação de um governo; e) de interesse privado: as que dizem respeito, exclusivamente, ao cidadão, empresa ou instituição. Um exemplo: dados de imposto de renda, cadastros bancários; f) mercadológicos: referem-se a produtos e serviços que participam de concorrência no mercado; g) dados públicos: informações de controle do Estado e que dizem respeito ao conjunto da sociedade e a seu funcionamento. Exemplos: normas legais, estatísticas, decisões judiciais, documentos históricos, legislação e normas. Ainda que pareça óbvio que a estrutura pública necessite facilitar a informação consistente ao cidadão, cabe ao cidadão buscar os caminhos para interpretar as informações disponíveis conforme suas necessidades. Outro aspecto importante é foco dado por muitas instituições apenas para a publicidade, sinônimo de divulgação na busca de convencimento. Geralmente embasadas na Constituição de 1988, em seu artigo 37, que estabelece a publicidade como um dos princípios da administração pública. Assim, como defende Kunsch (2003, p. 89) a “comunicação é uma via de mão dupla que requer um processo circular de troca de informações e influências”. Qualificar a comunicação não significa apenas ampliar as ferramentas utilizadas, o que fortalece o bombardeio de informações transmitidas e reduz a absorção de conteúdo. A sociedade brasileira exige refinamento das estratégias utilizadas, a comunicação eficaz propicia a criação de formas adequadas de acesso e participação, ampliação de redes sociais que permitam maior ligação entre os agentes públicos, os grupos de interesse e o cidadão. De acordo com Duarte e Veras (2006), a comunicação de qualidade implica a criação de uma cultura de comunicação que perpasse todos os setores envolvidos com o interesse público, o compromisso do diálogo em suas diferentes formas e de considerar a perspectiva do outro na busca de consensos possíveis e de avançar na consolidação da democracia. Para garantir que a comunicação pública encontre maneiras adequadas de fazer a informação circular e chegar aos interessados é preciso mapear os públicos de interesse, avaliar o padrão de relacionamento com cada público e estabelecer objetivos e estratégias para a utilização de instrumentos como pesquisas, planos, diretrizes, programas, manuais, normas, canais institucionais, publicações e produtos. 2.1 A Comunicação Como Uma Necessidade dos Governos Percebe-se que os governos – sejam na esfera municipal, estadual ou federal – enfrentam no Brasil uma crise de credibilidade junto à opinião pública. Na visão de Torquato (2002, p. 125): 9 A imagem da administração pública, [...] é precária. Em determinados setores, é alicerçada num conjunto de mazela: empreguismo, obsoletismo, desmotivação de quadros, inércia, inadequação de funções, serviços desqualificados, ineficácia geral. Noutros casos as instituições públicas se vêem às voltas com denúncias de fraudes, escândalos e situações confusas. Os fatores listados pelo autor são inúmeros e também não são fenômeno recente. Das razões que motivam um cenário de descrédito para com os governos, no entanto, uma em especial deve ser destacada - a forma como lidam com a comunicação e a transparência em relação às ações desenvolvidas. Em grande parte a crise de imagem vivenciada pela área governamental pode ser atribuída à inexistência de uma política de comunicação contínua e transparente que informe a sociedade das ações realizadas, que preste contas da utilização do dinheiro público, ou ainda, nos casos de denúncias sobre fraudes, esclareça as providências tomadas para sensibilizar os culpados. Desde a década de 80 desenrola-se a discussão sobre a necessidade dos governos utilizarem uma estratégia de comunicação que os aproxime dos públicos. Na época, Andrade (1982) afirmava que: A separação entre governantes e governados é quase sempre conseqUência da falta de informações. A administração pública não pode funcionar sem a compreensão popular de suas atividades e processos, pois o poder público depende do consentimento e da participação do povo na execução das diretrizes governamentais. Atualmente, mais de duas décadas depois, verifica-se que um dos maiores desafios dos governos continua sendo a adoção de uma política transparente que seja capaz de informar e esclarecer de maneira contínua os seus públicos sobre seus atos/realizações. Muitas dificuldades enfrentadas na área governamental são originadas pela falta de informação. Na visão de Torquato (2002, p. 120), “há momentos de ocorrências de muitos fatos e informações e períodos de quase completa falta de notícia, mesmo em período de atividades dos poderes”. Assim como nas organizações privadas, as públicas também dependem da comunicação como elemento vital para seu crescimento. Para Kunsch (2003, p. 10 69), “[...] no sistema comunicacional é fundamental o processamento das funções administrativas internas e do relacionamento das organizações com o meio externo”. E nas organizações públicas não é diferente, principalmente quando estas possuem a responsabilidade pela gestão dos bens públicos. A comunicação deve ser vista na esfera governamental como facilitadora da relação do governo e seus diversos públicos e, também, como base da prevenção do surgimento de possíveis crises entre o governo e a população. Outro aspecto a ser considerado quando se discute o papel da comunicação governamental é que a socialização dos seus atos é um dos princípios constitucionais da administração pública. A partir disso, entende-se que é dever das organizações públicas informar seus públicos sobre assuntos que dizem respeito ao interesse de todos. Porém, o que se observa de maneira geral, é que dificilmente a população vê os órgãos públicos prestarem contas de seus atos, faltando na maioria dos casos, por parte do governo, o compromisso com a popularização da informação que é de interesse público. A abordagem anterior não diz que os órgãos públicos se recusam a prestar contas de suas ações, entretanto o conflito com a população, quando esta argumenta não ter informações sobre os atos governamentais inclui também a utilização de instrumentos de divulgação meramente administrativos, seja por meio de publicações em diário oficial ou veículos muito específicos. Além da obrigatoriedade de tornar público seus atos, de ser uma necessidade de administração pública, um outro aspecto que deve ser levado em consideração é o dever dos governos com a sociedade, pois o acesso às informações precisa ser vista como um direito do cidadão. A Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU assegura que “a informação é unanimemente reconhecida como direito universal inviolável e inalienável do homem moderno correspondente a uma profunda necessidade de sua natureza racional” (Andrade, 1982, p. 84). Ou seja, este direito deve ser respeitado especialmente pelos governos. Na defesa de que a comunicação deve ser vista pelos governos como fundamental na construção da cidadania Torquato (2002, p. 122) diz: A comunicação como base de cidadania: função: direito à informação. A comunicação deve ser entendida como um dever da administração pública e um direito dos usuários e consumidores dos serviços. Sonegar tal dever e negar esse direito é um grave erro das organizações públicas. Os comunicadores precisam internalizar esse conceito, na crença de que a base da cidadania se assenta também no direito à informação. Neste contexto, o desenvolvimento de uma política de comunicação é essencial para os governos. Ainda de acordo com Torquato (1985, p. 44): A comunicação governamental é uma necessidade social, mais que uma infraestrutura de sustentação do poder. Por sua rede, os segmentos sociais tomam conhecimento do que se passam nos diversos setores do governo e, por seu intermédio, transmitem aos governantes suas expectativas e desejos. Deve ser entendida, pois, como via de duas mãos. É importante destacar quando o autor defende que a comunicação governamental deve ser vista como uma via de duas mãos. Ou seja, as organizações precisam, acima de tudo, compreender a amplitude do conceito de comunicação. Além de informar, de tornar público seus atos, os governos precisam criar canais de comunicação que permitam que a sociedade manifeste sua opinião, possa tirar dúvidas ou indicar sugestões de melhorias. A partir desta visão, Lima (2002, p. 300) defende como sendo fundamental que os governos revejam sua estratégia, que na maioria das vezes, está pautada no envio de releases para eventos, tendo como público prioritário a imprensa ou apenas uma minoria de parceiros geralmente também de governo que participam das cerimônias oficiais. Isso se deve segundo o autor “porque os chefes do executivo, equivocadamente, confundem comunicação com jornalismo e escolhem para atuar nesse segmento apenas jornalistas, quase na totalidade deles com experiência em veículos”. Ao fazer da divulgação jornalística sua principal estratégia, os governos e os profissionais, que atuam nas assessorias deixam claro que não visualizam a contribuição efetiva da comunicação no seu conceito mais amplo. Por outro lado, enquanto muitos acreditam que a divulgação das ações do governo é que deve ser o caminho para alcançar o objetivo maior na conquista de visibilidade junto à sociedade, destacam-se as demandas da sociedade sobre a falta de informação pelo uso de ferramentas limitadas ou inadequadas. Ainda, de acordo com Lima (2002), uma mudança de concepção quanto ao papel da comunicação governamental passa também pela discussão do perfil do profissional adequado para atuar na área governamental que, na sua visão, deve “integrar conhecimentos das várias áreas da comunicação e que saiba desenvolver o trabalho de interface com os públicos”. A implantação de política de comunicação eficiente na área governamental dependerá em grande parte na visão exata do que seja a comunicação integrada. Neste sentido, a questão do planejamento de estratégias de comunicação com os diversos públicos de interesse se torna necessário. Torquato (2002, p. 122) também destaca a função da pesquisa como uma aliada da comunicação governamental, onde são analisadas questões como o ambiente organizacional e a opinião dos públicos. [...] Há de se considerar a prospecção ambiental como ferramenta importante do planejamento estratégico da comunicação. Afinal de contas, a pesquisa é o que detecta o foco, os eixos centrais e secundários, as demandas e expectativas dos receptores. Quando se trata da comunicação governamental tornase necessário, também, que a área governamental assimile a necessidade de trabalhar com a visão de públicos de interesse, ou seja, que os governos se preocupem em planejar a relação não somente com o público externo – população e imprensa, mas também com o público interno. Para Torquato (2002, p. 125) “nesse sentido, torna-se indispensável à alocação de uma força de comunicação capaz de trabalhar nas duas pontas do processo de imagem: ambientes interno e externo”. No ambiente interno, a adoção de estratégias de comunicação e relações públicas contribuirão para promover a integração interna e motivação do público interno que desempenha papel estratégico na recuperação da credibilidade dos serviços públicos. A partir da necessidade de melhorar sua imagem junto à sociedade, de estabelecer um processo de comunicação contínuo e transparente, cabe aos 11 governos visualizarem a comunicação como estratégia fundamental na construção de credibilidade junto aos seus públicos de interesse. 2.2 Visibilidade e Comunicação Pública Na última década uma nova linha de comunicação ganhou força na sociedade, é evidente que, com a crescente complexidade das novas mídias, haja a crescente demanda para a adequação de muitas áreas ao panorama social e de negócios, com isto o fator de tornar visíveis os acontecimentos deixa de ser uma opção nos sistemas de comunicação e passam a ser cada vez mais difíceis de serem controlados. Trata-se de uma estratégia explícita por parte de um nicho da sociedade que bem sabem utilizar a sociedade com uma arma de enfrentamento de lutas diárias. A comunicação formal perde sua exclusividade de conteúdo, o cidadão passa a ser repórter, interlocutor e receptor crítico das informações, a nova visibilidade, conforme Thompson (2008) ultrapassa as barreiras da comunicação massiva com um novo cenário político visível no mundo mediático, no qual a distância é irrelevante e a propagação da informação ganha força com a internet e outras mídias em rede, sendo assim, a nova visibilidade está definitivamente relacionada às maneiras de agir e interagir trazidas com a mídia. As mídias comunicacionais não se restringem aos aparatos técnicos usados para transmitir informações de um indivíduo a outro, enquanto a relação entre eles permanece inalteradas novas formas de interagir são criadas consideradas as características individuais do cidadão. 12 de co-presença a interação mediada ocorre em termos espaciais, podendo ser comprimida em termos temporais. Uma forma de comunicação mediada pode ser exemplificada, inicialmente, por falar ao telefone e escrever cartas ou e-mails. Ela cria diversos tipos de relacionamentos interpessoais e trocas simbólicas, o que Thompson (2008, p. 19) chama de “intimidade não-recíproca à distância”. O desenvolvimento de uma gama de novas tecnologias da comunicação relacionadas aos computadores pessoais e a Internet, como blogs, comunidades no Orkut e Twitter podem ser analisadas de forma semelhante, pois criam uma variedade de situações de interação que tem características próprias. Todas estas novas tecnologias de comunicação não eliminam as demais, ampliando seu alcance na sociedade por outras formas de interação que assumem papel em constante crescimento. De acordo com Thompson (2008, p. 20): Cada vez mais os indivíduos são capazes de captar informações e conteúdos simbólicos de fontes outras que não as pessoas com quem interagem diretamente no decurso de suas vidas cotidianas; cada vez mais eles têm acesso a um <<conhecimento não-local>> e que podem incorporar, de maneira reflexiva, em seus processos de reconstrução pessoal. A criação e a renovação das tradições são processos que se tornaram cada vez mais atrelados à troca simbólica mediada; as tradições não são, necessariamente, destruídas com o avanço (sic) sociedades modernas, mas perdem gradualmente seu lastro nas situações cotidianas. O desenvolvimento dos meios cria novos campos de ação e interação que envolvem diferentes formas de visualidade e nos quais as relações de poder podem alterarse rapidamente, dramaticamente e tomando caminhos imprevisíveis. A forma tradicional de interação é comumente conhecida por face-a-face, quando os indivíduos compartilham de uma estrutura espaço-temporal e a transmissão de informações pode ser de duas vias, ou seja, pode haver diálogo entre os presentes, neste caso a recepção da mensagem é complementada por características ambientais, gestuais, entonações e referências visuais. Na comunicação pública a interação face-a-face sempre precedeu outras ferramentas na transmissão de informações aos formadores de opinião, seja por meio de reuniões ou eventos. Para a comunicação pública esta nova visibilidade traduz novas formas de aproximar o governo do cidadão, um exemplo disto é que em cerimônias públicas os líderes políticos estavam visíveis apenas àqueles que compartilhavam o espaço de sua realização, sendo sempre membros da elite mandante ou formadores de opinião com poder de decisão junto ao poder público. O que posteriormente teria uma divulgação pontual pela imprensa ou algum veículo oficial, sem espaço para interação da sociedade. Enquanto a interação face-a-face se passa no contexto Com o desenvolvimento da nova visibilidade os parâmetros de tempo e espaço das cerimônias públicas, por exemplo, vão muito além do momento em que acontecem, expandindo a divulgação oficial e pela mídia; um participante pode ser propagador da informação por meio das redes de comunicação não-formais, que possibilitam a multiplicação da informação bem como a interação do cidadão com questionamentos, críticas e sugestões, o que por não ser oficial não depende do crivo institucional para circular e alcançar as mais diversas avaliações, tornando crescente a demanda e o monitoramento por transparência na gestão pública. Mais uma vez cabe ao interlocutor da comunicação pública, geralmente conduzido por um profissional de relações públicas e sua equipe de comunicação integrada, criar e sustentar uma base que mantenha a centralidade das informações oficiais prontas para esclarecer com objetividade e transparência o que circula no espaço público não-formal. Não se pode mais controlar o fluxo das informações, as demandas e respostas não seguem mais o percurso previamente estabelecido e a forma mais comum de expansão dos limites da informação na comunicação pública é por meio de eventos, que ao trazer para si representantes da sociedade abre espaço para novas linhas de divulgação e discussão das ações apresentadas, Thompson (2008, p. 37) diz que a visibilidade das ações e eventos, o impacto dessas ações e imagens na forma como os indivíduos comuns entendem [...] moldam suas opiniões e julgamentos morais sobre tais situações têm se tornado, no tempo presente, uma parte inseparável do decurso dos eventos em si. 2.3 Evento Partindo do pressuposto que evento é uma ferramenta indispensável para a comunicação social, sobretudo ao profissional de Relações Públicas, o evento pode ser empregado com sucesso em campanhas institucionais e de mercado. Seu objetivo é criar conceitos e reforçar a imagem de produtos, serviços, pessoas, entidades e organizações, por meio da aproximação entre os públicos envolvidos. A imagem de uma instituição no mercado é valiosa, é o que a torna competitiva, geralmente é fortalecida por meio de eventos. Por apresentar características complementares ao evento, o Cerimonial é também uma ferramenta importante e fundamental. Suas funções e atribuições vêm evoluindo através da história, harmonizando o comportamento das pessoas, de acordo com a prévia pesquisa e organização de regras e costumes. De acordo com Gimenes (1991 apud Cesca, 1997, p. 14) para as relações públicas, “evento é a execução do projeto devidamente planejado, de um acontecimento com o objetivo de manter, elevar ou recuperar o conceito de uma organização junto ao seu público de interesse”. É um fato que desperta a atenção, podendo ser notícia e, com isso, torna-se uma mídia poderosa de divulgação. Transformar em evento o conjunto de informações institucionais que serão transmitidas ao público alvo é uma crescente rápida e em constante desenvolvimento. Kotler (1990) situa o início desta demanda na década de 1950 na área de negócios, por meio de eventos formatados em feiras e exposições com foco em promoções de vendas. Inicialmente estes eventos tinham como objetivo principal orientar os promotores de venda sobre técnicas de exposição, apresentação e venda dos seus produtos, em seguida os eventos passaram a acontecer para promover estas vendas, o que deu espaço para a integração de tipologias, as feiras de exposição passaram a ter cerimônia de abertura, coquetéis de lançamento de produtos, palestras e até muitas vezes congressos integrados. Ciacaglia (2007) reforça que há que se considerar as mudanças significativas nestes eventos, as grandes feiras diminuíram dando espaço a transformação de eventos em commodities. Surgiram, então, para o proponente de eventos requisitos que, embora não fossem novos, se tornaram cada vez mais imprescindíveis, como idéias muito criativas, excelente estruturação, projetos e proposta adequados, capacidade de comunicação e facilidade de vendas na busca de patrocínios que viabilizassem a realização de seus eventos (Ciacaglia, 2007, p. XVI). Com a ampliação da demanda seguiu-se a ampliação das exigências, trabalho integrado tornou-se referência, principalmente pela necessidade de captação de parcerias, o que não se limita às cotas de patrocínio e espaços para exposição de marcas, é preciso conhecer a atuação das instituições parceiras 13 para aliar suas imagens a do evento que será por elas patrocinado. Essa expansão do mercado de eventos abrange também a utilização de novas mídias e tecnologias, as informações sobre o evento precisam ser disponibilizadas no maior número possível de mídias que proporcionem não apenas a informação, mas também a interação do público alvo, convidando-o a participar da elaboração e avaliação do evento. Assim como Cesca (1997) defende que o evento é a execução de um projeto que reúne um determinado público para a elevação ou manutenção do conceito que este possui sobre a instituição, destaca-se a importância de conhecer o público-alvo do evento e seu poder de influência sobre os demais públicos indiretamente envolvidos. A opinião trabalhada a partir de um evento precisa ser avaliada conforme seu poder de repercussão, e é exatamente por isso, que o evento é uma ferramenta tão poderosa de aproximação dos formadores de opinião, não se limita ao acontecimento pontual. Nesta etapa é fundamental a definição do público-alvo e a mensagem que será transmitida, o que em segundo plano exige ainda uma avaliação detalhada de como esta informação será recebida e, posteriormente ,repassada por este público. Como eficácia de um evento se mede pelo seu poder de repercussão, cabe aí ao organizador estruturar um planejamento consistente de pré e pós-evento para monitoramento destes resultados. Outro aspecto fundamental é a riqueza de detalhes que compõem um evento, ao trabalhar em parceria é preciso avaliar se os princípios organizacionais do parceiro condizem com a mensagem do evento, se o público participante realmente tem interesse pela informação principal e se a propagará de maneira adequada, se a participação dos envolvidos atende o objetivo inicial do projeto e, principalmente, se a linguagem utilizada no evento está adequada aos participantes. Ao abordar a linguagem do evento temos abertura para avaliar tudo o que ele comunica a seu público, desde a comunicação visual, receptividade, organização, cerimônia de abertura com ou sem autoridades presentes, serviços oferecidos, espaço 14 para participações e intervenções do público, mídias utilizadas e muito mais instrumentos que compõem a mensagem final que do evento. De acordo com Duarte (2009), [...] tem vários tipos de Comunicação, às vezes até o prédio é um elemento de Comunicação, quando tu viaja por alguns Estados, que são muito pobres, e vê o prédio da justiça, por exemplo, todo envidraçado, todo bonito, aquilo transmite alguma coisa para as pessoas que vêem, quando tu vê um logotipo, um tipo de pintura num prédio, até o layout, isso tudo te traduz uma mensagem, então de um modo geral a Comunicação ocorre por diversos mecanismos. Como é um mecanismo de Comunicação, planejado, tem um conceito, as pessoas trabalham com ele com uma certa perspectiva, tu tem uma maneira mais ou menos fácil de organizar, de localizar, então fica mais clara essa Comunicação, a Comunicação de um evento, é até mais óbvia do que a de um prédio, de um layout ou de um símbolo, porque um símbolo pode ter sido criado há 10 anos, o prédio também, é atemporal, um evento não, um evento é feito por quem está no poder, quem está organizando, é possível tu pensar em Comunicação a partir de um evento sim, desde a concepção lógica até mesmo pelo conteúdo dele e além de ser um mecanismo de comunicação em si, ele permite novos mecanismos de comunicação, porque tu tem um evento que significa alguma coisa, por exemplo, quando tu faz um evento sobre os Sem Terra, na verdade tu ta dizendo alguma coisa com isso, está mostrando a visão que o Governo tem sobre aquele assunto. Você ta falando dos Sem Terra, você ta passando uma mensagem, se tu fizer um evento sobre grandes empresários de agronegócios tem uma outra mensagem, em termos de política pública, tem uma mensagem, o evento em si também tem uma mensagem, as falas das pessoas, o que é distribuído tem outras mensagens, tem um conceito geral, uma lógica geral, mais tem várias mensagens dentro de tudo isso[...] Uma avaliação mais detalhada dos componentes de um evento traduz, exatamente, a mensagem a ser transmitida, vejamos: a) comunicação visual: se há ou não uma logomarca específica para o evento ou o projeto/ assunto abordado; as cores utilizadas no ambiente induzem comportamentos; se o material produzido (banners, folders e vídeos) possuem imagens, e que tipo de imagem é utilizada para a ocasião; se o formato de montagem do espaço aproxima ou afasta as pessoas; entre outros aspectos; b) receptividade: indica como os organizadores se preocupam com o público presente. Se há recepcionistas para indicação de acomodações e direcionamento dos percursos; se há ou não sinalização ou equipe de boas vindas; a preocupação dos organizadores com estacionamento e local com acesso por transporte público; cuidados com a alimentação na chegada e intervalos para refeições; preparo para receber convidados com alguma deficiência, e muito mais detalhes traduzem que o evento quer mostrar aos convidados a importância da sua presença naquela ocasião; c) organização: reflete o quanto de preparo houve para que tudo ocorresse da melhor forma. Pontualidade, sutileza e discrição simbolizam um evento bem organizado; d) cerimônia de abertura: é o marco inicial do evento, demonstra que o assunto abordado é de interesse e importância relevantes, por isso reúne autoridades públicas e institucionais para formalizarem seu apoio e/ou prestígio. As regras de cerimonial e protocolo devem ser atentamente respeitadas durante a abertura de qualquer evento. 3 Considerações finais A realização de eventos oficiais se adapta às demandas apresentadas em sua elaboração, neste caso tratamos como eventos oficiais, todo acontecimento organizado por um órgão ou instituição pública para propagação de uma determinada informação ao seu respectivo público. É fundamental ressaltar, que as diretrizes para organização e realização destes eventos oficiais são regidas pela autoridade máxima da instituição organizadora, ou seja, definições como tipologia, formato, linguagem, público, mensagem e abordagem de cada evento são definidos pelo topo hierárquico. Em situações de realização de eventos é possível observar as peculiaridades de cada gestor. Podemos considerar, como sinalizador do impacto político, que cada um quer causar, externamente, a quantidade de eventos realizados e a abordagem de cada um deles, por exemplo, um gestor público que tem maior enfoque na atuação política com ambições partidárias demandará eventos bem segmentados, para que conquiste os mais diversos públicos, são organizadas desde inaugurações e visitas em regiões periféricas para tornar tangível o contato com a população mais carente até a promoção de cafés e almoços com empresários renomados para fortalecer parcerias. O estudo aqui apresentado mostra que, independente das inúmeras novas mídias e estratégias de comunicação utilizadas para aproximar a população e formadores de opinião das ações realizadas pelo governo, a realização de eventos não perde espaço. O evento oficial é uma ferramenta de aproximação da instituição governamental para a prestação de satisfações e divulgação de serviços e ações, utilizando em grande escala e de forma personalizada para minimizar impactos e ruídos na comunicação pública entre gestores e seus respectivos públicos. O fortalecimento do evento é ainda maior por seu poder de repercussão e adaptação de linguagem, seja com a imprensa ou formadores de opinião. REFERÊNCIAS ANDRADE, Luís Aureliano G. de. Habitação e poder: da fundação da casa popular ao Banco Nacional da habitação. Rio de Janeiro: Zahar, 1982. CESCA, Cleuza Gertrude Gimenes. Organização de eventos. São Paulo: Summus, 1997. CIACAGLIA, Maria Cecília. Eventos: como criar, estruturar e captar recursos. São Paulo: Thomson, 2007. 15 DUARTE, Jorge; VERAS, Luciara (Orgs.). Glossário de comunicação pública. Brasília: Casa das Musas, 2006. DUARTE, Jorge. Jorge Duarte: depoimento [4 ago. 2009]. Entrevistadora: Camila Moreira Fonseca Ferman. São Paulo, 2009. 1 CD. KOTLER, Philip. Marketing. São Paulo: Atlas, 1990. KUNSCH, Margarida M. K. Planejamento de relações públicas na comunicação integrada. São Paulo: Summus, 2003. LIMA, Gerson Moreira. Muito além do releasemania. In: BARROS FILHO, Clovis de (Org.). Comunicação na polis: ensaios sobre mídia e política. Rio de Janeiro: Vozes, 2002. SACHUK, Maria Iolanda; CORRÊA, Tamy Carla. Ferramentas de marketing utilizadas em organização de eventos: o caso do Paraná Fashion. Revista Gestão & Regionalidade, São Caetano do Sul, v. 23, n. 67, maio/ ago. 2007. p.38-51. THOMPSON, John B. A nova visibilidade. Tradução de Andrea Limberto. Inglaterra: Matrizes, 2008. p. 1537. TORQUATO, Gaudêncio. Marketing político e governamental. São Paulo: Summus, 1985. ______. Tratado de comunicação organizacional e política. São Paulo: Pioneira, 2002. 16 Para pensar a metodologia de pesquisa nas ciências humanas Thinking research methodology in the humanities Fernanda Coelho Liberali1 André Ricardo Abbade Liberali2 Resumo Este artigo apresenta uma breve discussão sobre importantes aspectos metodológicos das pesquisas em ciências humanas. Aborda essenciais paradigmas de pesquisa, tipos de raciocínio, métodos de pesquisa, tipos de estudo, tipologias de pesquisa, plano amostral, procedimentos de produção e/ou coleta, procedimento e técnicas para tratamento de dados e mecanismos para a garantia de validade, confiabilidade e credibilidade. Palavras-chave: Metodologia da Pesquisa. Pesquisa Cientifica. Ciências Humanas. Abstract This article presents a brief discussion of important methodological aspects of research in the humanities. Discusses key research paradigms, types of reasoning, research methods, types of study, types of research, sampling, production procedures and/or collect, process and techniques for data processing and mechanisms for ensuring validity, reliability and credibility. Keywords: Research Methodology. Scientific Research. Humanities. 1 Mestre e Doutora em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP. Graduada em Letras pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Atua como professora do Programa de Estudos Pós-Graduados em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem da PUC-SP. Desde 2008, é a representante brasileira da International Society for Cultural and Activity Research (ISCAR). Atua como coordenadora geral do Programa de Extensão Ação Cidadã e diretora do Instituto Ação cidadã. É uma das líderes do Grupo de Pesquisa Linguagem em Atividade no Contexto Escolar e coordenadora do Grupo de Estudos sobre Educação Bilíngue. Em programas de extensão, ministra e coordena cursos sobre formação de educadores, gestão escolar, teorias de ensino-aprendizagem, leitura nas diferentes áreas do saber, multiculturalidade, argumentação e cidadania. Atua também como consultora e assessora para instituições públicas e privadas. Sua pesquisa aborda questões sobre a formação contínua de educadores com foco na teoria da atividade, na formação crítica e na análise do discurso, com foco na argumentação. É Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq - Nível 2. E-mail: [email protected] 2 Especialista em Administração pela Escola de Administração de Empresas de São Paulo e graduado em Engenharia de Produção pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ. Funcionário de Carreira da Saint-Gobain Vidros S.A. 17 1 Introdução A metodologia de pesquisa, segundo Minayo (1993, p. 16), seria “o caminho do pensamento e a prática exercida na abordagem da realidade”. Embora fundamental, a metodologia de uma pesquisa não pode agir como uma “camisa de força”, mas como um meio de desenvolvimento do conhecimento. A escolha metodológica realizada por um pesquisador não acontece de forma isolada. Conforme aponta Kuhn (1978), há um conjunto de crenças, modelos, esquemas de referência, visões de mundo e formas de trabalhar, reconhecidos por uma comunidade científica em determinados momentos históricos, que acabam por nortear a metodologia de pesquisa adotada, concebidos como paradigmas. Neste artigo, discutimos alguns aspectos que consideramos essenciais para uma tomada de decisão dos pesquisadores no momento de decidir sobre seus projetos de pesquisa. Essa decisão não pode ser vista como uma simples escolha de um produto na prateleira de possibilidades que aqui serão apresentadas, mas como escolhas políticas e ideologicamente marcadas que constituirão seu fazer como pesquisador e sujeito no mundo. Para a reflexão de pesquisadores preocupados com suas escolhas de pesquisa, apresentamos alguns aspectos que consideramos relevantes para uma tomada de decisão. São eles: paradigmas de pesquisa, tipos de raciocínio, métodos de pesquisa, tipos de estudo, tipologias de pesquisa, plano amostral, procedimentos de produção e/ou coleta, procedimento e técnicas para tratamento de dados, mecanismos para a garantia de validade, confiabilidade e credibilidade, alem de rápidas considerações finais. 