TRABALHO E FORMAÇÃO
PROFISSIONAL
Juventudes em Transição
Organizadores
Júnior Macambira
Francisca Rejane Bezerra Andrade
TRABALHO E FORMAÇÃO
PROFISSIONAL
Juventudes em Transição
Fortaleza
Instituto de Desenvolvimento do Trabalho
Universidade Estadual do Ceará
Banco do Nordeste do Brasil
2013
TODOS OS DIREITOS RESERVADOS AOS AUTORES.
Revisão Vernacular: Maria Luisa Vaz Costa
Normalização Bibliográfica: Paula Pinheiro da Nóbrega
Editoração Eletrônica: Patrício de Moura
Capa: Ildembergue Leite
T758 Trabalho e formação profissional: juventudes em transição / organizadores,
Júnior Macambira, Francisca Rejane Bezerra Andrade ; autores, Marcelo
Parreira do Amaral ... [et al.]. – Fortaleza : IDT, UECE, BNB, 2013.
332 p.
ISBN 978-85-7791-223-0
1. Trabalho. 2. Formação Profissional. 3. Juventudes. I. Macambira,
Júnior. II. Andrade, Francisca Rejane Bezerra. III. Amaral, Marcelo Pereira
do. IV. Título.
CDU: 331
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO
7
PARTE 1 - TRAJETÓRIAS E TRANSIÇÕES: JUVENTUDE EM
FOCO
JUVENTUDE, EDUCAÇÃO E TRABALHO: TEORIZANDO A
REGULAÇÃO DE TRAJETÓRIAS EDUCACIONAIS E A TRANSIÇÃO
ESCOLA-TRABALHO
Marcelo Parreira do Amaral e Andreas Walther
15
JUVENTUDES NA TRANSIÇÃO PARA A SOCIEDADE PÓS-INDUSTRIAL
Marcio Pochmann
37
TRAJETÓRIAS JUVENIS. UM NOVO NICHO EM MEIO À EXPANSÃO DAS
OPORTUNIDADES DE TRABALHO?
Nadya Araujo Guimarães
57
JUVENTUDES, TRABALHO E EDUCAÇÃO: UMA AGENDA PÚBLICA
RECENTE E NECESSÁRIA. POR QUÊ?
Geórgia Patrícia Guimarães dos Santos
73
PARTE 2 - JUVENTUDE NO SÉCULO XXI: EDUCAÇÃO E
TRABALHO
TRABALHO, JUVENTUDE E EDUCAÇÃO NO CONTEXTO DO
CAPITALISMO ATUAL
Elenilce Gomes de Oliveira e Antonia de Abreu Sousa
91
A INSERÇÃO DO JOVEM NO MERCADO DE TRABALHO BRASILEIRO
Wilson F. Menezes e Carlos Frederico A. Uchoa
105
DINÂMICA RECENTE DA INSERÇÃO DO JOVEM NO MERCADO DE
TRABALHO E A QUESTÃO DA ESCOLARIDADE
Amilton Moretto e Maria Alice Pestana de Aguiar Remy
133
JUVENTUDE, EDUCAÇÃO E TRABALHO: AVANÇOS E DESAFIOS
Jorge Abrahão de Castro e Carla Coelho de Andrade
155
TRANSFORMAÇÕES NO MERCADO DE TRABALHO RECENTE E OS
JOVENS
Fernando Antonio Barreto Paulino Souto, Carmem Aparecida Feijó, Paulo
Gonzaga M. de Carvalho e Geremias de Mattos Fontes Neto
169
NEGOCIAÇÃO COLETIVA E A REGULAÇÃO DO TRABALHO JUVENIL
NO BRASIL
Adriana Marcolino, Leandro Horie, Patrícia Pelatieri
193
DINÂMICAS RECENTES DO MERCADO DE TRABALHO JUVENIL NA
REGIÃO NORDESTE
Christiane Luci Bezerra Alves e Evânio Mascarenhas Paulo
205
PARTE 3 - POLÍTICAS PÚBLICAS E JUVENTUDE NO
BRASIL: UM DEBATE NECESSÁRIO
JUVENTUDES, EDUCAÇÃO E TRABALHO: O PROGRAMA JUVENTUDE
EMPREENDEDORA NA PERCEPÇÃO DOS JOVENS EGRESSOS
Francisca Rejane Bezerra Andrade, Geórgia Patrícia Guimarães dos Santos e Júnior
Macambira
233
A QUALIFICAÇÃO PROFISSIONAL NO CONTEXTO DAS POLÍTICAS
PARA A JUVENTUDE: EM FOCO O PROJOVEM
Ilma Vieira do Nascimento, Lélia Cristina Silveira de Moraes e
Maria Alice Melo
261
JUVENTUDE E POLÍTICAS DE QUALIFICAÇÃO PROFISSIONAL
PROJOVEM TRABALHADOR – A EXPERIÊNCIA DE PERNAMBUCO
Mariza Soares
287
QUALIFICAÇÃO DE JOVENS PARA O TRABALHO: UMA EXPERIÊNCIA
DE COMBATE À POBREZA
Francisco Horácio da Silva Frota e Maria Andréa Luz da Silva
311
APRESENTAÇÃO
O tema da juventude tem assumido relevância considerável tanto nas
políticas públicas quanto no meio acadêmico, com a crescente produção
de estudos em torno das diversas – e cada vez mais complexas – questões
relacionadas ao mundo juvenil.
Embora seja indiscutível o salto do Brasil nas políticas públicas para a
juventude, elas atuam muito mais sobre os efeitos do que propriamente sobre
as causas, estas intrinsecamente relacionadas com a origem social e com as
escolhas de desenvolvimento que o País fez ao longo dos anos.
Há consenso entre os analistas de que o padrão de inserção do jovem
no mercado de trabalho é precário e inseguro. Parte considerável da juventude
trabalhadora brasileira recebe baixas remunerações, tem vínculos informais
e jornadas de trabalho que não permitem a conciliação com os estudos.
Dessa maneira, o desafio está em desenvolver políticas para a juventude que
promovam o trabalho juvenil compatível com as outras dimensões dessa etapa
da vida e o desenvolvimento de uma escola que estimule e permita a descoberta
de habilidades para o mundo do trabalho. Na última década, o Brasil, com
a retomada do crescimento e da formalização do emprego, criou as bases
necessárias para enfrentar com maior efetividade e eficiência esta questão.
Considerando a importância e a centralidade que este tema tem
conquistado na agenda nacional, este livro, do Instituto de Desenvolvimento
do Trabalho (IDT) e da Universidade Estadual do Ceará (UECE), com o
apoio financeiro do Banco do Nordeste do Brasil (BNB), chega em excelente
hora. Vale destacar que o livro, dividido em três blocos, abrange os diversos
aspectos do mercado de trabalho juvenil, como as incompatibilidades, as
contradições e as dimensões da vida, e não economiza em reflexões e respostas
às indagações e inquietações atuais. Além disso, traz uma análise detalhada
de diversas políticas e programas para a juventude, apontando avanços,
fragilidades e sugestões de aprimoramento dessas ações.
Na primeira parte são destacadas as trajetórias e transições dos jovens
em seus diversos aspectos. Marcelo Parreira do Amaral e Andreas Walther
abrem com a afirmativa de que “o tema juventude e os desafios associados
7
à inserção dos jovens no mercado de trabalho é também central para uma
discussão adequada do desenvolvimento econômico e social sustentável”.
Nesse sentido, indicam que a educação e a formação profissional atuam como
elementos-chave.
A reflexão de Marcio Pochmann apresenta informações importantes
para a compreensão “dos novos desafios da juventude associados à passagem
para a sociedade pós-industrial”. Segundo o autor, “a difusão do trabalho de
natureza imaterial, com exigências crescentes da economia do conhecimento,
fez a educação passar a ter papel ainda mais significativo do que tinha até
então. Para isso, o requisito da universalização do acesso ao ensino superior
emerge como necessário à formação para o trabalho imaterial, sendo o
ingresso ao mercado de trabalho pela juventude postergado”. Sem dúvida,
esse consenso ainda precisa ser construído e as condições materiais para a
sua realização ainda são um desafio a ser superado, como fica explícito no
artigo de Nadya Araújo Guimarães, “Trajetórias juvenis. Um novo nicho em
meio à expansão das oportunidades de trabalho?”. A partir da constatação de
que vivemos, desde os anos 2000, um aquecimento do mercado de trabalho,
com ampliação de empregos formalmente protegidos, a autora apresenta uma
reflexão sobre a qualidade das oportunidades de trabalho criadas. Para Nadya,
“este tem sido, igualmente, um momento de diversificação das relações de
emprego, onde se avançam e tendem a se consolidar no léxico das formas
contratuais as referências ao trabalho subcontratado, ao trabalho temporário,
ao emprego intermediado por terceiros”. Esses são empregos de curta duração
e são ocupados majoritariamente por mulheres e jovens.
Geórgia Patrícia Guimarães dos Santos faz um estudo interessante,
retomando a discussão do círculo vicioso presente na relação educação
e trabalho. A análise mostra uma realidade na qual “ao mesmo tempo em
que as juventudes têm presenciado um momento de importante inclusão,
proporcionado pela conexão das maciças fontes de informação e comunicação,
contraditoriamente têm sofrido um processo de exclusão advinda da histórica
deficiência qualitativa da educação, das dificuldades de acesso ao mercado de
trabalho e aos benefícios econômicos, entre outras problemáticas”.
A segunda parte o livro aborda, mais especificamente, o mundo do
trabalho e a inserção do jovem. Os autores não se limitaram a analisar fontes
estatísticas oficiais, mas vislumbram perspectivas e lançam desafios.
8
O ensaio de Elenilce Gomes de Oliveira e Antonia de Abreu Sousa
discute “o desemprego como elemento intrínseco à acumulação e expansão
do capital, analisa seus impactos na juventude e a relação com a educação”.
Wilson F. Menezes e Carlos Frederico A. Uchoa nos alertam para o fato
de que o trabalho juvenil “enfrenta inúmeras dificuldades. Como mão de obra
ainda sem as condições de qualificação e informação exigidas pelo mercado
de trabalho, que cada vez mais requisita formações densas em conhecimento”,
fica exposta às mais diversas formas de exploração, em função da necessidade
pessoal ou familiar.
No ensaio “Dinâmica recente da inserção do jovem no mercado de
trabalho e a questão da escolaridade”, Amilton Moretto e Maria Alice Pestana
apresentam a dinâmica da inserção recente do jovem no mercado de trabalho
(período de 2004 a 2011), com foco nas taxas de participação, de ocupação
e de desemprego, comparando-as com o conjunto de trabalhadores adultos.
Uma conclusão relevante do estudo aponta que “os dados mostram que
aumentou a escolaridade do jovem brasileiro e também do jovem que está
empregado. Ainda que não se possa associar qualificação e escolaridade, parece
plausível considerar que o treinamento de um indivíduo mais escolarizado
é mais rápido e eficaz para o empregador que necessita de um trabalhador
qualificado. Assim, a existência de uma proporção de empregados com nível
superior no total de empregados jovens menor que a proporção deste grupo
no total da população jovem pode estar indicando o não aproveitamento da
elevação da escolaridade dessa população”.
Jorge Abrahão de Castro e Carla Coelho de Andrade nos desafiam
“a reconhecer que as questões que afetam a juventude são vividas de forma
diversificada e desigual entre os jovens, variando de acordo com a origem
social, os níveis de renda, o sexo, a raça, as disparidades socioeconômicas entre
campo e cidade e entre as regiões do País”.
A análise do ensaio “Transformações no mercado de trabalho recente e
os jovens”, de Fernando Souto, Carmem Feijó, Paulo Gonzaga de Carvalho
e Geremias de Mattos Fontes Neto, busca responder duas questões: “De um
lado, o que tem levado às significativas expansões da ocupação, mesmo sem
mudanças na direção da flexibilização das leis trabalhistas, e, de outro, como
tem evoluído a População Economicamente Ativa (PEA), em particular a
participação dos jovens”.
9
As reflexões de Adriana Marcolino, Leandro Horie e Patrícia Pelatieri
trazem no título o desafio sindical. O ensaio versa sobre o papel da negociação
coletiva para o avanço das questões que afetam a vida e o trabalho juvenil. A
principal conclusão é de que para a regulação do trabalho juvenil o espaço
da negociação coletiva está sendo subutilizado.
Em “Dinâmicas recentes do mercado de trabalho juvenil na região
Nordeste”, Christiane Luci Bezerra e Evânio Mascarenhas apresentam, com
pertinência, a condição dos jovens nordestinos no mercado de trabalho. Os
autores concluem que “os programas e políticas executados na região devem
combinar aspectos da qualificação profissional, mas também da formação social,
de maneira a permitir o exercício da formação cidadã e o protagonismo social,
como meio de alcançar, dentro desse segmento, parcelas crescentes de jovens
desfavorecidos, cujas condições sociais se mostram ainda mais precárias”.
Em sua última parte o livro traz uma série de análises e de argumentos
sobre as políticas públicas voltadas para os jovens. Um destaque é a necessidade
de essas políticas terem como alvo a promoção da proteção social. E, em
consonância, evitar a entrada precoce de jovens no mercado de trabalho.
O ensaio “Juventudes, educação e trabalho: o Programa Juventude
Empreendedora na percepção dos jovens egressos”, de Francisca Rejane
Andrade, Georgia Patrícia Guimarães e Júnior Macambira, faz uma análise
minuciosa do Programa Juventude Empreendedora (JUVEMP), iniciativa do
Governo do Estado do Ceará. Entre as principais conclusões, aponta que “o
JUVEMP contribuiu para a ampliação da visão de mundo e da sociabilidade
juvenil, por meio da obtenção de novos conhecimentos, da ocupação do tempo
livre, da melhoria no comportamento, do convívio social e da construção de
uma rede de amizades”.
Ilma Vieira do Nascimento, Lélia Cristina Silveira e Maria Alice Melo
retomam a discussão acerca do ProJovem, à luz de alguns resultados da
pesquisa intitulada “Escola, trabalho e cidadania: um estudo longitudinal com
jovens egressos e não ingressantes de um programa de inclusão de jovens”,
o ProJovem, realizado por Programas de Pós-Graduação em Educação das
Universidades Federais da Bahia, de Minas Gerais e do Maranhão. A análise
considera os seguintes elementos como resultado de política de inclusão
de jovens: a continuidade dos estudos, o acesso ao emprego formal e a
10
inserção nas questões sociais presentes no cotidiano desses jovens. Com os
dados, concluíram que “a passagem pelo ProJovem, apesar de não ter sido
integralmente exitosa para todos eles, refletiu o interesse em aprender algo
novo, seja na questão profissional ou na escolarização básica, seja no empenho
e na necessidade desses jovens de inserção no sistema produtivo”.
Mariza Soares analisa a experiência do Programa Juventude Cidadã, atual
Programa Integrado de Juventude (Projovem) Trabalhadora em Pernambuco.
O estudo mostra que, “ao implementar um Programa da magnitude do
Juventude Cidadã (Projovem Trabalhador), o governo promove a geração de
trabalho e renda no terceiro setor para múltiplos atores”. As falas dos alunos,
dos empresários e das entidades executoras levam à conclusão de que “é
preciso ir além da qualificação para o trabalho; é necessário qualificar para a
vida – o que o MTE já reconhece como uma expertise dos sindicatos e dos
movimentos sociais”.
Por fim, a questão da qualificação de jovens, como experiência de
combate à pobreza, é trazida por Francisco Horácio da Silva Frota e Maria
Andréa Luz da Silva. Os autores verificaram os efeitos e os impactos gerados
pelo Projeto E- Jovem - 1º Passo, iniciativa do Governo do Estado do Ceará.
Mais que isso, trazem proposições para o aprimoramento do programa, a
partir da perspectiva de todos os atores sociais.
Embora com clareza de que os benefícios do projeto não geraram impacto
positivo no conjunto geral da população da qual os jovens beneficiários são
parte integrante, para os jovens participantes “o projeto oportuniza não só
uma mudança de comportamento, mas também de relacionamento com a
família, de vivência, de mudanças de atitudes e de cooperação”.
Não há dúvida de que o esforço empreendido neste trabalho nos
permite avançar ainda mais na compreensão da situação do trabalho juvenil
em diversos aspectos e nos desafios que representa para o País.
Clemente Ganz Lucio
Diretor Técnico do Departamento Intersindical de Estatística
e Estudos Socioeconômicos (DIEESE)
11
PARTE 1
TRAJETÓRIAS E TRANSIÇÕES:
JUVENTUDE EM FOCO
JUVENTUDE, EDUCAÇÃO E TRABALHO: TEORIZANDO
A REGULAÇÃO DE TRAJETÓRIAS EDUCACIONAIS E A
TRANSIÇÃO ESCOLA-TRABALHO
Marcelo Parreira do Amaral1
Andreas Walther2
Introdução
Em todas as regiões, jovens são desproporcionalmente afetados pelo
desemprego, subemprego, emprego vulnerável e pobreza apesar de
trabalho. Mesmo durante os períodos de crescimento econômico,
muitas economias têm sido incapazes de absorver grandes populações
jovens no mercado de trabalho. Nos últimos anos, no entanto, a
crise econômica e financeira atingiu mais fortemente os jovens,
em particular no mundo desenvolvido. [...] Durante recessões
econômicas, jovens são com frequência os “últimos” e os “primeiros”
– os últimos a serem contratados e os primeiros a serem demitidos.
Jovens trabalhadores têm menos experiência de trabalho do que
os trabalhadores mais velhos, o que é altamente valorizado pelos
empregadores. Esta questão tem implicações particularmente graves
1 Mestre em Educação e American Studies pela Goethe Universität Frankfurt am Main, e Doutor
2
em Ciências Sociais pela Eberhard Karls Universität Tübingen, Alemanha. Atualmente é
professor colaborador da Universidade Estadual do Ceará, em Fortaleza, membro da Rede
Europeia de Especialistas – Network of Experts on the Social Aspects of Education (NESET),
pesquisador e membro da coordenação do projeto de pesquisa Governance of Educational
Trajectories in Europe (GOETE), financiado pela União Europeia.
Professor da Faculdade de Educação da Goethe Universität Frankfurt am Main. Seu campo
de trabalho inclui Pedagogia Social e Juventude. Diretor do Centro de Pesquisa Bildung
und Bewältigung im Lebenslauf (Educação e domínio no curso da vida), membro da Rede
Europeia de Especialistas – Network of Experts on the Social Aspects of Education (NESET)
e coordenador geral do Projeto GOETE.
15
Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição
para a transição da escola para o trabalho, o período quando os
jovens entram no mercado de trabalho para procurar seu primeiro
emprego. O Emprego é frequentemente associado com a entrada
de jovens na idade adulta e independência e é, naturalmente,
fundamental como fonte de renda para os indivíduos e famílias.
(UNITED NATIONS DEPARTMENT..., 2013, p. 15).
Os parágrafos acima, retirados do Relatório Mundial sobre a
Juventude, de 2011, organizado pelas Nações Unidas (ECOSOC), mostram
o contexto social e político da pesquisa sobre a juventude na atualidade, em
especial com relação à situação dos jovens na transição do mundo da escola
ao mundo do trabalho.
O tema juventude e os desafios associados à inserção dos jovens no
mercado de trabalho é também central para uma discussão adequada do
desenvolvimento econômico e social sustentável. Educação e formação
profissional representam aqui elementos-chave, e um dos desafios tanto
para a pesquisa quanto para o campo de políticas públicas voltadas para a
juventude está relacionado com um entendimento de como as trajetórias
educacionais emergem, como são reguladas e, consequentemente, como
podem ser otimizadas.
O presente artigo apresenta e discute uma abordagem teórica de trajetórias
educacionais de jovens. Tal exercício intelectual se torna primordial para um
melhor entendimento dos processos educacionais e de formação profissional
na atualidade, ambos essenciais para o desenvolvimento econômico e social
sustentável. Particular atenção será dada ao conceito de ciclo da vida (life
course) e de governança; esses conceitos oferecem a possibilidade de pensar
trajetórias educacionais como resultados de um longo processo e de decisões
individuais e institucionais. Daí a necessidade de envolver uma gama de
elementos e agentes dentro e fora da escola e de instituições de formação
profissional que participam desse processo. Em particular, argumenta-se a
necessidade de uma perspectiva centrada no indivíduo - ou como se denomina
aqui, uma perspectiva subjetivamente orientada - no intuito de evitar uma
ênfase demasiada em estruturas e instituições.
No primeiro passo o artigo apresenta os referenciais teóricos necessários
ao entendimento de ciclo de vida e governança. Em seguida será discutido
o papel das transições como elementos-chave de trajetórias educacionais.
16
Marcelo Parreira do Amaral e Andreas Walther
Utilizando a Alemanha como exemplo, discutem-se algumas das principais
estruturas na transição escola-trabalho. Conclui-se o artigo com considerações
sobre os efeitos da Assistência Profissional à Juventude (Jugendberufshilfe), um
campo de trabalho do serviço social à juventude, o qual se ocupa do problema
do desemprego juvenil através da regulação de um sistema de transições para
os jovens. A assistência profissional à juventude funciona como instância
reguladora de um elemento-chave de trajetórias educacionais de jovens
e necessita não somente considerar a dimensão estrutural/institucional
das mesmas, mas também inclui a dimensão subjetiva/individual em suas
atividades.
A Teoria do Ciclo da Vida e a Governança da Educação e
Trabalho na Juventude
Uma compreensão dos processos educativos e trajetórias educacionais –
e das transições dentro dessas trajetórias, bem como dos processos decisórios
envolvidos nelas – exige uma abordagem teórica que considera a interação
de aspectos estruturais/institucionais e subjetivos/individuais. A combinação
da perspectiva teórica do ciclo da vida e do conceito analítico de governança,
como sugerido aqui, oferece uma ferramenta útil para uma análise de como
tais interações estruturam e regulam trajetórias educacionais individuais.
A perspectiva do ciclo da vida questiona, por exemplo, como é regulado o
acesso dos jovens aos diferentes estágios da educação formal; como eles lidam
com as formas e as demandas da educação e como isso é facilitado por meio
de suporte formal e informal; também questiona se a educação que lhes é
oferecida é vista como relevante para a vida futura e, em caso afirmativo, em
que medida. A perspectiva de governança implica analisar como os diferentes
atores (escola, empregadores, administrações, políticos, profissionais da
assistência à juventude, professores, pais, alunos, dentre outros), em diferentes
níveis (local, regional, nacional, transnacional) interagem e se comunicam
acerca das questões de acesso e progressão, no âmbito da educação, sobre as
necessidades legítimas de apoio e suporte dos alunos e as responsabilidades
para oferecer apoio, dentro ou fora da escola, bem como as necessidades
futuras de habilidade e competência.3
3
Essas questões formam o objeto de estudo de um projeto de pesquisa internacional
comparado intitulado GOETE. O projeto é financiado pela Comissão Europeia no
âmbito do 7th Framework Programme for Research – contrato nº SSH-CT-2009-243868.
17
Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição
Ciclo de vida ou life course é coloquialmente entendido como a soma
dos vários estágios pelos quais os indivíduos passam ao longo de suas vidas,
especialmente fases institucionalizadas, como escola, formação profissional,
serviço militar, trabalho etc. A pesquisa sociológica do ciclo de vida define
life course “como uma instituição social [...] no sentido de um sistema de
regras que ordena uma área ou dimensão central da vida”. (KOHLI,
1985, p. 1).4 Historicamente, o ciclo de vida está ligado ao processo de
individualização social na era moderna e, consequentemente, aos processos
da Reforma, do Iluminismo, da Revolução Francesa e da Industrialização.
Neste contexto histórico, o ciclo de vida é também resultado da divisão social
do trabalho na sociedade e liga as diferentes fases de vida às várias funções
e aos papéis que os indivíduos são chamados a cumprir dentro dela. Além
disso, a institucionalização do ciclo de vida está ligada ao desenvolvimento de
sistemas de previdência social e de educação no contexto dos Estados-Nação
modernos. Como resultado de uma longa história social e cultural – também
de práticas disciplinares e discursos tipificantes, o ciclo de vida foi cada vez
mais normalizado e ligado à ideia de ciclo de vida e de biografia “normal”, em
geral centrada nas várias instituições educacionais e no mundo do trabalho.
(ANDRADE; PEREIRA, 2012).
O ciclo de vida é, assim, um aspecto da estrutura social e combina o nível
macro de estruturas sociais – tais como economia, contextos institucionais
como mercado de trabalho, bem-estar ou educação, mas também estruturas
de desigualdades sociais – com o nível micro de biografias individuais. Essa
interação se dá no nível meso de concretas instituições como escolas, empresas,
clínicas ou instituições do bem-estar da juventude. Portanto, inclui tanto
o posicionamento social dos indivíduos por meio da família e do mercado
As seguintes instituições estão envolvidas: as Universidades de Helsinque e Turku, na
Finlândia, a Ecole des Hautes Etudes de la Santé Publique e a Universidade de Rennes 2,
na França, as Universidades de Bolonha e Urbino, na Itália, a Universidade de Amsterdã,
na Holanda, a Escola de Economia de Varsóvia, na Polônia, a Universidade de Ljubljana,
na Eslovênia, a Universidades de Bristol e Queens University em Belfast, Reino Unido, o
Instituto de Inovação Regional e Investigação Social (IRIS), bem como as Universidades
de Tübingen e Frankfurt am Main, na Alemanha. A coordenação do projeto, do qual os
autores fazem parte, é feita pela Universidade de Frankfurt am Main, Alemanha. Para
detalhes consulte o site do projeto: Disponível em: <www.goete.eu>.
4 Para uma visão geral da pesquisa life course ver Heinz (2009). Ver também Stauber e Walther
(2006).
18
Marcelo Parreira do Amaral e Andreas Walther
de trabalho quanto seu controle pelas instituições do Estado. (WALTHER,
2011b). Por esse motivo, como abordagem metodológica o ciclo de vida foca
a história e a dinâmica da inter-relação entre indivíduos e sociedade, ou seja,
a interação entre estruturas e instituições sociais e a ação individual ao longo
da vida. (HEINZ et al., 2009).
As análises do ciclo de vida precisam, necessariamente, incorporar várias
temporalidades, dimensões e níveis de interdependência, como nos chamam
a atenção Heinz et al. (2009). Com relação à interdependência temporal,
passado, presente e futuro estão interligados criando possibilidades ou também
limitando os possíveis caminhos a serem percorridos. Isto se dá tanto por regras
institucionalizadas quanto por hábitos, relações e compromissos sociais etc.
Pelo fato de existirem diferentes fases no ciclo de vida, as quais estão também
ligadas às faixas etárias que são marcadas e caracterizadas por passagens de status
– como passagem da escola para a qualificação profissional e para o trabalho
– há necessidade de antecipar, preparar e moldar/regular essas transições para
que o resultado do ciclo de vida seja satisfatório tanto para o indivíduo quanto
para a sociedade. Importa destacar que o life course é também influenciado
por modelos culturais e sociais (por exemplo, a visão da juventude e o papel
do jovem na sociedade), os quais variam no tempo e no espaço geográfico.
(HEINZ et al., 2009). Há também uma interdependência a qual se pode
chamar de multidimensional, pois o ciclo da vida se desenrola entre as diferentes
instituições sociais ou esferas da vida (família, escola, peer group, trabalho etc.),
nas quais os indivíduos estão inseridos. Ao mesmo tempo em que os vários
domínios competem por atenção e tempo, seus arranjos e regulações são mais ou
menos compatíveis. Também, instituições acerca do estado de bem-estar social e
sistemas de educação (entre outras instituições) apontam para a necessidade de
considerar o que se chama de contexto institucional do ciclo de vida. Enfim, um
terceiro tipo de interdependência se refere às ações individuais e aos contextos
nos quais os indivíduos estão inseridos. A ação individual está sempre inserida e
é influenciada pelas condições culturais, econômicas e sociopolíticas; decisões e
investimentos biográficos dos indivíduos, os quais impactam nas circunstâncias
de vida dos mesmos, são, por assim dizer, mediadas e guiadas pelas condições
estruturais locais/nacionais: situação e oportunidades no mercado de trabalho
(estratificado, recessão econômica etc.), tipo de organização do sistema de
educação (seletivo ou integral), mas também normas culturais, como por
exemplo, paridade de gênero.
19
Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição
Concluindo esta breve discussão teórica, pesquisas centradas na
perspectiva do ciclo de vida (life course) necessitam focar os vários estágios
da vida nas instituições pelas quais as pessoas passam, fazendo uso de
métodos de pesquisa quantitativos e qualitativos, com frequência em
estudos longitudinais. Três dimensões analíticas se tornam essenciais:
estrutural/institucional, subjetiva/individual e a dimensão das interações.
Na dimensão estrutural/institucional analisam-se as condições históricosociais, as instituições do estado de bem-estar, a educação e o mercado
de trabalho, entre outras, como estruturas e contextos que influenciam a
biografia dos indivíduos. Por outro lado, na dimensão subjetiva/individual
é necessário analisar características individuais, decisões e preferências –
as quais são motivadas e construídas social e culturalmente – e também
capacidades e competências. Na dimensão das interações, coloca-se sob
o foco da atenção a interdependência dos vários elementos e fatores,
das instituições, enfim, a dinâmica interação entre estrutura e agência.
(GIDDENS, 2003).
Face a essa complexa situação de interdependência, um segundo
aporte teórico importante para um melhor entendimento das trajetórias
educacionais de jovens pode ser encontrado no conceito de governança.
Nas ciências sociais e políticas o termo governança tem sido utilizado na
conceitualização de fenômenos para os quais antes se dava preferência a
termos como governo, gestão ou direção, interdependência, controle e/
ou coordenação de ação coletiva. Governança tematiza governo, gestão,
coordenação etc., entre agentes no âmbito de Estado, mercado, economia
e sociedade civil em estruturas em rede e não necessariamente hierárquicas.
Como conceito político ele aparece num tempo de crítica e ceticismo quanto às
possibilidades da regulação hierárquica e linear de sistemas sociais complexos,
o que aponta tanto para uma mudança de perspectiva sobre as formas de
regulação e coordenação de sociedades modernas quanto para suas profundas
transformações. No contexto deste trabalho se dá preferência ao uso analítico
do termo considerado geral para todos os padrões ocorrentes de gestão da
interdependência entre Estados, bem como entre atores/agentes estatais e
sociais. Sobre esse pano de fundo, hierarquia estatal no sentido de governo
aparece então como apenas um desses padrões entre vários outros. Além dos
diferentes usos – descritivo, normativo, melhorista-pragmático – encontrados
na literatura sobre o tema (BEVIR, 2012), governança é também usado como
termo genérico, como mostra sucintamente a citação de Renate Mayntz:
20
Marcelo Parreira do Amaral e Andreas Walther
Governança significa a soma de todas as formas existentes
de regulação coletiva das questões sociais: do auto-controle
institucionalizado da sociedade civil, passando por diferentes
formas de cooperação entre Estado e agentes privados, até
mesmo ação soberana de agentes estatais. (MAYNTZ, 2004,
p. 66).
Este conceito teórico ajuda a pensar como as trajetórias educacionais de
jovens são reguladas - governadas - na interação de elementos nas dimensões
estrutural/institucional e subjetiva/individual. Ou seja, na dinâmica de
estruturas sociais (econômicas, de poder, de desigualdade), provisões
institucionais (seguridade social e bem-estar, educação) e ação/agência
individual (preferências, disposições e capacidades). Por exemplo, um objetivo
central de análises neste campo seria a modelagem de diferentes constelações
locais e nacionais de governança educacional. Isto implica a identificação de
atores e elementos-chave e as formas como se relacionam e interagem uns com
os outros, as quais impactam as trajetórias educacionais dos jovens.
Transições como Elementos-Chave na Análise de Trajetórias
Educacionais na Juventude
Na seção anterior a complexidade e extensão de elementos,
interdependências e interações potencialmente importantes para o
entendimento de trajetórias educacionais na juventude foram enfatizadas.
Essa complexidade representa um grande desafio para a pesquisa nesse
campo. Uma maneira comum, não de resolver, mas sim de lidar com essa
dificuldade é geralmente o foco em fases da vida (infância, adolescência
e idade adulta) ou em sequências com particular relevância, como por
exemplo, passagens de status e outras transições de uma fase ou instituição à
outra, ou dentro delas, como por exemplo, da escola primária à secundária,
à formação profissional, ao trabalho etc. O foco em transições se justifica
por estar em consonância com os conceitos teóricos apresentados acima,
mas em especial pela atenção na regulação de trajetórias educacionais.
No contexto atual, as transições ao longo do ciclo de vida têm
aumentado exponencialmente. Noções de normalidade do ciclo de vida que
foram institucionalizadas durante as últimas décadas se tornam cada vez mais
fictícias. Estudos sociológicos sobre o assunto apontam, por exemplo, como
21
Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição
o faz Beck (1992), para uma desestandardização decorrente do fato de que
biografias de trabalho não são mais vistas como uma sucessão fixa de fases,
bem como a partir de uma insegurança geral das carreiras profissionais. Por
conseguinte, Heinz (2001) identifica sua causa na crescente generalização de
períodos alternados de emprego/desemprego. Essa tendência tem a ver com
o fato de que cada vez mais rápido novas tecnologias transformam o mundo
do trabalho e, por consequência, geram novas demandas, de um lado, para
o campo da educação e qualificação profissional, e, de outro, para os jovens.
Para os jovens, as transições entre as fases de vida institucionalizada,
especialmente a transição da escola para o trabalho, envolvem riscos ou
necessidades e têm particular relevância para a integração e desenvolvimento
econômico e social sustentável. Desemprego juvenil, jovens sem formação
profissional e emprego e carreiras profissionais precárias representam o
aumento de incerteza e insegurança de transições da escola para o mundo
do trabalho. Do ponto de vista da investigação de transições biográficas,
elas são também expressão de uma despadronização geral do ciclo da vida.
(STAUBER; POHL; WALTHER, 2007).
Neste contexto, transições devem, como se argumenta aqui, ser vistas
como elementos-chave para um entendimento adequado das questões relativas
às trajetórias educacionais na juventude. Transições da escola para o trabalho
têm um papel crítico na juventude; é aqui que jovens se tornam – ou não
– membros plenos de suas sociedades, participando da vida socioeconômica
e cultural. É nesse período que jovens precisam desenvolver e construir
competências, com base em sua formação inicial e profissional, que os ajudem
a entrar no mundo do trabalho de forma decente.5 É aqui onde os jovens
encontram maior dificuldade de inserção na contemporaneidade.
Essas transições podem, de acordo com a abordagem teórica discutida
acima, tomar diferentes formas, de acordo com o tipo de arranjos estruturais,
institucionais (mercado de trabalho, organização da educação geral e
profissionalizante), e serem mais ou menos severas, o que aponta para a
5
De acordo com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), trabalho digno refere-se
às aspirações globais das pessoas em suas vidas de trabalho. Ele consiste em quatro pilares:
criação de emprego, direitos no trabalho, proteção e diálogo social, com igualdade de
gênero como objetivo transversal. (OIT, 2013).
22
Marcelo Parreira do Amaral e Andreas Walther
necessidade de considerar questões de acesso à educação. Os jovens podem
ser bem ou mal preparados para enfrentá-las e receber mais ou menos suporte
formal (das instituições do estado de bem-estar e assistência à juventude,
das escolas etc.), e/ou informal (família e amigos, entre outros), mostrando
a importância de considerar questões de assistência e suporte; e, enfim,
as competências e capacidades acumuladas pelos jovens e a educação que
receberam durante sua trajetória educacional podem ter maior ou menor
relevância (tanto do ponto de vista da sociedade quanto do indivíduo), o que
facilita ou dificulta a passagem bem-sucedida ao mundo do trabalho.
A seguir discutem-se elementos estruturais da transição escolatrabalho. Ao fazer isso, toma-se como exemplo o modelo de transição da
Alemanha. O caso da Alemanha se mostra altamente pertinente para esta
discussão, pois sua organização do sistema de transição o torna, de um lado,
um dos mais seletivos e complexos e, por outro lado, devido à tradição do
estado de bem-estar social, oferece a partir de suas políticas públicas uma
série de auxílios e suportes formais e institucionalizados para acompanhar
os jovens durante essa transição. Vale, porém, também discutir o caso
alemão a partir do referencial teórico analisado acima, pois isso mostra o
foco quase exclusivo na dimensão estrutural/institucional do sistema de
transição, o que se revela ainda mais problemático quando a dimensão
subjetiva/individual é, de maneira geral, somente considerada em relação a
deficiências e problemas dos jovens.
Estruturas de Transição Escola-Trabalho no Sistema de
Transição da Alemanha
Na Alemanha, o termo sistema de transição tem sido utilizado para
descrever as estruturas de transição da escola para o trabalho desde a década
de 1990. A pesquisa sobre transição se refere a esse termo como a soma de
todos os atores sociais, estruturas e processos envolvidos nas transições de
jovens mulheres e homens para o mercado de trabalho. (BROCK, 1991).
Com a introdução de um relatório nacional de educação o termo tem
experimentado, porém, um estreitamento referindo-se apenas à assistência
para os adolescentes e jovens adultos que não conseguem encontrar um
treinamento ou trabalho. (BILDUNGSBERICHT, 2008). Para evitar o
equívoco de que o termo possa se referir apenas às transições problemáticas da
23
Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição
escola ao trabalho, mas também para melhor descrever problemas e auxílios/
suporte nas transições que são institucionalmente consideradas normais, as
estruturas básicas da transição da escola para o trabalho serão descritas a seguir.
O ponto de partida institucional para as transições à profissão é a escola,6
cuja peculiaridade alemã é que em alguns estados os alunos são distribuídos já
após os primeiros quatro anos da escola primária em diferentes tipos de escola
secundária, de acordo com seu desempenho e notas. Estudos de comparativos
internacionais, por exemplo, o Programme for International Student Assessment
(PISA), indicam que a diferenciação seletiva do sistema escolar alemão não
somente reflete as desigualdades sociais em educação, status profissional
e origem étnica, mas também as reforça. (BILDUNGSBERICHT, 2008;
POHL, 2008). Uma outra categoria de desigualdade é a do gênero, mais
recentemente discutida com relação à desvantagem educacional dos meninos.
(SHELL-JUGENDSTUDIE, 2006).
A formação profissional representa uma expectativa geral de normalidade
para aqueles que, na sequência da escola secundária, não podem ou não
querem prosseguir no ensino superior. Para aproximadamente 75% dos
jovens a formação profissional é feita em empresas, no âmbito do chamado
sistema dual.7 Formação profissional nas áreas de saúde, profissões sociais
e administrativas são, no entanto, organizadas em escolas especializadas.
(BILDUNGSBERICHT, 2008).
Desde a década de 1990, a oferta de formação profissional teve uma
queda de aproximadamente 25%. Além de razões econômicas, isso também
aconteceu, por um lado, devido a mudanças estruturais e econômicas, porque
o sistema dual – tradicionalmente baseado na indústria e manufatura, que foca
Existem quatro tipos de escola secundária - Hauptschule, Realschule, Gymnasium e
Gesamtschule, a qual integra todos os tipos. Para uma visão geral do sistema de ensino
alemão veja: Andrade e Amaral (2013); ver também: Germany... (2013).
7 No ensino profissionalizante o sistema de formação profissional dual é típico da Alemanha,
isto é, os cursos de formação são realizados paralelamente em uma escola profissional e em
empresa de treinamento. Pré-requisito para uma formação profissional no sistema dual
é um contrato de formação profissional com uma empresa (Ausbildungsvertrag). A parte
prática do treinamento é fornecida aos estagiários nas empresas e as escolas profissionais
assumem a parte teórica. O sistema de ensino profissionalizante tem um caráter altamente
competitivo, em especial o mercado de contratos de treinamento, pois os alunos têm de se
candidatar individualmente nas empresas. (ANDRADE, 2000).
6
24
Marcelo Parreira do Amaral e Andreas Walther
ocupações como artesões e trabalhadores qualificados – teve sua relevância
lentamente colocada em xeque, enquanto o mesmo ainda não conseguiu se
estabelecer em atividades mais novas, como a área de serviços. Por outro lado,
muitas empresas se retiraram do sistema dual face à grande incerteza com
relação às exigências do desenvolvimento no mercado global. Até o momento
as poucas áreas de formação profissional recém-criadas não absorveram esse
declínio; de forma similar, a oferta de formação profissional em escolas não
foi ampliada para os novos perfis profissionais nem com relação ao número de
vagas. (BILDUNGSBERICHT, 2008).
Como resultado, a competitividade por vagas de formação profissional
aumentou significativamente. Apenas 36% de todos os jovens em busca de vaga
de formação profissional, em 2006, puderam de fato se colocar. Alunos saindo
das ‘Hauptschule’, escola com status mais baixo, representam apenas 30% de
todos os formandos em cursos profissionais e estão concentrados em algumas
poucas ocupações de baixo status. (BERUFSBILDUNGSBERICHT, 2008).
O certificado da Realschule – escola com status médio – o qual é adquirido
por cerca de 40% dos alunos no ensino secundário todos os anos, é agora
considerado mínimo em relação ao treinamento profissional no sistema dual.
A Hauptschule, da qual cerca de 30% dos alunos saem com um certificado, e
cerca de 8% sem qualquer diploma, está sujeita ao estigma da “escola do resto”
(SOLGA, 2002) e seus egressos enfrentam grandes dificuldades em encontrar
uma vaga de formação profissional.
Desigualdades reproduzidas ou criadas na escola se solidificam no
âmbito da formação profissional. Isto é especialmente o caso de jovens com
histórico de migração, cuja participação em treinamento profissional está
em declínio desde os anos de 1990. (BERUFSBILDUNGSBERICHT,
2008; POHL, 2008). Isto também se aplica, porém em menor grau, a
meninas e jovens mulheres, que muitas vezes veem negada a possibilidade
de transformar seu melhor desempenho escolar em adequada qualificação
profissional. (GRANATO; SCHITTENHELM, 2004). Ao mesmo tempo,
cursos de formação profissional em escolas nos quais meninas estão superrepresentadas fazem maiores exigências e têm piores oportunidades de
carreira em comparação com os cursos duais dominados por homens (em
empresas).
O serviço de orientação da agência do trabalho do governo
(Berufsberatung) tem um papel central na transição entre a escola e a
25
Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição
formação profissional; através dele uma grande, porém decrescente,
parte dos candidatos encontra uma colocação. Como uma instituição do
estado providência, o serviço de orientação tem como missão principal
que “todos encontrem uma vaga”. (OSTENDORF, 2005). Por isso,
todos aqueles que não conseguem encontrar uma vaga para formação
profissional são obrigados a concluir cursos de preparação profissional em
escolas especializadas. A maioria dos jovens permanece, mesmo depois
desse ano preparatório, sem formação profissional, e, em consequência,
são compulsoriamente incluídos nos diversos programas do sistema de
transição. O número desses candidatos, chamados “Altbewerber”, ou
seja, repetentes, para vagas de formação profissional em empresas cresceu
fortemente desde o final da década de 1990, de modo que há quase o mesmo
número de jovens nesse sistema de transição que na formação profissional
regular (em escolas e empresas). (BILDUNGSBERICHT, 2008, p. 97).
De um lado, os programas do sistema de transição não oferecem cursos de
qualificação profissional completos, como outros programas com duração
de um ano, como, por exemplo, as escolas profissionais (Berufsfachschule),
a formação profissional básica ou o programa de preparação profissional
(Berufsgrundbildungsjahr, Berufsvorbereitungsjahr), que são obrigatórios
para alunos que saem do sistema de ensino antes de completar 18 anos de
idade. De outro lado, esses são programas socioeducativos de assistência
profissional à juventude, oferecidos pelo serviço social. Estes têm o
objetivo de aumentar a competitividade e a maturidade dos participantes
e prepará-los para a formação profissional, porém muitas vezes têm o
efeito de fila de espera.
De acordo com estudos do Instituto Federal para Educação Profissional
(BIBB) e do Instituto Alemão da Juventude (DJI), cerca de 40% dos jovens
que saíram do ensino secundário e não encontraram uma vaga para formação
profissional, e vão para os programas do sistema de transição, 15 meses mais
tarde não têm colocação de trabalho nem de formação. (REISSIG et al. 2013;
BILDUNGSBERICHT, 2008).
A discussão acima mostra a importância das transições e dos arranjos
estruturais e institucionais nos quais eles estão inseridos, ora facilitando, ora
tornando a transição mais difícil. Na seção que segue discute-se a assistência
profissional à juventude como um fator central na governança das trajetórias
educacionais de jovens, com particular impacto na transição escola-emprego.
26
Marcelo Parreira do Amaral e Andreas Walther
Discussão: A Assistência Profissional à Juventude: Ponte para o
Mundo do Trabalho ou Mecanismo de Cooling Out?
O serviço de Assistência Profissional à Juventude (Jugendberufshilfe) é
um campo de ação sociopedagógica dentro do serviço social para a juventude,
o qual se estabeleceu desde que o desemprego juvenil se tornou um fenômeno
estrutural de massa nos anos 1980; esse campo, de constante crescimento,
tem um papel central no sistema de transição atual. (GALUSKE, 2004).
Ele se torna o principal responsável sempre que jovens não encontram uma
vaga de formação profissional, mesmo tendo participado de programas
de orientação profissional e preparação profissional em escolas, e são
classificados como desfavorecidos ou imaturos para a formação profissional
(nicht ausbildungsreif).
Essas condições de acesso, parcialmente codificadas na legislação social (Sozialgesetzbuch), estabelecem a subordinação de medidas de assistência
profissional à juventude como educação compensatória de déficits individuais
de socialização. O objetivo da assistência profissional à juventude é preparar
os jovens para a formação profissional e para o trabalho, oferecendo a eles uma
ponte para o mundo do trabalho. As medidas de assistência podem ser, de
maneira geral, divididas em quatro áreas. (VON BOTHMER, 2001).
Orientação profissional (Berufsorientierung) é uma abordagem
preventiva de ação para apoiar os jovens na escolha de uma profissão. Ela
envolve muitas vezes a colaboração com as escolas e inclui experiências
práticas (estágios) acompanhadas por sociopedagogos, nas quais é feito um
primeiro confronto com o mundo do trabalho; os jovens têm, também,
a oportunidade de conhecer diferentes profissões para uma autoavaliação
de seus pontos fortes e fracos e seus valores no mercado de formação e de
trabalho, bem como de ampliar o horizonte de meninas e meninos com
relação à formação e ao trabalho.
Preparação profissional (Berufsvorbereitung) é destinada àqueles que
mesmo após a preparação profissional feita nas escolas não conseguem se
colocar; com frequência isso tem a ver com déficits individuais, certificados de
baixo status acadêmico, falta de habilidades na linguagem, comportamento
social impróprio ou orientações e desejos irrealistas de profissão. A preparação
profissional de jovens consiste, em geral, de uma mistura de atividades práticas
27
Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição
– sempre nas oficinas do projeto, e recentemente cada vez mais também
em empresas –, com o objetivo de compensar ou melhorar qualificações
educacionais, de esclarecer quanto às orientações profissionais, de oferecer
treinamento para processos seletivos, bem como ajudá-los a lidar com
problemas psicossociais ou condições de vida difíceis.
O acompanhamento sociopedagógico de formação profissional fora de
empresas (Sozialpädagogische Begleitung außerbetrieblicher Berufsausbildungen)
atende a uma pequena parte dos jovens menos favorecidos (por exemplo,
jovens egressos de escolas para alunos com necessidades especiais e jovens
com déficits de linguagem), que participam de um curso completo de
qualificação profissional em uma das instituições de assistência à juventude e
são acompanhados por profissionais sociopedagogos.
Oportunidades de emprego e trabalho (Beschäftigungsmaßnahmen bzw.
Arbeitsgelegenheiten) são medidas destinadas a jovens para os quais, devido
à sua idade ou carreira, nenhum curso de formação profissional parece mais
viável. Geralmente isso significa inclusão em atividades não qualificadas nos
setores de construção, limpeza e instituições sociais, onde, além do seguro
social básico (Hartz IV e II SGB), adolescentes, jovens e adultos recebem um
pequeno subsídio (trabalhos de 1 euro).
A maioria dessas medidas de assistência é financiada pela Agência do
Trabalho, com base na Lei de Promoção do Trabalho (SGB III) ou na Lei de
Seguro Social Básico (SGB II), considerando que as medidas de assistência
com base no parágrafo § 13 da legislação para o Serviço Social para a
Juventude (Jugendsozialarbeit), da Lei da Criança e Juventude (Kinder - und
Jugendhilfegesetzes, SGB VIII) ficam relegadas a um segundo plano.
Michael Galuske, já em 1993, apontou para um “dilema de orientação”
na assistência profissional à juventude, pois ela faz falsas promessas aos jovens
e, no melhor dos casos, apenas altera a ordem na fila de espera para a entrada no
mercado de trabalho, mas nunca pode afetar seu comprimento. (GALUSKE,
1993). Dessa maneira, mostrou a inconsistência do “desfavorecimento”
como critério de acesso, o qual transforma problemas estruturais – a falta de
vagas de formação profissional e emprego – em déficits educacionais a serem
compensados pedagogicamente; e além do mais, aumenta o problema utilizando
o termo “imaturidade para a formação profissional” (nicht ausbildungsreif), o
28
Marcelo Parreira do Amaral e Andreas Walther
qual não tem base científica nem legal, aplicando-o a um público-alvo ainda
maior. (WALTHER, 2002; AHMED, 2008; EBERHARD, 2006).
A abordagem individualizante e orientada para o déficit é o resultado de
um entendimento histórico normativo do trabalho como vocação. A ideia de
emprego normal prevalecente vincula posições profissionais com o sistema de
seguridade social, o que representa um incentivo ao emprego remunerado no
acesso ao seguro aposentadoria e de saúde e, ao mesmo tempo, protege contra
a perda involuntária de rendimentos do trabalho dependente. (WALTHER,
2002, 2006). Essa ideia vem da constelação do milagre econômico do pósguerra e corresponde a um “modelo de integração pelo acesso” (BÖHNISCH;
SCHRÖER; THIERSCH, 2005), de acordo com o qual aqueles que
participam do ciclo de vida normal, institucionalizado através da educação,
trabalho e bem-estar social, podem desfrutar de uma biografia normal marcada
pela completa participação social e pelo consumo.
Essa “ficção real” (OSTNER, 1987), cega com relação ao gênero por
estar restrita a carreiras profissionais masculinas em tempo integral, ainda
orienta grande parte das instituições relacionadas com a transição escolatrabalho e tem outra função no contexto da abertura da sociedade do trabalho
(BÖHNISCH; SCHRÖER; THIERSCH, 2005). ela serve de legitimidade
para a participação desigual no mercado de trabalho e a aceitação de relações
de emprego precário na competição por escassas posições profissionais
reconhecidas, atraentes e seguras. Reivindicações socialmente aquecidas
são assim resfriadas com referência a uma superestimação da própria
competitividade. Esse mecanismo de resfriamento, termo cunhado por Erving
Goffman como cooling-out (GOFFMAN, 1962), utilizado pela assistência
profissional à juventude, explica por que mesmo diante das constantes baixas
taxas de colocação, quase nada muda no conteúdo laboral e educacional,
muitas vezes pouco motivador. (GALUSKE, 1993). Nessa lógica os jovens
desfavorecidos devem, primeiramente, aprender o significado do trabalho.
Aqui a assistência profissional à juventude se mostra como uma função
primária do estado de bem-estar social: a de “gate keeper”, ou seja, instância
reguladora do acesso às posições profissionais e sociais no regime do ciclo de
vida tido como normal. (SCHEFOLD, 1996; WALTHER, 2011a, 2011b).
29
Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição
Em vários níveis, as “leis para serviços modernos no mercado de
trabalho” (leis Hartz de 2002/2004) alteraram a assistência profissional à
juventude no sentido de estender à mesma o chamado princípio básico de
ativação da política de mercado de trabalho, ou seja, o acoplamento de
assistência, bem como de proteção social básica ou de formação profissional
à expectativa da ativa busca por trabalho e à redução de reivindicações
e exigências. (RIETZKE, 2006). Embora, claro, nem todos os jovens
considerados público-alvo da assistência profissional à juventude sejam
afetados pelas leis Hartz IV, ainda assim o princípio de ajudar e ativar e a
concomitante erosão do princípio da profissão (vocação) têm impactado
a assistência aos desfavorecidos na forma de um aumento geral da pressão
para adaptação. (STAUBER; POHL; WALTHER, 2007).
Na assistência profissional à juventude já existiam dificuldades em
equilibrar os imperativos da política do mercado de trabalho e as necessidades
individuais dos jovens antes mesmo da introdução de políticas ativadoras
do mercado de trabalho; com a nova estratégia intervencionista de ajudar
e ativar intensificaram-se essas dificuldades. (RIETZKE, 2006). Mudanças
programáticas na assistência profissional à juventude – como agências de
competência ou como unidades locais ou regionais de gestão de transições
– podem ser entendidas como tentativas de retomar a luta de uma instância
profissional que foi menosprezada e negligenciada com atores institucionais
mais poderosos. Sua fraca posição no sistema de transição não é, no entanto,
resultado do fato de que atividades sociopedagógicas não sejam necessárias ou
não tenham demonstrado nenhum efeito.
Processos biográficos de aprendizagem bem-sucedidos pelos quais os
jovens passam na assistência profissional à juventude – seja para eles fazerem
formação profissional e trabalho novamente parte de seus projetos de vida, após
longos períodos de desânimo, seja para eles ponderarem sobre a experiência
de humilhação e alienação e as consequências de longo prazo da interrupção
de um curso de formação profissional, ou mesmo desenvolver perspectivas
de vida fora de formas reconhecidas de biografia laboral (GALUSKE, 2004;
STAUBER; POHL; WALTHER, 2007) – são reconhecidos como sucesso
ou efeito da assistência profissional à juventude se vêm acompanhados de
um aumento nas taxas de colocação em formação profissional e trabalho.
Porém, isto está apenas em pequena parte na sua esfera de influência. Se ela
quiser expandir seu espaço de manobra, necessariamente precisará ir além dos
30
Marcelo Parreira do Amaral e Andreas Walther
pressupostos de normalidade contidos nas estruturas de transição prevalentes,
por exemplo, por meio de uma “visão externa”, por via da comparação
internacional das diferentes estruturas de transição, ou por meio de uma
perspectiva biográfica sobre necessidades e interesses, experiências e estratégias
dos indivíduos.
Em conclusão, o artigo apresentou uma perspectiva teórica – a qual
combina conceitos do ciclo da vida e de governança – que tem o potencial
de iluminar as diferentes dimensões e interações das trajetórias educacionais.
Com foco na passagem de jovens da escola para o trabalho, argumentouse a importância de transições como elementos-chave desse processo
e se discutiu, com referência ao caso da Alemanha, o papel da assistência
profissional à juventude como um dos principais atores na regulação dessas
fases. No contexto da governança de trajetórias educacionais e da transição
escola-trabalho, o aporte teórico discutido mostra a necessidade de incluir
uma perspectiva subjetivamente orientada, ou seja, considera desde o início
a dimensão subjetiva/individual tanto na pesquisa científica quanto no
desenho e implementação de políticas públicas voltadas à juventude. Para
um desenvolvimento sustentável, tanto da economia quanto da sociedade em
geral, abertura e inclusão se mostram indispensáveis.
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35
JUVENTUDES NA TRANSIÇÃO PARA A SOCIEDADE
PÓS-INDUSTRIAL
Marcio Pochmann1
A literatura especializada tem concedido especial atenção à temática da
juventude no quadro geral da sociedade urbana e industrial. Em virtude disso,
as referências principais tendem a se concentrar nos parâmetros da educação
e do trabalho tendo em vista as obrigatoriedades vinculadas ao acesso e à
continuidade do estudo até pelo menos o ensino fundamental, e o ingresso ao
mercado de trabalho a partir da faixa de 14 a 16 anos de idade.
Mais recentemente, ganhou relevância também a preocupação com
a qualidade educacional e a inserção juvenil no mercado trabalho. Essa
importante trajetória, contudo, se mostra insuficiente para dar conta dos novos
desafios da juventude associados à passagem para a sociedade pós-industrial.
Isso porque a transição de sociedade impacta direta e indiretamente na antiga
condição juvenil relacionada à inatividade e ao trabalho.
Diante disso, o presente artigo procura contribuir com análise a respeito
da nova situação juvenil expressa tanto pela elevação da expectativa média de
vida da população quanto pela emergência da economia do conhecimento.
Esses novos elementos da sociedade pós-industrial exigem o repensar das
políticas públicas para toda a população, especialmente o segmento juvenil,
conforme apresentado na sequência.
1
Professor do Instituto de Economia e pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e de
Economia do Trabalho da Universidade Estadual de Campinas.
37
Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição
Juventudes e Transição de Sociedades
Na transição atual da sociedade urbano-industrial para a pós-industrial,
percebe-se o aparecimento de novas e importantes perspectivas para o
protagonismo juvenil não apenas pelo trabalho. Uma via dessas novidades
encontra-se relacionada à viabilidade da ampliação da expectativa média
de vida da população. Há mais de cem anos, por exemplo, ainda durante o
predomínio da sociedade agrária, a esperança de vida ao nascer não superava
os 40 anos de idade.
Ao longo do século XX, com o apogeu da sociedade industrial, a
longevidade humana quase dobrou para acima dos 60 anos de idade, em
média. Na sociedade pós-industrial, os mais de 100 anos de esperança de
vida ao nascer não mais parecem distantes. Atualmente, os brasileiros que
alcançam os 60 anos de idade possuem a expectativa de viver mais 20 anos,
em média.
O alongamento da expectativa de vida estabelece significados
distintos para o que se reconhece como juventude, que se afasta de ser
identificada como mera transição da condição de adolescência para a de
adulto. Basta considerar, por exemplo, que durante a sociedade agrária, cuja
expectativa média de vida encontrava-se abaixo dos 40 anos, a condição
juvenil praticamente inexistia enquanto uma definição identificável ao
ciclo humano.
Com a sociedade urbana e industrial, a expansão da expectativa média
de vida ocorreu inegavelmente e facilitou que a identificação da juventude
passasse a ser objeto passível de intervenção, inclusive de políticas públicas.
Para além de mero espaço de atuação familiar, a transição da adolescência
para a vida adulta passou a requerer ações educacionais, como ensino médio
e universidade, bem como a formação para o trabalho, além de serviços
especializados, como psicólogos, orientadores vocacionais, entre outros.
Diante das novas expectativas de ampliação do tempo médio esperado
de vida na passagem para a sociedade pós-industrial, percebe-se que a definição
tradicional de juventude perde sentido. Isso porque o tempo estabelecido
originalmente de 9 anos para identificação do segmento juvenil (entre 15 e 24
anos) no século 20 não dá conta da nova situação de quem pode viver mais
de 100 anos de idade.
38
Marcio Pochmann
Assim, compreende-se cada vez mais como juventude o estrato social de
15 a 29 anos ou até mais (14 anos no mínimo). Por conta disso, o segmento
juvenil alongado é alvo crescente de intervenção inovadora no âmbito das
políticas públicas.
Atualmente registram-se, pelo menos, três inovações em termos de
educação e inserção juvenil no mundo do trabalho. A primeira delas relacionase ao comprometimento de o trabalho ser cada vez mais postergado no tempo.
Recorda-se que, na sociedade agrária, o trabalho começava a ser exercido a
partir de 5 a 6 anos de idade e prolongava-se até praticamente a morte, com
jornadas de trabalho extremamente longas (14 a 16 horas por dia) e sem
períodos de descanso, como férias e inatividade remunerada (aposentadorias
e pensões).
Para alguém que conseguisse chegar aos 40 anos de idade, tendo iniciado
o trabalho aos 6 anos, por exemplo, o tempo comprometido somente com as
atividades laborais absorvia cerca de 2/3 de toda a vida humana. Naquela
época, em síntese, viver era fundamentalmente trabalhar, já que praticamente
não havia uma separação nítida entre o tempo do trabalho e do não trabalho.
Na sociedade industrial o ingresso no mercado laboral foi postergado
para os 14 a 16 anos de idade, garantindo aos ocupados também o acesso a
descanso semanal, férias, pensões e aposentadorias provenientes da regulação
pública do trabalho. Com isso, alguém que ingressasse no mercado de
trabalho depois de 15 anos de idade e permanecesse ativo por mais 50
anos, teria, possivelmente, mais alguns anos de inatividade remunerada
(aposentadoria e pensão).
Por força disso tudo, estima-se que cerca de 50% do tempo de toda a
vida humana estaria comprometida com o exercício do trabalho heterônomo
(pela sobrevivência). Assim, o ciclo da vida teria abandonado a condição
de representar somente o trabalho heterônomo, tendo o tempo de trabalho
abandonado a rigidez tradicional da separação com o tempo de não trabalho
(inatividade laboral).
No curso da nova sociedade pós-industrial, a inserção no mercado
de trabalho encontra-se gradualmente sendo postergada ainda mais,
possivelmente para o ingresso na atividade laboral somente após a
39
Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição
conclusão do ensino superior, com idade acima dos 24 anos de idade, e a
saída sincronizada do mercado de trabalho a partir dos 70 anos. Tudo isso
acompanhado por jornada de trabalho reduzida, o que permite observar que
o trabalho heterônomo deve corresponder a não mais que 25% do tempo
da vida humana.
A parte restante do ciclo da vida, contudo, dificilmente tende a se
constituir, necessariamente, em tempo livre, devido aos deslocamentos
territoriais e aos compromissos de sociabilidade, estudo e formação
cada vez mais exigidos pela nova organização de produção e distribuição
internacionalizada. Isso porque, frente aos elevados e constantes ganhos de
produtividade, torna-se possível a redução do tempo semanal de trabalho de
algo ao redor das 40 horas para não mais de 20 horas.
De certa forma, a transição entre as sociedades urbano-industrial e pósindustrial tende a não mais separar nítida e rigidamente o tempo do trabalho
do não trabalho. Assim, há uma possibilidade não desprezível de maior mescla
entre os dois tempos de trabalho e não trabalho, impondo maior intensidade
e o risco da longevidade ampliada da jornada laboral para além do tradicional
local de exercício efetivo do trabalho.
Destacam-se das novas tecnologias (internet e telefonia celular), em
contato com as inovações na gestão da mão de obra, não apenas a intensificação
do exercício no próprio local de trabalho. Adiciona-se a isso a extensão
do trabalho exercido cada vez mais para além do local de trabalho, sem
contrapartida remuneratória e protetiva, posto que os sistemas de regulação
pública do trabalho encontram-se fundamentalmente focados na empresa.
Outra importante novidade que necessita ser considerada resulta da forte
concentração do trabalho no setor terciário das economias (serviços em geral),
podendo representar cerca de 90% do total das ocupações. Assim, o terciário
tende não apenas a assumir uma posição predominante, tal como representou
a alocação do trabalho no setor agropecuário até o século 19, com a indústria
respondendo por não mais de 10% do emprego total, como passar a exigir, por
consequência, novas formas de organização e de representação dos interesses
num mundo do trabalho mais heterogêneo. Nos países desenvolvidos, por
exemplo, os setores industriais e agropecuários absorvem atualmente não mais
que 10% do total dos ocupados.
40
Marcio Pochmann
Por fim, cabe ainda observar outra novidade importante que deriva da
profunda alteração que emerge entre a relação da educação com o trabalho e
a vida. Até o século 19, por exemplo, o ensino era quase uma exclusividade da
elite econômica e política de cada país.
No século passado, contudo, o acesso à educação gradualmente
generalizou-se, alcançando parcelas crescentes do conjunto da sociedade
urbano-industrial, com a universalização do aceso às faixas etárias mais
precoces se transformando num dos requisitos de sociabilidade e preparação
para o exercício do trabalho. Na sociedade pós-industrial, a educação tende
a acompanhar mais continuamente o longo ciclo da vida humana não
somente como elemento de ingresso e continuidade no exercício do trabalho
heterônomo, mas também enquanto condição necessária para a cidadania
ampliada por toda a vida.
Conectar a totalidade das transformações do mundo do trabalho com o
resgate da educação e a formação profissional em novas bases passa pela redivisão
da riqueza entre o fundo público – único que pode sustentar as novidades do
trabalho na sociedade pós-industrial – e o capital virtual (trabalho imaterial),
capaz de revolucionar a titularidade da riqueza no futuro. Dessa forma, os
ganhos de produtividade (material e imaterial) poderão ser capturados
significativamente a tal ponto de superar mais rapidamente a anacrônica
separação entre o trabalho pela sobrevivência (trabalho heterônomo) e o
trabalho autônomo (criativo, comunitário).
Noutras palavras, o trabalho heterônomo para parcelas ativas da
sociedade tende a ser mais contido, o que torna crescentes as possibilidades
do trabalho autônomo. Para isso, contudo, as nações portadoras de
futuro e geradoras dos postos de trabalho de concepção, com maior
qualidade e remuneração, pressupõem maior capacidade de ampliação dos
investimentos em tecnologia na produção de bens e serviços com o maior
valor agregado possível.
Do contrário, há o risco de retrocessos na redivisão do trabalho entre
países, com parcela deles comprometida fundamentalmente com a produção
de menor custo de bens e serviços. Essa produção geralmente está associada
ao reduzido conteúdo tecnológico e ao valor agregado e dependente do uso
de trabalho precário e de execução em longas jornadas sub-remuneradas. Ou
41
Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição
seja, a reprodução do passado, com elevadas jornadas de trabalho, reduzida
remuneração e forte instabilidade contratual, sem a possibilidade de fazer
valer a transição dos sistemas de educação e formação contemporâneos da
sociedade pós-industrial.
Essa situação já é real em vários países. No novo mundo do trabalho,
repleto de novidades, as escolhas nacionais estão sendo feitas. O retorno dos
investimentos na formação profissional para a inserção e trajetória profissional
de novo tipo faz parte da superação mais rápida dos atrasos contidos na
transição social.
Conforme observado, a transição das sociedades tem sido acompanhada
ao longo do tempo por importantes alterações na condição da juventude.
Isso ocorre nos dias de hoje, quando o curso da passagem para a sociedade
pós-industrial exige alterações no entendimento sobre o segmento juvenil,
especialmente em termos de educação, conforme analisado na sequência.
Juventudes e Educação
Um dos elementos de produção e reprodução do subdesenvolvimento
nos últimos 150 anos concerne ao papel ocupado pela educação nacional,
sobretudo aquela de responsabilidade do setor público. No caso brasileiro
registra-se, infelizmente, a condição secundária ocupada pela educação pública
ao longo do tempo, o que terminou repercutindo, direta e indiretamente, na
condição da juventude.
Por quase cem anos, por exemplo, a educação no Brasil permaneceu
prisioneira das situações distintas de produção e reprodução do
subdesenvolvimento. De fato, da implantação da República, em 1889,
até a Constituição Federal, em 1988, o avanço da escola pública não foi
contínuo, marcado pelo fardo da escravidão e dos traços de uma sociedade
patrimonialista.
Até a década de 1940, as possibilidades de inclusão dos filhos de negros
na escola pública eram quase nulas, tanto assim que parcela significativa dos
analfabetos do País do início do século 21 possui, em geral, mais de 50 anos
de idade e não são brancos. Ao mesmo tempo, a apropriação patrimonialista
do Estado por estritos segmentos sociais transformou a boa escola pública
42
Marcio Pochmann
em quase exclusividade de reprodução de uma elite branca, sem conceder
possibilidades para a universalização do acesso a toda a população.
Com a aprovação da Constituição Federal na transição da ditadura militar
(1964-1985) para o atual regime democrático, a educação pública sofreu uma
importante inflexão, com a necessária garantia de recursos orçamentários,
permitindo rapidamente que o País alcançasse a universalização do acesso ao
ensino fundamental. Nesse novo contexto constitucional de estruturação do
Estado de providência no Brasil, assistiu-se ao avanço da cobertura social para
praticamente todos os segmentos vulneráveis da população, como crianças e
adolescentes - Estatuto da Criança e Adolescente (ECA), idosos e portadores
de necessidades especiais (reconfiguração do sistema de aposentadorias e
pensão), pobres (programas de transferências de renda, como o Bolsa Família),
desempregados (seguro desemprego), entre outros.
Com isso, os indicadores sociais passaram a apontar melhoras inegáveis,
não obstante os enormes constrangimentos impostos pelo predomínio das
políticas neoliberais desde o final da década de 1980. Os avanços sociais não
foram, contudo, plenos.
O segmento juvenil, por exemplo, permaneceu em plano inferior,
sendo somente mais tardiamente objeto de maior intervenção de políticas
públicas. Mesmo assim, de forma parcial e incompleta, a começar pelo
15
14
13
12
11
10
9
8
7
6
5
4
3
2
1
0
11,4
5,6
5,3
3,9
1,2
Inativo que
estuda
Inativo que não Ocupado que
estuda
estuda
1,8
Ocupado que Desempregado Desempregado
não estuda
que estuda que não estuda
Gráfico 1 - Brasil - Distribuição do Segmento de 16 a 24 Anos em relação à Educação e
ao Trabalho em 2008 (em Milhão)
Fonte: IBGE - PNAD (Elaboração do autor).
43
Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição
programa Agente Jovem, no final dos anos 1990, passando pelo fracasso do
Programa Primeiro Emprego, no início da década de 2000, até chegar ao
mais estruturado programa governamental Pró-Jovem.
Tendo em vista o desafio de conceder maior atenção à problemática
da inclusão juvenil no Brasil, considera-se apenas a título de referência da
temática educacional e suas condicionalidades atinentes ao segmento de 16
a 24 anos de idade. Assim, percebe-se que dos 29,3 milhões de jovens na
faixa de 16 a 24 anos de idade, somente 32,4% mantinham-se afastados
do mercado de trabalho no ano de 2008. Desse universo de 9,5 milhões de
jovens inativos, 59% somente estudavam, enquanto 41% não estudavam,
não trabalhavam nem procuravam trabalho (3,9 milhões).
