Eu não sou um profeta. O meu trabalho é construir janelas onde antes só havia paredes. Talvez o objetivo nos dias de hoje não é descobrir o que nós somos mas refutar o que nós somos. Michel Foucault «As instituições culturais são “seres” que vivem (devem viver) implicadas e inseridas na sociedade contemporânea e, por isso, a sua ação tem de assentar, em primeiro lugar, na leitura do mundo, no questionamento da vida e devem ter como fim, primeiro, transformar. Esta transformação, para ser alicerçada e consistente, tem de ter como base a produção de conhecimento. Esse conhecimento, que servirá para construir janelas onde antes só havia paredes, resulta das questões que urge fazer entrar nas instituições culturais – que concorrem para a missão, visão e objetivos, para que estas se conheçam e coloquem na agenda a investigação como base de ação, de inovação e de criação, com vista a uma programação que, a cada momento, se consiga metamorfosear. Programar uma instituição cultural é, acima de tudo, estar atento, “ler” o mundo e fazer escolhas – o que dito assim parece linear, mas não o é! Estas escolhas são extremamente importantes na relação que criam com o público, na forma como são apresentadas; se são apenas transmissão de conhecimento ou se o mesmo se traduz em indagação e na possibilidade de, através dele, criar novas leituras e novos olhares sobre o mundo, a vida; sobre nós. Esta opção (talvez não consciente) faz a diferença entre uma instituição cultural que apenas transmite conhecimento e uma instituição cultural que trabalha o conhecimento e que pretende deixar lastro e, através da sua programação, ser um veículo de inquietamento e reflexão sobre a sociedade, sobre os valores, a identidade, a criação, o esquecimento e a memória, fazendo disso parte da responsabilidade social da instituição. Esta responsabilidade social dá palco à dimensão educativa de uma instituição cultural; significa isto que a questão da mediação entre os fazedores de conteúdos e os públicos (também eles fazedores de conteúdos) é primordial para que o conhecimento seja transmitido e, por outro lado, para que seja transformado em reflexão e construção de uma consciência crítica e incrementando a cidadania. Importa, igualmente, perceber que esta transmissão de conhecimento deve concretizar-se, também, dentro das próprias equipas, uma vez que o vão utilizar e transformá-lo (mediando-o) em diálogos e em questionamento, centrando-o no quotidiano dos públicos. Há, infelizmente, nesta última questão, algumas barreiras (sobretudo mentais) a derrubar. Considero que é necessário colocar a questão educativa no palco principal, e à mesa com a programação e a gestão da instituição, e isto implica que a educação faça parte das equipas que definem a agenda e as linhas estratégicas do diálogo que se mantém com os públicos. Para ser colocado em prática é preciso sensibilizar os gestores para um diálogo equilibrado e, igualmente, mudar hábitos e pré-conceitos. Para tal, cabe às equipas que, por norma, têm a tarefa da dimensão educativa nas instituições culturais serem persistentes e resilientes e, aos pouco, ir ganhando o seu lugar na gestão e na programação. O trabalho de “sedução” levará a que se perceba que a dimensão educativa numa instituição cultural deverá ter o papel de charneira na formação de uma cidadania ativa e contribuir para o espírito crítico e a reflexão, questionando e colocando em causa. Se tal não se verifica, o que responder à pergunta de Gilles Lipovetsky: “Quem se queixará desta suave anestesia para a qual tudo concorre?” (2011: 181), nós, a esta questão, seremos forçados a responder: ninguém. Se este cenário dantesco ocorresse teríamos, eminentemente, falhado. Não sendo ainda o tempo do olvido, as instituições culturais têm um papel fundamental, através da sua programação, de contribuírem para a formação cívica e crítica dos cidadãos. De que forma? Percorrendo diversos caminhos, sendo casas seguras para debater questões inseguras; casas onde se manifestam opiniões plurais e onde se questionam verdades absolutas, casas que apresentem programações que surpreendam, intriguem e levem ao questionamento e, acima de tudo, que despertem a curiosidade e impliquem os públicos e os levem a refletir. Nesse sentido, a dimensão educativa deve, na sua versão de educação não formal, ir contaminando a educação formal para que, também na escola, se comece a privilegiar os porquês e as dúvidas e se caminhe para “criar” cidadãos que sabem pensar, inteiros e únicos. - "Não importa. Tente outra vez. Fracasse outra vez. Fracasse melhor." – Samuel Beckett.» Por Dália Paulo, museóloga