2 Paradigmas de Pesquisa Denomina-se paradigmas na concepção de Kuhn (1978), como um conjunto de regras implícitas que regulam aspectos da atividade científica, sendo determinados por alguns critérios: a) o que vem a ser um problema digno para se tornar objeto de uma pesquisa que os cientistas devem resolver; b)que tipo de tratamento, de métodos de observação, descrição, representação formal de dados que podem ser utilizados em uma pesquisa; c) que tipo de solução pode haver para o problema. 18 Diferentes áreas lançam mão desses paradigmas distintos na tentativa de verificarem suas hipóteses, de obter maior compreensão de seus fenômenos ou mesmo de transformá-los. Dessa forma, tornase fundamental uma discussão inicial sobre os diferentes paradigmas que norteiam as pesquisas, essencialmente, em ciências humanas. Segundo Bredo e Feinberg (1982), são três os principais paradigmas nessa área: positivista, interpretativista e crítico. Segundo os autores, esses três paradigmas se pautam pelos três principais interesses humanos, descritos por Habermas (1970 apud BREDO e FEINBERG, 1982) como: o técnico, o prático e o emancipatório. O interesse técnico procura entender a realidade empírica e busca maneiras de controlar o meio através do trabalho, ou seja, do agir instrumental. Por sua vez, o interesse prático diz respeito à influência da realidade cultural e histórica nas relações entre os indivíduos em sua vida social. Finalmente, o interesse emancipatório, é traduzido por Habermas como a ligação ou a ponte entre os saberes teórico e prático em toda a atividade humana, bem como pela busca de valores éticos. Pautado nas idéias, o paradigma positivista de pesquisa enfatiza o interesse técnico como constitutivo do saber (Bredo e Feinberg, 1982). Ainda dominante, na maioria das áreas, esse paradigma pressupõe que a realidade existe por si mesma. Com isso, credita maior valor à descoberta e à hipótese determinística de que o mundo é feito de necessidades (Girod-Séville e Perret, 2001), de que todo conhecimento válido ou legitimo é construído em uma relação de dicotomia entre objeto e sujeito, isto é, não há relação entre conhecedor e conhecido, entre sujeito e objeto. O objeto de conhecimento pode ser estudado como um sistema fechado, pois os fatos são relacionados e explicados por leis gerais, que integram um sistema teórico coerente. O conhecimento gerado nesse paradigma está aberto às modificações racionais, uma vez que pode ser testado empiricamente. Há, pois, o privilégio da explicação que pode confirmar ou refutar hipóteses que não demostrem uma consistência lógica. O conhecimento nesse paradigma é desprovido do sujeito conhecedor (Girod-Séville e Perret, 2001). Segundo Smircich (1983, apud Girod-Séville e Perret, 2001), em um paradigma positivista o mundo social é visto como pré-definido e universal e as organizações são entendidas como tendo cultura. Em outras palavras, as organizações seriam instrumentos sociais que produzem bens e serviços e , também, geram um produto secundário (by-product), tais como: a linguagem, os símbolos, os rituais e as cerimônias. Esses artefatos culturais seriam controlados de forma previsível. Nesse sentido, o interesse técnico seria preponderante, uma vez que pesquisadores positivistas estariam preocupados em desenvolver meios de controle e avaliação do meio social. Sua maior preocupação seriam a eficiência e a eficácia dos meios para atingir determinados fins, sendo que esses fins não estariam abertos à crítica ou à mudança. Há o interesse pelo tipo de conhecimento que permite a previsão e controle dos eventos (Liberali, 2002). Resumindo com as palavras de Minayo (1993, p. 23), alguns princípios básicos desse paradigma seriam: a) o mundo social opera de acordo com leis causais; b) o alicerce da ciência é a observação sensorial; c) a realidade consiste em estruturas e instituições identificáveis enquanto dados brutos por um lado e crenças e valores por outro. Estas duas ordens se correlacionam para fornecer generalizações e regularidades; d) O que é real são os dados brutos; e) valores e crenças são dados subjetivos que só podem ser compreendidos através dos primeiros. Contrastivamente ao positivista, o paradigma interpretativista preocupa-se com interesses práticos, isto é, o conhecedor e o conhecido estão em relação intensa e direta. Os fatos analisados passam a ser vistos como relativos a um esquema simbólico particular constituído por um conjunto de termos, conceitos e rótulos. Nesse paradigma, o conhecimento é gerado levando-se em conta as convenções que uma determinada comunidade científica adota e, portanto, a interpretação torna-se a mola mestra para a pesquisa (Bredo e Feinberg, 1982). Essa interpretação seria a tentativa de dar transparência e coerência ao que anteriormente não tinha. Há uma perspectiva de que a essência do objeto é múltipla, portanto, o mundo seria feito de possibilidades (Girod-Séville e Perret, 2001). A compreensão seria, então, a base fundamental desse paradigma. Dessa forma, seria essencial a compreensão de que “a realidade jamais seria independente da mente ou da consciência da pessoa que a observa ou testa” (Girod-Séville e Perret, 2001, p. 16). Segundo Lincoln e Guba (1985), o conhecimento produzido nesse paradigma seria subjetivo e contextualizado. Em outras palavras, o conhecimento é produzido com base em elementos de referência definidos pelos pesquisadores. Nesse enfoque interpretativista, a visão do mundo social estaria pautada por critérios emergentes e específicos, determinados por relações simbólicas sustentadas por processos contínuos de interação humana (Smircich,1983 apud Girod-Séville e Perret, 2001). Nesse contexto, as organizações seriam a própria cultura, ou seja, as organizações seriam formas expressivas ou manifestações da consciência humana e a linguagem, os símbolos, os mitos, os rituais seriam processos que constituiriam a própria existência das organizações – seriam, portanto, as próprias organizações. A pesquisa realizada dentro de um paradigma interpretativista teria como função essencial a possibilidade de encontrar os sentidos dados à realidade pelos agentes, e não controlar essa realidade, preocupação esta típica do paradigma positivista. Partindo de uma raiz filosófica alemã centrada nas idéias de Marx e Hegel e, mais recentemente, nas contribuições de Jürgen Habermas, o paradigma crítico de construção do saber engloba interesses técnicos, práticos e emancipatórios. Avalia tanto as contribuições de pesquisas positivistas e, principalmente, de pesquisas interpretativistas, numa tentativa de sintetizá-las na compreensão e transformação do conhecimento no contexto da evolução social da humanidade (Bredo e Feinberg, 1982). Para os teóricos críticos, o conhecimento é visto dentro de contextos constitutivos do individuo e como uma possível contribuição para a evolução social, entendida em termos de progressão material e emancipação simbólica de todos os envolvidos no processo de pesquisa. Essa perspectiva coloca o conhecimento dentro de um desenvolvimento histórico e social, que aponta potenciais repressivos e/ou emancipatórios do próprio pesquisar. Nessa perspectiva, a relação entre conhecedor e conhecido torna-se muito mais estreita, ao ponto de um influenciar o crescimento 19 e desenvolvimento do outro. O pesquisador torna-se, assim, um agente de mudanças ou um reforçador do status quo. Segundo Girod-Séville e Perret (2001), em uma perspectiva que se denomina construtivista, a compreensão da realidade contribui para a construção dessa realidade, ou seja, a realidade é construída pelo ato de conhecer e não apresentada a uma percepção objetiva. Alguns aspectos essenciais para a compreensão do paradigma crítico de pesquisa seriam: a) entendimento e aplicação como um ato único; b) estabelecimento de comunidade dialógica; c) pesquisa não sobre, mas em, para e com; d) percepção do pesquisador como participante no ato de manter ou reconstruir o mundo social; e)pesquisador e participante em relação de reciprocidade; f)pesquisa como propiciadora de movimentos contrários a relações opressivas de qualquer natureza e em direção a relações mais igualitárias e democráticas – desenvolvimento de alternativas para os envolvidos na pesquisa; g)orientação para a transformação das condições sociais das minorias e de participantes em posição de desvantagem; h)pesquisa com valor educativo – impulsiona todos a verem o mundo de uma outra forma. Esses três paradigmas criam as bases para a compreensão dos fenômenos que se quer pesquisar. A partir deles, estabelecem-se formas de organizar o pensamento para a busca dos objetivos da pesquisa. Nesse sentido, faz-se necessário considerar a forma como o raciocínio se organiza para a compreensão da realidade. 3 Tipos de Raciocínio No estudo da lógica, dois são os métodos mais frequentemente utilizados: o raciocínio dedutivo e o raciocínio indutivo. Para buscar um melhor entendimento sobre o tema, torna-se fundamental compreender as diferentes posições apresentadas por alguns autores. Segundo Trochim (2002), o raciocínio dedutivo parte do mais genérico para o mais específico (abordagem de cima para baixo) e o indutivo move-se de observações específicas para amplas generalizações e 20 teorias (abordagem de baixo para cima). No dedutivo, começa-se com uma teoria pensada sobre o tópico a ser analisado; elaboram-se, então, específicas hipóteses para testar a teoria; parte-se para a coleta de observações que remeta às hipóteses; finalmente, confronta-se a validade da teoria original pelo teste das hipóteses, que podem confirmá-la ou não. Já o indutivo começa com a detecção de padrões ou regularidades para as observações específicas coletadas; parte-se para a formulação de hipóteses que possam ser exploradas e, finalmente, chega-se ao desenvolvimento de conclusões gerais ou mesmo de teorias. A maioria das pesquisas envolve os dois tipos de raciocínios em alguma parte da pesquisa. A validade do raciocínio dedutivo, na visão de Copi (1978), baseia-se no fato de que suas premissas, se verdadeiras, provam as conclusões. Assim, o raciocínio dedutivo pode ser classificado como válido ou inválido. No que concerne ao raciocínio indutivo, o autor afirma que, a partir da análise de suas premissas, há algumas evidências para chegar à conclusão proposta. Logo, a classificação do raciocínio indutivo pode ser dada como melhor ou pior quanto ao grau de que as premissas suportem as conclusões. Por sua vez, Severino (2000) apresenta o raciocínio como uma forma de obtenção de conhecimento a partir de um anterior já existente. Assim, o raciocínio tem duas fases: a antecedente – em que já existe conhecimento – e a conseqüente – em que se obtém o novo conhecimento. Assim, forma-se o construto do raciocínio dedutivo como aquele que possui, na fase antecedente, princípios universais já previamente aceitos e na fase consequente, é obtida a conclusão usando-os. Já o construto indutivo é aquele que possui, na fase antecedente, observações específicas, dados ou outros fatos e, na fase conseqüente, elaborase uma afirmação mais abrangente que pode ser uma lei, norma, regra ou mesmo um princípio universal. O autor cita como os dois exemplos clássicos de raciocínio dedutivo, os silogismos (da lógica formal clássica ou aristotélica) e as formas de explicação científica de estrutura (da lógica simbólica moderna) e como exemplo clássico de raciocínio indutivo é apresentada a analogia. Para Demo (1987), a indução é o método que aceita a generalização somente com a apresentação de casos concretos que o suportem. A dedução é entendida como o método que parte de um pressuposto teórico para confrontar os casos particulares. As principais críticas à forma dedutiva devem-se ao fato de ser apriorística – gratuitamente ou dogmaticamente – e de ser tautológica – é porque é. Na indução, as principais críticas relacionam-se ao seu simplismo – muitas vezes a realidade não ocorre na superfície que é observável e o que importa ou que se procura nem sempre está na parte observável – e à sua limitação na descrição empírica, dificultando a avaliação dos elementos significativos e a sua relevância. A distinção entre a lógica dedutiva da indutiva para Carraher (1983), ocorre pela necessidade das conclusões. A dedução é construída a partir de premissas, que, caso sejam aceitas como verdadeiras, suas conclusões necessariamente também serão. A indução, no entanto, utiliza argumentos cuja conclusão é possível, provável ou plausível, mas não necessária. Köche (1997) critica a validação do método indutiva pelo fato de não poder inferir os resultados das observações para todo o universo, não possibilitando, portanto, confirmar, testar ou comprovar uma hipótese como verdadeira. Alicerça, também, suas críticas no fato das premissas usadas na indução não poderem ser transpostas para a conclusão. O autor suporta o método dedutivo e sugere o uso de teoria: para fundamentação das hipóteses e para criação e determinação de categorias de análise e de métodos e técnicas de pesquisa. A partir da definição da forma de pensar sobre a pesquisa e de acordo com os contextos mais específicos de ação dos pesquisadores são necessários métodos que permitam o tratamento adequado dos dados. 4 Métodos de Pesquisa No desenvolvimento de uma pesquisa, três métodos são, essencialmente, significativos para a organização da coleta e análise dos dados: quantitativo, qualitativo e dialético (Minayo, 1993). Surgindo como uma das principais influências do positivismo nas ciências humanas, o método quantitativo teve como foco a utilização da matemática para a compreensão dos fenômenos sociais. Consequentemente, houve uma apropriação da linguagem de variáveis para especificar atributos e qualidades do objeto de investigação. A padronização, própria do paradigma positivista, pressupunha o uso de instrumentos que fossem pretensamente neutros. Nesse sentido, a linguagem matemática passou a servir de base para análise precisa e objetiva da realidade. O método qualitativo, por outro lado, trabalha com o universo dos significados, dos motivos, das aspirações, das crenças, dos valores e das atitudes que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis (Minayo, 1993). Esse método ocupase, principalmente, do estudo dos significados das ações e das relações humanas. Nascido no berço das ciências sociais, esse método apareceu contrapondose à visão quantificadora da realidade. Tendo como base pesquisas de cunho interpretativistas, o foco do método qualitativo era perceber a realidade a partir dos significados, portanto, a subjetividade passa ser o fundamento do sentido da vida social. Os pesquisadores não mais quantificam, mas focalizam sua atenção na compreensão e explicação das relações sociais explicitadas na vivência, experiência, cotidianidade das ações humanas em relação estreita com a compreensão das estruturas e instituições que a compõem (Minayo, 1993). O método dialético, segundo Minayo (1993, p. 23), seria uma tentativa de correlacionar esses dois métodos anteriores, unificando o estudo quantificado da realidade ao qualitativo. Assim, nesse método, a relação de quantidade seria uma das qualidades dos fatos e fenômenos e serviria à compreensão e à relação com o todo. Segundo Pereira (1999), com base em Greenhalgh e Taylor (1997 apud Pereira, 1999), o método quantitativo de análise serve para mostrar padrões que emergem na própria análise qualitativa. Essa é uma das razões para que Pereira (1999, p. v22), considere extemporânea e inapropriada a oposição entre esses métodos. 5 Tipos de Estudo Para realizar-se, a pesquisa necessita de um estudo, ou seja, uma reflexão profunda sobre algum tipo de fenômeno, situação, caso, problema. Esse estudo se realiza por meio de distintos procedimentos. Segundo Grenier e Josserand (2001) dois são os possíveis tipos de estudo de um fenômeno: de conteúdo ou de processo. O estudo do conteúdo seria a investigação 21 de sua composição, enquanto o estudo de seu processo pressupõe a tentativa de explicar o comportamento de um fenômeno no fluxo de tempo, sua evolução. 5.1 Estudo Baseado em Conteúdo O estudo baseado em conteúdo revela a existência e co-existência de certo número de elementos, não sua evolução (Grenier e Josserand, 2001). Dois são os tipos essenciais de estudos com base em conteúdo: descritivo e explicativo. O estudo descritivo é caracterizado pela ausência de manipulação do pesquisador no objeto pesquisado e se realiza quando há interesse de descrever as características de um fenômeno (Grenier e Josserand, 2001 e Richardson, 1989, p. 26). De acordo com Barros e Lehfeld (1986:), a pesquisa descritiva é aquela em que o “pesquisador observa, registra, analisa e correlaciona os fatos ou fenômenos (variáveis) sem manipulá-los”. Não há, portanto, nenhum tipo de interferência por parte do pesquisador, uma vez que “seu objetivo é conhecer e analisar as principais contribuições teóricas existentes sobre um determinado problema” (Koche, 1997, p. 122). “O estudo descritivo não tem preocupação com a transformação do fenômeno ou população que estuda. Seu foco está na exposição das características dessa população ou fenômeno” (Vergara, 1998, p. 45). Como apontam Rizzini, Castro e Sartor (1999, p. 29), “a pesquisa descritiva procura determinar a natureza e a intensidade de dado fenômeno”. Esse tipo de estudo pode ser desenvolvido, de acordo com Triviños (1987, p.110), para “descrever com exatidão os fatos e fenômenos de determinada realidade”. Assim, são necessárias diversas informações prévias sobre o objeto de pesquisa. Segundo Collado, Lucio e Sampieri (1998), os estudos descritivos medem, de forma mais independente, as variáveis a que se referem e requerem consideráveis conhecimentos da área pesquisada, para se formular perguntas específicas às respostas procuradas.Tais estudos podem oferecer a possibilidade de previsões, ainda, que rudimentares. No estudo descritivo é possível desenvolver duas formas de atuação: decomposição em partes e 22 apreensão global por identificação. A decomposição do objeto de conhecimento em diferentes partes segue o processo cartesiano clássico por meio da quebra da estrutura em diferentes subunidades. O segundo tipo é constituído pela apreensão global por identificação entre os objetos. Em outras palavras, a identificação entre as partes do objeto serve para mostrar a interdependência dos elementos, ou seja, para mostrar que o conjunto das partes é mais importante do que as partes em separado. Nesse tipo de estudo, os pesquisadores adotam duas abordagens fundamentais: taxonomia e tipologia (Grenier e Josserand, 2001). A taxonomia usa dados empíricos para estabelecer configurações. Através de técnicas estatísticas desenvolve classificações e estruturações que permitem uma melhor visão da situação estudada. A tipologia não surge de dados empíricos, mas se estrutura a partir de pesquisas já existentes e de conhecimentos acumulados pelo pesquisador. Os estudos explicativos ou causais de conteúdos são desenvolvidos quando há interesse na análise de crenças ou conseqüências de um fenômeno (Richardson,1989, p. 26). Seu objetivo é mostrar e explicar as ligações causais entre variáveis que compõem um objeto (Grenier e Josserand, 2001). Segundo Collado, Lucio e Sampieri (1998), os estudos explicativos são dirigidos a responder as causas de eventos físicos ou sociais. Estes estudos são mais estruturados que os demais e proporcionam um sentido de entendimento do fenômeno que fazem referência. Além disso, esse tipo de investigação explicativa tem como principal objetivo tornar algo inteligível, justificar-lhe os motivos. Vergara (1988, p. 45) salienta que esse estudo “visa, portanto, esclarecer quais fatores contribuem, de alguma forma, para a ocorrência de determinado fenômeno”. Essa pesquisa utiliza a abordagem hipotético-dedutiva combinada com métodos quantitativos (Grenier e Josserand, 2001), que pressupõem certo número de hipóteses formuladas em relação às ligações causais entre variáveis. A abordagem quantitativa ligada à hipotético-dedutiva objetiva desenvolver uma validade externa maior e encorajar o acúmulo de conhecimento. 5.2 Estudo Baseado em Processo O estudo baseado em processo preocupa-se com a revelação de como as variáveis evoluem no tempo. Tem como objetivo descrever e analisar esse processo evolutivo (Grenier e Josserand, 2001). Permite, ainda, a identificação e articulação de sequências, ciclos, fases que serão nomeados como forma de explicar o processo. São dois os tipos de estudos dessa natureza: descritivos e explanatórios. Os estudos descritivos de processo, como os de conteúdo apresentados acima, ocupam-se da descrição dos elementos do processo. São três os seus aspectos principais (Grenier e Josserand, 2001): a) descrição temporal profunda dos objetos em estudo; b) descrição do processo propriamente dito; c) comparação entre dois ou mais processos. O objetivo dos estudos explicativos de processos é explicar um fenômeno observado. Em outras palavras, envolve a explicação de como variáveis evoluem através do tempo. Além desses dois tipos de pesquisa voltados para conteúdo e processo, é possível verificar, ainda, outro tipo de estudo bastante difundido nas ciências humanas: os estudos exploratórios. caracterização qualitativa e quantitativa nos casos em que não há disponibilidade de teorias e conhecimentos sobre um assunto. Seu objeto principal é a descrição ou caracterização das variáveis envolvidas no assunto a ser conhecido. Esses estudos exploratórios propõem-se a familiarizar o pesquisador com fenômenos relativamente desconhecidos, a realizar um estudo mais completo sobre determinado assunto da vida real, investigar problemas de comportamento humano pertinentes para determinada área, identificar conceitos ou variáveis importantes e definir prioridades para pesquisas futuras ou definir sentenças a serem confirmadas (Collado, Lucio e Sampieri, 1998). Em poucas situações não ocorrem outras pesquisas a partir desses estudos. 6 Tipologias de Pesquisa As pesquisas podem ser classificadas segundo a forma tipológica como são conduzidas. Segundo Royer e Zarlowski (2001), esse desenho tipológico é a estrutura através da qual os vários componentes do projeto de pesquisa se reúnem (questão de pesquisa, revisão literária, dados, análise e resultados). Nesta seção, serão abordadas algumas das principais tipologias de pesquisa em ciências humanas. 6.1 Grounded Theory “Os estudos exploratórios organizam-se quando não há informação sobre o tema e deseja-se conhecêlo” (Richardson, 1989, p. 26). Esses estudos são usados para obtenção de maiores conhecimentos, delimitação de uma ampla teoria, desenvolvimento de instrumentos e levantamento de possíveis problemas de pesquisa. Para êxito do estudo são fundamentais alguns cuidados como a revisão da literatura, a elaboração de entrevistas e o uso de questionários, seguindo os padrões inerentes a um trabalho científico. A Grounded Theory tem como objetivo construir uma teoria explanatória sobre um fenômeno social baseada na identificação de regularidades (Royer e Zarlowski, 2001). O método se realiza pelos estudos de múltiplos casos que tenham como base dados coletados através de entrevistas e/ou de outros instrumentos, tais como o uso de material escrito e observação. A análise realiza-se de forma qualitativa com uso adicional de análise quantitativa. Para Vergara (1998, p. 45), “a investigação exploratória é realizada em área na qual há pouco conhecimento acumulado e sistematizado. Por sua natureza de sondagem não comporta hipóteses, que, todavia poderão surgir durante ou ao final da pesquisa”. Köche (1997) explica que a pesquisa exploratória trabalha com o levantamento das variáveis e a sua A Pesquisa Etnografia objetiva descrever, explicar e entender um fenômeno social particular no seu ambiente (Royer e Zarlowski, 2001). A etnografia busca descrever um conjunto de compreensões e conhecimentos específicos compartilhados por um grupo de participantes. Esse conjunto ordena seu comportamento em contextos específicos, o 6.2 Pesquisa Etnografia 23 que designa sua cultura, isto é, o foco dos estudos etnográficos. Na etnografia, os dados são coletados através de contínua observação do fenômeno em seu contexto. Nesse desenho, os métodos de análise são essencialmente qualitativos. experimento; 6) Apresentação dos dados; 7) Provas de significância; 8) Análise e interpretação dos resultados; 9) Conclusões. 6.3 Estudos Experimentais O Estudo de Caso é um estudo “intensivo, exaustivo e profundo” (Rizzini, Castro e Sartor,1999, p. 29) sobre um evento, indivíduo, instituição ou comunidade. Para Vergara (1998), esse tipo de estudo busca profundidade e detalhamento, sendo, normalmente, restrita a um grupo específico como, por exemplo, uma família, uma empresa, um produto. Os Estudos Experimentais foram apoiados, principalmente, pelo positivismo. A pesquisa experimental envolve a manipulação da quantidade e qualidade das variáveis (fatores) associadas a um determinado fenômeno para identificar relações de causa e efeito entre elas (Köche, 1997). Tal pesquisa é caracterizada pela prévia manipulação das variáveis independentes e o controle das variáveis neutralizadas. Caso haja numa pesquisa mais de duas variáveis independentes ela é denominada pesquisa de delineamento fatorial. Para Vergara (1998, p. 31), essa pesquisa “permite observar e analisar um fenômeno sob condições determinadas”. Nesse tipo de pesquisa, o investigador manipula uma variável (independente), objetivando observar as variações produzidas em outra variável (dependente). Esses estudos necessitam de um adequado planejamento. Inicia-se com a formulação do problema e de hipóteses, permitindo, assim, uma delimitação das variáveis que agem sobre o fenômeno a ser estudado. Parte-se para identificação de uma forma de controle das variáveis e para a seleção aleatória da amostra para formação do grupo de controle e do grupo experimental. Elaboram-se, então, instrumentos de coleta de dados que devem ser testados para verificar a sua eficácia. Define-se e atestase a hipótese nula, iniciando-se, então, o experimento. Verifica-se o efeito na variável dependente causada pela manipulação da variável independente. Para testar sua validade deve-se questionar duas situações: se não existe alguma outra variável no fenômeno que esteja influenciando a variável dependente e se os resultados obtidos podem ser generalizados para toda a população. Resumidamente, uma investigação experimental realiza-se a partir das seguintes etapas (Marinho, 1981 apud Barros e Lehfeld, 1986, p. 94): 1) Investigação e definição do problema em estudo; 2) Literatura sobre o problema; 3) Elaboração de hipóteses; 4) Definição do plano experimental; 5) Realização do 24 6.4 Estudo de Caso Segundo Goode e Hatt (1969), o estudo de caso baseia-se na análise qualitativa, possível de ser mais eficientemente empregado na pesquisa social. Embora, essencialmente qualitativo, o estudo de caso pode utilizar-se de quantificações que permitirão uma melhor percepção dos resultados. Stake (1987) esclarece que o estudo de caso não é propriamente uma escolha metodológica, mas uma escolha de um objeto a ser estudado. O foco essencial do estudo está no interesse pelo caso único e particular que deve ser bem delimitado por características específicas, ou seja, cada estudo concentra sua investigação em um único caso, que deve ser estudado em seu contexto natural. “O foco central não está na preocupação com a posterior generalização, mas com possíveis comparações entre semelhanças e diferenças com outros casos” (Rizzini, Castro e Sartor, 1999, p. 29). Esse fato não indica que o estudo de caso não seja válido, ao contrário, os estudos de caso permitem aos leitores uma experiência vicária do contexto investigado, assim como dos resultados obtidos, que contribuem para a construção social do conhecimento (Stake, 1987, p. 95). 6.5 Pesquisa Bibliográfica A Pesquisa Bibliográfica consiste, segundo Köche (1997), na explicação de um problema baseada no conhecimento disponível pelas teorias encontradas em material impresso. De acordo com Barros e Lehfeld (1986), a pesquisa documental e/ou bibliográfica é aquela advinda de material gráfico ou sonoro e objetiva recolher, analisar e interpretar as contribuições teóricas já existentes sobre determinado fato, assunto ou idéia, antecedendo, normalmente, a pesquisa de campo. Os dados são colhidos através de registros, anais, regulamentos, circulares, ofícios, memorandos, balancetes, comunicações informais, filmes, fotografias, vídeo-tapes, disquetes, diários e outros afins (Vergara, 1998). Para Richardson (1989), a pesquisa documental ou bibliográfica visa resolver um problema ou adquirir mais conhecimento sobre um tema a partir de pesquisa em material já existente. Assim, pode-se coletar, analisar e interpretar o que já foi produzido sobre o tema, que, geralmente, ocorre antes da pesquisa de campo ou exploratória, conferindo ao pesquisador condições para formular e delimitar o seu problema de pesquisa. Por sua essencialidade, essa investigação pode preceder qualquer outro tipo de pesquisa, possibilitando o seu uso para aumentar conhecimentos de determinada área, delimitar um problema de pesquisa, fundamentar a construção de um modelo teórico para explicar um problema ou para desenvolver hipóteses e, finalmente, descrever ou sistematizar o que melhor tiver sobre o problema (Köche, 1997). 6.6 Pesquisa-Ação A Pesquisa-Ação objetiva a investigação autoreflexiva realizada pelos próprios participantes, tendo como meta compreender e melhorar suas práticas e transmitir conhecimento a outros praticantes (Cavalcanti e Moita Lopes, 1991). Nesse sentido, há uma relação de cooperação ou participação entre o(s) pesquisador (es) e o(s) participante(s) da situação para resolução ou esclarecimento, em conjunto, de um problema. O pesquisador exerce uma importante função, desencadeando ações no grupo que permitem a solução do problema, objetivando aumentar o seu conhecimento e o grau de consciência do grupo envolvido. Vergara (1998) esclarece, ainda, que esse tipo de pesquisa tem como base a investigação de finalidade intervencionista, que pressupõe uma interferência do pesquisador na realidade social. Para Barros e Lehfeld (1986, p. 93), os pesquisadores desempenham um papel ativo no equacionamento dos problemas encontrados[...]a participação dos pesquisadores é explícita dentro da situação de investigação com os cuidados necessários para que a ação aseja conjunta com os grupos implicados nessa situação. Além disso, Kincheloe (1997, p. 195), ao discutir a pesquisa-ação em uma perspectiva crítica, “defende que ela fornece um veículo para descobrir e analisar os sentidos que os participantes depreendem das experiências vividas”. De posse desse conhecimento, o pesquisador-praticante pode tomar decisões que busquem atender às necessidades do contexto. 6.7 Pesquisa Colaborativa/ Intervencionista A Pesquisa Colaborativa/ Intervencionista envolve o processo conjunto de investigação da ação que visa à apreensão, análise e crítica de contextos de ação com vistas à sua transformação. Nesse tipo de pesquisa, segundo Cole e Knowles (1993), diferentes aspectos do processo são pensados de forma conjunta: o planejamento e a preparação da pesquisa, a coleta de informações, a análise e a interpretação dos dados, o relato e o uso das descobertas de pesquisa. Vergara (1998) esclarece que tal pesquisa tem como principal característica e objetivo a interferência do pesquisador junto ao contexto de pesquisa, não só no que se refere ao processo investigativo, mas, também, quando o mesmo busca alterar a realidade. Conforme salienta Magalhães (1994, p. 72), dentro dessa visão, o papel do pesquisador não é o de um observador passivo que procura entender o outro. O papel do outro, também, não é o de ser entendido pelo pesquisador. Ambos são vistos como co-participantes ativos e sujeitos no ato de construção e de transformação do conhecimento. Dessa forma, o objetivo da pesquisa colaborativa é permitir que todos os participantes negociem suas agendas na construção do conhecimento e reflitam durante e sobre ações diárias. Segundo Liberali (2010), uma proposta emancipatória de pesquisa passa pelo interesse dos pesquisadores em um trabalho colaborativo junto aos praticantes e à comunidade. Visa, assim, a entender seus problemas e interpretá-los, unindo teoria formal e prática. Fazse necessária, para tanto, uma postura política de abertura que considere quais projetos desenvolver e como envolver os praticantes no exercício da pesquisa. Lançar mão de uma metodologia de base colaborativa 25 tem por objetivo transformar em conjunto a situação, o participante e o pesquisador. 6.8 Pesquisa de Campo Na Pesquisa de Campo, o pesquisador exerce as funções de observador e explorador e não a de mero coletor de dados, recolhendo-os diretamente no campo em que ocorreram os fenômenos. Para tanto, utiliza técnicas como questionários, entrevistas e observação (participante ou não-participante). Devem fazer parte do anteprojeto de pesquisa os procedimentos metodológicos adotados para a realização da pesquisa de campo. Para Vergara (1998), trata-se da investigação empírica (entrevistas, questionários, testes) realizada no local onde ocorre o fenômeno ou que dispõe de elementos para explicálo. 6.9 Pesquisa Ex Post Facto De acordo com Vergara (1998), na Pesquisa Ex Post Facto as variáveis não são manipuladas, visto que o fenômeno já ocorreu ou as mesmas não podem ser controladas. 