A maior parte dos jovens de 16 a 24 anos encontrava-se ativa no interior
do mercado de trabalho (19,7 milhões), sendo 16,7 milhões ocupados e 3
milhões na condição de desempregados (15,2%). Dos que trabalhavam
somente 31,7% estudavam (5,3 milhões), indicando que a maior parte que
se encontra ocupada não consegue estudar (11,4 milhões). No caso dos
desempregados, 40% frequentavam escola (1,2 milhão) e 60% não estudavam
(1,8 milhões).
Em síntese, da população de 16 a 24 anos de idade, somente 11,8
milhões (40,2%) estudavam em 2008. Desse universo, 47,5% (5,6
milhões) não trabalhavam nem procuravam trabalho (inativos), 44,9%
(5,3 milhões) estavam ocupados e 10,2% (1,2 milhão) desempregados.
Em relação aos jovens que não frequentavam escola (17,5 milhões), 65,1%
trabalhavam (11,4 milhões), 22,2% não trabalhavam nem procuravam
trabalho (3,9 milhões) e 10,3% estavam desempregados (1,8 milhões).
Para os 29,3 milhões de jovens na faixa de 16 a 24 anos de idade, a
renda média familiar per capita era de R$ 512,70 ao mês em 2008. Mas
para os jovens inativos que só estudavam, a renda média familiar per capita
era de R$ 633,20 ao mês (23,5% superior à renda média). Já para os jovens
inativos que não estudavam, a renda média familiar per capita era de somente
R$ 309,60 ao mês em 2008 (39,6% inferior à renda média).
No caso dos jovens ocupados que estudavam, a renda média familiar
per capita era de R$ 648,70 ao mês em 2008 (26,5% superior à renda média).
44
Marcio Pochmann
800
700
633,20
648,70
600
492,20
500
400
486,80
320,20
309,60
300
200
100
0
Inativo que
estuda
Inativo que não Ocupado que
estuda
estuda
Ocupado que Desempregado Desempregado
não estuda
que estuda
que não estuda
Gráfico 2 - Brasil - Renda Média Familiar Per Capita do Segmento de 16 a 24 Anos em
2008 (em R$)
Fonte: IBGE - PNAD (Elaboração do autor).
Os jovens ocupados que não estudavam registraram renda média familiar per
capita de R$ 492,20 ao mês em 2008 (4% inferior à renda média).
Por fim, no caso dos jovens desempregados que estudavam, a renda
média familiar per capita era de R$ 486,80 ao mês em 2008 (5,1% inferior à
renda média), enquanto os jovens desempregados que não estudavam, a renda
média familiar per capita era de R$ 320,20 ao mês em 2008 (37,6% inferior
à renda média).
Uma vez considerada a condição diferenciada das juventudes
determinada pela renda e relacionada à educação no Brasil, passa-se a analisar a
relação com o mercado de trabalho. Para isso, busca-se privilegiar as principais
modificações do trabalho neste início do século 21.
Juventudes e Trabalho
Concomitante à passagem para o século 21, observa-se a afirmação
de mudanças importantes nas modalidades de organização do trabalho.
Uma delas – talvez a principal – resulta da emergência da economia do
conhecimento que redefine as categorias básicas como capital, valor e
trabalho. Esta última categoria, aliás, termina por incorporar crescentemente
o saber em novas bases, tornando antiquados os atuais sistemas de educação
e formação laboral.
45
Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição
Com a elevação das competências laborais e a possível ampliação da
expectativa de vida para próximo de 100 anos, expande-se a demanda pela
formação por toda a vida e faz romper a lógica educacional do século passado,
comprometida somente com as fases mais precoces da vida humana (crianças,
adolescente e alguns jovens). Adiciona-se a isso o avanço da sociedade pósindustrial focado na geração de postos de trabalho no setor terciário das
economias (trabalho imaterial), cuja natureza formativa diverge da inserção e
trajetória laboral contínua no interior das atividades primárias e secundárias
da produção (trabalho material).
Novas formas de organização da produção de bens e serviços extrapolam
o exercício laboral para além do exclusivo local de trabalho. Ou seja, a
realização crescente do trabalho imaterial em qualquer local proporcionado
pelo uso recorrente das tecnologias de comunicação e informação inovadoras,
capaz de manter o ser humano plugado no trabalho heterônomo por “24
horas ao dia”.
Não obstante o avanço tecnológico gerador de ganhos importantes de
produtividade material e imaterial na sociedade pós-industrial, aumenta a
pressão por maior tempo de uso do trabalho para a sobrevivência. Trata-se do
paradoxo contemporâneo concentrado na dissintonia entre a possibilidade
da menor dimensão do tempo de trabalho heterônomo e o avanço das novas
doenças do trabalho geradas pela intensificação do trabalho nos tradicionais
locais de emprego da mão de obra. Além disso, verifica-se a extensão das
jornadas laborais em outras localidades (em casa ou em espaços públicos)
impostas pela combinação patronal das mudanças organizacionais com
inovações tecnológicas comunicacionais.
Em síntese, a emergência do conhecimento enquanto força produtiva
motriz torna o trabalho imaterial associado à intensificação e ao alargamento
da jornada laboral e atrativo à exploração da mão de obra com maior
expectativa de vida. Neste contexto novo do mundo do trabalho reconsiderase a funcionalidade do atual sistema de educação e formação laboral no Brasil.
É nesse sentido que a relação da juventude com o trabalho sofre
alterações necessárias. Se o conhecimento torna-se cada vez mais o requisito
necessário da inserção e sustentação ascendente pelo trabalho para os jovens,
a postergação no ingresso no mercado de trabalho passa a ser considerável.
46
Marcio Pochmann
Para o exercício do trabalho de qualidade, a conclusão do ensino superior
assume cada vez mais relevância, o que exige ingressar mais tardiamente no
mercado de trabalho. Dessa forma, a elevação da escolaridade se aliaria à maior
qualificação para o exercício do trabalho, conforme se procura ressaltar a seguir.
Juventudes e Formação para o Trabalho
De maneira geral, a evolução das sociedades tem permitido ao homem
libertar-se gradualmente do trabalho vinculado tão-somente à estrita
necessidade de sobreviver (trabalho heterônomo). Nas antigas sociedades
agrárias o trabalho voltava-se fundamentalmente para o exclusivo objetivo de
prover a sobrevivência, exigindo que o seu exercício ocorresse da fase infantil
até o envelhecimento terminal.
Assim, a população permanecia prisioneira do trabalho pela
sobrevivência, quando a expectativa média de vida estava ainda abaixo dos
40 anos de idade e a jornada de trabalho consumia ¾ do tempo de vida. No
sistema agrário o trabalho pela sobrevivência realizava-se no próprio local de
moradia, sendo a formação laboral vinculada, desde os 5 a 6 anos de idade,
à imitação de atitudes e sociabilidade dos mais velhos.
Com escolas praticamente inexistentes, a transmissão do conhecimento
existente era pela simples prática e cultura oral por meio dos mais velhos,
que tinham a missão de apoiar a continuidade das atividades laborais no
longo prazo no interior das próprias famílias.
A partir do século 19, com a transição para a sociedade urbana e
industrial, surgiram novas modalidades emancipatórias para a antiga condição
de trabalho fundada quase que na exclusiva luta pela sobrevivência. Os avanços
transcorreram por meio da possibilidade de parcela da população (crianças,
adolescentes, deficientes físicos e mentais, doentes e idosos) viver sem mais
estar sujeita à condenação ao trabalho para o custeio estrito da sobrevivência,
bem como pela redução da carga horária de trabalho aos segmentos sociais
ativos (de 4 mil para 2 mil horas de trabalho ao ano) e elevação da proteção
social aos riscos do trabalho penoso (Estado de bem-estar social).
Os avanços ocorreram a partir da construção de fundos públicos
capazes de viabilizar o financiamento da inatividade de crianças, adolescentes
47
Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição
e idosos através da garantia de serviços públicos generalizados em saúde,
transporte e educação, nos bens (alimentação, saneamento e moradia) e
na complementação de renda (bolsas e subsídios). Para isso foi necessária a
elevação da carga tributária, especialmente sobre os mais ricos, para tornar
viável o avanço educacional.
Diante da expansão na base material da economia industrial houve
elevação do padrão de bem-estar social associado ao processo de lutas sociais e
políticas protagonizadoras de um salto civilizatório. Neste sentido, o processo
de formação laboral se tornou organizado em grandes estruturas institucionais
que passaram a atuar sob a inatividade que atingiu a fase precoce da vida. Ou
seja, o ingresso no mundo do trabalho postergado para após a finalização do
ciclo educacional e formativo de crianças, adolescentes e jovens financiado
por recursos públicos e familiares.
Uma vez concluído o circuito inicial da formação, o ingresso no mundo
do trabalho percorria trajetórias ocupacionais que duravam entre 25 e 35 anos
do tempo de vida para novamente ser substituído pelo retorno à inatividade
remunerada por aposentadorias e pensões. Em geral, durante a vida adulta,
após a conclusão do processo de educação básica, o contato com a formação
não era recorrente, muitas vezes associado fundamentalmente ao segmento
interno das grandes empresas que operavam por meio de planos de cargos e
salários e formação corporativa.
Do ponto de vista da formação profissional ofertada por instituições
públicas, geralmente associadas ao sistema público de emprego (segurodesemprego, intermediação de mão de obra e qualificação), a sistemática
procurava atender tanto problemas de curto prazo (desemprego conjuntural)
como de longa duração (desemprego estrutural). Dessa forma, o processo de
formação tendia a focar, sobretudo, o ingresso no mercado de trabalho, ainda
que não desconsiderasse as possíveis interrupções na trajetória laboral imposta
pela condição do desemprego.
Juventudes e Nova Formação para o Trabalho Imaterial
A transição para a sociedade pós-industrial abre a perspectiva de novas
formas de valorização do trabalho humano para além da obrigação estrita à
sobrevivência. A crescente postergação do ingresso dos jovens no mercado de
48
Marcio Pochmann
trabalho e a maior redução no tempo de trabalho dos adultos, em combinação
com a ênfase no ciclo educacional ao longo da vida, representam possibilidades
inéditas para o mundo do trabalho, especialmente com a expectativa de vida
mais longa.
Para além da tradicional divisão laboral que demarcou o século 20,
por meio da setorização do trabalho urbano-industrial e agropecuário, há
avanços significativos nas atividades humanas centradas na concepção e
execução do processo de produção. Mas isso não se manifesta sem a plena
subsunção do trabalho não material, com a evolução da intelectualização
nos procedimentos de trabalho nos setores industriais e de serviços, bem
como pelo consumismo imposto pelo padrão de produção insustentável
ambientalmente.
De certa forma, prevalece um conjunto de intensas disputas empresariais
associadas à apropriação do conhecimento e da tecnologia, o que contribui
para a constituição de um novo paradigma organizacional do trabalho,
muito distinto do que prevaleceu durante o auge da economia industrial do
século passado. Mesmo que o padrão fordista-taylorista de organização do
trabalho urbano-industrial venha sendo reprogramado, com as modificações
introduzidas por uma série de novidades processuais no âmbito da produção
flexível (toyotismo, just in time), permanecem ainda os sinais de sua
incapacidade plena no atendimento das determinações laborais impostas por
diferenciados e inovadores espaços da acumulação capitalista.
Frente à predominância das atividades de serviços no interior da estrutura
produtiva, o exercício do trabalho imaterial manifesta-se distintamente do
material vigente na produção urbano-industrial. Pelo lado da produtividade
registra-se a sua ascensão, embora de difícil mensuração pelos tradicionais
cálculos que relacionam avanços na produção física com hora efetivamente
trabalhada ou quantidade de trabalhadores.
Por ser cada vez mais direto, relacional e informacional, bem como
pela demarcação de relações do tipo produtor e consumidor, o trabalho
de natureza imaterial expande-se por autosserviço e terceirização. Assim, a
economia do conhecimento faz com que o trabalho desmaterializado deixe de
ser mensurável em unidades do tempo, conforme identificado desde a época
de Adam Smith, como um valor comum a todas as mercadorias.
49
Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição
Cada vez mais o trabalho imaterial gerador de valor pressupõe a
presença de componentes comportamentais. Não mais o tempo de trabalho
comprometido, mas a motivação incorporadora do saber vivo a ser estabelecido
por método distinto do tradicional ensino e formação laboral.
Em síntese, o saber que não se compõe de conhecimentos específicos
e fragmentados a ser ensinado por formação especializada e formalizada por
escolas técnicas, faculdades e cursos setoriais.
Com a informatização, o aprendizado setorizado e formalizado impede o
desenvolvimento do conhecimento totalizante, ou seja, o saber da experiência,
da coordenação, da comunicação, da auto-organização, do discernimento e
das iniciativas criativas. Esse saber a ser incorporado no trabalho imaterial não
torna possível a sua aprendizagem pelo modo tradicional de educar e formar
mão de obra.
Talvez por isso as grandes corporações empresariais aprofundem as
chamadas Universidades Corporativas (UC) com formação ao longo do
tempo dos seus empregados. Nos EUA, por exemplo, as UC ultrapassaram
em quantidade as universidades tradicionais, enquanto no Brasil as 400
maiores empresas já comprometem com formação para o trabalho o
equivalente a ¼ de todos os recursos destinados à educação.
A repetição do passado por políticas públicas compromete a formação
adequada para o trabalho imaterial, tornando o patronato da grande empresa
protagonista na difusão de uma educação favorável estritamente aos objetivos
privatistas. Outro sistema de formação pública é necessário para resgatar a
totalidade dos valores do trabalho dos antiquados métodos fragmentados e
especializados no ensino e aprendizagem formalmente setorizados.
Considerações Finais
Conforme destacado nas páginas anteriores, alguns dos principais
aspectos relacionados às juventudes diante da transição para a sociedade pósindustrial foram enfocados. De um lado, a elevação da expectativa média de
vida da população para cada vez mais próxima dos cem anos de idade coloca
em xeque a definição tradicional da juventude segundo a fase temporal de
transição entre adolescência e vida adulta.
50
Marcio Pochmann
Nos dias de hoje, a fase temporal de 15 a 24 anos, anteriormente
determinada como segmento juvenil, terminou sendo estendida para 15 a 29
anos idade. Mas para, além disso, requer considerar os elementos que devem
estar presentes nas políticas públicas para a juventude.
De outro lado, a difusão do trabalho de natureza imaterial, com
exigências crescentes da economia do conhecimento, fez a educação passar a
ter papel ainda mais significativo do que tinha até então. Para isso, o requisito
da universalização do acesso ao ensino superior emerge como necessário à
formação para o trabalho imaterial, sendo o ingresso ao mercado de trabalho
pela juventude postergado.
Assim, ao invés da proibição do exercício do trabalho a menores de 16
anos, passa assumir importância o ingresso no mercado de trabalho após a
conclusão do ensino superior. Ou seja, para depois dos 24 anos de idade.
Com a passagem para a sociedade pós-industrial, buscou-se também
analisar a relação da juventude com temáticas da educação, da formação para
o trabalho e do funcionamento do mercado de trabalho. Dessa forma, esperase contribuir com o melhor entendimento acerca dos desafios de políticas
públicas direcionadas às juventudes neste início do século 21.
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55
TRAJETÓRIAS JUVENIS. UM NOVO NICHO EM MEIO À
EXPANSÃO DAS OPORTUNIDADES DE TRABALHO?1
Nadya Araujo Guimarães2
Vive-se, no Brasil, a partir de meados dos anos 2000, um contexto
de crescimento econômico persistente, de aquecimento do mercado de
trabalho e de ampliação de empregos formalmente protegidos. Este tem
sido, igualmente, um momento de diversificação das relações de emprego,
quando avançam e tendem a se consolidar no léxico das formas contratuais
as referências ao trabalho subcontratado, ao trabalho temporário, ao emprego
intermediado por terceiros. Num tal contexto, o que se pode observar quando
se fixa o olhar especificamente nesse segmento da atividade econômica que
emerge com tamanha pujança? O que dizer das oportunidades de trabalho
que estão sendo criadas? Qual a qualidade desses novos empregos? Qual o
peso dos trabalhadores jovens nessas novas formas de trabalho? O que dizer
das trajetórias dos jovens que aí se ocupam? Ou seja, o que dizer do mercado
de trabalho brasileiro quando observado pela lente desse novo nicho de
oportunidades criadas para os que nele ingressam?
1 As reflexões reunidas neste trabalho advêm da minha inserção institucional e do apoio
que tenho recebido do Centro de Estudos da Metrópole, através dos Projetos Fundação
de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp)/ Centros de Pesquisa, Inovação
e Difusão (CEPID) (processos número 1998/14342-9 e 2013/07616-7) e Conselho
Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq)/Programa Institutos
Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCT) (processo nº 1998/14342-9). As ideias aqui
expressas foram desenvolvidas em estreita parceria intelectual com outros dois membros
da minha equipe de pesquisa, a quem agradeço, Flavia Consoni e Jonas Bicev.
2 Professora Titular do Departamento de Sociologia da Universidade de São Paulo e
Pesquisadora I do CNPq, associada ao Centro de Estudos da Metrópole.
57
Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição
Confrontar essas perguntas, com algumas evidências instigantes, será o
objeto deste texto. Para tal, o mesmo se dividirá em três partes. Na primeira,
situa-se brevemente o movimento de expansão das novas formas do trabalho
formal, que se constitui à medida que o crescimento das oportunidades
ocupacionais se fez ordinário, no Brasil, a partir de meados da década
passada. Na segunda parte, caracteriza-se, em suas grandes linhas, o perfil dos
empregos formais criados por meio de empresas de agenciamento, seleção e
locação de trabalhadores, destacando-se o peso do contingente de jovens no
segmento. Finaliza-se mostrando, pela análise das trajetórias desses jovens,
como o segmento vem se constituindo num novo nicho de oportunidades
ocupacionais para os que ingressam no mercado de trabalho.
Expansão com Reconfiguração dos Empregos Formais?
Observando-se a performance do mercado brasileiro de trabalho a
partir da segunda metade dos anos 2000, um significativo crescimento do
emprego formalmente registrado fica visível nos dados da Relação Anual
de Informações Sociais (RAIS), o melhor termômetro sobre o que se passa
no mercado formal de trabalho.3 No Gráfico 1, o ritmo desse crescimento
é apresentado numa série histórica que recobre os anos posteriores ao Plano
Real (1994-2010). Nela se destaca a inflexão que tem lugar a partir de 2002.
O mercado formal se reanima e passa a crescer a taxas mais elevadas que fazem
dobrar o número de trabalhadores contratados no comércio (139%) e nos
serviços (105%); até mesmo na indústria, que experimentara taxas negativas
entre 1995 e 2001, o volume do emprego registrado cresceu 46% numa
comparação ponto a ponto.
Todavia, o mais interessante achado que se apresenta no Gráfico 1 diz
respeito ao ritmo muito mais elevado com que aumenta a parcela do emprego
formal gerado pelas empresas de seleção, agenciamento e locação de mão de
obra. Ele cresce quase 300% no mesmo período (mais exatamente 272%).
3 A Relação Anual de Informações Sociais (RAIS) é um registro administrativo produzido
pelo Ministério do Trabalho e do Emprego; ela recolhe compulsoriamente, junto às
empresas brasileiras, informações sobre contratos firmados ou desfeitos, ao longo de cada
ano. A informação permite descrever o perfil dos formalmente contratados em 31 de
dezembro de cada ano.
58
Nadya Araujo Guimarães
Vale dizer, quando a economia se reanima e as oportunidades de
trabalho se ampliam, o emprego formal gerado através de intermediários
cresce muito mais celeremente que o incremento no assalariamento direto,
não importando o setor de atividade com o qual se compare tal crescimento.
Seria plausível pensar que quando firmas enxutas voltam a recrutar
num mercado de trabalho até então prenhe de desempregados, o custo desse
recrutamento, dado o afluxo desmesurado de candidatos, pode justificar o
ônus de investir na presença de um terceiro agente, o intermediador.
800,0
700,0
600,0
500,0
400,0
300,0
200,0
100,0
0,0
-100,0
1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010
Emprego Formal
Indústria
Comércio
Serviços
Emprego via intermediários
Gráfico 1 - Ritmo de Crescimento do Emprego Formal no Brasil: Média e Setores
Selecionados (Ano Base: 1994)
Fonte: Informações Extraídas da RAIS, Banco de Dados do Ministério do Trabalho e
Emprego (MTE); processamentos próprios. (GUIMARÃES, 2011).
Ademais, ao se supor que o custo de recrutar seja maior em escalas
crescentes de operação do mercado, o recurso a intermediários seria tanto
mais plausível quanto maior fosse a oferta de trabalhadores e a concentração
destes. Um argumento dessa natureza levaria à conclusão de que o notável
crescimento do emprego produzido através de intermediários tende a ser
um fenômeno exclusivo de mercados de larga escala, como os mercados
metropolitanos. Analisando os mesmos dados da RAIS, Guimarães; Consoni e
Bicev (2013) observaram que estamos diante de um processo que, conquanto
concentrado nas grandes metrópoles (em especial em São Paulo), repercute
para além dos limites dos grandes mercados metropolitanos.
59
Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição
Mais ainda, conforme dados internacionais, o Brasil tem posição
de destaque nesse movimento de expansão dos vínculos de trabalho
intermediados. Algumas estatísticas coletadas pela International Confederation
of Private Employment Agencies (CIEET) nos anos de 2008 e 2009 (e veiculadas
respectivamente em CIEET, 2010 e CIEET, 2011) estão resumidas no Gráfico
2. Elas permitem situar o Brasil nesse quadro internacional e dão a medida
do peso do trabalho intermediado em distintos países, comparando-os com a
média europeia.4 Considerando-se o indicador da CIEET relativo ao volume
absoluto do emprego provido por intermediadores, o Brasil, tanto em 2008
quanto em 2009, só era ultrapassado pelos Estados Unidos, pelo Japão, Reino
Unido e pela África do Sul.
7,0%
6,0%
5,0%
4,0%
3,0%
2,0%
2008
2009
1,0%
ia)
U
ni
ão
Eu
ro
p
Co
éia
ré
ia
(m
do
éd
Su
l
ile
Ch
a
nt
in
il
ge
Ar
Br
as
SA
U
ão
Ja
p
Áf
ric
ad
o
Su
l
0,0%
Gráfico 2 - Taxa de Participação do Trabalho Agenciado Fora da Europa
Fontes: CIEET International... (2010) e CIEET International... (2011).
Segundo informações da CIEET, o Brasil também se destaca entre os
países líderes no que concerne ao número de firmas dedicadas à intermediação
4 A diferença entre o percentual indicado pelo CIEET e o que se obtém via RAIS resulta da
metodologia utilizada pela Confederação. Assim, a taxa de participação que se apresenta
no Gráfico 2 foi obtida como o quociente entre número de intermediados expresso
em unidades de trabalhadores full time e a população ocupada conforme medida pela
Organização Internacional do Trabalho (OIT); para chegar ao numerador desse quociente,
que traduz o volume de ocupados pelos intermediadores em “unidades de trabalhadores full
time”, o CIEET computa o número total de horas trabalhadas pelos empregados através
das agências de um mesmo país no período de um ano, e o divide pelo número médio de
horas trabalhadas no mesmo período pelos trabalhadores empregados em tempo integral.
60
Nadya Araujo Guimarães
de trabalho (traduzido pelo número de agências de emprego) e pela
complexidade dessas firmas, expressa no tamanho do corpo de funcionários
por ela mobilizados (traduzido pelo tamanho do quadro interno). Brasil e
África do Sul são os primeiros países fora do circuito dos tradicionais centros
de intermediadores a se destacar pelo número de agências de emprego, e cabe
ao Brasil o segundo lugar em número de empregados na gestão dessas agências.
(GUIMARÃES; CONSONI; BICEV, 2013).
Em suma, nos últimos anos o trabalho intermediado ampliou suas
formas, no Brasil, ancorado numa nova regulação institucional. A atividade
econômica com ele envolvida tornou-se um negócio atraente, operando de
maneira permanente, em escala plurisetorial e multirregional, abarcando,
inclusive, o trabalho de gestão dos seus recursos humanos, crescentemente
externalizado pelas firmas. Ou seja, seu lugar passa a ser central na nova
quadra econômica. Nesse movimento, o Brasil encontra-se não apenas em
sintonia com a dinâmica internacional, como também passa a se constituir
num polo propulsor da dinâmica do setor de intermediação de oportunidades
de trabalho.
Em sintonia com esse movimento, a literatura internacional que
aborda o tema dos intermediários no mercado de trabalho tem acumulado
um volume significativo de produção e reflexão sobre tal atividade. Muitas
reflexões buscaram entender quem são e como atuam as empresas que agem
como intermediárias no mercado de trabalho. (PECK; THEODORE, 1999;
FORDE, 2001; BENNER; LEET; PASTOR, 2006). Outros autores se
voltaram para os estudos sobre os trabalhadores sujeitos a tais vínculos de
emprego. (MURTOUGH; WAITE, 2000; BURGESS; CONNELL, 2004;
BURGESS; CONNELL; RASMUSSEN, 2005). Toda essa literatura, no
entanto, ainda é pautada por indefinições. Segundo Kalleberg (2000), o
entendimento acerca do mercado de intermediação de mão de obra tem
sido dificultado por definições inconsistentes, medidas frequentemente
inadequadas e escassez de pesquisas comparativas.
No Brasil, também essa nova realidade desafia os intérpretes, seja pela
pujança dos indicadores de seu crescimento, como os que foram alinhados
anteriormente, seja pelo pouquíssimo conhecimento que até aqui se conseguiu
61
Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição
reunir sobre o trabalho intermediado.5 Especialmente desafiador, sem dúvida,
é reconhecer o lugar estratégico desse tipo de emprego para a inclusão de
jovens, notadamente daqueles com reduzida qualificação, seja ela medida em
termos de experiência no mercado de trabalho, seja em termos do alcance
educacional. Um setor para o qual se precisa atentar ao se pretender entender
- e intervir - é a inclusão ocupacional de trabalhadores recém-chegados ao
mercado e com escolaridade pouco competitiva, porque apenas intermediária.
Um Novo Nicho de Emprego Juvenil?
Num contexto de crescimento econômico persistente, de aquecimento
do mercado de trabalho e de ampliação de empregos formalmente protegidos,
mas que se constitui também num momento de diversificação das relações de
emprego (em direção ao trabalho subcontratado, temporário, intermediado
por terceiros), o que dizer das trajetórias dos jovens? O que se pode observar
quando se fixa o olhar especificamente nesse segmento da atividade econômica,
que emerge com tamanha pujança? O que dizer das oportunidades de
trabalho que estão sendo criadas? Qual o papel dos jovens nas mesmas? Qual
a qualidade desses novos empregos? Ou seja, o que dizer do mercado de
trabalho brasileiro quando observado pela lente das oportunidades criadas
para os que nele ingressam?
Em primeiro lugar, este é um mundo de oportunidades fugazes,
de vínculos de trabalho de reduzida duração. Conforme se pode observar
na Tabela 1, os contratos que se encerram antes dos primeiros três meses
representam, em cada ano, cerca de 60% do total.
Trata-se de um segmento que cria oportunidades sob a égide maciça
dos vínculos temporários. Assim, e como se pode ver na Tabela 2, embora não
seja desprezível a presença dos contratos por tempo indeterminado, regidos
pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), (refletindo o peso do staff
interno nessas firmas), os temporários concentram algo em torno de 60% dos
vínculos estabelecidos em cada um dos anos considerados.
5 Em outras ocasiões tratei do assunto de modo mais extenso, revisando as reflexões produzidas
a respeito do tema. Como não cabe aqui repetir tais considerações, remeto a Guimarães
(2008); Guimarães (2009) e Guimarães (2011).
62
Nadya Araujo Guimarães
Tabela 1 - Tempo de Emprego (Em Meses) dos Trabalhadores das Empresas de Seleção,
Agenciamento e Locação de Mão de Obra, Brasil (Todos os Vínculos, Anos Selecionados)
Faixas de Tempo de Emprego
Até 2,9 meses
3,0 a 5,9 meses
6,0 a 11,9 meses
12,0 a 23,9 meses
24,0 a 35,9 meses
36,0 a 59,9 meses
60,0 a 119,9 meses
120,0 meses ou +
Sem informação
Total
2003
2008
2010
N
785.175
1.197.292
1.236.184
%
59,6
63,0
62,5
N
259.476
242.622
265.383
%
19,7
12,8
13,4
N
83.676
135.460
137.180
%
6,3
7,1
6,9
N
78.922
129.261
133.376
%
6,0
6,8
6,7
N
35.119
58.535
57.584
%
2,7
3,1
2,9
N
28.429
52.328
49.162
%
2,2
2,8
2,5
N
13.622
30.343
30.086
%
1,0
1,6
1,5
N
3.403
4.787
5.321
%
0,3
0,3
0,3
N
30.016
50.016
64.523
%
2,3
2,6
3,3
N
1.317.838
1.900.644
1.978.799
%
100,0
100,0
100,0
Fonte: Informações Extraídas da RAIS, Banco de Dados do Ministério do Trabalho e
Emprego (MTE); processamentos próprios. (GUIMARÃES; CONSONIN; BICEV, 2013).
A curta duração desses vínculos reflete, por certo, a barreira institucional
derivada da Lei 6.019, de 1974, que limita esse tipo de trabalho a três meses,
renováveis por mais 90 dias (desde que autorizado por órgão local do Ministério
do Trabalho, as Delegacias Regionais do Trabalho). Mas, nesse caso, apesar de
a renovação ser sempre possível, vê-se que a grande maioria dos trabalhadores
temporários é dispensada ao final do vínculo inicial ou transferida ao quadro
interno das empresas contratantes.
63
Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição
Tabela 2 - Tipo de Vínculo dos Trabalhadores das Empresas de Seleção, Agenciamento e
Locação de Mão de Obra, Brasil (Todos os Vínculos, Anos Selecionados)
Tipo de vínculo
2003
2008
2010
CLT
426.571
731.582
726.378
32,4
38,5
36,7
Temporários
877.065
1.152.589
1.238.228
66,6
60,6
62,6
Outros(*)
14.202
16.473
14.193
1,1
0,9
0,7
Total
1.317.838
1.900.644
1.978.799
100,0
100,0
100,0
Fonte: Informações Extraídas da RAIS, Banco de Dados do Ministério do Trabalho e
Emprego (MTE); processamentos próprios. (GUIMARÃES; CONSONIN; BICEV,
2013).
*Contrato por prazo determinado, trabalhadores avulsos, estatutários, diretores e menor
aprendiz.
E quem são os trabalhadores ocupados nesse setor emergente, que se
destaca no mundo do emprego formal no Brasil do pós-2005? São as mulheres
- em persistente crescimento, e os jovens. Estes últimos formam o grande
contingente dos que entram no mercado do trabalho registrado, utilizandose, para tal, da porta aberta pelo setor dos empregos intermediados. No que
tange à participação feminina, há uma clara tendência à equiparação entre
mulheres e homens; se estes continuam sendo a maioria, concentrando mais
da metade dos vínculos (Tabela 3), aquelas rivalizam mais e mais.
Tabela 3 - Distribuição dos Vínculos pelo Sexo dos Empregados das Empresas de Seleção,
Agenciamento e Locação de Mão de Obra, Brasil (Todos os Vínculos, Anos Selecionados)
Sexo
Masculino
Feminino
Total
2003
825.153
62,6
492.685
37,4
1.317.838
100
2008
1.099.974
57,9
800.670
42,1
1.900.644
100
2010
1.115.457
56,4
863.342
43,6
1.978.799
100
Fonte: Informações Extraídas da RAIS, Banco de Dados do Ministério do Trabalho e
Emprego (MTE); processamentos próprios. (GUIMARÃES; CONSONIN; BICEV, 2013).
64
Nadya Araujo Guimarães
Mas é de jovens que esse mundo do trabalho intermediário se nutre.
Conforme a Tabela 4, na composição desses ocupados, as faixas etárias dos
jovens (de 18 a 24 anos) e dos jovens adultos (de 25 a 29 anos) acumulam – e
sempre – nada menos que 60% dos vínculos.
Tabela 4 - Vínculos Distribuídos pela Faixa Etária dos Empregados das Empresas de
Seleção, Agenciamento e Locação de Mão de Obra, Brasil (Todos os Vínculos, Anos
Selecionados)
Faixa etária
10 A 14
15 A 17
18 A 24
25 A 29
30 A 39
40 A 49
50 A 64
65 OU +
Sem informação
Total
N
%
N
%
N
%
N
%
N
%
N
%
N
%
N
%
N
%
N
%
2003
116
0,0
8.936
0,7
511.923
38,8
291.112
22,1
316.604
24,0
139.161
10,6
48.002
3,6
1.964
0,1
20
0,0
1.317.838
100,0
2008
55
0,0
7.473
0,4
686.159
36,1
453.079
23,8
459.519
24,2
208.044
10,9
82.501
4,3
3.772
0,2
42
0,0
1.900.644
100,0
2010
39
0,0
7.000
0,4
672.387
34,0
459.768
23,2
506.552
25,6
231.326
11,7
97.357
4,9
4.366
0,2
4
0,0
1.978.799
100,0
Fonte: Informações Extraídas da RAIS, Banco de Dados do Ministério do Trabalho e
Emprego (MTE); processamentos próprios. (GUIMARÃES; CONSONIN; BICEV, 2013).
Não sem razão, e conforme a Tabela 5, há uma persistente elevação do
perfil de escolaridade do conjunto dos trabalhadores empregados, no qual
se refletem os ganhos educacionais recentes que caracterizam o novo perfil
dos jovens trabalhadores brasileiros. Assim, de acordo com a progressão ideal
do sistema educacional, é na faixa etária que concentra a maior parte dos
vínculos (de 18 a 24 anos e de 25 a 29 anos), que se espera encontrar o grupo
com o nível médio de ensino já completo. Entre 2003 e 2010, a participação
65
Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição
dos indivíduos com ensino médio completo, que já era alta, cresce cerca
de 20 pontos percentuais, saindo de 43,2% para 64,4% da totalidade dos
vínculos. Ademais, como é possível perceber a partir da Tabela 5, tal aumento
é concomitante com o aumento na quantidade total de vínculos, o que torna
ainda mais impressionante o crescimento do número absoluto de trabalhadores
situados nesse nível de ensino.
Tabela 5 - Vínculos Distribuídos pela Escolaridade dos Empregados das Empresas de
Seleção, Agenciamento e Locação de Mão de Obra, Brasil (Todos os Vínculos, Anos
Selecionados)
Escolaridade
Analfabeto
Fundamental incompleto
Fundamental completo
Médio incompleto
Médio completo
Superior incompleto
Superior completo
Total
2003
8.579
0,7
255.077
19,4
241.524
18,3
113.298
8,6
569.390
43,2
55.211
4,2
74.759
5,7
1.317.838
100,0
2008
5.942
0,3
204.615
10,8
241.226
12,7
138.641
7,3
1.170.158
61,6
72.253
3,8
67.809
3,6
1.900.644
100,0
2010
6.762
0,3
186.776
9,4
224.253
11,3
138.830
7,0
1.273.288
64,3
69.556
3,5
79.334
4,0
1.978.799
100,0
Fonte: Informações Extraídas da RAIS, Banco de Dados do Ministério do Trabalho e
Emprego (MTE); processamentos próprios. (GUIMARÃES; CONSONIN; BICEV, 2013).
Com o intuito de explorar as possíveis causas da alteração no nível de
escolaridade dos ocupados, procurou-se identificar as dez principais ocupações
que respondiam por metade dos vínculos de trabalho gerados pelas empresas
de seleção, agenciamento e locação de mão de obra. Conforme a Tabela 6,
não há evidências fortes o suficiente para sustentar que as maiores exigências
em termos de educação formal sejam o produto de mudanças no perfil das
ocupações ofertadas. Com efeito, conquanto a escolaridade varie, elevandose de modo significativo, a composição das ocupações principais mostra
indiscutível persistência.
66
Nadya Araujo Guimarães
Tabela 6 - Vínculos Distribuídos pelas Dez Principais Ocupações dos Empregados
das Empresas de Seleção, Agenciamento e Locação de Mão de Obra, Brasil (Todos os
Vínculos)
2003
2008
Vendedores e
Demonstradores
136.114
Alimentadores
de Linha de
Produção
118.651
Escriturários
em Geral
10,3
9,0
99.157
Vendedores e
Demonstradores
Alimentadores de
Linha de Produção
Escriturários em
Geral
7,5
Serviços de
Manutenção
e Cons. de
Logradouros
Ajudantes de
Obras Civis
59.158
4,5
Técnicos
de Vendas
Especializadas
51.334
Porteiros,
Guardas e
Vigias
42.415
Escriturários de
Serv. Bancários
34.390
Mantenedores
de Edificações
30.536
Trabalhadores
de Carga e
Descarga
Outras
Ocupações
29.229
3,9
14,4
Vendedores e
Demonstradores
188.005
Alimentadores
9,9
142.929
Porteiros, Guardas
e Vigias
Serviços de
Manutenção
de Cons. de
Logradouros
6,2
84.038
4,4
77.074
4,1
7,1
106.356
Servicos de Manut.
de Edificações
Serviços de
Manutenção
e Cons. de
Logradouros
Porteiros, Guardas
e Vigias
5,4
93.776
4,7
79.590
4,0
51.864
45.180
2,0
Almoxarifes e
Armazenistas
814.164
Outras Ocupações
805.114
44.608
38.067
2,2
Almoxarifes e
Armazenistas
634.314
Outras Ocupações
3,6
2,7
2,3
42,8
1.900.644
100,0
140.451
Trabalhadores de
Carga e Descarga
Trabalhadores de
Carga e Descarga
Total
11,7
64.559
50.870
1.317.838
232.360
Ajudantes de Obras
Civis
Técnicos de Vendas
Especializadas
2,3
14,6
69.816
69.102
2,6
289.733
Técnicos de Vendas
Especializadas
Ajudantes de Obras
Civis
3,2
de Linha de
Produção
Escriturários em
Geral
117.825
Servicos de Manut.
de Edificações
48,1
Total
273.962
7,5
82.540
6,3
2010
100,0
3,5
3,3
2,6
2,3
40,7
Total
1.978.799
100,0
Fonte: Informações Extraídas da RAIS, Banco de Dados do Ministério do Trabalho e
Emprego (MTE); processamentos próprios. (GUIMARÃES; CONSONIN; BICEV, 2013).
67
Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição
Trajetórias num Mundo de Vínculos Fugazes: Um Modo Juvenil
de Chegar ao Trabalho Registrado?
Num cenário de vínculos tão fugazes, o que dizer dos percursos desses
(jovens) trabalhadores?
Para sabê-lo, construiu-se um painel retrospectivo, a partir de uma
amostra aleatória de 5% dos vínculos, de modo a recuperar suas informações
até o ano de 1998 (ou seja, por um período de dez anos). Tomando em conta
o setor de origem, a quantidade de vínculos e o tempo de emprego anterior
dos indivíduos admitidos, em 2008, pelas empresas de seleção, agenciamento
e locação de mão de obra, foi possível identificar sete classes de percursos
típicos, que reúnem trabalhadores cujas trajetórias de trabalho anterior se
assemelham. (Tabela 7).
Tabela 7 - Classes de Trajetórias Típicas dos Trabalhadores Recrutados pelas Empresas
de Seleção, Agenciamento e Locação de Mão de Obra no Brasil. Painel Retrospectivo
2008-1998
N
31.602,0
%
56,4
2. Trabalhadores cuja experiência é marcada
pela intensa transição entre setores
9.045,0
16,1
3. Trabalhadores cuja experiência se divide
entre comércio e informalidade
4. Trabalhadores cuja experiência se divide
entre informalidade e indústria da
transformação
5. Trabalhadores cuja experiência
se concentra nas indústrias da
transformação
6. Trabalhadores cuja experiência se
divide entre as ativ. imobiliárias e serv.
prestados às empresas
4.252,0
7,6
3.924,0
7,0
2.644,0
4,7
2.457,0
4,4
7. Trabalhadores cuja experiência se
concentra principalmente no comércio.
Total
2.098,0
3,7
56.022,0
100,0
Classes
1. Indivíduos com pequena experiência
anterior no mercado formal
Fonte: Informações Extraídas da RAIS-Migra Vínculos, Banco de Dados do Ministério
do Trabalho e Emprego (MTE); processamentos próprios. (GUIMARÃES; CONSONIN;
BICEV, 2013).
68
Nadya Araujo Guimarães
Algo chama a atenção na Tabela 7: 56,4% (ou seja, mais da metade dos
empregados) tinham pouca experiência no mercado formal ou nunca tinham
trabalhado com carteira assinada (Classe 1); neste caso, as agências de seleção,
locação e intermediação funcionavam como porta de entrada, ou de retorno,
ao mundo dos empregos protegidos.
Somados os quase 60% de recém-chegados ao mercado formal com
os 16% daqueles que, ali estando, circulavam intensamente não só entre
vínculos, mas entre setores de atividades (segundo tipo de percurso em
importância), tem-se a dimensão da vulnerabilidade dessas trajetórias,
eminentemente juvenis, que se constroem a partir das oportunidades abertas
pelos intermediários no mercado brasileiro de trabalho. Esse achado reforça
o que outros estudos encontraram (GUIMARÃES, 2009; BICEV, 2010) e
destaca a relevância do conhecimento sobre este setor para se entender as
novas formas de incorporação ao trabalho de jovens.
Alinhando os resultados atuais aos achados anteriores, podem-se
formular algumas observações conclusivas com respeito às trajetórias dos
indivíduos ocupados sob essa relação de emprego de crescimento recente e
vigoroso.
Em primeiro lugar, viu-se, em estudos anteriores, (GUIMARÃES,
2009) que os que se ocupam por meio de empresas de seleção, agenciamento
e locação, mesmo se com elas rompem seus vínculos de trabalho (e nove em
cada dez o fizeram no período analisado), tendem a permanecer (isto é, seis
em cada dez) no mundo dos empregos registrados. Ou seja, é como se um
movimento de permanência no mercado formal estivesse se fazendo por meio
de um processo recorrente de restabelecimento de vínculos, para o qual a
passagem por empregos intermediados parece ter funcionado como uma
correia de transmissão relevante para a inserção.
Todavia, e em segundo lugar, essa correia de transmissão é de eficácia
relativa, já que uma parcela importante volta - como documentado em
Guimarães (2009) a estar duradouramente expulsa do mercado formal; eles são
cerca de quatro em cada dez, média similar à encontrada em estudo anterior
para o Brasil. (GUIMARÃES, 2004). Nada a estranhar em se tratando de uma
realidade na qual o desemprego, mesmo com a retomada do crescimento, não
perdeu o seu caráter recorrente, especialmente entre os mais pobres, e em que
69
Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição
a institucionalização das formas de proteção ainda é exigente por seus critérios
de elegibilidade e, por isso mesmo, pouco inclusiva.
Finalmente, e em terceiro lugar, as empresas de locação, agenciamento
e seleção de pessoal formam um segmento complexo; dada a sua forma
de institucionalização, ele estabelece novas maneiras de acesso, inclusão e
mobilidade no mercado formal de trabalho no Brasil, maneiras essas que
ampliam a heterogeneidade entre os que estão contratados com registro, e
espelham as mudanças institucionais em curso nas empresas e no próprio
mercado.
Assim, tem-se a sensação de estar numa rota de flexibilização do que já
era flexível, no curso da qual se fragilizam vínculos nos setores econômicos
em reestruturação, ao tempo em que se (re)constituem vínculos formais de
trabalho de diversas naturezas, com peso crescente para aqueles que se fazem
através das empresas de seleção, agenciamento e locação de pessoal.
Este parece ser o novo desafio deixado pela presença crescente e
marcante dos intermediários no mercado de trabalho brasileiro, cuja natureza
e consequências os sociólogos do trabalho estão desafiados a bem interpretar.
E olhar sobre esse mundo de empregos juvenis, sem dúvida, elucida o que se
passa no mercado de trabalho e consolida a urgência desta agenda.
REFERÊNCIAS
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Nadya Araujo Guimarães
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world: economic report 2010 edition: based on figures available for 2008.
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GUIMARÃES, N. A. Caminhos cruzados: estratégias de empresas e
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de empregos: esses ilustres desconhecidos. Dados, Rio de Janeiro, v. 51, p.
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Horizonte: Argvmentvm, 2009. (Coleção Trabalho & Desigualdade, 10).
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debate da sociologia pode nos ajudar a compreendê-lo?. Dados, Rio de
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MUDANÇAS, IMPACTOS E PERSPECTIVAS, 7., 2013, São Paulo.
Anais... São Paulo: [s.n.], 2013.
KALLEBERG, A. L. Nonstandard employment relations: part-time,
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Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição
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employment: are jobs becoming more precarious?: productivity commission
staff research paper. Canberra: Auslnfo, 2000. 40 p.
PECK, J.; THEODORE, N. O trabalho eventual: crescimento e
reestruturação da indústria de empregos temporários em Chicago. Revista
Latinoamericana de Estudios del Trabajo, São Paulo, v. 5, n. 10, p. 135160, 1999.
72
JUVENTUDES, TRABALHO E EDUCAÇÃO: UMA AGENDA
PÚBLICA RECENTE E NECESSÁRIA. POR QUÊ?
Geórgia Patrícia Guimarães dos Santos1
Para uma análise das correlações entre as temáticas juventudes, trabalho
e educação, a fim de embasar a emergência de uma agenda pública é válido,
inicialmente, ressaltar que a trajetória histórico-social das políticas públicas para
a população não adulta revela que até meados dos anos de 1990, praticamente
inexistiam ações direcionadas ao jovem no Brasil. (SANTOS, 2011). Foram as
reivindicações pelo reconhecimento legal e legítimo dos direitos das crianças
e dos adolescentes, que até então haviam conquistado mais espaço na cena
política, inclusive na ocasião da elaboração e aprovação da Constituição de
1988. Sem dúvida, esse reconhecimento foi de grande relevância e de extrema
necessidade para o avanço da cidadania e da democracia no País, e ainda
comporta grandes desafios para sua aplicabilidade.
Neste sentido, ao mesmo tempo em que o País ainda caminha com
o objetivo de efetivar no cotidiano institucional e nas práticas coletivas e
individuais os direitos das crianças e dos adolescentes, surge a prerrogativa
do atendimento aos anseios de uma população que não está diretamente
contemplada nos preâmbulos do Estatuto da Criança e do Adolescente
(ECA), tampouco está inserida no contexto das responsabilidades, exigências
e oportunidades da fase adulta.
1 Doutora
em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Mestre
em Educação pela Universidade de São Paulo (USP), Bacharel em Serviço Social pela
Universidade Estadual do Ceará (UECE). Atualmente, é Assistente Social na Pró-Reitoria
de Assuntos Estudantis (PRAE) da Universidade Federal do Ceará (UFC), trabalhando
junto ao Programa de Moradia Universitária.
73
Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição
De fato, os jovens brasileiros que vivenciaram sua condição de criança e
de adolescente ainda de forma precária no que diz respeito à concretização de
seus direitos, experimentam, na virada do milênio, sérios desafios e paradoxos
de inserção e mobilidade social. Ao mesmo tempo em que as juventudes
têm presenciado um momento de importante inclusão, proporcionado pela
conexão das maciças fontes de informação e comunicação, contraditoriamente
têm sofrido um processo de exclusão advinda da histórica deficiência
qualitativa da educação, das dificuldades de acesso ao mercado de trabalho e
aos benefícios econômicos, entre outras problemáticas.
É, portanto, a complexidade da questão social relacionada às
juventudes que a leva ao âmago dos debates acadêmicos, governamentais e
não governamentais, conduz a temática à agenda pública e fomenta uma série
de iniciativas, programas e políticas para esse público específico.
Este artigo2 pretende abordar as mudanças ocorridas no mercado
trabalho contemporâneo do Brasil e seus impactos na inserção laboral e nas
exigências de qualificação profissional do trabalhador jovem.
Incertezas e Desconcertos no Mercado de Trabalho Juvenil
Há tempos são os jovens que adoecem
Há tempos o encanto está ausente
E há ferrugem nos sorrisos
E só o acaso estende os braços
A quem procura abrigo e proteção
(Música Há tempos - Banda Legião Urbana)
A música descrita acima traduz um pouco a angústia daqueles que
cresceram em meio às vicissitudes do processo de reestruturação produtiva, da
maior precarização e flexibilização do mercado de trabalho, das metamorfoses
2 Este artigo tomou como base o segundo capítulo da tese de doutorado da autora (SANTOS,
2011), na qual foram analisados alguns dados da Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílios (PNAD) de 2008, fornecidos pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
(IPEA). Portanto, registram-se aqui os agradecimentos a este Instituto, bem como a seu
ex-Presidente, Professor Marcio Pochmann.
74
Geórgia Patrícia Guimarães dos Santos
da questão social. Nesse contexto, é posto que a trajetória de vida dos jovens
não segue um modelo linear, unidirecional e previsível de eventos e etapas,
como se imaginava em meados do século passado, no qual se concluía o ensino
escolar, ingressava-se no mercado de trabalho, saía-se da casa dos pais, casavase, constituíam-se famílias, aposentava-se e envelhecia-se. É compreendido que
nas últimas décadas a passagem da adolescência para a fase adulta tem sido
bem mais complexa, assumindo, inclusive, contornos diferenciados conforme a
classe social, a etnia e o gênero dos jovens. Nessa direção, concebe-se que antes
de se atingir a idade adulta ocorram novos arranjos familiares que não ensejam
necessariamente a saída da casa dos pais, ou ainda que os filhos sigam para seus
próprios lares, a dependência com relação aos genitores permanece.
Logo, é notório que os jovens têm enfrentado maiores dificuldades para
vivenciar um processo de mobilidade social e, assim, atingirem condições
de vida e trabalho superiores às de seus pais. Enquanto no interstício de
1930 até meados de 1970, a despeito do contexto de elevada desigualdade
socioeconômica, “o filho do pobre ficava menos pobre que os pais, [e] o
filho do rico ficava muito mais rico que seus pais” (POCHMANN, 2007, p.
9), nos fins dos anos de 1980, e no decorrer da década de 1990, iniciou-se
uma onda de pessimismo com relação ao futuro dos jovens, pois eles já não
alcançavam ascensão em seus percursos ocupacionais superiores às gerações
anteriores.
É fato que o mercado de trabalho hoje, em qualquer país, não apresenta
as mesmas possibilidades de ascensão social ou até mesmo de trabalho decente
das primeiras três décadas do pós-segunda guerra mundial. Grande parte dos
empregos gerados, a partir de então, tem sido de curta duração, comumente
de baixa remuneração e sem muitas garantias sociais.
Num ambiente de “salve-se quem puder”, jovens e adultos têm competido
de modo desigual os escassos empregos existentes. Os primeiros, mesmo
com o grau de escolaridade e as qualificações necessárias, pecam pela falta de
experiência; os segundos, embora cobertos pela sabedoria tácita, pecam pelo
afastamento das salas de aula. Ambos sofrem preconceito, uns por serem jovens
demais; outros, por terem atingido certa idade. Todavia, neste cabo de guerra,
constata-se que os jovens enfrentam uma precariedade do trabalho superior
à dos adultos - vivem uma situação com maiores taxas de desemprego, maior
informalidade e menores rendimentos (CONSTANZI, 2008; POCHMANN,
75
Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição
2007), o que torna os itinerários ocupacionais imprecisos, instáveis. Se, por
um lado, as constantes transformações do mundo do trabalho exigem, de
modo crescente, novas qualificações, sob a prerrogativa de rapidamente serem
ultrapassadas, por outro, os jovens pela necessidade de sobrevivência obrigamse a trabalhos precários, comprometendo sua possibilidade de escolha: estudar
ou trabalhar. Essas situações vêm distanciando os jovens do acesso aos bens
culturais e educacionais, importantes não somente para a competitividade
laboral, mas também para a totalidade da vida social.
No período de 1995 a 2008, observou-se, mediante os dados da
Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), que a proporção de
jovens entre o total de desempregados, em diversas regiões metropolitanas,
tem se mantido em patamares elevados, em geral acima de 60%. Considera-se
que entre os jovens de 15 a 29 anos de idade, a taxa de desemprego em 2008
foi de 8,8%, mais do que o triplo do desemprego entre as pessoas acima de
30 anos de idade.
Conforme revelou a PNAD de 2008, a segunda categoria etária
juvenil (18 a 24 anos) foi a que mais sofreu com o desemprego (10,75%)
em comparação ao desemprego entre os jovens adolescentes (15 a 17
anos) registrado em 7,54%, e os jovens adultos (25 a 29 anos), cujo
desemprego atingiu 7%. Castro e Aquino (2009) aduzem que as famílias,
principalmente com jovens do segundo grupo, não possuem condições
de mantê-los fora do mercado de trabalho, pelo menos até completarem
o ensino médio, o que frustra a possibilidade que eles poderiam ter de
permanecer exclusivamente estudando.
Vale lembrar que a Pesquisa sobre o Perfil da Juventude Brasileira3,
realizada em 2003, por iniciativa do Instituto de Cidadania, mostrou
que mais de 60% dos jovens de 15 a 24 anos de idade trabalhavam por
necessidade. Essa pesquisa também contemplou a renda familiar desses jovens
e diagnosticou que 69% dos que trabalhavam por necessidade viviam com
até 02 salários mínimos; 61% estavam entre 2 e 5 salários mínimos; 57% de
3 Tal pesquisa originou dois livros: ABRAMO, Helena W.; BRANCO, Pedro Paulo M. (Org.).
Retratos da juventude brasileira. São Paulo: Instituto de Cidadania, 2005. NOVAES,
Regina; VANNUCHI, Paulo (Org.). Juventude e sociedade. São Paulo: Instituto de
Cidadania, 2004.
76
Geórgia Patrícia Guimarães dos Santos
05 a 10 salários; somente aquelas famílias que recebiam acima de 10 salários
mínimos contavam com a maioria dos jovens (57%) que trabalhavam por
independência financeira.
No mesmo escopo de análise, mas considerando os dados da PNAD de
2007, Gonzalez (2009) concluiu que a possibilidade de um jovem dedicar-se
integralmente aos estudos é diretamente proporcional à renda – especialmente,
entre os jovens adolescentes. A probabilidade de os jovens estarem fora da
escola e desempregados ou inativos era três vezes menor entre as famílias de
renda per capita maior que um salário mínimo do que nas famílias com até
meio salário mínimo per capita.
Não obstante, alguns estudos indicam que, apesar das dificuldades,
os jovens têm buscado elevar a escolaridade combinando-a com o exercício
de uma atividade laboral, o que aponta que no Brasil há muitos jovens que
trabalham e estudam simultaneamente. Pochmann (2007), ao propor um
balanço sobre a situação do jovem no mercado de trabalho no decênio de
1995 a 2005, constatou que enquanto a tendência dos países de economia
mais dinâmica é o adiamento do ingresso dos jovens ao mercado de trabalho
para ampliação da escolarização, no Brasil cerca de 7 a cada 10 jovens de
15 a 24 anos encontravam-se no mercado de trabalho. Gonzalez (2009)
apresentou semelhante conclusão ao denotar que o avanço da escolarização
entre os jovens tem sido mais rápido que o retardo da entrada no mundo
do trabalho e que a concomitância entre estudo e trabalho é maior entre os
jovens com idade de 15 a 17 anos do sexo masculino.
Essa perspectiva persiste quando, ao relacionar dados da PNAD de 2008
com os do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP)
sobre a educação básica brasileira, observou-se que mais de 2 milhões e 800
mil jovens de 15 a 24 anos, estudantes do ensino médio, também trabalhavam.
Ou seja, quase 37% dos jovens dessa faixa de idade matriculados no ensino
médio buscavam conciliar estudo e trabalho.
A respeito da relação entre escolaridade e mercado de trabalho dos
jovens, Castro e Aquino (2009) também suscitam que, embora os jovens
em média tenham melhores atributos de escolaridade em comparação aos
trabalhadores adultos, contribuindo para uma melhor adaptação às rápidas
transformações nos processos produtivos, a redução no ritmo da geração de
77
Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição
novas ocupações tende a atingi-los mais negativamente, sobretudo aqueles
que não possuem as características mais elencadas pelo mercado de trabalho os de baixa escolaridade, as jovens mulheres (principalmente as que possuem
filhos), e os moradores da periferia.
Assim, vale mencionar as desigualdades também existentes no mercado
de trabalho com relação ao gênero e à etnia. Ou seja, o nível de escolaridade,
a experiência profissional e a classe social não são os únicos fatores que
influenciam no momento de uma contratação. A PNAD de 2008 revelou
que o desemprego juvenil atingiu mais de 10% das mulheres enquanto entre
os homens essa taxa foi em torno de 7,5%. Não há dúvidas, portanto, de
que, embora seja visível o avanço das mulheres na conquista por maiores
oportunidades de trabalho, trazendo-lhes mais autonomia e realização pessoal,
as desigualdades na divisão sexual do trabalho ainda são evidentes.
Destaca-se, ainda, que, como mostrou a PNAD de 2008, entre a
população de 15 a 29 anos, os homens brancos possuem maior facilidade de
obter sucesso na conquista de uma vaga de trabalho do que as mulheres não
brancas. Para os homens jovens e brancos o desemprego foi menor que 7%,
enquanto para as mulheres jovens não brancas ultrapassou os 11%.
Através da análise da PNAD de 2008 é nítido que o mercado de trabalho
jovem tanto formal como informal é predominantemente masculino, e que
a informalidade, além de sua definição de gênero, possui cor, na medida em
que é formada de modo preponderante por homens e mulheres não brancos.
Ao se referir à divisão sexual do trabalho também não se pode esquecer
que, a despeito das transformações geradas na constituição familiar, do maior
acesso feminino aos bancos escolares, ao ensino superior e ao mercado de
trabalho, persiste quase que intocável a responsabilidade da mulher pelas
atividades domésticas. Os números da PNAD de 2008 indicaram que 86,3%
das mulheres realizaram atividades domésticas contra menos da metade
dos homens (45,3%). Com esse acúmulo de responsabilidades, a mulher
passa a ter menos disponibilidade para o mercado de trabalho e a ser mais
seletiva para ocupar um posto de trabalho, pois se deve atentar para algumas
condicionalidades que sua dupla jornada impõe: trabalhar próximo da
moradia ou da escola dos filhos; não poder dormir no trabalho (no caso das
empregadas domésticas); não assumir extensa carga horária etc. Para driblar
78
Geórgia Patrícia Guimarães dos Santos
esse problema, que de fato é essencialmente social e coletivo, são utilizadas
estratégias individuais, recorrendo-se à delegação do trabalho doméstico
a outras mulheres - trabalhadoras mal remuneradas, desvalorizadas e em
situação de forte precariedade. (COMUNICADOS DO IPEA, 2010).
É perceptível, portanto, que as mesmas desigualdades do “mundo
adulto” perpassam o “mundo jovem”, evidenciando que a problemática
juvenil não se limita apenas a uma abordagem etária ou biológica. Na verdade,
o jovem carrega consigo diversas questões socioculturais históricas no País,
negligenciadas pelas políticas públicas do Estado, que vem sendo reproduzidas
da infância à velhice. Todavia, é fato que as mudanças mais amplas no mundo
trabalho, ocorridas mais drasticamente no País nos últimos vinte anos, têm
afetado os jovens de forma mais intensa no que diz respeito às oportunidades
de renda e trabalho.
A educação, neste sentido, vem sendo quase sempre concebida nos
discursos governamentais e não governamentais como aquela que contribuirá
para que o jovem obtenha maiores chances de mobilidade social e de ascensão
na trajetória ocupacional, superando as condições de vida e de trabalho das
gerações anteriores. Logo, as temáticas mais preocupantes e propícias aos
investimentos governamentais estão referenciadas pelas áreas da educação e do
trabalho. Grande parte das ações federais do governo está voltada aos jovens
pobres e são entendidas como políticas de inclusão social, tendo como base a
inserção desse público no mercado de trabalho, a elevação da escolaridade e a
oferta de qualificação profissional. Desse modo, a seguir serão analisados, por
meio dos dados da PNAD de 2008, três indicadores que contribuíram para
a compreensão da situação educacional juvenil no Brasil: o analfabetismo; a
frequência ao ensino regular, e a evolução na quantidade de anos de estudo.
79
Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição
Educação e Juventudes: Como Estamos?
Tudo é reflexo de uma má educação
desde o político ao pior ladrão
sim existe, existe uma solução
vontade política para investir em educação
roubar, matar não é educação
fumar, cheirar não é educação
ler e escrever isto sim é educação
toda grande árvore começa do chão [...]
o crescimento nacional depende de uma boa educação
(Música Nossa Educação - Banda Sociedade Armada).
Desde os fins de 1980, com maior ênfase durante a década de 1990,
constrói-se no País um debate acerca da relação entre inovação tecnológica,
educação e qualificação profissional. Aponta-se que as transformações nos
processos de produção e organização do trabalho, por serem decorrentes,
principalmente, de um maior incremento científico e tecnológico,
determinariam alterações nos conteúdos de trabalho e conduziriam à (re)
qualificação da força de trabalho. As novas configurações tecnológicas,
organizacionais e relacionais produziriam, desse modo, impactos não somente
na dinâmica do modo de produção, mas também, diretamente, no trabalho
e na educação; exigir-se-ia, de forma generalizada, ao trabalhador, mais
treinamento, maior escolaridade, novos atributos, habilidades e competências.
Segundo Ferreti (2004), no limiar dessas discussões se pôs um confronto
entre os educadores que vinham em defesa de uma educação capaz de oferecer
uma formação plena, e não apenas técnico-profissional, e a perspectiva cada
vez mais forte de que essa educação plena não fosse defendida apenas por essa
parcela de educadores, mas também pelo próprio capital, na proporção em
que as mudanças no âmbito do trabalho estariam demandando trabalhadores
mais bem-educados.
Sem conduzir um balanço exaustivo, Ferreti (2004) menciona que
se seguiram vários estudos e pesquisas da sociologia do trabalho sobre
a requalificação profissional do trabalhador. Esses estudos e pesquisas
80
Geórgia Patrícia Guimarães dos Santos
adentraram a área educacional buscando a apropriação e o aprofundamento
do novo conceito de qualificação. Desencadearam-se análises cujo campo
empírico voltou-se para as empresas, ao invés das escolas, preocupadas com as
novas formas assumidas pelo capital, suas relações com os novos processos de
trabalho, sua organização nas empresas flexibilizadas e suas consequências para
a sociabilidade e qualificação do trabalhador. Houve, afinal, uma aproximação
entre diversos profissionais e áreas do saber – educadores, sociólogos do
trabalho, economistas, administradores, engenheiros, psicólogos, assim como
sindicalistas.
Os discursos políticos, ideológicos e governamentais, a partir de então,
passaram a priorizar as reformas no sistema educacional como modo de
preparar melhor os trabalhadores com novos conhecimentos e uma educação
básica geral. Aparentemente, essa formação era coerente com o esquema de
produção flexível ou pós-fordista do atual modelo de reprodução capitalista,
uma vez que já não fazia sentido a dicotomia entre teoria-prática, concepçãoexecução, trabalho manual-trabalho intelectual.
Logo, conforme indica Fogaça (2003), é inegável que essa recente
etapa do capitalismo estabelece certa fissura no modelo de relação entre
educação e trabalho, cujo molde vigorou desde o início do século passado
e que, embora tenha formado a mão de obra necessária naquele momento,
representou também um fraco desempenho no sistema escolar. Para a
autora, buscou-se como base para a atual relação educação-trabalho:
Um novo conceito de qualificação profissional, não mais
pautado em habilidades específicas, típicas de um determinado
posto de trabalho ou ocupação, mas sim numa base de educação
geral, sólida e ampla o suficiente para que o indivíduo possa,
ao longo do seu ciclo produtivo, acompanhar e se ajustar às
mudanças nos processos produtivos, que deverão se tornar cada
vez mais frequentes. (FOGAÇA, 2003, p. 56).
Haveria, portanto, uma crescente necessidade de aproximação entre
escola e trabalho na qual os conhecimentos gerais do ensino formal tornar-seiam condição sine qua non para posterior aquisição de diversas qualificações.
Todavia, no caso brasileiro, esse novo requisito para a entrada no mercado
de trabalho se transformaria em uma preocupante dificuldade na medida
em que o perfil de escolaridade da população brasileira, inclusive do jovem
trabalhador, permanece aquém do demandado.
81
Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição
No tocante ao analfabetismo, de acordo com os dados da PNAD de
2008, a população de 15 a 29 anos de idade apresentou uma taxa de pouco mais
de 3%, bem inferior ao registrado há duas décadas. Entretanto, é oportuno
destacar a existência ainda de 1.525.703 jovens sem os conhecimentos
básicos da leitura e da escrita. Estes representam uma parcela importante
da juventude que, devido às novas exigências de qualificação e escolaridade
do mercado de trabalho, estão condenados a uma situação permanente de
vulnerabilidade social ou, como definiria Bauman (2005), são jovens na
condição de “redundantes”4, supondo-se haver na sociedade em geral a ideia
segundo a qual a educação universitária se tornou a única, e assim mesmo
duvidosa, alternativa de alcance de uma vida mais digna e menos insegura.
Não obstante, notam-se as significativas diminuições da taxa de
analfabetismo nas faixas etárias mais jovens. Se, em 1985, na idade de 15
a 17 anos 10,6% dos jovens eram analfabetos, entre 25 e 29 anos essa taxa
ultrapassou 12%. Em 2008, a tendência permaneceu: menos de 2% da
juventude de 15 a 17 anos não são alfabetizados, enquanto essa taxa mais que
duplica entre os de 25 a 29 anos.
Contudo, não se pode negligenciar o fato de as gerações mais
novas vivenciarem uma menor incidência de analfabetismo. Certamente
isso demonstra um aspecto relevante para o futuro desse primeiro
segmento de jovens, porém há uma vasta distância entre jovens e idosos
concernentemente à alfabetização. As pessoas com 60 anos de idade ou mais
são a grande maioria de analfabetos no País – 32,16% em 2008, segundo a
PNAD. Esta constatação só reforça a necessidade e urgência da ampliação
de investimentos nas políticas públicas de educação de jovens e adultos.
4
Na compreensão de Bauman (2005, p. 20), “Ser ‘redundante’ significa ser extranumérico,
desnecessário, sem uso – quaisquer que sejam os usos e necessidades responsáveis pelo
estabelecimento dos padrões de utilidade e de indispensabilidade. Os outros não necessitam
de você. Podem passar muito bem, e até melhor, sem você. Não há uma razão auto-evidente
para você existir nem qualquer justificativa óbvia para que você reivindique o direito à
existência. Ser declarado redundante significa ter sido dispensado pelo fato de ser dispensável
– tal como a garrafa de plástico vazia e não-retornável, ou a seringa usada, uma mercadoria
desprovida de atração e de compradores, ou um produto abaixo do padrão, ou manchado,
sem utilidade, retirado da linha de montagem pelos inspetores de qualidade. ‘Redundância’
compartilha espaço semântico de ‘rejeitos’, ‘dejetos’, ‘restos’, ‘lixo’ – com refugo. O destino
dos desempregados, do ‘exército de reserva da mão de obra’, era serem chamados de volta ao
serviço ativo. O destino do refugo é o depósito de dejetos, o monte de lixo”.
82
Geórgia Patrícia Guimarães dos Santos
Caso contrário, o Brasil só terá vencido o analfabetismo quando esses idosos
findarem seu ciclo de vida.
Além disso, vale ressaltar que as disparidades regionais nas taxas de
analfabetismo ainda são muito significativas. De acordo com a PNAD de
2008, se nas regiões Sul e Sudeste algo em torno de 2% dos jovens ainda não
sabem ler nem escrever, no Nordeste essa taxa é quase três vezes maior. Mais
de 60% do total dos jovens não são alfabetizados; destes, aproximadamente
876 mil pessoas encontram-se na região Nordeste, especialmente na Bahia,
em Pernambuco, no Ceará e no Maranhão, os quais concentram 547 mil
analfabetos de 15 a 29 anos de idade.
De forma geral, conforme a PNAD de 2008, é possível constatar que
mais de 529 mil jovens não alfabetizados (34,7%) moram na zona rural,
que, por sua vez, concentra menos de 16% dos jovens do País. A zona rural
apresenta uma taxa de analfabetismo juvenil (6,83%) aproximadamente três
vezes maior que da zona urbana (2,37%). Alguns fatores mais propícios da
área rural podem contribuir para essa desigualdade: as poucas oportunidades
de acesso a cursos de alfabetização; a relativa qualidade dessa oferta; as maiores
limitações socioeconômicas dos estudantes que interferem na permanência
nos cursos e na continuidade dos estudos, bem como as dificuldades de
deslocamento na zona rural e a sazonalidade das atividades agrícolas.
Destaca-se como uma das principais melhorias ocorridas o fato de,
num intervalo de quase duas décadas, os jovens dispensarem mais tempo na
escola e alcançarem maior escolaridade. Em 1985, a média de anos de estudos
entre pessoas de 15 a 29 anos era 5,6. Dez anos depois foi de 6,20, atingindo
em 2008 uma média de 8,8 anos de estudos. Nas primeiras análises sobre a
PNAD de 2008, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) destaca
que entre os jovens adultos (25 a 29 anos), a média chega a 9,2 anos de
estudo, o que representa 3,2 anos de estudos a mais que a população acima de
40 anos de idade. (COMUNICADO DA PRESIDÊNCIA, 2013).