7 Plano Amostral Amostras são conjuntos de indivíduos selecionados dentro de uma população que se objetiva investigar, isto é, a população a ser investigada (Rizzini, Castro e Sartor, 1999). Segundo Mattar (1999), a idéia básica de medir uma amostra é obter informações que representem o resultado de toda a população. A amostragem está baseada em duas premissas: de similaridade entre os elementos de uma população e de discrepância entre os valores das variáveis da população. Para o planejamento de uma amostragem alguns aspectos devem ser seguidos (Malhotra, 2001, p. 302): 1 – definir a população; 2 – determinar o Arcabouço Amostral; 3 – escolher a(s) Técnica(s) Amostral(ais); 4 – determinar o Tamanho da Amostra; 5 – executar o Processo de Amostragem. A definição da população alvo é compreendida por Malhotra (2001, p. 302) como a definição da “coleção de elementos ou objetos que possuem a informação procurada pelo pesquisador e sobre os quais devem 26 ser feitas inferências”. Essa população alvo deve ser definida com precisão, pois a sua indefinição pode resultar em uma pesquisa ineficiente e até desorientadora. Um arcabouço amostral (Malhotra, 2001, p. 302) é uma representação dos elementos da população alvo, que consiste de uma lista ou conjunto de instruções que definem a população alvo. Royer e Zarlowski (2001) e Malhotra (2001, p. 305) apontam técnicas de amostragem por: a) probabilística é o tipo em que os elementos do universo têm a mesma chance de serem escolhidos (Barros e Lehfeld, 1986), envolvendo a seleção de elementos aleatoriamente. Segundo Malhotra (2001, p. 305), uma amostragem não probabilística, é “técnica de amostragem que não utiliza seleção aleatória, ao contrário, confia no julgamento pessoal do pesquisador”. Já a amostragem probabilística, segundo o autor, garante que cada elemento tenha uma chance fixa de ser incluído na amostra.; b)conveniência privilegia a conveniência do investigador, é a que menos tempo consome e a menos dispendiosa, não são representativas e não permitem generalizações; c) julgamento é uma forma de amostragem por conveniência em que os elementos são selecionados com base no julgamento do pesquisador; d)quotas é uma técnica de amostragem nãoprobabilística que envolve dois estágios: no primeiro, desenvolvem-se categorias ou quotas de controle da população e, no segundo, selecionam-se os elementos da amostra com base na conveniência ou no julgamento. A determinação do tamanho da amostra relaciona-se ao número de elementos a serem incluídos no estudo (Malhotra, 2001 e Royer e Zarlowski, 2001) envolve aspectos qualitativos e quantitativos. Malhotra (2001) aponta que os fatores qualitativos mais importantes são: importância da decisão, a natureza da pesquisa, o aumento de variáveis, a natureza da análise, os tamanhos amostrais utilizados em estudos similares, as taxas de incidência, as taxas de preenchimento e as restrições de recursos. Os fatores quantitativos para a determinação do tamanho da amostra baseiam-se na inferência estatística e o nível de precisão é especificado antecipadamente. Essa abordagem fundamenta-se na construção de intervalos de confiança em torno de médias ou proporções amostrais. A execução do processo de amostragem exige “uma especificação detalhada de como as decisões sobre o planejamento da amostragem serão implementadas” (Malhotra , 2001, p. 304). Devem ser dadas informações detalhadas para todas as decisões de planejamento amostral. 8 Procedimentos de Produção3 e/ ou Coleta de Dados A escolha dos instrumentos de produção e/ou coleta adequados pressupõe uma compreensão do método e tipo de pesquisa adotada. Os instrumentos necessitam estar em sintonia com os objetivos da pesquisa para que seja possível a realização do tipo de pesquisa desejado. Para que os dados produzidos/coletados sejam compatíveis com as questões feitas, é preciso uma escolha de instrumental de coleta minuciosa e de alta qualidade (Rizzini, Castro e Sartor, 1999). A percepção dos diferentes instrumentos de pesquisas torna-se uma questão fundamental ao considerar-se o material que será necessário para a compreensão do problema pesquisado. Segundo Mattar (1999, p. 16), o planejamento das operações de coleta de dados engloba o cronograma de atividades com os tempos das operações, sequência de atividades e responsáveis; o orçamento de despesas e de saídas de caixa com a previsão dos gastos envolvidos; a administração dos recursos humanos necessários com a contratação e treinamento do pessoal e o controle das atividades planejadas. Nesse sentido, é essencial considerar, em primeiro lugar, dois tipos de documentos: as fontes primárias e as fontes secundárias (Oliveira, 2001). As fontes primárias podem ser: dados históricos; fitas gravadas; peças de artes; dados bibliográficos e estatísticos; arquivos oficiais e particulares; registros em geral; documentação pessoal (diários, memoriais, autobiografias); correspondência pública, etc. Já os dados secundários são livros, revistas e jornais. Alguns métodos de coleta de dados comuns na área são observação participante, entrevista e questionários. Na observação participante é possível ao pesquisador inserir-se no contexto da pesquisa e observar de perto as atividades das pessoas, as características físicas e sociais da situação e a sensação dos participantes do evento observado. Na observação participante, o pesquisador estabelece focos de observação que o levarão a uma observação mais seletiva. Esse processo caracteriza, essencialmente, a progressão no ato de pesquisa etnográfica (Spradley, 1980). As entrevistas consistem em uma conversa intencional utilizada quando se quer fundamentalmente aprofundar as informações oferecidas. Podem ser de três tipos (Rizzini, Castro e Sartor, 1999): 1. Entrevista dirigida ou padronizada, que se organiza a partir de um questionário sobre um tema específico sobre o qual o entrevistado apresentará respostas fechadas; 2. Entrevista semidirigida ou semi-estruturada, aplicada a partir de um pequeno número de questões que facilitam a sistematização. No entanto, muitas outras questões podem ser formuladas durante o processo da entrevista e freqüentemente ser utilizada; 3. Entrevista não-dirigida ou não-diretiva, que se organiza como uma entrevista aberta que vai se delineando a medida que a entrevista prossegue. O entrevistador possui um roteiro que servirá de base para a exploração do tema, porém, os rumos do diálogo serão traçados no processo da entrevista por ambos, entrevistador e entrevistado. Segundo Malhotra (2001), alguns passos precisam ser levados em conta para que uma entrevista seja bem sucedida: a) registrar as perguntas durante a entrevista; b) utilizar as palavras próprias do entrevistado; c) não resumir nem parafrasear as respostas; d) incluir tudo o que diga respeito aos objetivos da pergunta; e) incluir todas as sondagens e comentários; f) repetir a pergunta ao escrevê-la. O questionário é o documento em que as perguntas e questionamentos serão apresentados ao respondente e onde serão registrados as respostas e os dados. Pode ser formado por cinco partes: 1) dados de identificação, 2) solicitação para cooperação, 3) instruções para sua utilização, 4) as perguntas, questões e as formas de 3 Entendemos que pesquisas de cunho intervencionista, colaborativo e critico não se prestam apenas a simples coleta de dados, mas incluem também, a atuação ativa e efetiva do pesquisador na produção da atividade em foco. 27 registrar as respostas, e 5) dados para classificar sócio economicamente o respondente. Diferentes tipos de perguntas podem ser aplicados num questionário de acordo com o grau de “abertura” das questões propostas: 1 - Perguntas com respostas abertas - as repostas são constituídas a partir de falas e opiniões dos entrevistados (Rizzini, Castro e Sartor, 1999). As vantagens desse procedimento são o maior conteúdo das respostas, a menor influência sobre os respondentes do que em perguntas fechadas, a possibilidade de ser uma primeira questão para um tópico que será explorado com perguntas com respostas fechadas e o menor tempo de preparação exigido. Por outro lado, esse tipo de questionário obriga uma grande disponibilidade de tempo e custo para codificação das respostas. Ainda, permitem que os entrevistadores distorçam o conteúdo das respostas e possibilita que as pessoas sintam-se menos propensas a escrever respostas com conteúdo importante. Esse tipo de pergunta é muito utilizado em pesquisas exploratórias ou para esclarecer dados obtidos em perguntas com respostas fechadas. 2 – Perguntas com respostas fechadas - esse tipo de questionário confere alto grau de objetividade à pesquisa (Rizzini, Castro e Sartor, 1999). Mattar (1999, p. 230) prevê dois tipos de respostas fechadas: dicotômicas, em que possuem apenas duas opções para a resposta – sim ou não; múltipla escolha, onde são feitas escolhas entre as opções oferecidas. Esses dois tipos de questões têm como vantagens: a rapidez de resposta, sua fácil análise e a baixa probabilidade de erros; e como desvantagens: o elevado tempo de preparação, a necessidade de apurar os resultados de respostas do tipo “outros, Quais ? _____”, e a tendência dos respondentes em escolher sempre os mesmo itens de resposta, independente de seu conteúdo. 3 – Perguntas com respostas em escala: questionário com perguntas fechadas em que os respondentes indicam numa escala sua opinião a respeito do que está sendo perguntado. 9 Procedimento e Técnicas para Tratamento de Dados 28 As análises dos dados a serem realizadas podem ser ocorrer de diferentes formas. Dentre elas, elencamos algumas: análise descritiva dos dados, análise inferencial e escalas. 9.1 Análise Descritiva A análise descritiva dos dados pode ser de cinco tipos: análise estatística descritiva, análise multivariada, análise de conteúdo, análise por mapeamento cognitivo e análise de discurso. A análise estatística descritiva inicia-se após a disponibilização dos resultados observados para extrair as informações neles contidas (Costa Neto, 1991). Dessa forma, é necessário que as características que se desejam verificar estejam bem definidas. O trabalho não será feito a partir dos elementos existentes, mas a partir de algumas características essenciais desses elementos que permitirão uma melhor compreensão do fenômeno estudado. Usualmente, os resultados da estatística descritiva são expressos através de gráficos de distribuições de freqüência ou outro parâmetro associado a tais distribuições. Com o advento da tecnologia, houve um crescimento dos modelos de análise baseados em técnicas estatísticas, conhecidas como análise multivariadas. Segundo Hair et. al. (1998), o propósito da análise multivariada consiste em medir, explicar e prever o grau de relacionamento entre aos atributos. Portanto, o fator multivariado recai sobre a relação entre atributos que são combinações lineares de variáveis com pesos determinados empiricamente. Destacam-se algumas técnicas: a) análise de componentes principais e fatores comuns; b) regressão múltipla; c) análise de múltiplos discriminadores; d) análise multivariada de variância e covariância ; e) análise conjunta; f) correlação canônica; g) análise de cluster; h) escala multidimensional; i) análise de correspondência; j) modelos de probabilidade linear; k) modelos de equação estrutural. A análise de conteúdo se organiza a partir da repetição de unidades da análise do discurso (palavras, expressões ou significantes similares ou sentenças e parágrafos), que revela os interesses e preocupações dos autores do discurso. O texto, oral ou escrito, é quebrado e reorganizado em termos de unidades de análise que o pesquisador decidiu estudar, de acordo com a abordagem apropriada de códigos. A classificação das diferentes unidades de análise ocorrerá dentro de um limitado número de categorias relativas aos objetivos do estudo. Tal método é usado para analisar respostas abertas, comparar estratégias de diferentes organizações, através do confronto entre seus discursos e os documentos distribuídos ou para discernir os interesses de diferentes indivíduos, grupos ou organizações. O objetivo do mapeamento cognitivo reside em estabelecer e analisar mapas cognitivos, que são a representação das crenças de uma pessoa ou de uma organização que levam em conta um determinado domínio (Axelrod, 1976). É composto por dois elementos: conceitos – construtos ou variáveis – idéias que descrevem um problema ou um determinado domínio e de ligações entre estes conceitos. Uma vez coletados, esses conceitos (ou categorias) e suas relações podem ser representados, graficamente, na forma de pontos e flechas. Tal método é usado principalmente em gerenciamento para: a) estudar as representações de indivíduos para explorar suas visões. Esses estudos tentam comparar as representações de diferentes pessoas ou da mesma pessoa ao longo do tempo para explicar ou predizer comportamento ou para ajudar executivos em formular problemas estratégicos; b) estabelecer e estudar a representação de um grupo, de uma organização ou de um setor. Nesse caso, os objetivos dos estudos são entender ou a evolução da estratégia corporativa num período de anos ou as interações e influência de diferentes grupos de gerentes. São várias as possibilidades de análise do discurso. No entanto, alguns pontos precisam ser considerados em qualque opção feita: a visão de linguagem que perpassa a perspectiva teórica de abordagem presente no estudo. Em um quadro que compreender a linguagem em uma perspectiva dialógico-enunciativa (Brait, 2006), em que as categorias de análise não são aplicáveis de forma mecânica, mas são selecionadas e adaptadas para a compreensão dos fatos e fenômenos em foco. Essas categorias de análise são revistas em função da necessidade de adaptação ao contexto e aos objetivos de compreensão do processo, levando em conta algumas características centrais análise (Liberali, 2010): a) observação e leitura dos dados com busca de conteúdo léxico-semântico e paralinguístico, que permita uma primeira compreensão das atividades; b) descrição do contexto, levando-se em consideração o lugar físico e social de produção, o momento da produção e o papel social dos interlocutores; c) análise do conteúdo temático, realizado nas escolhas lexicais mais relevantes. A partir dessa análise geral, diferentes categorias lingüísticodiscursivas serão retomadas, correlacionadas e expandidas. A análise inferencial diz respeito “a como se pode assumir conclusões para toda uma população a partir das medições e da análise de apenas uma parte dela, de forma que o risco de se realizar conclusões incorretas possa ser medido” (Mattar, 1999, p. 82-83). Dois tipos de problemas que dizem respeito à inferência: estimar os parâmetros de uma população e realização de teste de hipóteses. Mattar (1999) cita, ainda, que com os métodos de inferência é possível, por exemplo, assumir com determinada probabilidade conhecida que há erro na média calculada numa amostra como estimativa do parâmetro da população, se pode também realizar os testes de hipóteses, por exemplo, a respeito da diferença entre duas distribuições. A análise inferencial se organiza a partir de testes paramétricos e não paramétricos. O teste paramétrico é um teste estatístico, que assume uma distribuição específica para um dos parâmetros da população estudada, por exemplo, um teste paramétrico pode ser usado se um pesquisador acreditar que a população é normalmente distribuída. O teste não paramétrico é um teste estatístico que, não necessariamente, especifica a distribuição paramétrica dentro da população. As escalas permitem a quantificação do grau de concordância entre os entrevistados a respeito de um determinado assunto (Rizzini, Castro e 29 Sartor, 1999). Segundo Mattar (1999, p. 194), existem quatro principais tipos básicos de escalas de medidas. São elas: 1. Escalas nominais: em que os números servem apenas para nomear, identificar ou organizar dados coletados; 2. Escalas ordinais: servem para, além de nomear, identificar e categorizar, ordenar, segundo um processo de comparação de determinada amostra em relação à determinada característica; 3. Escalas de intervalo: que mostram, através dos intervalos entre os números obtidos, qual a posição e quanto as pessoas, objetos ou fatos estão distantes entre si em relação à determinada característica; 4. Escalas razão: possuem as mesmas propriedades das escalas de intervalo com a vantagem de possuírem o zero absoluto, o que torna possível obter qual a sua magnitude, além de informar a posição e quanto as pessoas, fatos ou objetos estão distantes entre si em relação à determinada característica. 10 Validade, Confiabilidade e Credibilidade Para que uma pesquisa possa ser aceita em um meio acadêmico é preciso que as pessoas possam perceber que seus resultados não advêm apenas da vontade, gosto ou opinião do pesquisador. Embora, seja um fato atestado, que nenhum tipo de pesquisa possa se dizer neutra (Bredo e Feinberg, 1982), há a necessidade de que o estudo realizado seja comprovado e/ou compreendido em sua extensão. Por isso, critérios de validade, confiabilidade e/ ou credibilidade sejam trabalhados. 10.1 Validade e Confiabilidade em Pesquisas Positivistas Segundo Mattar (1999, p. 34), “a validade de uma medição refere-se a quanto o processo de medição está isento, simultaneamente, de erros amostrais e erros não amostrais” , enquanto “a confiabilidade de uma medição refere-se a quanto o processo está isento apenas de erros amostrais”. Num gráfico de curva normal, quanto menor for os desvios da amostra, maior a confiabilidade dos resultados. Se o resultado afastar-se muito do valor esperado, afirmamos que os resultados não demonstram a validade da hipótese. Para uma medida ser válida, precisa ser confiável. Porém, se uma medida não for confiável, ela não poderá ser válida; e, em sendo confiável, poderá ou não ser válida. A confiabilidade é uma condição 30 necessária, mas não suficiente para a validade. Por essas razões, dizemos que o conceito de validade é mais importante para os resultados de uma pesquisa que o conceito de confiabilidade, justamente por ser mais amplo e incluir aquele (Mattar, 1999, p. 36). Para se estimar a validade é preciso comparar os resultados obtidos com o valor real da amostra na população. No entanto, o valor real da amostra raramente é conhecido, razão pela qual Mattar (1999, p. 36) aponta 04 métodos para estimar a validade de uma pesquisa, listados a seguir: 1.Validade Construída: Nesta modalidade, os resultados obtidos são comparados com os resultados de outras pesquisas ou estudos relacionados já efetuados, de tal forma, que o referencial teórico seja desenvolvido de acordo com o fenômeno que está sendo medido. Se não for verificado relacionamento entre os resultados, deve-se questionar a validade das medidas ou a validade da hipótese em que se baseou a pesquisa; 2. Validade Satisfeita: Coleta-se a opinião (subjetiva) de um ou mais especialistas quanto a adequacidade do processo de medição; 3. Validade Concordante: Realiza-se duas diferentes medições com técnicas diferentes do mesmo fenômeno, na mesma ocasião. Neste caso, uma das técnicas já deve ser conhecida, e se o resultado da nova técnica tiver alta correlação, sua validade está comprovada; 4. Validade Preditiva: mede-se um fenômeno num dado momento e, baseando-se nestes resultados, efetua-se nova medição desse mesmo fenômeno ou de outro, no momento futuro. Se houver alta correlação, dizemos que a medição inicial teve validade preditiva. O mesmo autor cita dois métodos para verificar a confiabilidade dos dados de pesquisa: 1. Confiabilidade de teste-reteste: compreende em repetir várias vezes a medição, utilizandose o mesmo instrumento com os mesmos respondentes, sob as condições mais parecidas com a medição original. Os resultados das várias medições são comparados para determinar a confiabilidade; 2. Confiabilidade de formas alternativas: compreende em efetuar duas medições dos mesmos respondentes, porém com instrumentos diferentes, mas equivalentes. Os resultados das medições são comparados para determinar a confiabilidade. 10.2 Credibilidade em Pesquisas Não Positivistas As questões de credibilidade em pesquisas não positivistas apontam para a necessidade de considerar o estudo e seus resultados de forma mais ampla, levando em conta o modo de realização da pesquisa, seus resultados, o alcance de seus resultados para as comunidades envolvidas e a possibilidade de critica de interferência dos participantes no processo de pesquisa. Alguns critérios apontam a necessidade de percepção dos envolvidos e da comunidade acadêmica sobre o fazer da pesquisa; os resultados precisam ser considerados em direta relação com os participantes, que precisam ter poder de decisão e de avaliação no desenvolvimento da pesquisa. Além disso, o processo de pesquisa precisa ser trabalhado e apresentado de forma cuidadosa para que os procedimentos adotados sejam reconhecidos, compreendidos e avaliados. Para isso, é possível desenvolver propostas de: a) realização de observações constantes, b) triangulação (ou uso de diferentes modos) de coleta, tempo, espaço, investigador, teoria, análise; c) member checking (consulta a participantes); d) exame de parceiros (de fora do contexto de pesquisa); e) busca de explicações rivais ou casos negativos; f) monitoramento De viés (Bias). 11 Considerações Finais Como apontamos ao longo do texto que se propôs a ser uma breve exposição de possibilidades de se pensar pesquisa de modo a apontar alguns caminhos para aqueles que se iniciam nesta jornada árdua, porém instigante de pesquisar. Nossa apresentação procurou oferecer alguma contribuição introdutória para que os leitores possam ser instigados a aprofundar suas leituras, o que certamente, permitirá a realização de escolhas metodológicas engajadas e respeitadoras do modo de ser e agir de cada um. REFERÊNCIAS AXELROD, R. Structure of the decision: the cognitive maps of political elites. 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VERGARA, Sylvia C. Projetos e relatórios de pesquisa em administração. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1998. 33 Theoretical-Methodological Choices in AL Research: critical research of collaboration in teacher education Maria Cecília Camargo Magalhães 1 Abstract This text discusses the importance of a theoretical-methodological frame to base language that might create contexts for participants’ collaboration in research conducted in teacher continuing education in Applied Linguistics (AL). It has a dual, but related focus. First, it discusses the concept of collaboration. Secondly, based on Vygotskian, Bakhtinian, and Voloshinovian discussions, it describes a concept of language conceived as dialogic, that is, as the result of contradictions and conflicts situated in particular socialhistorical-cultural contexts. This understanding stresses the central importance of a language concept to create collaborative contexts for participants’ joint discussions to transform teaching-learning in Brazilian public schools located in poor districts. It also reveals the need to provide researchers with theoreticalmethodological support to create linguistic categories to analyze collaboration and its role in teachers’ critical development. The concept of collaboration in research is thought to provide researchers and state school teachers with a possibility to jointly discuss: 1) the needs of teachers’ particular contexts of action; 2) their objectives; 3) the meanings of their actions; 4) how to transform teaching-learning in schools located in deprived districts. Keywords: Applied Linguistics. Teacher. Continuing Education. Teaching-Learning 1 Introduction This text discusses the importance of collaboration between participants in investigations conducted in teacher continuing education work, aiming at creating contexts to allow teachers to critically probe into their routine practices and into their schools’ social-educational problems, to understand and transform them. Central to this issue is a theoretical base that focuses language as a key concept to allow 1 34 researchers to provide such a context, as well as to analyze participants’ interactions to understand the collaborative possibilities created, and the transformations that emerged from them. This discussion is based on an understanding of Applied Linguistics (AL) as interdisciplinary knowledge (Moita Lopes, 2006; Signorini, 2006; Cavalcanti, 2006, in which linguistics dialogues with other areas of study (e.g., education, psychology, Doutora em Educação. UFPI/PI-PROCAD(CAPES) Doutora em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte UFRN. Mestre em Educação pela Universidade Federal do Piauí - UFP. Graduada em Pedagogia e em Ciências Econômicas pela Universidade Federal do Piauí. Professora titular da UFP, Centro de Ciências da Educação, Departamento de Métodos e Técnicas de Ensino e do Programa de Pós-Graduação em Educação. Coordenadora da base de pesquisa FORMAR. Desenvolve estudos e pesquisas com base no referencial teórico e metodológico da Teoria Sócio Histórico Cultural - TASHC e da pesquisa Crítica de Colaboração PCCol. E-mail: [email protected] sociology, philosophy, among others) to challenge issues of language use in diverse contexts. This dialogue may introduce new knowledge production paths that are based on theoretical frames which see language and the researcher’s role alternatively. In this direction, Pennycook (2006, p. 67) discusses “Applied Linguistics as a challenging way to think and act, as transgressive approach to which epistemological and political tools are central”. Along the same lines, when discussing research in AL, Liberali (2006) points out that it is necessary to go beyond enabling researchers’ to introduce transformation in the way to understand, think and act in schools contexts. According to Liberali (2006), transformations in the social, cultural and political conditions to think and act in schools involve creating a locus for participants to learn how to look at, and organize language so as to analyze the issues at stake. In her view, research needs to provide teachers with tools to work with linguistic-discursive organizations to base their actions in particular action situations. Teachers learning about how to organize language to understand their practices and to reflect critically on them might transform the individualist senses of being a teacher, as well as those of being a student historically, the bases of school culture. Educating a reflective professional means empowering teachers and, as pointed out by Liberali (2006), it presupposes creating such a context in which teachers may learn new ways to organize language to look at their own actions and at those of their students and colleagues to understand the political issues that underlie them. 2 LANGUAGE AS THEORETICAL BASES TO CREATE COLLABORATIVE CONTEXTS This section discusses firstly the language concept that bases our research, and secondly the concept of collaboration, which is central to this discussion. 2.1 Language The linguistic theoretical frame that supports our Research Group Language in School Context Activities (= Linguagem em Atividades no Contexto Escolar - LACE), which works on teacher continuing education, is based both on the Social-Cultural-Historical Activity Theory (SCHAT) tradition and on the Bakhtinian Circle. The contributions of both frames are central to the discussion on collaboration for critical-reflectiveprofessional development (MAGALHÃES, 2004). However, it has demanded us more time to organize linguistic categories for data analysis that might allow us to look at language to understand the collaborative patterns of teachers’ and researchers’ discussions as emphasized by the theoretical frames above. For instance, Magalhães (2007), Magalhães and Fidalgo (2007) explored linguistic categories that based their linguistic analysis to discuss collaboration in its aim to promote critical reflection. In the same direction, Liberali (2004, 2006, 2007) developed linguistic categories to analyze and discuss argumentative language for critical reflection. This linguistic investigation, however, is far from concluded. Several authors have also delved into these issues. For instance, Jones (2007) examines language theories that base traditional linguistics, Bakhtinian and Voloshinovian linguistic theoretical frame and the view of language in Vygotsky’s theoretical discussions. He states (with some caution) the common basis of both the Bakhtinian Circle and Vygotskian frames. Jones suggests that Voloshinov’s and Bakhtin’s theoretical discussions might be useful for a “revision” of the Cultural-Historical Activity Theory (CHAT) investigation of the concept of “semiotic mediation”. The similarities between both frames, as far as language understanding goes, have also been highlighted by other researchers (e.g.: Holquist, 1990), and have been the foundation of analytical categories to examine data in educational research built on social-CulturalHistorical Activity Theory (e.g., WERTSCH, 1998; BRONCKART, 1999, BRONCKART and MACHADO, 2004; MAGALHÃES, 2007; MAGALHÃES and FIDALGO, 2007; LIBERALI, 2007, among others). In fact, Vygotsky’s discussion of the dialectical relationship between dialogue (speech) and the constitution of human consciousness, as well as the focus on a dialogical concept of language, can be seen throughout his work. For him “Speech is a means of social interaction, a means of expression and understanding” (VYGOTSKY, 1987, p.48). As he stresses, the understanding of others’ talk is complex and involves a dialogue with the other, as well as an analysis of the social-cultural-historical situation 35 of action and of the motives that led to talking in a particular way, in a particular context and situation. In Vygotsky’s (1987, p .48) words: Understanding the words of others also requires understanding their thoughts. And even this is incomplete without understanding their motives or why they expressed their thoughts. In precisely this sense we complete the psychological analysis of any expression only when we reveal the most secret internal plane of verbal thinking - its motivation. […] The word is the most direct manifestation of the historical nature of human consciousness. We believe we can point at the similarity between Vygotsky’s and Bakhtin‘s Circle discussions based on the dialogical concept of language as a “battlefield” of meanings produced by the participants of the discourse, and by focusing on the central concept attributed to social, cultural and historical factors when it comes to comprehension. Also, language is seen as socially constituted by different forces, all of which display meaning and voices. However, differently from Vygotskian’s, the Bakhtinian and Voloshinovian’s. discussions stress how these multiplicity and struggles are linguistically marked in the utterances in which a conflict of differing views/ voices is put into work. These issues are important since they aim at examining participants’ voices to understand if and how discourse in educational contexts creates a locus for participants’ collaboration to occur. Besides, they allow for the implication of this locus and discourses to be viewed as to the critical development of all involved (researcher, teachers, students, coordinators…). We discuss next our understanding of collaboration. 