A esse respeito as disparidades regionais ainda despontam: o Norte
e o Nordeste apresentam-se abaixo da média nacional em anos de estudos,
respectivamente 8,1 e 7,7; já o Sudeste, Sul e Centro-Oeste mostram-se acima
da média com 9,5; 9,4 e 9,1 anos de estudos, respectivamente.
83
Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição
A PNAD de 2008 revela, ainda, que em torno de 64% dos jovens estão
fora da escola e destes 1.339.631 nunca a frequentaram. Por faixa etária,
observe-se que: quase 1,5 milhões de jovens entre 15 e 17 anos de idade não
estão na escola; de 18 a 24 anos são mais 15,6 milhões sem estudar; e na faixa
de 25 a 29 anos já passam de 13,5 milhões de jovens afastados do sistema de
ensino regular. O mais importante a destacar neste aspecto refere-se que, em
2008, existiram mais jovens entre 18 e 24 anos sem estudar do que entre as
idades de 25 e 29 anos, contrariando a assertiva de que quanto mais velho
menos interesse e disponibilidade para os estudos.
Esse fato indica, na realidade, que há um retorno do jovem ao ensino
formal, porém o mais preocupante é que muitos desses jovens (mais de
8 milhões) desistiram de estudar sem ter completado sequer o ensino
fundamental e, em sua maioria, não são estes que estão voltando às carteiras
escolares. Entre as idades de 25 a 29 anos, os jovens que estudam são os que
já concluíram o ensino médio e almejam o diploma universitário – são mais
de 1,2 milhões desses jovens (64,13%) no curso superior. Em contrapartida,
são menos de 710 mil (35,86%) nos outros níveis de ensino (fundamental,
médio e educação de jovens e adultos). Da idade de 18 a 24 anos, são mais de
5,7 milhões de jovens (83,81%) no ensino médio e superior, enquanto pouco
mais de 1 milhão (16,18%) nos outros graus de escolaridade.
Acresce-se também o fato de quando os jovens não estão fora da escola,
uma grande parte deles está na série inadequada à sua idade, em virtude do
ingresso tardio na escola, da repetência ou, ainda, da evasão. A frequência ao
ensino médio na idade correspondente abrange apenas a metade dos jovens
brasileiros de 15 a 17 anos (50,4%) e cerca de 40% ainda não concluíram o
ensino fundamental.
Ressalta-se, contudo, que o número de estudantes entre 18 e 24 anos
de idade que cursam o ensino superior cresceu, passou de 5,8% em 1995,
para 13,8% em 2008, enquanto em outros níveis de ensino houve decréscimo
ou um leve aumento do total de estudantes. É possível que, em parte, isto
esteja relacionado à mudança demográfica do País, como o envelhecimento
populacional, bem como à procura mais intensa, em comparação com as
décadas anteriores, por cursos universitários devido às maiores exigências do
84
Geórgia Patrícia Guimarães dos Santos
mercado de trabalho. A proliferação de faculdades privadas, assim como a
implementação de programas de financiamento, também facilitaram o acesso
ao curso de nível superior, mas ainda de modo desigual. As taxas de frequência
ao ensino universitário são maiores no Sul (18,7%), no Centro-Oeste (16,2%)
e no Sudeste (16,5%) do País, estando o Distrito Federal (26%) muito acima
da média nacional em 2008, praticamente o dobro da taxa do País (13,7%).
Em suma, conclui-se que existem progressos no acesso à educação,
embora a estrutura das desigualdades persista – prevalecem as diferenças entre
áreas urbanas e rurais e as diferentes regiões do País, entre pobres e ricos,
mulheres e homens, brancos e não brancos.
Considerações Finais
A despeito dessas diferenças, e diante dos avanços principalmente
quantitativos presentes na educação (redução do analfabetismo, aumento do
nível médio de escolaridade, maior acesso ao nível superior), e das mudanças
organizacionais, tecnológicas e relacionais nos processos de trabalho que
supostamente requisitam outro tipo de formação para o trabalhador, cabe
acrescentar que a relação educação-trabalho não se desenvolveu de forma tão
virtuosa como se almejou.
Com a redemocratização do País, a educação brasileira passou por
acentuadas alterações, com ênfase para a promulgação da Constituição
Federal de 1988, que garantiu um conceito original e avançado de educação5,
tomando-a como direito social inalienável, bem como o compartilhamento
5
A Constituição Federal de 1988 no artigo 205 define a intencionalidade e reconhece a
importância da educação escolar: “A educação, direitos de todos e dever do Estado e da
família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno
desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação
para o trabalho”. (BRASIL. CONSTITUIÇÃO, 2013). Com isso criaram-se as condições
para a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (BRASIL. LEI Nº 9.394, 2013)
estabelecer em seu art. 22 que “a educação básica tem por finalidade desenvolver o
educando, assegurar-lhe a formação comum indispensável para o exercício da cidadania e
fornecer-lhes meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores”. Além disso, a Lei
de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), no art. 21, congrega e articula três etapas para este
conceito de educação básica: a educação infantil, o ensino fundamental e o ensino médio.
(BRASIL. LEI Nº 9.394, 2013).
85
Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição
das responsabilidades entre os entes federados e a vinculação constitucional
de recursos para a educação6.
Neste sentido, a educação geral deveria ocupar o centro das preocupações
e responsabilidades das ações do Estado na oferta do ensino básico de qualidade,
haja vista a referência constitucional e as exigências das novas oportunidades
profissionais. Esperar-se-ia por uma valorização, ainda que morosa, do sistema
educacional brasileiro, incluindo maiores investimentos em infraestrutura,
modernização dos recursos didáticos e dos conteúdos ministrados, melhores
condições salariais e de trabalho para professores e demais funcionários, entre
outros aspectos. Investimentos que pudessem modificar o perfil educacional
da sociedade brasileira e em particular dos trabalhadores, para os quais fosse
possível não somente a elevação da capacidade produtiva, mas, especialmente,
a melhoria da qualidade de vida da população.
No entanto, a constituição e a trajetória dos processos de organização
e gestão da educação básica nacional têm sido historicamente marcadas pela
ausência de um planejamento mais amplo e contínuo, o que impossibilita
sua consolidação como uma política efetiva de Estado e a limita como uma
política conjuntural de governos.
De forma paralela, o desempenho tímido e, durante um longo
período, desfavorável do mercado de trabalho, como nas décadas de 1980
e 1990, estimulou a precarização e flexibilização dos contratos de trabalho,
bem como o aumento do desemprego, que atingiu sobretudo os jovens
pobres, contribuindo para excluí-los dos empregos, mesmo aqueles jovens
mais qualificados. Conforme menciona Pochmann (2004), o aumento da
escolaridade esbarrou na incapacidade do País de produzir novos postos de
6
Desde a Constituição Federal de 1988, as propostas governamentais de financiamento da
educação se consubstanciaram, especialmente, na política de fundos - Fundo de Manutenção
e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef )
(1997-2006) e Fundeb (2007-2020). O Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da
Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) atende toda
a educação básica, da creche ao ensino médio. Substituto do Fundo de Manutenção e
Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef ), o
Fundeb, regulamentado pela Emenda Constitucional n.º 53/06, tem seu vínculo com a
esfera Federal (a União participa da composição e distribuição dos recursos), a Estadual (os
Estados participam da composição, da distribuição, do recebimento e da aplicação final
dos recursos), e a Municipal (os Municípios participam da composição, do recebimento
e da aplicação final dos recursos). (BRASIL. CONSTITUIÇÃO 1988. BRASIL.
CONSTITUIÇÃO. EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 53, 2013).
86
Geórgia Patrícia Guimarães dos Santos
trabalho, em virtude da dificuldade de superação da crise do desenvolvimento
econômico, aliado ao processo de financeirização da riqueza e estagnação dos
investimentos, principalmente nos setores mais intensivos em tecnologia.
Desse modo, as possibilidades de exercício laboral dos jovens são atingidas
pelos reflexos das mudanças mais amplas ocorridas no mundo do trabalho, que
não estão necessariamente circunscritas a essa população específica, mas que
a afetam de forma mais profunda em termos de oportunidades e perspectivas
de trabalho.
Além disso, é oportuno lembrar que a inserção periférica do
País na economia global, que “submete o trabalho ao piso do porão”
(POCHMANN, 2006, p. 29), tem afugentado o processo de educação ao
imediatismo da formação técnico-profissional restrita. Esse imediatismo e
a fragmentação do sistema educacional, a despeito da diminuição das taxas
de analfabetismo e do aumento dos anos de escolaridade, têm reforçado,
por sua vez, a degradação do mercado de trabalho. Esse é um círculo
vicioso presente na relação educação e trabalho que ainda persiste no País.
Rompê-lo se traduz em uma das tarefas dirigidas às políticas de inclusão
das juventudes na contemporaneidade.
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87
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(Doutorado em Ciências Sociais) - Universidade Estadual de Campinas,
Campinas, 2011.
88
PARTE 2
JUVENTUDE NO SÉCULO XXI:
EDUCAÇÃO E TRABALHO
TRABALHO, JUVENTUDE E EDUCAÇÃO NO CONTEXTO
DO CAPITALISMO ATUAL
Elenilce Gomes de Oliveira1
Antonia de Abreu Sousa2
Introdução
Este artigo discute o desemprego como elemento intrínseco à
acumulação e expansão do capital, analisa seus impactos na juventude e a
relação com a educação. Retoma o desemprego no âmbito conjuntural e
estrutural, com destaque para a categoria exército industrial de reserva, de Karl
Marx. Evidencia, por fim, o redirecionamento das finalidades da educação,
que é compreendida como um instrumento de reposicionamento das pessoas
no mercado de trabalho.
Trabalho e Capital
Marx, na obra “Manuscritos econômico-filosóficos”, datada de 1844,
considera o trabalho como o primeiro ato do ser humano sobre a natureza.
Portanto, o homem é o primeiro ser que conquistou liberdade de movimento
em face da natureza. É pelo trabalho que o homem, em parte, transforma
Doutora em Educação. Professora no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia
do Ceará. Coordenadora do Núcleo de Pesquisa em Educação Profissional (NUPEP).
Vice-Coordenadora do Laboratório de Estudos do Trabalho e Qualificação Profissional
(LABOR).
2 Doutora em Educação. Professora no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia
do Ceará. Pesquisadora do Núcleo de Pesquisa em Educação Profissional (NUPEP).
Pesquisadora do Laboratório de Estudos do Trabalho e Qualificação Profissional (LABOR).
1
91
Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição
a natureza para suprir suas necessidades. Nesta acepção, o trabalho é a
experiência da ação transformadora do ser humano sobre a natureza e essa
ação é o que o distingue dos outros animais.
O trabalho é uma categoria ontológica, pois é por meio dele, do seu
resultado – produto – que os seres humanos se constituem e se reconhecem
como seres cognoscentes. O trabalho, modificador da natureza, constitui
uma característica essencial do gênero humano, e é por meio dele que o
ser humano se supera e se converte em ser social. Necessidade intrínseca de
efetivação da vida humana, o trabalho é a forma fundamental e elementar cuja
interação dinâmica constitui-se na especificidade do ser social. O trabalho é
essa mediação radical que define a vida de todos os humanos.
É ainda no “Manuscritos econômico-filosóficos” que ocorre o primeiro
confronto de Marx com a economia política, e ele desenvolve o conceito de
alienação do trabalho e suas consequentes determinações sobre todos os
aspectos da vida social. Desde então, Marx realiza a primeira formulação
concreta da especificidade da alienação na sociedade burguesa – problema
do fetichismo.
Em “O Capital”3 – livro I – obra com data do ano de 1867 – Marx
analisa criteriosamente o surgimento do capitalismo e desvenda didaticamente
que este determina a extração de mais-valia e intensificação do lucro, e para
isso retira do trabalhador a posse do produto do seu trabalho.
É na sua concepção histórica particular do sistema capitalista que se
desenvolve na forma da divisão de trabalho, troca e propriedade privada que
a atividade humana se torna assalariada. Em vez de ser uma objetivação,
elemento mobilizador da sociabilidade, o trabalho, aqui, se transforma no seu
contrário: aliena o homem, no lugar de humanizá-lo.
A definição teórico-analítica da categoria alienação ocorre em função
da análise de mediações histórico-concretas, pela afirmação do valor de troca
3 “O Capital: crítica da economia política, Livro I: O processo de produção do capital”, cujo
título original é: Das Kapital: Kritik der politschen Ökonomie (Erster Band: Der Produktion
Prozess des Kapitals) foi escrito por Karl Marx, em 1867. Os anos seguintes até 1883,
data da sua morte, Marx se dedica à redação dos demais volumes d’ O Capital que foram
publicados postumamente por Friedrich Engels.
92
Elenilce Gomes de Oliveira e Antonia de Abreu Sousa
como aspecto determinante de intercâmbio econômico-social e de interação
sociocultural da sociedade burguesa. (MARX, 1993).
Dessa forma, a relação capital-trabalho desempenha papel central na
dinâmica do capitalismo, uma vez que o principal problema do capital é o
trabalho, pois ao mesmo tempo em que o capital quer eliminá-lo e faz de tudo
para dele se livrar, precisa dele para produzir o valor. Assim, o trabalho, ao
mesmo tempo em que é indispensável ao capital, é também uma das barreiras
com as quais o capital se depara, criando dificuldades à continuidade da
acumulação e gerando as crises do capital.
Como as crises pertencem à natureza do capital, essas se manifestam na
produção, no consumo e até em “qualquer uma das fases de circulação e de
produção de valor”. (HARVEY, 2006, p. 43). As tendências às crises levam a
tensões no processo de acumulação, pois esse processo depende e pressupõe a
existência de:
1) excedente de mão de obra;
2) quantidades necessárias de meios de produção (máquinas,
matérias-primas etc.); e
3) mercado consumidor.
Pode ser que em cada um desses aspectos o progresso da acumulação
encontre uma barreira, a qual, uma vez atingida, provavelmente
precipitará uma crise de determinada natureza. Se considerarmos que o
capitalismo não tem olhos, mas apenas boca para acumulação e tentáculos
para a expansão, a sua tendência é a acumulação pela acumulação, como
acentuou Marx.
A acumulação e a expansão do capital dependem da disponibilidade
permanente do exército industrial de reserva, pois sem essa massa de
trabalhadores à espera da oportunidade de vender sua força de trabalho o
capital não se sustenta. Marx (1982, p. 733-735) assinalou que o exército
industrial de reserva é não somente o produto e a força da acumulação,
mas também a condição de existência do modo de produção capitalista.
[...] se a população trabalhadora excedente é produto necessário
da acumulação ou do desenvolvimento da riqueza no sistema
capitalista, ela se torna por sua vez a alavanca da acumulação
93
Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição
capitalista, e mesmo condição de existência do modo de
produção capitalista. Ela constitui um exército industrial de
reserva disponível, que pertence ao capital de maneira tão
absoluta como se fosse criado e mantido por ele. [...].
O crescimento do exército industrial de reserva aumenta a competição
entre trabalhadores e motiva o trabalhador empregado a demonstrar maior
eficiência nas suas atividades. A elevação da produtividade do trabalhador
dispensa a contratação de outros trabalhadores e aumenta o exército
industrial de reserva. Essa quantidade maior de desempregados exercerá
pressão para conseguir emprego, à custa, quase sempre, do desemprego de
outro trabalhador.
Essa competição é muito útil para o capital, uma vez que diminui
a capacidade de negociação dos trabalhadores na busca por melhores
salários. Os efeitos dessa competição entre trabalhadores se manifestam na
acumulação de perdas salariais e até mesmo na sua redução. Os capitalistas,
por sua vez, aumentam a quantidade e o valor das mercadorias no mercado,
como consequência da restrição aos ganhos salariais e aumento das horas
trabalhadas. Essa medida cria uma barreira à acumulação: a redução do
poder de compra do consumidor, que é o trabalhador. Sem a compra do
produto, a mercadoria não se efetiva, não cumpre o seu papel e gera a crise
de superprodução. Assim, conforme Marx, a erupção de crise é endêmica ao
sistema do capitalismo.
Marx acreditava que as crises sucessivas do capitalismo criariam as
condições objetivas que viabilizariam a revolução proletária. Compreendia
que o modo de produção capitalista entraria em uma crise geral e que
esta sinalizaria o esgotamento das possibilidades do capitalismo que, em
decorrência, só poderia ser superado de forma global.
O capital, no entanto, logra contornar suas crises, haja vista as
estratégias utilizadas nas duas primeiras décadas do século XX, quando a
crise geral se aproximava e o avanço do movimento operário nos principais
países capitalistas indicava que a revolução russa seria o primeiro elo de
uma cadeia, e com origem neste, seguiria a revolução proletária em outros
países. (SAVIANI, 2002). Tal fato não ocorreu e a situação parece ter
se alterado radicalmente após a Grande Depressão de 1929, no que se
94
Elenilce Gomes de Oliveira e Antonia de Abreu Sousa
refere à consciência burguesa das crises4. A crise que teve início na década
de 19705 vem acarretando profundas mudanças no mundo do trabalho,
dentre as quais é possível elencar: o desemprego estrutural, o crescente
contingente de trabalhadores em condições precarizadas, o avanço
tecnológico, a automação e a degradação na relação entre o ser humano e
a natureza. (ANTUNES, 2001).
O capitalismo, com os sistemas de produção flexíveis, conseguiu
acelerar o ritmo de inovação dos produtos e explorar nichos de mercado
altamente especializados, bem como reduziu o tempo de giro das mercadorias.
O uso de novas tecnologias produtivas ensejou outras formas de administrar
estoques e a meia-vida dos produtos. (HARVEY, 2002).
O capital, atualmente, não tem problemas em relação à quantidade
elevada de força de trabalho disponível no mercado. De acordo com Harvey
(2011, p. 55), nos últimos 30 anos cresceu a quantidade de força de trabalho
disponível, pois
[...] cerca de 2 milhões de trabalhadores assalariados foram
adicionados à força de trabalho global disponível, em função
da abertura da China e do colapso do comunismo na Europa
central e oriental. Em todo o mundo aconteceu a integração das
populações camponesas até então independentes nas forças de
trabalho. O mais dramático de todos esses acontecimentos foi a
mobilização das mulheres, que agora formam a espinha dorsal
da força de trabalho global. Está agora disponível uma piscina
enorme de força de trabalho para a expansão capitalista.
4 É sob o impacto da crise geral da economia capitalista, que eclodira em 1929, que Keynes
começa a elaborar a concepção que atribui importância central ao papel do Estado
no planejamento nacional das atividades econômicas, partindo do princípio de que a
regulamentação da economia e o funcionamento da economia de mercado baseados
na propriedade privada seriam controlados pelo Estado. (MOGGRIDGE, 20--). Na
contramão da teoria de Keynes – que atribui importância primordial ao papel do Estado
na resolução das crises do capitalismo – contrapõe-se Hayek (1990), com sua obra “O
caminho da servidão”, que também procura explicar as crises cíclicas do capitalismo,
porém se posicionando de forma bem radical contra toda e qualquer intervenção do
Estado na economia.
5 Nesse contexto crítico da crise capitalista da década de 1970, observa-se a constituição de
novas formas da gestão organizacional, do avanço tecnológico como modelos alternativos
ao binômio taylorismo/fordismo, destaque especial para o toyotismo ou modelo japonês.
(ANTUNES, 2001).
95
Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição
O exército industrial de reserva está disponível ao capital, mas não
basta; é necessário que seja disciplinado e qualificado. Sem essas condições, a
acumulação do capital enfrenta sérias dificuldades.
Hoje, diferentemente da crise de superprodução de outrora, as
estratégias para a saída da crise e recuperação da expansão e acumulação
do capital ocorrem sob a predominância da esfera financeira. Segundo
François Chesnais, o sistema do capital opera com um regime de acumulação
predominantemente financeiro e singular, pois em nenhum período anterior
foram tão volumosas as quantidades de ações e títulos, os ganhos dos rentistas
e a quantidade de capital monetário fictício em circulação. (LUCENA, 2012).
“Nunca os lucros financeiros foram tão altos em comparação com a atividade
produtiva”. Nunca as finanças foram tão desreguladas (LUCENA, 2012), de
maneira que os governos estão enfraquecidos e deixam de exercer o controle
sobre elas.
Na atualidade tem início a crise de expansão do capitalismo, uma vez
que as fronteiras internas e externas estão no seu limite máximo, pois não
existem muitos mercados a serem alcançados. Esses limites indicam
[...] uma crise estrutural que irá se combinar com processos
cada vez mais intensos de crises conjunturais - como a dos tigres
asiáticos e a russa em 1996, a mexicana em 1998, a Argentina
em 2001, a bolsa de valores de Nova Yorque em abril de 2001,
quando o índice Nasdaq despencou queimando da noite para
o dia bilhões de dólares em riqueza especulativa e etc. Um
momento dramático em curso e sem solução a vista é o déficit
comercial e o endividamento externo Norte-americano, assim
como a chamada bolha imobiliária que, por certo, não podem
ser prorrogados indefinidamente. A amplitude desta crise pode
ser medida pelo fato de que sem estes artifícios da economia
dos EUA o exuberante crescimento da China e da economia
mundial dos últimos anos teria sido pouco viável. (MENEGAT,
2007, p. 5).
Essa crise, segundo François Chesnais, não tem saída. Ela é um novo
momento na crise mundial, decorrente do crescimento baseado na dívida e na
exportação globalizada:
O funcionamento da economia mundial desde o início dos anos
2000 se baseou em dois pilares: o regime de crescimento guiado
pela dívida, adotado pelos EUA e pela Europa, e o regime de
96
Elenilce Gomes de Oliveira e Antonia de Abreu Sousa
crescimento orientado por exportações globais, no qual a China
é a principal base industrial, e o Brasil, a Argentina e a Indonésia
são os provedores-chave de recursos naturais. A crise representa o
beco sem saída, o impasse absoluto do regime guiado pela dívida.
O segundo pilar está levemente melhor, mas o crescimento
baseado em exportações globais não poderá funcionar por muito
tempo sem uma forte demanda externa, especialmente dos EUA
e da União Européia. (LUCENA, 2012).
Cabe também chamar a atenção para o fato de que as crises criam
as condições que forçam algum tipo de racionalização arbitrária no sistema
de produção capitalista, desencadeando drásticas consequências: falências,
colapsos financeiros, desvalorização forçada dos ativos fixos e poupanças
pessoais, inflação, concentração crescente de poder econômico e político em
poucas mãos, queda de salários reais e desemprego. (HARVEY, 2006).
No que diz respeito ao trabalho, pode-se presenciar um conjunto
de tendências que configuram um quadro complicado, experimentado em
diversas partes do mundo onde vigora a lógica do capital. Não se pode pensar
em outro sistema de controle maior e mais totalitário do que o sistema de
capital globalmente dominante, que impõe seu critério de viabilidade em
tudo, desde as maiores empresas transnacionais às mais íntimas relações
pessoais e aos mais complexos processos de tomada de decisão no âmbito dos
monopólios industriais, favorecendo sempre os mais fortes contra os mais
fracos. (ANTUNES, 2001; ARRAIS NETO, 2008).
Se o trabalho é organizado e forte num determinado local, o Estado é
chamado a intervir, como aconteceu na Europa em meados da década de 1970
e, sobretudo, no Brasil, na década de 1990, quando os direitos duramente
conquistados pelos trabalhadores foram significativamente alterados e até
retirados. O neoliberalismo foi, sem dúvida, a maneira encontrada pelo capital
para contornar a “barreira potencial6” à acumulação, que são os trabalhadores
organizados. (HARVEY, 2011, p. 61).
É certo que a resistência dos movimentos da classe trabalhadora
diminuiu com o ataque político e econômico do neoliberalismo. Somem-se
6
Harvey (2011, p. 61) usa a denominação “barreira potencial”, argumentando que “houve
poucos sinais de esmagamento dos lucros”, não se configurando a teoria do esmagamento
de lucros apresentada por alguns marxistas.
97
Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição
a isto o vasto exército industrial de reserva acessível ao capital, a quebra de
barreiras geográficas, a elevação do nível de qualificação dos trabalhadores e
as inovações das comunicações e dos equipamentos/ferramentas de trabalho.
O resultado é que essa composição é, inegavelmente, vantajosa para o capital.
“[...] atualmente, o principal problema reside no fato de o capital ser muito
poderoso e o trabalho muito fraco, não o contrário”. (HARVEY, 2011, p. 61).
O quadro, hoje, é crítico, e atinge não só os países periféricos, mas
também os países capitalistas de economia estabilizada. A lógica do sistema
produtor de mercadoria converte a concorrência e a busca da produtividade
num processo destrutivo, o que enseja a precarização do trabalho e o aumento
do exército de reserva e de desempregados. (ANTUNES, 2001).
Trabalho, Juventude e Educação no Brasil
O aumento do exército de reserva situa a juventude7 em perversas
condições de competição em relação aos adultos. Em primeiro lugar,
destacamos o crescimento dessa população. De acordo com os dados do
Fundo de População das Nações Unidas, no ano de 2010, a população
juvenil estimada foi de 1,5 bilhão na faixa etária de 15 a 24 anos para uma
população mundial estimada em 7,9 bilhões de pessoas, o que representa 19%
do total. A expansão do universo de jovens no mundo não ocorre de maneira
idêntica nem se encontra distribuída de forma homogênea. O Brasil possui
um contingente que representa a quinta posição em termos de volume da
população jovem em todo o mundo.
Existe, ainda, no Brasil, um grande número de crianças, adolescentes
e jovens que enfrentam a dura realidade do trabalho precoce. A estimativa
7
Como todo processo de transformação da sociedade, estudos comprovam que não é fácil
definir as fases da vida do ser humano em razão da sua complexidade, principalmente no
que diz respeito à juventude. Pochmann (2000) compreende a juventude como um ciclo de
vida que representa muito mais tempo do que a etapa de 15 a 24 anos de idade. É, acima
de tudo, uma fase de preparação para a vida adulta, de elaboração de projetos e de grandes
descobertas. Tradicionalmente, concebe-se a juventude como um ciclo de vida determinado
por faixa etária; porém, é importante considerar que a sua compreensão requer entendêla como constituída por uma realidade histórica e cultural determinada. Essa perspectiva
permite perceber a juventude como segmento diferenciado, conforme o grupo social a que
pertença. Neste sentido, falar da juventude significa considerá-la nas condições e relações
sociais em que está inserida.
98
Elenilce Gomes de Oliveira e Antonia de Abreu Sousa
é o número aumentar em razão do agravamento da pobreza estrutural do
País e do risco de intensificação das desigualdades sociais, que empurram
cada vez mais esse contingente para o mundo do trabalho de uma forma
precária, muitas vezes sem nenhum critério de avaliação. Desta forma, os
adolescentes e jovens acabam sendo mão de obra fácil e barata a ser cooptada
pelo mercado.
A integração do adolescente e do jovem na sociedade passa pela inserção
no trabalho. Com o excedente de mão de obra, entretanto, os adolescentes
e os jovens encontram as piores e mais perversas condições de competição
em relação aos adultos. Essa realidade leva-os a assumir funções e exercer
atividades inferiores na organização das empresas. O rendimento médio dos
jovens ocupados, no Brasil, é de 1,7 salário mínimo e com jornada semanal de
44 horas. (POCHMANN, 2000).
Ante à conjuntura atual, a própria educação, que deveria ser um
elemento vital de estabelecimento de relações solidárias, socialização e
elaboração de identidades e emancipação humana, passa a ser compreendida
como um instrumento de formação das pessoas para disputarem uma posição
no mercado de trabalho.
No Brasil, é crescente a demanda das populações da camada popular
pelo acesso à educação escolar, o que demonstra o valor a ela atribuído
pelas classes populares – pois acreditam que as oportunidades de emprego
dependem do nível de escolarização alcançado8.
Tal quadro encontra apoio nas novas tecnologias e na globalização da
economia, que tendem a impor exigências mais elevadas de escolaridade. Quer
para o ingresso, quer para a permanência no emprego, em todos os níveis da
hierarquia ocupacional os índices de desemprego e de exclusão social tendem,
doravante, a afetar, prioritariamente, as populações menos escolarizadas. Em
vista disso, prevê-se que as desigualdades escolares repercutam cada vez mais
nas oportunidades de emprego disponíveis ao trabalhador, em especial, ao
jovem trabalhador pobre.
8
No Brasil é latente o discurso economicista que domina a educação escolar, ao advogar a
escola como “trampolim” social ou porta de acesso direto ao mundo do trabalho.
99
Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição
Para Ciavatta (2008, p. 280), o discurso dominante do século XXI
espera
[...] da escola, dos jovens e dos trabalhadores um nível de
atualização de conhecimentos que os capacite a atender as
exigências das novas tecnologias aplicadas aos processos
produtivos. Em um país como o nosso, onde cerca de 50%
dos trabalhadores têm menos de oito anos de escolaridade,
dentro das condições precárias de funcionamento das escolas
e do exercício das atividades docentes, a ideia de século do
conhecimento e da formação, se não é um acinte aos setores
desfavorecidos da população, é uma ilusão vendida nos balcões
televisivos.
Nos últimos anos, a política educacional brasileira se voltou para ações
de aumento da escolarização formal. Em 2011, a matrícula na educação básica,
de acordo com a Tabela 1, foi de 50.972.619 alunos, sendo 43.053.942
(84,5%) em escolas públicas, e 7.918.677 (15,5%) em escolas da rede
privada, em 194.932 estabelecimentos de ensino. (BRASIL, 2011).
A Tabela 1 descreve que as redes municipais são responsáveis por quase
metade das matrículas (45,7%), o equivalente a 23.312.980 alunos, seguida
pela rede estadual, que atende a 38,2% do total, 19.483.910 alunos.
A rede federal de educação profissional e tecnológica, com 257.052
matrículas, participa com 0,5% do total, mas, de acordo com o censo escolar
de 2011, o maior crescimento de matrículas é nessa rede se comparada às
demais.
O ensino médio, em 2007, contou com o total de 8.368.369 milhões
de alunos; e em 2011, a matrícula foi de 8.400.689 milhões, conforme a
Tabela 2, atingindo cerca de 80% da faixa etária de 15 a 17 anos.
Tabela 1 – Número de Matrículas na Educação Básica por Dependência Administrativa
– Brasil – 2007-2011
Ano
Total Geral
2011 50.972.619
Total
43.053.942
Federal
257.052
Fonte: Instituto Nacional de Estudos... (2011).
100
Estadual
19.483.910
Municipal
23.312.980
Privada
7.918.677
Elenilce Gomes de Oliveira e Antonia de Abreu Sousa
Tabela 2 – Matrículas no Ensino Médio – Brasil – 2007-2011
Ano
Ensino Médio
População por Idade – 15 a 17 anos
2007
8. 368.369
10.262.468
2008
8. 366.100
10.289.624
2009
8. 337.169
10.399.385
2010
8. 357.675
10.357.874
2011
8. 400.689
-
0,5
-
Δ
%
2010/2011
Fonte: Instituto Nacional de Estudos... (2011).
Notas:
1) Não inclui matrículas em turmas de atendimento complementar e Atendimento
Educacional Especializado (AEE).
2) Ensino médio: inclui matrículas no ensino médio integrado à educação profissional e no
ensino médio normal/magistério.
A democratização do acesso à escola, no entanto, em especial a pública,
enfrenta muitos desafios, com destaque para a evasão escolar, haja vista
que a metade dos alunos que entram nas escolas não finaliza seus estudos.
(INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS..., 2007). Essa
situação é vinculada a muitos obstáculos, considerados, na maioria das vezes,
intransponíveis, para milhares de jovens permanecerem na escola e concluírem
a educação básica. Dentre tais óbices, destacamos: a necessidade de trabalhar
para ajudar a família e, também, para o próprio sustento; a violência e o
ingresso na criminalidade; o convívio familiar conflituoso; e a má qualidade
do ensino, entre outros. É válido dizer que a evasão está relacionada não apenas
à escola, mas também à família, às políticas de governo e ao próprio aluno9.
Essa realidade brasileira de aumento da escolarização com a finalidade
de inserção no mercado de trabalho se diferencia do que ocorre na Europa
central onde os países já ensejaram a escolarização básica aos seus jovens, mas
enfrentam os efeitos da crise do capital, em especial, o desemprego. A reação
9 O estudante do ensino médio que se evade da escola deixa de acreditar que esta contribuirá
para um futuro melhor, haja vista que a educação que recebe é precária em relação ao
conteúdo, à formação de valores e ao preparo para o mundo do trabalho. (INSTITUTO
NACIONAL DE ESTUDOS..., 2007).
101
Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição
dos jovens a tudo isso é, segundo François Chesnais, o aspecto interessante a
destacar: os movimentos liderados por jovens, tais como as revoltas no norte
da África e no Oriente Médio, o movimento dos indignados na Espanha, o
movimento de Tel Aviv, e no Chile. (LUCENA, 2012).
Esses movimentos “são reações ao extraordinário abismo social
num tempo em que o consumismo é projetado mundialmente
pela tecnologia contemporânea e pelas estratégias de mídia.
Cada um tem suas idiossincrasias nacionais e suas trajetórias
políticas. Em cada caso há uma diferente mistura de um
componente fundamental democrático, com conteúdo
anticapitalista”. (LUCENA, 2012).
A reação dos jovens brasileiros a essa questão ocorreu de outra forma,
pois no lugar de manifestações contra o desemprego tratam de ampliar sua
escolarização e qualificação profissional. Os países desenvolvidos já têm o
ensino fundamental e médio universalizados e a formação profissional ocorre
desde uma base de cultura científica e humanista, diferentemente dos países
de capitalismo periférico. Em nosso País ocorre a incorporação dos discursos
dominantes pautados nas recomendações de organismos internacionais –
aumentar a cobertura educacional para além do período obrigatório com
a finalidade de democratizar a educação – como resposta ao desemprego
enfrentado na crise do capital.
Conclusão
O aumento do exército de reserva atinge diretamente a juventude, em
razão das perversas condições de competição no mundo capitalista, que impõe
exigências mais elevadas de escolaridade, quer para o ingresso, quer para a
permanência no emprego. Assim sendo, as desigualdades escolares repercutem
cada vez mais nas oportunidades de emprego disponíveis ao trabalhador, em
especial ao jovem trabalhador pobre.
No Brasil, configura-se a luta por mais escolarização e qualificação
profissional, cuja finalidade é, entre outras, a inserção no mercado de trabalho,
o que se afasta e se diferencia do que ocorre atualmente na Europa central,
pois os países desse segmento já universalizaram a educação básica e os jovens
enfrentam, diretamente, os efeitos da crise do capital, em especial o desemprego.
Ainda se sobressai, no Brasil, o discurso da equivalência do aumento
102
Elenilce Gomes de Oliveira e Antonia de Abreu Sousa
da escolarização/qualificação profissional e emprego. Os segmentos mais
afetados pelos efeitos do desemprego apoiam-se nas políticas sociais, e os
demais investem, cada vez mais, no aumento da escolarização e qualificação
profissional, mantendo ainda vivo o fetiche do poder da educação.
REFERÊNCIAS
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ARRAIS NETO, Enéas Araújo. Um mundo sem fronteiras ou um mundo
sem controle?: regulação social e realidade de novos papéis do estado
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Fortaleza: Editora do Senac, 2008.
CIAVATTA, Maria. Contrastes no século do conhecimento e da formação:
estudos comparados sobre a formação profissional dos trabalhadores. In:
SOUSA, Antonia de Abreu et al. (Org.). Trabalho, capital mundial e
formação dos trabalhadores. Fortaleza: Editora do Senac, 2008.
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situação da população mundial. Brasília, DF, 2011.
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Instituto Liberal, 1990.
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______. O enigma do capital e as crises do capitalismo. São Paulo:
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______. A produção capitalista do espaço. 2. ed. São Paulo: Annablume,
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INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS ANÍSIO
TEIXEIRA (Brasil). Censo educacional de 2007. Brasília, DF, 2007.
______. Censo educacional de 2011. Brasília, DF, 2011.
103
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LUCENA, Eleonora de. A crise é o impasse absoluto do regime guiado
pela dívida. Folha de São Paulo, São Paulo, 18 ago. 2011. Disponível em:
<http://boitempoeditorial.com.br/publicacoes_imprensa.php?isbn=857559-069-3&veiculo=Folha%20de%20S.%20Paulo>. Acesso em: 4 jun.
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MARX, Karl. O capital: crítica da economia política. Tradução de
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Sant’Anna. 8. ed. Rio de Janeiro: Difel, 1982. V. 2: Livro primeiro: O
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MENEGAT, Marildo. A face e a máscara: a barbárie da civilização burguesa.
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MOGGRIDGE, D. E. As idéias de Keynes. São Paulo: Cultrix, [20--].
POCHMANN, Márcio. A batalha pelo primeiro emprego: as perspectivas
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Publisher Brasil, 2000.
SAVIANI, Dermeval. O trabalho como princípio educativo frente às novas
tecnologias. In: FERRETTI, C. J. et al. Novas tecnologias, trabalho e
educação: um debate multidisciplinar. Rio de Janeiro: Vozes, 2002.
104
A INSERÇÃO DO JOVEM NO MERCADO DE TRABALHO
BRASILEIRO
Wilson F. Menezes1
Carlos Frederico A. Uchoa2
Introdução
A inserção do jovem no mercado de trabalho tem se caracterizado
como importante problemática no plano internacional. Por isso mesmo essa
inserção vem se constituindo em um campo de preocupação especial para
organismos governamentais e não governamentais. Esse tipo de trabalho
enfrenta inúmeras dificuldades, pois se trata de uma mão de obra ainda sem
as condições de qualificação e informação exigidas pelo mercado de trabalho,
que cada vez mais requisita formações densas em conhecimento. Dessa
maneira, fica a juventude, em decorrência de uma necessidade pessoal ou
familiar, exposta a muitas formas de exploração, que se exteriorizam por meio
de baixas remunerações, postos de trabalho menos significativos e extensas
jornadas de trabalho.
A questão do trabalho juvenil é muito complexa na medida em
que envolve inúmeros fatores sociais e econômicos, além de individuais e
familiares. Políticas voltadas à regulação do trabalho juvenil são necessárias,
Professor do Curso de Mestrado em Economia da Universidade Federal da Bahia (UFBA).
Doutor pela Universidade de Paris I e Pós-Doutorado pela Universidade de Paris XIII.
2 Professor do Departamento de Economia da UFBA, e Doutor pelo Programa de Pósgraduação em Economia (PIMES), Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
1
105
Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição
mas a implantação adequada dessas políticas exige que se conheçam em
profundidade a natureza e a dimensão dessa problemática. Dessa forma, não
se pode esquecer que o aumento do uso do trabalho juvenil acompanha as
necessidades do processo econômico tanto no que concerne ao crescimento
como em termos de suas transformações técnicas e organizacionais que
condicionam formas diferenciadas de absorção da mão de obra. A literatura
econômica brasileira que trata a temática do trabalho juvenil não é muito vasta
em termos quantitativos, no entanto ela se apresenta muito rica nas questões
suscitadas, bem como nas formas metodológicas utilizadas nos tratamentos
empíricos. Na sequência, apenas a título de exemplificação, são mostradas
algumas dessas abordagens.
Paes de Barros e Mendonça (1991) apresentam algumas consequências
da pobreza sobre o trabalho de crianças e adolescentes. Com dados da Pesquisa
Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 1987, os autores apontam
que a frequência escolar e a entrada no mercado de trabalho de crianças e
jovens na faixa etária de 10 a 17 anos se relacionam com o nível de renda das
respectivas famílias. Para esse conjunto de pessoas, a taxa de participação se
eleva com a idade, é maior para os meninos, e maior em São Paulo e Porto
Alegre, comparativamente a Fortaleza. Mas a grande relação encontrada é que
essa taxa é decrescente com os recursos econômicos das famílias.
Oliveira e Pires (1995) apontam a incidência do trabalho infanto-juvenil
no Brasil, que pode ser verificada através da elevada e estável taxa de atividade
nos dois grupos supramencionados. Esse fato encontra-se mais presente nas
famílias de baixa renda, que pressionam seus filhos a entrarem no mercado de
trabalho. Isso naturalmente permite se estabelecer uma relação direta desse
fenômeno com a pobreza, grande responsável pelo trabalho precoce.
Para Martins (2013), as taxas de desemprego são sempre mais elevadas
para as mulheres e para os jovens com até 24 anos. Isso vem acontecendo
na Espanha, França, Itália, Inglaterra e Suécia. Com dados da Pesquisa de
Emprego e Desemprego (PED), Martins (2013) constata que, em 1995,
o nível de desemprego total variava em torno de 13,2%, mas as taxas de
desemprego entre adolescentes de 15 a 19 anos e jovens de 20 a 24 anos
subiam para, respectivamente, 21,4% e 16,7%. Esse quadro de dificuldade
decorre do pequeno número de oportunidades de empregos para essas pessoas,
em virtude, principalmente, da introdução de novas tecnologias, que passam
106
Wilson F. Menezes e Carlos Frederico A. Uchoa
a exigir maior qualificação e experiência. Além disso, tem-se a significativa
mobilidade ocupacional dos jovens que circulam em diversas situações
de trabalho (formação, aprendizagem, precário, temporário, em tempo
parcial etc.), ou mesmo circulam entre situações de emprego, desemprego e
inatividade, emprego. Esse quadro aponta uma forte precarização do trabalho
juvenil, a qual é acompanhada por um processo que amplia a quantidade de
jovens da periferia em torno do mercado de trabalho secundário.
Muniz (2002) analisa os possíveis efeitos de mudanças na estrutura etária
sobre o mercado de trabalho dos jovens no Brasil. Com a base da Pesquisa
Mensal de Emprego (PME) para seis regiões metropolitanas Muniz (2002)
montou um pseudopainel para os anos compreendidos entre 1982 e 2000.
Os resultados obtidos apontam que as taxas de desemprego, bem como a
ocupação das mulheres e das pessoas mais jovens (15 a 19 anos) são os fatores
mais influenciados pelos movimentos populacionais intracoortes. Aumentou
o quantitativo populacional nas faixas etárias de 15 a 19 anos, e de 20 a 24
anos, problematizando ainda mais a entrada do jovem no mercado de trabalho,
por gerar alterações significativas no nível de emprego e de desemprego
da população. Esse aumento decorre de descontinuidades demográficas,
que provocam mudanças na distribuição etária da população, provocando
pressões sociais com desdobramentos maléficos sobre o mercado de trabalho e
o sistema educacional. Assim, em momentos de baixa conjuntura econômica
fica difícil a absorção do excedente de oferta de mão de obra, em particular
desse grupo etário de jovens. A principal solução apontada pelo autor aparece
na forma de um necessário aperfeiçoamento do mercado de trabalho agregado
como melhor forma de se combater o aumento do desemprego.
Silva e Kassouf (2002), com os dados da PNAD para 1998,
apresentaram um diagnóstico da situação dos jovens entre 15 e 24 anos
no mercado de trabalho brasileiro. Magnitude e determinantes do
desemprego da juventude brasileira foram analisados utilizando o modelo
logit multinomial, que permitiu apresentar as probabilidades de os jovens
se encontrarem, em um determinado momento, na condição de inativo,
ativo e empregado, ou ativo e desempregado. Os resultados apontam que
nas áreas urbanas o aumento da escolaridade é forte condicionante para
reduzir a probabilidade de desemprego dos homens, mas eleva a das
mulheres (o mesmo para os homens com residência rural). Isso decorre,
provavelmente, de uma maior seletividade no emprego. Por outro lado, a
107
Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição
probabilidade de desemprego foi decrescente com a experiência do jovem
no mercado de trabalho, para todos os homens e todas as mulheres urbanas;
para as mulheres rurais a probabilidade de desemprego foi crescente com
os anos de experiência. Além disso, as autoras encontraram fortes indícios
de discriminação racial contra os negros no preenchimento dos postos de
trabalho, tendo também verificado que a probabilidade de desemprego é
mais elevada para o jovem com baixa renda familiar.
Guimarães (2013), com informações da pesquisa “Perfil da juventude
brasileira”, da Fundação Perseu Abramo, realizada em novembro-dezembro
de 2003, mostra que o trabalho aparece como uma referência central em
opiniões, atitudes, expectativas e relatos de experiências de uma amostra
representativa da juventude brasileira (3.501 entrevistados, com idades entre
15 e 24 anos, distribuídos em 198 municípios). A centralidade do trabalho
em termos subjetivos é vista em várias dimensões, dentre as quais se podem
destacar: o valor do trabalho para quem incorpora uma dedicação ao mesmo; a
necessidade de garantias para atender as necessidades no curso da vida; o direito
para exercer a cidadania e a obtenção de chances de crescimento enquanto
pessoa. Esses aspectos subjetivos encontram suas restrições no âmbito de
elementos tais como alterações na dinâmica demográfica, transformações no
aparato produtivo, encolhimento de postos na base da pirâmide ocupacional e
inadequação educacional. Estes são elementos que condicionam a entrada do
jovem no mercado de trabalho, todos eles presentes no caso brasileiro.
Pochmann (2013), com informações do Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatística (IBGE), após uma apresentação estatística sobre o mercado de
trabalho do jovem, aponta o fracasso dos sistemas brasileiros de educação e de
integração social em atender à população juvenil. Isso decorre da pulverização
de ações e programas, bem como da pequena escala relativa de atendimento
dessas pessoas, ou mesmo da competição que se estabelece entre políticas nas
distintas esferas de governo, Organizações Não Governamentais (ONGs) e
iniciativas patronais.
Reis e Camargo (2007), usando dados da PNAD para o período entre
1981 e 2002, mostram que a taxa de desemprego dos jovens brasileiros aumentou
de maneira significativa em relação à taxa dos adultos, logo após a estabilização
da inflação com o Plano Real de 1994. A explicação para esse fato aparece na
maior rigidez salarial decorrente da estabilidade inflacionária e no alto grau de
incerteza dos empregadores em relação à produtividade do trabalho juvenil.
108
Wilson F. Menezes e Carlos Frederico A. Uchoa
O presente trabalho se soma aos textos enunciados acima, buscando
assim contribuir para um maior entendimento de relevante questão. O objetivo
do trabalho é, com o auxílio da PNAD para o ano de 2011, apresentar os
determinantes da ocupação do jovem brasileiro3. Para tanto, o artigo encontrase dividido em quatro partes, além desta introdução. Na segunda, avançam-se
algumas questões relacionadas à inserção do jovem no mercado de trabalho,
quando são apresentadas estatísticas sobre o desemprego e a taxa de atividade
do jovem, bem como sua escolaridade e experiência, além da condição do
jovem no mercado de trabalho, considerando a posição na ocupação, as horas
semanais de trabalho, a contribuição à previdência social e os rendimentos
auferidos. Na terceira parte é realizado um exercício econométrico, com o uso
do modelo Probit, com vistas a avaliar os principais determinantes da ocupação
do contingente de jovens no mercado de trabalho. Por fim, algumas conclusões
são avançadas, quando se emitem algumas sugestões de política social.
Inserção do Jovem no Mercado de Trabalho
Os dados da PNAD demonstram que o problema do trabalho juvenil
no Brasil não é apenas socialmente qualitativo, mas também quantitativo,
na medida em que o peso desse segmento populacional torna-se compatível
com o de outras faixas etárias. A Tabela 1 ajuda a esclarecer esse ponto. São
significativas as taxas de participação dos jovens no mercado de trabalho, muito
embora essa participação se apresente em menor escala comparativamente ao
segmento adulto (com idade entre 25 e 55 anos), fato esse que deve ser visto
com naturalidade, já que o jovem ainda se encontra em fase de estudos. Assim,
taxas de participação menores para os jovens relativamente às pessoas adultas
aparecem em todos os atributos pessoais considerados (gênero, cor, faixas de
escolaridade e de idade), embora a diferença se mostre menos significativa
para os jovens entre 18 e 24 anos, cuja taxa de participação foi estimada em
71,0%, ou seja, bem mais próxima da participação da faixa etária entre 25 e
55 anos. A taxa de participação dos jovens entre 16 e 24 anos é de 62,5%,
quando essa taxa foi estimada em 79,9% para o segmento com idade entre 25
e 55 anos, ou seja, para a faixa etária economicamente ativa.
3 Nesse
contexto, a primeira questão que se coloca é sobre a idade dos jovens que trabalham.
Foram considerados como jovens todos os indivíduos com idade entre 16 e 24 anos, os
quais foram divididos em duas faixas etárias: adolescentes entre 16 e 17 anos, e jovens
adultos entre 18 e 24 anos.
109
Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição
Quanto à taxa de desemprego, os jovens enfrentam maiores
dificuldades em ocupar um posto de trabalho, sendo essa taxa muito
mais elevada (15,4%) para eles, relativamente ao segmento entre 25 e
55 anos (5,2%). Ainda analisando essa Tabela 1, pode-se constatar que
as mulheres (20,1%) enfrentam uma taxa de desemprego mais elevada
que a dos homens (11,9%), e muito mais elevada quando comparada às
mulheres com idades entre 25 e 55 anos (7,4%). Também os homens jovens
encontram-se muito mais expostos ao desemprego relativamente aos homens
entre 25 e 55 anos (4,3%). Em relação à cor, o mesmo fenômeno se verifica,
ou seja, os homens jovens brancos, com uma taxa de desemprego de 13,8%,
ficam mais expostos às amarguras do desemprego que seus congêneres com
idade entre 25 e 55 anos (4,3%). Esse traço também aparece para o conjunto
dos demais indivíduos jovens (16,6% contra apenas 5,9% para a faixa etária
entre 25 e 55 anos).
Tabela 1 - Taxas de Desemprego e de Participação no Brasil
Condição
Jovens entre 16
e 24 anos
Taxa Desem
Taxa Partic
Pessoas entre
25 e 55 anos
Taxa Desem
Taxa Partic
Gênero
Mulher
20,1
53,4
7,4
68,6
Homem
11,9
71,5
3,4
92,3
Branco
13,8
63,4
4,3
80,8
Demais
16,6
61,9
5,9
79,2
Analfabeto funcional
12,7
53,7
4,6
69,2
1º grau incompleto
14,9
56,5
4,7
75,8
1º grau completo e 2º grau
incompleto
18,2
53,2
5,9
78,8
2º grau completo e mais
14,0
74,0
5,3
85,7
16 e 17 anos
22,4
35,6
–
–
18 a 24 anos
14,3
71,0
–
–
Total
15,4
62,5
Fonte: Cálculos Realizados a partir da PNAD de 2011.
5,2
79,9
Cor
Faixa de escolaridade
Faixa de idade
110
Wilson F. Menezes e Carlos Frederico A. Uchoa
Todas as faixas de escolaridade dos jovens apresentam taxas de
desemprego mais elevadas em relação aos seus respectivos pares com idades
entre 25 e 55 anos. Mas são os jovens com escolaridade entre o primeiro grau
completo e o segundo grau incompleto que enfrentam a mais elevada taxa de
desemprego (18,2%), em relação aos adultos com idades entre 25 e 55 anos,
com o mesmo grau de escolaridade (5,9%). Os jovens com idades de 16 e
17 anos são os mais expostos ao desemprego, com uma taxa de 22,4%. É
verdade que essas pessoas estão menos presentes no mercado de trabalho (taxa
de participação de 35,6%), mas quando necessitam trabalhar encontram uma
realidade muito desigual, provavelmente em decorrência da menor experiência
em um mercado de trabalho que não respeita gênero, cor, escolaridade e
faixa etária. Afinal, o sistema econômico não tem como objetivo empregar as
pessoas, mas auferir resultados e, para tanto, necessita empregar.
Uma explicação para tão elevadas taxas de participação e de desemprego
do jovem pode ser encontrada quando se observa um movimento de redução
de postos de trabalho destinados a essas pessoas, de maneira que os avanços
educacionais não necessariamente se traduzem, para a população jovem,
em maior possibilidade de obtenção de um posto de trabalho. Alta taxa de
participação com pequena capacidade de absorção ocupacional da população
jovem tem se traduzido, dessa forma, em elevada taxa de desemprego para esse
importante contingente populacional.
A Tabela 2 apresenta um quadro da participação do jovem em duas
faixas etárias: a primeira, que contém as pessoas com 16 e 17 anos, e a
segunda, com idades entre 18 e 24 anos. A escolha dessas faixas decorre da
condição de maioridade legal das pessoas, além de permitir uma percepção
da proporção dessas pessoas que se encontram em plena possibilidade de
continuar seus estudos tendo em vista a obtenção de um curso universitário.
A observação que se faz, a partir desta Tabela 2, é que 23,9% dos jovens
encontram-se na primeira faixa etária. Esse percentual se mantém praticamente
o mesmo quando se observa essa composição etária por gênero e cor, ou seja,
23,2% dos jovens com idades de 16 e 17 anos são mulheres, e 23,3% desses
mesmos jovens são brancos. Por outro lado, considerando a população jovem
presente nessa faixa etária, pode-se verificar que 48,5% são mulheres e 40,7%
são brancos. A população feminina jovem é bastante equilibrada em relação
ao gênero, mas a participação do branco é bastante expressiva nas duas faixas
111
Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição
Tabela 2 - Faixa Etária dos Jovens por Atributos Pessoais
Condição
Mulher
Homem
Demais
Branco
Total
Legenda
16 e 17 anos
18 e 24 anos
Total
% linha
23,2
76,8
100,0
% coluna
48,5
50,1
49,7
% linha
24,5
75,5
100,0
% coluna
51,5
49,9
50,3
% linha
24,3
75,7
100,0
% coluna
59,3
58,0
58,3
% linha
23,3
76,7
100,0
% coluna
40,7
42,0
41,7
% linha
23,9
76,1
100,0
100,0
100,0
100,0
% coluna
Fonte: Cálculos Realizados a partir da PNAD de 2011.
etárias consideradas, isso porque a proporção de brancos com idades entre 18
e 24 anos é de 42,0%.
Escolaridade e Experiência na Força de Trabalho
Para uma melhor compreensão das condições de funcionamento do
mercado de trabalho do jovem, apresentam-se na Tabela 3 abaixo as médias
e os desvios padrão das variáveis contínuas escolaridade e experiência. Essas
informações servem de parâmetros para as estatísticas que serão apresentadas
na sequência do trabalho. A mulher com uma média de 10,5 anos de
escolaridade formal é, em média, mais escolarizada que o homem (9,6 anos
de estudos), muito embora apresente uma experiência menos elevada: 3,4
anos contra 4,2 anos para o homem.
O trabalhador jovem branco apresenta uma escolaridade de 10,7
anos e uma experiência de 3,2 anos, enquanto o conjunto das demais cores
apresenta, em relação ao branco, uma escolaridade menor e uma experiência
mais elevada, respectivamente 9,6 anos e 4,3 anos. As médias de escolaridade
não são estatisticamente diferentes para ocupados e desempregados, mas a
experiência dos ocupados se mostra mais elevada. Por fim, os jovens com
idades entre 18 e 24 anos apresentam escolaridade e experiência mais elevadas
em relação aos seus pares com idades de 16 e 17 anos.
112
Wilson F. Menezes e Carlos Frederico A. Uchoa
Tabela 3 - Escolaridade e Experiência dos Jovens por Atributos Pessoais
Atributo
Escolaridade
Experiência
Média
DP
Teste
Média
DP
Teste
Mulher
10,5
3,0
3,4
3,4
Homem
9,6
3,3
Sig a
95%
4,2
3,7
Sig a
95%
Demais
9,6
3,2
4,3
3,7
Branco
10,7
3,0
Sig a
95%
3,2
3,4
Ocupado
10,4
3,1
4,3
3,5
Desempregado
10,3
2,9
3,6
3,3
16 e 17 anos
8,8
2,4
1,7
2,4
18 e 24 anos
10,5
3,2
Sig a
95%
4,5
3,7
Sig a
95%
Total
10,1
3,1
-
3,8
3,6
-
Não
sig
Sig a
95%
Sig a
95%
Fonte: Cálculos Realizados a partir da PNAD de 2011.
A Tabela 4 abaixo permite observar as condições de ocupação e
desemprego do jovem para algumas faixas de escolaridade e segundo alguns
atributos pessoais. A composição da ocupação se apresenta relativamente
desequilibrada por gênero, cor e faixa etária, como demonstra a última
coluna desta Tabela 4, onde se pode perceber que as ocupações são menos
destinadas às mulheres jovens (40,1%) relativamente aos homens na mesma
condição de idade. No entanto, com respeito ao desemprego, o movimento
se inverte, ou seja, as mulheres jovens (55,6%) são relativamente mais
desempregadas que os homens jovens. Esse movimento em desfavor da
mulher jovem se verifica em todas as faixas de escolaridade, exceto para
aquelas com nível de educação formal acima do segundo grau completo
(50,8%), quando conseguem manter um equilíbrio em relação aos homens.
Assim é que, dentre os analfabetos funcionais, 19,8% são mulheres, numa
demonstração de que para esse estrato educacional os postos de trabalho
são, na sua grande maioria, destinados aos homens. Esse mesmo movimento
pode ser verificado tanto para a faixa de escolaridade com primeiro grau
incompleto (2,6%) como para a faixa com primeiro grau completo e
segundo grau incompleto (34,1%).
Em relação ao desemprego, os dados mostram que as mulheres são mais
presentes na faixa de escolaridade com primeiro grau completo e segundo grau
incompleto (53,7%), bem como para aquelas com segundo grau ou mais de
113
Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição
Tabela 4 - Escolaridade dos Jovens por Condição Ocupacional e Atributos Pessoais
Faixas de Escolaridade
Condição
1º g
Atributo Legenda Analfab
ºg
1
comp
funcio- incomp e 2º g
nal
incomp
% linha
2,1
10,0
%
19,8
23,6
coluna
Ocupado % linha
5,6
21,7
Homem %
80,2
76,4
coluna
% linha
2,6
13,3
Mulher %
43,8
45,0
coluna
Desempregado
% linha
4,2
20,4
Homem %
56,3
55,0
coluna
% linha
5,2
21,3
Demais %
71,8
71,3
coluna
Ocupado % linha
2,7
11,4
Branco %
28,2
28,7
coluna
% linha
4,1
18,4
Demais %
76,7
69,3
coluna
Desempregado % linha
2,1
13,3
Branco %
23,3
30,7
coluna
% linha
4,5
33,8
16 e 17
%
anos
13,3
24,7
coluna
Ocupado % linha
4,1
14,6
18 e 24
%
anos
86,7
75,3
coluna
% linha
2,7
27,7
16 e 17
%
15,9
33,2
Desempregado anos coluna
% linha
3,5
13,7
18 e 24
%
anos
84,1
66,8
coluna
Fonte: Cálculos Realizados a partir da PNAD de 2011.
Mulher
114
2º g
comp e
mais
Total
24,3
63,6
100,0
34,1
50,8
40,1
31,5
41,3
100,0
65,9
49,2
59,9
33,9
50,1
100,0
53,7
61,8
55,6
36,5
38,8
100,0
46,3
38,2
44,4
30,4
43,1
100,0
60,5
48,9
57,0
26,2
59,7
100,0
39,5
51,1
43,0
36,6
40,9
100,0
64,8
56,3
62,1
32,6
52,0
100,0
35,2
43,7
37,9
55,1
6,6
100,0
24,0
1,6
12,4
24,8
56,4
100,0
76,0
98,4
87,6
63,5
6,1
100,0
35,7
2,7
19,7
28,1
54,7
100,0
64,3
97,3
80,3
Wilson F. Menezes e Carlos Frederico A. Uchoa
escolaridade (61,8%). Vê-se, portanto, que a proporção de mulheres ocupadas
e desempregadas cresce com o nível de escolaridade.
Em relação à cor, pode-se observar um relativo equilíbrio entre as
participações dessas pessoas nas diferentes faixas de escolaridade, relativamente
às suas respectivas participações nas condições de ocupação e de desemprego.
Os brancos representam 43,0% do total de ocupados, mas esse percentual
se mostra crescente com o nível de escolaridade, de maneira que eles detêm
28,2% dos postos de trabalho na faixa dos analfabetos funcionais, 28,7% dos
postos destinados àqueles com 1º grau incompleto, 39,5% dos postos com
1º grau completo e 2º grau incompleto, e 51,1% dos postos de trabalho que
empregam pessoas com 2º grau e mais de escolaridade. Dessa forma, podese dizer que a participação dos brancos nas ocupações é crescente com o seu
nível de escolaridade. Na condição de desemprego se encontram 37,9% de
pessoas brancas, sendo que na faixa de escolaridade de analfabetos funcionais
esse percentual é de 23,3%. Essa participação é crescente com o grau de
escolaridade, alcançando 43,7% daqueles com 2º grau e mais de escolaridade.
Esse mesmo tipo de comparação pode ser feito segundo as faixas etárias
da população jovem: com idades de 16 e 17 anos e com idades entre 18 e 24
anos. O jovem com 16 e 17 anos detém 12,4% dos postos de trabalho, mas
quando analfabeto funcional esse percentual passa a 13,3%, subindo ainda
mais para as duas faixas seguintes de escolaridade, e cai bastante quando os
postos de trabalho exigem escolaridade de 2º grau e mais (1,6%), ou seja,
essas pessoas encontram-se mais presentes em atividades que exigem menor
nível de escolaridade. Por diferença tem-se que os jovens com idades entre 18
e 24 anos aparecem sobrerrepresentados na faixa de escolaridade mais elevada
(98,4%) quando ocupados e mesmo quando desempregados (97,3%), já que
eles detêm 80,3% dos postos de trabalho.
Alguns Elementos Relativos à Ocupação
Esta parte do trabalho destaca algumas informações de estatística
descritiva concernentes à condição do jovem no mercado de trabalho. Essas
informações visam contribuir para uma melhor avaliação do funcionamento
do mercado de trabalho juvenil brasileiro. São apresentadas informações
quanto à posição na ocupação, às horas semanais de trabalho, à contribuição
à previdência e aos rendimentos no trabalho principal.
115
Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição
Posição na ocupação
Observando as informações relativas à ocupação percebe-se que
a ocupação juvenil é muito equilibrada em relação ao gênero. Os homens
representam 50,3%, mas a distribuição dessas pessoas nas posições ocupacionais
se mostra bem diferenciada. Os homens detêm 70,3% das ocupações por conta
própria, 65,0% desses postos sem carteira, 59,0% dos postos de trabalho com
carteira assinada, e apenas 7,1% do trabalho doméstico.
Em relação à cor, os brancos jovens detêm 41,7% dos postos de trabalho,
ficando diferenciada a distribuição entre as várias posições ocupacionais.
Assim, os brancos jovens detêm relativamente mais os postos de trabalho
formais com carteira de trabalho assinada (50,0%), aparecem com relativo
equilíbrio nas ocupações sem carteira assinada (38,4%), são pouco presentes
no trabalho doméstico, ainda que detenham 28,6% desses postos de trabalho
e apareçam relativamente pouco numerosos nas ocupações por conta própria,
onde ocupam 36,2% desses postos de trabalho.
Tabela 5 – Posição na Ocupação dos Jovens por Atributos
Atributo
Legenda
Mulher
% linha
%
coluna
% linha
%
coluna
% linha
%
coluna
% linha
%
coluna
% linha
Homem
Demais
Branco
16 e 17
anos
18 e 24
anos
c/ Assal s/
Demais Assal
cart
cart
61,6
20,8
10,0
Trab
domést.
4,7
Conta
própria
2,9
100,0
Total
57,5
41,0
35,0
92,9
29,7
49,7
45,1
29,6
18,3
0,4
6,7
100,0
42,5
59,0
65,0
7,1
70,3
50,3
55,1
21,6
15,0
3,1
5,3
100,0
60,2
50,0
61,6
71,4
63,8
58,3
50,8
30,2
13,0
1,7
4,2
100,0
39,8
50,0
38,4
28,6
36,2
41,7
78,8
5,6
11,6
1,9
2,1
100,0
%
coluna
35,3
5,3
19,6
18,1
10,3
23,9
% linha
45,3
31,3
14,9
2,7
5,7
100,0
%
coluna
64,7
94,7
80,4
81,9
89,7
76,1
Fonte: Cálculos Realizados a partir da PNAD de 2011.
116
Wilson F. Menezes e Carlos Frederico A. Uchoa
As ocupações preenchidas por jovens encontram-se distribuídas entre
as duas faixas etárias consideradas, ficando as pessoas com 16 e 17 anos
representadas com 23,9% delas. Em relação a esse parâmetro, tem-se que
essa faixa etária ocupa 19,6% dos postos sem carteira de trabalho, 18,1%
do trabalho doméstico, 10,3% das ocupações por conta própria e apenas
5,3% do trabalho assalariado com carteira assinada. Essas pessoas ocupam um
menor número de postos de trabalho relativamente ao seu peso na ocupação
como um todo, aparecendo a compensação, portanto, distribuída nos demais
postos de trabalho (35,3%).
Horas semanais de trabalho
O tamanho da jornada semanal de trabalho permite uma avaliação das
condições extensivas de trabalho. No mundo inteiro tem-se trabalhado uma
menor quantidade de horas por semana, seja pela elevação da produtividade
do trabalho, em face do avanço tecnológico, seja em decorrência de
imposições legais. No Brasil, a jornada legal por semana é de no máximo 44
horas, no entanto o quantitativo de pessoas que ultrapassam esse número é
ainda muito forte. Por um lado, isso decorre de uma exploração extensiva
da mão de obra sem que as autoridades tenham condição de fiscalização,
por outro, essa prática de alguma forma pode estar revelando um atraso
tecnológico nos setores que mais usam uma jornada de trabalho que vai
além da definida legalmente.
Considerando a variável horas semanais de trabalho, pela ótica do
gênero, percebe-se que as mulheres encontram-se mais presentes na faixa
entre 40 e 44 horas, ou seja, 42,2% delas exercem uma atividade normal do
ponto de vista legal da jornada de trabalho. Esse percentual é mais elevado
para os homens (47,2%). As mulheres aparecem com peso mais elevado
nas jornadas de trabalho com até 14 horas, com relativo equilíbrio na faixa
seguinte, ficando os homens mais presentes nas faixas entre 40 e 44 horas,
entre 45 e 48 horas e 49 horas ou mais.
Quando relacionada com a cor, o número de horas mostra que os
brancos trabalham relativamente mais na jornada legal de 40 a 44 horas por
semana, já que 48,8% deles encontram-se nessa faixa. Por outro lado, dentre
os trabalhadores dessa faixa, 46,5% são brancos, um percentual mais elevado
que os 43,0% de presença desses trabalhadores no conjunto das ocupações.
117
Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição
Tabela 6 - Faixas de Horas Semanais de Trabalho dos Jovens por Atributos
Atributo
Legenda
% linha
Mulher
%
coluna
% linha
Homem %
coluna
% linha
Demais %
coluna
% linha
Branco %
coluna
% linha
16 e 17 anos %
coluna
% linha
18 e 24 anos %
coluna
Até 14
h
Entre
15 e
39 h
Entre
40 e
44 h
Entre
45 e
48 h
49 h ou
mais
Total
6,9
28,3
42,2
14,3
8,3
100,0
58,7
49,7
37,4
35,4
30,2
40,1
3,2
19,2
47,2
17,5
12,8
100,0
41,3
50,3
62,6
64,6
69,8
59,9
5,2
23,9
42,5
16,7
11,6
100,0
63,7
59,7
53,5
58,8
59,8
57,0
4,0
21,4
48,8
15,5
10,3
100,0
36,3
40,3
46,5
41,2
40,2
43,0
9,6
45,0
28,7
9,9
6,8
100,0
25,6
24,5
7,9
7,6
7,7
12,5
4,0
19,7
47,6
17,1
11,6
100,0
74,4
75,5
92,1
92,4
92,3
87,5
Fonte: Cálculos Realizados a partir da PNAD de 2011.
Os jovens com idades de 16 e 17 anos preenchem 12,5% dos postos
de trabalho como um todo, mas eles representam 25,6% das ocupações com
até 14 horas semanais e 24,5% daquelas que trabalham entre 15 e 39 horas
por semana, provavelmente por se tratar de subocupações. Essas pessoas
exercem suas atividades econômicas fundamentalmente em ocupações
que exigem de 15 a 39 horas semanais de trabalho, isso porque 45,0%
deles estão presentes nessa faixa. Os jovens com idades entre 18 e 24 anos
trabalham mais fortemente na faixa legal de horas semanais (47,6%), mas
se encontram sobrerrepresentados nas faixas que vão além das 40 horas de
trabalho por semana.
Contribuição à Previdência Social
A contribuição à previdência social é um aspecto muito importante na
definição da informalidade do mercado de trabalho. A ocupação sem registro
118
Wilson F. Menezes e Carlos Frederico A. Uchoa
na previdência social constitui um fenômeno com grande implicação tanto
para as pessoas, por contribuir para a diminuição de direitos trabalhistas,
quanto para o governo, pelo vazamento de receitas da previdência. A
ocupação sem contribuição à previdência vem diminuindo no Brasil, mas
ainda apresenta um grande peso, dado o forte contingente de pessoas nessa
situação. A informalidade encontra-se mais presente entre os jovens. Isso
pode ser verificado pelo ângulo do gênero, da cor e nas duas faixas etárias
consideradas. Dentre os que não contribuem para a previdência encontram-se
37,6% de mulheres, 35,1% de brancos, 21,3% com idades de 16 e 17 anos,
para pesos relativos respectivamente de 40,1%, 43,0% e 12,5%.
Tabela 7 - Contribuição à Previdência Social dos Jovens por Atributo
Atributo
Mulher Homem Demais Branco 16 e 17 anos 18 e 24 anos Legenda
% linha
% coluna
% linha
% coluna
% linha
% coluna
% linha
% coluna
% linha
% coluna
% linha
% coluna
Não contrib
42,8
37,6
47,6
62,4
52,1
64,9
37,3
35,1
78,0
21,3
41,1
78,7
Contribui
57,2
42,2
52,4
57,8
47,9
50,3
62,7
49,7
22,0
5,1
58,9
94,9
Total
100,0
40,1
100,0
59,9
100,0
57,0
100,0
43,0
100,0
12,5
100,0
87,5
Fonte: Cálculos Realizados a partir da PNAD de 2011.
Uma observação pelo lado da composição permite afirmar que homens
(52,4%) e mulheres (57,2%) aparecem relativamente mais como contribuintes,
bem como os trabalhadores brancos (62,7%) e as pessoas com idades entre 18
e 24 anos (58,9%). Os trabalhadores com idades de 16 e 17 anos aparecem
relativamente mais como não contribuintes, isso porque 78,0% deles figuram
nessa condição.
Rendimento
Para fechar esta avaliação descritiva das condições de funcionamento
do mercado de trabalho do jovem apresentam-se informações concernentes
119
Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição
aos ganhos dessas pessoas. Para tanto, consideraram-se apenas os rendimentos
provenientes do trabalho principal. Em um primeiro momento tem-se as
faixas de rendimentos por atributos pessoais e, em um segundo, mostram-se
as mesmas faixas de rendimentos por posição na ocupação.
Observando a composição dos rendimentos por atributos percebese que as mulheres estão mais presentes na faixa de ganhos entre R$ 401
e R$ 600, isso porque o mais elevado percentual delas (30,9%) está nesta
faixa; os homens, por sua vez, estão relativamente mais presentes (29,0%) na
faixa com rendimentos mais elevados a R$ 800. Pelo ângulo da cor pode-se
verificar que os brancos aparecem mais fortemente na faixa de ganhos mais
elevados (33,0%). Em uma observação pelas faixas etárias percebe-se uma
frequência muito forte de pessoas com 16 e 17 anos presentes na faixa de
rendimentos menos elevados, isso porque 60,9% dessas pessoas estão nessa
faixa de rendimentos. As pessoas com idades entre 18 e 24 anos (29,8%) estão
mais presentes na faixa de rendimentos entre R$ 401 e R$ 600, mas também
na faixa de rendimentos mais elevados (28,4%).
Tabela 8 - Faixas de Rendimento no Trabalho Principal dos Jovens por Atributo
Atributo
Mulher
Homem
Demais
Branco
16 e 17 anos
18 e 24 anos
Condição
Até
R$ 400
Entre
Entre
R$ 401 e R$ 601 e
R$ 600
R$ 800
R$ 801
ou mais
%
relativa
% linha
28,2
30,9
20,5
20,4
100,0
% coluna
44,2
42,6
41,6
32,0
40,1
% linha
23,8
27,8
19,3
29,0
100,0
% coluna
55,8
57,4
58,4
68,0
59,9
% linha
30,9
31,6
17,6
20,0
100,0
% coluna
68,9
61,8
50,6
44,4
57,0
% linha
18,5
25,8
22,7
33,0
100,0
% coluna
31,1
38,2
49,4
55,6
43,0
% linha
60,9
23,9
9,5
5,7
100,0
% coluna
29,8
10,3
6,0
2,8
12,5
% linha
20,5
29,8
21,3
28,4
100,0
% coluna
70,2
89,7
94,0
97,2
87,5
Fonte: Cálculos Realizados a partir da PNAD de 2011.
120
Wilson F. Menezes e Carlos Frederico A. Uchoa
Uma avaliação por faixa de rendimentos permite dizer que a primeira
dessas faixas, com rendimentos de até R$ 400, é mais fortemente composta
de mulheres (44,2%), quando elas têm uma participação relativa de 40,1%,
contra 55,8% de homens para uma participação relativa de 59,9% no total
das ocupações remuneradas; menos de brancos (31,1%) com participação
relativa de 43,0%. Nessa faixa de rendimentos encontram-se ainda
preferencialmente os jovens adolescentes (29,8%), para uma participação
relativa de apenas 12,5% nas ocupações remuneradas, ou seja, essas pessoas
se concentram nos postos de trabalho de baixa remuneração. Com as mesmas
participações relativas nas ocupações remuneradas (última coluna da Tabela
8), observa-se um relativo equilíbrio na composição de homens (57,4%) e
mulheres (42,6%). Os trabalhadores brancos (38,2%) ficam levemente subrepresentados; o mesmo acontece para os jovens adolescentes (10,3%). Na
faixa de rendimentos entre R$ 601 e R$ 800 tem-se ainda uma participação
relativamente estável de homens (58,4%) e mulheres (41,6%). Por outro lado,
essa faixa apresenta uma maior participação relativa de trabalhadores brancos
(49,4%), diante do peso relativo dessas pessoas nas ocupações remuneradas
(43,0%). Os jovens adolescentes encontram-se sub-representados nessa faixa
de rendimentos, ou seja, com um peso relativo de 12,5% nas ocupações
remuneradas, essa faixa é composta com apenas 6,0% de pessoas com idades
de 16 e 17 anos. A última faixa, com rendimentos superiores a R$ 800,
apresenta uma concentração de homens (68,0%), de pessoas brancas (55,6%)
e de jovens adultos (97,2%), comparativamente aos seus respectivos pesos
relativos nas ocupações remuneradas.
A Tabela 9 mostra as faixas de rendimentos por posição na ocupação.
Os jovens assalariados com carteira assinada aparecem relativamente mais
nas faixas de rendimentos acima dos R$ 400, enquanto que os sem carteira
são mais presentes nas faixas de rendimentos mais baixos, ou seja, com até
R$ 600. O trabalhador doméstico é fundamentalmente de baixa renda, pois
65,4% deles estão na primeira faixa de rendimento. O mesmo acontece com
os trabalhadores por conta própria (39,4%).
Uma avaliação por faixas de renda permite mostrar que a primeira faixa
é composta relativamente mais por assalariados sem carteira (37,0%), quando
eles representam 26,7% dos postos de trabalho remunerado; o mesmo
sentido de participação acontece para os trabalhadores domésticos (12,3%)
para um peso relativo de 4,8% no trabalho remunerado e mesmo para os
121
Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição
Tabela 9 - Faixas de Rendimento no Trabalho Principal dos Jovens por Posição na
Ocupação
Posição na
ocupação
Condição
Até
R$ 400
Entre
R$ 401 e
R$ 600
Entre
R$ 601 e
R$ 800
R$ 801
ou mais
%
relativa
Assalariado
com carteira
% linha
1,9
32,2
30,5
35,5
100,0
% coluna
3,5
52,7
73,3
66,0
47,6
Assalariado
sem carteira
% linha
35,3
36,6
13,1
15,0
100,0
% coluna
37,0
33,7
17,7
15,7
26,7
Trabalho
doméstico
% linha
65,4
25,5
4,9
4,1
100,0
% coluna
12,3
4,2
1,2
0,8
4,8
% linha
39,4
21,2
11,2
28,2
100,0
% coluna
14,0
6,6
5,1
10,0
9,1
Conta própria
Fonte: Cálculos Realizados a partir da PNAD de 2011.
trabalhadores por conta própria (14,0%) para uma participação relativa de
9,1% nas ocupações com rendimentos monetários. No sentido oposto tem-se
a participação dos assalariados com carteira assinada, muito mais frequente
nas faixas de rendimentos acima dos R$ 400. Esses trabalhadores constituem
52,7% daqueles que ganham entre R$ 401 e R$ 600, 73,3% dos que
recebem entre R$ 601 e R$ 800 e 66,0% dos que ganham acima dos R$ 800,
quando eles representam 47,6% dos trabalhos remunerados. Essa informação
permite dizer que mais da metade dos trabalhadores jovens encontram-se na
informalidade das atividades econômicas, uma lógica distributiva muito dura
para aqueles que praticamente iniciam suas inserções no mercado de trabalho.
As Probabilidades de Participação na Ocupação
Para estimar os determinantes da inserção dos jovens na ocupação tomouse o ano de 2011 como referência, gerando uma amostra da PNAD de 34.447
indivíduos. Nessa amostra foram consideradas todas as entrevistas realizadas
com indivíduos com idades entre 16 e 24 anos. Com essa base estimou-se um
modelo econométrico envolvendo todas as pessoas pertencentes à População
Economicamente Ativa (PEA), ou seja, empregados e desempregados. A
equação dos principais determinantes na ocupação foi estimada por meio do
modelo Probit.
122
Wilson F. Menezes e Carlos Frederico A. Uchoa
Esse modelo permite estimar as probabilidades de um evento qualitativo
ocorrer, dado um conjunto de variáveis observáveis que influenciam essa
ocorrência. No caso em exame o evento qualitativo é o fato de o jovem com
idade entre 16 e 24 anos ocupar ou não um posto de trabalho. O modelo
Probit é estimado a partir da função de densidade acumulada, tal como segue:
,
onde
é a probabilidade de que um evento aconteça. No caso
desta pesquisa, é a probabilidade de o jovem estar ocupado. Caso contrário,
tem-se
, considerando como dados os valores das variáveis
explicativas Xi; Zi é a variável normal padronizada, ou seja,
,
enquanto F é a função de densidade acumulada normal padrão que se explica
como segue:
A estimativa do modelo Probit é realizada por máxima verossimilhança,
que consiste em estimar os parâmetros desconhecidos da equação de
referência de forma que a probabilidade de se observar o evento
seja a mais elevada possível. O método da máxima verossimilhança considera
que diferentes populações geram amostras diferentes, de maneira que
uma determinada amostra tem maior probabilidade de ter sido originada
de uma determinada população, e não de outra. A função de máxima
verossimilhança depende, portanto, dos valores da amostra, bem como
dos parâmetros a serem estimados. Esse tipo de estimativa envolve uma
busca entre os parâmetros alternativos para encontrar aqueles que mais
provavelmente geraram a amostra. O log da função de verossimilhança é
dado por Pindyck e Rubinfeld (2004):
Derivando com respeito aos parâmetros desconhecidos (α, β e σ2)
obtêm-se os estimadores de máxima verossimilhança, tal como abaixo:
123
Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição
Com o uso do modelo Probit foram estimados os condicionantes
probabilísticos que definem a participação do jovem na ocupação, tal como
aparece na equação abaixo:
onde y representa a variável binária assumindo os valores um quando se trata
de um jovem ocupado; caso contrário o valor é zero. As variáveis independentes
representam os controles que condicionam as probabilidades de participar ou
não na ocupação, sendo α a média condicional, βs os parâmetros a serem
estimados, e ɛ a perturbação aleatória.
As variáveis explanatórias consideradas foram as seguintes:
Cor – capta o efeito da cor do indivíduo, branco = 1; demais = 0.
Gen – verifica a influência do gênero, homem = 1; mulher = 0.
Chef – condição de ser chefe de família, chefe = 1; demais familiares = 0.
Exper – variável contínua, definida pela (idade – escolaridade – 6).
Migra – condição de ser migrante = 1; não migrante = 0.
Esco – variável contínua que representa o número de anos de estudos formais.
Reg – regiões brasileiras: Norte=1, Nordeste=2 Sudeste=3, Sul=4 e CentroOeste=5.
Os principais resultados obtidos são apresentados na Tabela 10, abaixo.
Por uma questão de didática, a avaliação desses resultados segue a ordem de
visualização na Tabela 10. Vale ressaltar que a dimensão das contribuições das
variáveis é dada pelos coeficientes do efeito marginal, enquanto a consistência
desses resultados é melhor apontada pelas estatísticas de Wald. Por outro lado,
uma avaliação global do modelo pode ser percebida pelos valores dos pseudo
R2, enquanto a consistência do modelo em seu conjunto pode ser interpretada
pela razão de verossimilhança, similar ao teste F dos modelos lineares.
124
Wilson F. Menezes e Carlos Frederico A. Uchoa
Tabela 10 - Principais Determinantes da Ocupação dos Jovens
Variáveis
Coefic
DP
Wald
ddl
95%
Confidence
Interval
Sig
Lower
Bound
[DumTra
0]
Cor
=
Ef Mg
Upper
Bound
0,137
0,061
5,015
1,0
0,025
0,070
0,019
13,943
1,0
0,000
0,017
0,256
0,21
Gen
0,365
0,017 447,391
1,0
0,000
0,033
0,106
0,45
Chef
0,181
0,025
50,802
1,0
0,000
0,331
0,399
0,31
Exper
0,066
0,004 330,670
1,0
0,000
0,131
0,231
1,12
Migra
0,043
0,028
2,454
1,0
0,117
0,059
0,074
0,18
0,004 256,025
1,0
0,000
-0,011
0,097
0,72
0,034
2,024
1,0
0,155
0,057
0,073
0,09
0,031
21,779
1,0
0,000
-0,114
0,018
-0,01
-0,050
0,031
2,687
1,0
0,101
-0,204
-0,083
0,09
[RE=4] Sul
0,190
0,035
28,821
1,0
0,000
-0,110
0,010
0,32
[RE=5] C.
Oeste
0a
0,001
90,000
1,0
0,000
0,121
0,260
Goodness-ofChi
Fit
Square
df
Sig. Model
-2 Log
Likelihood
ChiSquare
Df
Sig.
1.125
10,00
0,00
Esco
0,065
[ R E = 1 ]
-0,048
Norte
[RE=2]
-0,144
Nordeste
[RE=3]
Sudeste
Pearson
5.623
5.187
0,00
Interc
10.265
Deviance
5.215
5.187
0,39
Final
9.140
Pseudo R-Square:
Cox and Snell 0,03
Nagelkerk 0,06
Fonte: Cálculos Realizados a partir da PNAD de 2011.
McFadden 0,04
A interpretação desses resultados merece certos cuidados, isso porque
no modelo Probit os valores estimados dos coeficientes não são comparáveis
de maneira direta. Por essa razão, normalmente se estima o efeito marginal
de cada um dos regressores sobre a variável dependente, possibilitando então
se estabelecer um processo de comparação entre as diferentes contribuições
marginais. Uma informação que pode ser retida desses coeficientes é o sinal.
Um sinal positivo indica que um aumento da variável de controle eleva a
125
Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição
probabilidade de o indivíduo exercer uma atividade econômica e vice-versa
para o sinal negativo. Isso decorre da própria definição dicotômica dos valores
atribuídos aos dois segmentos.
Praticamente todos os sinais das estimativas foram significativamente
diferentes de zero na equação de determinantes da inserção do jovem na
ocupação. Isso pode ser visualizado através de valores e níveis de significância
da estatística de Wald. Os sinais apontam elevações das probabilidades de os
indivíduos entre 16 e 24 anos estarem ocupados para as variáveis: cor, gênero,
chefe de família, experiência, condição ser migrante e nível de escolaridade.
Dessa forma, pode-se afirmar que os indivíduos brancos, homens, chefes
de família, com maior experiência, migrantes e com maior dotação de
escolaridades têm maiores chances de estar ocupados. No entanto, é preciso
chamar atenção à variável que expressa a condição de migração da pessoa, caso
em que a estatística Wald se mostrou razoavelmente baixa (Wald de 2,45).
Esse resultado aponta um grau de significância estatística de apenas 11,7%.
Os controles através das regiões econômicas do País permitem afirmar
que, em relação à região de referência (Centro-Oeste), apenas a região Sul
apresenta um efeito positivo em relação à condição de empregabilidade
dos jovens com idades entre 16 e 24 anos, embora o grau de significância
estatística tenha sido de 15,5% para a região Norte, e de 10,1% para o
Sudeste. Isso naturalmente quer dizer que essas regiões não se diferenciam
significativamente da região de referência em termos de empregabilidade
dos jovens.
Como dito acima, os coeficientes de uma regressão Probit merecem
cuidados adicionais para serem interpretados. No modelo linear os parâmetros
estimados medem os efeitos marginais, ou seja, o impacto da variação das
variáveis explicativas sobre a variável endógena. A estimativa do modelo
Probit permite avaliar a probabilidade e a influência das diferentes variáveis
explicativas sobre essa probabilidade. Mas nesses modelos os efeitos marginais
não são iguais aos valores estimados dos parâmetros, daí a necessidade de
se estimarem efeitos marginais especiais para modelos dessa natureza.
(CADORET et al., 2009). Isso porque esse efeito pode ser estimado para
cada jovem individualmente. No entanto, para simplificar, normalmente se
consideram os efeitos marginais avaliados no ponto médio de cada variável.
Os coeficientes dos efeitos marginais das variáveis independentes apresentam,
126
Wilson F. Menezes e Carlos Frederico A. Uchoa
portanto, as magnitudes dos resultados para as condições médias de todas
as variáveis, exceto aquela em observação. Por exemplo, o efeito marginal
da variável “Cor” considera todas as demais variáveis pela média. Essa
consideração deve ser feita para todas as variáveis. Esse artifício de interpretação
é o mesmo para as demais variáveis. Não é demais lembrar que o cálculo dos
efeitos marginais comporta dois tipos de estimativa: para variáveis explicativas
contínuas e para variáveis explicativas qualitativas.
Dessa sorte, o efeito marginal permite perceber a variação da
probabilidade de o jovem estar ocupado considerando-se a variável em
referência. Influência negativa na margem aparece apenas para a variável região
Nordeste. As demais variáveis apresentaram influências marginais positivas.
As mais elevadas contribuições marginais aparecem, como era de se esperar,
para as variáveis experiência e escolaridade. Por fim, pode-se arguir que o
grau de aderência do modelo é bom, em decorrência de uma significância
estatística do -2Log Likelihood; por outro lado, os pseudo R2 se mostraram
bastante baixos, como acontece normalmente em estudos dessa natureza, que
usam dados transversais.
Sugestão de Políticas e Conclusão
A passagem de desemprego à condição de ocupado constitui um
verdadeiro rito para a população jovem. Essa passagem mostra-se diferenciada
segundo a cor, o gênero, a condição de chefe de família, a experiência,
a condição migratória e a escolaridade das pessoas com idades entre 16 e
24 anos. Por outro lado, em relação à região Centro-Oeste, a região Sul
se mostrou mais propícia à empregabilidade do jovem. Políticas públicas
voltadas, por exemplo, ao primeiro emprego devem naturalmente considerar
essas características regionais.
Muitos foram os problemas levantados por estudos voltados à
população juvenil. O segmento do mercado de trabalho do jovem sofre as
mais diversas influências: a pobreza aumenta a incidência do trabalho juvenil;
as novas tecnologias elevam o desemprego, uma vez que exigem uma maior
e diferenciada qualificação do trabalhador, característica incomum entre
os jovens, até mesmo porque ainda são jovens; e as alterações na estrutura
etária da população, com aumento quantitativo de pessoas nas faixas etárias
com até 24 anos, além da inadequação do sistema escolar e da rigidez salarial
127
Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição
com estabilidade inflacionária, provocando incerteza quanto à produtividade
do jovem. Essa é, portanto, uma equação de difícil solução. Mesmo assim
algumas sugestões de política podem ser emitidas.
Na sequência do trabalho pretende-se apresentar algumas sugestões de
políticas de qualificação voltadas à oferta de trabalho jovem, tendo em vista
dotar essas pessoas de níveis mais elevados de produtividade, além de procurar
adequá-las em termos de condições mais propícias de acompanhar e se inserir
em um mercado de trabalho que vem, nas últimas décadas, enfrentando
grandes transformações, com exigências cada vez mais elevadas em termos de
habilidades e qualificações.
Melhoria da qualidade da educação básica
Trata-se de um ponto de partida muito importante para dispor de
uma mão de obra mais qualificada, permitindo acompanhar os desafios
que a realidade econômica atual vem impondo aos trabalhadores de modo
geral e aos jovens em particular. Uma boa educação básica se traduz na
formação de um capital humano com largo espectro de atuação, capaz
de acompanhar as mutações técnicas e organizacionais que o mundo
econômico vem conhecendo nessas duas últimas décadas, além de permitir
as condições iniciais em termos de capacidade de abstração, entendimento
e operacionalidade, para que as pessoas se voltem, em momento oportuno,
às formações mais específicas.
Incentivo à escolaridade de ensino médio
Em complemento à formação de base devem-se elaborar e desenvolver
programas educacionais de ensino médio, já que esse nível de escolaridade
alcança diretamente o jovem de 16 e 17 anos. Uma grande conquista, quando
se dispõe de uma estrutura de ensino voltada à formação de jovens adolescentes,
aparece imediatamente na elevação do nível educacional dessas pessoas. Além
disso, essa maior escolaridade secundária implica manter essas pessoas fora
do mercado de trabalho por mais tempo, reduzindo, portanto, as taxas de
desemprego justamente em um momento em que os jovens requerem ainda
uma continuidade de formação para que possam tomar melhores decisões
que permitam antecipar problemas e assumir responsabilidades quando se
voltarem ao mercado de trabalho.
128
Wilson F. Menezes e Carlos Frederico A. Uchoa
Formação profissional específica
O sistema educacional brasileiro não tem priorizado a formação de
uma mão de obra voltada para o sistema produtivo. No entanto, não se pode
negar que quando se tem uma boa formação profissional as condições de
acesso a um emprego melhoram significativamente, bem como os riscos
do desemprego ficam reduzidos. Com efeito, a formação profissional deve
estar voltada às exigências do próprio mercado de trabalho, de maneira que
uma percepção das necessidades das empresas, e mesmo do setor público,
é sempre importante para que se possa adequar o sentido de formação de
uma oferta de trabalho com as exigências requeridas pelo lado da demanda.
Uma formação profissional com essa preocupação, além de elevar a chamada
“empregabilidade” das pessoas envolvidas, naturalmente permitirá uma
elevação dos seus rendimentos futuros.
Empregabilidade e rendimentos mais elevados acontecem em virtude
da maior capacitação e integração dos agentes envolvidos no processo
econômico. A especificidade do jovem surge no instante em que ele contempla
a possibilidade de adentrar no mercado de trabalho, exatamente no momento
em que ele tem mais condições de adquirir uma melhor capacitação profissional.
Para tanto, não se pode desconsiderar as transformações econômicas, que vêm
sistematicamente reduzindo o emprego industrial e ampliando o emprego na
área de serviços. Por isso mesmo é importante que esse tipo de formação seja
orientado às ocupações emergentes.
Fomento à formação de postos de trabalho em tempo parcial
Com o objetivo de agilizar o funcionamento do mercado de trabalho
juvenil, necessário se faz incentivar a formação de postos de trabalho
específicos voltados a essa faixa etária, de maneira a permitir que os jovens
continuem frequentando as escolas e ampliando seus conhecimentos gerais
e de formação. Esse tipo de política deve visar à diminuição da taxa de
desemprego para essas pessoas, bem como reduzir o tempo de desemprego
ao qual possam estar submetidas, sem que isso signifique retirar os jovens
inteiramente das escolas.
129
Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição
Atenção especial ao setor informal
A informalidade tem fornecido uma grande possibilidade em termos
de geração de postos de trabalho. Entretanto, os níveis de escolaridade e
de rendimentos das pessoas envolvidas nesse segmento econômico são por
demais incipientes. Programas educacionais e capacitações profissionais
direcionados a esse segmento são sempre bem-vindos, na medida em que
contribuem necessariamente para melhorar a qualificação e o rendimento
dessa mão de obra.
Com efeito, o segmento jovem do mercado de trabalho vem constituindo
um importante foco de políticas sociais e econômicas. Para se alcançar uma
melhoria das condições de funcionamento desse mercado de trabalho faz-se
necessário estabelecer políticas sociais e econômicas em um contexto maior
que leve em consideração as inovações tecnológicas, as flutuações da atividade
econômica e os condicionantes do processo de globalização produtiva e
financeira. Ademais, não se pode considerar a natureza do trabalho juvenil
como uma problemática conjuntural. Muito pelo contrário, esse tipo de
trabalho constitui-se uma questão estrutural que tem se verificado em
diferentes países com distintos níveis de desenvolvimento.
É preciso considerar, ainda, que as determinações sobre o mercado
de trabalho podem advir das condições de demanda e oferta de trabalho.
As primeiras encontram-se associadas aos processos estruturais (envolvendo
elementos tecnológicos) e conjunturais de uma economia. A não consideração
desses elementos naturalmente coloca qualquer programa de melhoria do
funcionamento do mercado de trabalho em xeque. As determinações oriundas
da oferta de trabalho se reportam imediatamente às condições sociais e
econômicas dos indivíduos e de suas respectivas famílias. Essas condições se
mostram diferenciadas, tanto no plano dos atributos pessoais natos como no
plano dos atributos adquiridos.
130
Wilson F. Menezes e Carlos Frederico A. Uchoa
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131
Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição
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trabalho brasileiro. Revista Brasileira de Estudos de População, v. 19, n. 2,
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132
DINÂMICA RECENTE DA INSERÇÃO DO JOVEM
NO MERCADO DE TRABALHO E A QUESTÃO DA
ESCOLARIDADE
Amilton Moretto1
Maria Alice Pestana de Aguiar Remy2
Introdução
O bom desempenho da economia brasileira, na década de 2000,
abriu muitas oportunidades de emprego formal que não se manifestaram
na década de 1990. Este artigo tem o objetivo de averiguar se esse maior
dinamismo econômico favoreceu o indivíduo jovem que procurou se
inserir no mercado de trabalho naquela década e se a escolaridade foi
um fator que distinguiu essa inserção. O pressuposto é que a melhoria
do ambiente econômico favoreceu a inserção do trabalhador jovem,
geralmente aquele que apresenta maior dificuldade pela falta ou pouca
experiência de trabalho.
Desde a retomada do crescimento econômico, em meados dos anos
2000, o tema da qualificação profissional ganhou novo destaque, mas com
um sentido diferente daquele que vigorava na segunda metade dos anos 1990.
Se anteriormente a qualificação era justificada como meio para o trabalhador
aumentar suas chances de se inserir no mercado do trabalho e, portanto, sair
da situação de desemprego, no período recente os representantes das empresas
1 Pesquisador e Professor do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho (Cesit)
do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
2 Pesquisadora do Cesit e doutoranda no Instituto de Economia da Unicamp.
133
Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição
dizem estar com vagas disponíveis para as quais não encontram trabalhadores
apropriadamente qualificados.
Nos anos 1990, além do crescente e elevado nível de desemprego,
as ocupações criadas foram de baixa qualidade (baixa remuneração e
qualificação). Como escreve Pochmann (2001), o setor que mais cresceu foi
o trabalho doméstico, que representou cerca de 23% de todas as ocupações,
enquanto muitos profissionais com formação no ensino superior tinham de se
sujeitar à subocupação para não se tornarem desempregados. Como o baixo
crescimento da economia gerava um número de postos de trabalho insuficiente
para ocupar todos os indivíduos que buscavam um emprego remunerado,
restava a esses trabalhadores o desemprego ou o trabalho precário.
Essa situação começou a mudar a partir da desvalorização cambial
ocorrida no início de 1999 e da mudança no regime de política econômica,
que passou a ter seus fundamentos no tripé câmbio flutuante (ainda que
uma flutuação suja), política monetária com foco nas metas de inflação e na
política fiscal compromissada com superávits primários em nível suficiente
para garantir a estabilidade da relação dívida/Produto Interno Bruto (PIB).
(OLIVEIRA; TUROLLA, 2013).
Desde então o emprego voltou a apresentar recuperação, mas isso
ocorreu com maior intensidade após 2004, com o dinamismo da economia
internacional, a volta dos fluxos de capitais e o crescimento capitaneado
pelos EUA e pela China, que ampliaram a demanda por commodities,
elevando substancialmente os preços dessas operações e beneficiando os países
produtores dos bens, dentre os quais o Brasil. Se inicialmente a recuperação do
produto deveu-se ao bom desempenho da balança comercial, esse dinamismo
foi internalizado e fez com que a indústria ampliasse sua produção e voltasse
a contratar.
O bom desempenho do produto teve impacto importante sobre o
mercado de trabalho, ampliando-se a contratação formal (com registro
em carteira), diminuindo-se a contratação terceirizada sem carteira e
garantindo-se os ganhos reais dos salários médios. Como resultado teve-se
uma melhoria na estruturação desse mercado de trabalho, a despeito de ser
mantida uma elevada rotatividade da mão de obra, de desemprego estrutural
e da heterogeneidade da estrutura ocupacional. (BALTAR et al., 2010).
134
Amilton Moretto e Maria Alice Pestana de Aguiar Remy
Pode-se discutir o grau em que a maior escolaridade da população
contribui para o desenvolvimento de um país, mas parece inegável que uma
população escolarizada tem maior capacidade de transformar a sociedade e,
restringindo-se ao aspecto econômico, fornecer os recursos necessários para
o crescimento - quantitativo e qualitativo da produção. Corbucci (2011)
destaca a importância da escolaridade para imprimir maior produtividade ao
trabalho, bem como para ampliar as chances de quem busca uma ocupação
remunerada conquistar um emprego. Ademais, Corbucci (2011) também
ressalta a necessidade de uma boa formação escolar - aqui em nível superior
- para ampliar a inovação tecnológica, especialmente em bens e serviços que
permitam uma inserção melhor do país no plano internacional.
Um indivíduo mais escolarizado amplia o leque de oportunidades
ocupacionais de que pode dispor e, portanto, suas chances de conseguir
um emprego. Contudo, mesmo para o indivíduo escolarizado, conquistar
um posto de trabalho depende da demanda de mão de obra por parte dos
empregadores e da concorrência que terá de enfrentar para ocupar as vagas
para as quais está habilitado. Ou seja, não basta simplesmente ter uma boa
formação escolar, é necessário que a estrutura econômica da região ofereça
postos de trabalho suficientes.
No caso do indivíduo jovem, sobretudo aquele que busca se inserir
no mercado de trabalho, as dificuldades são, talvez, maiores do que para as
demais pessoas. A falta de experiência e a inexistência de uma política pública
para a transição à vida ativa diminuem as chances de o jovem conquistar um
emprego. O empregador o vê com desconfiança. Como nunca foi testado, o
risco de que não apresente uma produtividade satisfatória pode ser grande,
além da dúvida sobre o seu comprometimento com a empresa. Um jovem
com mais escolaridade - sobretudo com formação superior - pode reduzir esse
risco, mas não o elimina. Assim, é maior a probabilidade de o jovem se inserir
precariamente no mercado de trabalho.
Após essa análise geral, foca-se na inserção do trabalhador jovem no
emprego formal. Aqui o objetivo é averiguar qual é o tipo de emprego ao
qual o jovem está vinculado e como isso muda com relação à sua respectiva
escolaridade. Dessa forma, busca-se compreender as principais diferenças
entre o jovem mais escolarizado e aquele com menor escolaridade, e se
ocorreu uma mudança importante entre os anos analisados.
135
Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição
O artigo está estruturado da seguinte forma: após esta introdução, a
seção seguinte (2) trata dos aspectos metodológicos; em seguida (3) discorrese sobre a dinâmica da inserção recente do jovem no mercado de trabalho
(período de 2004 a 2011), com foco na taxa de participação, taxa de ocupação
e desemprego, comparando-se com o conjunto de trabalhadores adultos.
Na seção 4 procura-se examinar a situação do jovem no mercado formal,
focando-se na escolaridade dos jovens no emprego formal. Por fim, na seção 5
alinham-se algumas considerações.
Aspectos Metodológicos
A análise empírica será desenvolvida em duas etapas a partir de duas bases
de dados: a) Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2004
a 2011; e b) Relação Anual de Informações Sociais (RAIS), para 2004 e 2011.
Primeiramente o objetivo é localizar a inserção do jovem no mercado de
trabalho em geral. Dessa forma, são utilizados os microdados da PNAD que
permitem investigar um universo populacional, setorial e ocupacional mais
amplo do que as pesquisas por estabelecimento e os registros administrativos,
constituindo-se como referência básica para classificação e caracterização da
população economicamente ativa de um país. (HOFFMANN; BRANDÃO,
1996).
Para este estudo considerou-se a População em Idade Ativa (PIA) como
sendo aquela com 15 anos ou mais de idade, e a população jovem como o
subconjunto desta, isto é, pessoas com idade entre 15 e 24 anos.
A População Economicamente Ativa (PEA) compreende a população
de 15 anos ou mais que estava trabalhando ou estava disponível para executar
algum trabalho, isto é, constituía-se na força de trabalho disponível para a
produção de bens e serviços durante a semana de referência. Assim definida,
a PEA compõe-se de dois grupos: a população ocupada (Ocupados) e a
população desocupada (Desocupados).
Os ocupados constituem o conjunto de indivíduos que durante a semana
de referência da pesquisa estavam exercendo algum trabalho - tanto por conta
alheia (empregados) como por conta própria (autônomos), empregadores,
produção para o próprio consumo ou na construção para o próprio uso.
136
Amilton Moretto e Maria Alice Pestana de Aguiar Remy
A população desocupada refere-se, por sua vez, a um subgrupo da
população economicamente ativa. Em outras palavras, são aqueles que
se caracterizam por não estar exercendo qualquer trabalho na semana de
referência, mas tinham disponibilidade para trabalhar.
Feitas essas definições de PIA, PEA, população ocupada e desocupada,
construíram-se os indicadores de análise, isto é, a taxa de participação que relaciona a PEA e a PIA, a taxa de desocupação3, que mensura a proporção percentual de
desocupados da PEA, e a taxa de ocupação, que consiste na razão entre o total dos
ocupados e a População em Idade Ativa (PIA).
A escolaridade foi desagregada em quatro faixas. A primeira (Menor
Fundamental) compreende as pessoas que não concluíram o ensino
fundamental; na segunda faixa (Fundamental) estão aqueles que concluíram o
ensino fundamental e aqueles que não concluíram (ou não tinham concluído)
o ensino médio; a terceira faixa (Médio) inclui aqueles que concluíram o
ensino médio e aqueles que não completaram o ensino superior; por fim,
a última faixa (Superior) considera todos aqueles que concluíram o ensino
superior (graduação, mestrado e doutorado).
Para esta análise as variáveis utilizadas serão: o tamanho do
estabelecimento em que está empregado o trabalhador, o tipo de vínculo e
a ocupação - grande grupo da Classificação Brasileira de Ocupações (CBO)
de 2002.
Dinâmica da inserção do jovem no mercado de trabalho
Um dos principais aspectos a serem considerados na análise da oferta
de mão de obra é a mudança na estrutura etária por que passa a sociedade
brasileira em decorrência da baixa taxa de fecundidade, da redução das taxas
de mortalidade e das migrações. Essa mudança significa que o mercado de
trabalho passa por um período em que a maior parte de sua população está em
3
Ressalta-se que essa taxa é superior à taxa de desemprego, pois considera dentre todos os
que não estavam trabalhando, tanto aqueles que efetivamente tomaram alguma iniciativa
para encontrar um trabalho (desempregados) como aqueles que estavam disponíveis para
trabalhar, mas não tiveram nenhuma iniciativa de procurar trabalho. Para se calcular a taxa
de desemprego, deveria-se retirar estes últimos (que não procuraram trabalho) tanto da
população desocupada como da PEA.
137
Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição
idade ativa ou, em outros termos, observa-se a menor razão de dependência
(quociente percentual entre o número de crianças e adolescentes com até
15 anos e idosos com 65 anos ou mais, e a população com idade de 16 a
64 anos). A evolução temporal das informações permite captar tendências.
Para uma pesquisa amostral e de corte transversal como a utilizada neste
trabalho (PNAD), a maneira de se verificar o movimento seria recorrendo a
indicadores de mercado de trabalho.
O indicador mais apropriado para aferir a dinâmica do jovem no
mercado de trabalho é considerar sua taxa de participação. Ela exprime
de forma mais detalhada a disposição da população desse grupo etário em
participar ou não da atividade produtiva. O Gráfico 1 apresenta a evolução da
participação dos jovens vis-à-vis à população como um todo.
Taxa de participação
70,0
68,0
66,0
64,0
67,9
67,4
66,5
65,7
67,3
66,9
66,6
66,3
66,4
66,4
65,4
63,8
63,9
62,0
60,0
15 anos ou +
15 a 24 anos
58,6
58,0
56,0
54,0
52,0
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2011
Ano
Gráfico 1 - Evolução da Taxa de Participação da População Total e da População Jovem
(Em %)
Fonte: IBGE - PNADs 2004 a 2011 (Elaboração dos autores).
Verifica-se que o jovem tem diminuído sua participação desde
2005, quando a taxa de participação foi superior à média do conjunto da
população em idade ativa, atingindo um valor de 58,6% em 2011, bem
abaixo da taxa apresentada no início do período analisado. Essa queda na
participação do jovem pode estar associada à melhoria do rendimento dos
pais (tanto devido ao crescimento da renda do trabalho como decorrente
da ampliação dos programas sociais que transferem renda), diminuindo
138
Amilton Moretto e Maria Alice Pestana de Aguiar Remy
a pressão de esse jovem buscar trabalho para complementar a renda da
família. Ao mesmo tempo, ele pode ter continuado ou retornado aos
estudos com vista a aumentar sua escolaridade e, assim, melhorar sua
inserção no mercado de trabalho.
A menor participação do jovem no mercado de trabalho pode estar
associada à redução ou ao aumento da desocupação desse jovem, bem como
ao aumento ou à diminuição da taxa de ocupação. Os dados da Pesquisa
Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) (Gráfico 2) mostram que no
período em análise ocorreu uma redução da taxa de desocupação entre 2005
e 2008. No ano de 2009, por conta da crise deflagrada no último trimestre
de 2008, houve forte elevação, atingindo-se o pico (7,3%) do período,
reduzindo-se em 2011 para os níveis de 2007. Chama-se a atenção que a
taxa de desocupação para esse grupo etário permaneceu abaixo da média do
conjunto da população ao longo de todo o período, somente ficando acima
em 2011.
Taxa de desocupação
9,0
8,0
7,0
6,0
5,0
7,7
8,0
7,3
7,1
7,3
6,2
6,9
6,6
7,1
6,4
6,4
5,9
6,2
5,9
4,0
3,0
15 anos ou +
15 a 24 anos
2,0
1,0
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2011
Ano
Gráfico 2 - Evolução da Taxa de Desocupação da População Total e da População Jovem
(Em %)
Fonte: IBGE - PNADs 2004 a 2011 (Elaboração dos autores).
A menor taxa de participação e a redução da taxa de desocupação do
jovem refletiram-se na elevação da taxa de ocupação entre 2004 e 2008,
revertendo-se após a crise com redução em 2009 e 2011. (Gráfico 3). Os
dados mostram que essa trajetória de queda da taxa de ocupação não foi
exclusiva para a população jovem, sendo observada para o conjunto da
população em idade ativa. O que chama a atenção, comparando-se com as
139
Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição
informações anteriores, é que depois da crise o jovem pode estar encontrando
maior dificuldade de encontrar trabalho, e essa redução da taxa de ocupação
parece ter decorrido mais da perda da ocupação com o consequente aumento
da taxa de desocupação.
70,0
60,6
60,2
59,8
61,1
60,5
60,2
58,9
Taxa de ocupação
60,0
50,0
40,0
30,0
15 anos ou +
48,0
48,2
48,4
48,1
46,5
48,5
44,7
15 a 24 anos
20,0
10,0
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2011
Ano
Gráfico 3 - Evolução da Taxa de Ocupação da População Total e da População Jovem
Fonte: IBGE - PNADs 2004 a 2011 (Elaboração dos autores).
Outro ponto a se ressaltar é que a inserção do jovem no mercado de
trabalho pode ocorrer sob a forma de empregado (informal ou formal) ou
na ajuda a parente em atividade autônoma ou como empregador, pois sua
falta de experiência dificulta sua inserção autônoma. Contudo, há limitações
empíricas para a avaliação da ocupação informal do jovem. Dessa forma, na
próxima seção verifica-se a situação do jovem na dimensão do trabalho formal.
O Jovem no Emprego Formal
Nesta seção busca-se investigar se no período de 2004 a 2011 ampliouse a proporção de jovens no total do emprego e que tipo de emprego esse
jovem conquistou.
Verifica-se que, entre 2004 e 2011, o total de jovens com idade entre
15 e 24 anos com emprego formal aumentou em 2,1 milhões (35% acima
de 2004), ainda que a participação relativa desse grupo etário no total do
emprego formal tenha se reduzido de 20% em 2004, para 18% em 2011.
Esse movimento, aparentemente contraditório, parece refletir a queda da
140
Amilton Moretto e Maria Alice Pestana de Aguiar Remy
taxa de participação do jovem observada no período, como apontado na
seção anterior, já que a queda da taxa de desemprego entre estes foi muito
maior. Ou seja, uma proporção menor de jovens lançou-se à vida ativa
e, destes, mais jovens conseguiram encontrar uma ocupação. A queda da
participação pode estar associada à maior permanência do jovem na escola,
com vistas a ampliar sua escolaridade e as chances de uma melhor inserção
no mercado de trabalho.
A ampliação do emprego do jovem ocorreu nos estabelecimentos
de todos os portes, porém com mais intensidade nos pequenos e médios
estabelecimentos e com menor intensidade nos microestabelecimentos.
Esse movimento reduziu a participação relativa do emprego nos
microestabelecimentos, que passou de 24,8% para 21,6%, enquanto
ampliou-se a participação em todos os demais. Observa-se que mais da
metade do total de jovens empregados está em estabelecimentos de pequeno
ou médio porte.
Quando se observa a escolaridade do jovem empregado constata-se que
mais da metade tem ao menos o ensino médio completo. Essa tendência foi
acentuada entre 2004 e 2011. Os dados da Relação Anual de Informações
Sociais (RAIS) mostram que os jovens com ensino médio representavam
47,6% do total de empregados desse grupo etário em 2006, ampliando-se
para 61% em 2011, um aumento relativo e absoluto, com um aumento de
2,1 milhão de jovens nessa faixa de escolaridade.
O acréscimo de participação relativa nas faixas de maior escolaridade
ocorreu com a redução nas duas faixas de menor escolaridade (jovens com
pelo menos o fundamental completo e aqueles com escolaridade menor que
o fundamental completo). Essa perda de participação entre os jovens com
menor escolaridade decorreu da redução absoluta do número de empregados
(206 mil). Já na faixa dos que possuíam ao menos o fundamental completo
houve aumento do número de jovens empregados, mas esse aumento foi em
ritmo menor que nas faixas de maior escolaridade.
Entre os jovens sem o fundamental completo diminuiu o número de
empregados nos estabelecimentos de todos os portes. Nas demais faixas de
escolaridade verificou-se aumento do emprego, independentemente do porte
do estabelecimento. A exceção aqui ficou por conta dos microestabelecimentos,
141
Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição
onde registrou-se redução do número de empregados com pelo menos o
fundamental completo.
Tabela 1 - Distribuição dos Empregados com 15 a 24 Anos de Idade por Porte do
Estabelecimento e Faixa de Escolaridade - Brasil, 2004 e 2011 (Em %)
Porte Estabelecimento1
Micro
Pequeno
Médio
Grande
Total
Micro
Pequeno
Médio
Grande
Total
Menor
Fundamental
3,9
4,6
5,1
3,2
16,9
1.019.116
1,6
2,3
3,1
2,3
9,3
759.522
Fundamental
2004
9,2
9,5
9,2
4,4
32,3
1.951.024
2011
5,6
7,1
8,2
4,5
25,5
2.088.054
Médio
Superior
Total
11,3
0,5
24,8
11,7
0,8
26,7
14,0
0,9
29,2
10,6
1,1
19,3
47,6
3,2
100,0
2.879.458 194.250 6.043.848
13,8
0,6
21,6
16,7
1,0
27,1
17,4
1,2
30,0
13,1
1,4
21,3
61,0
4,2
100,0
5.001.631 344.726 8.193.933
Fonte: MTE/RAIS (Elaboração dos autores).
(1) Micro (1 a 9 empregados); Pequeno (10 a 49 empregados); Médio (50 a 499 empregados);
Grande (500 empregados ou mais).
A contratação de jovens, vista pelo tipo de vínculo de sua contratação,
merece dois destaques. (Tabela 2). O primeiro deve-se ao fato de que a quase
totalidade dos jovens está contratada pela Consolidação das Leis do Trabalho
(CLT) por tempo indeterminado. O segundo ponto a ser destacado é que no
período cresceu a participação de jovens contratados como “menor aprendiz”.
A relevância desse fato é, primeiramente, porque os contratos por tempo
indeterminado possuem maior segurança e proteção que outras formas de
contratação, ao mesmo tempo em que indica que o custo de demissão não é um
fator impeditivo para que o empregador contrate indivíduos jovens e com pouca
experiência, haja vista a elevada taxa de rotatividade apresentada pelo mercado
de trabalho formal do Brasil. O segundo aspecto, em relação à contratação de
menor aprendiz, pode indicar a preocupação dos empregadores em treinar o
jovem trabalhador dentro dos padrões de funcionamento da empresa.
142
Amilton Moretto e Maria Alice Pestana de Aguiar Remy
Tabela 2 - Distribuição dos Empregados com 15 a 24 Anos de Idade por Tipo de Vínculo
Contratual e Faixa de Escolaridade - Brasil, 2004 e 2011 (Em %)
Tipo de Vínculo
CLT Indeterminado
Estatutário
Estatutário Não
Efetivo
Avulso
Temporário
Menor Aprendiz
CLT Determinado
Prazo Determinado
Outros
Total
CLT Indeterminado
Estatutário
Estatutário
Não
Efetivo
Avulso
Temporário
Menor Aprendiz
CLT Determinado
Prazo Determinado
Outros
Total
Menor
Fundamental
Fundamental
Médio
Superior
Total
15,7
0,2
2004
30,4
0,4
43,4
1,7
2,5
0,3
92,0
2,6
0,1
0,2
1,0
0,3
1,6
0,2
0,1
0,1
0,4
0,0
0,0
16,9
1.019.116
8,5
0,1
0,0
0,3
0,6
0,3
0,0
0,0
32,3
1.951.024
2011
22,5
0,2
0,1
0,2
0,1
0,0
0,2
0,3
0,0
0,0
9,3
759.522
0,0
0,1
2,1
0,3
0,0
0,0
25,5
2.088.054
0,0
0,0
0,3
1,1
0,1
1,6
0,0
0,0
0,7
0,4
0,0
1,0
0,1
0,0
0,1
0,1
0,0
0,1
47,6
3,2
100,0
2.879.458 194.250 6.043.848
56,7
1,3
3,4
0,4
91,1
1,9
0,9
0,3
1,4
0,0
0,0
0,2
0,6
0,0
0,8
0,7
0,0
3,0
0,5
0,0
1,1
0,1
0,0
0,2
0,2
0,1
0,3
61,0
4,2
100,0
5.001.631 344.726 8.193.933
Fonte: MTE/RAIS (Elaboração dos autores).
Outro aspecto sobre o tipo de vínculo de contratação do jovem no
período analisado é que as formas de contratação de maior precariedade
(avulso, temporário, prazo determinado, celetista por tempo determinado e
outros) reduziram sua participação. Do ponto de vista da escolaridade dos
jovens empregados, verifica-se também a ampliação da participação daqueles
com escolaridade média completa ou maior em detrimento daqueles que
possuem o fundamental (inclusive o ensino médio incompleto) ou inferior.
143
Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição
Ressalte-se que as contratações sob a forma de menor aprendiz ampliaram
a participação dos jovens entre aqueles com fundamental completo (de
0,6% para 2,1%), e aqueles com ensino médio completo (0% para 0,7%),
dobrando-se a participação entre os jovens com escolaridade inferior ao
fundamental completo.
Quando se analisa a inserção do jovem deve-se esperar que esta ocorra em
ocupações de menor responsabilidade e de menor complexidade, sobretudo
quando é o primeiro emprego. Os dados da Tabela 3 mostram que isso de
fato ocorre, com o predomínio desse grupo etário em ocupações que não
exigem formação especializada. Verifica-se que mais de ¾ do total de jovens
estão empregados em ocupações de serviços administrativos, vendedores do
comércio e na produção de bens e serviços.
A participação relativa das ocupações que exigem formação de nível
médio ou superior teve ligeira queda com a ampliação das ocupações relativas
às ciências e às artes. O maior crescimento da participação dos jovens com
escolaridade média completa se deu nos grupos ocupacionais anteriormente
descritos e que não exigem qualificação específica. Esse fato pode decorrer
tanto de uma maior exigência por parte dos empregadores no momento da
seleção de pessoal para contratação como de um aumento da escolaridade do
jovem que já se encontrava empregado e que em 2011 já tinha completado
o ensino médio. De toda forma, isso reflete o aumento da escolaridade do
brasileiro. Ao mesmo tempo, pode-se questionar se a exigência de maior
escolaridade é realmente uma necessidade ou se é uma questão localizada em
segmentos específicos da atividade econômica e que é divulgada - e replicada
- equivocadamente.
Por fim, lança-se um olhar sobre o rendimento percebido pelo jovem
em 2004 e 2011 considerando sua escolaridade e o grupo ocupacional a que
pertencia. (Tabela 4). Como era esperado, os rendimentos são maiores entre
os trabalhadores com maior escolaridade, porém é mais acentuada a diferença
de rendimento dos jovens que possuem o ensino superior completo, tanto
considerando os grupos ocupacionais individualmente como considerando
somente a escolaridade, independentemente do grupo ocupacional a que o
jovem pertence.
144
Amilton Moretto e Maria Alice Pestana de Aguiar Remy
Tabela 3 - Distribuição dos Empregados com 15 a 24 Anos de Idade por Grupo
Ocupacional e Faixa de Escolaridade - Brasil, 2004 e 2011 (Em %)
Grupo Ocupacional
Menor
Fundamental Médio Superior
Fundamental
Total
2004
Membros superiores do
poder público, dirigentes de
org. de interesse público
Profissionais das Ciências e
das Artes
Técnicos de Nível Médio
Trabalhadores de Serviços
Administrativos
Trabalhadores dos Serviços,
Vendedores do Comércio em
lojas e mercados
Trabalhadores
Agropecuários, florestais e
da pesca
Trabalhadores da produção
de bens e serviços industriais
Trabalhadores em serviços de
reparação e manutenção
Total
0,2
0,6
1,0
0,1
2,0
0,1
0,2
1,3
1,3
2,9
0,3
1,5
5,8
0,5
8,2
1,4
6,5
17,0
1,0
25,9
3,8
9,8
11,7
0,1
25,5
3,6
1,2
0,5
0,0
5,3
6,6
11,0
9,2
0,1
26,8
0,8
1,6
1,2
0,0
3,5
16,9
32,3
47,6
3,2
100,0
0,3
1,2
0,2
1,8
0,2
1,4
1,8
3,4
0,9
5,9
0,7
7,6
6,0
21,5
1,2
29,6
7,0
15,9
0,2
25,0
0,9
0,6
0,0
3,1
9,2
13,1
0,1
26,9
0,9
1,4
0,0
2,6
25,5
61,0
4,2
100,0
2011
Membros superiores do
poder público, dirigentes de
0,1
org. de interesse público
Profissionais das Ciências e
0,0
das Artes
Técnicos de Nível Médio
0,2
Trabalhadores de Serviços
0,9
Administrativos
Trabalhadores dos Serviços,
Vendedores do Comércio em
1,9
lojas e mercados
Trabalhadores
Agropecuários, florestais e
1,5
da pesca
Trabalhadores da produção
4,4
de bens e serviços industriais
Trabalhadores em serviços de
0,3
reparação e manutenção
Total
9,3
Fonte: MTE/RAIS (Elaboração dos autores).
145
Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição
É interessante observar que a diferença de rendimentos entre os jovens
que possuem o ensino superior em relação àqueles que não tinham o ensino
fundamental completo se ampliou entre 2004 (2,63 vezes) e 2011 (3,89 vezes),
mas isso ocorreu também em relação às demais faixas de escolaridade. Esse
aumento da diferença de rendimento foi maior no grupo ocupacional dos
jovens pertencentes aos “membros superiores do poder público, dirigentes de
organizações de interesse público”, onde a diferença do rendimento médio, que
era de 2,96 vezes em 2004 entre os que possuíam nível superior e os que não
possuíam o ensino fundamental passou a ser de 4,66 vezes em 2011.
Essa diferenciação ocorreu entre os empregados com nível superior em
relação aos demais níveis de escolaridade em todos os grupos ocupacionais
analisados. O mesmo, contudo, não ocorreu entre os jovens das faixas de
ensino médio completo ou de ensino fundamental completo. Nessas faixas
a diferença com os jovens menos escolarizados diminuiu, à exceção dos
grupos ocupacionais “membros superiores do poder público, dirigentes de
organizações de interesse público” e “vendedores do comércio em lojas e
mercados”. No caso dos jovens com o ensino fundamental completo, inclusive
houve redução dos rendimentos médios com os jovens de menor escolaridade
nos grupos ocupacionais “técnicos de nível médio” e “trabalhadores de serviços
administrativos”.
A redução do rendimento médio observada entre os trabalhadores
jovens com escolaridade inferior ao superior completo em vários grupos
ocupacionais muito provavelmente está associada à elevação do valor do
salário mínimo - fruto da política de valorização implementada pelo Governo
federal no período - e pelo fato de que os trabalhadores mais jovens devem ter
seus ganhos iguais ou muito próximos ao valor do salário mínimo. Assim, a
redução das diferenças refletem que aqueles cujo rendimento era maior que o
salário mínimo em 2004 tiveram um reajuste em seus rendimentos inferior ao
registrado pelo salário mínimo em termos reais. Isso pode ser comprovado pelos
dados da Tabela 5, que mostra que em todos os níveis e grupos ocupacionais
ocorreu ganhos reais no rendimento médio entre 2004 e 2011.
Os ganhos nos rendimentos, como pode ser observado, foram mais
acentuados para os empregados com nível superior e todos os grupos
ocupacionais, o que explica a ampliação da diferença de rendimento desse
146
147
1.132
653
Fonte: MTE/RAIS (Elaboração dos autores).
1.412
1.231
923
934
1.239
1.691
1.457
1.687
2011
658
697
Trabalhadores da produção de bens e
serviços industriais
Trabalhadores em serviços de reparação e
manutenção
Total
573
647
Trabalhadores de Serviços
Administrativos
Trabalhadores Agropecuários, florestais e
da pesca
807
Técnicos de Nível Médio
636
736
Profissionais das Ciências e das Artes
Trabalhadores dos Serviços, Vendedores
do Comércio em lojas e mercados
732
2004
Menor Fundamental
Membros superiores do poder público,
dirigentes de org. de interesse púb.
Grupo Ocupacional
690
696
749
633
631
650
835
738
748
2004
1.184
1.441
1.253
982
937
1.108
1.658
1.524
1.786
2011
Fundamental
868
960
928
732
722
836
1.080
1.091
1.021
2004
Médio
1.526
1.889
1.477
1.124
1.108
1.377
1.988
1.991
2.392
2011
1.719
1.308
1.335
895
1.184
1.598
1.453
1.957
2.168
2004
4.398
4.439
3.634
2.835
2.982
3.631
3.337
4.373
7.871
2011
Superior
Tabela 4 - Rendimento Médio Real dos Empregados com 15 a 24 Anos de Idade segundo Grupo Ocupacional e Faixa de Escolaridade Brasil, 2004 e 2011 (A Preços de dez/2012)
Amilton Moretto e Maria Alice Pestana de Aguiar Remy
Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição
grupo com os demais. Nesse grupo também é maior a dispersão - medida
pelo coeficiente de variação - dos rendimentos, tendo a mesma se elevado no
período. Mas, em termos de dispersão, chama a atenção a ampliação desta
entre os trabalhadores jovens das faixas de menor escolaridade, especialmente
daqueles que possuem o fundamental completo, nos grupos ocupacionais que,
em tese, exigem maior grau de escolaridade - como no grupo de “profissionais
das Ciências e das Artes” e “técnicos de nível médio”, mas que foram ocupados
por jovens com menor escolaridade.
Tabela 5 - Coeficiente de Variação e Variação (%) do Rendimento Médio Real dos
Empregados com 15 a 24 Anos de Idade segundo Grupo Ocupacional e Faixa de
Escolaridade - Brasil, 2004 e 2011
Grupo Ocupacional
Membros superiores do
poder público, dirigentes
de org. de interesse público
Médio
2004
Superior
2011 2004 2011
0,6
1,2
0,6
1,2
0,9
1,2
0,9
1,1
0,9
1,2
0,9
1,3
0,9
1,2
0,8
1,1
1,2
1,1
1,1
1,1
0,8
1,0
0,8
1,0
0,6
1,0
0,5
0,9
0,6
1,0
0,7
1,0
0,5
0,6
0,5
0,6
0,6
0,8
0,9
1,1
0,5
0,5
0,4
0,5
0,5
0,7
0,8
0,9
0,5
0,7
0,5
0,7
0,6
0,9
0,8
1,0
0,6
0,8
0,7
0,8
0,7
0,8
0,9
0,9
0,5
0,8
0,6
0,9
0,7
1,0
Variação (%) do Rendimento médio real entre 2004 e 2011
0,8
1,1
Profissionais das Ciências e
das Artes
Técnicos de nível médio
Trabalhadores de serviços
administrativos
Trabalhadores dos serviços,
vendedores do comércio
em lojas e mercados
Trabalhadores
agropecuários, florestais e
da pesca
Trabalhadores da produção
de bens e serviços
industriais
Trabalhadores em serviços
de reparação e manutenção
Total
Menor
Fundamental
Fundamental
2004
2011
2004
2011
Coeficiente de Variação
Membros superiores do
poder público, dirigentes
de org. de interesse público
Profissionais das Ciências e
das Artes
Técnicos de nível médio
131
139
134
263
98
106
83
123
110
99
84
130
continua
148
Amilton Moretto e Maria Alice Pestana de Aguiar Remy
Tabela 5 - Coeficiente de Variação e Variação (%) do Rendimento Médio Real dos
Empregados com 15 a 24 Anos de Idade segundo Grupo Ocupacional e Faixa de
Escolaridade - Brasil, 2004 e 2011
Grupo Ocupacional
Menor
Fundamental
2004
Trabalhadores de serviços
administrativos
Trabalhadores dos serviços,
vendedores do comércio
em lojas e mercados
Trabalhadores
agropecuários, florestais e
da pesca
Trabalhadores da produção
de bens e serviços
industriais
Trabalhadores em serviços
de reparação e manutenção
Total
Fundamental
2011
2004
2011
Médio
2004
2011
Superior
2004 2011
92
71
65
127
47
48
53
152
61
55
54
217
77
67
59
172
115
107
97
239
73
71
76
156
Fonte: MTE/RAIS (Elaboração dos autores).
Na Tabela 6 abaixo apresenta-se a distribuição da população jovem
em 2004 e 2011 segundo as faixas de escolaridade, bem como a distribuição
dos empregados do mesmo grupo etário para os dois anos. Depois calculase a razão entre os empregados e a população total pertencentes à mesma
faixa de escolaridade. Esses dados permitem observar o comportamento entre
os dois anos, tanto da população de jovens quanto dos jovens que estavam
empregados naqueles anos.
Verifica-se que a população jovem se reduziu no período analisado de
34 milhões para 32 milhões de indivíduos, ou -4,6%, sendo que a distribuição
desses jovens nas faixas de escolaridade se alterou no sentido de um aumento
da escolaridade dessa população. Assim, diminuiu significativamente
(-33,5%) o número de jovens e sua participação com escolaridade inferior
ao fundamental completo, enquanto ampliou-se o número e a proporção de
jovens nas faixas de maior escolaridade, de forma mais importante na faixa
com o ensino superior completo, que em termos relativos apresentou uma
elevação de 62%.
149
Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição
Movimento semelhante ocorreu entre os trabalhadores jovens, com
redução do número e participação dos empregados que não possuíam o
ensino fundamental completo, enquanto houve aumento da participação e do
número de empregados nas faixas de maior escolaridade. Mas as semelhanças
acabam aqui, pois observa-se que, ao contrário da queda observada no total
da população jovem, o número de jovens empregados cresceu fortemente,
acusando um aumento de 35,6% em 2011 em relação ao total de jovens
empregados em 2004. Além disso, a redução de empregados sem o ensino
fundamental foi proporcionalmente menor do que aquela observada na
população total, enquanto o aumento relativo dos empregados nas faixas de
maior escolaridade foi superior ao aumento verificado na população total
para a mesma faixa.
Tabela 6 - Distribuição da População de 15 a 24 Anos de Idade segundo Faixa de
Escolaridade - Brasil, 2004 e 2011
Var % 2004 e
Faixa de Escolaridade
2004
2011
2011
Menos Fund.
37,2
25,9
-33,5
Fundamental
33,3
35,9
2,7
Médio
26,6
33,3
19,4
Superior
2,9
4,9
61,8
100,0
100,0
-4,6
Total
34.520.785
32.940.692
Distribuição dos empregados de 15 a 24 anos de idade segundo faixa de escolaridade.
Brasil, 2004 e 2011.
Var % 2004 e
Faixa de Escolaridade
2004
2011
2011
Menos Fund.
16,9
9,3
-25,5
Fundamental
32,3
25,5
7,0
Médio
47,6
61,0
73,7
Superior
3,2
4,2
77,5
100,0
100,0
35,6
Total
6.043.848
8.193.933
Relação % entre os empregados e a população jovem segundo faixa de escolaridade
Menos Fund.
Fundamental
Médio
Superior
Total
7,9
17,0
31,3
19,5
17,5
8,9
17,7
45,5
21,4
24,9
Fonte: IBGE/PNADs 2004 a 2011 e MTE/RAIS (Elaboração dos autores).
150
Amilton Moretto e Maria Alice Pestana de Aguiar Remy
No período analisado elevou-se a escolaridade da população jovem
ao mesmo tempo em que se ampliou o emprego dessa mesma população, o
que se reflete na proporção de jovens empregados em relação à população
jovem da mesma faixa de escolaridade e em todas as faixas. Destaque-se que
entre os empregados o crescimento da participação do jovem com ensino
médio completo (73,7%) foi ligeiramente inferior ao verificado entre os
jovens com ensino superior (77,5%), mas bastante superior ao aumento
verificado na população com a mesma escolaridade. O resultado disso foi
que a proporção da população dessa faixa etária chegou a representar quase a
metade, bem superior à das demais faixas. Outro aspecto importante é que a
proporção da população com ensino superior (4,9%) é ligeiramente superior
à proporção de empregados (4,2%) dessa mesma faixa, o que pode sugerir
que nem todos aqueles que possuem ensino superior encontraram uma
ocupação adequada ao seu perfil, apesar de, em tese, faltarem trabalhadores
de maior escolaridade/qualificação.
Em suma, pode-se dizer que o jovem melhorou sua posição no
emprego formal. A maior parte dos jovens contratados tem vínculo de prazo
indeterminado, com redução dos tipos de vínculos mais precários (prazo
determinado, parcial etc.), destacando-se a ampliação da participação do jovem
aprendiz. Além disso, verificou-se que se ampliou a participação do jovem mais
escolarizado, sobretudo com ensino médio e ensino superior, mas a maior parte
dos jovens está empregada em ocupações que não exigem maior escolaridade,
tais como serviços administrativos, vendas ou atividades ligadas à produção de
bens e serviços. Ocorreu, também, uma elevação dos rendimentos reais desses
trabalhadores, com destaque para aqueles que possuem o ensino superior.
Por fim, verifica-se que a população jovem foi beneficiada pelo crescimento
econômico, independentemente da sua escolaridade, haja vista que mesmo na
faixa da população jovem que não possuía o ensino fundamental completo a
participação de empregados aumentou.
Considerações Finais
Procurou-se, no presente texto, analisar o comportamento do emprego
do jovem de 15 a 24 anos de idade no período de 2004 a 2011, marcado
pelo bom desempenho da economia brasileira e pela crise internacional
deflagrada em fins de 2008. A preocupação central da análise é tentar
compreender o papel da escolaridade na inserção desse jovem, considerando
151
Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição
que as mudanças ocorridas no plano econômico dos anos noventa e,
sobretudo, no campo da produção e organização do trabalho fez emergir
a tese da necessidade de um trabalhador mais qualificado e em contínuo
aprimoramento (educação contínua) tanto para conquistar um posto de
trabalho como para nele se manter.
O crescimento econômico da segunda metade dos anos 2000 suscitou
a reclamação de parte do empresariado brasileiro, divulgado pelos meios
de comunicação, da falta de profissionais qualificados. Esse fato, ainda que
verdadeiro para segmentos específicos da atividade econômica, ganhou
força para influenciar a criação de um programa federal para a formação e
qualificação de pessoal técnico - Programa Nacional de Acesso ao Ensino
Técnico e Emprego (Pronatec)4. Contudo, os dados mostram que aumentou
a escolaridade do jovem brasileiro e também do jovem que está empregado.
Ainda que não se possa associar qualificação e escolaridade, parece plausível
considerar que o treinamento de um indivíduo mais escolarizado é mais
rápido e eficaz para o empregador que necessita de um trabalhador qualificado.
Assim, a existência de uma proporção de empregados com nível superior no
total de empregados jovens menor que a proporção deste grupo no total da
população jovem pode estar indicando o não aproveitamento da elevação da
escolaridade dessa população.
Apesar disso, o período de crescimento foi favorável ao jovem que
procurou um emprego remunerado. Mesmo que a proporção de empregados
jovens no emprego tenha se reduzido, sua inserção melhorou, com redução
dos contratos mais precários e aumento do rendimento real, sobretudo
daqueles com maior escolaridade. Deve-se considerar, além do mais, que a
taxa de participação do jovem apresentou queda no período analisado, o que
pode indicar que o mesmo tenha optado por retardar sua entrada no mercado
de trabalho e continuar os estudos, ampliando sua escolaridade para ter uma
melhor inserção.
4 Sobre
isso ver o site do programa. Disponível em: <http://pronatec.mec.gov.br/>.
152
Amilton Moretto e Maria Alice Pestana de Aguiar Remy
REFERÊNCIAS
BALTAR, Paulo et. al. Trabalho no governo Lula: uma reflexão sobre a
recente experiência brasileira. Global Labour University Working Papers,
n. 9, May 2010.
CORBUCCI, Paulo R. Dimensões estratégicas e limites do papel da
educação para o desenvolvimento brasileiro. Revista Brasileira de
Educação, v. 16, n. 48, p. 563-806, set./dez. 2011.
HOFFMANN, Marise Pimenta; BRANDÃO, Sandra Márcia Chagas.
Medições de emprego: recomendações da OIT e práticas nacionais.
Campinas: Unicamp, 1996. 41 p. (Cadernos do Cesit, n. 22).
OLIVEIRA, Gesner; TUROLLA, Frederico. Política econômica do segundo
governo FHC: mudança em condições adversas. Tempo Social, v. 15,
n. 2, p. 195-217, 2003. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.
php?script=sci_arttext&pid=S0103-20702003000200008&lng=en&nrm=i
so>. Acesso em: 2013.
POCHMANN, Marcio. A década dos mitos. São Paulo: Contexto, 2001.
153
JUVENTUDE, EDUCAÇÃO E TRABALHO: AVANÇOS E
DESAFIOS
Jorge Abrahão de Castro1
Carla Coelho de Andrade2
Introdução
A juventude forma um contingente populacional ainda extenso, no caso
brasileiro, que tanto se identifica e compartilha uma experiência geracional
quanto se distingue em muitas dimensões. Atualmente, o usual emprego
do plural na referência à juventude – por parte das esferas governamental,
acadêmica e sociedade civil – é justamente pelo reconhecimento da existência
de uma pluralidade de situações que conferem diversidade à realidade e às
necessidades dos jovens.
Além do peso demográfico, há uma série de razões para que se foque
a atenção na situação social da juventude. Problemas que se apresentam para
o conjunto da sociedade brasileira, como a dificuldade de se processar ou de
se garantir a inserção produtiva e cidadã, configuram-se como especialmente
dramáticos para os jovens e incidem diretamente no aumento da sensação
de insegurança no presente e de incerteza quanto à vida futura. Deve-se
reconhecer, no entanto, que as questões que afetam a juventude são vividas de
forma diversificada e desigual entre os jovens, variando de acordo com a origem
social, os níveis de renda, o sexo, a raça, as disparidades socioeconômicas entre
campo e cidade e entre as regiões do País.
Doutor em Economia e Analista de Planejamento do Ministério do Planejamento.
2 Pesquisadora do Programa de Pesquisa para o Desenvolvimento Nacional (PNPD) do
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA).
1
155
Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição
A análise a seguir busca evidências a respeito dessas diversidades
e desigualdades entre os jovens brasileiros. Para tanto se apresenta um
conjunto de dados e informações no sentido de montar um breve panorama
dos avanços e desafios referentes aos campos da educação e do trabalho.
Considerou-se como jovem a parcela da população situada na faixa etária
de 15 a 29 anos. Estes foram divididos em três grupos: os jovens de 15 a
17 (jovem adolescente); de 18 a 24 anos (jovem-jovem); os de 25 a 29 anos
(jovem adulto)3.
Situação Demográfica
Embora ao longo dos últimos anos venha ocorrendo uma progressiva
redução do valor relativo do contingente de pessoas pertencente ao conjunto dos
jovens4, a desaceleração do seu ritmo de crescimento não reduz a importância
numérica que ainda tem esse grupo populacional. Em 1980, o contingente
de jovens correspondia a 29% da população brasileira; já em 2010, era cerca
de 51,3 milhões de jovens entre 15 e 29 anos, o que correspondia a 26,8%
da população. As previsões do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE) são que esse contingente populacional será de apenas 19% em 2050.