2.2 Collaboration When carrying out research on teacher continuing education, collaboration is, for us, a crucial concept that aims at creating spaces for learning and development. In this sense, establishing collaboration is of vital importance to raise, share and question the participants’ senses about the content at stake – often allowing for transformation to take place. We are, though, emphasizing the creation of collaborative contexts as prior and necessary to learning and development. Collaboration is seen as a process of shared evaluation 36 and re-organization of practices, mediated by language, in activities that involve all the participants of a discussion. It is organized in ways that allow all the different participants to have possibilities to talk; question each other’s senses attributed to theoretical concepts (that were learned from prescribed educational books, or by practice), ask for clarification, and report descriptions of concrete cases to explain their ideas or to relate theory and practice. As a participant, the researcher is mostly responsible for the probing of other participants to deepen their ideas in their revision of prior views, of their description of school contexts, their objectives, their social and educational practices, as well as of the theoretical concepts that base their actions and utterances. Also, researchers are responsible for the deepening of discussions on the social-culturalhistorical factors involved in the debates, and for relating school practices to the education of students according to the view of citizenship that the school shares. In fact, as we have noticed, it is usually difficult for teachers to understand the relationships between educational and political issues involved in their actions as well as in students’ learning and development, since investigating the political forces that shape the discourses and practices within schools is not something valued in educational premises (MAGALHÃES, 2004). Collaboration, therefore, does not mean there will be no contradictions and conflicts between those who take part in the debates. In fact, based on the theoretical issues put forth here, we take it that it is precisely by stressing and analyzing contradictions and conflicts that we might understand participants’ (researchers included) senses, and might be able to negotiate new production of meaning. For us, collaboration allows all voices to be heard, but more than that, it allows participants to question each others’ senses and share the production of new (or newly-transformed) knowledge. However, it is important to say that, collaborative contexts may be a “rather uncomfortable zone of action” (John-Steiner, 2000, p. 82), especially when we initiate research. This is due to the fact that, usually, the focus of work in school contexts is on individual practices. By and large, social, historical, cultural and political issues are hardly considered in problem-solving (or problem challenging) discussions. Also, the discourse organized around argumentation – as a type of textual organization that can be taught-learnt - is not usual in school contexts. Therefore, teachers, as well as researchers, may not be familiar with questioning or with being questioned. To us, the problem lies in the assumption that an individual context-based organization might lead teachers to think that, when they are challenged, it is their individual knowledge and practices that is being questioned. Sooner, being questioned is often a possibility to critically reflect on the theoretical concepts that base teaching-learning in schools, and students’ education. In this sense, as stated by John-Steiner (2000) and by Moran and John-Steiner (2003), collaborative contexts always involve emotional intensity, which may cause teachers to resist. In fact, researchers need to always be aware of these issues during research conduction. Also, discourse analysis will reveal how participants’ voices interact; how contradictions and conflicts are used in learning and development and in social transformations. So, it is important to have linguistic categories to analyze these issues - since language may be an instrument to exert, as well as to share power as discussed by Bakhtin and Voloshinov’s theoretical frame. This process of jointly producing new meanings for theories, roles, and actions takes place within a zone of contradiction and conflict that Vygotsky calls Zone of Proximal Development (ZPD). It is in this zone that new and old meanings are confronted and re-signified. As discussed by Magalhães and Fidalgo (2007, p. 336-337), the Zone is not however unified; there may be more than one situation of conflict occurring at the same time and influencing the same outcome […]. While we were working to built trust and to confront ideas so as to challenge old meanings [in the teacher continuous educating program discussed] we were, at the same time, confronting our meanings as to the role we ourselves were playing in that educational context – would our roles be of experts or of outsiders? If experts, should we be more assertive in our questions? If outsiders, should be take a position of listeners? Collaboratively speaking, we ought to do a bit of both, stepping back and forth to build trust. We call this frame to research design and conduction Critical Research of Collaboration and set it in a critical research paradigm, since the objective of the investigation is not only to understand the others’ voices but to introduce transformation in the [in our case, educational] contexts. The analysis of collaboration is discussed next. 2.3 Analytical Procedures and Categories Used to Analyze Collaboration Theoretical-methodological frames derived from discursive analysis – social-discursive interactionism (Bronckart, 1999; Bronckart and Machado, 2004) or from conversational analysis (Kerbrat-Orecchioni, 1997) have based our analytical procedure to examine collaborative patterns in continuing teacher research and its role in participants’ learning and development. Based on Bronckart (1999), Bronckart and Machado (2004) we have analyzed Workshops and HTPC contexts to understand the historical, social and cultural aspects involved, and later to interpret data analysis and the political issues that based them. We analyzed: a) the interactions within global plans, which have allowed us to identify the texts dialogical structure and understand the protagonists’ senses, utterance mechanisms, and objectives to talk. The utterance mechanisms contribute to the pragmatic coherence of the text, revealing thematic content, assessment mechanisms (opinions, values, feelings). They also reveal information about the relationship of those who speak with the others (voices), as well as their discursive position. This is achieved by analyzing their modal expressions and linguistic choices (nouns, types of verbs connectives…); b) the linguistic discursive marks: deitic units: first, second and third person possessive and adjective pronouns, time and place adverbs, and the use of first person plural of the simple present allow us to analyze the protagonists’ voices, discursive position and senses about reading, reading practices and citizenship education. From the area of conversational analysis, KerbratOrecchioni (1997) provided a frame to analyze turn-taking devices and the agent’s position and interpersonal relationships. Mainly she provided us with a frame to analyze: a) the power and hierarchy among participants, which involves the organization of turn-taking 37 – how much each participant talks, who is responsible for initiating and for closing the main conversational units; and the linguistic structural organization of the conversation; b) number and type of questions in conversations to initiate, react or react-initiating new themes. This allows the inter-agents to go back and forth towards thematic content, and provides possibility for contradictions and conflicts to be perceived and explored; c) question-answer exchange as an utterance constructed jointly and dialogically. Nystrand (1997 apud WERSCH, 1998), also points out that teachers organize questions, usually, either to test or to give instruction. These are often, therefore, not authentic questions for which there are no pre-specified answers and allow for the use of several answers, but questions used simply to confirm what the teacher has said. Brookfield and Preskill (2010) discuss two types of questions: “broad focused questions and focused questions”. Broad focused questions require: open-ended answers; evaluation and prediction. Focused questions require recalling facts, defining terms, categorizing and confirming. Next we will discuss the program aimed at teacher continuing education and the project whose data is discussed here to explain how collaboration was employed. 3 CONTEXT: ACTING AS CITIZENS PROGRAM (PAC) The Acting as Citizens is an Extra Mural Program coordinated by Liberali and Magalhães, professors at the Applied Linguistics and Language Studies PostGraduation Program at PUC-SP. It aims mainly at developing collaborative projects with the objective to form, in schools, Teacher Support Teams (concept based on the discussions of Daniels and Parrilla, 1994). These teams have the objective of supporting their colleagues within the schools to work as a community with their particular needs. Within PAC, work is conducted by the Research Group LACE that involves doctors, doctoral, master’s and undergraduate students. Their projects all deal with problems in education and broadly aim at understanding and transforming the difficult conditions of education in Brazilian public schools. Based on the socio-historical-cultural activity perspective, these projects investigate how language can organize collaborative actions between participants. The objective of collaboration is to involve all participants to jointly and critically question and understand teachers’ daily classroom practices and the teaching-learning and development theories that base them, so that each one can analyze the social-political stands that actually base their actions. Since 2002, this program has developed different social projects such as: 1. Meetings with teachers, students, parents, directors, coordinators and researchers to discuss school needs (2002-2003); 2. Working with teachers in a school HTPC sessions to discuss teaching-learning of reading to deal with students’ reading failure in SARESP 2(2004); 3. The constitution of Teacher Support Teams – TST, based on Daniels and Parrila’s (2004) discussion of the organization of teacher support teams in Spanish schools. It was organized as a 3 creative chain to develop: a) critical reading for social action (2005-2008); b) working with schools social projects that might involve the community around schools (20052008). This text concentrates on data collected in the project Reading in Different Areas (LDA), thought to deal with reading problems presented by Brazilian state school 2 Hora de Trabalho Pedagógico Coletivo (Collective Hour for Pedagogical Work – a State policy within Sao Paulo State School system). HTPC is a school locus for teacher continuing education conquered by the teachers’ syndicate in Sao Paulo. However, it has been used by school principals and coordinators to discuss technical, administrative and organizational matters. So, regaining this school space for educational discussions has two objectives: working with school staff on educational subjects and providing a methodology that may create learning, development and transformation possibilities for all involved. 3 Creative Chain is defined by Liberali (2007) as implying jointly endeavors “to produce meanings which will be, afterwards, shared with other new partners through the senses (Vygotsky, 1934) that those take to the new activity. Therefore, new meanings are produced carrying some aspects created in the first activity. Similarly, some of the partners from the second activity, when engaged in a third activity, follow the same path. This creative chain presupposes that features of the whole can emerge in the production of new creative outcomes and of its creators”. 38 students and revealed by the bad scores in SARESP. This project was conducted in poor communities of two cities, in the outskirts of São Paulo – Carapicuíba and Cotia. Its main objective was to work with critical reading of the social genres (BAKHTIN, 1997). Specifically, it aimed at developing, in schools, the Teacher Support Team – TST – so teachers could work in an autonomous way with reading in different subject areas. The TST was initially organized (2004-2006) with three or four teachers from different knowledge areas (e.g., Portuguese, Mathematics, Physics, Sciences, History, Geography, Arts, Physical Education) from each of the 24 school that participated in monthly workshops with researchers at local State Sub-Department of Education (SDE). These workshops were followed by meetings with TST and school staff in schools, in which classroom observation were carried out, as well as planning, presentation of projects developed and conducted by students in their communities. During the workshops, researchers, teachers and supervisors discussed the theoretical-methodological concepts that base the role of TST in schools, the project LDA and their own school community projects. In the workshops, teachers also planned and developed material to involve and support their colleagues in the work to be conducted with reading in their particular schools, as well as to deal with problems considered central by the community. 4 CRITICAL RESEARCH OF COLLABORATION: RELATING THEORY TO PRACTICE Analyzing our data for collaboration, we realized the main pattern we found was the one John-Steiner (2000, p. 198-200) calls complementary collaboration. According to her, this pattern is the most practiced form of collaboration and “is characterized by a division of labor based on complementary expertise, disciplinary knowledge, roles and temperament”. The objective of the joint discussion in this pattern is a “mutual appropriation”, in which, “partners hear, struggle with, and reach for each other’s thought and ideas”. This will be described in this section based on data collected in two different activities of the research conducted. The first is the beginning of the work with reading in a school HTPC to discuss the concept of reading in the work to be developed. The second is a workshop at the local State Sub-Department of Education, in which TST teachers present and discuss the work to be conducted in their schools with citizenship production. At the beginning of the work, teachers and researchers had different objectives to participate; however, we all had in common the need and intention to introduce changes in school reading practices. As researchers, we aimed at discussing new ways to understand teaching-learning of reading in schools, and to work with reading practices to successfully deal with the problem of students’ failure in SARESP. However, we strongly aimed at introducing, with a collaborative turn-taking organization, changes in teachers’ apolitical and a-historical traditional ways of seeing schools as a place where they teach and students learn, as well as a locus of practice only. At the same time, the teachers, aimed at learning from the researchers new ways to act and deal with the same problem – students’ reading failure. The common need to assist students’ in their learning and development toward reading was the starting point to establish our work in partnership. Next, we discuss an HTPC session to reveal teachers’ and researchers’ initial work with reading. The objective for the session was to understand teachers’ senses on critical reading and reading instruction, as well as to introduce the researchers’ views. The researchers (R1 and R2) distributed transcript of two diverse reading classes – one in which students read a story and another in which students read and discuss a history text. Teachers were supposed to discuss the two texts first, in small groups and then in the larger group. At the beginning of the session the researcher (R1) clearly states the objective of the work to be developed and the central issues that base researchers’ senses toward the work to be conducted - the relationship between theories and practices, critical reading education, the results of SARESP. So teachers and researchers could work on common grounds as to the need to work on students’ reading and as to our responsibility of working with reading instruction. The extract below points at these aspects: R1 …we (researchers) saw the SARESP result (teachers and researchers’ common knowledge about students’ reading). […] texts point out that it is our (teachers) duty (obligation 39 to form a critical student) to educate this critical student (the teaching-learning theoretical bases of educational prescriptive texts) […] so, what is this like in practice? (establishing theory and practice relationships through the use of a true question to introduce researchers’ sense on working with teachers) Ours position here (researchers’ senses about working with teachers), is not to discuss theory with you, but to relate theory and practice. So, what is this like in practice? (focus on the relationship between theory and practice) This issue is crucial. We (joint work to be developed) are not just going to discuss practice either. This wouldn’t make sense, would it? (establishing the focus of the work - theory and practice relationships) […]. So what is this? What does it mean to educate a critical student? How can we teach so that the student learns, and that the teacher also learns, ok? (broad questions to help teachers to focus on the work to be developed) So the first question that we put forth to you is the need to have a clear idea of who your clients are; so who is this student that I have? What kind of problems do they have? (knowing the students’ needs is central issue to the work to be developed). Now, with the SARESP exam, we can see a few things more clearly. We know what kind of reading comprehension problems they have, don’t we? (SARESP revealed that students’ reading problems are in all knowledge areas) We now know (researchers and teachers) that reading, understanding and writing are not activities, are not only for the Portuguese (mother tongue) teacher to teach. It is something that all subject areas are responsible for – including maths, right? (emphases on all teachers’ responsibility to teach reading and writing to involve the teachers of other content areas. Emphasis on math teachers reveals the researcher’s understanding that these teachers might not understand their presence in the group). The researcher’s talk reveals several of the concepts we discussed that base our understanding of the work to be developed: a)clear statement of the objectives of work to be developed and researchers’ responsibility in the work showed by the use of pronouns; b)theoretical concepts about the didactic practices to educate a critical student, and the dialogical interaction of teaching-learning contexts based the theoretical-methodological frame of SCHAT; c)emphases on the need of all teachers’ responsibility to teach reading and writing – a common knowledge for teachers and researchersrevealed by the choice of, • deontic modalization has to – explained by Bronckart (1997) as pertaining to the social world (Habermas, 1985) of obligations and rights; 40 • broad questions What is this like in practice? What does it mean to educate a critical student? How can we teach so that the student learns, and that the teacher also learns, ok?; d)theoretical concepts on the work to be developed - an emphasis that relates theory and practice; e)stress on the researchers and teachers knowledge on the students’ reading and writing failure revealed in SARESP – which pointed out that students had reading problems related to every one of the knowledge areas- thus, everyone would be responsible for working with reading; f)use of true questions (Wertsch) to elicit thought from participants – broad and focused questions (Brookfield and Preskill). Considering our discussion on collaboration, it is a first and important moment for the work to be initiated with teachers. After describing the objective of the work to be developed, R1 and R2 ask teachers to exam two reading lesson transcripts from two diverse knowledge areas – Portuguese and History - to verify the concept of reading that base them and if/how they might be creating contexts for the education of a critical reader. By using transcripts of reading classes from two diverse knowledge areas, researchers aimed at providing teachers with a concrete context to relate instruction to teaching-learning theories by examining teachers’ and students’ roles, and actions. The excerpt below is a dialogue on reading instruction in the history lesson. The teachers discussed in the small groups. Each group chose a participant to present their findings and opinions to the larger group. The researcher initiates by asking the group, which had volunteered, to describe their evaluation of the reading instruction for the education of a critical student: R2: …Would you say this lesson educates a critical and active student? […] How so and why? (R2 initiates with an evaluation question) […] R1: How would this lesson contribute for the student to have a better result in SARESP? (R1’ s question reacts and expands R2’s to provide teachers with a concrete basis of analysis, and to relate the task to the previous discussion). D: it is not critical (teacher gives the group evaluation)... we hightlighted two aspects… we can actually see positive aspects in this lesson, but we we had only written the negative ones, (teacher modalizes when she realized the group only had pointed the negative aspects of lesson) – which are that: the lesson is to limiting; students are too limited by the text. (the group evaluated the lesson based on history teachers’ focus on text content). R2: Why do you think they are limited by the text? (Researcher questions teachers’ evaluation with a question to expand and clarify the group’s position, using an evaluation question initiated with why. This question has the objective of making the teachers reflect on the group’s superficial criticism. It is important since teachers usually provide general answers while analyzing teaching-learning from classroom descriptions.) D: Because if there were any question outside the text, they wouldn’t know how to answer (Teacher advances a little bit) R2: Where did you see that? ( R2’s question probes teacher to clarify her answer by showing where the group based the class evaluation) D: Letter […] c. R2: Letter […] c? D: When she (the history teacher) asks about the disease, the girl (the student) does not know what to answer because they: they (protagonists of the history text) were::: getting the disease. (evaluates teacher’s question was not appropriated for text content, and that this prevented the student from answering). So this is what we saw, we saw thought that the idea of placing the text here […] was actually a good one (evaluates as good the use of text to discuss historical content), but the only thing is that first the teacher is there, all locked up (evaluates as negative teacher’s type of questions and the fact she did not allow students’ to introduce information that is not in the text) in what she proposed; if they got away from it, like the boy did when he was telling his life story… rather than look at the answer, at his information, she just cut him out. This can’t be. (the teacher’s answer is confusing, thus revealing a production that resulted from the researcher’s probing.) E: can’t talk, and when she asks about the […] a question that is not in the text; so this is what we think: to what extent is this valid? (justifies the colleague’s evaluation based on the same argument.) R2: so... (researcher’s probing for teacher to deepen her evaluation) E: you can’t repeat anything outside what has been written (repeats the same argument). R2: Were you going to say anything? (other group tries to take the turn). G: ...we saw that too; that she cuts him off, doesn’t she? she doesn’t let the students give their opinion, if they are leaving the text; she only accepts whatever is in that text that […] the problem ... ( teacher states in a clearer form the previous colleague’s evaluation) 4 R are the researchers; all others are teachers R2: so what you are saying is that the right answer is only the one which reproduces what is written in the text? (R1 relates the answers to a teaching-learning problem while working with texts: focusing only on information explicitly found in texts) […] CL: …there is no inference, right? (another teacher – CL - takes the turn to stress a central problem observed in SARESP – students had failed in questions that involved inferencing. She completes G’s answers). This excerpt reveals R2’s actions while discussing the reading class. She acts to understand teachers’ senses on teaching-learning of reading by asking broad questions to challenge teachers to evaluate (Brookfield and Preskill, 2010) the class based on previous theoretical discussion on active and critical reader constitution and to explain their reasoning: Would you say this lesson educates a critical and active student? […] How so and why? She also challenges teachers to clarify their answers and to explain where they supported with focused questions such as: Why do you think they are limited by the text? Where did you see that ? These are questions Wertsch (1998) points as true questions. R2, also, probes teachers to deepen their answers with expressions such as: So…, by reorganizing teachers’ answers: So what you are saying is that the right answer is only the on which reproduces what is written in the text? R2’ language organization creates a collaborative context for joint participation, in which teachers and researcher complete each other thinking, and risk initiating a theoretical conclusion to a practice under discussion: … there is no inference, right? So, through questioning, researchers mediate teachers’ 4 answers and probe participants into deepening their ideas, considering each other’s answers, prior collocations, schools particular context, the objectives to reach, the social and educational practices and theoretical concepts that base them. Also mediation probes teachers to talk from their peers answers, revealing they are sharing thinking and action. The interaction shows that teachers and researches are involved in mutual understanding to produce a shared meaning about the possibilities the history teacher created to students’ critical education. It also allowed researchers to understand teachers’ senses on reading instruction and the choices to make to 41 the next meeting. R2’s actions creates a “zone of conflicts” that Vygotsky calls ZPD, in which old senses may be questioned and new meanings and creative actions produced through the group questioning and collaboration. 4.1 Workshop at the Educational Directory: citizenship education with school projects The objective of this session was to reveal how researchers created a locus for joint discussion of citizenship projects developed by teachers to be conducted in their schools. We want to understand teachers’ concepts of citizenship by discussing their projects. It is important to stress that it was difficult for teachers to relate theoretical discussions on citizenship to a practice to be developed, since these are not usual issues stressed in schools. The type of collaboration observed was also what John-Steiner calls complementary collaboration. This pattern can be seen in the researchers’ actions to probe teachers to clearly pose the objectives of their choice, the relationship between theories and practices of the work developed. Also, it reveals teachers’ and researchers’ now joint participation to probe other teachers to deepen their explanations. In the excerpt below TST teachers present the Projects to be conducted in their school in a workshop at the State Education local Department: P1 the objective... the text actually is… the stories are...comic book stories... this is the intention, isn’t it? Actually... to entertain... but also to indirectly teach, because in some of the stories they are always teaching something, aren’t they? Something ... we... ahn:: and Chico Bento (and his) character is part of this group ... ( Teacher describes her school Project – to work with a comic book - Turma da Mônica – because the protagonists always teach something). Ps Turma da Mônica...( a member of the same group completes to clarify which group the teacher had been talking about) P1 da Mônica... (we have) Cebolinha... Magali… don’t we? Mônica... Cascão... each one has their own characteristics... Magali eats too much, right? eats... eats... eats... and doesn’t put on weight…we have Cebolinha... that speaks “incollectly” ... so each one has their own characteristics and actually we work by making those who are reading can notice these differences and starts to accept them... (the teacher 42 describes the protagonists diversity in the chosen comic book to make the group’s point of choosing the story to work with citizenship education) Px: Cascão doesn’t like showering (a teacher establishes a contradiction in working with a character who does not shower to discuss citizenship)... P1 Cascão does not shower... but he is actually always talking about keeping the place clean [...] (the presenter solves the conflict establishing a confrontation between Cascão’s bad habits and his concern with the environment). R1: hold on... there’s something there that I didn’t pay attention to... so the specific aim ... [...] (Researcher asks for clarification about the project objective. She intends to bring the discussion about the Project specific objectives back) P1 the specific objective … to create reflective possibilities about the cultural diversity by means of the comic book and the mathematical (principles) … percentage and whole number… are taught in a very simple way in this story… (the presenter restates the objective and expands it - to work with cultural diversities and also to work with math, but she does not stress a central objective of the program that is working with students’ communities). [...] R2: now... you see... with the end of presentations… we will… ask you a question… one question… which is … what could we do… what could our students do with this knowledge so that they can improve their living conditions within their communities? ...So that their social experiences may become more interdependent? So, what could my student do... ( researcher’s question intends to probe teachers into establishing the relationship that was rarely mentioned during the presentation the clarification of the objective to the project towards the concept of citizenship discussed during the workshops.) S: you’re talking about citizenship action… a teacher takes the turn to present a conclusion to the researcher’s speech). R1 citizenship action... (researcher repeats the teacher’s conclusion) CE: can you please repeat the question, S … what can the student do… (a teacher asks S to repeat the researcher’s question) P1: with this knowledge ... to improve their living conditions ... within the community and within their social experiences… in an interdependent way? ( P1 rewords R2’s question, but does not answer it) ((short pause)) R2: ... it is important to carry out these group works with teachers in different areas… so as to allow for reflection to take place on critical reading work done with our students… that this critical reading may allow our students to internalize this knowledge; take this knowledge to society and transforms this society… this is what acting as citizens means...( nobody says anything and the researcher clarifies the central issues of the work to be conducted that defined acting as a citizen – it has to involve teachers from different areas, and students’ communities, with the objective to introduce transformation in these communities. In fact she answers the question she had posed.) [...] The collaborative context created during the workshop conduction is the result of months of work together, so teachers feel comfortable to question each other, to establish contradictions in the proposal description. For instance, Px questions the presenters choice of a character who does not shower in a project that aims at citizenship education. However, it is precisely the conflict that probes the group to clarify the contradiction established and explain that character’s role in the story: Cascão does not shower... but he is actually always talking about keeping the place clean. Planning and conducting schools projects with students so as to deal with a school problem, whilst also involving the community, was difficult for teachers. This can be seen in when the group answers R1’s probe for the objective clarification: the aims was to develop a project to deal with a school problem: working with diversity and with math content. By the end of the presentations, R2 stresses this issue again with a prediction question (Brookfield and Preskill, 2010) about how to involve the community in these projects: …what could our students do with this knowledge so that they can improve their living conditions within their communities? ...So that their social experiences may become more interdependent? So, what could my student do? The choice of openended questions (Brookfield and Preskill, 2010), and the lexical choices that emphasize students’ work in the community reveal the researchers’ evaluation of the projects presented. S takes the turn to point at the focus of R2’s evaluation: You’re talking about citizenship action. The silence prior to expanding the concept of citizenship on the projects developed made one of the researchers initiate a discussion on what citizenship education meant. This discussion probed several schools to reorganize their projects. The results were presented in their schools, and in an event of the Research Group LACE at PUC, and in another event at the local State Education Department. We would say that the dialogical concept of language as a “battlefield” of meanings produced by the participants of the discourse), were linguistically marked in the utterances in which a conflict of differing views/ voices was put into work (VOLOSHINOV, 1992; BAKHTIN, 1997). This composed the collaborative pattern John-Steiner (2000, p. 198) called complementary collaboration. The excerpts presented in this paper reveal teachers’ and researchers’ joint work to discuss concepts that until then seemed to have been new for teachers and learning from each other, that John-Steiner called mutual appropriation. She defines this pattern as a cognitive and emotional process. That is as a result of sustained engagement during which partners hear, struggle with, and reach other’s thoughts and ideas. These interactions reveal the work in the ZPD aimed at all participants’ creative collaboration. We would say that true collaboration was developed and all participants contributed to the others’ learning and development. As researchers, we realized teachers’ difficulties in relating the theory discussed to practice, in relating the work with critical reading developed in schools and the school project which was supposed to involve students’ community. This comprehension was important so we could create other learning moments to focus on what troubled them. In fact, the examples presented showed that all participants acted to support the others to reorganize their thinking to produce more complete and clearer understanding of what reading, reading instruction and citizenship education entail. Our role as researchers was to challenge teachers’ ideas, concepts and incomplete or superficial answers so they were able to rethink and reorganize them, but it was also our role to describe the objectives for the work developed and to explain concepts that, during the interactions, we found difficult for them. We can say that the work developed provided theoretic-methodological bases to critical reflection – to create learning and development activities for all participants. As discussed by Magalhães and Fidalgo (2007, p. 333), already pointed in the text “While we were working to built trust and to confront ideas so as to challenge old meanings; we were, at the same time, 43 confronting our meanings as to the role we ourselves were playing in that educational context […]” REFERENCES BAKHTIN, M. Os gêneros do discurso. In: BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1997. p. 277-326. BROOKFIELD, S. D.; PRESKILL, S. Asking effective questions. 