O Brasil continua sendo considerado um “país jovem”, apesar de
Camarano e Kanso (2009) chamarem a atenção que “essa caracterização,
3 Não há consenso em torno dos limites de idade que definem a juventude. Ainda que para fins
de definição de política pública, legislação e pesquisa seja possível fixar um recorte etário para
determinar quem são os jovens, deve-se ter em conta que “juventude” é uma categoria em
permanente construção social e histórica, isto é, varia no tempo, de uma cultura para a outra,
e até mesmo no interior de uma mesma sociedade. O Ipea vem procurando trabalhar com
o mesmo recorte etário e as categorizações adotados na proposta do Estatuto da Juventude,
em discussão na Câmara dos Deputados, também incorporado pela Secretaria e Conselho
Nacional de Juventude. Cabe mencionar que, no âmbito das políticas públicas, a adoção do
recorte etário de 15 a 29 anos é bastante recente. A praxe anterior geralmente tomava por
“jovem” a população na faixa etária entre 15 e 24 anos. A ampliação dessa faixa para os 29
anos não é uma singularidade brasileira, configurando-se, na verdade, numa tendência geral
dos países que buscam instituir políticas públicas de juventude. Há duas justificativas que
prevalecem para ter ocorrido essa mudança: maior expectativa de vida para a população em
geral e maior dificuldade desta geração em ganhar autonomia em função das mudanças no
mundo do trabalho.
4 A redução do segmento juvenil confirma as projeções demográficas que indicam uma
progressiva mudança no peso desse grupo etário no conjunto da população brasileira.
Para detalhes ver: IBGE (2008).
156
Jorge Abrahão de Castro e Carla Coelho de Andrade
no entanto, ocorreu menos pela proporção específica de jovens no total da
população brasileira do que pela proporção de pessoas que tinham menos de
15 anos. Em 1920 esta proporção foi de 44,3% e a do grupo de 15 a 29 anos,
de 28,2%. Ao longo do século XX, estes dois segmentos, em seu conjunto,
representaram grandes parcelas da população relativamente aos demais grupos
etários. A partir dos anos 1970, dada a queda da fecundidade, estas proporções
começaram a diminuir. Até 2000, a população de crianças e de jovens
correspondia a mais da metade da população brasileira, aproximadamente
58%, sendo 29,6% de crianças e 28,2% de jovens. A análise da distribuição
etária da população brasileira ao longo do século XX mostra que as mudanças
expressivas foram nas proporções de crianças e de idosos, e não na de jovens,
que se manteve aproximadamente constante ao longo das décadas, variando
entre 26% e 29%”.
Situação Educacional
A situação educacional dos jovens caracteriza-se como um misto
de avanços, problemas e desafios. Por exemplo, verifica-se um gradual e
significativo decréscimo dos índices de analfabetismo juvenil. Trata-se hoje de
um problema alojado predominantemente no segmento adulto da população
e também no meio rural. Em 2011, a taxa de analfabetismo entre pessoas
na faixa etária de 15 a 17 anos era de 1,2% (contra 8,2% em 1992), entre
jovens de 18 a 24 anos de 1,7% (contra 8,6% em 1992), e entre o grupo de
25 a 29 anos de 2,9% (contra 10% em 1992); já entre pessoas de 40 anos
ou mais a proporção de analfabetos correspondia a 11,4%. Nota-se que as
quedas do analfabetismo entre 1992 e 2011 foram maiores para o grupo de
jovens adolescentes (15 a 17 anos). Isso em parte se explica pela existência de
um longo período de prevalência de políticas de universalização do ensino
fundamental. Com o passar do tempo, cada camada etária passou a apresentar
melhores e maiores níveis de alfabetização que a anterior.
Contudo, em que pese a considerável melhoria desse indicador
educacional, no Brasil ainda persistem as disparidades regionais, sendo
bastante superior o número de jovens analfabetos no Nordeste comparandose com as demais regiões. Também se constata que o analfabetismo entre
jovens negros é quase duas vezes maior que entre brancos, e atinge muito mais
os jovens que vivem no campo do que aqueles que residem em áreas urbanas.
157
Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição
Tabela 1 - Situação Educacional dos Jovens - 2011
Descrição 15 a 17 anos
Jovem
adolescente
1,2
7,5
83,7
25 a 29
18 a 24 anos
anos Jovem
Jovem-jovem
adulto
1,7
2,9
9,5
9,6
28,9
11,2
Analfabetos (%)
Anos médios de escolarização (anos)
Taxa de escolarização (%)
Taxa de frequência líquida (Ensino Médio)
51,6
(%)
Urbano (%)
54,8
Rural (%)
37,1
Taxa de frequência líquida (Ensino Superior)
14,6
(%)
Urbano (%)
16,2
Rural (%)
4,0
Fonte: Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad)/IBGE e IPEA.
-
A escolarização é outro feito importante dos últimos anos e também
evidencia uma substancial melhora na situação educacional dos jovens.
Em 2011, 83,7% dos jovens adolescentes frequentavam algum nível ou
modalidade de ensino. Por outro lado, cerca de 16% desses jovens estavam
fora da escola (34% no Nordeste e 31% no Norte do País). Além disso, apenas
51,6% desses jovens cursavam o ensino médio, considerado o nível de ensino
adequado a essa faixa etária.
Portanto, a defasagem escolar ainda é bastante alta entre os jovens
adolescentes, situação que favorece a evasão escolar. Regionalmente, o
problema da distorção idade-série apresenta-se de maneira mais acentuada no
Nordeste e no Norte, onde as taxas de frequência líquida (41,2% e 42,6%,
respectivamente) são bem mais reduzidas que no Sul e no Sudeste (55,1%
e 59,6%). Considerando a variável raça/cor, a taxa de frequência líquida
entre os brancos correspondia a 60%, enquanto entre os negros equivalia a
45%. Destaca-se que os negros estão mais presentes na educação básica, com
pouquíssimo acesso ao ensino superior.
Existem, também, fortes desigualdades quando se considera a
localização (Urbano/Rural) onde residem os jovens. Por exemplo, em 2011,
a proporção de jovens adolescentes que frequentavam o ensino médio era de
54,8% nas áreas urbanas, contra apenas 37,1% no meio rural. Já o acesso ao
ensino superior era baixíssimo, apenas 4%.
158
Jorge Abrahão de Castro e Carla Coelho de Andrade
No que se refere à variável gênero, as jovens representam, na atualidade,
o carro-chefe da elevação das taxas de escolarização do segmento juvenil.
Elas têm maior escolaridade e adequação aos estudos do que os homens: em
2011, a taxa de frequência líquida no ensino médio era de 57,6% entre as
mulheres contra 45,6% entre os homens. As jovens também ultrapassaram os
homens no ensino superior: 16,9% de mulheres na faixa entre 18 e 24 anos
frequentavam o ensino superior contra 12,3% de jovens do sexo masculino.
A presença maciça das mulheres e seu desempenho no sistema de ensino
brasileiro é um fenômeno recente e um bom sinal de que está havendo uma
reversão de desigualdades construídas por vários séculos.
Considerando a evolução dos últimos anos da escolaridade média dos
jovens observam-se avanços importantes, principalmente no grupo de jovensjovens. Em 1992, a média de anos de estudo do jovem era de 6,2 anos de estudo;
em 2011, essa média subiu para 9,5 anos. Isto significa que uma parcela dos
jovens dessa faixa etária está conseguindo ingressar no ensino médio, porém
muitos o abandonam logo no início do ciclo, passando a priorizar a atividade
laboral. Essa tendência é confirmada pelos dados relativos aos jovens adultos
cuja média não passa de 9,6 anos de estudo. Para as demais idades observa-se
um decréscimo do indicador.
Portanto, o que esses dados mostram é que o abandono da escolarização
começa a ficar mais evidente na medida em que a idade aumenta. Mesmo antes
de completar 18 anos, muitos jovens já se dividem entre o estudo e o trabalho: no
grupo de jovens adolescentes 21,8% dos jovens o faziam. No grupo de jovensjovens essa porcentagem se reduz a 16,2%, ou seja, grande parte desses jovens
já se retirou da escola. Por outro lado, na medida em que as rendas aumentam,
maiores são as chances de o jovem conseguir frequentar a escola. Dados de
2009 mostram que no acesso à escola entre os jovens adolescentes há grande
diferença entre os 20% mais pobres (81,0%) e os 20% mais ricos (93,9%) quase 13 pontos percentuais. Entre o grupo jovem-jovem, 31,3%, em média,
frequentam alguma instituição de ensino e, nessa faixa, a diferença entre pobres
e ricos é de 26 pontos percentuais. Por outro lado, dos jovens desta faixa etária
que frequentam a escola, apenas 14,4% estão no ensino superior e apenas 38%
têm mais de 11 anos de estudo (ensino médio completo).
Assim, apesar do incremento da escolaridade, o que supostamente
aproximaria os jovens das condições socioculturais de um modelo
159
Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição
moderno da condição juvenil, caracterizado pelo acesso aos sistemas de
ensino dissociado do mundo do trabalho5, os jovens brasileiros situamse majoritariamente na órbita do trabalho, pois essa dimensão está no
horizonte vital de grande parte deles. Assinala-se que o trabalho tem sido
por eles indicado como um dos direitos mais importantes de cidadania,
assim como um dos direitos essenciais de que deveriam ser detentores6. Vale
dizer, ainda, que a centralidade do trabalho para os jovens não advém tãosomente do seu significado ético, ainda que este seja relevante, mas resulta,
também, e sobremaneira, da sua urgência enquanto problema, enquanto
um fator de risco desestabilizador das formas de inserção social e do padrão
de vida. (GUIMARÃES, 2005).
Trabalho e Renda
No que tange à inserção no mercado de trabalho, as oportunidades
ocupacionais dos jovens continuam a ser escassas, independentemente da
elevação de sua escolaridade. Ademais, as trajetórias ocupacionais dos jovens
têm sido marcadas pelo signo da incerteza: estes ocupam as ofertas de emprego
que aparecem, normalmente de curta duração e baixa remuneração, o que
deixa pouca possibilidade de iniciar ou progredir na carreira profissional. Isto
5 A usual identificação do jovem como “estudante”, livre das obrigações do trabalho, tem sua
6
origem nas transformações ocorridas desde o início do século XX no modelo de socialização
dominante na Europa ocidental, sobretudo entre as famílias burguesas. Os jovens, que
antes eram socializados em meio a outras gerações, passam a ser afastados do sistema
produtivo e segregados em escolas com o objetivo de aprenderem as normas e as regras
da vida em sociedade. Vale dizer que exatamente quando deixam de ser treinados para a
vida adulta com outras gerações e passam a sê-lo por institutos, escolas e universidades, os
jovens começam a se estruturar enquanto categoria social específica e se articular em torno
de grupos etários. (GALLAND, 1997). A sociedade passou a conceder aos jovens, então,
uma espécie de “moratória social”: um crédito de tempo que permite protelar sua entrada
na vida adulta e possibilita um maior contato com experiências e experimentações que
contribuirão para o seu pleno desenvolvimento, particularmente em termos de formação
educacional. Para mais detalhes sobre o emprego da noção de “moratória social” no campo
da sociologia da juventude consultar Margulis e Urresti (1996) e Galland (1996).
Ver as seguintes pesquisas: “Perfil da Juventude Brasileira”, realizada pela Criterium
Assessoria a pedido do Instituto Cidadania, em 2003; “Juventude Brasileira e Democracia:
participação, esferas e políticas públicas”, coordenada pelo Instituto Brasileiro de Análises
Sociais e Econômicas (Ibase) e pelo Instituto de Estudos, Formação e Assessoria em
Políticas Sociais (Pólis), em 2005; e “Retratos da Juventude Brasileira”, coordenada por
Abramo e Branco (2005).
160
Jorge Abrahão de Castro e Carla Coelho de Andrade
sem que se tomem em consideração as rápidas transformações tecnológicas
que se refletem no mercado de trabalho, modificando especializações em
pouco tempo, e tornando obsoletas determinadas profissões.
Dos jovens brasileiros, de acordo com o Gráfico 1, cerca de 62%
estavam ocupados, em 2011, e apenas 30% não estavam na População
Economicamente Ativa (PEA), entretanto existem grandes diferenças
quando se considera o grupo de jovens. Por exemplo, entre os jovens
adolescentes apenas 28% estavam ocupados. Importante ressaltar que este
valor representa forte redução na ocupação deste grupo, pois esse índice já
foi de 50%, em 1992.
A redução da participação no mercado de trabalho dos jovens
adolescentes, a princípio, pode ser vista como um fato positivo. Um grande
número de pesquisadores e gestores argumenta justamente que nessa fase da
vida é fundamental postergar a entrada no mercado de trabalho para viabilizar,
sobretudo, a permanência na escola e a conclusão do ensino médio com
qualidade. (GONZALEZ, 2009). Esse período corresponde ao que vem sendo
80,0
60,0
40,0
20,0
1992 1993 1995 1996 1997 1998 1999 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2011
Jovens adolescentes
Jovem-jovem
Jovem adulto
Juventude
Gráfico 1 - Composição da Ocupação, segundo Categorias Selecionadas - 1992 a 2011
Fonte: IPEA.
161
Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição
chamado de moratória social7: um crédito de tempo que permite ao jovem
protelar as exigências sociais típicas da vida adulta, especialmente relativas ao
casamento e ao trabalho, e lhe possibilita um maior contato com experiências
e experimentações que podem favorecer o seu pleno desenvolvimento, não
apenas em termos de formação educacional e aquisição de treinamento e
capacitação, mas também em termos de outras vivências típicas que fazem
parte da sociabilidade juvenil. Como mostrou Mostafa e Andrade (2010), essa
moratória vem sendo ampliada para as mulheres jovens e os homens jovens e
para os jovens das classes sociais de menor renda.
No que concerne à qualidade dos postos de trabalho que os jovens
ocupam, é preciso sublinhar que existe uma grande diversidade de situações.
Em geral, o grupo de jovens adolescentes se insere nas piores ocupações, cujas
exigências de qualificação são menores. Em 2009, apenas 2,6% dos jovens de
15 a 17 anos ocupados eram empregados com carteira assinada. À medida
que a idade avança, constata-se um aumento da proporção de trabalhadores
em melhores ocupações: 34% no grupo de jovens-jovens e 43% no de jovens
adultos trabalhavam com carteira assinada. Apesar da vulnerabilidade do
jovem no mercado de trabalho, observa-se, nos últimos anos, uma melhora nas
condições de trabalho, com alta de formalização em todos os grupos etários.
Essa situação diversa é reafirmada quando se observa que seu rendimento
tem se comportado, em termos relativos, de forma estável no decorrer dos
últimos anos. A remuneração (média real recebida no mês no trabalho
principal) dos jovens em comparação ao rendimento médio brasileiro é menor
para todos os grupos considerados: 30% para os jovens adolescentes, 60%
para os jovens-jovens e 90% para os jovens adultos.
7 A ideia de moratória social associa-se às transformações ocorridas desde o início do século
XX no modelo de socialização dominante na Europa ocidental, sobretudo entre as famílias
burguesas. Antes os jovens eram socializados em meio a outras gerações, sendo treinados
para a vida em contato direto com o universo adulto. Nesse contexto, os jovens, diluídos
entre outros grupos etários, não formavam uma categoria sociologicamente diferenciada.
Posteriormente, no entanto, passaram a ser afastados da vida social e segregados em escolas
com o objetivo de aprender as normas e as regras da vida em sociedade. A partir de então
começam a se estruturar como uma categoria social específica. Mantidos fora do sistema
produtivo, os jovens passam a viver uma moratória, ou seja, ficam suspensos da vida
social. Para maiores detalhes sobre o emprego da noção de moratória social no campo
da sociologia da juventude, consultar Margulis e Urresti (1996); Galland (1996, 1997) e
Gottlied e Reeves (1968).
162
Jorge Abrahão de Castro e Carla Coelho de Andrade
Outro aspecto que evidencia o quanto ainda são restritas as
oportunidades para os jovens no mercado de trabalho é o elevado percentual
de desemprego juvenil: 12,1% em 2011 (Tabela 2), representando 61%
do total de desempregados no País. Os jovens adolescentes são aqueles que
apresentam maior valor, já o desemprego para os jovens-jovens é um pouco
mais que o dobro do valor do indicador para o Brasil. Por outro lado, as
mulheres jovens são mais afetadas pelo desemprego que os homens, e os
jovens negros também são mais atingidos pelo desemprego que os jovens
brancos, além de terem pior renda.
Tabela 2 - Taxa de Desemprego Aberto, segundo Categorias Selecionadas – 2004 a 2011
Categorias
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2011
Brasil
8,7
9,1
8,3
7,9
7,0
8,1
6,6
Juventude
14,8
15,7
14,5
13,7
12,5
14,5
12,1
Jovem adolescente
23,6
26,2
23,6
23,4
20,9
23,9
22,5
Jovem-jovem
16,8
17,7
16,6
15,4
14,3
16,6
13,8
Jovem adulto
9,5
10,0
9,5
9,3
8,4
9,9
8,1
Fonte: IPEA e Microdados da Pnad/IBGE.
Cabe mencionar que para avaliar a gravidade do desemprego juvenil
é necessário tomar em consideração um amplo conjunto de fatores, que vão
além da constatação da existência de uma baixa oferta de postos de trabalho.
Por exemplo, a alta rotatividade entre os trabalhadores jovens, maior que entre
os demais trabalhadores, deve ser considerada, pois implica uma também
maior taxa de desemprego. (CASTRO; AQUINO, 2008; CARDOSO JR.
et al., 2006).
Trabalho e Educação
A análise da transição escola-trabalho entre os jovens é muito rica para
problematizar o papel social do jovem e seus vínculos institucionais. O período
de moratória concedido ao jovem pede, em troca, a sua inserção no sistema
de ensino e, após a fase escolar, sua quase imediata inserção no mercado de
trabalho. Uma passagem interrompida, na qual o jovem nem estuda nem
trabalha, causa imenso desconforto para os formuladores de políticas públicas
e para os próprios jovens e seus familiares. O entendimento dessa fase como
um momento da vida portador de singularidades, vínculos sociais e integração,
para além da escola e do mercado de trabalho, é essencial para que o poder
163
Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição
público possa de fato compreender a juventude não enquanto fase da vida de
passagem, mas como fase da vida per se. (MOSTAFA; ANDRADE, 2012).
No caso brasileiro observa-se que a expansão da escolaridade, nos últimos
20 anos, não foi acompanhada de um efetivo desligamento da juventude do
mundo do trabalho, já que houve de modo concomitante um crescimento
dos índices daqueles que estudavam e trabalhavam. Para muitos jovens é
seu próprio trabalho que lhes possibilita arcar com os custos vinculados à
educação. Para muitos também, especialmente os integrantes das camadas
mais pobres, os baixos níveis de renda e capacidade de consumo da família
redundam na necessidade do seu trabalho como condição de sobrevivência
familiar. Ou seja, essa situação também tem a ver com a renda domiciliar,
pois no Brasil, segundo os dados de 2011, dos jovens na faixa etária de 15 a
17 anos, 39,7% poderiam ser considerados pobres porque viviam em famílias
com renda domiciliar per capita de até 1/2 salário mínimo. Ainda que não
exista desequilíbrio na distribuição do grupo populacional juvenil por sexo
(metade composta de homens e metade de mulheres), as jovens eram mais
atingidas pela pobreza que os jovens, e os jovens negros muito mais que os
brancos. No plano regional, os jovens do Nordeste continuaram tendo menor
renda e mais da metade dos jovens nordestinos são pobres. Nas áreas rurais do
Nordeste esse percentual é extremamente elevado8.
Salienta-se que, mesmo quando o trabalho não é uma imposição ditada
pela necessidade de subsistência familiar, que por si só o justificaria, os jovens
têm a tendência de encará-lo como uma oportunidade de aprendizado, de
acesso a variados tipos de consumo e de lazer, e de alcançar a emancipação
econômica. Desse modo, a associação entre os baixos níveis de renda familiar
e a possibilidade de o jovem estar inserido como estudante e trabalhador na
8
Somam-se à situação de pobreza de uma significativa parcela de jovens brasileiros as
condições precárias de moradia. Dos que estão em áreas urbanas (85% concentrados
sobretudo no Sudeste), em 2007, 48,9% viviam em moradias com localizações inadequadas.
Nota-se ainda que cerca de 2 milhões de jovens moravam em favelas. Quanto à qualidade
da habitação, cerca de 28 milhões de jovens, de áreas urbanas e rurais, viviam em moradias
fisicamente inadequadas como, por exemplo, sem água canalizada, sem rede de esgotos, sem
coleta de lixo, construídas com materiais não duráveis. As condições de moradia dos jovens
das zonas rurais figuravam como bem mais precárias do que as dos jovens das zonas urbanas:
96,7% dos jovens rurais viviam em moradias inadequadas, percentual que corresponde a
aproximadamente 7,5 milhões de jovens.
164
Jorge Abrahão de Castro e Carla Coelho de Andrade
estrutura ocupacional não é tão imediata quanto parece. São muitos os jovens
cujas rendas familiares possibilitariam uma dedicação exclusiva aos estudos,
mas mesmo assim eles optam também pelo trabalho9.
Outro dado importante é que embora a escolaridade média tenha
crescido entre a população juvenil, ainda existia um número elevado de jovens
que não estavam no mercado de trabalho nem na escola. Analisando os censos
de 2000 e 2010, Camarano e Kanso (2012, p. 38) observam um
aumento no número de pessoas de 15 a 29 anos que não
estudavam nem trabalhavam. Eram 8,1 milhões em 2000, ou
seja, 16,9% da população jovem, número este que passou para
8,8 milhões em 2010. Este aumento foi relativamente maior
que o crescimento da população de 15 a 29 anos, o que resultou
em um incremento também dessa proporção para 17,2%. Esse
crescimento foi diferenciado por sexo. Enquanto o contingente
masculino aumentou em 1,1 milhões pessoas, o de mulheres
diminuiu em 398 mil. Do total de homens jovens, 11,2%
encontravam-se na condição de não estudar e não trabalhar, em
2010. Entre as mulheres, o percentual foi bem mais elevado,
23,2%, apesar do percentual de homens ter aumentado e o de
mulheres diminuído. Do total de jovens que não estudavam e
não participavam do mercado de trabalho, 67,5% era composto
por mulheres.
O percentual de jovens do sexo feminino que não estudam nem
trabalham é bem maior que o do sexo masculino. Isto geralmente acontece
pelo fato de muitas mulheres deixarem a escola para cuidar de atividades
domésticas – seja na condição de filha, seja na condição de cônjuge – dedicando
o seu tempo a um tipo de trabalho não mensurado. Contudo, observam-se
novas tendências que vêm na contramão do modelo tradicional de divisão de
9 De maneira geral, pode-se afirmar que a relação entre estudo e trabalho é variada e complexa,
não se esgotando na oposição entre os termos. Esta, do ponto de vista dos jovens, pode
ser caracterizada como intermitente. Não se pode afirmar que existe uma adesão linear
à escola ou um abandono ou exclusão total das aspirações de escolaridade no âmbito das
orientações dos jovens que trabalham. Ou seja, para os jovens, escola e trabalho são projetos
que se superpõem ou podem ter ênfases diversas de acordo com o momento do ciclo de
vida e as condições sociais que lhes permitem viver a condição juvenil. Por esses motivos,
a experimentação e a reversibilidade de escolhas constituem fatores importantes para
compreender as relações dos jovens tanto com a escola quanto com o mundo do trabalho,
situando-as na dimensão do tempo como uma construção social e cultural em que se
articulam demandas do presente e projetos do futuro. (SPOSITO, 2005).
165
Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição
trabalho segundo o qual cabe às mulheres assumir o cuidado da casa e dos
filhos, e aos homens o papel de provedor: há um número cada vez maior de
jovens mulheres que não abandonam o mundo do trabalho, ou a ele retornam
depois do casamento ou da maternidade; e o número de famílias chefiadas por
mulheres vem aumentando constantemente ao longo do tempo.
Considerações Finais
Neste artigo buscou-se reunir um conjunto de informações que podem
contribuir para enriquecer o atual debate sobre a situação social da juventude
brasileira e sobre as políticas públicas dirigidas a esse segmento populacional.
Especialmente gestores e estudiosos do tema podem se beneficiar desses
resultados, aprofundando e ampliando as análises apresentadas.
Os últimos dados disponíveis revelam que a juventude brasileira ainda
enfrenta um importante conjunto de problemas. No campo educacional, os
dados mostram um contínuo avanço na cobertura e nos anos de escolaridade
com relação às gerações passadas, mas, mesmo assim, o País ainda não oferece
a todos os segmentos juvenis acesso igual à educação. Persistem dificuldades
para que um número expressivo de jovens persevere na trajetória escolar, assim
como o grave problema da defasagem idade/série. É importante ressaltar que
os jovens negros e os que vivem no campo são os que continuam a encontrar
as maiores dificuldades no acesso e no percurso escolar.
Os dados também revelam que os jovens brasileiros estão
majoritariamente vinculados ao mundo do trabalho. Conforme a idade
avança, diminui o número de estudantes e aumenta o de jovens gravitando
na órbita do trabalho, mas as oportunidades de inserção ocupacional dos
segmentos juvenis permanecem escassas. Além disso, a juventude tem sido,
no País, o grupo populacional mais fortemente atingido pelo desemprego e
pelo subemprego, que se caracteriza pela precariedade, pelos baixos salários,
pela ausência de vínculo empregatício e pela insegurança.
Destaca-se que o sentimento de fracasso que atualmente acompanha um
grande número de jovens no que diz respeito à trajetória escolar e profissional
representa uma porta aberta para a frustração e o desânimo, e um obstáculo
ao delineamento de sonhos e projetos futuros.
166
Jorge Abrahão de Castro e Carla Coelho de Andrade
Finalmente, como já haviam salientado Castro e Aquino (2008), é
preciso considerar que, para além de forjar um entendimento compartilhado
sobre o que é juventude e quais os desafios prementes para o País com relação
aos seus jovens, é necessário também construir um novo repertório de ações
e instrumentos para levar a cabo uma política de promoção dos direitos da
juventude efetivamente conectada com o seu tempo. Sabe-se, por exemplo,
que o País precisa de uma escola de qualidade que prepare os jovens para o
mercado de trabalho, mas isto não é suficiente. O jovem brasileiro hoje precisa,
sim, de uma escola que estimule o desenvolvimento de suas habilidades de
modo a permitir sua inserção autônoma e com segurança nos vários espaços da
vida social – o trabalho, a vida comunitária, a cena política, a cidadania. Não
basta romper o círculo vicioso entre inserções precárias, abandono da escola
e desalento que marca a trajetória de parte significativa desse segmento no
mundo do trabalho; é necessário também promover condições que respeitem
as especificidades do trabalho juvenil, compatíveis com as outras dimensões
relevantes dessa etapa de vida e suas peculiaridades.
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brasileira: análise de uma pesquisa nacional. São Paulo: Perseu Abramo,
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167
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São Paulo: Perseu Abramo, 2005.
168
TRANSFORMAÇÕES NO MERCADO DE TRABALHO
RECENTE E OS JOVENS1
Fernando Antonio Barreto Paulino Souto2
Carmem Aparecida Feijó3
Paulo Gonzaga M. de Carvalho4
Geremias de Mattos Fontes Neto5
Introdução
O Brasil conseguiu avanços importantes nas últimas duas décadas, no
campo econômico, com a estabilização de preços, e no campo social, com
políticas públicas de cunho assistencialista. A despeito de ainda se conviver com
enormes desigualdades regionais e de renda, essas conquistas são importantes,
pois preparam o País para saltos mais ambiciosos no futuro na direção de
mais crescimento com inclusão social6. Dentre as conquistas recentes está a
melhoria no mercado de trabalho, onde a característica mais significativa tem
sido a redução na taxa de desemprego (Gráfico 1), em um contexto mundial
O IBGE está isento de qualquer responsabilidade pelas opiniões, informações, dados e
conceitos emitidos neste artigo, que são de exclusiva responsabilidade dos autores.
2 Mestre em Economia pela Universidade Federal Fluminense (UFF), bolsista Instituto de
Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA).
3 Professora Associada UFF, bolsista do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico (CNPq).
4 Economista do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Professor da
Universidade Estácio de Sá (UNESA).
5 Estagiário do IBGE, graduando em Estatística pela UFF.
6 Kerstenetzky (2012) apresenta uma análise interessante das políticas sociais mostrando
como os gastos sociais podem ter contribuído para o aumento do emprego formal no Brasil.
1
169
Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição
13
12,3
12
11,5
11
10,0,
10
9,8
9,4
9
8
8,1
7,9
8,1
7
6,7
6,0
6
5,5
5
4
2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012
Gráfico 1 - Evolução da Taxa de Desemprego Aberto de 30 Dias
Fonte: Pesquisa Mensal de Emprego (PME) de 2002 a 2012 Publicada pelo IBGE.
de estagnação. Desde 2009, esta tem sido decrescente, fechando o ano de
2012 abaixo de 6%, uma marca inédita.
Mais surpreendente ainda é o fato de o desempenho do mercado
de trabalho ter ocorrido dissociado do movimento do PIB nos últimos
anos. (Gráfico 2). Em 2010, a taxa de desemprego se reduziu, ficando em
6,7% - em relação ao ano anterior - de 8,1%, comportamento compatível
com o bom desempenho da economia naquele ano - expansão de 7,5%.
Contudo, em 2011 e 2012, a taxa de crescimento do Produto Interno
Bruto (PIB) se desacelerou, registrando 2,7% e 0,9%, respectivamente, e a
taxa de desemprego continuou a cair - 6,0% e 5,5%, respectivamente. Tal
desempenho tem levado especialistas a cogitar que a economia brasileira
estaria próxima do pleno emprego7.
7 O que se pode afirmar é que a elasticidade do pessoal ocupado com relação ao PIB tornou-se
negativa em 2009, 2011 e 2012. Isso reflete uma queda da sensibilidade do crescimento da
população ocupada em relação ao PIB.
170
Fernando Antonio Barreto Paulino Souto, Carmem Aparecida Feijó, Paulo Gonzaga M. de
Carvalho e Geremias de Mattos Fontes Neto
9
8
7
6
5
4
3
2
1
0
-1
2008
2009
2010
2011
2012
Taxa de desemprego aberto em 30 dias
Taxa de crescimento real do PIB
Gráfico 2 - Taxa de Crescimento do PIB e Taxa de Desemprego Aberto - 2008-2012
Fonte: Pesquisa Mensal de Emprego (PME) de 2008 a 2012 Publicada pelo IBGE.
Porém, antes de se concluir se existe ou não o pleno emprego, é necessário
considerar outros fatores que estão influenciando as taxas de ocupação nos
anos recentes. Assim, o desempenho do mercado de trabalho deve levar em
conta a dinâmica de crescimento populacional. Observa-se, desde meados da
década passada, o crescimento mais lento da população em idade ativa, em
virtude de transformações demográficas por que passa o País. A principal delas
é a queda da participação dos jovens no mercado de trabalho, o que contribui
para um crescimento mais moderado da população economicamente ativa.
Contribuíram para isso, por um lado, o aumento do número de membros
na família que se encontram ocupados, a expressiva elevação dos salários de
base e do piso previdenciário e o menor tamanho médio das famílias, a queda
do trabalho infantil como consequência de campanhas de erradicação desse
trabalho, além de mais oportunidades de estudo conferidas pela expansão de
vagas nas universidades federais e nas escolas técnicas.
Mesmo com a tendência de redução da entrada de jovens no mercado de
trabalho, somada à queda no crescimento populacional, a taxa de participação,
171
Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição
ou seja, o percentual de Pessoas Economicamente Ativas (PEA) em proporção
com as Pessoas em Idade Ativa (PIA), tem aumentado. (Gráfico 3). Vale
mencionar também uma característica importante do mercado de trabalho
nos anos 2000, que é a questão do Bônus Demográfico, ou seja, a transição
demográfica pela qual o País passa, na qual há uma menor proporção de
crianças e idosos perante o total da população, aumentando a proporção de
pessoas que podem gerar excedente econômico. Essa mudança demográfica
traz oportunidades únicas para o País, pois com um número menor de crianças
e idosos a serem sustentados pela PIA o crescimento do PIB per capita e da
produtividade do trabalhador é maior.
A previsão dos demógrafos é que esse bônus estará se esgotando por volta
de 2022. Vale observar ainda que a redução da população em idade ativa estará
se dando tanto pela queda na taxa de fecundidade como pelo envelhecimento
da população. Dentre esses dois movimentos, o de maior impacto para o
mercado de trabalho no futuro é a queda na taxa de fecundidade, o que aponta
para a necessidade de se aumentarem os esforços no sentido de qualificar
melhor a mão de obra entrante no mercado de trabalho, pois esta deverá ser
mais produtiva para compensar um quadro demográfico de mais idosos sendo
mantidos por relativamente menos trabalhadores ativos. Assim, a melhoria
do padrão de vida da população como um todo depende em grande parte da
qualificação hoje que se dê aos jovens para melhor contribuírem durante sua
vida econômica no mercado de trabalho.
Considerando o primeiro dado da série nova da Pesquisa Mensal
de Emprego (março de 2002), a taxa de participação encontrava-se em
55%, e em junho de 2013 esse percentual elevou-se para 57%. Em mais
de uma década o mercado de trabalho evoluiu na direção de haver mais
pessoas no mercado de trabalho em proporção com as pessoas com idade
para trabalhar e mais pessoas ocupadas, tendo em vista que a taxa de
desemprego tem sido decrescente. Dito de outra forma, o mercado de
trabalho sofre hoje menor pressão com a entrada de jovens e tem tido
condições de oferecer mais oportunidades de emprego, uma vez que
mais pessoas estão disponíveis para trabalhar.
Tem-se, portanto, pelo menos duas questões para serem tratadas neste
texto. De um lado, o que tem levado às significativas expansões da ocupação
mesmo sem mudanças na direção da flexibilização das leis trabalhistas e, de
172
Fernando Antonio Barreto Paulino Souto, Carmem Aparecida Feijó, Paulo Gonzaga M. de
Carvalho e Geremias de Mattos Fontes Neto
59
12
58
10
57
8
56
6
55
4
54
2
53
0
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março 2002
setembro 2002
março 2003
setembro 2003
março 2004
setembro 2004
março 2005
setembro 2005
março 2006
setembro 2006
março 2007
setembro 2007
março 2008
setembro 2008
março 2009
setembro 2009
março 2010
setembro 2010
março 2011
setembro 2011
março 2012
setembro 2012
março 2013
14
Taxa de desemprego
Taxa de participação
Gráfico 3 - Taxa de Desemprego (Semana de Referência) e Taxa de Participação
Fonte: Pesquisa Mensal de Emprego (PME) de 2002 a 2012 Publicada pelo IBGE.
outro, como tem evoluído a PEA, em particular a participação dos jovens.
Para dar conta desses temas, este trabalho divide-se em mais duas seções e
uma conclusão. Na seção 2 discutem-se as mudanças no mercado de trabalho
nos anos 2000, baseados em alguns autores. Na seção 3 analisa-se a evolução
do mercado de trabalho para os jovens, abordando os aspectos de ocupação,
rendimento e escolaridade. Finaliza-se o texto com uma breve conclusão.
Mudanças na Oferta de Emprego nos Anos 2000
A literatura recente sobre mercado de trabalho aponta para uma
recuperação na geração de emprego formal nos anos 2000, em contraste
com a década de 1990, quando se consolida a abertura econômica. Dedecca
e Rosandiski (2006), por exemplo, apresentam uma análise comparativa
entre anos 1995-1998 e 2002-2004. O objetivo de tal confronto é mostrar
a mudança no comportamento do mercado de trabalho e contestar a tese de
não empregabilidade de boa parte da população, em voga nos anos 1990.
Segundo Dedecca e Rosandiski (2006), o processo de destruição de empregos
formais, intensificado pela conjunção das características do Plano Real com a
globalização - abertura à concorrência internacional e câmbio valorizado - é
173
Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição
freado após a mudança da política monetária de 1999, com a desvalorização
cambial, e pela necessidade de renacionalização da produção e crescimento
das exportações como formas de preservar divisas.
Dedecca e Rosandiski (2006) destacam que apesar de a deterioração do
emprego desacelerar a partir de 1999, o fraco crescimento econômico não deu
conta de acolher o crescimento populacional e da população economicamente
ativa. Com isso, no período entre 1999 e 2002, o desemprego aumentou.
Somente a partir da mudança de governos, com a posse do presidente Lula
da Silva, o mercado de trabalho inicia a sua reversão. O contraste em relação
à geração de emprego entre o final dos anos 1990 e início dos anos 2000 é
apresentado na Tabela 1. A comparação entre os dois períodos mostra como
o período 2002-2004 foi profícuo na geração de ocupações formalizadas8. De
1995-1998 houve crescimento dos empregados sem carteira (8,5%), conta
própria sem previdência (5%), empregadores sem previdência (18,9%), em
contraste com o emprego doméstico com carteira (25,3%). De 2002-2004
cresceram os empregados com carteira, empregadores e conta própria com
previdência - com refluxo na formalização do trabalho doméstico. Destaquese que a população ocupada, em geral cresceu somente 1,2% em 1995-1998,
contra 6,2% no período seguinte. Ou seja, o que se observa é o crescimento
da população ocupada concomitantemente ao crescimento da formalização
das relações de trabalho.
Outro autor que explica o crescimento do emprego formal no Brasil
após 1999, abrangendo o período até 2006, é Cardoso Jr. (2007). Na
contextualização do mercado de trabalho brasileiro, Cardoso Jr. identifica três
fases para o período entre 1995 e 2006: o primeiro, de 1995-1999, marcado
pelas políticas monetária e cambial extremamente restritivas e com notória
deterioração dos indicadores de emprego, desemprego e informalidade;
o segundo, entre 1999 e meados de 2003, apresenta o arrefecimento das
tendências de degradação do emprego, permitido especialmente pela
recuperação do comércio externo; e no período 2004-2006 observa a reação
8
A única exceção é o caso do emprego doméstico, para o qual ocorre um aumento na
contratação sem carteira assinada. Tal mudança ocorre porque foi no primeiro período
que se promulgou a legislação sobre a formalização do trabalho doméstico, levando à
geração de um grande número de trabalhadores com carteira de trabalho assinada. Essa
questão é discutida em Cardoso Jr. (2007).
174
Fernando Antonio Barreto Paulino Souto, Carmem Aparecida Feijó, Paulo Gonzaga M. de
Carvalho e Geremias de Mattos Fontes Neto
positiva do mercado de trabalho, juntamente com a melhora nos indicadores
de crescimento econômico. Isto ocorre - a despeito de o arranjo de política
macroeconômica manter-se praticamente inalterado - devido à pujança do
comércio exterior, combinada com pequenas reduções nos patamares de juros
internos e com uma importante expansão das várias modalidades de crédito,
aumento do salário mínimo à frente da inflação e expansão das políticas
sociais. (CARDOSO JR., 2007). A Tabela 2 sintetiza os principais indicadores
do mercado de trabalho.
Tabela 1 - Variação Total da Ocupação, Segundo Posição na Ocupação - Brasil,
1995/1998/2002/2004
Taxas de variação
Posição na ocupação
1995-98
2002-04
Empregados com carteira
0,6
11,3
Empregados sem carteira
8,5
4,8
Conta própria com previdência
-8,5
10,2
Conta própria sem previdência
5,0
2,5
Empregadores com previdência
-3,4
7,9
Empregadores sem previdência
18,9
-2,0
Domésticos com carteira
25,3
6,6
Domésticos sem carteira
-8,3
5,9
Trabalhadores não remunerados
12,5
-7,6
Total de ocupados
1,2
6,2
Fonte: Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), Publicada pelo IBGE em
1995, 1998, 2002 e 2004 Citados no Artigo de Dedecca e Rosandiski (2006, p. 180).
Quanto à evolução da ocupação da força de trabalho, o autor destaca dois
fenômenos distintos, para os períodos1995-1999 e 2001-2005. No primeiro
período, observa-se a deterioração da taxa de ocupação, acompanhada por
um grande crescimento do desemprego. No segundo período, a despeito do
aumento da taxa de participação, a taxa de ocupação se manteve e o desemprego
estabilizou-se. Em relação à questão setorial, o autor destaca a terceirização
do mercado de trabalho, face à saída de contingentes de trabalhadores da
indústria.
175
Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição
Tabela 2 - Mudanças na Composição do Mercado de Trabalho Nacional entre 1995 e
2005
Composição
do mercado de
trabalho
População em
Idade Ativa (PIA)
População Ocupada
1995
1999
2001
Variação
2005
86.844.125 97.394.347 103.059.409 112.044.816
População
Economicamente 64.594.325 72.274.808 75.897.343
Ativa (PEA)
População
Ocupada Total
60.661.351 65.119.743 68.601.819
(PO)
Taxa de
participação (PEA/
74,4%
74,2%
73,6%
PIA)
Taxa de ocupação
93,9%
90,1%
90,4%
(PO/PEA)
Taxa de
desemprego (PD/
6,1%
9,9%
9,6%
PEA)
1995-99 2001-05
12,1%
8,7%
85.826.536
11,9%
13,1%
77.519.737
7,3%
13,0%
76.,6%
-0,2%
4,0%
90,3%
-4,1%
-0,1%
9,7%
62,6%
0,7%
Fonte: PNAD Publicada pelo IBGE Citada na Obra de Cardoso Jr. (2007, p. 11).
Já em relação à formalidade das relações de trabalho, dois registros são
importantes, segundo Cardoso Jr. (2007):
a) O emprego não doméstico sem carteira dominou o crescimento no
período 1995-1999 – 37,9% da geração de postos, contra 13,5% dos com
carteira, enquanto o com carteira domina o período 2001-2005 – 50,5%
dos postos, contra 14,6% dos sem carteira.
b) No trabalho doméstico com carteira ocorre o oposto, com grande
crescimento do segmento com carteira no primeiro período (8,2% das
ocupações no primeiro frente a apenas 2,1% no segundo, versus 3,1% e 5,6%
para os domésticos sem carteira). Destaque-se também o arrefecimento
dos trabalhadores por conta própria na geração de ocupações.
Sobre a contribuição previdenciária para os períodos citados, o autor
destaca que a recuperação do emprego com carteira aumentou os percentuais
contributivos, além de se acompanhar por um lento crescimento das
contribuições nos assalariados sem carteira. Contudo, os trabalhadores por
conta própria e os empregadores tornaram-se mais desprotegidos.
176
Fernando Antonio Barreto Paulino Souto, Carmem Aparecida Feijó, Paulo Gonzaga M. de
Carvalho e Geremias de Mattos Fontes Neto
Cardoso Jr. (2007) conclui essa parte da sua análise destacando que para
o período de dez anos (1995-2005), o setor pouco estruturado do mercado de
trabalho dominou a população ocupada. Ou seja, atingiu o patamar de quase
48% de participação na ocupação total entre 1995 e 1999, reduzindo-se para
a casa dos 45% apenas após a mudança do arranjo macroeconômico em 1999.
Em relação aos rendimentos, Cardoso Jr. (2007) destaca que entre
1995 e 1998 houve pequena elevação em todas as categorias. Entre 1999 e
2004 observa-se queda dos rendimentos; e em 2004-2005 observa-se uma
recuperação. Contudo, destaca-se que apesar das recuperações em 2004-2005,
para a maioria das categorias ocupacionais não houve recomposição das perdas
- com exceção dos militares e funcionários estatutários.
Cardoso Jr. (2007) propõe a análise de cinco fatores que foram
determinantes ao crescimento do emprego formal. Esses fatores teriam
atenuado os efeitos adversos das políticas monetária, que manteve a taxa
de juros elevada, e cambial, que manteve a taxa de câmbio apreciada. No
primeiro caso, juros elevados tendem a deslocar recursos do setor real da
economia para a gestão financeira. O câmbio apreciado desloca demanda para
o exterior. Ambos os efeitos minam os motores de crescimento que impactam
a formalização do mercado de trabalho.
Os fatores que contribuíram para o aumento na formalização do
emprego foram: aumento e descentralização do gasto público social; expansão
e diversificação do crédito interno; aumento e diversificação do saldo
exportador; regime tributário simplificado para micro e pequenas empresas;
melhora das ações de intermediação de mão de obra e de fiscalização do
Ministério do Trabalho e Emprego (MTE).
O aumento e a descentralização do gasto público social estão relacionados
com a ampliação da rede de serviços sociais - saúde e educação - que refletem
diretamente na criação de novos empregos. Já as transferências diretas por
direitos sociais têm o efeito indireto de garantir renda de forma permanente,
influenciando as decisões dos empresários quanto à expectativa de consumo.
De 1995 a 2006 o gasto público social subiu continuamente, passando de
12,4% para 15,3% do PIB. Com isto, aumentou também o número de
profissionais de saúde e de educação. Quanto à descentralização dos gastos
sociais, o autor mostra que a cobertura de municípios atendidos subiu de
menos de 10%, em 1995, para mais de 90%.
177
Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição
Em relação às transferências, tratando-se inicialmente de políticas
previdenciárias e assistenciais, estas aumentaram a cobertura tanto pelo
envelhecimento da população quanto pelas mudanças no benefício da
aposentadoria, ligados aos trabalhadores rurais e ao estatuto do idoso.
Os programas condicionados de transferência - bolsa família, seguro
desemprego e abono salarial, por exemplo - caracterizam-se por atingir
pessoas economicamente ativas que não têm renda suficiente para sustentar
a família, ou que estão em situação vulnerável quanto ao trabalho. Cardoso
Jr. (2007) sintetiza que os programas de transferência verificaram aceleração
no período, especialmente após 2003, no caso do seguro desemprego e do
abono salarial.
No que se refere à expansão e diversificação do crédito interno, o autor
destaca duas análises. A primeira aponta o crescimento do crédito total –
pessoas físicas, jurídicas e governo. Nessa ótica, aponta-se queda no primeiro
mandato de Fernando Henrique Cardoso (FHC), estagnação no segundo
mandato e aumento de 42% no governo Lula da Silva (até 2006). Já no
segundo aspecto, destaca-se o crescimento da participação das pessoas físicas
e dos créditos agrícola, habitacional e direcionado ao governo.
Sobre o setor exportador, o autor faz breve menção. Avalia que houve
de fato um grande crescimento após a desvalorização cambial de 1999, mas
levanta uma dúvida sobre a capacidade do setor exportador agrícola gerar
mais empregos. De qualquer modo, aponta para o incremento de empregos
no setor industrial exportador que, segundo Cardoso Jr. (2007), tenderia a
gerar empregos formais e de maior durabilidade.
Quanto ao regime do Simples, Cardoso Jr. (2007) aponta trabalhos
que apontam fortes evidências estatísticas para a formalização de pequenas
empresas - e por consequência seus empregados - através da adesão como
contribuinte a essa modalidade de formalização. Nesse segmento de optantes
a taxa de crescimento dos empregos formais gerados por empresa foi mais
forte que no caso das empresas não optantes. O autor destaca, contudo,
que essa proporção é baixa perante o total de empregos criados: no período
1999-2005, cada optante pelo simples gerava cerca de três trabalhadores,
enquanto as não optantes geravam 13,2 - obviamente, tratam-se de empresas
maiores. Contudo, na avaliação do autor, houve saldo positivo entre criação e
destruição de estabelecimentos e empregos formais.
178
Fernando Antonio Barreto Paulino Souto, Carmem Aparecida Feijó, Paulo Gonzaga M. de
Carvalho e Geremias de Mattos Fontes Neto
Finalmente, Cardoso Jr. (2007) aponta para as ações de intermediação e
fiscalização do Ministério do Trabalho. Embora se observasse uma dinamização
dessas ações, especialmente no que tange à fiscalização - o número de
funcionários formalizados por empresa fiscalizada sobe de 0,7, em 1995, para
1,9 em 2006 - o número de empregos formais gerados por essas duas ações
ainda era muito baixo perante o crescimento total. Em suma, houve uma
tendência clara de formalização do trabalho na primeira década dos anos 2000
e uma realocação no sentido de ganho de peso do setor de serviços e queda
do setor agropecuário entre 2000 e 2009. O setor de serviços aumentou em
3,9 pontos percentuais (pp) sua contribuição ao emprego total, sendo que
destes pelo menos 0,9 pp foi devido ao emprego no setor público. O setor
indústria aumentou sua participação em 1 pp, e o emprego na construção civil
contribuiu com aumento de 0,4 pp nesse incremento.
Tabela 3 - Participação % das Ocupações por Atividades - Brasil - 2000, 2005, 2009
2000
100,0
22,3
19,5
6,7
58,2
3,9
1,4
4,9
Setores Econômicos
Agropecuária
Indústria
Construção Civil
Serviços
Educação pública
Saúde pública
Administração pública e seguridade social
2005
100,0
20,9
20,0
6,5
59,1
3,7
1,4
5,1
2009
100,0
17,4
20,5
7,1
62,1
4,1
1,5
5,5
Fonte: IBGE (2000, 2005a, 2009a).
Complementando a questão da formalização, Chahad e Pozzo
(2013) mostram, baseados em dados da PNAD e do Censo 2010, que a
crise de 2008 afetou o crescimento do emprego na indústria, mas não no
comércio e serviços. (Gráfico 4). O problema é que a mão de obra desses
setores é de baixa produtividade, pois absorvem trabalhadores quando a
economia está estagnada.
Chahad e Pozzo (2013) também atentam que a construção civil e o
comércio puxaram os crescimentos setoriais, enquanto a indústria cresce mais
a partir de 2007. Destaque-se que os maiores crescimentos da formalização
se deram justamente nos setores onde as relações de trabalho formal eram
mais precárias anteriormente. Ainda sobre a formalização, pelo critério da
179
Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição
previdência, a informalidade se reverteu em 2007 a favor de uma participação
maior da população ocupada formalmente. Em resumo, os anos 1990 foram
desfavoráveis para o emprego no Brasil. A mudança de política monetária em
1999, e de política econômica mais geral em meados da primeira década dos
anos 2000 foram importantes para sua recuperação. As políticas de geração
de emprego via flexibilização das leis trabalhistas, nos anos 1990, falharam,
e a retomada do crescimento do emprego está muito mais ligada à volta da
atividade econômica. O Brasil observou relevante crescimento do emprego
entre 2003 e 2010. A população envelheceu, a participação na economia,
revelada pela PEA, aumentou, e o maior ganho foi em emprego formal. O
emprego formal cresceu em cerca de 15 milhões de vínculos empregatícios no
período, e 17 milhões contando o ano de 2011. O período citado, além de
ter gerado quantidade absoluta de empregos, observou a queda consistente da
taxa de desemprego.
138,8
137,6
133,1
126,2
119,8
123,9
118,9
127,2
127,8
128,5
124,2
117,1 122,3
115,9
100,2
100,0
111,8
107,6
100,0
110,0
105,5
112,4
120,0
110,1
130,0
113,4 119,4
140,0
133,0
144
150,0
90,0
2002
2003
2004
Total
2005
Indústria
2006
2007
Comércio
2008
2009
2010*
2011
Serviços
Gráfico 4 - Evolução do Total dos Ocupados por Setores de Atividade Econômica - Brasil
- 2002-2011 (2002 = 100)
Fonte: PNAD Publicada pelo IBGE Citada no Artigo de Chahad e Pozzo (2013).
* Em 2010 a Pnad não foi coletada devido ao Censo Demográfico do IBGE.
180
Fernando Antonio Barreto Paulino Souto, Carmem Aparecida Feijó, Paulo Gonzaga M. de
Carvalho e Geremias de Mattos Fontes Neto
Questões Sobre o Emprego de Jovens9: um perfil da ocupação
em 2001 e 2011
Como apontado na introdução, uma mudança significativa no mercado
de trabalho recente diz respeito à menor entrada de jovens no mercado de
trabalho. Vale lembrar que em termos das estatísticas de trabalho define-se a
população em idade ativa como aquela constituída por pessoas com 10 anos ou
mais (PIA), que por sua vez se divide entre a População Economicamente Ativa
(PEA) e a População Não Economicamente Ativa (PNEA ou inativos). A taxa
de emprego e de desemprego é calculada em relação à PEA, que se subdivide
em ocupados e desocupados. Assim, à medida que se avança na idade diminui
a proporção de jovens que integram a população não economicamente ativa
(inativos) e aumenta os que fazem parte da população ocupada.
Em 2011 (Tabela 4), aos 15 anos, 79,7% dos jovens estavam na
PNEA, 4,9% estavam desocupados, e 15,4% ocupados. Já com 24 anos
esses percentuais se alteram para, respectivamente, 20,5%, 8,2% e 71,3%.
O movimento de forte migração em direção ao mercado de trabalho foi
particularmente intenso dos 15 aos 19 anos, quando o acréscimo de um
ano de idade representou uma queda de cerca de 10 pontos percentuais nos
inativos e aumento similar dos ocupados. Tomando-se por base o ano de
2011, observa-se que a faixa etária divisória é a de 18 anos, onde os ocupados
passam a ter maioria relativa (45,4%), superando os inativos (43,6%). A partir
dessa idade o mercado de trabalho passa a absorver a maior parte dos jovens.
O percentual de desocupados se elevou até os 19 anos de idade,
apresentando tendência de queda a partir desse ponto. Esse movimento
possivelmente é explicado por dois fatores: a dificuldade de se conseguir
emprego na condição de menor - quando, por exemplo, algumas ocupações
são vetadas, como as perigosas e insalubres, e a fiscalização tende a ser maior
- e os níveis salariais são pouco atrativos.
9
Considerou-se população jovem aquela com de 15 a 24 anos seguindo a delimitação
utilizada pelo IBGE em 1999 na publicação do Brasil (2013): “Pela Constituição Brasileira
é vedado o trabalho de menores antes dos 14 anos de idade (vide inciso XXIII do artigo
7°)”. De 14 a 15 anos é possível trabalhar na condição de aprendiz, e de 16 até completar
18 anos como menor trabalhador. (CORTES, 2013). A análise desta seção é feita com base
nos dados da PNAD, portanto não há informação para o ano 2010, quando a pesquisa não
foi a campo para dar lugar ao Censo Demográfico.
181
Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição
Tabela 4 - População em Idade Ativa (PIA) de 15 a 24 Anos - Distribuição por Idade
segundo Subdivisões da PIA - Brasil - 2011
Idade
15
16
17
18
19
20
21
22
23
24
15-24
Fora da PEA
79,7
68,0
57,7
43,6
32,8
28,3
25,8
21,9
21,6
20,5
40,9
Desocupado
4,9
7,5
9,2
11,1
11,3
10,9
9,4
10,3
8,8
8,2
9,1
Ocupado
15,4
24,5
33,1
45,4
55,9
60,8
64,9
67,8
69,7
71,3
50,1
Total
100,0
100,0
100,0
100,0
100,0
100,0
100,0
100,0
100,0
100,0
100,0
Fonte: IBGE/PNAD (2011).
Comparando com 2001 (Tabela 5), observa-se que houve aumento
na proporção de jovens fora da PEA (40,9% em média contra 38,1% em
2001), e uma menor proporção de desocupados (9,1% em média ante 11,1%
em 2001), pouco se alterando o percentual dos ocupados. Este é um dado
positivo, pois o aumento da proporção de jovens fora da PEA, principalmente
na faixa de 15 a 18 anos, significa mais jovens estudando. Aos 15 anos, em
2001, 69,0% dos jovens estavam fora da PEA, contra 79,7% em 2011. Assim,
estar fora da PEA nessa faixa de idade implica dedicação exclusiva ao estudo,
o que deve ter contribuído para aumentar os índices de conclusão do ensino
fundamental e maior ingresso no ensino médio.
Analisando-se a evolução da proporção dos jovens nas situações fora da
PEA, ocupados e desocupados (Gráfico 5), nos últimos dez anos constata-se
que o movimento da proporção dos ocupados é simetricamente oposto ao dos
fora da PEA, e não há relação clara com a categoria dos desocupados. Dito de
outra forma, quando aumenta a participação dos ocupados na PEA diminui
o número de jovens fora da PEA, pouco se alterando a participação dos
desocupados. Logo, estar fora da PEA, para o jovem, pode ser interpretado
como uma forma de “desemprego disfarçado”, pois quando o mercado se
aquece os novos ocupados vêm principalmente de fora da PEA, e não do
contingente de desocupados.
182
Fernando Antonio Barreto Paulino Souto, Carmem Aparecida Feijó, Paulo Gonzaga M. de
Carvalho e Geremias de Mattos Fontes Neto
Tabela 5 - População em Idade Ativa (PIA) de 15 a 24 Anos - Distribuição por Idade
segundo Subdivisões da PIA - Brasil - 2001
Fora da
DesocupaIdade
Ocupado
Total
PEA
do
15
69,0
6,3
24,7
100,0
16
59,1
8,6
32,3
100,0
17
50,9
11,1
38,0
100,0
18
39,2
13,6
47,1
100,0
19
33,4
14,2
52,4
100,0
20
29,2
13,2
57,6
100,0
21
26,5
12,0
61,4
100,0
22
23,3
11,0
65,6
100,0
23
22,9
10,9
66,3
100,0
24
21,8
9,4
68,9
100,0
15-24
38,1
11,1
50,8
100,0
Fonte: IBGE/PNAD (2001).
70,0
60,0
50,0
Fora da PEA
40,0
Desocupado
30,0
Ocupado
20,0
10,0
0,0
2001
2002
2003 2004
2005
2006
2007 2008
2009
2011
Gráfico 5 - Proporção de Jovens Fora da PEA, Ocupados e Desocupados - Brasil 20012011
Fonte: IBGE/PNAD (2001, 2002, 2003, 2004, 2005b, 2006, 2007, 2008, 2009b, 2010,
2011).
183
Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição
Jovens: evolução do rendimento: 2001-2011
No período de 10 anos foi expressivo o crescimento real do rendimento10
dos jovens, variando de 70,6% (22 anos) a 97,8% (17 anos), correspondendo
a um crescimento anual de cerca de 5,5% a 7,0%11 ao ano, respectivamente.
Na faixa de 15 a 17 anos, o aumento é maior à medida que se eleva a idade.
A partir dos 17 anos o movimento é inverso até os 22 anos, elevando-se nos
anos finais. (Gráfico 6).
]
120,0
97,8
100,0
93,4
90,2
86,1
81,6
83,2
80,0
74,4
70,6
71,3
72,5
22
23
24
60,0
40,0
20,0
0,0
15
16
17
18
19
20
21
Gráfico 6 - População Jovem - Crescimento Acumulado do Rendimento Real no Período
2001-2011 por Idade dos Jovens - Brasil
Fonte: IBGE/PNAD (2001, 2002, 2003, 2004, 2005b, 2006, 2007, 2008, 2009b, 2010,
2011).
Comparando-se os valores do salário mínimo com o rendimento
nominal por idade, nota-se que os 18 anos de idade são um divisor de águas.
(Gráfico 7). A partir dessa idade o rendimento nominal passa a ser superior ao
Rendimento no trabalho principal.
11 Média geométrica utilizando como deflator a variação do IPCA de setembro, mês a que se
refere à informação de renda da PNAD.
10
184
Fernando Antonio Barreto Paulino Souto, Carmem Aparecida Feijó, Paulo Gonzaga M. de
Carvalho e Geremias de Mattos Fontes Neto
salário mínimo. Como era esperado, os patamares de rendimento aumentam
com a idade, pois quanto maior a idade, maior a escolaridade. Os maiores
incrementos são obtidos até os 18 anos de idade: 31,2% na passagem dos 15
aos 16 anos, 19,1% dos 16 aos 17, e 24,2% dos 17 aos 18 anos. A partir dos
21 anos os acréscimos passam a ficar na faixa de um dígito.
700,0
565,0
600,0
481,4
500,0
516,5
442,2
399,2
400,0
348,8
333,5
280,8
300,0
200,0
615,8
179,6
235,7
100,0
0,0
15
16
17
18
19
20
21
22
23
24
SM
Gráfico 7 - População Jovem - Rendimento Nominal por Idade e Salário Mínimo (SM)Média do Período 2001-2011 - Brasil
Fonte: IBGE/PNAD (2001, 2002, 2003, 2004, 2005b, 2006, 2007, 2008, 2009b, 2010,
2011).
Nota: SM= salário mínimo nominal do mês de setembro.
Durante o período analisado manteve-se uma rígida hierarquia de
rendimentos por idade (Gráfico 8), seguindo a lógica da teoria do capital
humano. Sempre os mais velhos têm rendimentos maiores que os mais
novos. Verifica-se também um maior distanciamento entre as curvas de
rendimento por idade, em especial de 15 a 18 anos, pois os rendimentos de
pessoas de 16 a 18 anos foram os que mais cresceram. (Gráfico 6).
Jovens: evolução da frequência à escola e anos de estudo
A proporção dos jovens que não estudam tem mostrado tendência de
aumento ao longo dos últimos dez anos. Esse percentual passou de 51,4%,
185
Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição
1200
1000
24
800
23
22
21
600
20
19
18
400
17
16
15
200
0
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
Gráfico 8 - Jovens - Rendimento Médio por Idade - 2001-2011 - Brasil
Fonte: IBGE/PNAD (2001, 2002, 2003, 2004, 2005b, 2006, 2007, 2008, 2009b, 2010,
2011).
Nota: 2010 estimado.
em 2001, para 53,6% em 2011. (Gráfico 9). Há um ponto de inflexão no ano
de 2003, pois de 2001 a 2003 o movimento era de queda dos jovens que não
estudam. A partir de 2004 é nítida a tendência de aumento da proporção dos
que não estudam, embora com algumas oscilações - pois há queda em 2008 e
2009, revertida em 2011. Uma possível explicação para esse ponto de inflexão
é que o poder de atração do mercado de trabalho é maior quando a economia
está aquecida, e em 2004 a economia (PIB) cresceu 5,7%, a melhor marca
desde 1986, pois estava saindo de um período de baixo crescimento. Nos anos
seguintes o crescimento do PIB foi menor, mas de modo geral bem acima da
média de 2001-2003.
Analisando-se no recorte por idade a proporção dos jovens que
estudam, nota-se que esse percentual tem forte queda à medida que a idade
se eleva. Tomando-se o ano de 2011 como referência, esse índice passa de
92,0%, aos 15 anos, para 15,6% aos 24 anos. (Gráfico 10). Esse movimento é
especialmente intenso dos 16 aos 19 anos, quando, em três anos, o percentual
186
Fernando Antonio Barreto Paulino Souto, Carmem Aparecida Feijó, Paulo Gonzaga M. de
Carvalho e Geremias de Mattos Fontes Neto
cai de 85,7% para 37,4%. Aos 18 anos a proporção dos que estudam (49,5%)
e não estudam (50,5%) é muito próxima, passando a partir dessa idade a
predominar os não estudantes. Ao completar 18 anos o jovem deixa de ser
menor de idade e com isso os salários passam a ser mais atrativos.
56,00
54,00
52,00
Estuda
50,00
Não estuda
48,00
46,00
44,00
42,00
2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2011
Gráfico 9 - População Jovem - Proporção de Estudantes versus Não Estudantes - Brasil
Fonte: IBGE/PNAD (2001, 2002, 2003, 2004, 2005b, 2006, 2007, 2008, 2009b, 2010,
2011).
É interessante notar que o percentual de estudantes não cai de forma
significativa a partir dos 21 anos, quando em princípio os jovens estariam
terminando o ensino superior. Uma hipótese é que muitos ainda estão
estudando após os 21 anos, por terem entrado mais tarde na universidade e
por demorarem mais tempo para concluir o curso. Há cursos que demandam
mais tempo, como Medicina, cuja duração ultrapassa quatro anos.
Os anos de estudo aumentaram em todas as idades durante o período
analisado. Esse movimento é bem nítido dos 15 aos 19 anos. Nas idades
seguintes (Gráfico 11) o movimento é menos nítido. Grosso modo pode-se
afirmar que o nível de escolaridade dos jovens de 20 a 24 anos é similar12.
12
Considera-se a margem de erro inerente a uma pesquisa por amostragem, que é sempre
187
Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição
15
16
17
18
19
20
21
22
23
24
2011
Gráfico 10 - População Jovem - Proporção de Estudantes por Idade - 2001-2011 - Brasil
Fonte: IBGE/PNAD (2001, 2002, 2003, 2004, 2005b, 2006, 2007, 2008, 2009b, 2010,
2011).
Nessa faixa de idade a maior parte dos jovens já está no mercado de trabalho
- conforme as Tabelas 4 e 5 - o que torna difícil a continuidade dos estudos.
Uma dificuldade adicional é a baixa escolaridade. Só com 24 anos o jovem fica
próximo de atingir 11 anos de estudo, que correspondem ao ensino médio
completo. Os dados sugerem que o jovem consegue ingressar no ensino
médio, mas uma grande parcela não consegue completá-lo.
maior quando se estima um universo menor.
188
Fernando Antonio Barreto Paulino Souto, Carmem Aparecida Feijó, Paulo Gonzaga M. de
Carvalho e Geremias de Mattos Fontes Neto
12
24
11
23
22
10
21
20
9
19
18
8
17
7
16
15
6
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2011
Gráfico 11 - Jovens - Média de Anos de Estudo por Idade 2001-2011 - Brasil
Fonte: IBGE/PNAD (2001, 2002, 2003, 2004, 2005b, 2006, 2007, 2008, 2009b, 2010,
2011).
Dos 15 até os 18 anos de idade, ao longo dos últimos dez anos, o
jovem que não está ocupado - portanto está fora da PEA ou desocupado tem escolaridade superior aos que estão ocupados. Aos 19 anos de idade, a
escolaridade é praticamente a mesma nos dois grupos. A partir desse ponto,
a escolaridade dos ocupados passa e ser maior que a dos não ocupados. Esses
resultados sugerem que o mercado de trabalho, num primeiro momento,
dos 15 aos 18 anos, afasta o jovem da escola, mas num segundo momento
ocorre o inverso. Possivelmente isso ocorre porque quem está fora do mercado
de trabalho não tem estímulo para continuar estudando e, portanto, sua
escolaridade estagna. Mas quem está ocupado sofre pressão para aumentar sua
escolaridade, portanto esta aumenta, mesmo que levemente. (vide Gráfico 12
para 2011).
189
Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição
12
10
8
6
4
2
0
15
16
17
18
Ocupados
19
20
21
22
23
24
Não ocupados
Gráfico 12 - Média de anos de estudo por Idade - 2011 - Brasil
Fonte: IBGE/PNAD (2011).
Em resumo, no período 2001-2011, mais da metade dos jovens estava
ocupada. A desocupação foi baixa, pois a alternativa de não estar ocupado era
principalmente sair da PEA. O rendimento médio cresceu, principalmente
no grupo de 16 a 18 anos, o que possivelmente teve impacto negativo na
frequência à escola, dado que se torna mais difícil conciliar trabalho e estudo
quando o mercado de trabalho está aquecido. Outro dado negativo é que em
todo o período a proporção dos jovens que não estudam foi superior à dos
que estudam, numa distância crescente, em especial a partir de 2003. Como
consequência disso, é baixa a escolaridade do jovem brasileiro, que só chega
próximo de completar o ensino médio ao atingir 24 anos de idade.
Consideração Final
O mercado de trabalho brasileiro, nos anos 2000, apresentou
características bem distintas das décadas anteriores, com o aumento de
formalização e uma tendência à redução na taxa de desemprego. Esses
resultados podem ser considerados surpreendentes tendo em vista que as leis
trabalhistas não sofreram grande mudança na direção de maior flexibilização,
e que o crescimento do PIB não foi elevado comparado ao período de maior
expansão da economia brasileira do pós-Guerra até o final dos anos 1970.
Além de mudanças na dinâmica dos processos de produção que
propiciaram aumento na oferta de postos de trabalho, importantes
190
Fernando Antonio Barreto Paulino Souto, Carmem Aparecida Feijó, Paulo Gonzaga M. de
Carvalho e Geremias de Mattos Fontes Neto
transformações demográficas estão em curso e influenciam a oferta de mão
de obra. Junto com o menor crescimento populacional e a redução da
fecundidade, nos anos 2000 observa-se uma menor entrada de jovens no
mercado de trabalho. Segundo a PNAD, quase 80% dos jovens de 15 anos
de idade estavam fora do mercado de trabalho em 2011, contra quase 70%
em 2001. (IBGE, 2001, 2011). Esse resultado, quando comparado com o
percentual de jovens que não estudam, mostra que nem sempre o jovem que
está fora da PEA está se qualificando para o mercado de trabalho. Desde
2003, a proporção dos jovens que não estudam em relação aos que estudam
tem mostrado tendência a aumento. Assim, constata-se que ainda se mantém
baixo o grau de escolaridade do jovem brasileiro, que só chega próximo de
completar o ensino médio ao atingir 24 anos de idade.
A baixa escolaridade do jovem brasileiro é uma questão importante e que
compromete o desenvolvimento futuro do País. A melhoria do padrão de vida da
população como um todo depende em grande parte da qualidade da formação
que se oferece aos jovens de hoje, para que ele possa contribuir no mercado de
trabalho ao longo de sua vida econômica. Observa-se que nos últimos anos a
economia brasileira tem crescido pouco, e se esse quadro se mantiver será cada
vez mais difícil sustentar baixas taxas de desemprego. No caso de demissões, os
jovens, pela baixa escolaridade, são o grupo mais vulnerável.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. População
jovem no Brasil. Rio de Janeiro, 1999. (Estudos e Pesquisas. Informação
Demográfica e Socioeconômica, n. 3). Disponível em: <http://www.
ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/populacao_jovem_brasil/
populacaojovem.pdf>. Acesso em: 2013.
CARDOSO JR., J. C. De volta para o futuro?: as fontes de recuperação do
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Brasília, DF: IPEA, 2007. (Texto para Discussão, n. 1310).
CHAHAD, J. C.; POZZO, R. G. Mercado de trabalho no Brasil na
primeira década do século XXI: evolução, mudanças e perspectivas:
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Trabalho, 2013. Disponível em: <http://www.tst.jus.br/noticias/-/asset_
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DEDECCA, C. S.; ROSANDISKI, E. N. Recuperação econômica e a
geração de empregos formais. Parcerias Estratégicas, n. 22, p. 169-190,
Jun. 2006. Edição especial.
IBGE. Contas nacionais. Rio de Janeiro, 2000.