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Ao final, observo que colaborar criticamente no desenvolvimento da pesquisa científica viabiliza a pluripertença social, pois no processo de desenvolvimento de ações compartilhadas engendramos experiências com diferentes pertenças e possibilitamos aos sujeitos a construção de suas próprias identidades a partir de múltiplas referências. Palavras-chave: Colaboração Crítica. Ciência. Práxis. Conhecimento. ABSTRACT This article aims to discuss the limits and possibilities of collaboration as a critical theoretical and methodological perspective for scientific research. For it seeks to answer the following questions: how does critical research collaboration interfere with the object of inquiry constituted by the practices in different contexts in which it is applied? How the knowledge produced by collaboration between peers and validate is it for the parties involved in the process? Why does critical collaboration science create opportunities for social pluripertença? Finally, I note that critical collaboration on the development of scientific research makes possible the social pluripertença because the process of developing actions engender shared experiences with different affiliations and allowing the subjects to construct their own identities from multiple references. Keywords: Critical Collaboration. Science. Praxis. Knowledge. 1 Doutor em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP. Professor nos cursos de especialização da COGEAE/PUC-SP e Diretor Geral da FAINC. Atua como pesquisador do grupo Linguagem e Atividade em Contextos Escolares – LACE da PUC/SP. Membro do International Society for Cultural and Activity Research (ISCAR). E-mail: [email protected] 46 1 INTRODUÇÃO Está no ethos do percurso de desenvolvimento da pesquisa-ação, pesquisa crítica e colaborativa ou pesquisa de intervenção, 2 principalmente, nas 3 pesquisas que desenvolvo no grupo LACE focada em contextos escolares, que colaborar propicia qualificar a maneira pela qual se constrói e se põe em movimento o dispositivo de trabalho por meio do qual interagem pesquisadores e os demais que, conforme o quadro teórico, chamamos de práticos, parceiros, atores, sujeitos, indivíduos ou pessoas. De parte da pesquisaação, a colaboração se coloca de saída em torno de um problema para cujo tratamento se convoca um pesquisador interessado. As questões que me coloco são: de que maneira a pesquisa crítica de colaboração interfere com o objeto de pesquisa constituído pelas práticas nos diferentes contextos em que é aplicada? Como os conhecimentos produzidos pela colaboração entre pares se constituem e se validam para as partes envolvidas no processo? Por que colaborar criticamente na produção de ciência gera possibilidades de pluripertença social? A produção em ciência como processo sistemático de construção do conhecimento tem como metas principais gerar novos conhecimentos e/ ou corroborar ou refutar algum conhecimento pré-existente. Produzir ciência é um processo de aprendizagem tanto do indivíduo que a realiza quanto da sociedade na qual ela se desenvolve. Partindo-se 2 3 da premissa de que o conhecimento não é matéria ou assunto acabado, é infinito e deve ser continuamente explorado, repensado e reformulado, vejo que a ciência se faz essencial para estabelecimento dessa constante reformulação e desenvolvimento do ser humano e da sociedade. Sem dúvidas, os recentes avanços tecnológicos, as transformações políticas, sociais e culturais somadas ao processo de globalização reestruturam um novo mundo e impõem um acelerado crescimento do conhecimento e das informações. Por isso, é imprenscidível que os cientistas transformem continuamente seus conhecimentos, postulados teóricos e suas formas de agir construídos ao longo da sua formação para que possam equacionar soluções para os problemas cotidianos. No desenvolvimento do século XXI, todos os segmentos da sociedade demandam profissionais críticos, participativos e autônomos com capacidade de saber lidar com as mudanças, preparados para buscar respostas, alternativas e propor inovações. Esse é o grande desafio para a pesquisa neste século, a formação de cientistas capazes de responder às demandas concretas da sociedade e a projetar novas formas de colaboração em que pensar e agir incidam sobre a capacidade de envolvimento e implementação da cidadania ativa. Este artigo tem como objetivo discutir os limites e possibilidades da colaboração crítica como perspectiva teórico-metodológica para a pesquisa Há inúmeras discussões acerca da classificação de pesquisas e dos aspectos metodológicos que aproximam e diferenciam os diversos tipos de conduta nas pesquisas. Neste artigo não me deterei nesta discussão e recomendo para aprofundamento a leitura de MONCEAU, Gillles. Transformar as práticas para conhecê-las: pesquisa-ação e profissionalização docente. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 31, n. 3, p. 467-482, set./dez. 2005. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ep/v31n3/a10v31n3.pdf. Acesso em: 1 jul. 2011. O grupo LACE, fundado em 2004, focaliza principalmente a formação de educadores e alunos crítico-reflexivos. Inclui pesquisas de intervenção crítico-colaborativas que investigam a constituição dos sujeitos, suas formas de participação e a produção de sentidos e significados em Educação. Além disso, visa desenvolver e aprofundar: a) a discussão dos modos como a linguagem está sendo enfocada nos contextos de formação de professores; b) um quadro teórico-metodológico para o trabalho de intervenção nos contextos profissionais escolares. Integra duas temáticas centrais: Linguagem, Colaboração e Criticidade (LCC), sob a liderança da Profa. Dra. Maria Cecília Magalhães e, Linguagem Criatividade e Multiplicidade (LCM), sob a liderança da Profa. Dra. Fernanda Liberali. Partindo da Teoria da Atividade Sócio-Histórico-Cultural (Vygotsky, Leontiev, Bakhtin), as temáticas consideram: a) as atividades como formas de transformação da ação do ser humano na vida; b) a pesquisa como uma forma de emancipação pela perspectiva de ação no/para/sobre/com o mundo. O LCC examina e discute o conceito de colaboração como central para o desenvolvimento de reflexão crítica na produção de conhecimento sobre questões de ensino-aprendizagem e de produção da consciência crítica. O LCM aborda questões de formação crítica em contexto mono e bilíngües, em que a linguagem permite a constituição de Cadeias Criativas (Liberali, 2008) como espaço de formação em que os participantes geram novos significados, criando uma multiplicidade de possibilidades de participação no mundo. 47 científica. Pretendo apontar as possibilidades de como tal abordagem aplicada no fazer científico poderia promover a articulação social capaz de superar os problemas cotidianos. Para a consecução deste objetivo organizo o artigo em dois segmentos. O primeiro em que trato conceituação da colaboração crítica e o segundo quando discuto a articulação de uma produção critica e colaborativa na ciência como alternativa para pluripertença social. 2 Pressupostos para o debate sobre colaboração crítica Na esteira de autores como Magalhães (2010), Liberali (2008), Oliveira (2009, 2010), Ibiapina (2008), dentre outros, a pesquisa colaborativa visa estudar a realidade socio-histórica de forma coletiva, compreendendo e intervindo nos problemas reais advindos de práticas sociais. Nesse processo, os diversos participantes das pesquisas trabalham colaborativamente no sentido de aproximar as preocupações da academia às de um determinado contexto social em prol da resolução de problemas determinados pelas práticas sociais. A agencia social é constitutiva do homem nos contextos em que se insere o ser humano, como sugerem Marx, Engels e Lukács, pois o homem é antes de tudo um ser vivo e que responde a uma dada objetividade para poder. Porém, o homem não se limita à natureza na sua forma dada, espontânea, ele cria e recria o mundo através do trabalho, ou seja, ele se apropria da natureza e a transforma conforme suas necessidades. Ao passo que a natureza é transformada, consequentemente, são alteradas as bases materiais da vida; esse processo revela-se nas relações sociais aí implícitas. As ações de colaboração crítica consistem em promover por meio da negociação compartilhada situações discursivas em que os sujeitos no agir dialético possam criar condições que lhes permitam uma suspensão dos momentos cotidianos fetichizados e alienados, o que conforme Heller (2000) é objeto da própria critica social. Nesse contexto é preciso pensar a ciência não sob a égide da academia, mas como uma das formas de constituição do ser humano. A ciência, nesse direcionamento, torna-se precisamente composto social que vincula a reprodução subjetiva da 48 experiência acumulada no curso da sócio-história. A ciência constitui-se então, em ação voltada para proporcionar que o individuo assimile a forma e o conteúdo da atividade humana; uma vez que o homem aprende a ser homem à medida que se apropria da atividade objetiva no curso da história. Marx (1987, p. 442) descreve a colaboração como uma “[...] forma de trabalho em que muitos trabalham planejando lado a lado e conjuntamente, no mesmo processo de produção ou em processo de produção diferentes, mas conexos”, potencializando-se assim, as capacidades individuais. Contudo, considero, apoiado no próprio Marx (1987, p. 129), que trabalhar coletivamente não pode prescindir da crítica, pois “devido a certa cegueira crítica, [...] mesmo as melhores inteligências falham completamente, deixando de ver coisas que estão à frente de seus narizes”. A partir desse ponto, observo que as ações de colaboração articuladas criticamente representam um fator essencial para a compreensão e possíveis intervenções na vida cotidiana, pois a cegueira crítica impede os sujeitos de compreender a complexidade da vida vivenciada por eles mesmos. Tornando-os, muitas vezes, também incapazes de visualizarem alternativas que possam lhes proporcionar caminhos de superação das situações alienantes do cotidiano. Nesse contexto, a crítica fornece condições para superar as ilusões criadas no cotidiano, pois “a crítica não é paixão da cabeça, mas a cabeça da paixão [...]. A crítica já não é fim em si, mas apenas um meio; a indignação é seu modo essencial de sentimento, e a denuncia sua principal tarefa” (Marx, 1987, p. 147). Transpondo essa visão para a conceituação da colaboração crítica, posso dizer que ela serve como instrumento para ampliar as perspectivas e o campo de visão do cientista no movimento de construção do objeto a ser observado, constituindo-se como uma forma de compreender e propor intervenções para as situações e necessidades vivenciadas na realidade dentro e fora de determinados contextos, mais especificamente na escola, nos casos das pesquisas que realizo. Isto é, ao colaborar criticamente de um modo planejado, alunos, professores e pesquisadores podem presenciar a possibilidade de superar limitações individuais e cotidianas. Conforme discuto em outro trabalho (Oliveira, 2010, p. 209), a colaboração não significa cooperação, tampouco participação, significa oportunidade igual e negociação de responsabilidades, em que os partícipes têm voz e vez, geradas por meio da mútua concordância e de relações mais igualitárias e democráticas voltadas para o desenvolvimento de novos conhecimentos, novas compreensões e possibilidades de ação. Penso que adotar essas ações, não significa que o pesquisador deva quebrar todas as hierarquias estabelecidas na sua área de atuação, mas definir de forma clara os papéis a serem seguidos por cada elemento no cotidiano escolar, afinal: [...] todo trabalho diretamente social ou coletivo executado em maior escala requer em maior ou menor medida uma direção, que estabelece a harmonia entre as atividades individuais e executa as funções gerais que decorrem do movimento do corpo produtivo total, em contraste com o movimento de seus órgãos autônomos. Um violinista isolado dirige a si mesmo, uma orquestra exige um maestro (Marx, 1987, p. 447). Isso assim se configura, pois “os múltiplos modos de usar as coisas é um ato histórico [...]”, bem como também o é “[...] a descoberta de medidas sociais para a quantidade das coisas úteis” (Marx, 1987, p. 165). Dessa forma considero que a produção científica torna-se pertinente quando é capaz de situar toda a informação em seu contexto e, se possível no conjunto global no qual está inserida. Todavia, para que todos possam ter voz e vez e de fato participar da construção da ciência no cotidiano, é preciso que nos espaços onde se produz ciência, pesquisadores e agências institucionais sejam conscientes da realidade – dentro e fora do âmbito de atuação que os cercam. Como afirma Freire (1987, p. 11) o estudo “é também e sobretudo pensar a prática e pensar a prática é a melhor maneira de pensar o certo”. Ainda sobre essa questão, amparado em Demo (2011), ressalto que produzir conhecimento não implica retratar ou copiar a realidade, mas reconstruí-la a partir do olhar localizado e datado sócio-historicamente. Entender o outro não é apenas ouvir sua fala ou retratar conteúdos, mas interpretar, reconstruir a mensagem, pois o senso compartilhado que temos da realidade não é produto de cópia, mas uma negociação de sujeitos, cujos olhares naturalmente diferem em sua individualidade, subjetividade e cultura, constitutivas na práxis. A colaboração tal como a concebo nas pesquisas que realizei e realizo (Oliveira, 2009, 2010) refere-se à práxis, à maneira como percebemos nossa atuação e os motivos que regem nossa prática pedagógica e a (re) construção da nossa prática educativa. Como focaliza Gâmboa (1995), apoiado em Vasquez (2007), a práxis é o fundamento do mundo em que hoje nos desenvolvemos, e por ser justamente o fundamento do mundo real que hoje existe, a práxis proporciona à ciência, ao conhecimento, não só a sua finalidade como o seu objeto. O conhecimento não é mera contemplação à margem da prática; consequentemente, o conhecimento só existe na prática. Como postula Vasquez (2007, p. 305): A práxis opera como fundamento porque somente se conhece o mundo por meio de sua atividade transformadora: a verdade ou falsidade de um pensamento funda-se na esfera humana ativa. Logo, a práxis exclui: o materialismo ingênuo segundo o qual sujeito e objeto encontram-se em relação de exterioridade e o idealismo que ignora os condicionamentos sociais da ação e reação para centrar-se no sujeito como ser isolado, autônomo e não-social. Portanto, as ações de colaboração crítica privilegiam processos interventivos, que visam transformar determinada realidade e emancipar os indivíduos que dela participam com “ o propósito de transformar as escolas em comunidades críticas de professores que problematizam, pensam e reformulam práticas tendo em vista a emancipação profissional” (Ibiapina, 2008, p. 13). Entretanto, não podemos esquecer essa atuação coletiva e participativa, colaborativa e crítica não ocorre sem contradições inerentes ao seu processo de desenvolvimento, pois como aponta Lenin (1977, p. 123): O conhecimento é o processo pelo qual o pensamento se aproxima infinita e eternamente do objeto. O reflexo da natureza no pensamento humano deve ser compreendido não de maneira “morta”, não “abstratamente”, não sem movimento, não sem contradição, mas sim no processo eterno do movimento, do nascimento das contradições e sua resolução. A comunidade científica está repleta de contradições, porque é composta de seres humanos dialeticamente polarizados. Na trama das relações sociais cientistas se inserem em campos permanentes e diferenciados 49 de força, influenciando e sendo influenciados dialeticamente; “quando dois pesquisadores dialogam , não apenas se comunicam, falam, mas igualmente se confrontam, disputam espaços e propostas, rivalizam em suas formulações em uma complexa relação de forças “ (Demo, 2011, p. 39). Para que se configure a voz e vez de todos os participantes nesse movimento científico que se quer colaborativo e crítico, é preciso criar condições para que se enalteça o sujeito, afastando-o da condição de mero espectador. Para isso, precisamos fomentar discussões nas quais todos possam comparecer igualitariamente em meio a contradições que se evidenciam na argumentação, no compartilhamento e na aprendizagem. Em parte, isso se articula quando oportunizamos o mínimo do domínio conceitual necessário à formulação da qualidade política do debate, que não é adquirido somente no desenvolvimento das ações práticas do cotidiano. Antes, esse domínio requer um entendimento do processo teórico-metodológico das ações traduzido em práxis múltiplas pautadas na dinâmica das relações entre os sujeitos e a educação e desses com o conhecimento em construção no processo. Entendo que a colaboração crítica como articulação teórico-metodológica na pesquisa envolve discutir a construção de vontades coletivas correspondentes às necessidades que emergem das forças produtivas objetivadas ou em processo de objetivação, bem como da contradição entre estas forças e o grau de dinamismo expresso pelas relações sociais, pois o cientista, entendido individualmente ou como todo um grupo social, não só compreende as contradições, mas põe a si mesmo como elemento da contradição, elevando este elemento a princípio de conhecimento e, por conseguinte, de ação (Gramsci, 2001, v. 4). A seguir, perseguindo esse movimento, discuto a articulação entre colaboração crítica e o fazer científico. 3 A colaboração crítica e as condições da ciência em mundo de mudanças O desafio de produzir ciência em pleno século XXI configura-se na busca da articulação entre conhecimento e o enriquecimento da sociedade com um 50 número crescente de cidadãos comprometidos com a sua transformação estrutural para que se busque uma sociedade livre, democrática e participativa; supere as discriminações na construção de uma convivência pluralista; incentive as várias formas de manifestações culturais e religiosas que propiciem um pleno desenvolvimento humano. Entendo que essa produção em um viés colaborativo e crítico, rompe com um modelo de pensar linear e lógico, estruturado de forma simplificada e desarticulado do contexto sócio-histórico e cultural. Isto é, pensar colaborativa e criticamente um projeto para ciência é ter em mente a complexidade como plano de pensamento e ação e permitir que as múltiplas possibilidades de investigações metodológicas assumam o valor central que nos permite ver as coisas, as pessoas e o mundo como partes de um todo amplo. Ou seja, no processo colaborativo e crítico concebese no plano da investigação que nada que existe de forma independente e isolada nos contextos sociais de produção. Tudo está interligado, cada pensamento, sentimento e ação pode ser compreendido como objetivação de um conjunto de ideias, valores, significado e relações que se estabelecem, desenham e constroem direções e intervenções para o contexto micro e macro de nosso mundo, de nosso universo. Nesse viés, produzir ciência aponta para um movimento que dialoga e se desvela em pluripertença social, pois ordena ver o mundo como uma rede sóciohistoricamente interconectada e interdependente. Assim, uma das características marcantes de uma visão colaborativa e crítica para ciência é que ela propõe questionar tudo o que até o momento aceitamos como verdade, seja por nossos hábitos, modo de vida, modelos de pensamento, ou ainda, nossos relacionamentos, possibilidades e impossibilidades. O fazer científico colaborativo e critico concorre para instauração de um processo de pluripertença social com vista à formação de cidadãos plenos no sentido profundo do termo. Isto é, esse fazer científico aposta no valor heurístico dos eventos cotidianos e se debruça na sua singularidade simbólica e no interesse sócio-histórico que possa haver nele. Tudo isso sem a pretensão de ensinar, revelar, consolidar pensamentos e sim, como forma de produzir uma microrrelação social com a linguagem que se quer política, reflexiva, instigante. A cotidianidade nesse fazer científico constitui a base do processo de transformação do individual, do social e das relações estabelecidas entre os indivíduos e destes com o meio ambiente numa perspectiva de formação de uma consciência crítica que depende, fundamentalmente, de sensibilização, compromisso ético-político, em observância dos princípios éticos universais, de políticas públicas e dos processos de socialização e educação. É importante esclarecer que no plano colaborativo e crítico a ciência não está só em função do cotidiano, mas a partir dele articula processos para formação de consciência crítica que se dá pelos desafios que a ela se apresentam, possibilitando-lhe o descondicionamento das forças alienadoras, a que estamos submetidos no cotidiano fragmentador e alienante da sociedade globalizada. O fazer científico colaborativo e crítico alinha-se além dos limites da cotidianidade e, justamente, por isso, revela-se na criticidade, na eticidade, na práxis, na cidadania e na sensação de pluripertença. O fazer científico na colaboração crítica instaurase então, como um movimento impulsionador, processual e de formação de nova consciência centro de articulação de novas categorias nascidas das necessidades ambientais, políticas, éticas e culturais. Assim, a estratégia desse fazer desvela-se na construção da consciência social crítica que se reforça ou se desmantela pelo conjunto de ações dos indivíduos no espaço cotidiano, da vida social real. Produzir ciência critica e colaborativamente tende a declarar uma ação transformadora do cotidiano no contexto sócio-histórico e implica mudanças significativas no tipo de visão e prática social quando se pretende formar cidadãos que exerçam conscientemente sua cidadania. Daí a necessidade de uma proposta metodológica que construa o sentido da ação a partir do cotidiano. A colaboração crítica determina a qualidade da consciência social ao considerarmos que a cognição, a socialização e a construção de valores e de uma 4 nova ética fazem parte de um mesmo processo de pluripertença social. A construção da consciência social está, portanto, atrelada à relação do interno com o externo e vice-versa. Entendo, dessa forma, que esta inter-relação em que se conjugam os fatores do pensamento e da linguagem como sendo o fundamento de uma consciência social complexa, das múltiplas relações que o indivíduo constrói e estabelece numa perspectiva social, cultural, política, econômica e planetária. A meu ver, esse movimento colaborativo e crítico proporciona a desalienação do cidadão e sua retirada da invisibilidade social. Por isso mesmo, cada ação por menor que seja tem uma importância no contexto e é essa ação contextualizada no cotidiano da pessoa e da comunidade que estimula a formação de um cidadão centrado na criticidade. Em trabalho anterior declaro que a criticidade não nasce do meu ponto de vista, do meu olhar, depende do olhar do outro nas práticas sociais (Oliveira, 2010). Logo, essa relação colaborativa e crítica não exclui o conflito, o confronto de olhares é necessário para que se chegue à construção de uma determinada verdade, que não é a minha, mas aquela construída no compartilhamento de significados entre os colaboradores. Bakhtin (1993) nos ensina que a verdade (pravda)4 é que confere realidade ao pensamento. A assinatura de um pensamento é o que constitui como ato e que lhe confere validade. Mas a assinatura não é expressão de uma subjetividade fortuita, e sim de uma posição. Assinar é iluminar e validar o pensamento com aquilo que somente do meu lugar pode-se ver ou dizer. O fazer científico colaborativo e crítico marca, assim, o compartilhamento de significados na articulação de um processo capaz de conduzir a uma transformação na compreensão dos processos de formação do ponto de vista do pesquisador quanto da sociedade, quanto à produção de saberes críticos que desafiam modos de criar perspectivas na produção de um pensamento autônomo. Bakhtin distingue em seu texto, Para uma Filosofia do Ato: válido e inserido no contexto, dois termos para se referir à verdade: istina e pravda. Istina refere-se à verdade universal, a um universo de possibilidades, à virtualidade do conteúdo do pensamento. Pravda é verdade singular, o ato de pensar que transforma teoria em ética. A verdade da pravda adquire validade dentro do contexto em que se pensa e da posição a partir da qual se pensa. Nesse sentido, apenas pravda é ato, e ato é pensamento e criação 51 Esse movimento constitui-se como uma experiência que representa uma forma de desenvolver nos pesquisadores suas capacidades para compreenderem melhor o mundo e, assim, atuarem socialmente de forma ampla, crítica, participativa e adequada às situações concretas e práticas que envolvem a interação em múltiplos contextos. 4 Considerações finais Neste texto, dispus-me a discutir os limites e possibilidades da colaboração crítica como perspectiva teórico-metodológica para a produção de ciência, procurando apontar possibilidades de como tal abordagem aplicada no fazer científico promoveria articulação social capaz de superar os problemas cotidianos. Ao finalizar estas laudas, questiono-me como colaborar criticamente amplia as perspectivas do conhecimento que se desenvolve na pesquisa? Retomando as discussões do artigo percebo que a intencionalidade educativa que qualifica a pesquisa faz dela um espaço articulado e rico de propostas para ampliar e transformar a vida e a esperança social. Assim, quando colaboro criticamente no desenvolvimento da pesquisa crio condições de confronto com os diversos contextos e com as necessidades que deles emergem , favorecendo a perspectiva de um trabalho que enfrenta os desafios formativos emergentes pela capacidade de ler as demandas sociais dos novos contextos, ampliando as possibilidades de novos contatos e confrontos significativos que levam à superação de preconceitos, a propostas educativas transformadoras com vistas à construção de uma sociedade solidária. Colaborar criticamente no desenvolvimento da pesquisa viabiliza a pluripertença social, pois ao legar aos sujeitos voz e vez no processo de desenvolvimento das ações do conhecimento, engendramos experiências com diferentes pertenças e possibilitamos aos envolvidos no processo a construção de suas próprias identidades a partir de múltiplas referências. Todavia, na ciência como na vida, muitas vezes prefere-se um trabalho solitário, em lugar de confrontar-se e perseguir trilhas coletivas, justamente porque olhar colaborativa e criticamente a produção do conhecimento requer constantes paradas e correções de rotas nos processos instituídos, que obriga os sujeitos a reconstruirem o sentido profundo da realidade que se julgava plenamente conhecida. Por fim, considero que trabalhar na perspectiva da colaboração crítica, além de enriquecedor, é, sem dúvida, estimulante e positivo, pois com o aporte de todos os envolvidos em um projeto, auxiliamos a nós mesmos e aos outros a se tornarem protagonistas da própria história e da procura de uma consciência critica e coletiva voltada para o bem comum. REFERÊNCIAS BAKHTIN, M. Toward a philosophy of the act. Trad. e notas de Vadim Liapunov. Texas: University of Texas, 1993. CAPRA, F. A teia da vida: uma nova compreensão dos sistemas vivos. São Paulo: Cultrix, 1997. DEMO, P. A força sem força do melhor argumento: ensaio sobre novas epistemologias virtuais. Brasília: IBICIT, 2011. FREIRE, P. Ação cultural para a liberdade e outros escritos. 8. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987. GAMBOA, S. S. Teoria e prática: uma relação dinâmica e contraditória. Motrivivência, Florianópolis, v. 6, n. 7-8, p. 31-45, dez. 1995. GRAMSCI, A. Cadernos do cárcere. 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No prelo. VASQUEZ, S. Filosofia da práxis. São Paulo: Expressão Popular, 2007. 53 A formação profissional e o futebol: dilemas pedagógicos Vocational training and football: pedagogical discussions Alcides José Scaglia 1 Resumo O presente artigo advém de uma revisão bibliográfica que percorre as teorias da aprendizagem, os estudos piagetianos, os pressupostos didático-metodológicos interacionistas e as proposituras presentes nos estudos aplicados das novas tendências em pedagogia do esporte, com vistas à superação do dilema na formação profissional, frente à hegemonia acrítica do método tradicional de ensino do futebol pautado em uma metodologia tecnicista. Metodologia esta alicerçada, principalmente, no empirismo, e que privilegia a cópia e a repetição de movimentos estereotipados em detrimento à imitação e a criação de ambientes de aprendizagem que facilitem a construção de conhecimentos, por meio de problemas contextuais advindos dos inúmeros jogos pertencentes à nossa rica e diversificada cultura lúdica. Desse modo, defendemos que o futebol é passível de ser ensinado, diferentemente do que pensa o sensocomum - o qual se apoia no inatismo -, pois se configura um produto cultural, engendrado por um processo de constantes ressignificações lúdicas de jogos populares. Por fim, apresentamos, por meio de uma analogia, uma proposta de aplicação das ideias interacionistas para o ensino do futebol, de forma a superar o dilema pedagógico estabelecido. Palavras-chave: Futebol. Formação Profissional. Interacionismo. Abstract This article comes from a literature review that covers the theories of learning, Piagetian studies, didactic and methodological assumptions and propositions interactionists present in applied studies of new trends in sport pedagogy, with a view to solving the dilemma in vocational training, against the hegemony uncritically the traditional method of teaching football ruled by a technical methodology. This methodology is mainly based on empiricism, and which focuses on copy and repetition of stereotyped movements rather than the imitation and the creation of learning environments that facilitate knowledge construction, using contextual problems arising out of numerous games that belong to our rich and diversified play culture. Thus, we argue that football is likely to be taught differently than you think common sense - which relies on innateness - because it sets up a cultural product, engineered by a process of constant reinterpretation playful popular games. Finally, we present, by means of an analogy, a proposed application of interactionist ideas for teaching soccer in order to overcome the dilemma pedagogical established. Keywords: Football. Training. Interactionism. 