______. ______. Rio de Janeiro, 2005a.
______. ______. Rio de Janeiro, 2009a.
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2001.
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KERSTENETZKY, C. L. O estado do bem-estar na idade da razão: a
reinvenção do estado social no mundo contemporâneo. Rio de Janeiro:
Elsevier, 2012.
192
NEGOCIAÇÃO COLETIVA E A
TRABALHO JUVENIL NO BRASIL
REGULAÇÃO
DO
Adriana Marcolino1
Leandro Horie2
Patrícia Pelatieri3
A juventude em geral, incluída a brasileira, tem características próprias
de inserção no mercado de trabalho, fruto de condições objetivas relacionadas
à idade, como a pouca experiência profissional. No entanto, outras tantas
características dessa inserção são decorrentes de políticas públicas, ou da falta
delas, e da negociação coletiva. No Brasil, essa realidade tem se mostrado
fortemente excludente e precarizadora do trabalho.
Segundo dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT), em
seu relatório anual sobre tendências do emprego no mundo (OIT, 2013),
a juventude tem sido um dos grupos mais afetados pela crise mundial, a
ponto de muitos jovens terem desistido de procurar emprego. Aqueles que
encontram uma vaga submetem-se a trabalhos ainda mais precarizados,
com jornada por tempo parcial e temporário, ou com vínculos de trabalho
informais. Estes sofrem mais com a transição entre o período de educação
formal para o mercado de trabalho. A taxa mundial de desemprego juvenil foi
estimada pela OIT em 12,6% para 2013 - a mais alta taxa desde o início da
crise de 2008 - o que significa 73 milhões de jovens desempregados ao redor
1 Socióloga, técnica do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos
(DIEESE).
2 Economista, técnico do DIEESE.
3 Economista, Coordenadora do DIEESE.
193
Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição
do mundo. A previsão é de que essa taxa continue alta (12,8% em 2018).
Significa que a chance de um jovem estar desempregado é três vezes maior
que a de um adulto.
Nas economias desenvolvidas a taxa de desemprego juvenil chegou
a alarmantes taxas de 18,1% (2012), e 21,2%, quando incorporado o
desemprego por desalento. Nos países em desenvolvimento, que estão
sofrendo menos com a crise, o emprego dos jovens também é precário e as
características marcantes são empregos informais e ocasionais, com médias
salariais muito abaixo da recebida por outros grupos populacionais e um
sistema de proteção insuficiente. Além disso, parcela da juventude não tem
acesso ao emprego nem à educação.
A situação vivida pelos jovens nos mercados de trabalho, hoje,
certamente deixará marcas nas estruturas sociais e econômicas do futuro
nos países. E as escolhas políticas para essa população vão determinar o
desenvolvimento que se quer.
Brasil: Mercado de Trabalho das Regiões Metropolitanas em
Crescimento Versus Taxas de Desemprego Juvenil de “País em
Crise”
Durante a década de 1990, observaram-se aumento do desemprego,
precarização do trabalho e deterioração dos níveis de renda, especialmente
entre as faixas etárias mais jovens. Com a crise, ampliou-se consideravelmente
o processo de discriminação no interior do mercado de trabalho, sobretudo
entre distintas faixas etárias (jovens e adultos), raças e gênero. Inicia-se o
século XXI com uma participação relativa da população na faixa etária de 15 a
24 anos de 25% no total da população economicamente ativa, representando
50% do desemprego nacional. Cerca de 10,6 milhões de jovens trabalhavam
e não estudavam. (POCHMANN, 2004).
No período mais recente, apesar da melhora significativa da taxa de
desemprego do mercado de trabalho brasileiro em geral, observada ao longo
dos últimos dez anos, a taxa de desemprego da juventude, mesmo observandose uma queda significativa, ainda se mantém em patamares elevados: 22,3%
para jovens de 16 a 24 anos de idade - semelhante às taxas de desemprego em
regiões fortemente impactadas pela crise econômica, como as taxas verificadas
na Europa.
194
Adriana Marcolino, Leandro Horie e Patrícia Pelatieri
Quando desagregada em novas faixas, observa-se que para jovens entre
18 e 24 anos a taxa de desemprego caiu de 30,3%, em 2002, para 19,7%, em
2012, mas se mantém ainda muito alta e distante da taxa de desemprego total
de 10,5%, em 2012. Para os que estão entrando no mercado de trabalho,
jovens de 16 e 17 anos, o cenário é mais alarmante: apesar da queda ao longo
dos dez anos analisados abaixo, ainda se mantém em 41,0%, em 2012.
60,0
50,0
40,0
30,0
0,0
2002
22,3
41,0
19,7
10,0
32,7
49,4
30,3
20,0
2003
2004
2005
16 a 24 anos
2006
2007
16 a 17 anos
2008
2009
2010
2011
2012
18 a 24 anos
Gráfico 1 - Taxa de Desemprego dos Jovens de 16 a 24 Anos, segundo Faixa Etária Regiões Metropolitanas - 2002 - 2013
Fontes: Convênio Dieese - Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados do Estado
de São Paulo (Seade); Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) - Fundo de Amparo ao
Trabalhador (FAT) e convênios regionais e Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED).
Nota: Regiões Metropolitanas corresponde ao total das Regiões Metropolitanas de Belo
Horizonte, Porto Alegre, Recife, Salvador São Paulo e o Distrito Federal, regiões em que é
realizada a Pesquisa de Emprego e Desemprego.
Parte da redução das taxas de desemprego entre a juventude é
explicada pela redução da População em Idade Ativa (PIA) e da População
Economicamente Ativa (PEA) desse grupo etário para o período analisado.
A PIA para aqueles entre 16 e 24 anos sofreu redução de 22,2% para 17,7%,
quando se compara 2002 e 2012; já a PEA desse segmento da população,
no mesmo período, teve redução de 26% para 20,1%. Diversos são os
fatores que ajudaram nesse movimento: a melhoria do cenário econômico
interno, as políticas sociais, o aumento do alcance de políticas educacionais
e, em especial, a ampliação das vagas no ensino universitário - políticas que
retardam a entrada da população no mercado de trabalho, além das alterações
na pirâmide etária brasileira.
195
Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição
Assim, diferentemente do movimento geral do mercado de trabalho, a
taxa de ocupação da juventude sofreu redução no período observado, saindo
de 21,2%, em 2002, para 17,5% em 2012.
25,0
21,7
20,9
20,7
20,5
20,0
19,8
19,3
19,2
18,1
17,9
2009
2010
17,8
17,5
15,0
10,0
5,0
0,0
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2011
2012
Gráfico 2 - Proporção de Jovens de 16 a 24 Anos Ocupados, segundo Faixa Etária Regiões Metropolitanas
Fontes: Convênio Dieese - Seade; MTE - FAT e Convênios Regionais e Pesquisa de Emprego
e Desemprego (PED).
Nota: Regiões Metropolitanas corresponde ao total das Regiões Metropolitanas de Belo
Horizonte, Porto Alegre, Recife, Salvador São Paulo e o Distrito Federal, regiões em que é
realizada a Pesquisa de Emprego e Desemprego.
Importante destacar que o percentual de jovens entre 16 e 24 anos que
apenas estudam cresceu de 17,6%, em 2002, para 20,4%; o número daqueles
que estudam e trabalham caiu de 26,7% para 22,6% nesse mesmo período, o que
é um movimento bastante positivo. No entanto, o número de jovens que apenas
trabalham cresceu de 44,8% para 46,1%, e ainda pior foi a manutenção do
percentual de jovens nessa faixa etária que nem trabalham nem estudam (10,9%),
demonstrando a necessidade de ampliação das políticas de inclusão escolar.
É possível identificar, ainda, outras características da inserção dessa
população no mercado de trabalho metropolitano brasileiro, apesar da
melhora geral observada nos últimos anos:
•
Alta rotatividade;
•
Altas taxas de desemprego;
196
Adriana Marcolino, Leandro Horie e Patrícia Pelatieri
•
Jornadas extensas;
•
Dificuldade de conciliação entre estudo e trabalho;
•
Precariedade nas relações de trabalho;
•
Grandes diferenças salariais;
•
Muitos já são chefes de família (proporção em crescimento);
•
Reprodução/perpetuação de desigualdades (condição financeira,
social etc.).
Regulação do Trabalho Juvenil via Negociação Coletiva
A negociação coletiva é um espaço privilegiado para avançar na
regulação do mercado de trabalho, garantindo avanços à legislação vigente ou,
ainda, regulando questões não previstas na Consolidação das Leis do Trabalho
(CLT). Existem limites nesse espaço decorrentes do modelo adotado pelo
Brasil, a saber, a falta de um modelo democrático de relações de trabalho e
estrutura de negociação coletiva centrada em apenas um período anual para
negociação - a data base, relegando ao segundo plano questões que não estão
diretamente ligadas às pautas econômicas.
Apesar desse modelo que limita a negociação coletiva, trata-se de
espaço fundamental e privilegiado para melhorar as condições de trabalho no
Brasil. Entretanto, para a regulação do trabalho juvenil esse espaço está sendo
subutilizado, como se verá a seguir.
Segundo dados do Sistema de Acompanhamento de Convenções
Coletivas do DIEESE (SACC/DIEESE), que reúne informações de 225
unidades de negociação distribuídas por diversos setores econômicos e regiões
do País, o principal ponto firmado nos acordos e convenções coletivos nos
anos de 2006 e 2011, conforme somatório dos períodos apresentado na Tabela
1 abaixo, é sobre o tema das faltas (38%), que define em quais condições as
faltas podem ser abonadas no caso do trabalho juvenil. Esse tema é seguido
por estágio e aprendizes (15,7%), jornada de trabalho (15,1%), estabilidade
quando estiver em serviço militar (14,8%) e, finalmente, educação (11,7%).
Os percentuais são bastante próximos ao se considerarem os dois
períodos apresentados, com uma pequena diferença no tema das faltas, que
197
Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição
apresenta crescimento de 1,5 pontos percentuais em 2011, e o item estágio,
que apresenta crescimento de 2,4 pontos percentuais comparando-se 2011
a 2006. O item educação apresenta queda de 4,2 pontos percentuais nesse
mesmo período.
Tabela 1 - Cláusulas sobre Jovem por Tipo de Cláusula, 2006 e 2011
Tipo de cláusula
2006
2011
Número
%
Número
%
Faltas
129
36,5
123
38,0
Educação
56
15,9
38
11,7
Jornada mulher/ menor/ estudante
54
15,3
49
15,1
Férias
8
2,3
6
1,9
Estágio/ Aprendizes/ Menores
47
13,3
51
15,7
Mão de obra jovem
2
0,6
5
1,5
Estabilidade serviço militar
50
14,2
48
14,8
Qualificação e formação profissional
7
2,0
4
1,2
Estabilidade aprendiz
0
0,0
0
0,0
353
100,0
324
100,0
TOTAL
Fonte: Dados de 2013 a partir de SACC/DIEESE.
Faltas
Quanto às faltas, principal tema negociado, com 123 cláusulas e 38%
do total de cláusulas de juventude negociadas, a Consolidação das Leis do
Trabalho prevê, em seu artigo 473, inciso VII, que o “empregado poderá
deixar de comparecer ao serviço sem prejuízo do salário nos dias em que
estiver comprovadamente realizando provas de exame vestibular para ingresso
em estabelecimento de ensino superior.” Esta redação foi dada pela Lei
9.471/1997. (BRASIL. LEI Nº 9.471, 2013).
Com base nessa lei, os acordos e convenções coletivos de trabalho
apresentam cláusulas que reproduzem o conteúdo da lei ou que ampliam o
seu escopo, incluindo exames escolares ou supletivos e, ainda, definem o prazo
para a comprovação. Muitas cláusulas reduzem o escopo da lei, definindo que
esse direito só pode ser utilizado se coincidir com horário de trabalho, critério
198
Adriana Marcolino, Leandro Horie e Patrícia Pelatieri
que a lei não impõe. Está presente em praticamente todos os ramos (exceção
apenas para administração pública e profissionais liberais).
Apesar de importante, por garantir a realização dos exames vestibulares
e/ou provas escolares, ainda é muito limitado, uma vez que não garante que
o trabalhador/estudante tenha todos os dias uma jornada adaptada para
conseguir chegar a tempo à escola, inclusive com alguma pausa para descanso
e estudo.
Na maior parte das cláusulas está definido o tempo de antecedência
para informar a empresa e garantir o abono da falta. Esse período varia de
24 horas de antecedência até cinco dias. Em alguns casos o trabalhador
estudante ainda precisa comprovar posteriormente que realizou o exame.
Esse caso é mais frequente em exames vestibulares.
Existem, ainda, cláusulas que estabelecem um limite para essas faltas,
principalmente para exame vestibular. Esse limite, mais frequentemente, é de
dois dias, mas existem acordos e convenções que limitam a seis faltas.
Estágio e Aprendizes
Nesse grupo de cláusulas a frequência de documentos que apresentam
itens referentes ao trabalhador aprendiz é de 63,2%, enquanto 36,8%
apresentam cláusulas relacionadas ao trabalho de estagiário.
Referente aos estágios, há uma variedade de temas, mas a maioria
procura limitar o uso desse recurso como forma de substituir mão de obra
direta: limite de percentual do quadro de funcionário que pode ser preenchido
com estagiários; período máximo de contrato de um trabalhador estagiário e
proibição de preenchimento de vacância de vaga com estagiário.
Os temas que procuram garantir benefícios para os estagiários são: a
definição de salário e proibição de utilização de estagiário em determinadas
ocupações que não representam ganho de qualificação, além de garantir a
possibilidade de contratação ao final do contrato de estágio.
Outro tema com frequência de destaque (23,8%) é a oportunidade de
estágio para trabalhadores estudantes da empresa.
199
Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição
Quanto aos trabalhadores na condição de aprendiz, 86% das cláusulas
tratam da questão salarial. A Lei 10.097/2000 diz: “Ao menor aprendiz, salvo
condição mais favorável, será garantido o salário mínimo hora”. (BRASIL.
LEI Nº 10.097, 2013). O conteúdo desse tema nas convenções varia bastante,
reafirmando o salário mínimo e considerando o piso da categoria, o menor
piso da função e percentuais desses salários (50% no primeiro período do
contrato e 75% no segundo período do contrato), entre outros. Convênio
com instituições para o aprendizado, a não extensão de outros benefícios para
os aprendizes e, ainda, a oportunidade de contração ao final do período de
aprendizado são outros temas acordados.
Jornada de Trabalho
Esse tema é de grande relevância para os jovens, já que no Brasil a
entrada no mercado de trabalho ainda é muito precoce, impondo aos jovens
a difícil compatibilização entre estudo e trabalho. A maior frequência é de
cláusulas que tratam da limitação ou proibição da prorrogação da jornada de
trabalho para aqueles que estudam. Essa limitação ou proibição estende-se
em alguns casos para a mudança de turnos de trabalho ou para a realização
do banco de horas.
O conteúdo dessa cláusula varia também quanto à obrigação da empresa
em cumprir essa norma. Com frequências semelhantes pode ser condicional,
ou seja, “dentro do possível”, “se não prejudicar a empresa”, ou expressar
diretamente a proibição - “não poderá prorrogar”.
Foram encontradas em dois documentos cláusulas que reduzem a
jornada de trabalho do estudante em 30 minutos.
Serviço Militar: Estabilidade
Segundo a CLT, em seu artigo 472:
O afastamento do empregado em virtude das exigências do
serviço militar, ou de outro encargo público, não constituirá
motivo para alteração ou rescisão do contrato de trabalho por
parte do empregador.
§ 1º - Para que o empregado tenha direito a voltar a exercer o
cargo do qual se afastou em virtude de exigências do serviço
200
Adriana Marcolino, Leandro Horie e Patrícia Pelatieri
militar ou de encargo público, é indispensável que notifique o
empregador dessa intenção, por telegrama ou carta registrada,
dentro do prazo máximo de 30 (trinta) dias, contados da
data em que se verificar a respectiva baixa ou a terminação do
encargo a que estava obrigado.
§ 2º - Nos contratos por prazo determinado, o tempo de
afastamento, se assim acordarem as partes interessadas, não será
computado na contagem do prazo para a respectiva terminação.
§ 3º - Ocorrendo motivo relevante de interesse para a segurança
nacional, poderá a autoridade competente solicitar o afastamento
do empregado do serviço ou do local de trabalho, sem que se
configure a suspensão do contrato de trabalho. (Incluído pelo
Decreto-lei nº 3, de 27.1.1966)
§ 4º - O afastamento a que se refere o parágrafo anterior
será solicitado pela autoridade competente diretamente ao
empregador, em representação fundamentada com audiência
da Procuradoria Regional do Trabalho, que providenciará desde
logo a instauração do competente inquérito administrativo.
(Incluído pelo Decreto-lei nº 3, de 27.1.1966)
§ 5º - Durante os primeiros 90 (noventa) dias desse afastamento,
o empregado continuará percebendo sua remuneração.
(Incluído pelo Decreto-lei nº 3, de 27.1.1966). (BRASIL.
DECRETO-LEI Nº 5.452, 2013).
A CLT garante a estabilidade dos jovens que foram incorporados ao
serviço militar obrigatório, mas como não há menção sobre qual o período da
estabilidade após o retorno ao trabalho, as cláusulas encontradas nos acordos
e convenções coletivos de trabalho têm como conteúdo principal a definição
do período no qual o trabalhador terá direito à estabilidade.
O período de estabilidade pode variar entre 30 dias (53,2%) e 60 dias
(31,9%). Os mais frequentes, no entanto, segundo documentos encontrados,
são com estabilidade de 120 dias e 150 dias (apenas um documento em cada
caso). A estabilidade de 30 dias é insuficiente para reintegrar o trabalhador
jovem e tem um custo de demissão baixo. Prazos mais longos de estabilidade,
ao contrário, reintegram o trabalhador ao processo, garantindo, assim, maior
chance de manutenção do emprego.
Outro ponto recorrente são os prazos para informar à empresa: (1) de que
foi convocado para o serviço militar; (2) de que foi desligado do serviço militar
201
Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição
e tem intenção de voltar ao emprego. No primeiro caso não há definição de
prazo na lei, mas a maior frequência é de cláusulas que indicam 30 dias a partir
do momento em que foi notificado. No segundo caso, apesar de garantir que
em até 30 dias depois da baixa o jovem pode requerer sua volta ao emprego, é
bastante frequente a repetição dessa norma nas cláusulas, sendo que em dois
casos foi reduzido o período para 20 dias, à revelia da lei.
Considerações Finais
O mercado de trabalho brasileiro apresentou desempenho
supreendentemente positivo no último período: redução das taxas de
desemprego, crescimento da ocupação e da formalização dos vínculos de
trabalho, melhoria nas remunerações, entre outros. No entanto, para a
juventude, o mercado de trabalho é fortemente desestruturado e precarizado.
É grande a dificuldade de encontrar um emprego, mas quando o
jovem consegue é na maioria das vezes inadequado, informal, prejudicando
a continuidade dos seus estudos, além de não promover uma qualificação e
propiciar a passagem para a vida adulta de forma digna.
Governos, empresários e trabalhadores têm apresentado como propostas
de superação desse cenário ações a partir das seguintes diretrizes:
Políticas econômicas e de emprego que reforcem a demanda
agregada;
Educação e formação que facilite a transição da escola
para o trabalho e que enfrente a questão dos desajustes das
competências de formação, seja escolar ou de qualificação
profissional;
Políticas orientadas para promover emprego decente para os
jovens pobres;
Fomento, apoio às iniciativas de empreendedorismo juvenil;
Garantia dos direitos trabalhistas baseada nas normas
internacionais do trabalho para todos os jovens, garantindo
igualdade de condições. (OIT, 2013, p. 7).
O Brasil tem um longo caminho pela frente, e o desenvolvimento de
estratégias de inserção qualificada dos jovens no mercado de trabalho será o
definidor do Brasil do futuro.
202
Adriana Marcolino, Leandro Horie e Patrícia Pelatieri
REFERÊNCIAS
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da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, aprovada pelo Decreto-Lei no
5.452, de 1o de maio de 1943. Diário Oficial [da] República Federativa
do Brasil, Brasília, DF, 20 dez. 2000. Disponível em: <http://www.planalto.
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BRASIL. Lei nº 9.471, de 14 de julho de 1997. Acrescenta inciso ao art.
473 da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT. Diário Oficial [da]
República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 15 jul. 1997. Disponível em:
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WAISELFISZ, Júlio Jacobo. Mapa da violência 2013: homicídios e
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203
DINÂMICAS RECENTES DO MERCADO DE TRABALHO
JUVENIL NA REGIÃO NORDESTE
Christiane Luci Bezerra Alves1
Evânio Mascarenhas Paulo2
Introdução
A necessidade de afirmação da autonomia pessoal e financeira, a escolha
de uma vocação e a própria afirmação da sua identidade cultural impõem aos
jovens contemporâneos a necessidade de inserção no mercado de trabalho.
Desse modo, a juventude, vista não apenas na percepção cronológica, mas
também na dimensão psicossocial, corresponde a uma fase fundamental de
um processo evolutivo no qual o indivíduo é chamado a fazer importantes
ajustamentos pessoais.
Há que se reconhecer que a organização socioeconômica brasileira,
combinada a elementos cotidianos da vida juvenil, tem direcionado cada vez
mais cedo os jovens para o mercado de trabalho, fato que gera preocupação,
tendo em vista os possíveis rebatimentos sobre suas condições de saúde e de
desempenho escolar. Os resultados são, na maioria das vezes, trabalho em
caráter precoce, que antecipa a saída da escola, dificuldades na continuidade
1
2
Professora Adjunta do Departamento de Economia da Universidade Regional do Cariri
(URCA). Mestre em Economia pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Aluna do
Doutorado em Desenvolvimento e Meio Ambiente (DDMA) da Universidade Federal do
Ceará (UFC).
Mestrando em Economia Rural pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Especialista
em Desenvolvimento Regional e Graduação em Economia pela Universidade Regional
do Cariri (URCA). Bolsista de Mestrado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico (CNPq).
205
Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição
dos estudos, e, quase sempre, interrupção completa do ciclo escolar, gerando
possíveis comprometimentos de oportunidades futuras.
Por outro lado, a transição para uma vida produtiva e remunerada
demanda dos jovens investimentos na educação formal, na formação e
qualificação profissional, prolongando a vida escolar e adiando o ingresso
no mundo do trabalho. Provavelmente, essa formação tem influência no
tipo de inserção profissional, que costuma ser mais vulnerável quando o
ingresso acontece precocemente, como defende Gonzaga (2011).
Assim,
essas variadas distinções acerca da realidade dos jovens revelam
importância e fôlego crescentes no tratamento de questões e
desafios vinculados à juventude, tornando-se objeto de grande
interesse no período recente, especialmente na sociedade
brasileira. (BAHIA ANÁLISE & DADOS, 2011, p. 7).
O aquecimento das discussões contribui para a formulação de uma
agenda política específica para o equacionamento dos dilemas ligados às
condições socioeconômicas e aos direitos dos jovens, particularmente nos
anos 2000.
O cenário que expõe a problemática da juventude e do mercado
de trabalho passa pelo entendimento das transformações estruturais que
experimenta o sistema capitalista dominante de fins do século XX. Nos
anos 1970, explicita um conjunto de estrangulamentos estruturais que
comprometem os padrões de crescimento da economia mundial, hegemônicos
do pós-guerra (redução das taxas de lucro e crise no modo de acumulação
dos países centrais, que apresentam queda nos níveis de produtividade e
competitividade), forçando a adoção de novos modelos de organização
da produção, baseados na acumulação flexível. Os reflexos são sentidos
através da crise do trabalho, com a expansão do desemprego estrutural e
com a precarização do emprego, com o aumento da subcontratação, da
terceirização e de empregos temporários, além da significativa expansão da
economia informal.
Ao mesmo tempo, o contexto macroeconômico brasileiro dos anos
1990, com sobrevalorização da moeda, altas taxas de juros e fortes restrições ao
206
Christiane Luci Bezerra Alves e Evânio Mascarenhas Paulo
crédito, combinado com as políticas de orientação neoliberal implementadas
no período (desregulamentação da economia, privatizações, aberturas
comercial e financeira), tem efeitos negativos sobre a geração de empregos
formais. Esse contexto gera, também, dificuldades de inserção ocupacional
da mão de obra no mercado de trabalho e contribui para a predominância do
trabalho precário, a partir de baixos níveis de remuneração e alta rotatividade
da mão de obra.
Nas últimas décadas, o mercado de trabalho no Brasil tem
passado por diversas transformações, muitas delas associadas
ao sistema econômico e seus movimentos conjunturais,
enquanto outras representam o aprofundamento de
mudanças estruturais iniciadas por volta da década de 1970.
Dessa maneira, o mercado de trabalho em geral apresenta,
hoje, possibilidades menores de ascensão social ou mesmo de
trabalho dignificante, se comparado com o período imediato
ao pós-guerra (1950-1970). Consoante a isso [...] colocam
que os empregos gerados, em sua maioria, têm duração curta,
seguida por uma baixa remuneração, na medida em que a
rápida transformação do mundo do trabalho torna, em pouco
tempo, determinadas qualificações obsoletas. Isto conflita as
perspectivas de muitos jovens na busca de oportunidades.
(SANTOS; SANTOS, 2011, p. 30).
Apesar de, nos anos 2000, vários elementos contribuírem para o
aumento da formalização no mercado de trabalho nacional3, um conjunto de
desafios parece se impor, tendo por conseguinte rebatimentos nas expectativas
relativas ao trabalho da juventude. Esses desafios envolvem a
necessidade de redução do desemprego, pela geração de
empregos em quantidade compatível com o crescimento
esperado da população em idade ativa e pela absorção da mão de
obra potencial em ocupações menos vulneráveis e em atividades
econômicas mais produtivas. [...] Outro desafio importante diz
3
Entre esses elementos podem ser destacadas as mudanças no regime cambial e o cenário
econômico externo favorável às exportações e à entrada de capitais; o aumento do
investimento e a expansão e diversificação do crédito interno; a política de valorização
do salário mínimo; o aumento da fiscalização das relações de emprego pelo Ministério
do Trabalho e Emprego (MTE); a instituição do regime tributário simplificado para
micro e pequena empresas – SIMPLES; a descentralização dos investimentos públicos,
particularmente do gasto público social. (CHAHAD; POSSAMAI, 2007; CARDOSO
JR, 2007).
207
Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição
respeito à necessidade de incentivo ao aumento da participação
na atividade econômica da quantidade máxima possível de
pessoas aptas ao trabalho. Esse desafio, por sua vez, passa pela
necessidade de se estimular a geração do emprego feminino,
pela eliminação das múltiplas formas de discriminação no
mercado de trabalho, pela regulação do trabalho do idoso e
pela extinção do trabalho infantil. (DIEESE, 2012, p. 31-32).
Vale ressaltar, ainda, que para a OIT (2009, p. 9)
a superação de todas as formas de discriminação e a promoção de
modalidades de crescimento que fomentem o desenvolvimento
humano e gerem trabalho decente4 constituem requisitos
determinantes para a redução da pobreza, a autonomia das
mulheres, o fortalecimento da democracia e o cumprimento
dos Objetivos do Desenvolvimento do Milênio.
Nesse rol de prioridades, em busca da eliminação de distorções no
mercado de trabalho, o emprego juvenil deve fazer parte das ações de políticas
públicas seja qual for a esfera de planejamento governamental.
Neste trabalho pretende-se resgatar a trajetória de construção de um
campo de reflexão acerca da condição dos jovens nordestinos no mercado
de trabalho, a partir do entendimento de um conjunto de indicadores.
É importante que se tenha como referência a urgência de estudos que
busquem o entendimento das especificidades de um mercado que sofre o
impacto das próprias distorções estruturais que marcam a região Nordeste,
cuja leitura histórica revela a grande assimetria na distribuição de renda
e os indubitáveis problemas socioeconômicos. A segunda região mais
populosa do País concentra o maior número de pessoas abaixo da linha de
pobreza e extrema pobreza.
Apesar de ser registrada, na primeira década dos anos 2000, expressiva
redução dos indicadores de desigualdade e pobreza no Nordeste, assim como
em outras regiões do País, reflexo, em grande parte, do aumento dos gastos
sociais e do peso dos programas de transferência de renda para a região, é
4
A caracterização de trabalho decente pela OIT refere-se ao “trabalho produtivo com
remuneração justa, segurança no local do trabalho e proteção social, melhores perspectivas
para o desenvolvimento pessoal e social, liberdade para que manifestem suas preocupações,
organizem-se e participem da tomada de decisões que afetam suas vidas, assim como a
igualdade de oportunidades e de tratamento para mulheres e homens”. (OIT, 2007, p. 20).
208
Christiane Luci Bezerra Alves e Evânio Mascarenhas Paulo
inquestionável a dificuldade de reverter uma situação econômica e social
historicamente determinada. Além disso, também são históricas as assimetrias
em padrões de desenvolvimento dentro da própria região, numa fragmentação
espacial que reforça as chamadas “ilhas de prosperidade” regionais. Há ainda
que se ressaltar como o Nordeste sente os impactos do desmantelamento das
políticas de caráter regional no Brasil, fruto da crise fiscal experimentada pelo
Estado brasileiro após os anos 1980, e como sua dinâmica econômica recente
permanece atrelada a políticas de incentivos fiscais e atração de investimentos
localizadas e que ainda não foram capazes de promover um desenvolvimento
integrado e socialmente desejável na região.
Esses padrões tendem, portanto, a ter efeitos não negligenciáveis na
dinâmica do mercado de trabalho regional e no desafio de políticas públicas
inclusivas, capazes de contribuir para a redução dos níveis de vulnerabilidade
econômica e social de substancial parte da população nordestina, particularmente
das parcelas que sofrem com as históricas formas de discriminação dentro do
mercado de trabalho, como mulheres, jovens e negros.
A busca de orientação na definição do grupo a ser classificado como
juventude, neste trabalho, envolve algumas reflexões metodológicas. Pelo
enfoque das Nações Unidas, que define juventude pela idade do indivíduo,
jovem é a pessoa que se encontra na faixa etária compreendida entre 15 e 24
anos. Nesse sentido, ao se considerar o grande número de estudos presentes
na literatura especializada que contempla tal caracterização, o estudo da
juventude proposto neste trabalho compreende os indivíduos contidos nesse
grupo etário.
Para autores como Pochmann (2007), a juventude pode ser conceituada
como uma forma de vida que se estende por muito mais tempo que a simples
etapa de 15 a 24 anos, já que esta também não encontra relação com a definição
de preparação para a vida adulta. Além disso, ainda para Pochmann (2004,
p. 11), como o perfil demográfico nacional tem evoluído no que diz respeito
à sensível elevação da expectativa de vida da população, também a ideia de
transitoriedade que marca a vida juvenil merece ser reconsiderada:
Atualmente, quando a expectativa média de vida se encontra
ao redor dos 70 anos, aproximando-se rapidamente dos 100
anos de idade para as décadas vindouras, torna-se fundamental
209
Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição
identificar que está em curso um alargamento da faixa etária
circunscrita à juventude para algo entre 16 e 34 anos de idade.
É importante notar, portanto, que não há uma definição clara
e homogeneizadora acerca do conceito de juventude, sendo a mesma
heterogênea e possuidora de um conjunto de singularidades. Ter presente
essa complexidade, no entanto, é fundamental para evitar equívocos no
uso desse conceito, principalmente quando se trata da formulação e da
implantação de políticas públicas dirigidas a esse segmento da população.
O contexto econômico, social, histórico e cultural é outro fator que afeta
uma possível caracterização.
A análise do mercado de trabalho neste ensaio tem por base os dados
provenientes da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD)
-microdados, fornecidos em meios digitais - referentes aos anos de 2004 e
2009, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
A amostra foi expandida utilizando como fator de expansão o peso relativo
da pessoa, fornecido pela PNAD, que investiga diversas características
socioeconômicas da sociedade, como educação, trabalho, rendimento, dentre
outras, além de ser uma amostra dos domicílios brasileiros feita em todas as
regiões do País, incluindo áreas rurais.
Os Jovens e o Mercado de Trabalho: Breves Registros
O ingresso no mercado de trabalho não se constitui tarefa fácil, seja
para a juventude, seja para outros grupos etários mais amadurecidos. No
entanto, dado o maior despreparo, a menor qualificação e a propensão a
ocupar atividades consideradas de menor especialidade, a juventude se depara
com obstáculos mais significantes no enfrentamento de dilemas associados à
iniciação no mercado de trabalho, seja em economias desenvolvidas ou em
desenvolvimento.
No Brasil, as profundas transformações pelas quais vem passando
a economia mostram-se, em geral, desfavoráveis à evolução do
emprego da força de trabalho, atingindo particularmente os
jovens. Nesse contexto, os jovens em idade legal de trabalhar
tornam-se um dos segmentos mais frágeis na disputa por um
posto de trabalho em meio ao elevado excedente de mão de
obra e a perda de oportunidades ocupacionais em empregos
regulares. (DIEESE, 2005, p. 2).
210
Christiane Luci Bezerra Alves e Evânio Mascarenhas Paulo
A entrada precoce no mercado de trabalho é uma realidade constante
da juventude brasileira, muito embora se verifiquem, recentemente,
alterações nessa tendência. Os anos 2000, principalmente, são marcados
pela acentuação e consolidação de processos de mudanças dentro do mundo
juvenil que envolvem uma maior exclusividade e tempo de permanência na
escola. Contribuíram, também, para esse processo, a afirmação de programas
sociais, como o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI), e as
mudanças estruturais, como o desenvolvimento das redes e a possibilidade de
acesso ao ensino superior, com o aumento no número de instituições ou de
vagas em âmbito federal, estadual ou privado, e o suporte financeiro através de
programas de financiamento ou subsídios federais. Esses programas permitem
aos jovens a continuidade dos seus ciclos de estudos e uma maior qualificação
profissional, o que retarda a entrada de alguns no mercado de trabalho.
Não obstante a consolidação desses novos fenômenos, a inserção precoce
dos jovens nas atividades laborais pode representar, em muitos casos, a única
possibilidade de afirmação social e familiar. As próprias mudanças observadas
na organização da produção e do trabalho são acompanhadas pelo aumento
das tensões entre trabalho e vida familiar, o que pode ter perversos reflexos
no desenvolvimento humano. (OIT, 2009). No caso da iniciação profissional
precoce, o conflito e a dificuldade de conciliação das novas atividades com
a formação educacional quase sempre inibem o processo de qualificação,
interferindo diretamente no macroprocesso de desenvolvimento educacional
e cultural, comprometendo, inclusive, a inserção social da juventude. Essa
dinâmica contribui para ampliar os mecanismos que alimentam a pobreza em
regiões de vulnerabilidade social, pois conforme ressalta a OIT (2010, p. 10),
um jovem que inicia sua trajetória laboral prematuramente,
é quase certo que não conclui uma educação suficiente e,
portanto, estará fadado a trabalhar em troca de uma baixa
remuneração, em situação de desvantagem para prosperar e
para dar a seus filhos melhores oportunidades do que as que
teve.
Quando o adiamento da entrada no mercado de trabalho está associado
à permanência na escola, e não à falta de oportunidade de encontrar uma
211
Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição
vaga, esse fato constitui o que o IPEA (2009 apud COSTA, 2010, p. 27)
caracteriza como moratória social5, que correspondente:
um crédito de tempo que permite ao jovem protelar as
exigências sociais típicas da vida adulta, especialmente relativas
ao casamento e ao trabalho, e possibilita-lhe um maior contato
com experiências e experimentações que podem favorecer o seu
pleno desenvolvimento, não apenas em termos de formação
educacional e aquisição de treinamento e capacitação, mas
também em termos de outras vivências típicas que fazem parte
da sociabilidade juvenil.
Costa (2010, p. 30) ainda chama a atenção que:
os jovens menos preparados/escolarizados, leia-se os mais
pobres, certamente enfrentarão dificuldades de inserção no
mercado de trabalho ainda maiores, o que contribuirá para
a manutenção da pobreza, violência, a presença juvenil em
atividades ilegais e demais sequelas, o que ratifica a necessidade
de políticas públicas cada vez mais eficazes e eficientes focadas
nesse segmento.
Além das exigências em termos de formação educacional, o acúmulo
de experiências profissionais e pessoais também representa uma importante
demanda dos empregadores nas ofertas de trabalho, em virtude da necessidade
de redução dos investimentos em qualificação. Esse componente se constitui,
portanto, numa barreira à entrada dos jovens no mercado de trabalho e,
também, um grave paradoxo, na medida em que o mercado para efetivar a
contratação de um profissional demanda um certo acúmulo de experiência na
vaga ofertada. O jovem, na maioria dos casos, que está buscando o primeiro
emprego tende a “nunca” estar apto à obtenção de uma vaga. Desta forma,
“nunca” acumula a experiência. (SANTOS; SANTOS, 2011).
Estratégias com o propósito de viabilizar a integração social e econômica
dos jovens são pensadas e implementadas em diversos países como forma de
5
Aquino (2009), no resgate de contribuições que caracterizam a moratória social, retoma a
noção de que o jovem, ao estar fora durante esse período do mercado de trabalho, permanece
suspenso da vida social, construindo elementos da sua identidade social e profissional, de
forma a construir um status acreditável, conforme assinala Galland (1996 apud AQUINO,
2009, p. 26). Ao mesmo tempo, “este processo também coloca os jovens em situação de
alijamento dos processos de decisão e criação do social e, no limite, de marginalidade”.
(AQUINO, 2009, p. 26).
212
Christiane Luci Bezerra Alves e Evânio Mascarenhas Paulo
evitar a supressão e frustração do futuro desempenho socioeconômico desse
grupo da população, marcado por fragilidades e incertezas que comprometem a
sustentação da ordem social. Para o segmento juventude, as estratégias de políticas
públicas enfrentam ainda o desafio das diferenciações e heterogeneidades que
marcam o interior do segmento juvenil em aspectos como: escolaridade, renda
familiar, acesso a um trabalho de qualidade, nível salarial, tempo de busca por
trabalho, acesso à qualificação, dentre outros. (COSTA, 2010).
Gomes (1990) identifica alguns obstáculos enfrentados pelos jovens
ao buscar uma iniciação e/ou manutenção de postos de ocupação, a saber:
i) dificuldades na colocação; ii) desorientação; iii) desajuste entre o preparo
recebido e as exigências da atividade laboral; iv) falta de transparência do
mercado; v) hesitações e alternativas errôneas por parte da escola; vi) más
condições de trabalho; vii) sub-remuneração e excesso de horas de atividade;
e viii) competição entre a escola e o trabalho.
Parte dos especialistas tem chamado a atenção, ainda, para a
perda da centralidade do trabalho na vida dos jovens, substituída
em grande medida pela centralidade do consumo, que passa a
ser mais relevante nas novas gerações em relação às precedentes,
para as quais a vida inteira se estruturava em torno do trabalho.
(RODRÍGUEZ, 2013, p. 105).
O que de certo modo, não estabelecendo-se como prioridade imediata,
constitui um obstáculo à relação juventude versus atividades laborais.
Indicadores do Mercado de Trabalho Juvenil no Nordeste
Os dados da Tabela 1 representam indicadores do mercado de trabalho
geral e da juventude (considerando o recorte feito nesta pesquisa, com pessoas
entre 15 e 24 anos de idade). Constata-se, de forma geral, que a condição do
jovem no mercado de trabalho no Nordeste costuma ser mais precária em
relação ao mercado de trabalho analisado em seu conjunto.
Uma análise mais criteriosa do mercado de trabalho requer um
exame das condições de oferta e demanda de mão de obra. Nesse sentido,
a redução absoluta ocorrida entre 2004 e 2011 na participação dos jovens
(menos 1.267.079 jovens na População Economicamente Ativa (PEA), e
menos 949.692 na População em Idade Ativa (PIA) indica um processo de
213
Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição
reestruturação da oferta de trabalho, explicado tanto pela dinâmica natural
das populações, que num determinado estágio tende a reduzir o número de
jovens, como por forças que atuam no próprio mercado de trabalho. Isso
sugere que as forças econômicas, sociais e culturais estão atuando no sentido
de restringir a “atratividade” que o mercado exerce sobre os jovens, em virtude
de maior seletividade, piores condições de trabalho e remuneração em relação
a outros grupos etários e, também, o próprio desejo dos jovens em buscar
melhores condições de qualificação, retardando sua entrada no mercado de
trabalho e induzindo a sua saída para ampliar suas bases de qualificação, a fim
de se reinserir posteriormente em melhores condições. Desta forma, segundo
Braga (2011, p. 51), “a taxa de participação dos jovens é influenciada pela
dinâmica demográfica, associada à união de fatores econômicos, sociais e
culturais da localidade”.
Tabela 1 – Nordeste - Indicadores Selecionados do Mercado de Trabalho Geral e Juvenil
– 2004, 2008 e 2011
Dimensão do
Mercado de
Trabalho
Mercado de trabalho Geral
2004
2008
2011
Mercado de Trabalho Juvenil
2004
2008
2011
Idade Ativa
40.984.769 44.123.809 45.474.614
10.635.585
10.222.181 9.685.893
Economicamente
Ativa
24.910.756 26.545.650 25.748.027
6.441.323
6.060.708
5.174.244
Economicamente
Inativa
16.071.496 17.578.159 19.726.587
4.192.793
4.161.473
4.511.649
População
Ocupada
22.680.224 24.549.260 23.726.508
5.334.504
5.117.569
4.281.836
População
Desocupada
2.230.532
1.106.819
943.139
892.408
Indicadores
do Mercado de
Trabalho
1.996.390
2.021.519
Mercado de trabalho Geral
Mercado de Trabalho Juvenil
2004
2008
2011
2004
2008
2011
Taxa de Participação
60,8%
60,2%
56,6%
60,6%
59,3%
53,4%
Taxa de Ocupação
91,0%
92,5%
92,1%
82,8%
84,4%
82,8%
Taxa de Desemprego
9,0%
7,5%
7,9%
17,2%
15,6%
17,2%
Fonte: IBGE - PNAD (2004, 2008, 2011).
214
Christiane Luci Bezerra Alves e Evânio Mascarenhas Paulo
Ainda de acordo com Braga (2011), a maior disponibilidade da
força de trabalho dos adolescentes está condicionada, em grande medida, à
decisão familiar diante de fatores como larga inserção nas faixas de pobreza
ou impossibilidade de acesso ao sistema educacional e, ainda, à ineficiência
do mesmo. Logo, o equacionamento ou suavização desses fatores implica
uma reacomodação da estrutura etária da oferta de trabalho no mercado, no
sentido de tornar mais escassa a força de trabalho juvenil, com a redução
sucessiva da PEA, como reproduzido na realidade nordestina entre os anos de
2004 e 2011. (Tabela 1). É importante atentar que:
A redução da participação no mercado de trabalho dos jovens
entre 15 e 17 anos, a princípio, pode ser vista como um fator
positivo. Um grande número de pesquisadores e gestores
argumenta justamente que, nesta fase da vida, é fundamental
postergar a entrada no mercado de trabalho para viabilizar,
sobretudo, a permanência na escola e a conclusão do ensino
médio com qualidade. (IPEA, 2009 apud COSTA, 2010, p. 5).
Nesse contexto, a taxa de participação, equivalente à proporção entre
a PEA e a PIA, que seria um indicativo da dimensão do mercado de trabalho
(ou da oferta de trabalho), é, em geral, semelhante entre os mercados de
trabalho juvenil e geral, no início da série de anos analisada. Todavia, percebese que a taxa de participação se reduz para ambos os grupos analisados ao
longo da série, porém de forma mais intensa para os jovens, principalmente
entre 2008 e 2011, o que corrobora a percepção de que os jovens constituem
um grupo mais vulnerável a ajustes estruturais ou a rebatimentos conjunturais
no mercado de trabalho. Nesse período, em particular, destaca-se o ajuste
nas condições de emprego pós-crise econômica de 2008 e as consequentes
acomodações nos anos que se seguem. Para Rodríguez (2013, p. 108),
a crise econômica internacional desses últimos anos teve um
importante impacto nas novas gerações, pois o “ajuste” foi
levado a cabo com a expulsão do mercado de trabalho daqueles
que tinham os contratos mais precários.
Parte dos especialistas tem chamado a atenção, ainda, para certo
obstáculo à relação juventude versus atividades laborais, enfatizando a perda da
centralidade do trabalho que atinge de forma mais contundente a juventude.
Por outro lado, a taxa de ocupação, que indica o comportamento da
demanda de trabalho, no caso dos jovens, é bem menor do que no mercado
215
Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição
de trabalho geral. Isso significa que há uma preferência relativa por mão de
obra de outros grupos etários. A taxa de ocupação, embora mantenha um
comportamento estável ao longo dos anos estudados, fornece avaliações
importantes a respeito dos caminhos seguidos pelos jovens no mercado de
trabalho. A análise dos seus componentes, em termos absolutos, mostra que
considerando os anos de 2004 e 2011, cerca de 1.052.668 jovens deixaram de
compor a população ocupada na região Nordeste, processo que se acentua nos
anos recentes.
Nesse sentido, a estabilidade da taxa de ocupação só é explicada pela
redução, em proporções semelhantes, da população economicamente ativa.
Observa-se que a redução na população em idade ativa é menor que a redução
das populações economicamente ativas e ocupadas, o que nos leva a inferir que
a dinâmica natural das populações explicaria apenas em parte o comportamento
da taxa de participação. Dinâmicas no próprio mercado de trabalho constituemse forças indutoras desse processo, além de mudanças de postura da sociedade e
dos próprios jovens em relação a objetivos mais prioritários.
Esses elementos corroboram a noção de que no processo de recrutamento
e seletividade da mão de obra muitos indivíduos na condição juvenil acabam
sendo excluídos, restando-lhes possibilidades e formas mais precárias de
iniciação na vida profissional.
Sobre essa relação, Braga (2011, p. 51) destaca que:
[...] do ponto de vista da empresa, os riscos inerentes à
contratação do jovem, notadamente aqueles relacionados à falta
de experiência profissional, comprometimento com o trabalho,
capacidade de produção e de adaptação a rotinas, tornamse menores com a maior idade. De outro lado, as empresas
estão cada vez menos dependentes de mão de obra e mais
demandantes de maior capacitação e experiência profissional
de jovens, que, muitas vezes, estão em busca de sua primeira
experiência de emprego.
Análises do Centro de Referência Ruth Cardoso (2011, p. 2) afirmam
que “a oferta de educação profissional aos jovens não tem levado em conta a
demanda real ou potencial da estrutura produtiva, avaliada tanto do ponto
de vista qualitativo (quais são as qualificações efetivamente demandadas),
quanto quantitativo”.
216
Christiane Luci Bezerra Alves e Evânio Mascarenhas Paulo
Há que se notar, nesse sentido as transformações recentes na estrutura
de produção e, portanto, na estrutura de demanda por mão de obra, passam a
condicionar e influenciar as modificações nas condições de oferta e demanda de
trabalho. Esse processo sugere que são os interesses do capital que prevalecem
sobre as condições de acessibilidade dos jovens na vida profissional de forma
digna que determinam as condições e os ciclos de qualificação e educação, que
por vez são interrompidos pelas forças do mercado.
A existência de um “reservatório” de mão de obra semiqualificada
e as pressões por inovações tecnológicas no processo produtivo permitem
a manutenção de fortes exigências no recrutamento de indivíduos no
mercado de trabalho. Dessa forma, os jovens não detentores de habilidades
e qualificações importantes para o mercado de trabalho tendem a ficar
subocupados em postos precários ou se manter fora do mercado de trabalho,
ampliando seu aprendizado para pressioná-lo, num segundo momento,
quando suas chances de acesso são maiores e suas condições de entrada
sejam melhores.
Ainda sobre a taxa de ocupação, registra-se um leve aumento, com uma
variação de 1,93% para a juventude entre 2004 e 2008. No entanto, em termos
absolutos tem-se uma redução de 216.935 jovens na população ocupada, o
que contrasta com o aumento de 1.869.036 para o conjunto do mercado de
trabalho. Logo, quando se considera um ambiente de crescimento econômico,
mesmo moderado, a juventude não se beneficia dos bônus induzidos pelo
maior nível de atividade no mesmo ritmo e intensidade ocorridos para o
mercado de trabalho geral.
Merece destaque a redução da participação dos jovens na composição
da População em Idade Ativa (taxa de participação), no período de 2004
a 2011, cuja variação corresponde a -11,88%, ou seja, de 60,6% para
53,4%, refletindo as tendências demográficas atuais de envelhecimento da
população brasileira.
Outro notável dilema da juventude é o desemprego. Os estudos
realizados na maioria dos países da América Latina apontam para o fato de que
“a metade dos desempregados e subempregados da região são jovens, apesar
de estes representarem apenas um quinto da População Economicamente
217
Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição
Ativa (PEA)”.(RODRÍGUEZ, 2013, p. 106). Essa realidade se reproduz
no mercado de trabalho brasileiro e também nordestino. Observa-se que a
taxa de desemprego entre os jovens do Nordeste é expressivamente superior
à registrada nos outros segmentos da população em qualquer dos anos
analisados, sendo essa diferença mais intensa no ano de 2011 (17,2% para os
jovens e 7,9% para o mercado geral).
Sobre a dinâmica do desemprego nos anos analisados, cabe destacar que
entre 2004 e 2008 constata-se uma redução considerável da taxa em ambos os
mercados, mas os caminhos que condicionam essa redução são diferentes. Isso
porque a redução do desemprego no mercado de trabalho em seu conjunto
(-12,22%, do ano de 2011, em relação ao de 2004) se dá por meio do maior
crescimento da população ocupada em relação ao crescimento da população
economicamente ativa, contribuindo, dessa forma, para a redução do
desemprego através do desempenho bastante positivo das ocupações totais.
No caso do mercado de trabalho juvenil, apesar do crescimento da
taxa de ocupação entre 2004 e 2008, isso não reflete o desemprenho positivo
do mercado de trabalho ou de suas ocupações, já que população ocupada e
PEA se reduzem, numa intensidade maior da segunda em relação à primeira,
resultando numa ampliação da relação. É imperativo observar que a queda
no desemprego (-9,3%), todavia, é explicada por uma redução na população
desocupada (-14,8%) superior à redução na PEA (-5,9%) que, como visto,
está associada ao processo de saída dos jovens do mercado de trabalho.
Apesar da estabilidade nas taxas de desemprego entre os jovens,
considerando os anos de 2004 a 2011, as pessoas desse grupo etário
representam cerca 44,1% da massa de desempregados na região Nordeste em
2011. Esses dados indicam a permanência do “hiato de desemprego” entre
jovens e não jovens no Nordeste. Em 2011, a participação de jovens no total
da população ocupada era de apenas 18%, enquanto os não jovens ocupavam
uma parcela bem mais expressiva, de 82%.
A Tabela 2 apresenta os números de ocupados segundo a categoria
ocupacional na população ocupada e sua trajetória entre 2004 e 2011, tanto
para o mercado de trabalho geral quanto juvenil. A análise dos dados mostra
o aumento de 49,8% para 62,9% no grau de assalariamento da força jovem
218
Christiane Luci Bezerra Alves e Evânio Mascarenhas Paulo
de trabalho, performance superior à expansão da taxa de assalariamento no
mercado de trabalho geral. Além disso, verifica-se o aumento de 26,3% no
emprego com carteira assinada no mercado de trabalho juvenil.
Os dados do parágrafo anterior ressaltam que o trabalho juvenil segue
a mesma tendência de formalização verificada no mercado de trabalho
brasileiro nos últimos anos, reflexo, entre outros determinantes, das melhores
condições de estabilidade macroeconômica e também do maior rigor das
regulamentações e fiscalizações dos contratos de trabalho no Brasil.
Nota-se que, embora no ano de 2011 cerca de 62,9% do mercado de
trabalho de jovens fosse assalariado, correspondendo a 2.692.610 trabalhadores
(percentual que para o mercado de trabalho em seu conjunto era de 51,6%),
52,9% das relações assalariadas naquele mercado eram informais (1.423.447
trabalhadores), enquanto para o conjunto do mercado de trabalho esse número
era de apenas 38,2% (4.672.608 indivíduos). Logo, um patamar considerável
dos jovens é ocupante de postos de trabalho com vínculos precários, baixos
rendimentos e menor produtividade, características já conhecidas do mercado
de trabalho informal. O setor informal caracteriza-se, principalmente, pela
inexistência de registro em carteira e de garantias ao trabalhador que nele
atua. Desse modo, a presença dos jovens nesse segmento evidencia indícios de
uma forte vulnerabilidade econômica e social.
De forma geral, considerando o nível de ocupação do mercado
de trabalho, o período em análise mostra o mercado geral praticamente
estagnado, com crescimento anual de 0,65%, e o emprego juvenil com uma
performance ainda mais preocupante, ao apresentar uma taxa de crescimento
negativa entre 2004 e 2011 (- 4,06% a.a.).
Um elemento positivo reside no fato de que os empregos para os jovens
foram, em sua maioria, formais (crescimento de 41,5%, considerando as
categorias carteira assinada, militares e funcionalismo público); por outro
lado, houve uma redução de -32,4% nas ocupações informais.
A saída dos jovens do mercado de trabalho parece ser um fenômeno
consolidado. Pontua-se, nesse processo, que tal saída se dá nos mercados
em que as condições são mais precárias. As evidências apontam para um
caminho nesse sentido, pois são notadas reduções expressivas no número
219
220
1.445.542
210.863
1.234.679
6.217.273
646.834
1.459.416
Emprego Doméstico
Com carteira assinada
Sem carteira assinada
Conta própria
Empregador
Produção para o próprio consumo
2.848.954
Fonte: IBGE – PNAD (2004, 2008, 2011).
Não remunerado
20.606
4.786.419
Sem carteira assinada
Construção para o próprio uso
1.333.655
Funcionário público
35.854
3.885.671
Com carteira assinada
Militar
10.041.599
2004
Empregado Assalariado
Posição na Ocupação
2.026.232
27.572
2.120.646
820.220
6.094.858
1.383.166
229.073
1.612.239
5.183.737
1.501.434
30.728
5.131.594
11.847.493
2008
2011
1.270.915
21.454
2.147.151
602.754
5.907.680
1.282.264
255.010
1.537.274
4.672.608
1.674.297
31.572
5.860.803
12.239.280
Mercado de Trabalho Geral
1.252.262
6.257
234.419
28.045
701.608
425.603
27.438
453.041
1.774.615
62.226
17.376
804.655
2.658.872
2004
728.362
4.790
339.297
29.232
657.585
400.873
24.266
425.139
1.822.689
59.540
14.135
1.036.800
2.933.164
2008
2011
436.912
6.290
316.061
22.265
503.071
284.050
20.577
304.627
1.423.447
76.804
14.262
1.178.097
2.692.610
Mercado de Trabalho Juvenil
Tabela 2 – Nordeste - Número de Trabalhadores por Posição na Ocupação para o Mercado de Trabalho Geral e Juvenil
Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição
Christiane Luci Bezerra Alves e Evânio Mascarenhas Paulo
de jovens em postos de trabalho não remunerado (-815.350 pessoas),
no trabalho doméstico (-432.464 pessoas, principalmente no trabalho
doméstico sem carteira), e por conta própria (-198.537 pessoas).
Particularmente no que se refere ao trabalho juvenil por conta própria
ou à categoria empregador, a OIT (2007) chama a atenção para o fato de
a relação jovem-empreendedorismo ser na maioria das vezes uma resposta
defensiva à falta de emprego e à necessidade de gerar renda, e não por ser
detectada uma oportunidade empresarial. O resultado disso é uma alta taxa
de mortalidade de pequenas empresas e a desistência de outras formas de
trabalho por conta própria, fatores largamente influenciados, ainda, pela
política macroeconômica de juros particularmente elevados e por distorções
estruturais, como a carga tributária onerosa, principalmente quando
comparada a outras experiências de países em desenvolvimento.
Observa-se que os elementos responsáveis pela iniciação laboral
dos jovens estão atravessando um processo de mudanças. A necessidade
de complementar a renda familiar aos poucos cede lugar para novas forças
impulsionadoras, como a satisfação de suas necessidades de consumo, a busca
de construção da sua própria identidade e, sobretudo, a afirmação de sua
autonomia. (WELTERS, 2011).
Os novos fenômenos sociais e econômicos refletem-se, portanto, nas
demandas da juventude em relação ao mercado de trabalho, modificando
sua postura em relação às suas necessidades em termos de qualificação e
condicionando muitas decisões dos jovens, entre elas a iniciação profissional.
No entanto, assiste-se a uma supressão de oportunidades em termos
de inserção e afirmação com qualidade no mercado de trabalho, induzidas
juntamente pelo processo de desestruturação ao qual foi submetido esse
mercado nas últimas décadas, em especial nos anos de 1990. O crescimento
do desemprego, a diminuição dos empregos assalariados no total da ocupação
e o incremento nas ocupações precárias, sem carteira assinada, por conta
própria e sem remuneração geraram essa desestruturação.
Desse modo, as mudanças nas demandas dos jovens ocorreram
simultaneamente ao processo de desestruturação do mercado de trabalho,
conforme evidenciado anteriormente. O resultado dessa combinação envolve
221
Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição
indícios de precarização das relações de trabalho juvenil que potencializa os
dilemas enfrentados pela juventude. O cenário econômico mais favorável dos
anos 2000 não promoveu alterações estruturais nas condições com as quais os
jovens se depararam na busca de oportunidades no quadro laboral, seja em
escala nacional ou regional.
Outro elemento notadamente destacado é o aumento da seletividade
no recrutamento de mão de obra, fator especialmente desfavorável aos jovens,
que, devido ao seu menor nível de qualificação, são excluídos das formas de
contratação mais sofisticadas, sobrando-lhes postos de trabalho que exigem
menor qualificação, porém com condições de contratação mais precárias.
Logo, o desajuste entre a formação recebida e as exigências da atividade
laboral constituem-se os principais entraves à inserção e manutenção dos
jovens no mercado de trabalho.
A observação dos indicadores de rendimentos (Tabela 3) ajuda a
entender as condições enfrentadas pelos jovens e pelos demais grupos etários
no cenário de inserção e permanência no mundo do trabalho. A discrepância
entre o rendimento juvenil e dos demais grupos mostra que a realidade da
mão de obra dos trabalhadores na faixa etária de 15 a 24 anos é largamente
mais precária. A lógica desses números responde aos critérios de recrutamento
da mão de obra para postos de maior remuneração, que devido ao grau de
seletividade excluem os jovens, dado que a experiência e a qualificação destes
não são suficientes.
Desse modo, a inserção profissional dos jovens se dá em ocupações de
menor grau de exigibilidade, porém mais precárias e de menor remuneração.
A demanda do mercado de trabalho por maior educação acaba
por agir como um mecanismo de exclusão para aqueles que não
contam com ela. Em outras palavras, uma vez que o mercado
tem requerido a finalização do ensino médio como pré requisito
mínimo para acesso e permanência no mercado de trabalho,
uma parte relevante dos jovens metropolitanos persiste nos
estudos, a despeito das dificuldades de conciliação de escola
e trabalho e dos resultados incertos relacionados à formação.
(DIEESE, 2008, p. 46).
Nota-se, inicialmente, que os níveis de rendimento médio dos jovens
(R$ 425,93) são bastante inferiores ao conjunto do mercado de trabalho (R$
222
223
R$ 544,06
R$1.253,59
R$ 917,62
R$ 277,99
R$ 159,80
R$ 286,76
R$ 138,10
R$ 289,12
R$1.539,01
R$ 340,00
Com carteira assinada
Militar
Funcionário público
Sem Carteira assinada
Emprego Doméstico
Com carteira assinada
Sem Carteira assinada
Conta própria
Empregador
TOTAL
Fonte: IBGE - PNAD (2004, 2008, 2011).
R$469,15
2004
R$ 535,58
R$2.155,39
R$ 431,98
R$ 212,21
R$ 446,62
R$ 245,54
R$ 413,26
R$1.426,87
R$1.963,38
R$ 786,82
R$707,94
2008
2011
R$ 738,51
R$3.144.75
R$ 655.13
R$ 284.86
R$ 593.59
R$ 336,27
R$ 569.04
R$1.780.33
R$2.487.92
R$ 966.02
R$ 929,26
Mercado de Trabalho Geral
Empregado Assalariado
Posição na Ocupação
R$166,68
R$969,79
R$186,84
R$113,79
R$278,94
R$123,81
R$193,50
R$430,09
R$507,42
R$370,22
R$254,48
2004
R$ 286,93
R$1.251,30
R$ 287,94
R$ 159,28
R$ 428,66
R$ 174,67
R$ 300,68
R$ 705,95
R$ 623,65
R$ 552,13
R$ 399,44
2008
R$ 425,93
R$2.554,97
R$ 409,34
R$ 222,46
R$ 547,40
R$ 244,51
R$ 411,00
R$ 907,28
R$1.169,95
R$700,02
R$ 555,79
2011
Mercado de Trabalho Juvenil
Tabela 3 – Nordeste - Distribuição dos Rendimentos por Posição na Ocupação – 2004, 2008 e 2011
Christiane Luci Bezerra Alves e Evânio Mascarenhas Paulo
Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição
738,51). A remuneração média das ocupações assalariadas para os jovens,
categoria de ocupação que representa cerca de 60% do mercado de trabalho
juvenil, ficava, em 2011, em torno de R$ 555,79. Entre as subcategorias, a
que apresenta o maior nível de rendimento é a de empregador (R$ 2.554,97),
seguido pelo funcionalismo público (R$ 1.169,95) e pela carreira militar (R$
1.015,85). Um destaque deve ser dado à discrepância no rendimento médio
dos jovens entre ocupações formais e informais (R$ 831,16 e R$ 260,70,
respectivamente),6 que ressalta a heterogeneidade de rendimento mesmo dentro
do segmento de trabalho juvenil, justificando a necessidade de políticas públicas
específicas que garantam a inserção de um número maior de jovens no mercado
formal de trabalho.
Na análise comparada entre os dois mercados verifica-se que há
divergência entre os níveis de rendimento em favor do mercado de trabalho
geral, em todas as categorias e subcategorias apresentadas. Esses dados sinalizam
que o valor atribuído ao trabalho juvenil, seja pela menor experiência, seja
pelas fases de carreira de cada categoria, costuma ser bem inferior ao atribuído
aos profissionais de outros grupos etários.
Pontua-se, de forma geral, que as condições laborais da juventude no
Nordeste costumam ser mais precarizadas do que as condições dos demais
grupos etários economicamente ativos, o que mostra que as relações de poder
dentro do mercado de trabalho impõem à juventude processos, condições e
formas menos dignas de trabalho. A esse respeito Santos e Santos (2011, p.
453) enfatizam:
Diante de uma sociedade produtora de discursos que carregam
sentidos estereotipados e preconceituosos, importa observar
que alguns desses discursos se manifestam em prol dos jovens,
que não estão imunes às disputas pelo controle e subversão das
relações de poder, especialmente quando são pensados modelos
e estratégias que conduzam à fixação de sentido desta mesma
juventude.
Ainda segundo os dados da Tabela 3, registra-se uma maior resistência
na saída dos jovens em algumas categorias, como produção e construção
para o próprio consumo e uso. Entre 2004 e 2008 houve um crescimento
6 Não se consideram os rendimentos dos empregadores, que apresentam relações distintas das
demais categorias de emprego informal aqui analisadas.
224
Christiane Luci Bezerra Alves e Evânio Mascarenhas Paulo
considerável do número de jovens em atividades empregadoras, muito embora
essa categoria tenha apresentado uma redução, entre 2008 e 2011, que pode
estar associada ao reflexo de um período de ajuste pós-crise. Isso pode sinalizar
uma reação dos jovens ao rigor do processo de seleção no mercado de trabalho.
Contudo, essa categoria ocupacional só representa 0,5% da força de trabalho
juvenil e se apresenta possuindo o maior nível de rendimento (R$ 2.554,97),
o que coloca o empreendedorismo como um instrumento de desenvolvimento
e melhoria da condição dos jovens no mundo do trabalho.
O Gráfico 1 relaciona os jovens segundo a situação de atividade e estudo.
A proporção de jovens que trabalham e estudam diminuiu significativamente
(19,0% para 13,8%, entre 2004 e 2011). Em contrapartida, aumentou o
número de jovens ociosos que não estudam nem trabalham (21,% em 2004, e
23,3% em 2011). Essa categoria representa uma participação considerável no
total da juventude do Nordeste e sinaliza o elevado grau de ociosidade da mão
de obra juvenil, que, em parte, é explicada pela seletividade do mercado de
trabalho e por deficiências no sistema educacional, ao impedir que os jovens
que concluem seus ciclos regulares de estudos ingressem no mercado laboral
e/ou continuem seus estudos nos ciclos superiores. Além disso, a precariedade
e/ou ineficiência de políticas públicas que preparem o jovem para o primeiro
emprego ajuda a perpetuar essa estrutura.
21,0
21,9
23,3
30,3
30,0
33,7
29,7
31,3
19,0
16,8
13,8
2004
2008
2011
Não trabalha e nem estuda
Não trabalha e estuda
29,2
Trabalha e não estuda
Trabalha e estuda
Gráfico 1 - Nordeste - Jovens segundo a Condição de Atividade e Estudo
Fonte: IBGE - PNAD (2004, 2008, 2011).
225
Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição
O fato de esses jovens enfrentarem dificuldades de inserção no mercado
de trabalho e permanecerem à margem do sistema de ensino constitui fator de
grande preocupação quando se leva em conta as oportunidades futuras, já que
“o itinerário de trabalho não deve começar com um emprego ou um trabalho,
mas com a educação, a formação ou a acumulação de experiência produtiva,
primeiras etapas de uma trajetória de trabalho positiva”. (OIT, 2007, p. 21).
Em relação àqueles que só trabalham e não estudam, houve uma
pequena redução de 29,7%, em 2004, para 29.2%, em 2011. No entanto,
essa categoria representa a segunda maior participação no total de jovens da
região Nordeste. A maior é representada pelos jovens que apenas estudam
(33,7%), grupo que teve um aumento considerável nos últimos anos, num
indicativo de nova postura da juventude em relação ao ambiente escolar e
ao mercado de trabalho, sendo, por sua vez, atribuída importância maior ao
primeiro em detrimento do segundo.
Considerações Finais
Observa-se que os principais indicadores levantados neste artigo
ressaltam o caráter precário da condição juvenil no mercado de trabalho.
Indicadores como o rendimento médio corroboram essa afirmação, no
sentido de que todos os segmentos de categorias apresentados mostraram
níveis de remuneração significativamente inferiores para a juventude, quando
comparados ao mercado de trabalho geral. Nota-se, também, o aumento da
seletividade no recrutamento de mão de obra, que impõe aos jovens do Nordeste
condições precárias de ocupação. Desse modo, e dadas as dinâmicas naturais
da população na região, assiste-se a um processo de perda de participação da
juventude no mercado de trabalho que vem se acentuando nos últimos anos,
o que torna as expectativas em relação aos jovens ainda mais incertas.
A pesquisa aponta também que tradicionais dilemas da juventude,
como o desemprego, ainda são bem presentes, sendo os jovens nordestinos a
ampla maioria da massa de desempregados na região.
Acerca dos jovens e sua entrada no mercado trabalho, ressalta-se
que além da necessidade de complementar a renda familiar, novas forças
impulsionadoras parecem estar ganhando peso no condicionamento das
decisões da juventude, como a satisfação de necessidades de consumo, a busca
226
Christiane Luci Bezerra Alves e Evânio Mascarenhas Paulo
de construção da própria identidade e, sobretudo, a busca pela afirmação de
sua autonomia.
Essas implicações demonstram a centralidade dessa temática para
as questões ligadas às políticas sociais e econômicas do País através de duas
importantes constatações: i) o grande número de jovens desocupados; e ii) um
igualmente grande número de jovens que trabalham, mas o fazem, em geral,
em condições precárias e informais.
A constatação desse cenário conduz a um conjunto de reflexões.
Qualquer sociedade que almeje mudanças no seu nível de desenvolvimento, na
perspectiva de incorporar padrões de desenvolvimento humano e sustentável,
deve criar perspectivas para que seus jovens “tenham o máximo de opções e
a maior liberdade possível para se realizarem como pessoas, através de uma
melhor inserção no mercado de trabalho”. (OIT, 2007, p. 11).
Particularmente quando se trata de regiões como a nordestina,
onde são históricos os níveis de desigualdade e exclusão social, pobreza,
desemprego e carência de mão de obra qualificada, significa não apenas a
existência de novas oportunidades, mas também a garantia de condições
para que os jovens tenham capacidade de aproveitar as oportunidades,
melhorando, por conseguinte, seu acesso ao mundo do trabalho. “A forma
como se dão as primeiras inserções no mercado de trabalho é essencial não
só para definir as expectativas de trabalho dos jovens, mas também suas
perspectivas de empregabilidade no futuro”. (OIT, 2007, p. 16). Além
disso, é imprescindível a preocupação com a qualidade das oportunidades
geradas e, na perspectiva do desenvolvimento humano, a vigilância para que
não continuem a ser reproduzidos, no interior desse segmento, os padrões
recorrentes de discriminação por gênero, raça ou segmento social, típicos da
formação e reprodução do mercado de trabalho brasileiro.
Nesse sentido, as ações de políticas que visem ao melhoramento do
acesso da juventude ao mundo do trabalho devem empreender um desafio
não apenas do ponto de vista da magnitude, mas também das especificidades
colocadas pelos diversos coletivos de jovens, em suas heterogeneidades e
particularidades, a fim de que qualquer iniciativa institucional sintonize oferta
de políticas e demandas juvenis. Particularmente, considerando as demandas
características de dois grupos, em especial: os jovens que atuam em atividades
227
Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição
informais e, por conseguinte, podem comprometer suas perspectivas futuras
não apenas relacionadas ao mundo do trabalho, mas também à própria
identidade e inserção social; e os jovens que não estudam nem trabalham,
portanto mais vulneráveis e expostos aos riscos das crescentes sequelas sociais,
as quais muitas vezes se vinculam a formas ilegais de subsistência7.