1 54 Doutor em Pedagogia do Movimento, é docente do curso de Ciências do Esporte na Faculdade de Ciências Aplicadas (FCA) da UNICAMP, onde coordena o Laboratório de Pedagogia do esporte e estudos avançados sobre o Jogo. Desenvolve estudos na área da Pedagogia do Esporte e Educação Física escolar (é co-autor do livro “Educação como prática corporal” editado pela Scipione), a partir do referencial teórico da teoria do jogo e da complexidade. E-mail: [email protected] 1 Introdução São longos os anos de discussão e construção de hipóteses científicas a respeito das teorias do conhecimento em Educação, consequentemente na Educação Física e Esportes. Todavia, apesar do grande volume de estudos sobre o tema, poucos são compreendidos, a ponto de modificar o pensamento do senso-comum, logo muitos equívocos se estabelecem, e o que é pior, arraigam-se e são transmitidos de geração em geração, tornando-se verdades absolutas em nossa sociedade, configurando-se para nós em um dilema pedagógico. Por exemplo, podemos destacar os estudos epistemológicos desenvolvidos por Jean Piaget (1976, 1990, 1987) e colaboradores, escolhido dentre outros tantos excepcionais interacionistas. Piaget (1990) em sua vasta obra, resultado de uma vida de pesquisa, sobre a construção do conhecimento a qual deu azo à teoria da epistemologia genética, explica como o ser humano aprende. Então se sei como se aprende posso a partir desse conhecimento desenvolver um método para se ensinar. Desse modo, Piaget não criou sozinho um novo paradigma em educação. Ele na verdade apoiou sua teoria nos preceitos básicos que regem o paradigma emergente (Santos, 2003; Morin, 2006) para desenvolver suas pesquisas, estudos e trabalhos, opondo-se aos ditames firmados ao redor do empirismo ou do inatismo (GARCIA, 2002; BECKER, 2010). Convencionou-se denominar interacionismo esta nova tendência que busca dar significado e resposta para intrigante pergunta: Como se adquire conhecimento? Como se processa as informações no interior da mente humana que lhe permite construir teorias, formular conceitos, desvendar enigmas, resolver problemas dos mais simples aos mais complexos? Segundo a tendência inatista (apriorista, ou racionalista), que concebe o conhecimento como advindo da natureza humana, o homem já nasceria determinado geneticamente. Os conhecimentos para resolver determinados problemas aflorariam à medida que o indivíduo atingisse determinado amadurecimento biológico e estímulo externo, logo esta tendência é determinista a priori (BECKER, 2010; ASSIS, MANTOVANI DE ASSIS, 2010). Assim, é sem dúvida advinda dos inatistas, ou melhor, sustentado por essa tendência, a idéia de dom, aptidão inata para desempenhar determinadas atitudes, o que acabava por explicar “racionalmente” porque Pelé jogava tão bem futebol, ou então a sapiência de Leonardo Da Vinci, as músicas de Wagner ou Mozart... A metodologia que se alicerça nessa tendência faz do professor um simples descobridor de talentos. No futebol esta visão é ainda muito forte, pois muitos acreditam no dom (talento nato). Tanto é que uma das máximas (entre muitas existentes neste universo) é aquela que expressa o seguinte pensamento: “Quando se descobre um talento, quanto menos interferir melhor”. Ou seja, quanto menos intervenções o técnico fizer para tentar fazer do talento um jogador melhor só atrapalhará o processo natural. Já, as teses empiristas, contrariamente, desconsideram qualquer herança genética, buscando explicar a aquisição do conhecimento por meio das impressões que ficarem gravadas na mente humana em decorrência de uma experiência vivenciada (BECKER, 2010; ASSIS, MANTOVANI DE ASSIS, 2010). Partindo-se desse princípio, o indivíduo se constitui um ser vazio que deve ser completado (enchido ou preenchido) de conhecimentos, através de transmissão (depósito) unilateral (sem interação) de experiências. Na prática, é advinda desta tendência a ideia (disseminada pelo senso comum) de que determinadas pessoas, ao longo do processo de aquisição do conhecimento, mostram-se incompetentes para aprender as respostas dadas para a resolução de certos problemas a que são expostas, pois segundo os empiristas todos devem (ou podem) aprender no mesmo ritmo, tanto é que eram as cartilhas (também concebidas em meio a essa tendência), que ditavam a sequência e o ritmo da alfabetização, propagando este processo como um caminho suave a todas as crianças de sete anos de idade. Ao mesmo tempo, em consonância com esta proposta, são fincados os alicerces da metodologia tecnicista, a qual parte dos mesmos princípios acima citados, porém 55 acrescem em sua operacionalização a fragmentação em partes do conhecimento a ser transmitido. Logo, como exemplos, podemos citar um treinamento de esporte qualquer, em que o treinador separa o jogo em movimentos (habilidades/fundamentos técnicos) e na organização do treinamento prioriza o adestramento destes movimentos, contudo sem o contexto de sua realização no jogo. Ele faz isto, pois parte da ideia de que especializando as partes terá um todo (jogo) melhor. Esta metodologia é a mesma que operacionalizava a alfabetização por meio das cartilhas. No treinamento do futebol, as pessoas que se dizem entendidas no assunto, na maioria das vezes são tecnicistas, pois é óbvio que esta tendência vem a justificar a presença do ex-jogador como o melhor treinador. Se se aprende por modelação e transmissão de um padrão a ser copiado de modo estereotipado, o melhor modelo só poderia ser o melhor jogador, pois ele mostrará com perfeição o movimento que deve ser repetido à exaustão (SCAGLIA, 2011b). Em meio a estas duas tendências diametralmente opostas, é concebida a tese interacionista, quem nem é determinista como a inatista, porém não descarta os ditames genéticos, nem é funcionalista como as empiristas, todavia não desconsidera a importância das experiências ao longo do processo de aquisição dos conhecimentos (FREIRE, 1998). Para o interacionismo, o conhecimento é construído em decorrência das interações do indivíduo (sujeito) com meio, muitas vezes intermediada por um objeto, ou melhor, nas palavras da conceituada autora Rosa (1994, p. 31) a tese “[...] interacionista, reconhece o conhecimento como resultante das interações do sujeito (com todas as suas características hereditárias) com o meio (com todos os seus condicionantes sociais e culturais).” As teses interacionistas, se se quiser buscar suas raízes epistemológicas e seus pressupostos filosóficos, encontrar-se-á suas sementes cravadas no iluminado século XVIII, sendo então filha dos iluministas que procuravam defender a idéia de que o homem deveria se guiar pela razão, e a partir dela criar e recriar o mundo. Há quem ousa dizer que as origens de tal tendência 56 são mais remotas ainda, recaindo sobre Sócrates com sua maiêutica a inspiração de tal tendência. Entretanto, apesar desses dados históricos, nota-se que só há pouco tempo que esta tese vem ganhando espaço no mundo das idéias, principalmente na área da Pedagogia. Portanto, é aqui que deve se abrir um parêntese para explicar que o interacionismo não se limita a um novo método pedagógico, mas sim a uma nova concepção teórica, impregnada de preceitos advindo do complexo paradigma emergente, a qual discorre sobre a forma como se concebe a aquisição de conhecimento. Assim, pode-se afirmar que não existe apenas um método interacionista, mas sim inúmeros, que são idealizados ao se respeitar a coerência teórica coadunando com as exigências ambientais. Esta coerência teórica é contemplada quando no processo, parte-se do princípio que o indivíduo (aprendiz) tem necessidades, e estas se constitui problemas e a partir daí, ao se desencadear processos de assimilações e acomodações provocadas pelas situações problemas, o ser/sujeito possa construir seu conhecimento, mantendo estritas relações com o meio cultural, evidenciando a equilibração majorante (PIAGET, 1976). Quando as crianças têm liberdade para se expressar – entendendo lúdico como liberdade de expressão -, vemos claramente o método interacionista sendo aplicado de forma espontânea (SCAGLIA, 2011a). A pedagogia da rua que nos ensinou tão bem a jogar futebol é, intuitivamente, interacionista. Os ricos ambientes de aprendizagem provenientes das peladas, gol caixotes, controles, rebatidas, proporcionavam a construção do conhecimento por meio da interação do ser com o meio (FREIRE, 2003; SCAGLIA, 1999, 2003, 2011a ). Portanto, segundo as perspectivas pedagógicas interacionistas, o conhecimento é adquirido. Sendo assim, pode-se aprender de tudo, dependendo para isso apenas o estabelecimento de vínculos afetivos e significativos (aprendizagem significativa), em meio à convivência em um rico ambiente de aprendizagem administrado pelo professor. Logo, conhecer sobre teorias da aprendizagem passa a ser conhecimento básico para a formação de qualquer professor, em especial, aos pretensos professores de futebol, que ainda são impregnados pelos conhecimentos do senso comum e das teses empiristas, como sua hegemônica metodologia tecnicista (SCAGLIA, 1999; 2011b). 2 As mazelas do método tecnicista Em alguns textos e crônicas pedagógicas que já escrevi sobre a formação, enfatizei que o Brasil, em especial, não desenvolve um trabalho de formação de jogadores, mas sim apostam todas as fichas na captação (SCAGLIA, 2007a; 2007b). Ao se preocuparem apenas com a captação denunciam, mesmo que inconscientemente, uma concepção inatista em relação à aquisição e construção do conhecimento. Contudo, ao mesmo tempo quando se observa as metodologias de ensino e treinamento desenvolvidas, fica evidente as teses empiristas, ao adotarem hegemonicamente a metodologia tecnicista. Quando qualifico uma metodologia de treinamento tecnicista, estou querendo dizer que sua preocupação principal se concentra no desenvolvimento e aperfeiçoamento das técnicas do jogo. O tecnicista fragmenta o todo (jogo) em partes (fundamentos técnicos). Cada parte é trabalhada de forma descontextualizada, objetivando o automatismo de um movimento fechado. Por exemplo, um tecnicista aplicaria um treino de passe dois a dois, cobrando de forma autoritária que o gesto técnico seja executado com maestria e em consonância com os padrões biomecânicos; desenvolveria um treino de chute a gol em fila; um treino de cruzamento sem defesa; um treino tático com o time adversário fazendo sombra, um coletivo sempre com o mesmo número de jogadores em cada time... O que se pode notar nestes exemplos de treinamento é o fato de que se desconsidera a imprevisibilidade existente no jogo. Adestra-se um movimento de passe, enquanto que o mais importante seria a ampliação da capacidade de executar um passe certo em diferentes circunstâncias (SCAGLIA, 2011b). O jogo de futebol, como todos os jogos coletivos, exigem habilidades abertas (Graça, 1995; Garganta, 1995; Bayer, 1994; Grego, Benda, 1998), ou seja, habilidades que sejam flexíveis e ajustáveis aos contextos de suas respectivas realizações, pois o jogo tende ao caos e não à ordem servil. Mas a metodologia tecnicista não contempla a desordem. Ela parte do pressuposto: ordem e progresso. Nunca passaria pela cabeça de um tecnicista ortodoxo de que o progresso advém do constante processo de organização engendrado pela desordem do sistema (SCAGLIA, 2007b). Assim, o futebol nunca poderia ser ensinado mesmo, pois jogo é jogo, treino é treino. Não existe relação direta entre o que se treina e as exigências do jogo. Não se considera a especificidade do jogo de futebol, apenas os seus movimentos padrões. Contudo, não posso ser injusto em dizer que o método tecnicista é inócuo. Ele é muito eficiente para hipertrofiar as ações que os jogadores já possuem. Analisemos este caso: um menino com certo potencial para se especializar no futebol é descoberto por um olheiro, ou mesmo “empresário”, na sequência é encaminhado (condenado) ao confinamento em um alojamento, lá recebe uma carga excessiva de treinamentos físicos - hipertrofiando os músculos-, e em mesma dose treinamentos técnicos e táticos desenvolvidos por meio de um método tecnicista - causando “hipotonia” cerebral. Consequência: forma-se um menino tanque que até faz malabarismo com uma bola nos pés, porém deficiente no que tange às adaptações. Logo, mais uma vítima fácil da cruel seleção natural (SCAGLIA, 2007b). Enquanto que, o jogo de futebol exige um jogador inteligente que seja capaz de aproximar cada vez mais pensamento e ação em situações diversificadas e relativamente imprevisíveis. E afirmo que é possível formar este jogador, desde que se supere o obsoleto método tecnicista, e por meio de treinamentos consonantes às exigências do jogo, potencialize-se o aprendizado, permitindo que os jogadores na especialização possam desenvolver seus potenciais (e não enterrá-los para o juízo final). O craque do futuro não será mais o malabarista, mas sim o que faz arte contextualizada, gerando um novo 57 e contemporâneo futebol arte. Contudo, são poucos os profissionais formados a partir dos conhecimentos advindos das novas tendências em pedagogia do esporte (SCAGLIA, 2011b), as quais se inspiram nas teorias da aprendizagem interacionistas. Urge a formação profissional superar o dilema pedagógico provocado pela abordagem tradicional de tratamento de tal temática ao longo da formação profissional, principalmente, quando ainda, é grande o número de cursos de Educação Física, em que as disciplinas que tematizam o esporte ainda se preocupam em ensinar os futuros professores a jogar o esporte e não a aprender sobre metodologias de ensino, ou melhor, sobre pedagogia do esporte. Logo, faz-se premente discorrer sobre ambientes de aprendizagem. 3 Ambientes de aprendizagem: a imitação, a cópia e a imaginação A imitação e a cópia são palavras sinônimas. Mas aqui, para este tópico de ligação das ideias sobre formação profissional e o futebol, elas serão diferentes. Uma diferença sutil, porém determinante para a edificação do belo e a transcendência do ser humano. Para os empíricos a metodologia para o sucesso é a cópia. Parte-se do pressuposto de que se temos um modelo que apresenta bons resultados, a garantia para se continuar tendo êxito está na sua fiel reprodução (BECKER, 2010). Este paradigma ainda rege o mundo. A maioria das pessoas, inconscientemente, pensa assim. Concomitantemente age assim e, ainda mais, espera que outras assim também procedam. Exemplos? Tenho inúmeros, para todas as áreas e gostos. Poderia falar de hábitos, ditados populares, escolas, modo de produção... Mas, propositadamente, ficarei no futebol. No futebol, por exemplo, segundo esta lógica, o melhor técnico só pode ser o ex-jogador, pois ele é o modelo. Só ele domina os padrões de movimentos a ser copiados. Ele mostra como faz e os alunos copiam. Quem não reproduzir fielmente está errado. O espelho que é o professor está lá para corrigir os 58 movimentos. Sua função é não deixar que se aprenda o movimento errado. Seu lema é não deixar acontecer o que diz o ditado inspirado nas teorias behavioristas: “pau que nasce torto, morre torto”. Contudo, a cópia enclausurada no método descrito acima vai contra a lógica da aprendizagem interacionista, significativa. A aprendizagem significativa se dá por meio do que chamo aqui intencionalmente, imitação. Na imitação o espelho não se encontra à frente, mas no interior de cada pessoa. Para melhor entendimento, convido você a se recordar do seu tempo de infância. Na época em que sua maior preocupação era a de se transformar no rei da rua. No maior jogador de bola das redondezas. Veja como é simples, porém com desdobramentos complexos e profícuos. Você, como eu, tinha seus ídolos. Você os via jogar. E quando algum deles marcava um gol de placa, como, por exemplo, os gols feitos pelo Brasil na virada frente à URSS no jogo de estréia da copa de 1982, nascia em você, como emergiu em mim, o desejo de imitá-los. Acabava o jogo e ia lá você para o campinho, para a rua, ou para o quintal, quarto, sala, cozinha, garagem... enfim, onde fosse possível criar um campo de futebol (e atesto que todos estes locais acolheram perfeitamente o meu “Maracumbi”). Estes campos serviam como palco. Imitava-se “perfeitamente” os ídolos. Digo perfeitamente entre aspas, pois o espelho não está mais à frente, como disse anteriormente, está no interior da mente, alimentando a imaginação. Sem o espelho, é preciso trazer a imagem para dentro. No momento em que ela entra é contaminada pelo eu. O eu a que me refiro estabelece um filtro que seleciona o que e como as coisas podem entrar. Assim interioriza-se somente aquilo que é significativo. Além do que, o eu estabelece parâmetros autocríticos para a auto-correção. Se o que é para ser imitado agora está impregnado pelo eu, logo quando se satisfaz os desejos pela imitação, a motricidade não mais expressa um movimento padrão qualquer (muito menos o movimento que serviu de inspiração), mas sim o meu movimento, ou melhor, a minha forma e capacidade para interpretar aquilo que vi, gostei, procurei imitar, imitei e me satisfiz ao revivê-lo do meu jeito. Desse modo, o meu movimento passa a ter os meus traços. Estabeleço meu estilo. Crio as minhas ações. Humanizo o meu gesto. Produzo cultura. Sou autodidata. Amplio minha inteligência (FREIRE, 1998, 2002; SCAGLIA, 2005). Sou como o artista: expresso pela motricidade lúdica minhas impressões sobre o mundo. Uso a minha motricidade para transcender e superar as minhas carências, como diria o professor Manuel Sérgio (2003). Por fim, quero com a distinção entre a imitação e a cópia destacar duas hipóteses. A primeira referente a como se deu a construção de um estilo peculiar do brasileiro para jogar futebol, e a segunda, as causas da premeditada ruína deste estilo encantador e belo. Na verdade, para mim não são hipóteses, mas sim, teses. Infelizmente, ainda vejo muitas pessoas difundindo o método da cópia em detrimento ao estímulo à imitação. São poucos os que vejo criando ambientes de aprendizagem que valorizem o eu e estimulem a imaginação, logo passa a ser conteúdo básico na formação profissional dos professores de futebol. Mas, por falar nisto: futebol se ensina? 3.1 Futebol se Ensina Por mais incrível que possa parecer essa pergunta é um dos grandes enigmas que pairam na cabeça de muitos brasileiros. O senso comum, apoiado nas perspectivas inatistas, diz que, ou os craques já nascem sabendo jogar, dotado de uma genética privilegiada (o gene futebol) ou atribuem o talento a um dom divino. Mas, tudo não passa de folclore, dito popular. O senso comum não tem compromisso com a verdade, ou seja, não precisa se justificar. Fala e está acabado: é verdade. Já, ao se levar esta discussão para o campo da ciência, a história é outra, pois o pensamento científico presta conta de aquilo que afirma. Desse modo, não cabe apenas afirmar, é preciso explicar o método: a organização e ordenação de pensamentos e procedimentos, buscando explicar e justificar a(s) verdade(s) nas ciências naturais, humanas (sociais) e abstratas (SCAGLIA, 2008). Assim, ao me apoiar nas teorias interacionistas (Piaget, Garcia 2011; Freire, Scaglia, 2003), posso dizer que o homem é um ser condenado a ser livre, ou seja, em meio à sua liberdade constrói o seu destino, produzindo cultura, como na sustenta Jacquard (1989), em sua obra “Herança da liberdade”. Toda esta liberdade, que o possibilitou alcançar a evolução atual, é determinada pelo ambiente cultural que o rodeia. Os pássaros e outros animais vivem num ambiente natural pouco alterável, mesmo porque, alterações os levariam à extinção, pois nascem sabendo quase tudo que precisam para viver, sobrando-lhes poucas ou quase nulas possibilidades de aprender novas soluções para sobrevivência. Já o homem nasce sabendo quase nada para viver num ambiente cultural muito alterável, portanto, tem a possibilidade de aprender quase tudo para a sua perpetuação, como salienta o professor Freire (1998) em “De corpo e alma”, sua mais densa obra. A humanidade só se perpetua devido às suas duas gestações: uma biológica, na barriga da mãe; outra social, quando sai do ventre materno. A gestação biológica, primeira etapa da perpetuação da espécie humana, concretiza-se devido à capacidade, adquirida em meio às evoluções, de procriar. Nesta procriação, dois hominídeos, de sexos opostos, copulam, doando metade de seus patrimônios genéticos para a criação de um terceiro, que caracteriza um ser intermediário. Este ser denominase genótipo, que nada mais é que um conjunto de genes (unidades de transmissão hereditária; situamse nos cromossomos), que, interagindo com o meio ambiente, condicionam a manifestação de suas características, resultando no fenótipo (conjunto das características morfológicas e fisiológicas do indivíduo). Ao se preestabelecer o fenótipo, durante a sua coabitação com a mãe, ainda inserido na gestação biológica, apreende informações que não são genéticas, mas comportamentais (FREIRE, 1998). Percebe-se, então, que no ponto de partida, há um espermatozoide e um óvulo, que contêm todas as informações necessárias para formar um corpo, caracterizando um ser biológico. Todavia, como ressalta Albert Jacquard (1998, 1988) em seus livros “Todos semelhantes, todos diferentes” e “Elogia a 59 diferença”, isso constitui apenas a matéria-prima: o corpo. Mas, para sua sobrevivência, não é suficiente construir um corpo, é necessário, também, formar um ser: o homem cultural. E é somente devido a essa magnífica insuficiência (saber quase nada ao nascer), que lhe garante a possibilidade de aprender quase tudo ao longo da vida, e, com isso, homologar sua condição de réu, condenado a ser livre para aprender. Estas conexões, que representam um limite para o inato, realizam-se por intermédio da contribuição de outros homens, caracterizando-se o adquirido, a cultura humana. Assim, inicia-se a gestação social (cultural), que vem completar e solidificar a gestação biológica, possibilitando a perpetuação da espécie. O homem, sendo um ser social, impregna e é impregnado pela sociedade. Para Jacquard (1998, 1988, 2002), ser homem é partilhar da humanitude acumulada e participar com seu próprio contributo. Entendendo humanitude como a contribuição de todos os homens, de outrora ou de hoje, para cada homem. Desse modo, o homem está no mundo para se enriquecer com os atributos adquiridos e construir novos, que serão passados a outros homens. Entendendo, logicamente, que estes contributos não são transmitidos pelo patrimônio genético, pois não são assimilados em nível biológico, mas, tão somente, pela cultura. Na existencialista ideia de Sartre (1997, p. 45), sintetizam-se as reflexões expostas: “Eu sou homem feito de outros homens”. Em meio aos percalços dessa liberdade, o homem aprendeu atos nefastos, mas também, durante a sua gestação social, desenvolveu certas habilidades, que o possibilitaram ser mais, superando-se e transcendendo-se a cada conquista. Esse superar-se atingiu todos os campos de atuação humana, quer seja no âmbito intelectual, no social ou no motor, ocasionando assim, o aparecimento dos talentos esportivos, ou seja, pessoas que se sobressaem sobre outras na prática esportiva. 60 Todavia, o que quero defender, amparado pelas teorias interacionistas, dentre as quais saliento as piagetianas (PIAGET, GARCIA, 2011; GARCIA, 2002; BECKER, 2003, 2010; MACEDO, 1994, 2009) é o fato de que todos somos dotados da capacidade de aprender os atributos culturais produzidos ao longo dos tempos pelas diferentes sociedades. Destarte, sendo o futebol produto da cultura humana, ele é fruto da humanitude, logo é passível de ser ensinado. Ser um craque de futebol, já é outra questão que demanda um aprofundamento neste tema. Entretanto, o futebol é um esporte que, por ser coletivo, no qual cada jogador desempenha funções específicas, um craque será aquele que compreender mais rapidamente a dinâmica do jogo, sua lógica e as mais eficazes e eficientes respostas. Não precisando para isto excepcionais qualidades físicas, fato que é incontestável em outros esportes, principalmente os individuais. Sendo assim, esclarecido que futebol se ensina (em todos os seus níveis: iniciação, especialização e profissionalização) cabe agora descobrir como ensinar (como treinar) e isto será possível através de outra área do conhecimento: a Pedagogia. Mais particularmente a pedagogia do esporte, imbricando esforços com as teorias do treinamento e as teorias da aprendizagem. 4 Considerações finais ou aprendendo futebol a partir de uma aula de culinária Rubem Alves (2011) sempre nos apresenta inúmeros saborosos textos. Frequentemente, constrói metáforas relacionando culinária e educação. Em seu “Variações sobre o prazer”, por exemplo, ele explicita as ideias de Roland Barthes, dizendo: “Barthes, agora, esquecido e desaprendido, adota a ontologia das cozinheiras. Mas que absurdo é esse, dizer que cozinheiras têm ontologia, como se elas fossem filósofas?!” (ALVES, 2011, p. 140). Sem muitas pretensões e com pouca competência perto do mestre supracitado, quero também experimentar construir um texto culinário pedagógico, almejando discorrer sobre metodologias de ensino a partir da receita de um bolo de chocolate. Quanto relaciono culinária à aprendizagem, logo me vem à mente como seria uma aula em que os alunos deveriam aprender sobre bolo de chocolate, seguindo procedimentos metodológicos advindo das teorias empíricas. A aula seria mais ou menos assim: a professora, única dona da verdade, começaria sua aula desconsiderando as possíveis experiências gustativas e conhecimentos que os alunos já possuíam a respeito de bolo de chocolate. Como ela é detentora da receita verdadeira, e a única a ter o modelo, transcreve-a na lousa para que todos copiem fielmente. Após a cópia da receita, os alunos são encaminhados à cozinha experimental para que cada um faça o seu bolo (seguindo a receita da professora). E, à medida que os bolos vão ficando prontos, a professora vai degustando. Se o gosto, a textura, o recheio, o cheiro, a cobertura..., estiverem idênticos ao dela, estes alunos estão aprovados. Os que não atingirem esta meta, estabelecida pela professora, são encaminhados para a recuperação ou mesmo à retenção. Ou seja, ao final do processo temos como consequência o estabelecimento de um padrão uniforme, previsível, redutível e invariável; um gosto único de bolo de chocolate com defeito zero de fabricação. Um bolo de chocolate com o selo de qualidade da ciência positivista. Já se esta mesma aula de culinária fosse desenvolvida por meio de uma metodologia interacionista, teríamos outro processo e, concomitantemente, outros produtos. Vejamos: primeiramente, uma professora de culinária partiria do princípio básico de que todo mundo já comeu um bolo de chocolate e de que existem inúmeras receitas de bolo com variações de sabor. Assim, a professora se preocupa com a realização de uma pesquisa prévia, em que os alunos deveriam pesquisar diferentes tipos de receitas de bolo junto a sua família, de modo a conseguir entender o processo. Depois é que cada aluno iria fazer a sua receita (a que pesquisou) de bolo de chocolate no forno da escola. O professor também deve compartilhar sua experiência, confeitando sua receita (que deixa de ser a receita para ser mais uma receita). Com os bolos prontos, iniciam-se as trocas de pedaços com os demais alunos da sala. A tarefa do professor neste momento é a de mediação. Ele é responsável por mediar os câmbios, até que todos tenham experimentado todos os diferentes gostos de bolo de chocolate. Outra função da professora é cria um ambiente de aprendizagem, de modo que, os alunos fiquem atentos e sensíveis aos diferentes gostos, aprendendo a degustar o bolo com calma, apreciando o paladar, e não apenas, se preocupando em saciar a fome. Seria uma aula sobre análise sensorial, que depois este aprendizado poderá ser transferido à vida cotidiana ao se apreciar outros alimentos ou mesmo bebidas. As diferenças de receita e, consequentemente, no que tange gosto, cheiro, recheio, cobertura..., acontece devido ao fato de que cada aluno vem de uma região diferente, ou mesmo, sem sair da sua região sofre a influência direta e indireta de diferentes ambientes relacionáveis. Ao final do processo (projeto) de aula a professora ainda se preocupa em desenvolver mais ambientes de aprendizagem propícios à construção coletiva de uma receita de bolo de chocolate da classe. Um bolo único, singular, irredutível, que terá um pouco do gosto de cada um dos alunos, juntamente com a do professor que deverá ser oferecido à degustação de todos os pais, avós e outros que contribuíram com as pesquisas iniciais. É uma forma de retribuição às pessoas e à sociedade, por tudo aquilo que está aí, solto em nossa cultura para ser apreendido e que precisa ser constantemente ressiginificado pelas novas gerações, ganhando mais vida e força a cada processo desencadeado e finalizado. Sendo assim, os alunos, além de terminar o projeto com um amplo, diversificado e saboroso conhecimento significativo construído aprenderam a aprender, ou seja, aprenderam que são sujeitos históricos capazes de produzir conhecimento, ao mesmo tempo em que são responsáveis por tudo aquilo que fazem. Entretanto, onde e como entra o futebol nesta história e a formação profissional? A resposta é muito simples: troquem o conteúdo bolo 61 de chocolate por futebol e mantenham as funções do professor, que apenas substituirá o conteúdo. A metodologia tecnicista, em que, por exemplo, os jogadores ficam um de frente ao outro trocando passes, ziguezagueando cones, ou mesmo o clássico exemplo do chute a gol em fila, reproduzindo modelos (estereotipados), produzem jogadores dependentes de uma verdade apenas, e na maioria das vezes, de forma indigesta (ninguém gosta de comer mais que um pedaço). Essa verdade é apresentada pelo modelo (o professor), que sabe da técnica, mas não sabe de seus porquês e de seus contextos. Desse modo, esta metodologia só pode formar exímios malabaristas com a bola nos pés (de um leque pequeno de variações), além de impedi-los de entender a lógica do jogo de futebol (conhecimentos táticos). Por sua vez, com uma aula de futebol em que a metodologia seja pautada nas proposituras das teorias interacionistas, cria-se ambientes de aprendizagem que ampliam sobremaneira as possibilidades de realmente formar um jogador inteligente de corpo inteiro. quais querem dominar e sufocar a revolução pacífica, advinda do aumento da inteligência e auto-estima da sociedade. Portanto, como Alves (2011, p. 46) disse podemos aprender com a ontologia culinária: As cozinheiras trabalham com efeitos sensíveis: o prato tem de ser gostoso; o prato tem de ser cheiroso; o prato tem de ser bonito; o prato tem de ser excitante ao tato – por isso a pimenta [...] Quando uma cozinheira pensa-cozinha ela leva em consideração a totalidade dos efeitos práticos que o prato que ela está preparando irá ter sobre aquele que vai degustá-lo. Ela pensa a partir da boca, elabora uma ontologia do gosto. Sendo assim, a formação profissional em Ciências do Esporte, Educação Física, e particularmente, no futebol devem refletir sobre metodologias, ou seja, devem deixar evidentes os objetivos (para os diferentes cenários de atuação profissional), os conteúdos, os métodos (respaldados por uma teoria da aprendizagem, a qual balizará as condutas pedagógicas), a avaliação e o currículo (o qual agrupa todas as teorias que consubstanciarão as práticas pedagógicas), superando o dilema pedagógico aqui evidenciado. Este jogador não só aprenderá futebol, e bem, quanto aprenderá conhecimentos para sua emancipação e libertação das amarras que nos aprisionam junto à mediocridade dos conformados e reacionários, os REFERÊNCIAS ALVES, R. Variações sobre o prazer. São Paulo: Planeta do Brasil, 2011. ASSIS, M. C.; MANTOVANI DE ASSIS, O. Z. (Orgs.). PROEPRE: fundamentos teóricos da educação infantil. 7. ed. Campinas: Graf. FE; IDB, 2010. BAYER, C. O ensino dos jogos coletivos. Lisboa: Dinalivros, 1994. 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Lisboa, Portugal: Instituto Piaget, 2003. 64 Atividade docente de professores universitários: Reflexões crítica em contexto colaborativo Teaching activities of university teachers: critical thinking in a collaborative context 1 Ivana Maria Lopes de Melo Ibiapina RESUMO Este artigo apresenta contexto de colaboração em que professores universitários refletem criticamente sobre a atividade docente, sobre o sentido e o significado de ‘ser professor universitário’. A pesquisa realizada retrata o percurso reflexivo de professores universitários no contexto da pesquisa colaborativa desenvolvida com base nos princípios teórico-metodológicos da Teoria da Atividade Sócio-hitóricocultural (TASHC). As reflexões realizadas são dirigidas ao compartilhamento do significado de docência como profissão. Dividimos este texto em quatro partes, na primeira, revelamos o porquê da escolha do enredo, destacando o contexto teórico e as questões que direcionaram a montagem do texto; na segunda, discutimos porque pesquisar colaborativamente e apresentamos os instrumentos utilizados para a produção dos enunciados: a entrevista e a sessão de reflexão; na terceira parte, apresentamos a análise do processo reflexivo e colaborativo. Na síntese final, relatamos, de forma sucinta, os sentidos e as práticas enunciadas no que se refere ao sentido e significado da atividade docente para o grupo que participou deste estudo. Palavras-chave: Reflexão crítica. Colaboração. Professores universitários. ABSTRACT This article presents the context of collaboration in which university teachers to reflect critically on teaching activities, on the meaning and significance of ‘being a university professor. “The survey captures the reflective journey of university teachers in the context of collaborative research developed based on theoretical and methodological principles of Social and Historical Cultural Activity (TASCH) . Our reflections are aimed at sharing the meaning of teaching as a profession. We divide the text into four parts, first, to reveal the reason for choosing the plot, highlighting the theoretical context and the issues that have driven the assembly of the text, in the second, because we discuss collaborative research and present the instruments used for the production of statements: interviewing and brainstorming, the third part we present the analysis of reflective and collaborative process. In the final synthesis report, briefly, the meanings and practices set out in relation to the meaning and significance of teaching activity for the group that participated in this study. Keywords: Critical thinking. Collaboration. University teachers. 