Os programas e políticas executados na região devem considerar,
portanto, “as evidentes consequências da exclusão social e do mercado de
trabalho das novas gerações no exercício da cidadania e no crescimento da
insegurança pública”. (RODRÍGUEZ, 2013, p. 105). Dessa forma, devem
combinar aspectos da qualificação profissional, mas também da formação
social, de maneira a permitir o exercício da formação cidadã e o protagonismo
social, como meio de alcançar, dentro desse segmento, parcelas crescentes de
jovens desfavorecidos, cujas condições sociais se mostram ainda mais precárias.
Dessa forma se contribui para diminuir a situação de vulnerabilidade a que
estão expostos, como violência, drogas, criminalidade e tantas outras sequelas
socais que marcam e estereotipam a juventude.
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metropolitanos: uma década de desigualdades entre os grupos etários. Bahia
Análise & Dados, Salvador, v. 21, n. 1, p. 43-62, jan./mar. 2011.
7
Afinal, como destaca Saraví (2009 apud RODRÍGUEZ, 2013, p. 113), as opções para os
jovens mais desfavorecidos não se esgotam dentro do mercado de trabalho; assim como
o trabalho aparecia inicialmente como uma alternativa à falta de sentido da escola, agora
surgem alternativas a falta de sentido do trabalho: a migração, a evasão, a criminalidade –
todas elas formas de uma situação comum de exclusão.
228
Christiane Luci Bezerra Alves e Evânio Mascarenhas Paulo
CARDOSO JR, José Celso. As fontes de recuperação do emprego formal no
Brasil e as condições para a sua sustentabilidade temporal. In: ENCONTRO
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230
PARTE 3
POLÍTICAS PÚBLICAS E JUVENTUDE NO
BRASIL: UM DEBATE NECESSÁRIO
JUVENTUDES, EDUCAÇÃO E TRABALHO: O
PROGRAMA JUVENTUDE EMPREENDEDORA NA
PERCEPÇÃO DOS JOVENS EGRESSOS
Francisca Rejane Bezerra Andrade1
Geórgia Patrícia Guimarães dos Santos2
Júnior Macambira3
Mudanças na Estrutura das Economias Globais e seus Efeitos
sobre a Educação e o Trabalho para as Juventudes
Presencia-se, a partir da segunda metade do século XX, um amplo
processo de mudança na estrutura das economias globais e dos Estados
nacionais. Ao mesmo tempo ocorre a reconfiguração do mercado de trabalho,
a decadência do movimento sindical e dos benefícios sociais, desencadeando,
dentre outros problemas, uma grave situação de desemprego advinda da
introdução do que Harvey (1992) denominou de acumulação flexível.
As implicações concretas desses processos para a educação e o trabalho
são perceptíveis quando se observa que, com o intuito de cumprirem acordos
internacionais, os Estados nacionais afirmam a necessidade de redução dos
gastos públicos, principalmente no âmbito das políticas sociais conquistadas
1 Profa. Dra. do Curso de Graduação em Serviço Social, do Mestrado Acadêmico em Serviço
2
3
Social e do Mestrado Profissional em Planejamento e Políticas Públicas da Universidade
Estadual do Ceará.
Doutora em Ciências Sociais, Mestre em Educação e Assistente Social na Pró-Reitoria de
Assuntos Estudantis da Universidade Federal do Ceará.
Analista de Mercado de Trabalho do Instituto de Desenvolvimento do Trabalho (IDT).
233
Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição
ao longo do século XX. Ao passo em que estes vivem uma de suas maiores
crises estruturais, a crise do emprego, que tem favorecido a ampliação do
quadro de desigualdade social, desemprego e precarização do trabalho, gera
uma massa de excluídos.
Os dados apresentados pela Organização Internacional do Trabalho
(OIT) mensuram essa dramática realidade mundial quando indicam que
em 2009, cerca de 630 milhões de trabalhadores – ou seja,
20,7% de toda a população ativa – vivia com a sua família com
apenas 1,25 dólares por dia – mais 40 milhões de trabalhadores
pobres e mais 1,6 pontos percentuais do que as projeções
baseadas nas tendências registadas antes da crise. (CENTRO
REGIONAL DE INFORMAÇÃO..., 2011).
Em termos de emprego para a juventude no mundo, a OIT destaca:
O número de jovens desempregados no mundo inteiro em 2010
era de 78 milhões, situando-se muito acima do nível anterior
à crise – 73,5 milhões em 2007 [...]. O desemprego no grupo
etário dos 15 aos 24 anos era de 12,6% em 2010, ou seja, 2,6
vezes superior à taxa de desemprego dos adultos”. (CENTRO
REGIONAL DE INFORMAÇÃO..., 2011).
Afirma ainda: “A fraca recuperação do trabalho digno confirma a
incapacidade persistente da economia mundial para garantir a todos os jovens
um futuro. Isto prejudica as famílias, a coesão social e a credibilidade das
políticas.” (CENTRO REGIONAL DE INFORMAÇÃO..., 2011).
Refletindo sobre a realidade do jovem na sociedade brasileira,
Gonzales (2009) destaca que para analisar o momento de inserção dos
jovens no mercado de trabalho deve-se considerar a heterogeneidade de
experiências de escolarização e trabalho vividas pelos jovens no Brasil,
considerando, entre outros aspectos, a desigualdade de acesso à educação
e a tradicional divisão sexual do trabalho em nosso País.
É a partir do conhecimento das diversas dimensões que caracterizam
o jovem na sociedade contemporânea que organismos internacionais e
Estados nacionais empreendem esforços no sentido de implementar ações que
contribuam para a promoção da qualidade de vida e do trabalho da juventude.
Implica considerar, dentre outros aspectos, um entendimento sobre o que é
234
Francisca Rejane Bezerra Andrade, Geórgia Patrícia Guimarães dos Santos e Júnior Macambira
a juventude; as questões que permeiam o mundo do trabalho na atualidade;
a atuação dos órgãos públicos voltados para a inserção segura dos jovens nos
diversos espaços da vida social; e a qualidade e as estratégias de avaliação dos
serviços sociais destinados a essa clientela.
Juventude Empreendedora: Uma Experiência de Política
Pública Voltada às Juventudes no Estado do Ceará
O Programa Juventude Empreendedora (JUVEMP) é uma iniciativa do
Governo do Estado do Ceará, para favorecer o desenvolvimento dos valores
de responsabilidade social e da cultura empreendedora na formação de jovens
em situação de maior fragilidade social e econômica, na faixa etária de 17 a
24 anos, visando à sua integração na comunidade, na sociedade e no mercado
de trabalho.
Importa destacar que o Programa JUVEMP é coordenado pela Secretaria
do Trabalho e Desenvolvimento Social do Estado do Ceará e executado pelo
Instituto de Desenvolvimento do Trabalho (IDT).
O referido Programa, desde a sua criação, em 2006, até 2010,
contemplou 36 municípios, totalizando 1.800 jovens. Em sua primeira versão
(2007), participaram 400 jovens; em 2008, 500 jovens foram contemplados
pelo Programa; em 2009, 450 jovens e, em 2010, 450 jovens.
Baseado num processo de aprendizagem teórico-vivencial, torna
o educando, num contexto de trabalho em grupo, apto ao exercício de
suas competências e habilidades, bem como a aplicar conhecimentos
multidisciplinares assimilados. O Programa JUVEMP apresenta uma
concepção metodológica fundamentada no desenvolvimento social,
profissional e pessoal do jovem a partir da conscientização de suas
possibilidades em ações coletivas organizadas.
Considerando a relevância do referido Programa para os jovens que
se encontram em situação de vulnerabilidade social, no Ceará, ao buscar
minimizar as possíveis lacunas na formação básica destes, bem como qualificálos profissionalmente e proporcionar-lhes vivências práticas de intervenção
social na sua comunidade, o Instituto de Desenvolvimento do Trabalho (IDT)
realizou uma pesquisa com o objetivo de avaliar o impacto do Programa
235
Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição
Juventude Empreendedora (JUVEMP) na inserção ocupacional do jovem
egresso e em sua vida familiar e comunitária.
Em termos metodológicos, os pesquisadores responsáveis pelo
desenvolvimento do estudo adotaram o procedimento de selecionar uma
amostra em dois estágios: no primeiro, o sorteio dos municípios; no segundo,
os jovens beneficiários do Programa, nos respectivos municípios amostrados.
Como os municípios do universo apresentam características homogêneas,
foram selecionados dez municípios, observando-se os critérios da área de
localização, ou seja, atendendo às regiões do Estado e, em segundo lugar, a
quantidade anual de ações nos respectivos municípios. Por conseguinte, o
sorteio da amostra do segundo estágio ocorreu de forma aleatória e sistemática,
utilizando a listagem dos beneficiários do Programa residentes nos municípios
pesquisados. Finalmente, o levantamento foi realizado nas unidades
domiciliares dos jovens selecionados dos dez municípios contemplados pelo
JUVEMP, no período de 2007 a 2010.
O tamanho da amostra dos jovens foi definido a partir de um modelo
probabilístico de amostragem aleatória simples, aplicando como parâmetro
p-50%. Estipulando um erro de amostragem de 7% e um nível de confiança
de 95%, o que estabelece um escore de 1,96 sob a curva normal, delineou-se
uma amostra de 180 jovens distribuídos em dez municípios, representando
uma fração de amostragem de 10% do total de jovens assistidos pelo Programa,
ou seja, 180 jovens.
Os municípios contemplados na pesquisa foram: Aracati (21 questionários
aplicados); Camocim (19 questionários); Cedro (18 questionários); Fortaleza
(12 questionários); Monsenhor Tabosa (20 questionários); Guaiúba (15
questionários); Limoeiro do Norte (18 questionários); Maracanaú (9
questionários); Paraipaba (20 questionários); Ubajara (28 questionários).
Ressalte-se que a amostra desenhada é representativa para a análise global,
não sendo possível fazer inferência isolada para os municípios.
Este artigo abordará três temas: o perfil socioeconômico e familiar dos
egressos; a situação ocupacional dos jovens egressos do JUVEMP; e como
estes jovens avaliam o referido Programa.
236
Francisca Rejane Bezerra Andrade, Geórgia Patrícia Guimarães dos Santos e Júnior Macambira
O Perfil Socioeconômico e Familiar dos Egressos do JUVEMP
Os dados coletados na amostra indicada revelaram que houve uma
participação maior no JUVEMP do jovem do sexo feminino (64,4%) em
comparação aos do sexo masculino (35,6%), porém, observando a faixa
etária, vale acrescentar que, entre os homens, 85,9% estão acima de 20 anos,
enquanto entre as mulheres são 75%. Essa situação, contudo, inverte-se
quanto à faixa etária de 17 a 19 anos, em que se encontram mais mulheres
(25%) do que homens (14,1%).
Verifica-se, assim, uma consonância com o olhar demográfico de
alguns pesquisadores sobre os jovens brasileiros, no qual se percebe um
envolvimento maior das mulheres com os estudos, especificamente com a
qualificação profissional, o que remete à busca de uma melhor preparação
para o mercado de trabalho, da independência financeira e profissional
feminina, indicando que essas necessidades têm se posto cada vez mais
precocemente para elas. Como avaliam Camarano; Mello e Kanso (2009,
p. 85), as trajetórias dos jovens brasileiros são diferenciadas por sexo: “As
mulheres passaram a participar mais ativamente do mercado de trabalho,
e diminuiu expressamente a proporção de mulheres que saíram da escola e
não ingressaram nas atividades econômicas”.
Embora, pela amostragem, o JUVEMP tenha contemplado mais
mulheres do que homens, estes apresentaram uma faixa etária superior à delas.
Fato que pode explicar por que, em comparação com as mulheres, existiram
mais educandos do sexo masculino com experiência anterior em programas
governamentais de qualificação profissional para a juventude. Essa diferença
é mais de 2,7 vezes, todavia 88,9% dos participantes não tinham frequentado
outros programas governamentais de capacitação para jovens, sendo 93,1%
das mulheres e 81,2% dos homens.
Ademais, não somente o gênero tem influenciado na condição de ser
jovem, mas a cor da pele ou a indicação étnica/raça também deixa suas marcas
nessa trajetória. No âmbito do JUVEMP, ao se considerarem, em sua maioria,
de cor parda, ambos os sexos mantiveram uma quantidade equilibrada: 66,4%
delas e 64,0% deles. Todavia, no que diz respeito ao cruzamento entre sexo,
faixa etária e etnia, pode-se dizer que houve mais jovens pardos, na idade de
17 a 19 anos (77,8%) do que entre as pardas da mesma faixa etária (62,1%),
237
Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição
enquanto na idade acima de 20 anos existiram mais mulheres pardas (67,9%)
do que homens (61,9%).
O perfil da raça cearense, elaborado pelo Instituto de Pesquisa e
Estratégia Econômica do Ceará (IPECE), a partir da análise dos dados do
Censo Demográfico de 2010, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE), demonstrou que dos 8.180.087 habitantes do Ceará, 61,88%
se autodeclaram pardos – resultado um pouco acima do apresentado pelo
Nordeste e bem superior ao do Brasil (43%), mas que colocou o Estado em
8º lugar no ranking nacional. (IPECE, 2012). Nesse sentido, é notável que o
JUVEMP tem atendido quantitativamente um número expressivo de jovens
que compõem a maior parcela da população cearense, ou seja, o segmento das
pessoas pardas, possibilitando, assim, uma ampliação de suas ações, mesmo
sendo um projeto de caráter focalizado.
Seguindo o perfil dos jovens egressos do JUVEMP, referente ao estado
civil, os dados indicam que 70% dos participantes da pesquisa são solteiros,
ou seja, 126 egressos. Entre todas as jovens mulheres consultadas, 63,8%
são solteiras e, no conjunto dos homens pesquisados, 81,2% também são
solteiros. Apenas um homem com idade acima de 20 anos é divorciado, e os
demais consultados são casados (36,2% das mulheres e 17,2% dos homens).
No que diz respeito aos resultados sobre a quantidade de filhos por
sexo e estado civil dos egressos do JUVEMP (2007-2010) pesquisados,
avalia-se que a maioria das jovens do sexo feminino, tanto solteiras quanto
casadas, não tem filhos – 89,1% e 54,7%, respectivamente. Essa mesma
conclusão é referida aos jovens do sexo masculino, pois tanto os solteiros
(98,1%) quanto os casados (63,6%) também não possuem filhos.
Mas, na oportunidade, cabe destacar que 18,1% das jovens mulheres
contempladas na pesquisa e 7,8% dos jovens homens têm um filho, sendo
que 38,1% delas e 27,3% deles são casados, contra 6,8% e 1,9% que
são, respectivamente, solteiros. Sobre os que possuem mais de um filho, a
amostragem total revelou-se insignificante: 1% indicou ter três filhos e menos
de 3%, dois filhos.
A partir desse compêndio, e de acordo com as considerações de
Camarano e Andrade (2006), pode-se dizer que os lares onde residem os
238
Francisca Rejane Bezerra Andrade, Geórgia Patrícia Guimarães dos Santos e Júnior Macambira
egressos do JUVEMP participantes desta pesquisa se caracterizam, em sua
maioria, como domicílios com jovens, haja vista eles não ocuparem condição
de chefe ou cônjuge, como seria o caso dos domicílios de jovens. As autoras
pressupõem que a posição de um indivíduo no domicílio pode indicar seu
status e, no caso dos jovens, sugerir o estágio em que se encontram no processo
de passagem à vida adulta.
Neste sentido, as informações da pesquisa indicam que, entre as
jovens solteiras (44,5%), o genitor é o principal responsável pela renda
familiar e, em 31,1%, a mãe é a principal provedora do lar. No conjunto
das jovens casadas, percebeu-se que 64,3% das famílias são mantidas
financeiramente pelo cônjuge ou companheiro. Entre os jovens solteiros
a situação é similar: 44,2% têm o pai como chefe de família, e 32,7%,
a mãe. Contudo, entre 45,4% dos jovens casados eles próprios são os
mantenedores financeiros do lar.
Costanzi (2009) alerta para o fato de que existem implicações diretas no
mercado de trabalho juvenil quando o jovem se torna a pessoa de referência
econômica no lar, na medida em que isso ocorre mais por necessidade do
que por escolha voluntária. De pronto, vale ainda ressaltar que, entre 27,3%
dos jovens casados pesquisados, o pai continua sendo o principal responsável
pelo sustento familiar, ou seja, mesmo tendo constituído família, esses jovens
permanecem dependentes de seus genitores.
As inferências até o momento sinalizam para o fato de que, entre
os egressos do JUVEMP pesquisados, a maioria das suas famílias depende
financeiramente do pai e/ou da mãe; as jovens mulheres casadas são
dependentes de seus cônjuges ou companheiros; e a maior parte dos jovens
homens casados é responsável pelo próprio sustento e de sua família.
Dos jovens egressos contemplados neste estudo, a maioria,
independentemente do sexo, da faixa etária, da etnia, do estado civil e até da
quantidade de filhos, confirmou a importância do auxílio bolsa do JUVEMP
por, primeiramente, contribuir para a aquisição de bens de consumo individual
(50,4%) e, em segundo lugar, de bens de consumo familiar (28,9%). Apenas
6,7% disseram que puderam fazer alguma poupança para o futuro com o
auxílio oferecido e, para 1,6%, ele não teve importância. Os demais indicaram
outro significado para o recebimento desse auxílio.
239
Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição
Com relação à descrição por sexo e faixa etária de 17 a 19 anos, houve
algumas diferenças relevantes sobre a indicação da importância do auxílio
bolsa. A maioria das mulheres (52,1%) e dos homens (64,3%) considerou
que o auxílio contribuiu para a aquisição de bens de consumo individual.
Todavia, um número maior de mulheres (10,9%) indicou a contribuição
do auxílio para uma poupança, em comparação aos homens (7,1%), e uma
quantidade um pouco maior entre os homens (28,6%), em comparação às
mulheres (26,1%), ainda nesta mesma idade, indicou a aquisição de bens de
consumo familiar.
Quanto aos jovens acima de 20 anos, as indicações foram mais
aproximadas, pois tanto as mulheres (49,4%) quanto os homens (49,5%)
relacionaram a contribuição do auxílio à compra de bens de consumo
individual. Com relação à aquisição de bens de consumo familiar, 29,5%
das mulheres e 29,3% dos homens marcaram essa opção e, concernente à
composição de uma poupança, a diferença foi também pequena – 5,8% das
mulheres contra 6,1% dos homens.
Para uma certificação mais aprofundada sobre esta e outras questões,
entrevistaram-se os familiares de alguns dos egressos pesquisados, escolhidos
aleatoriamente. Das 28 famílias inquiridas, treze também disseram que o
auxílio financeiro recebido pelo egresso foi de suma importância para a
aquisição de bens de consumo individual.
Para onze familiares entrevistados, o auxílio bolsa também foi muito
importante para a aquisição de bens de consumo da família, conforme
indicam as falas a seguir:
“Ah, foi uma ajuda, melhorou muito as condições com esse valor aí. Ela
podia comprar umas coisinha pra ela, ajudar a comprar alguma coisa pra casa.
Era muito bom!” (Família 3 - Guaiúba).
Era bom, ajudava a comprar as coisa dele, aqui pra casa
também. Ele já chegou até a comprar um tênis, na prestação...
Pra você ver, era muito bom. Era ajuda mesmo, minha filha. A
gente comprava alimento, às vez uma coisa aqui, um gás. Ele
ficava com um poquim pra ele pra comprar as coisinha dele e
me dava o resto. Ele dizia assim: Taí mãe pra ajudar aqui em
casa. (Família 4 - Maracanaú).
240
Francisca Rejane Bezerra Andrade, Geórgia Patrícia Guimarães dos Santos e Júnior Macambira
“Era um incentivo do governo para que os jovens não desistissem do
curso, além de ajudar nas despesas de casa e também pessoais” (Família 2 Camocim).
Os demais familiares ou consideraram sem importância o auxílio,
devido à relevância do próprio curso, ou indicaram aspectos mais subjetivos
que a administração de um aporte financeiro, que embora pequeno pôde
proporcionar à vida de um jovem, como responsabilidade e incentivo de
continuar estudando.
Com relação à participação na vida econômica da família, pelo Gráfico
1 é possível compreender que mais da metade (51,6%) dos jovens egressos do
JUVEMP pesquisados, ainda que trabalhe, é dependente financeiramente.
Ou melhor: 48,2% das mulheres e 21,9% dos homens não trabalham e têm
seus gastos custeados; 12,1% das mulheres e 14,1% dos homens trabalham,
mas não são independentes economicamente.
Em todos os itens em que os jovens de ambos os sexos trabalham, a
mulher aparece com uma participação menor em relação ao homem, sobretudo
no que se refere à independência financeira e à inserção de alguma forma no
48,2
46,8
38,8
35,6
29,3
feminino
masculino
21,9
total
12,1
7,8
5,2
Não trabalha e seus
gastos são
custeados
14,1 12,8
9,4
6,1
5,2
6,7
Trabalha e contribui
Trabalha e é
Trabalha, mas não é
Trabalha e é
para o sustento da
responsável pelo
independente
independente
família
sustento da família
financeiramente
financeiramente
Gráfico 1 - Jovem Egresso do JUVEMP, por Sexo, segundo a Participação na Vida
Econômica da Família – Mar./Abril/2012 (%)
Fonte: Pesquisa Direta IDT.
241
Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição
sustento da família. Observou-se que 7,8% dos jovens do sexo masculino
consultados pela pesquisa trabalham e são independentes financeiramente,
contra 5,2% das mulheres. Entre os que trabalham e são responsáveis pelo
sustento da família, 5,2% das jovens e 9,4% dos jovens, os que trabalham e
contribuem para o sustento da família (sem serem os responsáveis) aparecem
29,3% das mulheres e 46,8% dos homens.
As análises sobre a participação do jovem na vida econômica da família
confirmam como se tornaram mais complexas as etapas para o início da
vida adulta, quais sejam: a partida da família de origem, a entrada na vida
profissional e a formação de um casal. (SPOSITO, 1997). Há, inclusive,
nessa fase de transitoriedade – passagem da heteronomia da criança
para a autonomia do adulto –, a abertura de múltiplas possibilidades:
i) o exercício do trabalho; ii) a situação de desemprego recorrente; iii) a
condição antecipada de pai ou mãe, com família constituída ou mesmo
isoladamente; iv) a fase de estudo na residência dos pais e dependentes
deles; v) a fase de estudo com residência distante dos pais e dependentes
deles; vi) a fase de estudo com vida independente e com família própria;
vii) a situação de possuir mais de 24 anos, na condição de desempregado
ou de ocupação com rendimento insuficiente, tornando-o dependente dos
pais, entre outras circunstâncias. (POCHMANN, 2004).
Costanzi (2009) elucida que quando os jovens de famílias ou domicílios
com baixa renda per capita ocupam a posição de pessoas de referência e têm
filhos, eles tendem a ter maior necessidade de ingressar precocemente no
mercado de trabalho para contribuir com a renda familiar, encontrando,
por conseguinte, mais dificuldades para continuar os estudos. Esta
provavelmente deve ser a situação da maior parte dos egressos pesquisados
que só trabalham. Neste sentido, a Tabela 1, a seguir, retrata a situação de
estudo e trabalho dos egressos do JUVEMP pesquisados e sinaliza o quanto
é preeminente o envolvimento deles com a atividade laboral, inclusive nas
idades mais jovens.
Pela Tabela 1, observa-se que as jovens do sexo feminino, atualmente
a maior parte delas, independentemente da faixa etária, ou estão envolvidas
somente com o trabalho ou não trabalham nem estudam. Contudo, verificouse maior esforço dos homens em conciliar estudo e trabalho, porém há um
número menor que não trabalha nem estuda. Outro aspecto importante é
242
Francisca Rejane Bezerra Andrade, Geórgia Patrícia Guimarães dos Santos e Júnior Macambira
que as mulheres de 17 a 19 anos estão envolvidas somente com o trabalho
(51,8%). Em contrapartida, são os homens mais velhos (acima de 20 anos)
que estão nessa situação.
Tabela 1 - Jovem Egresso do JUVEMP, por Sexo e Faixa Etária, segundo a Situação de
Estudo e Trabalho - Municípios do Juventude Empreendedora – Mar./Abril/2012
Situação de estudo e
trabalho
Estuda e trabalha
Somente estuda
Somente trabalha
Não trabalha nem estuda
Total
Sexo/Faixa etária
Feminino
Masculino
17 a 19
20 anos ou
17 a 19
20 anos ou
anos
mais
anos
mais
10,3
12,6
33,3
21,8
6,9
16,2
22,3
9,1
51,8
35,6
33,3
58,2
31,0
35,6
11,1
10,9
100,0
100,0
100,0
100,0
Fonte: Pesquisa Direta IDT.
A propósito dos aspectos relacionados ao mercado de trabalho juvenil,
após esta caracterização socioeconômica e familiar do egresso do JUVEMP
(2007-2010), esta pesquisa se deteve na investigação da situação ocupacional
desses jovens, como indicado a seguir.
A Situação Ocupacional dos Jovens: Alguns Elementos para
uma Reflexão
As estatísticas sobre a situação do jovem no mercado de trabalho revelam
elevadas taxas de desemprego, quando comparadas às dos adultos. Tal situação
não é um fenômeno isolado do Brasil, mas um cenário que se configura em
muitos países. Fatores como renda, qualificação profissional, escolaridade,
pouca experiência profissional, entre tantos outros aspectos, acirram o grande
descompasso e o distanciamento de jovens e adultos no mundo do trabalho.
Considerando a realidade dos jovens egressos do Projeto Juventude
Empreendedora (JUVEMP), pesquisa do Instituto de Desenvolvimento do
Trabalho (IDT) revelou que 61,7% deles se encontravam ocupados. Um dos
fatores que pode estar contribuindo para essa significativa inserção é o fato
de o JUVEMP possuir uma meta de inclusão de 30% de seus beneficiários,
ou seja, a existência dessa iniciativa, combinada com as parcerias realizadas
com os mais diferentes setores da economia, incluindo a administração
243
Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição
pública, aumenta, em grande medida, as chances de uma inserção mais
rápida. Importa registrar, contudo, não ser de responsabilidade da instituição
executora do Projeto, no caso o IDT, interceder sobre a qualidade das vagas
geradas, situação que compete exclusivamente às empresas.
Desse modo, e considerando mercados de trabalho com características
de precarização, baixos salários e de incertezas na trajetória das ocupações
geradas, é fato que o esforço para a abertura de vagas para os jovens, minimiza,
em parte, a possibilidade de estarem desempregados, sem perspectiva de uma
atividade produtiva, ampliando as incertezas quanto ao futuro. Para Novaes
(2012, p. 11),
Entre eles, em comum um medo de sonhar, de não encontrar
um lugar no mundo presente e futuro. Os certificados escolares
não são mais garantia de inserção produtiva e a palavra
“trabalho” sempre evoca incertezas. Mesmo em países com
reconhecida cobertura educacional, os certificados escolares são
como passaportes: necessários, mas por si só não garantem a
viagem para o mundo do trabalho. Além disso, e cada vez mais,
a aparência e o endereço funcionam como filtros seletivos no
competitivo e mutante mercado de trabalho.
É importante lembrar, ainda, os obstáculos e os labirintos que tanto
dificultam o ingresso de milhares de jovens no mundo do trabalho, o que os
tornam mais vulneráveis se comparados a outros segmentos populacionais.
Principalmente quando fatores como diferenças sociais, padrão de rendimento,
raça/cor, entre outros, são também considerados. Estudo da Organização
Internacional do Trabalho (OIT) indica que
A magnitude do desemprego entre os jovens guarda relação
direta com aspectos de natureza demográfica e estruturais
associados ao mercado de trabalho. Pelo lado da oferta, a pressão
de origem demográfica ainda se faz presente, fruto, sobretudo,
da onda jovem, que vem gerando efeitos de caráter duradouro.
(OIT, 2012, p. 67).
O estudo da OIT ainda observa que
Esse processo irá manter-se, embora com uma intensidade cada
vez menor, até o final da próxima década. Ou seja, pelo lado da
oferta, o desafio será o de conviver com uma pressão por novos
empregos de origem demográfica, provocada pela onda jovem,
244
Francisca Rejane Bezerra Andrade, Geórgia Patrícia Guimarães dos Santos e Júnior Macambira
pelo menos até 2020, apesar desse fenômeno já ter começado a se
atenuar na segunda metade da atual década. (OIT, 2012, p. 67).
Mesmo diante da realidade apresentada pela OIT, a pressão dos jovens
por um espaço no mercado de trabalho continua sendo intensa, levandoos, muitas vezes, à renúncia de seus estudos para antecipar seu ingresso no
mundo do trabalho, principalmente os jovens de famílias mais pobres. Para
estes, postergar esse ingresso na vida laboral é algo ainda distante e que
leva, em muitas situações, a uma disputa desigual por melhores salários,
melhores ocupações, além das dificuldades de mobilidade ocupacional,
entre outras situações.
Para os jovens que não estavam ocupados, mas procurando uma
atividade, o percentual foi de 17,2%, frente a uma situação em que 21,1%
não estavam ocupados, tampouco procurando trabalho, caracterizando um
estágio de inatividade. Esta, por sua vez, possui uma dupla dimensão: a
primeira, quando torna evidente o caráter de uma certa fadiga das pessoas
quando buscam uma inserção ocupacional durante um longo tempo e não a
encontram, o que gera estado de desânimo e falta de confiança no mercado;
a outra, quando assenta no “alongamento da inatividade como alternativa
de postergação do desemprego juvenil e de maior preparação para o ingresso
da juventude no mercado de trabalho em condições menos desfavoráveis”.
(OIT, 2001, p. 36). Para Gonzalez (2009), no caso das mulheres, essa
realidade reflete ainda a dedicação de muitas jovens aos cuidados domésticos
e familiares. Porém, em grande medida, o que ocorre é que os jovens que saem
da escola encontram dificuldade tanto em se empregar como em se manter
no emprego.
Tabela 2 – Jovem Egresso do JUVEMP, segundo a sua Situação Ocupacional – Municípios
do Juventude Empreendedora – Mar./Abril/2012
Situação ocupacional
%
Ocupado
Não está ocupado, mas procurou efetivamente trabalho nos últimos 30
dias
Não está ocupado nem procura trabalho
Total
61,7
17,2
21,1
100,00
Fonte: Pesquisa Direta IDT.
245
Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição
É importante destacar, ainda, que a maioria (68,5%) dos jovens egressos
do JUVEMP ocupados pretende mudar de ocupação e de estabelecimento, ou
seja, almejam melhores oportunidades de trabalho e de renda, enquanto outros
jovens afirmaram a intenção de continuar na mesma ocupação e no mesmo
estabelecimento (14,4%), ou, ainda, permanecer na mesma ocupação, mas em
outro estabelecimento (14,4%). Neste último caso, nota-se, na opinião dos
jovens entrevistados, a necessidade de mudança, de realizar novas conquistas e
espaços para seguir uma melhor carreira profissional. Outra característica dos
jovens ocupados, identificada na pesquisa, é o desejo de continuar trabalhando
no próprio município (72,1%), fato que pode estar relacionado à importância
de manter o vínculo com a sua cidade, às suas raízes e, acima de tudo, com
os seus familiares. Para uma outra parcela dos jovens (21,6%), o anseio é o de
trabalhar em outro município do Estado, de procurar alternativas e mudanças
em sua trajetória ocupacional.
Atendo-se ao motivo mais importante para se obter um trabalho, a
pesquisa identificou que 32,8% dos entrevistados apontaram a independência
financeira como a razão maior para obterem um trabalho. Na ordem dos
principais motivos, a opção por crescer profissionalmente (26,1%) e ter mais
responsabilidade (14,4%). Estes motivos expressam, para a maioria dos jovens
entrevistados, as reais motivações em relação ao seu ingresso no mercado de
trabalho, mesmo que estas transcendam toda e qualquer dificuldade que esses
jovens possam vir a enfrentar ao longo de sua trajetória ocupacional. Outro
motivo destacado como relevante na concepção dos entrevistados se refere
à contribuição para a renda familiar, ou seja, para 11,7% dos jovens essa
situação pode se justificar pela necessidade de contribuir com o sustento de
suas famílias, melhorar as condições de vida, dentre outros aspectos.
Corroborando os motivos assinalados como os mais importantes
para se ter um trabalho, é imprescindível mencionar o quanto o Programa
JUVEMP é necessário nessa construção contínua de preparação dos jovens
para um ambiente mais produtivo e qualificado do mundo do trabalho, a
partir do olhar de seus familiares. Vale conferir alguns depoimentos de pais e
responsáveis pelos jovens quanto ao ingresso destes na esfera do trabalho.
“O JUVEMP preparou para o mercado de trabalho e foi importante
para obter experiência e para dar peso ao currículo”. (Família 1 - Paraipaba).
246
Francisca Rejane Bezerra Andrade, Geórgia Patrícia Guimarães dos Santos e Júnior Macambira
“O curso fez o jovem aprender muito sobre o que o mercado de trabalho
exige e também ajudará para participar de concursos públicos”. (Família 3 Paraipaba).
Meu filho ficou mais capacitado para o mercado de trabalho,
que o mesmo aprendeu mais sobre computação e que agora
está fazendo faculdade. Foi importante para sua inserção
no mercado, pois o JUVEMP lhe deu mais conhecimento.
(Família 1 - Fortaleza).
Em síntese, registram-se a seguir outras informações coletadas na
pesquisa sobre a participação dos jovens no mercado de trabalho, a saber:
 72,1% dos jovens pretendem continuar trabalhando no próprio
município.
 49,6% dos jovens permanecem na mesma ocupação desde a conclusão do JUVEMP (57,4% no caso masculino, e 40,0%, no
feminino).
 70,3% dos jovens ocupados exercem suas atividades profissionais
fora do bairro em que têm suas moradias.
 86,3% dos jovens estudam e trabalham.
 65,5% dos jovens somente trabalham.
 Na opinião dos jovens, os motivos mais importantes para se ter
um trabalho, são: i) independência financeira; e ii) crescer profissionalmente.
 Segundo a categoria ocupacional, 81,1% dos jovens são empregados particulares.
 De acordo com a posse da carteira assinada, 59% das jovens não
possuem carteira assinada, enquanto entre eles esse percentual é
de 38%.
 Os setores do comércio e dos serviços respondem por 30,6% e
47,8%, respectivamente, da ocupação dos jovens.
Finalizando, ao longo desta análise fica nítida a importância do
trabalho na vida dos jovens, assim como urge a necessidade de avanços na
qualidade dos postos de trabalho que estão sendo gerados, de maneira a
contribuir com as carreiras profissionais de tantos jovens que sonham com
247
Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição
melhores oportunidades de trabalho e de cidadania. Nessa perspectiva, se faz
necessária a ampliação dos estudos e a melhoria na formação profissional,
atributos estes que são decisivos na esfera de mercados de trabalho cada
vez mais competitivos, que exigem mais conhecimento e criatividade das
pessoas. É com esse objetivo que o Programa Juventude Empreendedora,
ciente das transformações e avanços do mercado de trabalho, procurou, ao
longo do tempo, despertar nos jovens uma proposta de formação inspirada
nesse mundo de profundas mutações.
O Programa Juventude Empreendedora na Perspectiva do
Jovem Egresso
Iniciam-se as análises dos dados coletados discorrendo sobre o tempo
em que os jovens egressos participantes da pesquisa concluíram o Programa
JUVEMP. Salienta-se que a maioria dos pesquisados participou da turma
de 2010, ou seja, 28,9%; seguida pelo grupo de jovens que concluíram o
programa há mais de 12 e até 24 meses (26,7%). Em terceiro lugar estão os
jovens que participaram do JUVEMP há mais de 36 meses (25%). O menor
índice de jovens pesquisados (19,4%) concluiu o JUVEMP há mais de 24 e
até 36 meses (2007).
A comparação entre o tempo de conclusão do JUVEMP e a situação
de estudo e trabalho revela situações bem distintas. A primeira é que, quanto
menor for o tempo de conclusão do programa, maior será o percentual de
jovens que não trabalham nem estudam (38,3%); a segunda situação é que,
entre os jovens que estudam e trabalham, cerca de 38% deles possuíam um
tempo de conclusão superior a 36 meses. É importante anotar que, para
o último grupo de jovens, a continuidade dos estudos demonstrou ser tão
importante quanto o trabalho.
Atenta-se, portanto, para o problema de escolarização da população
jovem brasileira, que afeta particularmente os filhos de famílias em situação
de vulnerabilidade econômica e social.
Segundo Corbucci et al. (2009, p. 106):
A situação educacional dos jovens brasileiros decorre, em
grande medida, do acesso restrito à educação infantil e da
baixa efetividade no ensino fundamental, evidenciadas pela
248
Francisca Rejane Bezerra Andrade, Geórgia Patrícia Guimarães dos Santos e Júnior Macambira
elevada distorção idade – série e pelos incipientes índices
de conclusão deste nível de ensino. Desse modo, parcela
considerável das crianças ingressa na juventude com elevada
defasagem educacional, tanto do ponto de vista quantitativo
(anos de estudo) quanto em termos qualitativos (capacidades
e habilidades desenvolvidas). Estas defasagens são agravadas
pelas precárias condições socioeconômicas, que concorrem
para manter baixo o rendimento dos estudantes e, não raro,
ampliar as taxas de abandono escolar.
Ao buscar identificar a participação do jovem egresso do JUVEMP em
outros programas públicos de qualificação profissional, observou-se que cerca
de 20% dos jovens que concluíram o programa até 12 meses antes do início
da pesquisa já haviam participado de outros programas. Para os jovens que
concluíram há mais de 1 ano e até 2 anos, identificou-se um índice de 25%
de participação em outros programas. Quando se verificaram os jovens que
concluíram o JUVEMP há mais de 2 anos e até 3 anos, verificou-se o índice de
30% do total de jovens que participaram de outros programas de qualificação
profissional. Finalmente, notou-se que 25% dos jovens que concluíram o
programa há mais de 36 meses já haviam participado de outros programas de
qualificação profissional.
O Estado brasileiro realiza, desde 1990, uma gama de iniciativas voltadas
ao público jovem, contando com a participação do Poder Executivo federal,
estadual e municipal, envolvendo, ainda, parceria com organizações não
governamentais. O fato é que ocorre, desde então, a sobreposição de ações e
programas governamentais destinadas ao mesmo público-alvo, resultando “em
ações conflitivas e concorrentes, além de desperdícios de capitais humano, físico
e financeiro, podendo mesmo haver sobreposição de benefícios para um mesmo
indivíduo.” (SILVA; ANDRADE, 2009, p. 57).
Diante de tantos programas destinados à juventude brasileira e cearense,
buscou-se identificar os dois principais motivos da participação dos jovens
no JUVEMP. Os resultados indicaram que a possibilidade de qualificação
profissional foi o principal motivo para tal participação, totalizando 61,7%
das respostas. Em segundo lugar está a aquisição de novos conhecimentos,
perfazendo 38,4% das respostas dos jovens pesquisados.
No imaginário de muitos dos jovens cearenses e brasileiros habita a
compreensão de que a conclusão de uma qualificação profissional contribui
249
Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição
para a inserção imediata no mercado de trabalho. Porém se sabe que o
processo não apresenta essa linearidade, principalmente porque as políticas
de educação profissional têm, historicamente, pouca ou nenhuma articulação
com as políticas de emprego e renda no Brasil.
Interessante notar a relação entre o motivo mais importante para a
participação do jovem egresso no JUVEMP e seu estado civil. Conforme o
Gráfico 2 abaixo, a possibilidade de se adquirir uma qualificação profissional
representa o principal estímulo à procura do JUVEMP para 60,3% dos jovens
solteiros, e 66% dos jovens casados.
11,3
1,9
3,8
Casado
17,0
66,0
7,1
4,0
3,2
Solteiro
25,4
60,3
0
10
20
30
40
50
60
70
Outro
Abrir o próprio negócio
Colaborar nos trabalhos sociais voltados para a melhoria de vida da comunidade
Adquirir novos conhecimentos
Possibilidade de qualificação profissional
Gráfico 2 – Jovem Egresso do Programa Juventude Empreendedora, por Estado Civil,
segundo o Primeiro Motivo Mais Importante da Participação no JUVEMP – Municípios
do Juventude Empreendedora – Mar./Abril/2012
Fonte: Pesquisa Direta IDT.
Os resultados acima confirmam o entendimento de que o jovem brasileiro
percebe a necessidade de concluir os estudos e realizar uma qualificação
objetivando a inserção laboral nesse mercado restrito e competitivo atual.
Nessa perspectiva, parte-se para a análise referente aos conhecimentos
adquiridos no JUVEMP e à preparação dos jovens pesquisados para ingresso
250
Francisca Rejane Bezerra Andrade, Geórgia Patrícia Guimarães dos Santos e Júnior Macambira
Tabela 3 - Jovem Egresso do Programa Juventude Empreendedora, por Sexo e Faixa
Etária, segundo o Preparo para o Mercado de Trabalho - Municípios do Juventude
Empreendedora – Mar./Abril/2012
Condição
Sim, preparado, mas quer fazer
outro curso
Sim, preparado
Não está preparado
Total
Fonte: Pesquisa Direta IDT.
Sexo / Faixa etária
Feminino
Masculino
20
anos
ou
anos ou
17 a 19
17 a 19 20 mais
mais
51,7
57,5
55,6
72,8
41,4
6,9
100,0
35,6
6,9
100,0
33,3
11,1
100,0
23,6
3,6
100,0
no mercado de trabalho. Reconhece-se que a maioria dos jovens pesquisados
se considera preparada para o mercado de trabalho, pois os maiores índices,
para ambos os sexos e em todas as faixas etárias, indicam essa condição, mesmo
que se tenha observado, na Tabela 3 abaixo, o interesse dos jovens em realizar
outro curso.
Este resultado converge para o modelo de proposta curricular do
Programa, pois o processo de formação pessoal, social e profissional dos
alunos ocorre pela participação nos seguintes módulos: formação para o
empreendedorismo social; capacitação para o trabalho I e II; elaboração do
projeto de vida profissional; encaminhamento para o mercado de trabalho
ou incentivo à criação de negócios individuais ou coletivos. Tais módulos
estão claramente vinculados à proposta de iniciação profissional dos jovens
do Programa, com perspectivas de inserção profissional destes no mercado
de trabalho local.
Com o objetivo de identificar as contribuições que o jovem obteve ao
realizar o JUVEMP, listam-se os seguintes itens: a) obtenção de cultura geral/
ampliação da formação pessoal; b) aquisição de muitos amigos/conhecer
várias pessoas; c) a aquisição da expectativa dos pais sobre os estudos; d)
formação para a cidadania/busca por direitos; e) participação em atividades
comunitárias, esportivas, culturais e de lazer.
A obtenção de cultura geral/ampliação da formação pessoal foi a
contribuição com maior percentual para ambos os sexos, o que revela que o
251
Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição
JUVEMP contribuiu, na perspectiva destes, para a ampliação de conhecimentos
dos jovens que estão em situação de vulnerabilidade econômica e social e se
encontram fora da escola. O Programa JUVEMP favorece, de certa forma, a
ampliação da visão de mundo desses jovens.
Ao serem questionados sobre alguma mudança na relação familiar
proporcionada pelo JUVEMP, a partir dos itens: a) responsabilidade para
resolução dos problemas; b) participação na tomada de decisões; c) abertura
ao diálogo; d) valorização da convivência familiar; e) afetividade, confiança e
respeito, os jovens pesquisados apontaram o indicado na Tabela abaixo:
Tabela 4 - Jovem Egresso do Programa Juventude Empreendedora, por Sexo, segundo
a Mudança que Proporcionou no Relacionamento Familiar - Municípios do Juventude
Empreendedora – Mar./Abril/2012
Sexo
Mudança
Responsabilidade para resolução dos problemas
Feminino
Masculino
19,2
19,4
Participação na tomada de decisões
17,8
18,1
Abertura ao diálogo
21,2
19,8
Valorização da convivência familiar
21,8
21,6
Afetividade, confiança e respeito
20,0
21,1
Total
100,0
100,0
Fonte: Pesquisa Direta IDT.
Identificou-se que, para os jovens de ambos os sexos, a valorização da
convivência familiar atingiu o maior percentual, perfazendo 21,8% entre
os jovens do sexo feminino e 21,6% entre os jovens do sexo masculino.
O segundo maior percentual indicado pelos jovens do sexo feminino foi a
abertura ao diálogo (21,2%), e para os jovens do sexo masculino foram a
afetividade, a confiança e o respeito (21,1%).
A melhoria da convivência familiar também foi apontada pelos
familiares entrevistados, conforme eles relatam:
“Minha filha melhorou muito, para mais para ouvir as pessoas, melhorou
o respeito entre os familiares”. (Família 1 – Camocim).
252
Francisca Rejane Bezerra Andrade, Geórgia Patrícia Guimarães dos Santos e Júnior Macambira
“Meu filho mudou muito, a forma de falar com as pessoas, como por
exemplo, pedir, por favor. Antes ele era estressado, não pedia desculpas, hoje
diz, por favor, e pede desculpas”. (Família 2 – Ubajara).
“Ela ficou mais atenciosa, mais respeitadora, conversa muito comigo,
por que antes ela era muito calada, não falava o que estava acontecendo com
ela, agora ela é minha amiga, ela amadureceu”. (Família 2 – Aracati).
Ao adentrar no tema referente à importância do auxílio bolsa, no valor
de R$ 60,00 (sessenta reais), para a participação do jovem pesquisado no
JUVEMP, a maioria dos pesquisados, de ambos os sexos, destacou que o
referido auxílio foi um estímulo para a conclusão do curso. Em segundo lugar
de importância está o estímulo para realizar uma formação profissional.
A falta de condições financeiras para a aquisição de material escolar
básico faz parte da realidade da maioria dos jovens brasileiros. Dessa forma,
a possibilidade de receber um auxílio que contribua para a satisfação de tal
necessidade condiz com o perfil do público-alvo definido para o Programa
JUVEMP e favorece a permanência no curso, reduzindo, consequentemente,
o índice de evasão. Por outro lado, é importante apontar que esse auxílio é
utilizado também para atender outras necessidades do jovem e da sua família,
como bem destacam as falas dos familiares entrevistados:
“Foi importante para ele comprar as coisas dele, e investir no que ele
estava aprendendo”. (Família 3 – Aracati).
“Muito importante, pois estimulava o jovem a participar do projeto,
além de ajudá-lo a adquirir bens pessoais que ele precisava para poder
frequentar o projeto. Foi uma ajuda muito bem vinda”. (Família 2 – Limoeiro
do Norte).
“O auxílio bolsa era muito importante. Era um incentivo do governo
para que os jovens não desistissem do curso, além de ajudar nas despesas de
casa e também pessoais”. (Família 2 – Camocim).
Em seguida, os jovens foram indagados sobre a principal decisão que
tomaram ao concluírem o JUVEMP. Os jovens pesquisados, de ambos os
sexos e faixas etárias, apontaram que prioritariamente procuraram um
253
Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição
emprego. A continuidade dos estudos ficou com o segundo maior percentual
de respostas. Somente os jovens do sexo masculino, na faixa etária de 17 a 19
anos, indicaram igualmente a decisão de realizar curso profissionalizante e se
preparar para o trabalho.
Tabela 5 - Jovem Egresso do Programa Juventude Empreendedora, por Sexo e Faixa
Etária, Segundo a Principal Decisão que Tomou Quando Concluiu o JUVEMP Municípios do Juventude Empreendedora – Mar-Abril/2012
Sexo / Faixa etária
Feminino
Decisão
10,3
79,4
20 anos ou
mais
23,0
54,1
22,2
55,6
20 anos ou
mais
16,4
63,7
---
3,4
22,2
14,5
---
6,9
---
3,6
3,4
6,9
100,0
3,4
9,2
100,0
----100,0
--1,8
100,0
17 a 19
Continuou os estudos
Procurou um emprego
Fez curso profissionalizante
e se preparou para o
trabalho
Trabalhou por conta própria
/ Trabalhou em negócio da
família
Ainda não decidiu
Outro
Total
Fonte: Pesquisa Direta IDT.
Masculino
17 a 19
Ao menos dois fatores devem ser considerados quanto aos resultados
identificados acima. O jovem egresso do JUVEMP busca um emprego para
contribuir com a renda familiar e, por conseguinte, ajudar a melhorar as
condições de vida de sua família. Além disso, o jovem egresso conhece a atual
situação de desemprego no Brasil e no Ceará, o que favorece o seu anseio em
ingressar o quanto antes numa ocupação, mesmo que esta seja desprovida de
direitos e garantias. Nessa perspectiva, a edição do livro do IPEA, intitulado
Políticas Sociais: acompanhamento e análise de 2007, alerta que:
Nesse cenário de restrição das oportunidades de emprego – que
afeta inclusive os trabalhadores já inseridos, desacreditando a
estabilidade como marca fundamental da vida adulta – duas
grandes tendências se configuram entre os jovens. Aqueles de
254
Francisca Rejane Bezerra Andrade, Geórgia Patrícia Guimarães dos Santos e Júnior Macambira
origem social privilegiada adiam a procura por uma colocação
profissional e seguem dependendo financeiramente de suas
famílias; com isso, ampliam a moratória social que lhes foi
concedida, podendo, entre outras coisas, estender sua formação
educacional, na perspectiva de conseguir uma inserção
econômica mais favorável no futuro. Os demais, que se veem
constrangidos a trabalhar, em grande parte das vezes acabam se
submetendo a empregos de qualidade ruim e mal remunerados,
o que, em algum grau, também os mantêm dependentes de
suas famílias, ainda que elas lidem com isto de forma precária.
Embora ganhe tonalidades diferentes segundo as possibilidades
que o nível de renda familiar permite, o bloqueio à emancipação
econômica dos jovens, em ambos os casos, além de frustrar suas
expectativas de mobilidade social, posterga a ruptura com a
identidade fundada no registro filho/a, adiando a conclusão
da passagem para a vida adulta e ensejando uma tendência de
prolongamento da juventude. (IPEA, 2008, p. 8-9).
Concluiu-se a pesquisa indagando aos jovens se haviam planejado o
que gostariam que acontecesse em suas vidas em médio prazo. A maioria
dos pesquisados do sexo feminino indicou ter planos de ingressar no ensino
superior. Este também foi o plano dos jovens do sexo masculino na faixa etária
de 20 anos ou mais. No entanto, os jovens do sexo masculino, na faixa etária
de 17 a 19 anos, informaram ter outro plano para o futuro.
Este resultado condiz com os resultados de outra pesquisa do Instituto
de Desenvolvimento do Trabalho (IDT) (ANDRADE; MACAMBIRA,
2011), que sinalizou o interesse dos jovens participantes do PROJOVEM
em concluir o ensino fundamental, realizar uma qualificação profissional e
ingressar no ensino superior.
É claro o anseio da maioria dos jovens em continuar os
estudos através de cursos profissionalizantes até a conclusão
de cursos superiores. Esse aspecto pode ser considerado como
indicativo de reflexão para os gestores das políticas de educação
profissional no Estado do Ceará, com vistas a identificar as
possibilidades de os jovens serem inseridos nos cursos técnicos
de nível médio ofertados pelas escolas estaduais de educação
profissional e pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e
Tecnologia do Ceará, favorecendo a elevação da escolaridade e a
possibilidade de inserção qualificada desses jovens no mercado
formal de trabalho do Ceará. (ANDRADE; MACAMBIRA,
2011, p. 22).
255
Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição
Entende-se que o caminho apontado mostra a compreensão dos jovens
cearenses pesquisados acerca da necessidade de ampliação de conhecimentos,
habilidades e atitudes fundamentais ao trabalhador preocupado em ingressar
no mercado de trabalho de forma decente, o que pressupõe um novo olhar
do governo e da sociedade civil para com as políticas públicas destinadas à
juventude brasileira.
Considerações Finais
A avaliação do impacto do Programa Juventude Empreendedora
(JUVEMP), desenvolvido no período de 2007 a 2010, na inserção ocupacional
do jovem egresso e em sua vida familiar e comunitária, considerou a
importância da qualificação profissional para além da análise circunscrita à
empregabilidade. Buscou compreender as influências do JUVEMP no âmbito
pessoal, familiar e social dos jovens contemplados.
O JUVEMP insere-se no conjunto das políticas públicas sociais, de
caráter focalista e emergencial, que pretende oportunizar ao jovem em situação
de vulnerabilidade social sua (re)inserção ou permanência no mercado de
trabalho, bem como promover mudanças no seu relacionamento com a
família e com a comunidade onde vive.
Direcionado não apenas à formação do empreendedor social, mas
visando também à elaboração de um projeto de vida profissional, o JUVEMP
promoveu atividades analítico-reflexivas (dinâmicas de grupo, entrevistas,
pesquisas e visitas) capazes de estimular no jovem o autoconhecimento, o
fortalecimento dos vínculos familiares e a apropriação da realidade da
convivência com a família; a abertura ao diálogo; a ampliação do senso de
responsabilidade para a resolução dos problemas; a maior participação na
tomada de decisões e o aumento da autoestima.
Conforme a pesquisa realizada pelo IDT, o JUVEMP também
contribuiu para a ampliação da visão de mundo e da sociabilidade juvenil,
por meio da obtenção de novos conhecimentos, da ocupação do tempo livre,
da melhoria no comportamento, do convívio social e da construção de uma
rede de amizades (networking).
Como parte de uma política de formação profissional, ainda que não
seja intencional, nota-se a associação entre formação educacional/profissional
256
Francisca Rejane Bezerra Andrade, Geórgia Patrícia Guimarães dos Santos e Júnior Macambira
com inserção/intermediação para o mercado de trabalho, apoiando-se na
ideia de que um é capaz de promover a conquista do outro. A este respeito,
mesmo considerando que este não seja o único elemento influenciador, não se
deve negar que a experiência no JUVEMP pode ter contribuído para a fixação
dos jovens em seus locais de trabalho, uma vez que a maioria dos egressos
encontrava-se em uma ocupação no momento da pesquisa.
Além disso, a maior parte dos entrevistados aspirava mudar de ocupação
e de estabelecimento, embora almejasse permanecer no mesmo município.
Ou seja, há uma necessidade de investimentos em políticas de qualificação
profissional aliadas a uma política capaz de dinamizar e diversificar as
oportunidades de trabalho e emprego locais.
É inegável, portanto, o anseio da população jovem em ampliar seus
anos de escolaridade e se profissionalizar para se inserir no mercado de
trabalho. É também evidente o aumento dos investimentos estatais em escolas
profissionalizantes e as possibilidades viabilizadas para a democratização do
acesso a maiores níveis de ensino formal. Todavia, cabe uma discussão mais
aprofundada sobre qual desenvolvimento está sendo perseguido e sob quais
condições. Quais têm sido, de fato, as possibilidades de ascensão e mobilidade
social diante das atuais políticas públicas para a juventude, do desemprego
crescente, da informalidade, da precariedade, das elevadas jornadas de trabalho
e das persistentes desigualdades sociais.
Como lembra Pochmann (2010), nos anos de 1930 até 1980 o Brasil
vivenciou um ciclo econômico com forte expansão no nível de emprego,
especialmente do emprego assalariado. De tal forma que esse período, ainda
que com dificuldades, ofereceu oportunidades para a constituição de uma
trajetória profissional, mesmo sendo um país cujo espaço da educação foi
relativamente pequeno. Em 1960, apenas 1% dos jovens entre 18 e 24 anos
tinham acesso ao ensino superior. Hoje se tem quase 13%, embora ainda
represente uma parcela restrita da juventude.
Todavia, as décadas de 1980 e 1990 já foram mais difíceis para os jovens
brasileiros, pois o país cresceu menos não só economicamente, como também
as oportunidades de trabalho foram reduzidas. Sobretudo, o emprego que
tradicionalmente se voltava para os jovens foi sendo ocupado por pessoas não
jovens, como ocorreu nos setores bancário e da construção civil.
257
Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição
Nos últimos vinte anos as mudanças mais amplas no mundo do
trabalho têm gerado um contexto de desemprego e precarização das relações
de trabalho, não somente circunscritos aos jovens, mas que sem dúvida os
afeta de forma mais intensa. A educação, neste sentido, é quase sempre
concebida nos discursos governamentais como aquela que contribui para
que o jovem obtenha maiores chances de mobilidade social e ascensão na
trajetória ocupacional, superando as condições de vida e de trabalho das
gerações anteriores.
Não obstante, o país colocou tardiamente o tema da juventude na
agenda pública, o que, por um lado, tem trazido uma série de programas
no intuito, talvez, de se “se recuperar o tempo perdido”; por outro lado, o
tema juventude tem exigido uma reflexão sobre os caminhos trilhados e as
escolhas realizadas.
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260
A QUALIFICAÇÃO PROFISSIONAL NO CONTEXTO
DAS POLÍTICAS PARA A JUVENTUDE: EM FOCO O
PROJOVEM
Ilma Vieira do Nascimento1
Lélia Cristina Silveira de Moraes2
Maria Alice Melo3
Qualificação Profissional no Brasil: percorrendo alguns
programas e projetos
O Projeto de Lei nº 8.035/2010, sobre o Plano Nacional de
Educação (PNE) para o decênio 2011-2020, prevê como meta 10 “oferecer,
no mínimo, vinte e cinco por cento das matrículas de educação de jovens e
adultos na forma integrada à educação profissional nos anos finais do ensino
Pedagoga. Doutora em Educação pela Universidade de São Paulo (USP). Professora do
Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal do Maranhão (UFMA) e integrante
do Grupo de Pesquisa Escola, Currículo, Formação e Trabalho Docente do Programa
de Pós-Graduação em Educação (PPGE/UFMA). É parecerista ad hoc da Fundação de
Amparo à Pesquisa do Estado do Maranhão (FAPEMA).
2 Pedagoga, doutora em Educação Brasileira pela Universidade Federal do Ceará (UFC).
Professora do curso de Pedagogia e do Programa de Pós-Graduação em Educação da
Universidade Federal do Maranhão (UFMA). Integra o Grupo de Pesquisa Escola,
Currículo, Formação e Trabalho Docente do PPGE/UFMA. É editora da Revista Educação
e Emancipação do PPGE/UFMA. É parecerista ad hoc da FAPEMA.
3 Pedagoga, doutora em Educação pela Universidade de São Paulo (USP). Professora do Curso
de Pedagogia e do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do
Maranhão. Integra o Grupo de Pesquisa Escola, Currículo, Formação e Trabalho Docente
do PPGE/UFMA. É membro do Conselho Editorial Executivo da Revista Educação e
Emancipação do PPGE/UFMA. É parecerista ad hoc da FAPEMA.
1
261
Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição
fundamental e no ensino médio.” Prevê também, como meta 11, “duplicar
as matrículas da educação profissional técnica de nível médio, assegurando a
qualidade da oferta.” (ANPED, 2011).
As duas questões, constantes nas metas do PNE mencionadas - a
educação de jovens e adultos e a integração da formação propedêutica,
geral à formação profissional - são temas recorrentes, há muito, em espaços
dos movimentos sociais e das políticas educacionais brasileiras. Ambos os
temas têm sido relacionados com o contexto histórico do desenvolvimento
econômico, ou seja, quando o mundo da produção e o mercado de trabalho
passam a exigir pessoal com determinados níveis de qualificação afirma-se a
necessidade de promover a escolarização de jovens e adultos.
Um breve retrospecto da trajetória do processo da qualificação
profissional associado à necessidade de elevar os níveis de escolaridade
do trabalhador, no Brasil, delineia-se mais claramente com o avanço da
industrialização, a partir da década de 30 do século XX4. Embora a criação
do Ministério da Educação e Saúde, em 1930, sinalize o início de uma
reestruturação no sistema educacional brasileiro, com repercussões no ensino
profissional, e apesar de o ensino industrial passar a ser considerado uma
função do Estado, a educação escolar ainda não ocupava, naquele momento,
posição de relevo para atender as demandas do sistema produtivo, não se
verificando, portanto, uma articulação substantiva da qualificação da força
de trabalho com o sistema educacional.
É na década seguinte que se esboça de forma mais visível a tendência
para a construção de uma política de educação profissional e, assim,
demarca-se essa relação. Isso se dá, em parte, não só “com a transformação
das antigas escolas de aprendizes e artífices em escolas técnicas destinadas a
4
Convém registrar que desde o início da República já se desenhava no Brasil a ideia de
desenvolvimento baseado na industrialização, tanto que em 1909, pelo Decreto 7.566,
o Presidente da República, Nilo Peçanha, criou 19 Escolas de Aprendizes e Artífices,
uma em cada capital de estado. Essa rede de escolas de educação profissional, voltada
preferentemente para os “desfavorecidos da fortuna”, era mantida pelos estados, municípios
e associações particulares, com subvenção da União, e tinha como finalidade ofertar à
população o ensino profissional primário e gratuito. Por apresentarem várias precariedades,
de ordem material e pedagógica, essas escolas acabaram por restringir a aprendizagem ao
conhecimento empírico, apenas. (SANTOS, 2000, p. 211, 214).
262
Ilma Vieira do Nascimento, Lélia Cristina Silveira de Moraes e Maria Alice Melo
ministrar cursos técnicos, pedagógicos, industriais e de mestria, em várias
capitais do país”. (NASCIMENTO; MORAES, 2006, p. 303), mas também
com a implantação de uma legislação para organizar os diversos ramos
da educação profissional - industrial, comercial e agrícola - as chamadas
Leis Orgânicas do Ensino, também direcionadas para o ensino primário e
secundário. A esses movimentos, impulsionados pelas demandas próprias
do processo de desenvolvimento e pela difusão de uma ideologia que funda
esse processo na industrialização, principalmente, soma-se a articulação do
governo federal ao setor empresarial, criando, em 1942, o Serviço Nacional
de Aprendizagem Industrial (SENAI) - e, em 1946, o Serviço Nacional de
Aprendizagem Comercial (SENAC), para atender, por meio de um ensino
acentuadamente prático, as necessidades de qualificação da mão de obra
para esses setores econômicos.
É importante ressaltar que da forma como foram realizadas, as
reformas do ensino então em vigor vieram acentuar o distanciamento entre
a formação geral e a profissional, reafirmando, assim, o caráter seletivo e
dual da educação no Brasil. Por esse caráter discriminatório e dualista da
educação, o ensino secundário continuou destinado à formação das elites
dirigentes, enquanto o ensino profissional era destinado ao operariado e
seus filhos. Pode-se assim afirmar que as diversas leis orgânicas do ensino,
ao organizarem o ensino técnico-profissional nas três áreas da economia, em
desarticulação com o ensino secundário e entre elas mesmas, constituíramse em obstáculo para a construção de uma política pública do ensino médio
integrado à qualificação profissional.
A primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB)
nº 4.024/61, sinaliza a construção de uma política orientada para a
formação profissional ao estabelecer a equivalência entre os cursos técnicos
profissionalizantes e os de formação geral, de orientação propedêutica,
embora em tal contexto a educação profissional não se tenha alterado
substancialmente. (BRASIL. LEI Nº 4.024, 2013). Mas, merece ressaltar
que com o crescente avanço da industrialização no País (anos 60 e 70 do
século XX), essa orientação política tende a se firmar, dando destaque à
educação como necessária para atender as demandas do desenvolvimento
alicerçado em bases fordistas. O discurso governamental alia-se às
necessidades do empresariado, ambos propugnando a modernização do País,
ou seja, o intuito é o de integrá-lo mais firmemente à divisão internacional
263
Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição
do trabalho, cuidando de preservar e aprofundar a acumulação capitalista.
Essa convergência de interesses e ideias encontra suporte na Teoria do
Capital Humano e se materializa em políticas governamentais voltadas
para a qualificação da força de trabalho a fim de responder às exigências
do desenvolvimento econômico. Concretamente, reformula-se o ensino
de 1º e 2º graus (BRASIL. LEI Nº 5.692, 2013), conferindo a esse nível
de ensino o caráter compulsório de terminalidade e profissionalização que
redundou em comprovado insucesso.
Segundo Nascimento e Moraes (2006), a partir da década de 1980,
a questão da qualificação do trabalhador passa a centralizar as discussões
no espaço acadêmico. Prosseguindo, Nascimento e Moraes (2006, p. 304)
afirmam que
na década seguinte, em um cenário marcado pela flexibilização
das relações de trabalho e pelo crescimento do desemprego, toma
vulto o debate sobre o tema. Entre as reformas empreendidas no
período, a do ensino técnico foi perniciosa para o trabalhador e
para a educação profissional, pois fragilizou as bases em que esta
se firmava.
De fato, nas duas últimas décadas do século XX, o acesso e a
permanência no mercado de trabalho passam a ditar a direção que tomam as
políticas de qualificação da força de trabalho. Assim, desse final de século e já
no século XXI, pode-se observar a incidência de políticas públicas referentes
à formação profissional inicial que desenvolvem programas de qualificação
do trabalhador sem qualquer exigência de vinculação à escolaridade, ou sem
a preocupação em elevá-la, a exemplo dos cursos ministrados no âmbito do
Plano Nacional de Formação Profissional (PLANFOR), cuja vigência vai
de 1996 a 2002. Ao lado de programas desse tipo têm sido implementados
outros, como bem sintetiza Lima Filho (2010) em um estudo que realizou
sobre a integração da educação profissional com a educação básica. Para
Lima Filho (2010, p. 111),
as políticas públicas referentes à educação e formação
profissional no Brasil têm assumido, nos últimos anos, amplos
contornos em níveis e modalidades de ofertas que vão desde a
formação profissional sem vínculo com elevação de escolaridade,
a programas, cursos e modalidades de escolarização e formação
profissional que, mediante diferentes formas de articulação
(sequencial, concomitante ou integrada) abrangem a educação
264
Ilma Vieira do Nascimento, Lélia Cristina Silveira de Moraes e Maria Alice Melo
fundamental, o ensino médio técnico e a graduação e pósgraduação acadêmica e tecnológica.
Como se pode depreender, no amplo cenário em que se desenvolvem
as políticas públicas de educação profissional, a questão da integração dessa
formação com a educação escolar (de nível médio, principalmente) tem sido a
pedra de toque a motivar movimentos sociais, políticos e mesmo econômicos,
seja no sentido positivo de promover a pretendida integração, seja no de ignorála. Nesta última perspectiva, os setores sociais atingidos mais de perto pelos
rumos que tomam essas políticas são os que, da população economicamente
ativa, integram o universo de jovens e adultos pertencentes às camadas sociais
portadoras de múltiplas vulnerabilidades (sinteticamente denominadas aqui
de socioeconômicas).
A tentativa de fazer um esboço dos encaminhamentos das políticas de
formação profissional e qualificação do trabalhador no Brasil, nas três últimas
décadas, leva-nos a situá-las no contexto mundial do capitalismo em que se
operam mudanças estruturais e em que se acirra a concorrência no denominado
mercado global. Mudanças mais visíveis no País, a partir do final dos anos
1980, que afetam fundamentalmente o trabalho e das quais não escapa a
educação. Assim, as reformas educacionais implementadas no Brasil, nos anos
1990 em diante, integram, mas resguardam as especificidades locais e o novo
contexto das grandes transformações do capitalismo em âmbito mundial:
globalização econômica, reestruturação produtiva, avanços tecnológicos e as
formas de organização e gestão do trabalho que expressam, enfim, um novo
paradigma político a orientar a produção e os seus problemas.
Assim, os desafios que se impõem à educação e ao mundo do trabalho
parecem não estar distantes entre si, pois o terreno onde são gerados é
basicamente o mesmo, ou seja, o contexto internacional em tela. A legislação
educacional brasileira, movida por orientações de organismos internacionais
que integram a cúpula de poder do capitalismo mundial, preconiza, a partir da
reforma educacional iniciada nos anos 1990, a construção de um trabalhador
de novo tipo, capaz de responder às necessidades do setor produtivo (vejase, por exemplo, a LDB – Lei 9.394/96, art. 39 a 42), passando a enfatizar
o aprofundamento da relação da política de educação profissional com este
mundo em transformação. (BRASIL. LEI Nº 9.394, 2013). Resta saber então:
como se objetiva essa relação?
265
Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição
Em um estudo sobre a reforma educacional brasileira focada no
ensino médio, Silva Júnior (2002, p. 216) afirma que “a racionalidade das
mudanças na esfera educacional é o resultado de suas inter-relações com as
demais esferas sociais das práticas humanas e dessas com as transformações
gerais da sociedade”. Prossegue explicando que só é possível entender a
linha de desenvolvimento da sociedade em seu todo se for possível entender
o movimento dos seus elementos basilares, no caso em questão, a economia
e o trabalho. Silva Júnior (2002) analisa a expressão desse movimento em
âmbito internacional e sua manifestação no Brasil, a partir dos anos 90
do século XX, para aí situar a posição do Estado brasileiro que, premido
por um “novo metabolismo social”5, passa a se reformar e a empreender
transformações em outros campos, como as reformas educacionais, com o
fim de consolidar as mudanças sociais em curso.
No âmbito dessas reformas, os discursos que mobilizam a construção do
“novo trabalhador”, expressos em vários documentos, enfatizam as habilidades
e competências de que deve ser detentor: flexibilidade para adaptar-se a
situações variadas e inesperadas, portanto, imprevisíveis; capacidade cognitiva
para lidar com conceitos; e habilidade para lidar com problemas (e sair-se
bem), entre outros. Tais discursos compõem o elenco de ideias, bastante
difundidas, que atribuem à educação e ao trabalho o potencial para levar a
cabo as mudanças em processo.