1 Doutora em Educação. UFPI/PI-PROCAD(CAPES) Doutora em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte UFRN. Mestre em Educação pela Universidade Federal do Piauí - UFP. Graduada em Pedagogia e em Ciências Econômicas pela Universidade Federal do Piauí. Professora titular da UFP, Centro de Ciências da Educação, Departamento de Métodos e Técnicas de Ensino e do Programa de Pós-Graduação em Educação. Coordenadora da base de pesquisa FORMAR. Desenvolve estudos e pesquisas com base no referencial teórico e metodológico da Teoria Sócio Histórico Cultural - TASHC e da pesquisa Crítica de Colaboração PCCol. E-mail: [email protected] 65 1 INTRODUÇÃO Neste artigo, as discussões selecionadas fazem parte do acervo de informações produzido no decorrer da pesquisa colaborativa desenvolvida no Curso de Doutoramento realizado na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), no ano de 2004, sob a orientação de Maria Salonilde Ferreira (IBIAPINA, 2004). O excerto analisado foi extraído do banco de dados desta pesquisa, gravado em áudio e vídeo e transcrito para compor o acervo da referida pesquisa. Com o objetivo de compreender como se constituem as relações entre a aprendizagem da docência e o desenvolvimento do ‘ser professor’ na universidade, organizei sessões reflexivas que proporcionassem condições para que os professores dividissem com os pares os conflitos vividos durante a atividade docente, bem como as possibilidades que criam de superação desses conflitos. Para que, de forma colaborativa, compartilhassem as histórias de suas vidas profissionais. A sessão reflexiva que compartilho foi analisada com base no referencial teórico-metodológico da Teoria da Atividade Sócio-histórico-Cultural (TASCH), principalmente no que se refere à análise da produção de subjetividades de professores na interface com o contexto histórico-social da universidade. A categoria principal escolhida para a produção das compreensões foi o trabalho docente como atividade. A compreensão central que formulamos está ancorada na idéia de que o lugar que o professor universitário ocupa, na vida e no mundo do trabalho, decorre dos sentidos e dos motivos produzidos para desenvolver ações em contextos interativos concretos do mundo social. A escolha por compreender como se processa a produção de sentidos e significados relacionados à docência com professores universitários foi marcada pela leitura sobre a formação de professores universitários, temática que vem se constituindo em preocupação marcante nas pesquisas educacionais desde a primeira década do século XXI (MASETTO, 2000). A exploração do tema se justifica em virtude da lacuna que existe sobre as complexas questões que envolvem o pensar e o agir do professor universitário. A importância deste trabalho também se define na medida em que o professor universitário, desde 1990, sofre pressão para se qualificar na área 66 educacional, principalmente, nos aspectos didáticos e pedagógicos. É marcante a presença na educação superior, principalmente, nos cursos de bacharelado, de profissionais que exercem a docência sem ter vivenciado processos formativos na educação. Alguns docentes apresentam apenas a experiência profissional na área em que atuam e outros não possuem nem mesmo essa experiência, já que são professores que ingressaram na universidade, logo após conclusão de cursos de especialização e/ou curso de pós-graduação stricto sensu (IBIAPINA, 2002). Considerando os aspectos mencionados, o professor desempenha a função docente sem formação para exercer a atividade de ensinar. O aspecto mencionado é decorrente da própria estrutura organizativa das universidades que incentiva os professores a se preocuparem mais com a formação específica da área de formação inicial do que com o investimento pessoal e profissional em educação contínua que possa dar conta da atividade docente. Para compreender o significado da atividade docente, bem como da formação necessária ao desenvolvimento dessa função, farei, inicialmente, discussão teórica sobre a categoria atividade, na perspectiva da TASCH. 2 CATEGORIA ATIVIDADE NA PERSPECTIVA DA TEORIA DA ATIVIDADE SÓCIO-HISTÓRICO-CULTURAL Para compreender o significado de atividade, no contexto da TASCH, discuto o significado da categoria atividade, recorrendo às explicações de Marx (2005), Vygotsky (2001), Leontiev (1978) e Engeström (1999). A compreensão do significado de atividade é basilar na TASCH. Diferentes versões sobre o que é atividade emergiram nos países do ocidente, a partir das idéias marxista-leninistas ligadas à categoria atividade. Estudos contemporâneos (século XX e XXI) propõemse a investigar o problema da atividade e da relação entre atividade e consciência humana, bem como a definir o papel e o lugar do significado da atividade na psicologia e na educação (ENGESTROM, 1999; IBIAPINA, 2004). Atividade, em sua interpretação materialistadialética, é base da vida social da humanidade. A base da existência humana, a forma primária na qual está a produção de instrumentos. Para transformar a realidade, o homem produz instrumentos que são usados para fazer objetos e satisfazer as necessidades vitais humanas. A produção de instrumentos tem natureza universalmente transformadora e social. De acordo com Marx (2005), a atividade existe na forma diretamente coletiva e individual quando o homem age como ser social, transformando a natureza e a si próprio por meio dos instrumentos. Nesse sentido, a atividade é categoria que determina as características da existência social do homem. Com base nas compreensões formuladas por Marx (2005), Vygotsky (2000) explicou a atividade do homem, relacionando-a ao uso de instrumentos psicológicos. O autor destaca que a atividade humana é mediada pelos instrumentos, cujo papel fundamental cabe a linguagem (fala). O autor defende que os sistemas simbólicos são responsáveis pela transformação das funções mentais superiores e pelo desenvolvimento da condição humana. A categoria central no pensamento de Vygotsky (2001) é o sentido/significado da palavra no processo de constituição dos indivíduos. Partindo das concepções vigotskiana, Leontiev (1978) elabora a Teoria da Atividade e explica que o uso de instrumentos, normalmente, reflete as experiências de outras pessoas que tentaram resolver problemas em dado momento histórico e, para isso, inventaram ou modificaram os instrumentos culturalmente produzidos. Esta experiência é acumulada tanto nas propriedades estruturais do instrumento (forma, material, signo e símbolo) quanto no conhecimento de como ele é usado. Esses conhecimentos são passados de geração a geração, sendo aperfeiçoados constantemente. Assim, ao longo do processo sóciohistórico, a criação de instrumentos transformou o desenvolvimento da atividade, bem como o próprio processo de desenvolvimento da espécie humana. Leontiev (1978) foca seus estudos na compreensão da atividade prática humana. Nesse sentido, defende que a estrutura psicológica da atividade possui os seguintes componentes: necessidade – motivo – objetivo – condições para atingir o objetivo (a unidade do objetivo e as condições que delineiam o problema) - ações e operações. O homem atinge determinado objetivo em certas condições (ou resolve o problema), executando ações e operações (cada ação possui operação correspondente dependendo do problema). Para o desenvolvimento de determinada atividade, é necessário que haja determinado motivo que se originou da ação prática do homem. Atividade e ação não coincidem, quando motivo e objetivo coincidem, há atividade, quando não, há ação. Esse processo é explicado da seguinte forma: os indivíduos, movidos por necessidades, por motivos, buscam resolver problemas, traçam objetivos mediados por ferramentas e símbolos e em colaboração com os outros, desenvolvem ações e operações para resolver o problema e atingir os objetivos almejados, quando objetivo e motivo coincidem há atividade. Leontiev (1978) considera que os componentes básicos das atividades humanas são as ações, que surgem na relação não coincidente entre o objetivo e o motivo. Nessa perspectiva, ação é processo cujo motivo não coincide com seu objetivo (isto é, com aquilo para o qual ele se dirige), mas reside na atividade da qual faz parte. A atividade humana é produzida por meio das ações. As ações são desenvolvidas por meio de operações condições que são dadas para a sua concretização. A distinção entre ações e operações emerge quando o autor conceitua operação como o modo de execução de determinada ação, conteúdo necessário de qualquer ação. Considerando essa diferença fundamental, determinada ação pode ser executada por diferentes operações e, inversamente, recorrendo à mesma operação se realiza diferentes ações. Isso se torna possível porque a ação é determinada pelo seu fim, enquanto as operações dependem das condições em que é dado esse fim. Isto é, os indivíduos executam determinada ação, utilizando de operações diversas para concretizá-la e, embora os modos de execução, isto é, as operações executadas sejam diferentes, a ação é a mesma. É preciso ressaltar, que as emoções são elementos que precisam ser considerados quando se aborda a categoria atividade, pois elas cumprem a função de captar os sinais externos, internalizando-os como motivos. Para Leontiev (1978), a vontade e as emoções refletem as relações existentes entre as necessidades do indivíduo e as possibilidades que ele tem de realizar com êxito determinada atividade que corresponda a essas necessidades. Dessa forma, as emoções surgem como 67 elemento mediador entre a realidade, o motivo e o objetivo, isto é, a valoração racional das ações. No início do século XXI, as explicações elaboradas por Vygotsky (2000) e Leontiev (1978) são expandidas por compreensões como as Engeström (1999), que propõe a explicação das Redes de Sistemas de Atividade (fig. 1). Artefato mediador Artefato mediador Objeto 1 Objeto 1 Regras Comunidade Divisão de trabalho Objeto 2 Objeto 3 para as ações de negociação de sentidos e de compartilhamento de significados (colaboração); 3º princípio: o sistema de atividade é compreendido na dimensão histórica, construindo-se e transformando-se no decorrer das atividades; 4º princípio: as contradições são consideradas condições de mudança e desenvolvimento. As contradições geram conflitos que impulsionam as tentativas de renovação e mudanças do objeto e dos motivos; 5º princípio: há possibilidade de transformações expansivas no sistema de atividade. Esse ciclo de transformação é entendido como produção coletiva que se realiza por meio da criação da Zona de Desenvolvimento Proximal. Regras Comunidade Divisão de trabalho Com base nas explicações do referido autor, destacamos o papel do conflito no surgimento Figura 1- Rede de Sistemas de Atividade na perspectiva de motivos que levam ao agir transformador e ao Sócio-Histórico-Cultural desenvolvimento colaborativo entre indivíduos, no Fonte: Engeström (1999) caso deste estudo, entre professores universitários que Para Engeström (1999), a fig. 1 representa a com- refletem criticamente sobre a docência em contexto preensão de como as atividades se expandem, for- organizado para que ocorra colaboração. mando rede de sistemas de atividades em constante interação. O autor explica que no desenvolvimento Considerando as explicações de Marx (2005), de determinadas atividades há ciclos expansivos da Vygotsky (2000), Leontiev (1978) e Engeström atividade em decorrência de aprendizagens expansi- (1999), trabalho com os professores em vez de falar vas, que ocorre quando os indivíduos questionam as sobre eles. O processo de pesquisar se concretiza por práticas aceitas, estabelecendo o conflito que leva à meio da colaboração desenvolvida entre professores transformação da prática decorrente desse questiona- e pesquisadores em contextos organizados para que mento que provoca novas necessidades e motivos. os envolvidos expandam conhecimentos, idéias, O desenvolvimento (a expansão) ocorre quando as representações e valores, quando são trazidos à contradições são superadas. Na visão de Engeström tona sentidos para serem negociados, analisados e (1999), nos sistemas de atividade, as contradições in- interpretados, promovendo o compartilhamento de fluenciam a formação e definição do motivo/objeto significado. da atividade e promovem transformações nas práticas A partir dos entendimentos expostos, conforme humanas. propõe Marx (2005), apresento o excerto da pesquisa Na tentativa de explicitar como esse processo é que parte da vida vivida por professores que atuam desencadeado, o autor formula cinco princípios que na educação superior e dos seus discursos sobre a auxiliam no entendimento da perspectiva teórica atividade de ensinar na universidade. ilustrada acima: 1º princípio: a unidade primária de análise é 3 NARRATIVAS PROFISSIONAIS: o sistema de atividade coletivo, orientado para DISCUTINDO SOBRE O TRABALHO determinado objeto e mediado por instrumentos; DOCENTE 2º princípio: por trás de determinado sistema de atividade há uma comunidade de múltiplos pontos Na pesquisa que relato, a escolha de partir das de vista, tradições e interesses. Essas diferentes subjetividades produzidas na interface com o mundo posições criam o espaço de tensão necessária social é decorrente da leitura de Nóvoa (1988, p. 126) 68 e da sua defesa de que no processo de formação se deve conceder atenção especial à vida do professor, pois o saber de referência dele está ligado às suas experiências e à sua identidade como docente. Conforme denota na colocação: “O adulto em situação de formação é portador de uma história de vida e de uma experiência profissional; as suas vivências e os contextos sociais, culturais e institucionais em que as realizou são fundamentais para perceber o seu processo de formação.”, ao que acrescento: e também a expansão do aprendizado da docência. (PESQUISADORA): Você poderia explicar isso melhor? Nessa perspectiva, Dominicé (1988) recomenda que a formação do professor parta da construção da subjetividade do profissional, haja vista que sua formação está, indissociavelmente, ligada à produção de sentidos sobre vivências e sobre experiências de vida. Nesse sentido, ressalto a importância de o professor formador agregar aos instrumentos de pesquisa à possibilidade de os professores compartilharem os momentos vividos nas suas trajetórias profissionais, partilhando aprendizados profissionais. (CONCEIÇÃO): E aí? Você não está dizendo tão certinho? Como não sabe fazer? As narrativas expressam o efeito que tem a voz do professor no processo reflexivo crítico, bem como trazem à tona as falas sobre o trabalho docente que denotam a produção de compreensões sobre a complexidade da tessitura do ‘ser professor’, especialmente ao ser professor universitário. Os saberes que apresento neste artigo são fruto do processo reflexivo crítico e colaborativo produzido pelos professores participantes do grupo colaborativo de minha tese de doutoramento. (POLLYANNA): Refiro-me à pesquisa não no sentido de estratégia de estudo, mas no sentido de sua aplicabilidade no contexto de sala de aula, com os meus alunos, fazendo-os realmente investirem no ato da pesquisa como forma deles aprenderem a pensar, a delimitar questões, sistematizar idéias, procurar responder questões com o respaldo teórico e prático. Enfim, despertar a disposição, o olhar investigativo sobre a realidade deles. (POLLYANNA): Eu considero que este é um desafio, para mim, ainda representa uma dificuldade trabalhar com a pesquisa. (PESQUISADORA): Porque você acha que é um desafio, esclareça melhor o que significa essa dificuldade? (POLLYANNA): Refiro-me à pesquisa não no sentido de estratégia de estudo, mas no sentido de sua aplicabilidade no contexto de sala de aula, com os meus alunos, fazendo-os realmente investirem no ato da pesquisa como forma deles aprenderem a pensar, a delimitar questões, sistematizar idéias, procurar responder questões com o respaldo teórico e prático. Enfim, despertar a disposição, o olhar investigativo sobre a realidade deles. (CONCEIÇÃO): É isso aí, continuo achando que você sabe o que está dizendo... A construção social do que é e como se faz pesquisa na universidade passa do plano externo, quando os professores atribuem sentidos aos significados ao socialmente construídos, ao plano interno, quando o significado é internalizado e o novo sentido passa a regular as ações dos docentes na universidade. Percebo isso quando retomo os enunciados das professoras e encaminho a discussão para o agir do professor, conforme demonstra a discussão que segue. Para favorecer o processo de discussão sobre o desenvolvimento da atividade docente na universidade, a pesquisadora (que sou eu) questiona sobre as possibilidades que a pesquisa traz para o desenvolvimento das situações de ensinoaprendizagem no contexto universitário. Refletindo sobre a questão formulada, a Professora Pollyanna2 compartilha com o grupo o conflito que vive no processo de trabalho para articular ensino e pesquisa, Os sentidos negociados no excerto anterior são conforme ilustra o excerto que segue: expandidos pelos Professores Capitu, Anna Flora e (POLLYANNA): Eu considero que este é um Milka, que trazem à tona outras questões importantes desafio, para mim, ainda representa uma dificulcomo a ação de planejar e a importância da formação dade trabalhar com a pesquisa. específica para trabalhar, articulando ensino e pesquisa. 2 Os nomes dos colaboradores foram escolhidos por eles próprios para serem reconhecidos ao longo da pesquisa. 69 As intervenções dos professores referidas revelam o potencial das explicações e dos posicionamentos assumidos no contexto colaborativo para que ocorra a produção do significado compartilhado da atividade docente. Os diferentes pontos de vistas dos professores esclarecem as reais dificuldades em trabalhar a pesquisa de forma articulada ao ensino. Capitu criou contexto colaborativo de reflexão crítica quando se refere à articulação pesquisa-ensino: (CAPITU): Não sei se vai ajudar [...] (longa pausa) (Silêncio: todos os presentes na sessão ficam calados, aguardando). (CAPITU): Basicamente, gostaria de destacar o que a Polyana já disse, a pesquisa é uma questão importante, devemos pensá-la como investimento, como o diferencial do nosso trabalho. Não adianta entrar em nossa sala de aula e sair de lá como se tudo estivesse muito bem. Acho que o que está por trás de tudo isso é a questão do planejamento. Necessitamos parar, ter tempo para pensar e planejar, sem antes ter planejado, sem antes ter parado para pensar: o quê eu posso fazer? Não resolve, não. (ANNA FLORA): É isso mesmo, agora para planejar nesses moldes que você coloca, acho que só se pode mudar a prática de planejar e a postura na sala de aula, a partir do momento que procuramos investir na nossa formação. Como trabalhar a pesquisa com meus alunos, se não me sinto suficientemente preparada para isso? (MILKA): É isso mesmo, para ensinar, é preciso planejar, pensar no como, e para trabalhar com foco na pesquisa isso é fundamental. Assim, entendo que falta qualificação, falta tempo para pesquisar, mas considero também que a base para o ensino é a pesquisa. É preciso encontrar o caminho... (É interrompida por Capitu) (CAPITU): É, concordo. A pesquisa qualifica o ensino e o professor melhora o processo de ensinoaprendizagem, melhora você, pessoalmente e profissionalmente. A questão central é como fazer isso? (POLLYANNA) (responde pensativa): Essa é a dificuldade que falei antes, como fazer com que você melhore o ensino, melhorar nisso é fundamental. O que tenho de fazer para melhorar? Aí é que está como posso fazer? Como já foi colocado pelos colegas, um dos instrumentos é a pesquisa. (PESQUISADORA): É isso. Vejo a pesquisa como uma atitude a se cultivar tanto como prática dos 70 professores quanto dos alunos, pois pesquisar não é só aquele trabalho formal, acadêmico com rigorosa elaboração, mas uma questão de desenvolvimento da capacidade de problematização do real e das práticas cotidianas, do espírito crítico e reflexivo e isso não e fácil, realmente é preciso aprender como fazer isso, porque não fomos formados para fazer isso. Com essa colocação da pesquisadora, a discussão muda de foco e passa a centralizar nas razões para pesquisar. Essa discussão parece relevante para que os professores compreendam que as questões não têm como foco testar seus conhecimentos, mas proporcionar condições para que possam desenvolver trabalhos futuros como organizadores de outros processos de produção compartilhada de significado. Além disso, a discussão foca nas ações que proporcionam o desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem profissional. (SCARLET): Além disso, considero que trabalhar com a pesquisa é também manter um diálogo constante com a prática, é ter postura teórico-metodológica que auxilia a melhorar nosso ensino. (KEYNES): Realmente, um aspecto que considero importante no trabalho com a pesquisa é que ele me dá oportunidade de refletir sobre a minha prática e de me fazer rever conceitos e atitudes que levam a melhoria do ensino. É isso que também acho. (ANNA FLORA): Também concordo, acho a pesquisa um ponto fundamental para o exercício docente, mas eu acho muito difícil fazer isso com as condições que a gente tem. A gente prega muito, fala muito, entende? Mas na hora, na prática é difícil romper com o modelo na qual fomos formados. Não é que não é possível mudar, isso é, tenho certeza que é sim possível. Esse medo de mudar é conseqüência da nossa própria formação que foi muito tradicional e na qual só jogavam conhecimentos para a gente e a gente recebia sem questionar, sem refletir muito. Eu acho que esse modelo ainda é muito forte na nossa prática, acho que ainda temos muito que aprender, mas acredito também que estamos no caminho certo, a pesquisa e a reflexão são atitudes que podem romper com esse modelo e fazer com que nossas ações sejam profissionais, rompendo com o modelo clássico de docência que só desmerece nossa profissão. (PESQUISADORA): Concordo com vocês, é por meio da pesquisa que construímos conhecimentos e crescemos profissionalmente. O exercício reflexivo também ajuda muito nesse processo e não é qualquer processo reflexivo, não, é um processo que nos faça compreender o que fazemos, para que possamos fazer melhor, romper, como já disse antes com o modelo de nossa formação, não é fácil, mas é possível por esse caminho que estamos discutindo. Mas acho que temos que considerar um elemento que ainda não foi abordado por vocês, é o isolamento do professor universitário e não é como ele que vamos conseguir romper com esse modelo, com o medo de expor nossas dificuldades e nossas descobertas aos colegas, ficamos isolados, achando que os problemas que vivemos na sala de aula são só nossos e acho que é na troca, no ambiente colaborativo com os colegas que vamos avançar. (é interrompida por um professora que faz uma síntese e expande a discussão) (MILKA): O professor vive passando por situações conflituosas se ele não contar com os colegas, se se isolar, realmente ele se perde. Voltamos aos pontos já destacados, concordo que para evitar a insegurança, o isolamento e desenvolver trabalho profissional, reflexão e a pesquisa, são importantes, mas não é sozinho que vamos fazer isso, é preciso propor situações reais de ação, o que podemos fazer então? É a busca por formação que vai possibilitar que nossas práticas de pesquisa e de ensino avancem, mas uma formação diferenciada daquela que tivemos acesso até agora. (POLLYANNA): Reconheço também que o caminho está mesmo na busca de formação e na nossa organização mais colaborativa. O estudo, a reflexão e a pesquisa são necessárias, precisamos construir esses espaços, pois o nosso processo formativo foi muito deficitário com relação a esse aspecto, mas não é por isso que vamos ficar de braços cruzados. Podemos formar grupos como esses não? Esses momentos aqui podem gerar frutos, podemos mudar os contextos de atuação. É preciso agir em conjunto, não podemos cruzar os braços e ver a história passar. (Quase todos os componentes da sessão balançam a cabeça concordando. A sessão reflexiva continua [...]). Os conflitos relatados pelo Grupo sobre o trabalho docente foram manifestados em vários momentos da sessão de reflexão. A insegurança na condução da pesquisa, como recurso articulador do ensino, bem como a dificuldade em assegurar as condições básicas para o seu desenvolvimento, no cotidiano do fazer pedagógico, constituem-se em desafios para a prática docente, porém, a voz compartilhada dos professores denota que eles assumem responsabilidades que levam à transformação das condições existentes tanto nos processos de formação docente quanto de ensino- aprendizagem universitário. A tentativa de superar a dificuldade em aliar ensino e pesquisa é inegável, os motivos apresentados pelos professores para o desenvolvimento de ações docentes mais colaborativas também representa conflito vivenciado na prática docente, entretanto o compartilhamento de significados denota que há intenção de agir para adquirir novos referenciais formativos que orientem o trabalho docente na direção discutida pelos professores. No processo de reflexividade relatado, a função docente é ato político, é atividade complexa, que envolve a opção por ações educativas voltadas para formar alunos críticos, conscientes da sua função social. É importante os professores compreenderem, não somente o contexto restrito da sala de aula, mas também, as relações sociais mais amplas que envolvem a formação universitária. Essa compreensão foi construída no compartilhamento de significado em que os professores tentam aliar o ensino à pesquisa, refletem sobre o que e o como fazem essa articulação, bem como sobre os conflitos que vivem, ressaltando as conseqüências de seus atos para a formação dos alunos. O Grupo faz crítica ao modelo clássico de ensino, isto é, à lógica utilizada pelo ensino tradicional, apontando alternativas de reformulá-lo com base em lógica diferente daquela em que eles foram formados. Na opinião dos professores, para superar a dicotomia entre ensinar e pesquisar, é preciso conjugar pesquisa e ensino, modificar conceitos, reformular atitudes, romper e criar espaços de produção de novos conhecimentos e práticas. Os significados compartilhados expressam motivos para usar a pesquisa como espaço de produção de saberes e de construção de práticas profissionais. Conforme defende Bakhtin (2002), as palavras só se tornam de alguém quando o enunciador a populariza como sua própria intenção; quando ele apropriase da palavra, adaptando-a a sua própria intenção semântica e expressiva, assim, compreendo que a apropriação das idéias de outros não se constitui em ato neutro e impessoal, é produção social e mediação semiótica, esse foi justamente o elemento que auxiliou os professores a se apropriarem da importância de integrar ensino, pesquisa e reflexão crítica por meio 71 do compartilhamento do significado de docência, o que contribuiu também para que as práticas relatadas adquirissem novos sentidos e novos motivos para agir no desenvolvimento da atividade docente. Nessa direção, considero em comum acordo com o grupo de professores participantes deste estudo, que as contradições trazidas à tona sobre a relação ensino e pesquisa, proporcionaram as condições para que houvesse compartilhamento de significado, a colaboração instituída nas discussões foi de fundamental importância para a mediação e o cultivo da mudança das práticas docentes já consolidadas no âmbito da educação universitária. 4 CONCLUSÃO Nesta pesquisa, constatei que, no trabalho docente as ações e operações realizadas se ampliam quando o processo de desenvolvimento profissional vincula os objetivos pessoais e os motivos às significações construídas pela categoria. Em razão do nível de relação existente entre o objetivo e o motivo de determinada atividade há possibilidades do agir docente mudar no sentido de ser conduzido com profissionalismo, haja vista que cada professor, dependendo dos motivos que o impulsiona a agir, apreende as informações e os conhecimentos de forma específica e pessoal, reagindo também de maneira diferenciada diante das situações práticas, mas, sobretudo, apreende o real e o transforma quando compartilha com os outros as práticas vivenciadas e os significados socialmente construídos, o que amplia ainda mais a capacidade de transformação dos contextos de atuação docente na universidade. Nesse sentido, compreendo que quanto mais reflexiva e colaborativa for a prática docente, mais facilmente nós professores romperemos com a cultura do isolamento e de práticas não profissionais de ensinar. Nesse caso, vale relembrar que transformar a prática não é algo fácil, é conflituoso. É desafio que exige a ampliação de conceitos, posturas, atitudes, ações e operações. Por essa razão, os processos de transformação pressupõem aprendizagens que conduzam ao desenvolvimento mútuo, que envolvam tanto a produção de práticas que não implicam em riscos quanto daquelas que demandam a expansão de conceitos, valores e atitudes tanto em nível pessoal quanto profissional, o que envolve tanto o risco 72 quanto a chance de transformar a universidade que conhecemos. Esse desafio foi partilhado pelo grupo de professores e pela pesquisadora que conduziu o processo reflexivo registrado na sessão reflexiva analisada neste artigo. A ruptura representa, para todos nós professores, processo complexo, uma vez que requer a produção de sentidos que possam quebrar rotinas e desestruturar formações cognitivas, afetivas e emocionais já consolidadas. Essa ruptura envolve aprendizagens pessoais e profissionais contínuas e alteração dos quadros teóricos e das práticas cristalizadas e rotineiras. É claro que as transformações de pessoas e contextos não são processos que ocorrem de maneira espontânea, tampouco com a rapidez que se quer, entretanto, é possível afirmar que a transformação pode ocorrer quando as ações realizadas são mais responsáveis e responsivas, é o que denotamos como primordial nas enunciações dos colaboradores desta pesquisa. Para finalizar, recomendo que as políticas propostas para a formação de professores, especialmente do professor universitário, considerem as reflexões que fizemos ao longo deste texto, para que desenvolvam projetos formativos que atendam às demandas reais dos professores de aprendizagem profissional e de superação das condições materiais de desenvolvimento da atividade docente na universidade. Com este trabalho, espero contribuir para que as ações formativas transformadoras possam ser desenvolvidas no âmbito da educação universitária, quando os saberes e as práticas reais dos professores forem tomados como parâmetro para a expansão da rede de atividade produzida na educação superior. REFERÊNCIAS BAKHTIN, M. Marxismo e filosofia da linguagem. 10. ed. São Paulo: Hucitec, 2002. DOMINICÉ, P. A biografia educativa: instrumento de investigação para a educação de adultos. In: NÓVOA, A.; FINGER, M. (Orgs.). O método (auto)biográfico e a formação. Lisboa: Departamento de Recursos Humanos. Ministério da Saúde. Centro de Formação e Aperfeiçoamento Profissional, 1988. p.101-106. ENGESTRÖM, Y. Activity theory and individual and social transformation. In: ______; MIETTINEN, R.; PUNAMÄKI, R. L. Perspectives on activity theory. New York: Cambridge University Press, 1999. p.19-38. IBIAPINA, I. M. L. M. 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A construção do pensamento e da linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 2001. ______. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 2000. 73 O teatro contemporâneo e o ensino das artes cênicas The contemporary theater and performing arts education Daniele Pimenta 1 RESUMO O teatro contemporâneo desenvolve-se com base em expedientes e recursos técnicos e estéticos, os quais transitam por diversas linguagens artísticas e estrutura-se a partir do diálogo horizontalizado entre as propostas de criação dos artistas envolvidos, exigindo do encenador uma perspectiva pedagógica na condução do processo criativo. A partir da observação e da participação em processos artísticos profissionais, a autora transporta para a sala de aula a aplicação de técnicas e o desenvolvimento de conceitos do teatro pós-dramático, como ferramentas para o ensino do teatro. Palavras-chave: Teatro contemporâneo. Teatro dramático. Teatro pós-dramático. Pedagogia do Teatro. Ator. ABSTRACT The contemporary theater is developed based on expediency and technical and aesthetic features, which transit through various artistic forms, and is structured from the dialogue between horizontalized proposals for the creation of the artists involved, requiring the director to conduct an educational perspective the creative process. From observation and participation in professional artistic processes, the author brings to the classroom application of techniques and development of concepts of post-dramatic theater as tools for teaching theater. Keywords: Contemporary Theatre. Drama Theatre. Post-dramatic theater. Pedagogy of the Theatre. Actor. 1 74 Doutora em Artes pela UNICAMP. Mestre em Artes Cênicas pela USP e graduada em Artes Cênicas pela UNICAMP. Professora da graduação e da pós-graduação do curso de Educação Artística da FAINC, em Santo André. Atriz, diretora, diretora musical e coreógrafa da Cia. PICNIC de Teatro. Membro da ONG CONSORTE de Teatro. E-mail: [email protected] 1 INTRODUÇÃO As artes cênicas compõem um campo amplo e de complexa (quase impossível e, talvez, desnecessária) delimitação, tantas são as linguagens manifestas e outras tantas as linguagens com as quais estas dialogam. O teatro contemporâneo – aqui compreendido como o teatro feito a partir de expedientes pesquisados e desenvolvidos contemporaneamente, os quais envolvem conceitos específicos concernentes às formas de abordagem temática, técnica, expressiva e estrutural, e não, genericamente, como o teatro feito atualmente, pois inúmeras vertentes estéticas e diferentes meios de produção artística coexistem – assume definitivamente o trânsito por diferentes “territórios e fronteiras” 2. A possibilidade de incursão por diversas linguagens artísticas e, nessas macro linguagens, pelas diversas estéticas, demanda do encenador contemporâneo uma postura extremamente pedagógica na condução do trabalho junto a seus intérpretes e equipe de criação, pois o processo colaborativo, atualmente a vertente processual mais difundida entre os grupos que se dedicam à pesquisa de expedientes contemporâneos do teatro pós-dramático, pressupõe a abertura para que o coletivo criador confie na possibilidade de acolhida para a pluralidade de linguagens e meios, os quais mudam sensível ou profundamente de acordo com as referências individuais. O trabalho do intérprete expande-se vertical e horizontalmente, o depoimento torna-se inerente a sua atuação. Seu papel, muito mais que desempenhar um papel, é refletir sobre a sociedade, sobre o entorno, sobre o ser humano, suas atitudes e consequências, e manifestar-se em um discurso poético. O ensino do teatro deve abrir-se para esta nova perspectiva: partir do referencial pessoal do alunointérprete para a construção do percurso que o levará ao aprendizado dos conteúdos pertinentes, evitando a cristalização de formas recebidas unilateralmente, sem possibilidade de reflexão. Para tanto, o 2 teatro contemporâneo nos fornece expedientes perfeitamente aplicáveis a diferentes realidades educacionais. A abordagem pedagógica detectada nos processos teatrais pós-dramáticos profissionais parte de proposições que estimulam a autonomia criativa e expressiva dos intérpretes. De maneira similar, os alunos-intérpretes podem ser motivados a participar ativamente dos processos desenvolvidos em aula, experimentando expedientes que se tornam ferramentas para a composição da cena, sem, no entanto, negar a potencialidade expressiva do teatro dramático. O presente artigo é uma tentativa de organizar algumas de minhas reflexões, provocadas e alimentadas pelo convívio com artistas profissionais e estudantes em diferentes processos, o que me permite a observação, seleção de recursos, experimentação e análise dos resultados obtidos a partir da aplicação de expedientes do teatro contemporâneo em minhas aulas de graduação e pós-graduação. 2 TEATRO DRAMÁTICO Classificar um processo de criação ou um espetáculo teatral como dramático não deve implicar em fechar sua definição em um formato único, visto que há muitos gêneros teatrais que apresentam as mesmas características estruturais básicas, preservando, entre si, enormes diferenças estéticas e de linguagem. Via de regra, o teatro dramático engloba todas as formas teatrais que partem do desenvolvimento e resolução de um conflito pela ação de seus personagens. Em definição muito superficial, apenas para catalisar a reflexão que se segue, o teatro dramático ainda pode ser aristotélico, quando a ação constrói uma trama linear, ou épico, quando do uso de expedientes que interrompem o fluxo da ação dramática, visando romper temporariamente a sensação de ilusão ou o envolvimento emocional com a cena, possibilitando uma visão crítica por parte do espectador. Não cabe aqui esmiuçar a teoria dos gêneros, a qual Não por acaso Territórios e Fronteiras é o nome dado ao grupo de trabalho que acolhe os pesquisadores das áreas de multilinguagens artísticas nos congressos da Associação Brasileira de Pesquisa e Pós-Graduação em Artes Cênicas - ABRACE. 75 define e compartimenta os gêneros literários em épico, lírico e dramático (a palavra drama tem origem no termo grego para ação). Mas é importante atentar para a ligação imediata que se faz entre os conceitos teatral e dramático a ponto de serem considerados sinônimos. Partindo da teoria dos gêneros e, consequentemente, da definição de critérios para uma literatura dramática, a evolução do teatro foi registrada e analisada com foco bastante fechado na produção de textos dramáticos, isto é, na literatura para ser posta em ação. Essa perspectiva textocentrista alimentou por séculos a idéia de que teatro se faz a partir do texto como base única e inquestionável. Essa abordagem relegou ao status de arte menor todas as vertentes de teatro popular, apoiadas na performance de seus intérpretes e não na literatura, abertas à transformação da cena pela relação com o público e não estancadas pela subserviência ao texto. Obviamente, essas questões precisariam de espaço próprio para sua análise e discussão, mas, aqui, é preciso apontar a importância do texto como matriz absoluta para a criação da cena teatral para grande parcela dos críticos e historiadores, os quais, em um processo cíclico, alimentaram-se das e orientaram as escolhas de artistas que abraçaram o teatro dito sério, oficial, erudito, considerado tradicional, em detrimento do teatro popular, cujas formas estabelecem muito mais concretamente uma tradição, pois dependem da transmissão oral e pessoal de técnicas e convenções. A liberdade criativa do teatro popular desenvolvido ao longo dos mais de dois milênios do teatro não oficial, frequentemente, em detrimento de uma literatura dramática rigorosa, aproxima-se e dialoga diretamente com o teatro contemporâneo pósdramático, pela generosa ocupação dos espaços urbanos, pela participação ativa do intérprete como criador da cena e pela observação atenta da recepção. 3 TEATRO PÓS-DRAMÁTICO O termo pós-dramático pode indicar a ideia de contraponto tanto à ação dramática quanto à dramaturgia em seu sentido original de literatura dramática. Os dois sentidos complementam-se e corroboram com uma perspectiva de encenação 76 que não parte, necessariamente, de um texto originalmente concebido como literatura dramática, embora não, necessariamente, o exclua. A abordagem e o tratamento dado a cada elemento de composição da obra teatral é que mudam substancialmente no teatro contemporâneo, pois o espetáculo passa a constituir-se de camadas que se articulam pela soma e multiplicação de seus significados, pela relação com cada elemento como uma potencial matriz espetacular. Essa pluralidade matricial conduz a resultados inerentemente polissêmicos e este é um dos maiores contrastes com o teatro dramático, no qual todos os elementos de um espetáculo são concebidos para reforçar a visão do diretor sobre o texto, conduzindo a recepção na leitura da obra. No teatro pós-dramático a recepção torna-se ativa. A obra composta é lacunar e o espectador passa a ser também compositor do sentido final, recorrendo a seu repertório pessoal (intelectual, político, social, afetivo, etc.) para traduzir as impressões causadas pela obra. Podemos pensar que, se várias são as possibilidades de leitura pela recepção, várias devem ser as fontes textuais presentes na obra. Esse raciocínio nos ajuda a compreender o conceito contemporâneo de dramaturgias. 4 DRAMATURGIAS O termo dramaturgia expande-se para além da literatura dramática e abarca a proposição de matrizes dos vários outros elementos compositores do espetáculo. Assim, além do autor do texto dramático, quando houver, teremos a dramaturgia do encenador, a dramaturgia do ator, a dramaturgia das materialidades, a dramaturgia sonora, entre tantas outras possibilidades, culminando na dramaturgia do espectador. Essa abertura de perspectiva implica em tirar cada membro do coletivo de sua zona de conforto, própria de suas diferentes especialidades, e convidálo a colaborar (no sentido original de trabalhar junto, não no de dar alguma ajuda) no desenvolvimento do processo criativo. O processo assim estabelecido depende de uma postura consistentemente pedagógica por parte do encenador, que promova o estímulo à liberdade de proposição; à condução de uma apreciação madura com discussões produtivas; o aporte teórico para a exploração dos conceitos pertinentes; o estudo das possibilidades de entrecruzamento das proposições individuais para a construção do resultado coletivo. Esse trabalho estabelece-se como um processo colaborativo, o que implica no exercício da escuta e da permeabilidade. O processo colaborativo não priva o artista da liberdade e da responsabilidade de atuar em sua área de especialização, mas pressupõe o aproveitamento e o compartilhamento dessas potencialidades. no espetáculo, mas de um discurso poético, o qual pode traduzir-se tanto verbalmente quanto plástica, sonora e corporalmente. O ator compartilha sua visão sobre o tema desenvolvido, ao mesmo tempo em que expressa ou demonstra suas investigações estéticas com autonomia para propor para o coletivo, a participação em células cênicas por ele concebidas, as quais comporão posteriormente e, aí sim, sob a coordenação do encenador, o todo orgânico do espetáculo. No campo do ensino do teatro, esse processo pode provocar e estimular o aluno a tornar-se agente, mais do que receptor, elevando sua auto-estima e levando-o a conscientizar-se de que pode e deve ser um integrante produtivo do coletivo. Mas esse processo pressupõe o conhecimento por parte do professor, dos conceitos e expedientes que podem fazer parte do processo de construção da cena no teatro contemporâneo. O depoimento pode ser construído a partir de um texto ou de fragmentos de textos, dramáticos ou não; de materialidades (objetos, texturas, materiais orgânicos e inorgânicos); da composição de sonoridades, tanto as geradas pelo corpo-voz do ator quanto às exploradas em objetos, instrumentos musicais ou sonorização mecânica; da elaboração de figurino e maquiagem carregados de significações; do próprio corpo, pela exploração e exposição de uma corporeidade que pode nos apresentar uma personagem, uma figura ou uma criatura (LEHMAN, 2007). 4.1 Fragmentação 4.3 Multilinguagem A liberdade de escolha e abordagem das matrizes temáticas e estéticas do espetáculo se traduz, frequentemente, na fragmentação. A não linearidade narrativa é um dos aspectos da fragmentação, que se compõe, também, da agilidade com que inserções externas às fontes primárias são assimiladas, da abertura à presença de outras linguagens artísticas, da construção do discurso poético do espetáculo pelos discursos dos diferentes artistas envolvidos. O teatro contemporâneo abre-se generosamente para a aproximação com outras linguagens artísticas. Diferentemente de outras vertentes teatrais, nas quais, artistas de outras áreas contribuem para a criação de um espetáculo, oferecendo suas técnicas para a elaboração de elementos do espetáculo (um arquiteto que cria o cenário, um músico que cria a trilha sonora, um bailarino que coreografa para atores). No teatro pós-dramático diversas áreas artísticas podem compor a cena in natura, o que significa, por exemplo, que um elemento plástico será inserido na cena como obra em si, dialogando semanticamente com o todo espetacular. Cada parte, pedaço, caco, grão... cada fio dessa trama tecida meticulosamente está impregnado de atitude, pesquisa, depoimento. As várias camadas trançadas revelam vestígios que nos instigam a refletir sobre as possibilidades apenas prenunciadas. A fragmentação torna-se, assim, um fecundo terreno para que a percepção se dê de maneira ativa. 4.2 Depoimento Uma das matrizes textuais para a composição do espetáculo teatral contemporâneo é o depoimento do ator. Não se trata de uma declaração explícita, formatada oralmente como uma declaração inserida Neste sentido, o teatro contemporâneo incorpora muitos traços da performance, a qual, caracterizase justamente pelo livre trânsito por diferentes linguagens artísticas, em composições que mesclam recursos multimídia a técnicas artísticas próprias do teatro, da dança, da música (vocal ou instrumental) e das artes plásticas. No entanto, no teatro, diferentemente do que ocorre na performance, as cenas construídas 77 pela multilinguagem inserem-se no contexto do espetáculo, devendo corresponder às suas funções dramáticas (ou não dramáticas) na obra como um todo, preservando um formato relativamente fixo a partir de sua concepção original. Já a performance é intrinsecamente mutável, estabelecendo-se no momento de sua realização, partindo de uma concepção estética e temática, mas moldando-se às possibilidades geradas pelo instante, na relação direta com o espaço, a plateia e o entorno. No espetáculo teatral essa flexibilidade e a possibilidade de relação com o entorno é muito importante, mas não deve comprometer o fluxo de desenvolvimento das cenas. Assim, o ator deve ter domínio do ritmo da cada cena, abrindo espaço para o diálogo poético com o entorno, sem perder a noção de que cada célula cênica tem uma duração, uma função e um propósito, pré-estabelecidos ao longo de todo o processo de criação do espetáculo. 4.4 Espacialidade A relação com o espaço é uma investigação valorizada no teatro contemporâneo, principalmente por corroborar com a perspectiva autoral do trabalho dos artistas envolvidos, abrindo possibilidades de exploração estética e temática, no que concerne a aspectos crescentemente estudados, não só no campo das artes, mas em áreas como antropologia, sociologia, arquitetura, entre outras. A construção da cena, quando parte da espacialidade ou, ao menos, a considera, pode acrescentar ao repertório de potencialidades para o processo criativo conceitos como topografia e historicidade, os quais impulsionam o artista pesquisador a relacionar-se tanto com o espaço em si, buscando composições visuais com a arquitetura e relevos quanto com o universo semântico gerado pela história ligada ao local e seu entorno. 5 ATOR / INTÉRPRETE / ATOR CRIADOR / ATOR COMPOSITOR / ATOR RAPSODO Há uma discussão corrente, gerada pela percepção dos novos papéis do ator no teatro contemporâneo, acerca da denominação adequada a sua função. Essa discussão, quando lançada a estudantes de teatro, propicia uma apropriação conceitual que em 78 muito complementa e catalisa o desenvolvimento do aprendizado e de seus reflexos no processo criativo. Ainda que, independentemente da discussão doravante descrita, sejamos todos atores, o termo ator – aquele que age – é associado, pelo senso comum, ao trabalho de colocar em ação o que está escrito no texto teatral. Essa noção alimenta, até hoje, uma postura cristalizada pela qual o ator coloca-se à disposição do texto, esperando que um diretor lhe diga o que deve ser feito. É o que chamamos de ator tarefeiro, que pode ser um ótimo ator quanto aos resultados apresentados, dedicado ao treinamento para o aprimoramento técnico para melhor corresponder às proposições do diretor. Podemos analisar o termo intérprete – aquele que lê, que decifra – como o artista que extrai do texto possibilidades expressivas, contribuindo com sua visão da obra para a construção da encenação em diálogo com o diretor. E, ainda aqui, o conceito parte de uma base textual. Com o aprofundamento do conceito de dramaturgias, o ator passa a ter agregado ao termo original a palavra criador, proclamado, então, ator criador, pois é também propositor de dramaturgias para a criação do espetáculo. Este é o ator que, por experimentações cênicas, discussões e estudos teóricos, propõe caminhos para o trabalho em processo. Em uma aparentemente sutil diferença surge o termo ator compositor, definindo aquele artista que compõe, ou seja, que articula um repertório pessoal, técnico e estético para o estabelecimento de um discurso poético, pessoal ou coletivo, lançando mão de outras linguagens e acumulando camadas de sentido ao trabalho proposto. As duas últimas definições, a do ator criador e do ator compositor, somam-se em no termo ator rapsodo, conceito, portanto, amplo, mas que traduz com mais precisão o trabalho do ator no teatro contemporâneo. Para refletir sobre esses conceitos, compreendêlos, aceitá-los ou refutá-los, é preciso tentar colocálos em prática, oportunizando ao estudante de teatro a experiência de se lançar nas diferentes situações apontadas. Essa investigação, por si, independentemente de quaisquer resultados cênicos concretos, expandirá a percepção que o estudante tem do teatro como arte e de sua importância, enquanto indivíduo, artista, cidadão em um contexto criativo, pois, para inserir-se no processo para ser propositor, o estudante deve posicionar-se diante dos temas ou conceitos sugeridos, expandindo suas perspectivas expressivas e críticas. 6 DIÁLOGO COM A TRADIÇÃO O teatro contemporâneo não deve ser analisado sem levarmos em consideração todo o passado teatral que nos conduziu às potencialidades de hoje. O que muda é a forma com que expedientes são adotados, não os expedientes em si. Ao trabalhar com estudantes de oficinas ou de graduação 3, parto da aproximação com o universo teatral pelo viés tradicional com jogos dramáticos e teatrais pelo estudo de textos teatrais, que possam esclarecer os conceitos desenvolvidos nos jogos, pela encenação de pequenas peças ou de cenas de textos dramáticos e até pela encenação de textos criados pelos próprios alunos, elaborados a partir de conceitos do teatro dramático. Essa abordagem é importante para que os estudantes de níveis iniciais compreendam melhor o que é o teatro, confrontando e esclarecendo conceitos enraizados pela perspectiva leiga, externa ao fenômeno teatral, ao mesmo tempo em que experimentam, satisfazem e repensam algumas expectativas geradas por essa mesma perspectiva externa. Para os alunos da Habilitação em Artes Cênicas da FAINC 4, em minhas aulas práticas5 , após um período essencial de instrumentalização técnica, lanço mão de experimentações com base em recursos do teatro pós-dramático para que os estudantes se desenvolvam, técnica e expressivamente, para além da 6 compartimentação programática que os dividiria em corpo e voz, pela exploração das influências diretas estabelecidas pela relação corpo-voz-mente. O desenvolvimento do estudante como artista pressupõe seu desenvolvimento intelectual, técnico, expressivo e criativo. A noção de que pode criar dramaturgias coloca o estudante diante de desafios que o farão explorarem possibilidades e refletir sobre os temas escolhidos ou sugeridos, sobre as opções estéticas a serem feitas, sobre as atitudes a serem tomadas. Na pós-graduação, o teatro contemporâneo é explorado profundamente, em todos os seus conceitos com abordagens teóricas e práticas, mas esse mergulho começa em bases concretas que apresentam aos estudantes as matrizes essenciais desse teatro, cujos elementos mais marcantes podem ser reconhecidos em movimentos teatrais muito anteriores 6. 7 CONCLUSÃO É fundamental que o estudante-artista-pesquisador teatral lance-se de maneira aberta ao estudo do teatro contemporâneo para compreender, experimentar, dialogar e inserir-se no panorama teatral atual, o qual é, em muito, definido ou influenciado justamente pelo desenvolvimento crescente do universo artístico acadêmico. Haja vista as produções e a difusão das pesquisas desenvolvidas em universidades próximas a nós, como a USP, a UNESP e a UNICAMP por pesquisadores-artistas que alimentam a produção artística profissional da região. Entretanto, não se pode manter a sensação de que o teatro contemporâneo descobre pólvoras diariamente. Entre os tantos conceitos desenvolvidos atualmente, muitos são aqueles presentes em gêneros e fases teatrais 3 Além de professora da FAINC, ministrei diversas oficinas teatrais em projetos públicos estaduais e municipais, junto à Prefeitura de São Bernardo do Campo. 4 Após quatro semestres de curso básico, de corpo curricular comum, o curso de Licenciatura em Educação Artística oferece diferentes habilitações, nas quais os alunos terão disciplinas específicas da área escolhida (geralmente são formadas turmas de Artes Cênicas e Artes Plásticas). 5 No curso de habilitação em Artes Cênicas sou responsável por disciplinas teóricas e práticas: Expressão Corporal e Expressão Vocal. Em função de minhas concepções pedagógicas, conto com a colaboração da coordenação do curso no sentido de preservar a possibilidade destas duas disciplinas serem ministradas em uma mesma noite de trabalho. 6 Uma das disciplinas pelas quais sou responsável nos cursos de pós-graduação é “Fundamentos do Teatro Popular”, a qual compõe a grade da Pós-Graduação em Teatro, abrindo o curso juntamente com a disciplina Vanguardas Históricas Europeias, ministrada pelo Prof. Dr. Alexander Mate. 79 anteriores. Além das heranças próximas, como as performances das vanguardas européias e os elementos do teatro épico, podemos reconhecer elementos presentes em diferentes períodos da evolução do teatro. A própria relação com o espaço é indicada por um termo questionável: encenação em espaço alternativo ou não convencional! Ora, o palco italiano, comumente considerado como espaço tradicional ou convencional para a representação teatral, que foi concebido como alternativa para que a elite pudesse assistir às produções teatrais oficiais, longe da desconfortável presença do populacho que predominava na plateia dos espetáculos das praças, feiras e tavernas. Figuras e criaturas preencheram a cena teatral com suas deformidades e máscaras, desde as fábulas atelanas até a commedia dell’arte, passando pelos demônios do teatro medieval. E o que é o trabalho desenvolvido pela tradição iletrada dessas trupes populares, se não uma dramaturgia do ator? Portanto, são muitos elementos a serem experimentados e discutidos e, grande a responsabilidade de situar o estudante como artista, como ser histórico e social. REFERÊNCIAS BOGART, A.; LANDAU, T. The viewpoints book. New York: First, 2005. BONFITTO, M. O ator compositor. São Paulo: Perspectiva, 2006. LEHMANN, Hans-Thies. Teatro pós-dramático. São Paulo: Cosac & Naify, 2007. REBOUÇAS, Evill. A dramaturgia e a encenação no espaço não convencional. São Paulo: Ed. UNESP, 2009. SARRAZAC, Jean-Pierre. O futuro do drama: escritas dramáticas contemporâneas. Porto: Campo das Letras, 2002. PIMENTA, Daniele. O raciocínio clownesco na construção de uma poética contemporânea ou o que um palhaço faz no meio disso tudo? In: CONGRESSO DE DRAMATURGIA, Tradição e Contemporaneidade, 6., 2010, São Paulo. Anais... São Paulo: Associação Brasileira de Pesquisa e Pós-Graduação em Artes Cênicas, 2011. Disponível em: <http://portalabrace.org/memoria1/?p=1259>. Acesso em: 30 jun. 2011. RYNGAERT, Jean-Pierre. Jogar, representar: práticas dramáticas e formação. São Paulo: Cosac & Naify, 2009. SILVA, Eduardo. Um ator no século XXI na cidade da São Paulo. Ateliê Compartilhado, São Paulo, n. 1, 2011. 80 NORMAS PARA PUBLICAÇÃO NA REVISTA INTER FAINC InterFainc é um periódico multidisciplinar semestral das Faculdades Integradas Coração de Jesus FAINC, Rede Salesianas de Ensino da cidade de Santo André, SP, dirigida a pesquisadores, professores, estudantes e profissionais da área de Administração, Artes, Biblioteconomia, Comunicação, Educação e Nutrição. Instrumento de divulgação oficial da FAINC tem por objetivo publicar textos inéditos acadêmico-científicos de cursos de Graduação e Pós-Graduação, de Pesquisa e Extensão. 1 OBJETIVO E POLÍTICA EDITORIAL Tem por objetivo publicar textos inéditos acadêmico-científicos dos cursos de Graduação e Pós-Graduação, de Pesquisa e Extensão, tais como: a) artigos originais: compreende textos que contenham relatos completos de estudos ou pesquisas concluídas, matérias de caráter opinativo, revisões da literatura e colaborações assemelhadas; b) resenhas: compreende análises críticas de livros, de periódicos recentemente publicados, dissertações e teses. Os originais recebidos serão direcionados a um grupo de especialistas para avaliação e aprovação. Após esse processo serão encaminhados ao Comitê Editorial para seleção dos artigos a serem publicados. Cabe ao Comitê científico solucionar dúvidas, dificuldades e a decisão final para publicação. Todo o conteúdo é de acesso público, seguindo as normas do Sistema Eletrônico de Editoração de Revistas (SEER), distribuído pelo Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (IBICT), que distribui o SEER a editores brasileiros interessados em publicar revistas científicas de acesso livre na Web e a promover a capacitação técnica no uso dessa ferramenta, em treinamentos sistemáticos realizados a partir de novembro de 2004 em várias regiões do País. 1.1 Normas Editoriais 1º. Os originais recebidos serão direcionados a um grupo de especialistas para avaliação e aprovação, pois serão registrados nos metadados do sistema eletrônico SEER; 2º. Os trabalhos serão encaminhados ao Comitê Editorial para seleção dos artigos a serem publicados. Para composição do sumário, os títulos dos artigos serão inseridos de acordo com os sobrenomes dos autores em ordem alfabética; 3º. Também serão aceitos trabalhos publicados em periódicos internacionais. No entanto, seguirão as mesmas normas de trabalhos inéditos. É imprescindível, que o autor apresente autorização por escrito do editor da revista em que seu texto tenha sido originalmente publicado, acompanhado de cópia do artigo; 4º. O autor é a pessoa física responsável pela criação do conteúdo intelectual ou artístico de um documento. Se houver mais de um, torna-se importante informar a ordem de apresentação dos autores e declaração de cada um autorizando a publicação; 5º. Os originais serão publicados em língua portuguesa, ou em língua espanhola, ou em língua inglesa; 6º. A revista se reserva o direito de efetuar nos originais alterações de ordem normativa, ortográfica e gramatical com vistas a manter o padrão culto da língua, respeitando, porém, o estilo dos autores. As provas finais não serão enviadas aos autores; 7º. Os trabalhos publicados passam a ser propriedade da revista Inter Fainc, ficando sua reimpressão total ou parcial sujeita à autorização expressa da Direção da FAINC. Deve ser consignada a fonte de publicação original; 8º. As opiniões emitidas pelos autores dos artigos são de sua exclusiva responsabilidade; 81 9º. A revista classificará os trabalhos de acordo com as seguintes seções: a) artigos: a seção engloba textos que contenham relatos completos de estudos ou pesquisas concluídas, matérias de caráter opinativo, revisões da literatura e colaborações assemelhadas; b) resenhas: compreende análises críticas de livros, de periódicos recentemente publicados, de dissertações e de teses; 10º. Apresentação dos trabalhos: a) formatos: todas as colaborações devem ser enviadas para [email protected] O texto deve estar gravado em formato Microsoft Word, desde que não ultrapasse 2MB. Os metadados deverão ser preenchidos com o título do trabalho, nome(s) do(s) autor(es), último grau acadêmico, instituição em que trabalha (m), endereço postal, telefone, fax e e-mail; b) tamanho: a extensão máxima do material enviado será a seguinte: artigos, 20 laudas; resenhas, 5 laudas. Uma lauda é uma página com 1.400 caracteres. O título do trabalho deve ser breve e suficientemente específico e descritivo, acompanhado de sua tradução para o inglês; c) resumo e abstract: deve ser elaborado um resumo informativo com cerca de 250 palavras, incluindo objetivo, método, resultado, conclusão, acompanhado de sua tradução para o inglês; d) agradecimentos: deverão ser mencionados no final do artigo; e) notas: devem ser indicadas com um asterisco imediatamente depois da frase a que dizem respeito e inserida no rodapé da página correspondente. Também poderão ser adotados números para as notas junto com asteriscos em uma mesma página, e nesse caso as notas com asteriscos antecedem as notas com número, não importando a ordem dessas notas no texto; f) apêndices: podem ser empregados no caso de listagens extensivas, estatísticas e outros elementos de suporte; g) figuras e tabelas: serão aceitos fotografias nítidas, gráficos e tabelas, assinalando-os no texto de acordo com seu número de ordem, lembrando de mencionar a fonte; h) referências: segundo as normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) - NBR 6023/2002. O autor torna responsável pelas referências consultadas e mencionadas no texto; i) orientações: recomenda-se que outras normas da ABNT sejam observadas, • NBR 6022/2003: apresentação de artigo em publicação periódica impressa; • NBR 10.520/2002: apresentação de citações em documentos; • NBR 5892/1989: norma para datar; • NBR 6028/2003: resumo; • NBR 6024/2003: numeração progressiva das seções de um documento; • norma de apresentação tabular do IBGE. 1.2 Diretrizes para Autores 1º. Os textos submetidos deverão ser inéditos e não poderão estar sob avaliação em outro periódico. 2º. A submissão será feita online. O texto não deverá conter informação sobre a autoria. A identificação e a filiação institucional serão feitas no momento da submissão do artigo ou resenha. 3º. O texto deverá ser editado no MS-Word e formatado em A4, obedecendo às seguintes regras: a) digitação em Arial 12 para o corpo do texto e 10 para citações em parágrafo próprio (citações com mais de 3 linhas *); b) espaçamento entrelinhas de 1,5 cm para o corpo do texto e 10 para citações em parágrafo próprio (citações com mais de 3 linhas*); c) sem entrada de parágrafo e recuo de 4 cm nas citações em parágrafo próprio (citações com mais de 3 linhas*); d) margens esquerda e superior de 3 cm, inferior e direita de 2 cm; e) as páginas deverão ser numeradas no canto superior à direita. *A revista é editada em duas colunas, portanto, vamos considerar as citações com mais de 5 linhas. 82 4º. Todos os textos deverão estar acompanhados de um resumo (máximo de 250 palavras) e palavras-chave, abstract e keywords (precedendo o texto) e referências; 5º. O título deverá estar em fonte Arial 14, centralizado, seguido do nome do autor em fonte Arial 12 e da afiliação institucional, com espaço duplo entre o título e o nome do autor. Não iniciar uma nova página a cada subcapítulo. Os títulos são diferenciados graficamente entre seções de hierarquia diferentes e iguais quando de mesma hierarquia, seguindo uma numeração seqüencial; 6º. Utilizar aspas duplas para ênfase ou destaque e itálico para títulos de obras, palavras ou expressões em outros idiomas citadas no texto; 7º. As citações bibliográficas serão indicadas no corpo do texto, no sistema de chamada autor-data, entre parênteses, com as seguintes informações: sobrenome do autor em caixa alta; vírgula; data da publicação; vírgula; abreviatura de página (p.) e o número desta. Exemplo: SILVA, 1992, p. 3-23; 8º. As notas de rodapé deverão ser restritas ao mínimo indispensável; 9º. As referências deverão ser apresentadas ao final do texto, obedecendo as normas da ABNT (NBR-6023); 10º. As ilustrações deverão ter a qualidade necessária para uma boa reprodução gráfica. O formato do arquivo de imagem deverá ser jpg. As imagens deverão ser identificadas com título ou legenda e designadas, no texto, de forma abreviada, como figura (Fig. 1, Fig. 2 etc). 2 POLÍTICA DE PRIVACIDADE Os nomes e endereços informados nesta revista serão usados exclusivamente para os serviços prestados por esta publicação, não sendo disponibilizados para outras finalidades ou a terceiros. 3 DECLARAÇÃO DE DIREITO AUTORAL A revista se reserva o direito de efetuar, nos originais, alterações de ordem normativa, ortográfica e gramatical, com vistas a manter o padrão culto da língua, respeitando, porém, o estilo dos autores. As provas finais não serão enviadas aos autores. Os trabalhos publicados passam a ser propriedade da revista Inter Fainc, ficando sua reimpressão total ou parcial, sujeita à autorização expressa da direção da FAINC. Deve ser consignada a fonte de publicação original. Os originais não serão devolvidos aos autores. As opiniões emitidas pelos autores dos artigos são de sua exclusiva responsabilidade. 4 SOBRE O SISTEMA DE PUBLICAÇÃO ELETRÔNICA DE REVISTAS A revista utiliza o Sistema Eletrônico de Editoração de Revistas - SEER (OJS 2.2.3.0), sistema de código aberto para administração e publicação de revistas, desenvolvido com suporte e distribuído, gratuitamente, pelo Public Knowledge Project sob a licença General Public License - GNU 83 www.interfainc.com.br/inter01.pdf 84