A política de educação profissional empreendida a partir dos anos de
1990, que inclui ações governamentais desde a formação profissional inicial
até a reforma do ensino médio, demonstra como, na prática, se expressam essas
formulações. O PLANFOR, já referido, incorpora de alguma forma aquelas
concepções que imprimiriam os rumos que, a partir de então, a reforma do
ensino médio e profissional deveria tomar. Numa realidade marcada pelo
crescimento do desemprego e do segmento informal do mercado de trabalho,
5 A universalização do capitalismo trouxe, pela análise de Silva Júnior (2002), a internacionalização
do capital produtivo, o que gerou um novo paradigma estrutural, organizacional e de gestão
para as grandes corporações, provocando fusões corporativas no plano macroeconômico.
Além disso, “isso impôs um novo metabolismo social cuja racionalidade é a penetração
do capital em quase todas as esferas, especialmente aquelas que outrora eram de natureza
pública, movimento que se iniciou pela própria reforma do Estado, que passa a gerir novas
reformas, incluindo aí as educacionais, com o objetivo de iniciar e consolidar as mudanças
sociais nesse novo estágio do capitalismo.” (SILVA JÚNIOR, 2002, p. 220).
266
Ilma Vieira do Nascimento, Lélia Cristina Silveira de Moraes e Maria Alice Melo
pela redução do emprego industrial, entre tantos outros problemas, esse
programa desenvolveu cursos rápidos de qualificação e requalificação de caráter
não formal com o objetivo de contribuir para a melhoria da empregabilidade
dos trabalhadores, via de regra jovens e adultos, alguns no exercício de tarefas
simples ou que, potencialmente, pudessem realizá-las. Em síntese, a formação
profissional desenvolvida não incluiu quaisquer preocupações com a escolaridade
dos seus destinatários posto que, desvinculada de regulamentação curricular,
revestia-se de um caráter instrumental muito precário.
A reforma do ensino médio marcaria, no encerramento do século XX
e início do novo milênio, a perpetuada desvinculação entre a formação geral
(propedêutica) e a formação específica (profissional), como está consagrado
no Decreto 2.208/97 e na legislação complementar (governo FHC),
desvinculação presente também nos cursos de formação profissional, a que
aludimos.6.(BRASIL. DECRETO Nº 2.208, 2013). É importante observar
que a integração curricular entre a formação geral e a formação profissional no
ensino médio, determinada pelo Decreto 5.154/04, que revogou o anterior,
veio sofrendo restrições em sua realização, como analisam Frigotto e Ciavatta
(2005) e Garcia e Lima Filho (2004), o que põe em xeque a pretendida
superação da dualidade e seletividade, presentes, ainda, na educação brasileira.
No plano dos programas de qualificação profissional é preconizada,
no discurso oficial do governo que se inicia em 2003 (governo Lula),
a implementação de uma política pública de qualificação concebida
diferentemente da anterior. O Programa Nacional de Qualificação (PNQ),
que veio para substituir o PLANFOR, toma como mote a inclusão social
como eixo norteador das ações, entendida a qualificação profissional como
fator de desenvolvimento econômico, portanto geradora de emprego e renda.
Entretanto, os resultados dos cursos promovidos pelo PNQ não se revelaram,
em sua maioria, na mesma dimensão em que foram propostos7.
Sobre essa questão veja-se, entre outros, os trabalhos de Kuenzer (1997, 2006); Frigotto;
Ciavatta e Ramos (2005); Moraes (2006); Lopes (2008) e Serra Pinto e Nascimento (2010).
7 Uma pesquisa avaliativa sobre a execução de ações de qualificação previstas no âmbito do
PNQ, no Estado do Maranhão, revelou que 95,5% das entidades executoras não basearam
a formatação da sua programação em um diagnóstico sobre a demanda. Nortearam a
construção do processo de planejamento a experiência da entidade executora em cursos
dessa natureza (31,8%), a solicitação da entidade governamental local (22,7%), e a
experiência dos coordenadores e dirigentes da entidade quanto às necessidades locais
6
267
Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição
Deve-se observar que os programas de qualificação profissional
destinam-se a sujeitos determinados cujos perfis são traçados por Frigotto
(2004, p. 57) como
predominantemente jovens e, em menor número, adultos,
de classe popular, filhos de trabalhadores assalariados ou que
produzem a vida de forma precária por conta própria, do
campo e da cidade, de regiões diversas e com particularidades
socioculturais e étnicas.
Esses jovens são o alvo privilegiado da política de qualificação
profissional promovida a partir daí. Esses programas incluem ações voltadas
para o desenvolvimento integral do jovem com o objetivo de “criar as
condições necessárias para romper o ciclo de reprodução das desigualdades
e restaurar a esperança da sociedade em relação ao futuro do Brasil.”
(SALGADO, 2007a, p. 11).
Essa é a perspectiva a direcionar a instauração, pelo governo federal,
de uma política nacional de juventude, proposta em sua formulação como
inovadora, no âmbito da qual foi implantado, em 2005, o Programa
Nacional de Inclusão de Jovens: Educação, Qualificação e Ação Comunitária
(PROJOVEM). Coerente com o princípio que o instaura – inclusão de jovens
– esse programa se destina ao “segmento juvenil mais vulnerável e menos
contemplado por políticas públicas vigentes” (SALGADO, 2007a, p. 11), na
época, jovens de 18 a 24 anos que haviam concluído a 4ª série do ensino
fundamental, mas sem haverem concluído a 8ª série e sem vínculos formais
de trabalho.
Chama a atenção a proposta de integração curricular do ProJovem no
seu intuito de abranger “os diferentes aspectos do ser humano em sua interação
com a cultura e a sociedade contemporânea.”. (SALGADO, 2007a, p. 32).
Para tanto, estabelece como “vigas mestras” de sustentação: a Formação Básica
para a elevação da escolaridade ao nível da 8ª série (na época, a série final do
ensino fundamental); a qualificação para o mundo do trabalho, que incluiu
uma qualificação inicial; e a Ação Comunitária, visando ao engajamento
(18,2%). Para um programa que punha o planejamento como ponto de partida e de
chegada na elaboração dos planos e projetos, a não realização de diagnósticos prejudicou,
sobremaneira, os resultados esperados. (NASCIMENTO; MORAES, 2006, p. 313-326).
268
Ilma Vieira do Nascimento, Lélia Cristina Silveira de Moraes e Maria Alice Melo
cívico do jovem. Todos esses componentes curriculares a serem desenvolvidos
integradamente em 12 meses.
No presente texto discutimos alguns resultados da pesquisa intitulada
“Escola, Trabalho e Cidadania: um estudo longitudinal com jovens egressos
e não ingressantes de um programa de inclusão de jovens”, o ProJovem,
realizada pelos Programas de Pós-Graduação em Educação das Universidades
Federais da Bahia, Minas Gerais e do Maranhão. No Maranhão, a pesquisa
envolveu uma amostra de 115 egressos do ProJovem original (ingressos em
2005 e 2006), posteriormente denominado ProJovem urbano. O estudo
longitudinal compreendeu três acompanhamentos aos egressos, durante três
anos consecutivos, complementados com vários estudos de caso suscitados
pelo estudo longitudinal. Buscamos verificar os efeitos do Projovem enquanto
política pública de inclusão de jovens, seja pela continuidade dos estudos,
pelo acesso ao emprego formal, seja inserção nas questões sociais presentes no
cotidiano desses jovens.
Os egressos pesquisados (115) provêm de 25 bairros da cidade de
São Luís cuja maioria teve sua constituição através de ocupação de áreas
vazias, portanto constata-se que o traçado das ruas foi feito pelos próprios
moradores, de forma desordenada, e os serviços básicos existentes, em sua
maioria, decorreram de processos reivindicatórios da população. Em geral,
nesses bairros, ao serem constituídos, entre as primeiras providencias após
a demarcação do território de cada família, os moradores se organizam para
negociar com os poderes constituídos o encaminhamento das demandas
do cotidiano.
Os Egressos Envolvidos na Pesquisa: breve caracterização
O grande contingente de jovens maranhenses situados na faixa etária
de 18 a 24 anos (público-alvo do ProJovem), por apresentar os requisitos
de escolarização em nível fundamental incompleto ou a falta de preparação
básica para adentrar no mundo do trabalho, e ainda pela pouca ou nenhuma
inserção cidadã nas questões sociais, impulsionou a implantação do ProJovem
em São Luís. Dirige-se a segmentos sociais que se encontram na condição
de vulnerabilidade social, tendo em vista que apresentam impedimentos
decorrentes de um conjunto de fatores sociais.
269
Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição
Esse Programa busca contribuir para a superação da situação de
vulnerabilidade que atinge percentual significativo de jovens maranhenses,
que se encontram expostos a riscos sociais de toda espécie – situações de
violência, desemprego, falta de moradia, doença, dificuldades de acesso à
educação, entre outros.
No caso da educação escolar, Féres et al. (2008, p. 12) destaca que essa
situação não é recente, pois
durante quase quatro séculos não foi uma prioridade nem
para as autoridades, nem para os segmentos significativos
da sociedade. O “empurra-empurra” entre o poder central
do Império e as províncias, a descentralização sem recursos,
a escravatura que proibia a entrada de negros em escolas, a
situação marginalizada da infância geraram uma herança até
hoje pesada e não superada em matéria de discriminação étnica
e de desqualificação da cultura letrada.
Féres (2008, p. 17) aponta, ainda, que as soluções encontradas para
atenuar essa situação recaem sobre programas assistenciais aos necessitados
que constituem “meios compensatórios e complementares para a satisfação
de um direito”.
A trajetória de atendimento aos jovens ludovicenses não foi diferente,
sobretudo quando se trata dos segmentos atingidos de forma mais aguda pela
pobreza. A juventude de São Luís que compõe os segmentos mais pobres
da sociedade teve seu crescimento mais expressivo a partir dos anos 1950,
decorrente de um conjunto de determinantes capitaneado por mudanças
na inserção do Maranhão no processo capitalista. De uma economia
predominantemente agrária, onde a maioria da população habitava áreas
rurais, para uma economia pautada na criação de grandes empresas minerometalúrgicas, edificadas na Capital do Estado, para onde migrou um
contingente significativo de pessoas.
O deslocamento dessas pessoas não foi acompanhado de sua
incorporação na vida econômica, o que gerou uma periferia pobre, desprovida
de serviços públicos básicos. A constituição de novos bairros, em sua maioria,
se fez por um processo de ocupação de terrenos vazios de onde emergiram
habitações sem títulos de propriedade. Essa situação, no âmbito da Grande
270
Ilma Vieira do Nascimento, Lélia Cristina Silveira de Moraes e Maria Alice Melo
São Luís, constituída pela Capital do Estado e mais três municípios, gera
problemas de grandes dimensões pela falta de serviços públicos demandados
pela população. Esse panorama, delineado nos anos 1970 e 1980, gerou graves
desdobramentos para a vida dos ludovicenses que se estenderam pelas décadas
seguintes, uma vez que a situação de precariedade não foi superada, e alguns
dos problemas se agravaram com o aumento populacional.
De 2005 em diante a população convive com um movimento semelhante
ao da década de 1970/80, com a vinda de grandes empreendimentos
econômicos que certamente impactarão de forma negativa, especialmente os
segmentos desprovidos de meios para o enfrentamento de questões sociais.
Nesse sentido, estudos realizados por Holanda (2012, p. 21) apontam
que “a economia maranhense no período de 2000 a 2010, cresceu em
velocidade maior que a média brasileira e a média do Nordeste”. No entanto,
esse comportamento não se refletiu na melhoria da qualidade de vida dos
segmentos situados na periferia da Capital. Persistem a falta de acesso à saúde,
à educação, ao emprego, ao transporte, ao tratamento de água e esgotos, enfim
a todos os serviços públicos básicos.
Em se tratando do segmento juvenil, o ProJovem ao ser criado teve como
justificativa os milhões de jovens que frequentaram a escola, mas não deram
prosseguimento aos estudos e sequer concluíram o ensino fundamental, o que
inviabiliza qualquer projeto de acesso ao trabalho formal. O ProJovem parece
preencher essa lacuna e está formatado para atingir três demandas importantes
na vida dos jovens: escolarização, qualificação profissional e inserção cidadã.
Em São Luís-MA, local onde inicialmente se instalou o programa,
desenvolveu-se em duas fases. Na primeira, em dezembro de 2005, foram
inscritos 8.368 jovens. Desses foram matriculados 4.226 jovens, e frequentaram
o curso 2.010 alunos, sendo certificados 759. Conforme dados da Secretaria
Municipal de Educação (SEMED), nessa etapa houve uma desistência de
21,86%, e abandono correspondente a 39,12%. Do total, apenas 747 fizeram
a formação técnica específica.
Na segunda fase, em outubro de 2006, foram inscritos 4.172 jovens,
matricularam-se 2.634 alunos dos quais frequentaram o curso 1.253.
271
Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição
Observa-se que nas duas fases foram matriculados cerca de 6.860 jovens,
pouco mais que a meta prevista, que era de 5.700 vagas, no entanto foi
marcante o alto índice de abandono e o baixo índice de concluintes.
De acordo com estudos realizados por Bruzaca (2009, p. 146), vários
fatores concorreram para esses resultados, conforme atestam os depoimentos
de professores.
O nível dos alunos, nós sabemos que era um público que não
tinha terminado o Ensino Fundamental, e a idéia é que eles
soubessem ler e escrever, mas eu me deparei com alunos em sala
de aula que o nível de alfabetização era muito baixo e isso foi
um entrave.
Para melhor caracterização dos sujeitos que participaram da pesquisa
organizamos o perfil em três blocos, seguindo as dimensões estruturantes
do programa, quais sejam: escolarização, qualificação profissional e ação
comunitária.
No que tange à escolarização, os egressos estudados são pessoas que, por
diferentes motivos, não deram prosseguimento aos seus estudos até concluir
o ensino fundamental. Embora tenha sido essa exigência no universo de 115
pessoas, localizamos 23 que haviam concluído o ensino fundamental, e 5
tinham o ensino médio completo. Questionados sobre o que os motivou a
participar do Projovem, suas justificativas estão relacionadas à oportunidade
de cursar os arcos ocupacionais, como também adquirir conhecimentos
básicos de informática. Conforme expressam os professores estudados por
Bruzaca (2009, p. 133):
Os arcos são um grande atrativo, que impulsionam os alunos a
participarem [...] há um desenvolvimento e uma transformação
de vida desses alunos.
Esses arcos não vão profissionalizar de fato, mas eles vêm dar
um início de uma profissionalização. Então eles vão sair do
Projovem com essa iniciação dessa profissão.
Embora se afirme que os jovens de segmentos mais pobres não se sentem
atraídos pela escola em razão do que ela oferece, quando o seu conteúdo vai
ao encontro de seus interesses a permanência desses jovens na escola se faz por
mais tempo.
272
Ilma Vieira do Nascimento, Lélia Cristina Silveira de Moraes e Maria Alice Melo
Os elementos discutidos neste eixo trazem sérias implicações para o
processo de escolarização de jovens de segmentos populares.
Estudos realizados por Zago; Nogueira e Romanelli (2000), entre outros,
demonstram que a pouca escolaridade dos pais tem influência significativa
nos percursos escolares dos filhos. Em se tratando dos egressos pesquisados,
verificou-se que 40,87% das mães e 40,0% dos pais não são alfabetizados, o
que de certa forma pode ter contribuído para o abandono da escola.
Conforme Zago; Nogueira e Romanelli (2000, p. 24),
nos meios populares, as crianças, no mais frequente das vezes,
não têm o seu dia organizado das atividades escolares, com
acompanhamento regular nos deveres de casa e outras atividades
extraclasse, para reforçar e tornar mais rentável o currículo do
aluno.
Em relação ao sexo, a pesquisa apontou que 73% são do sexo feminino,
confirmando as estatísticas nacionais mais recentes que apontam a mulher
com mais anos de escolaridade que o homem. Nos bairros onde se localiza o
maior número de egressos há também o predomínio do sexo feminino.
Constatamos, também, que a maioria dos egressos são solteiros, embora
53% possuam filhos. Em geral o número de filhos por pessoa está dentro
da média nacional, ou seja, 26,96% dos pesquisados possuem dois filhos.
Destaca-se que apenas 4,35% têm 5 filhos.
Associando-se o número de filhos à renda familiar, verifica-se que os
egressos pesquisados vivem com dificuldades, pois 18,26% recebem abaixo
de um salário mínimo, e a maioria (35,65%) tem renda em torno de dois
salários mínimos. Essa situação certamente traz grandes dificuldades para a
sobrevivência desses jovens.
Estudos referentes à etnia demonstram que o acesso e permanência na
escola estão relacionados à cor da pele dos estudantes. No caso do ProJovem,
constatou-se que 28,70% são negros, 28,70% são pardos, 11,30% são
morenos e 2,61% são brancos. Ao somarmos as três primeiras categorias,
temos 68,70% de negros. Este fato confirma os estudos referentes a essa
questão ao demonstrar que os negros possuem menos escolaridade por falta
de acesso à escola ou por nela permanecerem por poucos anos.
273
Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição
Sobre a qualificação profissional, esta tem sido requerida pelos jovens
como forma de diminuir os índices elevados de desemprego. Em localidades
como São Luís - MA, esse requisito tem sido amplamente reafirmado com
a instalação de grandes empreendimentos que requerem mão de obra
qualificada, e nem sempre os trabalhadores locais preenchem os requisitos.
Considerando as grandes dificuldades de acesso ao trabalho, 11,31%
dos egressos, ao iniciarem o curso no Projovem, já haviam realizado cursos de
qualificação profissional envolvendo 22 ocupações, sendo que informática,
artesanato e cooperativa foram as de maior número de participantes.
Quanto ao engajamento em organizações comunitárias, os jovens
têm sido apontados por pesquisadores (KRISCHKE, 2008; VENTURI;
BOKANY, 2008) como o segmento que demonstra disposição em desenvolver
atividades junto à sua comunidade. A situação de pobreza que grande parte
deles enfrenta muitas vezes constitui impedimento para um posicionamento
ativo diante das questões sociais que os atingem.
São vários os motivos que mobilizam os jovens a se organizarem para
suprir a ausência do Estado através da luta cotidiana pelo atendimento de
demandas sociais e como forma de afirmação de sua identidade.
Estudos realizados por Araújo e Magalhães (2008) mostram que em
São Luís-MA existiam, nos anos de 2005 e 2006, cerca de 886 organizações
envolvendo jovens. Destas, 532 organizações estão instituídas legalmente
como associações recreativas, culturais e religiosas, e as 351 restantes são
formadas por grupos não legalizados voltados para atividades musicais, teatro,
esporte e leitura.
Essas organizações estão situadas em 27 áreas que se desdobram em 49
localidades. A manutenção desses espaços de interesse coletivo é permeada de
dificuldades, tais como falta de recursos e de infraestrutura. A desmobilização
sazonal de seus integrantes muitas vezes inviabiliza a existência dessas
organizações por mais tempo.
Em se tratando dos egressos do ProJovem, os estudos indicaram
que dos 115 pesquisados, cerca de 15 jovens (13%) estavam engajados em
organizações comunitárias ligadas a questões religiosas, culturais, sanitárias,
esportivas e educacionais.
274
Ilma Vieira do Nascimento, Lélia Cristina Silveira de Moraes e Maria Alice Melo
A Qualificação Profissional no Projovem em São Luís:
discutindo alguns resultados da pesquisa a partir das percepções
dos sujeitos envolvidos
Questões envolvendo juventude têm assumido com maior frequência
espaço nos debates no campo da educação, principalmente quando se trata de
colocar em pauta a reconstituição dos direitos à educação e ao trabalho.
A vulnerabilidade em que se encontra a juventude, pois é um segmento
social marcado por profundas carências, a colocou como alvo de várias
políticas públicas, as quais tentam equacionar dois problemas: o primeiro,
relativo à formação de mão de obra qualificada para o mercado, e o segundo,
à retirada dos jovens da marginalidade, por meio de sua inserção na educação
e em outras atividades. A esse respeito Moraes; Nascimento e Melo (2009, p.
285) afirmam que
A definição de políticas públicas voltadas para a juventude, na
perspectiva de recuperar a dívida social do Estado para com
esse segmento, constitui-se, inegavelmente, uma necessidade
emergencial e primordial no reconhecimento dos direitos e das
capacidades dos jovens e da ampliação da participação cidadã.
O Programa ProJovem, como já mencionamos, visa oportunizar aos
jovens a elevação da escolaridade, a qualificação profissional e o planejamento
e execução de ações comunitárias de interesse público. Sendo que a elevação
da escolaridade refere-se à conclusão do ensino fundamental, a qualificação
profissional oferecida é em nível de formação inicial, e o desenvolvimento de
ações comunitárias objetiva a participação social e a valorização do protagonismo
juvenil. A proposta curricular, além de contemplar conhecimentos necessários
à escolarização e à profissionalização em nível básico, dá atenção especial à
oferta de aulas de informática com o objetivo de favorecer a inclusão digital.
Desse modo, a conclusão do ensino fundamental, o aprendizado de
alguma profissão e a participação em ações comunitárias definidas no ProJovem
como finalidades a serem alcançadas pelos jovens devem ser compreendidas
para além das exigências postas pela sociedade. O significado desse tripé deve
se expressar na reconstituição do direito à educação básica, na busca de tornar
explicita e direta a relação entre o conhecimento e a prática do trabalho,
275
Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição
como menciona Saviani (2006) e no reconhecimento da importância do
protagonismo juvenil, no valor que o jovem tem enquanto cidadão em fase
de afirmação de personalidade e busca de sentido profissional para sua vida.
Para materializar tais propósitos a proposta pedagógica do ProJovem está
organizada em quatro unidades formativas – Juventude e Cidade, Juventude
e Cidadania, Juventude e Trabalho, e Juventude e Comunicação – que se
articulam em torno de um eixo estruturante8, de instrumentais conceituais e
ações curriculares.
Em relação à dimensão da qualificação profissional, esta deve ser
articulada às outras duas dimensões: ensino fundamental e ação comunitária,
constituindo-se em um único projeto educativo. A organização pedagógica
envolve uma carga horária de 350 horas assim distribuídas: 150 horas para
iniciação ao mundo do trabalho e formação técnica geral, e 200 horas para a
formação específica no arco ocupacional9 escolhido pelo aluno.
Durante a participação no programa o aluno desenvolve um Plano de
Orientação Profissional (POP)10, o qual permite que este obtenha
melhor aproveitamento das oportunidades práticas e teóricas
oferecidas no curso. Além disso, permite que o aluno faça uma
projeção dos próximos passos de seu processo de qualificação
profissional. (BRASIL. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO,
2005).
O eixo estruturante representa uma situação-problema que apresenta
relevância na vida cotidiana do jovem. Os instrumentais conceituais
representam a perspectiva de abordagem da situação-problema. As ações
curriculares têm o objetivo de superar a organização de disciplinas individuais,
tratando-as interdisciplinarmente. Com relação a organização de tempo e espaços utilizados
no programa, o mesmo é desenvolvido em núcleos, os quais são compostos por 5 turmas
de 30 jovens cada, funcionando diariamente no turno noturno. (PROJOVEM, 2005).
9 O arco ocupacional representa a formação escolhida pelo aluno. A partir desta é possível
a formação inicial em quatro ocupações. Para cada município é permitida a escolha de
quatro arcos ocupacionais, sendo definidos através de estudo e análise do desenvolvimento
socioeconômico do município. Ao todo o ProJovem original apresentou 23 arcos
contemplando diversas áreas do setor produtivo. (PROJOVEM, 2005).
10 O plano de orientação profissional também é utilizado como instrumento de avaliação,
por meio do acompanhamento das ações realizadas pelo jovem. (PROJOVEM, 2005).
8
276
Ilma Vieira do Nascimento, Lélia Cristina Silveira de Moraes e Maria Alice Melo
Os arcos ocupacionais escolhidos pelos egressos, em São Luís, foram:
Agroextrativismo11, Construção e Reparos II, Serviços Pessoais e Turismo e
Hospitalidade. Houve predominância deste último, motivada por tendências
de mercado, influência da família, certa dose de curiosidade e, ainda, pela
possibilidade de melhoria de vida, conforme declaração dos próprios egressos
assim expressa: “Aprender uma profissão, que é a garantia da vida”. (Egresso
pesquisado) .
A expectativa em torno da aquisição de uma profissão se constituiu
para o egresso um dos fatores motivadores para a sua matrícula no ProJovem,
depositando nele a crença de que seria a “porta aberta” para garantir um
espaço no mercado de trabalho, fato que se revelou na inscrição de muitos
jovens no programa que já haviam concluído o ensino médio. Essa motivação,
certamente, não está isenta das orientações propaladas em documentos e nos
discursos oficiais, quando se referem às políticas voltadas para a juventude
que dão ênfase à qualificação profissional, sob o comando do processo de
globalização e reestruturação da economia que exige trabalhadores preparados
e dispostos a enfrentar postos de trabalho cada vez mais especializados. Na
concepção de Manfredi (2002, p. 151):
Nos anos 90, em virtude das transformações geradas pelos
processos de reestruturação da economia, em âmbito mundial,
dos processos de reestruturação produtiva e organizacional,
bem como da universalização da informática e de outros meios
eletrônicos de comunicação e de produção da informação,
gestaram-se novas necessidades educacionais, tanto no mundo
do trabalho como no campo dos direitos sociais e civis. Daí
a necessidade de repensar e propor mudanças no âmbito do
sistema educacional e na premência de investir em estratégias
de requalificação/qualificação e de formação contínua, em
outros espaços fora da escola.
Na mesma direção Kuenzer (2013b) discute a influência das
transformações sociais e produtivas ocorridas no mundo do trabalho sobre
a educação, considerando ser ela também a responsável pela formação para
o trabalho. Argumenta que a participação na vida produtiva passou a exigir
do homem conhecimentos e habilidades cognitivas, o que se coloca como
11 O arco ocupacional agroextrativismo constava na relação de cursos
ofertados pelo Projovem
São Luís. Os alunos o escolheram, contudo, apesar de terem escolhido, não foi oferecido.
277
Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição
contraditório, pois os postos de trabalho foram reduzidos significativamente em
detrimento da acumulação flexível. Contudo, essas transformações vivenciadas
no mundo do trabalho demandam outra relação com o conhecimento para
a vida em sociedade, e a escola se constitui como a única via para a grande
maioria da população.
Como já elucidamos, o estudo com os egressos ocorreu em três momentos
e foi orientado a partir de questões envolvendo as dimensões do programa:
escolarização, qualificação profissional e ação comunitária. Procuramos
identificar se haviam prosseguido nos estudos, se buscaram inserção ou
investiram em alguma ocupação e quais as dificuldades enfrentadas durante
o ProJovem, bem como os aspectos considerados positivos e negativos pelos
envolvidos, neste caso com foco na qualificação profissional desenvolvida.
O currículo integrado do programa foi tomado como o instrumento
materializador das suas finalidades, ou seja, como eixo norteador das nossas
buscas sobre a qualificação profissional e seus efeitos sobre a vida dos egressos.
Nessa busca identificamos que um número significativo de egressos não
concluiu integralmente o programa, principalmente a parte da qualificação
profissional, devido a fatores diversos, como: a falta de equipamentos para
as aulas práticas ocasionada pela ausência dos convênios previstos para a
realização da qualificação profissional, o que implicou também a falta de
professores na parte profissionalizante e na não oferta de aulas práticas. Além
disso, concorreu para esse problema a não oferta das aulas de informática
em várias estações. Constatamos a partir desse fato que a implantação do
ProJovem em São Luís enfrentou fortes problemas relacionados à gestão local,
com consequências que envolveram todo o processo de desenvolvimento do
programa e contribuíram para a não certificação de muitos dos egressos.
A ausência das aulas práticas durante a qualificação foi enfatizada
também pelos professores pesquisados por Bruzaca (2009, p. 133): “a parte
teórica era bem interessante, mas o que ficava a desejar era a parte prática.
Não sei se o que eles aprenderam daria para eles conseguirem emprego com
carteira assinada de boa qualidade [...]”.
Convém ressaltar que a proposta pedagógica do ProJovem dá ênfase à
relação teoria e prática em todas as dimensões do programa, especialmente
na qualificação profissional. Assim, a ausência das aulas práticas reclamadas
278
Ilma Vieira do Nascimento, Lélia Cristina Silveira de Moraes e Maria Alice Melo
pelos egressos certamente comprometeu a formação dos alunos. Recorrendo
a Vásquez (1990, p. 209), verifica-se a relevância da relação teoria e prática ao
afirmar que “a teoria, em si, não é prática, isto é, não se realiza, não se plasma,
não produz mudança real. Para produzir tal mudança não basta desenvolver
uma atividade teórica, é preciso atuar praticamente”.
Uma proposta curricular integrada, segundo Ramos (2010), vai
além da forma, envolve princípios e conteúdos e condições materiais e
financeiras tratadas de forma indissociáveis, na perspectiva de garantir no
desenvolvimento curricular os conhecimentos gerais e específicos, a cultura,
o trabalho e a tecnologia, tratados no tempo e no espaço adequados à
aprendizagem do aluno.
Outro aspecto de destaque na pesquisa refere-se ao prosseguimento
dos estudos, quando registramos que mais da metade dos pesquisados
ingressou no ensino médio e uma pequena parcela chegou até à educação
superior, revelando a crença desses jovens na contribuição da educação como
possibilidade de mudança de vida. A presença do professor foi considerada
significativa na motivação dos egressos, somada à aquisição da certificação e
ao auxílio financeiro (bolsa). Na mesma proporção os egressos perseguiram
uma inserção no mercado de trabalho, onde identificamos que 35,47% dos
pesquisados exercem atividade de trabalho com carteira assinada ou são
contratados formalmente e recebem benefícios trabalhistas, acrescidos de
18,26% que estão trabalhando, mas sem benefícios trabalhistas. Do total
de egressos trabalhando (53,73%), 46,9% atribuem ao ProJovem a inserção
no mercado de trabalho, com destaque para a certificação de conclusão do
ensino fundamental.
Merece atenção o quesito satisfação do egresso com a atividade
profissional exercida, observando-se que 45,2% declararam-se insatisfeitos
devido a fatores como: ausência de um vínculo formal, ou porque a
atividade exercida não mantém relação com o arco cursado no ProJovem.
Esse fato confere o preconizado pela política neoliberal no que tange à
empregabilidade, o que Kuenzer (2013a, p. 165) denomina de exclusão
includente, assim compreendida:
Exclusão includente na ponta do mercado, que exclui para
incluir em trabalhos precarizados ao longo das cadeias
279
Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição
produtivas, dialeticamente complementada pela inclusão
excludente na ponta da escola, que, ao incluir em propostas
desiguais e diferenciadas, contribui para a produção e para a
justificação da exclusão. Ou seja, a dualidade estrutural, embora
negada na acumulação flexível, não se supera, mantendo-se e
fortalecendo-se, a partir de uma outra lógica.
É importante ainda evidenciar que, a partir do terceiro acompanhamento
realizado durante o estudo longitudinal, foi possível reafirmar o aspecto
transitório no que se refere à moradia e ao emprego desses egressos. No espaço
de um ano entre os acompanhamentos observamos que essa população esteve
em constante mudança de endereço. Com relação ao emprego, também
observamos que muitos se identificaram ora empregados, ora desempregados,
no decorrer desse período, o que reflete a instabilidade vivida por esse tipo de
mão de obra.
Considerações Finais
Indiscutivelmente, a juventude merece a atenção das políticas públicas,
o que exige a articulação com políticas gerais e específicas, focando a
diversidade de situações que a envolvem. Apesar de em sua formulação o
ProJovem sinalizar algumas incongruências, é a realidade concreta que dá o
tom da sua efetividade ou não, por isso é fundamental que não o analisemos
isolado de seu movimento real, o qual dá significado concreto e evidencia
suas singularidades. O locus de realização do programa, os atores direta e
indiretamente envolvidos e o processo de gestão não excluem a sua unidade
naquilo que expressa a sua finalidade e seus objetivos, quais sejam possibilitar
o resgate de um direito social expropriado dos jovens.
Em São Luís, o programa se desenvolveu, segundo avaliação dos egressos
estudados na pesquisa em foco, movido por aspectos positivos e negativos.
Destacaram-se como pontos positivos a possibilidade de conclusão do ensino
fundamental, a elevação da autoestima, o convívio com colegas e professores,
principalmente no que se refere a orientações e incentivos dos professores. As
aulas de Português e Matemática e a formação no arco ocupacional escolhido
são aspectos que, em alguns casos, foram considerados fundamentais para a
construção de perspectivas para o futuro.
280
Ilma Vieira do Nascimento, Lélia Cristina Silveira de Moraes e Maria Alice Melo
Os aspectos negativos referiram-se, em sua grande maioria, ao
funcionamento dos arcos ocupacionais, haja vista que muitos não aconteceram
por falta de professores, desistência dos cursos, escassez de materiais e de
espaços físicos adaptados para as aulas práticas. Falta de regularidade na
distribuição de bolsas, discriminação dos alunos do Projovem por parte da
gestão escolar e de alunos dos cursos regulares noturnos que partilharam o
espaço com o programa, além de uma atuação menos efetiva da gestão local.
A passagem pelo Projovem, apesar de não ter sido integralmente exitosa
para todos eles, refletiu o interesse em aprender algo novo, seja na questão
profissional ou na escolarização básica, seja no empenho e na necessidade
desses jovens de inserção no sistema produtivo. O desejo de “melhorar de vida”,
a necessidade de um salário para garantir o sustento da família, a busca de
empregos mais satisfatórios evidenciam a responsabilidade desses jovens que,
conscientes ou não, da realidade do mercado, tentam, apesar das dificuldades,
conquistar seu espaço no contexto social. E isso, provavelmente, contribui
para amenizar o estado de vulnerabilidade desses jovens, que em alguns casos
demonstraram mais confiança em si mesmos e expressaram um sentimento
de inquietação ao não negarem suas insatisfações com o não atendimento das
suas expectativas em relação ao programa.
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285
JUVENTUDE E POLÍTICAS DE QUALIFICAÇÃO PROFISSIONAL
PROJOVEM TRABALHADOR – A EXPERIÊNCIA DE
PERNAMBUCO
Mariza Soares1
Apresentação
Este artigo tem por objetivo apresentar resultados e proposições
realizados após a avaliação do Programa Juventude Cidadã, atual Programa
Integrado de Juventude (Projovem) Trabalhador, implementado no Estado de
Pernambuco, em 2008. Contempla, assim, a temática juventude e políticas
de qualificação.
No capítulo 2 faz-se uma reflexão sobre o papel das organizações não
governamentais como executoras da qualificação no âmbito do Projovem
Trabalhador, tendo em vista que, em Pernambuco, o Programa foi executado
por 15 organizações do terceiro setor, em mais de 80 municípios, com o
objetivo de fornecer qualificação social e profissional a jovens e inseri-los no
mercado de trabalho.
A superação do desemprego juvenil por meio da geração de trabalho,
emprego e renda tem se apresentado como um desafio para os governos
federal, estaduais e municipais, bem como para o terceiro setor, representado
aqui pelas diversas organizações sem fins lucrativos que oferecem cursos de
qualificação social e profissional.
1
Mestre em Gestão Pública para o Desenvolvimento do Nordeste.
287
Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição
O Programa Juventude Cidadã/Projovem Trabalhador, utilizado como
estudo de caso, foi implementado em 2008, de forma descentralizada, pela
Secretaria Especial de Juventude e Emprego (SEJE) do Estado de Pernambuco,
em parceria com o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), com o objetivo
de contribuir para a redução do desemprego juvenil. No ano seguinte o
programa passou a ser denominado Projovem Trabalhador, com mudanças
significativas no perfil dos beneficiários, na carga horária e nas temáticas de
qualificação, deixando de contemplar a elevação da escolaridade e o trabalho
voluntário.
As Organizações Não Governamentais (ONG) pesquisadas, executoras
do Programa Juventude Cidadã em Pernambuco, no ano de 2008, foram o
Instituto de Desenvolvimento Econômico e Social de Pernambuco (IDESP),
com os cursos Assistente de Vendas (automóveis e autopeças) e Auxiliar de
Promoção de Vendas/Administrativo (lojas de automóveis e autopeças),
ambos no arco ocupacional metal mecânica e realizados nos municípios de
Caruaru, Igarassu e Cabo de Santo Agostinho; e o Instituto Brasileiro PróCidadania (Pró-Cidadania), com o curso de Vendedor de Comércio Varejista,
no arco ocupacional vestuário, realizado nos municípios de Caruaru, Recife e
Petrolina.
Por meio do Programa Juventude Cidadã/Projovem Trabalhador o
Estado oferta ao cidadão a oportunidade de se qualificar para o mundo do
trabalho. Contudo, tanto com relação à carga horária dos cursos quanto à
qualidade da formação ainda se podem observar vários gargalos no Programa,
principalmente no que tange às dimensões de qualificação e empregabilidade
abordadas neste artigo.
Finalmente, no terceiro capítulo são feitas as contribuições ao
aprimoramento da política de qualificação profissional para jovens em busca
de uma primeira oportunidade de emprego.
Juventude e Políticas de Qualificação: O Caso do Juventude
Cidadã de Pernambuco (Projovem Trabalhador)
Em meados da década de 1990, o Ministério do Trabalho e Emprego
(MTE) apresentou ações estruturadas de qualificação, denominadas Plano
Nacional de Qualificação Profissional (PLANFOR) e Programa de Geração
288
Mariza Soares
de Emprego e Renda (PROGER) - este último com o objetivo de apoiar,
mediante crédito, as micro e pequenas empresas. Em 2003, estruturou-se o
Plano Nacional de Qualificação (PNQ), composto pelos Planos Territoriais
de Qualificação (PlanTeQs), Projetos Especiais de Qualificação (ProEsQs) e
Planos Setoriais de Qualificação (PlanSeQs).
O MTE vem atuando em qualificação profissional para o mercado
de trabalho desde a sua fundação. Em 2003, a partir do diagnóstico de
esgotamento do PLANFOR, executado de 1994 a 2003, foi elaborado o
Programa de Qualificação Social e Profissional (PQSP) e o MTE passou a
adotar o conceito de qualificação como central para a política pública de
geração de emprego e renda.
Apesar de as políticas de qualificação profissional e de intermediação
existirem há muitos anos, é somente a partir de 1996 que se nota uma
preocupação em atender ao público jovem, com a criação do Serviço Civil
Voluntário (SCV). O objetivo geral é capacitar o jovem para o exercício da
cidadania e formá-lo para o mercado de trabalho.
Em seguida, no âmbito do Programa Nacional de Estímulo ao Primeiro
Emprego (PNPE), surgido em 2003, para promover a inserção de jovens
no mercado de trabalho, foram criados os chamados Consórcios Sociais da
Juventude, cujo modelo de gestão era o repasse de recursos do MTE para uma
Organização Não Governamental (ONG) denominada entidade âncora. Por
sua vez, essa organização repassava recursos para outras entidades que eram
responsáveis por qualificações específicas. Posteriormente, o MTE criou
o Programa Juventude Cidadã e passou a atuar de forma descentralizada,
contando com os estados e municípios para a implementação do Programa.
Este, em 2009, passou a fazer parte da Política Nacional de Juventude, sendo
parte integrante do Programa Integrado de Juventude (PROJOVEM) com a
denominação de Projovem Trabalhador.
Em 2008, com a aprovação da Política Nacional de Juventude,
o PROJOVEM se propõe a integrar os programas do Governo federal
voltados para a juventude (Agente Jovem, Saberes da Terra, Consórcio
Social da Juventude, Juventude Cidadã e Escola de Fábrica), funcionando
nas modalidades Projovem Adolescente, Projovem Urbano, Projovem
Campo e Projovem Trabalhador. É importante salientar que, a partir de
2009, o Programa Juventude Cidadã passou a ser denominado Projovem
289
Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição
Trabalhador. Sobre este Programa, a Lei nº. 11.692, em seu Art. 16,
estabelece que “O Projovem Trabalhador tem como objetivo preparar o
jovem para o mercado de trabalho e ocupações alternativas geradoras de
renda, por meio da qualificação social e profissional e do estímulo à sua
inserção.” (BRASIL. LEI Nº. 11.692, 2013).
Os recursos utilizados para financiar a política de qualificação em
geral são oriundos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), do Tesouro
da União e do Estado. O Programa Juventude Cidadã de Pernambuco foi
financiado, em parte, pelo MTE, com contrapartida financeira do Governo do
Estado e contrapartida economicamente mensurável dos governos municipais.
Portanto, foi o Governo federal o principal financiador do Programa, o que
está corroborado nos dizeres de Arretche (2004, p. 24), “à União cabe o papel
de principal financiador, bem como de normatização e coordenação das
relações intergovernamentais”.
Segundo o MTE, o Programa Juventude Cidadã tem por objetivo
realizar ações de qualificação social e profissional, estabelecendo como prérequisitos para a participação que os candidatos tenham entre 16 e 24 anos2,
sejam estudantes ou tenham concluído o ensino médio na rede de ensino
público do Estado e que estejam em situação de risco social.
Assim, o Governo do Estado implantou, em 2008, o Juventude Cidadã
de Pernambuco mediante Termo de Referência publicado pela Secretaria
Especial de Juventude e Emprego, estabelecendo que o público a ser beneficiado
compreenda jovens dos 16 aos 24 anos que careçam de oportunidades
para entrar no mercado de trabalho, devido, entre outros fatores, à falta de
qualificação profissional.
A realização do Programa contempla 600 horas de qualificação, com
pagamento de bolsa no valor de R$100,00 perfazendo um total de R$ 600,00
a título de auxílio financeiro. As organizações receberam recursos, calculados
a partir do valor da hora-aula estabelecido pelo FAT, para executar os cursos
de qualificação profissional nos municípios, estabelecendo-se uma relação de
prestação de serviços entre ONG e Estado.
2A
faixa etária do Projovem Trabalhador passou a ser de 18 a 29 anos.
290
Mariza Soares
Além da realização da qualificação, os contratos com as ONG executoras
estabelecem a meta de intermediação de vagas no mercado de trabalho em, no
mínimo, 30% dos jovens qualificados.
O Programa Juventude Cidadã foi implementado em 82 municípios
pernambucanos e ofereceu diversos cursos de qualificação profissional a um
universo de mais de 8.000 jovens de famílias de baixa renda, com idade entre
16 e 24 anos.
Segundo o edital da Secretaria Especial de Juventude e Emprego
(SEJE) - instituição responsável pelo repasse dos recursos para as ONG e pelo
monitoramento da execução - as áreas de qualificação social e profissional
estavam distribuídas da seguinte forma: Administração; Agroextrativismo;
Alimentação; Construção e Reparos (Revestimento e Instalações);
Empreendedorismo e Economia Solidária; Meio Ambiente, Saúde e Promoção
da Qualidade de Vida; Serviços Domiciliares; Turismo e Hospitalidade;
Vestuário; e Vendas. Essas áreas de qualificação são denominadas arcos de
ocupações e servem para orientar e facilitar a organização do processo de
qualificação dos jovens para a sua inserção no mercado de trabalho.
Apesar dos programas de qualificação para jovens e do momento
geracional especial por que passa o Brasil - particularmente em vista da
chamada “janela de oportunidade”, na qual se tem um grande contingente de
pessoas em idade ativa e, portanto, produtiva - representantes do setor privado
afirmam que não conseguem preencher as vagas existentes por falta de mão de
obra qualificada.
Essa situação aumenta os desafios das políticas públicas de geração de
trabalho e renda e de qualificação profissional para jovens, pois tais políticas
precisam ter capacidade de inovação e flexibilidade para atender as mudanças
no perfil da demanda.
Nesse novo modelo de qualificação social e profissional para jovens
está incluída a intermediação de mão de obra, ou seja, a inserção do jovem
qualificado no mercado de trabalho como meta a ser alcançada pelas ONG
executoras dos cursos profissionalizantes. No Programa Juventude Cidadã essa
meta era de 30% dos jovens qualificados, o que se manteve igual no Projovem
Trabalhador. Os termos contratuais estabelecem que, caso a meta não seja
291
Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição
alcançada, as executoras devolvam o recurso correspondente ao percentual de
jovens não inseridos em relação à meta.
Nesta perspectiva, para a Organização Internacional do Trabalho
(OIT), a empregabilidade é a “aquisição de qualificações, competências e
habilidades requeridas pelo mercado de trabalho.” (OIT, 2001, p. 7). Assim,
a empregabilidade é a qualidade do empregável, e empregável é aquele
que tem as condições requeridas para se manter no mercado. Portanto, as
políticas públicas de geração de trabalho e renda devem contribuir de forma
significativa para a empregabilidade do jovem, e não apenas para seu ingresso
no mundo do trabalho.
Para o MTE,
a qualificação deve ser vista como um conjunto de políticas
que se situam na fronteira do Trabalho e da Educação,
intrinsecamente vinculadas a um projeto de desenvolvimento
inclusivo, distribuidor de renda e redutor das desigualdades
regionais. (BRASIL. MINISTÉRIO DO TRABALHO E
EMPREGO, 2005, p. 31).
Concordando com o MTE, é muito importante que a qualificação seja
social e profissional para poder contemplar os desafios das diversas formas de
inclusão social.
As Organizações Não Governamentais como Executoras da
Qualificação no Projovem Trabalhador
Para fins deste artigo foram consideradas ONG as instituições que no
seu arcabouço jurídico não contemplam a figura do mantenedor (fundações),
que não estejam vinculadas diretamente ao governo (organizações sociais)
e que tenham em estatuto a função de oferecer cursos e qualificar para o
mercado de trabalho.
Apesar de não ter sido possível verificar nos documentos do Projovem
brasileiro referência ao Projovem uruguaio, existem semelhanças consideráveis
entre os dois programas, inclusive com os cursos sendo igualmente executados
por ONG, ali denominadas “entidades de capacitación”. No entanto, o
processo de gestão é diferenciado porque, segundo Naranjo (2002), as entidades
uruguaias podem apresentar propostas com carga horária variável, de acordo
292
Mariza Soares
com a necessidade do curso que estão oferecendo, bem como tempo para o
monitoramento da inserção dos jovens no mercado de trabalho. O termo de
referência existe apenas como parâmetro para as ações.
Com o aumento dos investimentos governamentais em qualificação
por meio das ONG também é possível observar um grande número de
instituições oferecendo esse tipo de qualificação. Para um dos entrevistados,
o fato de o governo investir significativamente em ONG fez com que muitas
organizações surgissem, umas sérias, outras nem tanto, indicando que o
monitoramento e o controle social podem fazer a diferença.
Com o passar do tempo devem se sustentar somente as ONG que se
qualificarem e conseguirem manter uma gestão eficiente. Assim, a tendência é
que se consolidem as instituições que já atuavam na área e tinham uma gestão
consolidada, ou aquelas que mesclaram as fontes de financiamento, pois a
sustentabilidade das organizações não é possível somente com os recursos do
Projovem.
Mesmo com todas as parcerias firmadas pelas executoras, para um dos
entrevistados ainda é preciso investir muito em qualificação. “O recurso que o
governo está investindo em qualificação ainda é pouco porque hoje, do sul ao
norte, o grande problema do Brasil se chama falta de qualificação profissional.”
(SOARES, 2010, p. 76).
Essa impressão é confirmada pelo jornal O Globo, de 25 de junho de
2010, na matéria “Planejamento criticou política de emprego”, onde afirma
que fora publicada no Portal do Planejamento a avaliação das ações federais.
(IOSCHOPE, 2010, p. 18). A matéria citada, subsequentemente retirada do
site, criticava a política de emprego do Governo federal, por dar cada vez
menos atenção ao problema da qualificação profissional, um dos gargalos da
economia brasileira.
Corroborando o tema, a Organização das Nações Unidas (ONU)
também alerta, em matéria publicada no jornal O Globo, que é preciso
reforçar o ensino de jovens.
É preciso reduzir o abandono de jovens no ensino médio.
Em 2008, 16% dos jovens de 15 a 17 anos estavam fora da
escola, gerando alta vulnerabilidade. Com tanta gente em
293
Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição
idade de trabalhar, mais de 130 milhões numa população
de 193 milhões, como há queixas de falta de mão de obra?.
(IOSCHOPE, 2010, p. 18).
Com um desafio imenso pela frente, o papel das ONG na qualificação
profissional de jovens ainda será importante por muitos anos, pelo menos
até que o governo consiga estruturar e expandir os espaços públicos de
treinamento profissional, como os institutos federais de ensino técnico.
Além disso, deve haver a oferta de cursos gratuitos pelos diversos municípios
brasileiros, a melhoria da qualidade e o direcionamento do ensino médio,
incluindo a qualificação social como parte integrante da rotina das escolas
e em disciplinas específicas de educação para o trabalho. Dessa forma, ao
concluírem essa etapa, os jovens terão condições reais de inserção no mercado
de trabalho aliadas à continuidade dos estudos de nível superior ou técnico.
É necessário fazer algumas considerações para que a qualificação social e
profissional ofertada aos jovens seja inclusiva, não só para a inserção do jovem
no mercado de trabalho, mas também para a sua vida social. É preciso refletir
sobre as formas de inserção dos jovens no mundo produtivo, analisando se
todas as estratégias que vêm sendo adotadas nos programas de qualificação
são, de fato, geradoras de trabalho decente. De acordo com a OIT, por
ocasião da Oficina Técnica sobre Trabalho Decente e Juventude, realizada
em Brasília, em 2008, “uma contínua e precária inserção do jovem no setor
informal, no começo de sua carreira profissional, tende a gerar prejuízos e
pode comprometer toda a sua trajetória profissional”.
Dando seguimento ao debate sobre trabalho decente, em reunião
realizada no dia 28 de julho de 2010, o Subcomitê da Juventude e Trabalho
Decente do Ministério do Trabalho, criado para discutir a “Proposta de
Agenda Nacional de Trabalho Decente para a Juventude”, teve como principais
tópicos discutidos:3
•
3
a instituição de mecanismos ou práticas que contribuam
para a ampliação das chances de conciliação entre
trabalho, estudos e vida familiar do jovem, de forma que a
jornada de trabalho não prejudique a trajetória de estudo;
Disponível em: <www.cnf.org.br/noticias1>. Acesso em: 23 set. 2010.
294
Mariza Soares
•
a necessidade de ampliar as ações governamentais para a
juventude rural e os jovens de comunidades tradicionais,
considerando suas especificidades;
•
a importância dos cursos profissionais ministrados pelo
Sistema S para jovens, a partir dos padrões desenvolvidos
pioneiramente pelo Serviço Nacional da Indústria
(SENAI) e Serviço Nacional do Comércio (SENAC).
Ao realizar uma reunião como essa e colocar em pauta a proposta
de agenda nacional de trabalho decente para a juventude, o governo
demonstra que continua empreendendo esforços para encontrar equilíbrio
entre políticas de qualificação profissional, inserção no mercado de trabalho
e educação formal. Esta não é, contudo, uma tarefa simples, pois envolve
temáticas complexas e de difícil integração no curto prazo.
Além das modalidades e formas de inserção que são estimuladas pelos
programas públicos de qualificação social e profissional, cabe uma análise das
metodologias adotadas para a realização dos cursos, bem como da trajetória
percorrida pelos jovens na busca de sua formação profissional. Procura-se
encontrar maneiras de não gerar o descrédito nos programas públicos, orientar
e promover a crescente ascensão no itinerário formativo, a fim de ampliar e
aprimorar o nível de conhecimento, seja pela inclusão produtiva, seja pela
inclusão educacional.
Foi pensando em contribuir com o modelo atualmente adotado pelos
programas públicos de qualificação social e profissional executados por ONG
que identificamos no Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (SENAC),
em Pernambuco, a possibilidade de uma análise comparativa entre os modelos
de gestão e os métodos adotados na realização de cursos profissionalizantes
para jovens, bem como na intermediação de mão de obra juvenil qualificada.
No geral, as organizações do Sistema S trabalham de forma
descentralizada, com unidades em vários estados, seguindo a orientação e o
planejamento da matriz. O modelo é o de serviços autônomos, que permite
o desenvolvimento de programas regionalmente específicos, muitas vezes
com apoio da direção nacional. Permite, também, que as lições retiradas de
fracassos e sucessos sejam compartilhadas para o aprendizado de todas as
295
Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição
organizações da rede, já que o planejamento é realizado por cada regional
e posteriormente compartilhado em reuniões nacionais, coordenadas pelo
departamento nacional. A estrutura federativa flexível e autônoma propicia a
renovação e permite o atendimento de necessidades específicas.
Dentro do Sistema S o SENAC é a “instituição de educação profissional
do setor de comércio, bens, serviços e turismo” (BRASIL. MINISTÉRIO
DO TRABALHO E EMPREGO, 2013a) e, por esta razão, tornou-se a
instituição comparável com as ONG executoras, já que os cursos oferecidos
pelas ONG no âmbito do Programa Juventude Cidadã-PE contemplaram o
setor do comércio.
As diferenças observadas entre as ONG executoras e o SENAC-PE
fazem parte de uma construção histórica em relação ao tempo de existência
das instituições. Assim, enquanto a ONG executora entrevistada mais antiga
tem 15 anos de atuação, o SENAC já completou mais de 60 anos.
Some-se a isto a garantia constante de receita para o SENAC-PE
durante esse período, por meio da contribuição compulsória, permitindo
melhor gestão do fluxo de caixa para a construção e montagem da sua
própria estrutura, com infraestrutura apropriada para a oferta dos cursos,
desenvolvimento de materiais didáticos e de currículos próprios e aquisição
de equipamentos adequados, o que resultou na construção da imagem que
está consolidada na sociedade sobre a qualidade dos serviços oferecidos pelo
SENAC-PE.
Quanto ao planejamento institucional, as ONG executoras e o
SENAC-PE se aproximam bastante, por realizarem planejamento anual e
com envolvimento de diversos setores e colaboradores, mesmo que no caso
das ONG executoras o planejamento esteja mais voltado para as questões
operacionais dos projetos do que para a estratégia, no sentido de manter a
instituição fiel à sua missão.
Os cursos ofertados pelas ONG são, em geral, pautados pela orientação
do governo, por meio de editais que determinam desde o tipo de curso até
a quantidade de horas-aula, o número de alunos em sala, a divisão da carga
horária e as modalidades de inserção, o que fragiliza as instituições no que diz
respeito à sua autonomia político-pedagógica.
296
Mariza Soares
No caso do SENAC, os cursos não são pautados pelo Governo, e sim pela
demanda do mercado verificada a partir de pesquisas realizadas pela Central de
Oportunidades Profissionais do Egresso (COPEG) e por cada departamento
com os alunos concluintes dos cursos. Os cursos são modulados, “buscando
flexibilizar sua organização e possibilitando ao aluno saídas intermediárias ao
final de determinados módulos”. (ARAÚJO, 2008, p. 60).
Os Departamentos Regionais de todo o país têm autonomia
quanto ao lançamento de novos cursos, desde que estejam
alinhados ao Decreto 5.154/2004, o que permite ao aluno
a construção de seu itinerário profissional. Assim, o aluno
pode iniciar seus estudos no nível de Aprendizagem e seguir
para os outros níveis, sendo aproveitadas as suas competências
adquiridas na modalidade anterior. (ARAÚJO, 2008, p. 62).
O modelo de itinerário formativo é uma vantagem comparativa da
estruturação de cursos oferecidos pelo SENAC-PE em relação aos cursos
oferecidos pelo governo e executado pelas ONG. Se fosse possível seguir a
mesma lógica, os beneficiados seriam os jovens que já passaram por cursos
oferecidos pelo governo, no âmbito da política pública de geração de emprego
e renda e de qualificação social e profissional para jovens.
Em outros países experiências semelhantes vêm sendo implementadas.
O sistema alemão, com base em pesquisa realizada na década de 1980,
propôs o conceito de qualificações fundamentais, haja vista que o mercado
de trabalho indicava que os conhecimentos técnicos se tornavam obsoletos
devido às rápidas transformações ocorridas na estrutura técnica e econômica.
Assim, as novas qualificações exigidas
teriam que corresponder aos conhecimentos e destrezas que
não se restringissem a uma só profissão, mas tivessem um
espectro mais amplo. Este seria o caso de línguas estrangeiras
e capacidades formais de autonomia, flexibilidade e
transferibilidade. Além disso, capacidades comportamentais
como sociabilidade, cooperação, participação e organização.
(OIT, 1999, p. 86).
Na Espanha, “no ensino do ciclo formativo, se inclui, também, um
módulo de formação e orientação laboral que não tem relação direta com a
competência profissional.” (OIT, 1999, p. 93).
297
Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição
Segundo F. Vargas, consultor do Centro Interamericano para o
Desenvolvimento do Conhecimento em Formação Profissional (OIT, 1999),
os novos programas de formação devem conter transformações em sua
estrutura, que tende a ser de caráter modular; em seus conteúdos, para que
se movam em direção a conceitos de amplo espectro e de fortalecimento de
princípios básicos; e, finalmente, em suas formas de entrega, que comportam
novas estratégias pedagógicas para o processo de aprendizagem.
Competências Inter profissionais - necessárias a qualquer
trabalhador. Estão relacionadas com as questões e desafios
do mundo do trabalho, a pesquisa de dados, a utilização dos
recursos tecnológicos, a preservação do meio ambiente, a ética
das relações humanas, a saúde e a segurança no trabalho, o
direito individual e o dever para com o coletivo. (SENAC,
2004, p. 33).
Mesmo não sendo o ponto principal deste artigo, a dimensão da
empregabilidade é fundamental na política de qualificação social e profissional
para jovens. No entanto, não foi possível obter dados comparáveis entre o
SENAC e as ONG, pois o SENAC parte da premissa da busca espontânea, o
que não inclui a obrigatoriedade de promover a inserção. Isto não significa que
a organização não esteja preocupada e ocupada com o mercado de trabalho,
tanto que a demanda por inserção levou o SENAC a estruturar a COPEG.
Informações obtidas durante a entrevista revelam que, em 2009, a COPEG
encaminhou ao mercado de trabalho 7.673 pessoas, das quais 2.493 foram
efetivadas, o que corresponde a 32% de colocados.
Ao se considerar a soma das vagas oferecidas nos cursos destinados à
prática do comércio, incluindo o empreendedorismo e a economia solidária,
observa-se que o Juventude Cidadã ofereceu mais de 38,5% do total de vagas
para a área de vendas, o que evidencia que este é o curso mais demandado ou,
no mínimo, o mais ofertado.
As entidades executoras do Juventude Cidadã 2008 (Projovem
Trabalhador) foram bem-sucedidas em inserir uma parcela significativa dos
jovens no mercado de trabalho após o curso, chegando a 46%. Esse dado
demonstra que os objetivos do Programa foram alcançados, mesmo que o
total de 46% de inserções não possa ter sido comprovado pelas entidades
executoras durante a vigência do contrato.
298
Mariza Soares
Como explicado, as entidades executoras precisam cumprir a meta
contratual de inserir no mercado de trabalho 30% dos jovens qualificados.
Para alcançar a meta estabelecida pelo Programa no prazo contratado, observase, ainda que empiricamente, que as ONG utilizam a prerrogativa das formas
de inserção estabelecidas pelo Programa para incluir jovens na modalidade de
“formas alternativas de ocupação e geração de renda”, mediante a distribuição
de kit contendo objetos compatíveis com o curso que foi oferecido. Por
exemplo, se o curso é de Esporte e Lazer, o jovem pode receber um kit
contendo bambolê, apito etc., ao passo que em um curso de Manutenção de
Computadores o jovem recebe um kit contendo algumas ferramentas básicas
utilizadas nesse ramo. Portanto, se o prazo dado às ONG fosse compatível
com o tempo necessário para se fazer uma inserção de qualidade, mesmo que
em um trabalho informal, o próprio governo se beneficiaria ao reportar os
resultados alcançados.
No manual de execução do Juventude Cidadã, distribuído em evento
realizado pelo MTE em Brasília, no ano de 2008, tem-se a seguinte resposta
para a pergunta nº. 24: “Por quanto tempo o jovem tem que ficar empregado?”
Não há uma exigência de período de permanência do jovem na
empresa. O contrato de trabalho é por tempo indeterminado.
O que não pode acontecer é a demissão do jovem após um curto
período de contratação. (Um a três meses sem uma justa causa).
(BRASIL. MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO,
2008, p. 4).
Entretanto, não foi possível encontrar, nos documentos pesquisados,
a quem é atribuída a responsabilidade pelo acompanhamento do jovem
no mercado de trabalho, muito menos como isso deve ser feito nos casos
de inserção na modalidade de formas alternativas de ocupação e geração de
renda. Essa atribuição de monitoramento seria extremamente pertinente, já
que ao se tratar da inserção de jovens no mercado de trabalho a preocupação
não deveria se restringir à quantidade, mas também à qualidade da inserção,
orientando-se pelas diretrizes da OIT sobre trabalho decente. Na Oficina
Técnica sobre Trabalho Decente e Juventude, realizada pela Secretaria Nacional
de Juventude, em Brasília, de 19 a 20 de novembro de 2009, no âmbito da
Reunión Especializada de la Juventud del Mercosur, a OIT definiu o trabalho
decente como “uma ocupação produtiva e adequadamente remunerada,
exercida em condições de liberdade, equidade e segurança, e que seja capaz de
garantir uma vida digna.”
299
Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição
Assim, quando se analisa a forma como os jovens estão sendo inseridos
no mercado é necessário questionar se essa forma pode ser considerada
trabalho decente, ou seja, se os jovens estão assegurados pela previdência
social e amparados pelos demais direitos trabalhistas, principalmente quando
se encontram em condições de trabalho similares às relatadas abaixo:
Tem aquela venda de feira do dia a dia, onde muitos alunos
foram inseridos, eles empreenderam, tem muitos que
empreendem pequenos negócios, a gente tem alunos que até
hoje vendem calcinha, sutiã, essas coisas assim, em função do
trabalho que foi feito. (SOARES, 2010, p. 81).
Não se pretende aqui externar qualquer juízo de valor contra a profissão
de vendedor ou feirante. Ao contrário, já que muitos empreendedores nessa
área obtêm sucesso financeiro e renda suficiente para manter uma vida digna.
Mas não é possível afirmar que um jovem que vá trabalhar na feira tenha
garantias sociais e trabalhistas e que seu futuro profissional e educacional não
será comprometido ou fadado a uma eterna inclusão precária.
Com a análise que foi realizada percebeu-se que ainda há muito que
se avançar na política pública de geração de emprego e renda por meio da
qualificação social e profissional para o segmento jovem da sociedade, e que
as ONG devem buscar diversificar suas fontes de financiamento, bem como
pleitear maior participação e envolvimento não só na execução dos programas
públicos como meras prestadoras de serviços, mas também como atores
políticos importantes na concepção desses programas.
A contribuição das ONG tem sido de grande importância para a
evolução da política de qualificação social e profissional, talvez mais social
que profissional. Embora não seja objetivo das ONG substituir a ação
governamental, sem a sua contribuição seria inviável o governo beneficiar
tantos jovens em apenas um ano de execução do Programa. De qualquer
forma, não se pode perder de vista que o papel das ONG é bem mais amplo:
As ONGs deveriam buscar acompanhar criticamente as
políticas do governo, questionar as ações do Estado, apontar
falhas, propor novos modelos de gestão pública e reivindicar
a participação na elaboração das políticas públicas. É nesse
sentido que se mostram ameaçadoras, pois ao colocar em
prática projetos sociais inovadores, podem provar que é possível
300
Mariza Soares
administrar melhor os problemas enfrentados pela população.
(CAMBA, 2009, p. 52).
A título de contribuição, o capítulo seguinte apresenta sugestões para o
aprimoramento dos programas públicos de qualificação social e profissional
para jovens em busca do primeiro emprego como forma de inclusão social
e produtiva.
Contribuições para Aprimoramento da Política de Qualificação
Profissional de Jovens para o Primeiro Emprego
Foi possível verificar que, ao implementar um Programa da magnitude
do Juventude Cidadã (Projovem Trabalhador), o governo promove a geração
de trabalho e renda no terceiro setor para múltiplos atores, tais como:
educadores, coordenadores de projetos, merendeiras e auxiliares diversos,
fazendo do terceiro setor uma alternativa viável para vários tipos de profissões
e profissionais. Esse fato poderia ser considerado como resultado positivo do
modelo de gestão adotado pelo governo.
Para Campagnac (2006), as ONG são agregadoras de pessoas com
visão de futuro e projeto político, além de constituírem reserva de capital
profissional. Assim, o Estado desempenha dois papéis distintos com a
execução de programas públicos de qualificação: por um lado, capacita jovens
que levarão um tempo considerável para serem absorvidos pelo mundo do
trabalho, tanto pela pouca qualificação quanto pela falta de experiência, já que
“a capacidade de trabalho [...] nada é, se não se vende” (MARX, 2002, p. 202)
e “[...] de modo que alcance habilidade e destreza em determinada espécie
de trabalho e se torne força de trabalho desenvolvida e específica, é mister
educação ou treino [...]” (MARX, 2002, p. 204); por outro lado, fomenta
a manutenção da reserva de capital profissional por meio da exposição dos
trabalhadores do terceiro setor a atividades práticas nas áreas de qualificação e
administração, proporcionando um treinamento constante.
Os jovens qualificados pelos programas públicos de qualificação social e
profissional geralmente não têm experiência profissional e, portanto, estão em
busca da primeira oportunidade de trabalho, ou seja, do primeiro emprego.
Sendo assim, é preciso continuar refletindo e aprimorando as formas
de se qualificar essa camada da sociedade para sua participação efetiva no
301
Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição
mundo produtivo, seja por meio do trabalho formal ou até mesmo pela
geração de renda, seja por meio de atividades empreendedoras. No entanto,
mais que qualificar os jovens para um trabalho que nem sempre garante os
direitos trabalhistas básicos, seria importante ampliar os investimentos na
qualificação desses jovens para a vida, além do exercício de uma profissão,
pois em muitos casos os empresários preferem realizar o treinamento
profissional com os jovens no ambiente de trabalho, ou seja, na própria
empresa.
Em conversa com empresários sobre este tema, ouviu-se que ao
contratarem um jovem de primeiro emprego procuram “boa postura,
comprometimento, seriedade, vontade de crescer na empresa e saber lidar
com outras pessoas” (Breno Accioly, Gerente do Carrefour). (SOARES, 2008,
p. 107). Isto é parte da qualificação social.
Para o SENAC,
não se trata apenas de qualificar para o trabalho em si, mas
de formar para a vida na qual também se insere o trabalho
nem sempre como foco fundamental da existência, com
uma flexibilidade e um alcance suficientes para que se possa
enfrentar o emprego, o desemprego e o auto emprego. (PAIVA
2006 apud SENAC, 2004, p. 15).
Com as mudanças ocorridas no Programa Juventude Cidadã, o atual
Projovem Trabalhador oferece apenas 100 horas dedicadas ao que está
denominado de qualificação social, contemplando conceitos básicos sobre
direitos humanos, cidadania e conhecimentos para a vida em sociedade.
Segundo o SENAC (2004, p. 34), “não se desenvolvem competências
profissionais a partir da mera aplicação instrumental dos conteúdos ou sem
incluir o exercício de atividades concretas de trabalho”. A compreensão dos
riscos e das potencialidades contidas no sistema modular se coloca como
indispensável para todos os que estão comprometidos com a construção de
um novo caminho para a educação profissional, voltado para a qualificação
social dos trabalhadores. Esse caminho, sem dúvida, exigirá das instituições
de educação profissional
maior reflexão sobre questões como índole, caráter,
solidariedade, responsabilidade e outros atributos da formação
302
Mariza Soares
da personalidade, além daqueles já demandados pelos novos
paradigmas de organização do trabalho (SENAC, 2004, p. 41).
O próprio MTE reconhece que
as experiências em qualificação e educação profissional acumuladas pelos sindicatos e por outros movimentos sociais é um
ponto de partida para a democratização e a reformulação das
políticas públicas de trabalho e de educação. (LIMA; LOPES,
2005, p. 37).
A pesquisa confirmou, tanto nas falas dos alunos entrevistados como
nas de empresários e das próprias entidades executoras, o que já está posto
pelos diversos autores citados, ou seja: é preciso ir além da qualificação para o
trabalho; é necessário qualificar para a vida - o que o MTE já reconhece como
uma expertise dos sindicatos e dos movimentos sociais.
A flexibilidade nos ajustes com os atores dos serviços descentralizados é
uma das condições para se obterem melhores resultados. Assim, abandona-se a
visão legalista contratual e parte-se para a negociação, para o trabalho realizado
em parceria. Este é o caminho que deve ser trilhado pela administração para
chegar à modernidade exigida pela sociedade. Prevalece o fim, diminuindo-se
a importância dos meios.
Considerando o reconhecimento do próprio MTE ao declarar que
organizações, sindicados e movimentos sociais já acumularam experiência na
execução de programas de qualificação social e profissional, essas instituições
poderiam ser convidadas a participar da reformulação do programa para anos
seguintes. Isto poderia acontecer pelo menos anualmente, por meio de um
evento organizado pelo MTE para avaliar as experiências e colher subsídios
para as novas etapas do Programa.
A qualificação social pode ser definida por meio da promoção de ações
que contribuam para a formação holística do indivíduo, dando-lhe acesso a
conhecimentos importantes para a vida em sociedade e permitindo que se torne
sujeito de direitos, partindo não apenas de aulas teóricas, mas criando situações
reais de aprendizado, tais como atividades que permitam o acesso à cultura.
A qualificação profissional do Projovem Trabalhador, como já
mencionado, poderia incorporar a metodologia de itinerário formativo
303
Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição
adotada pelo SENAC. Com isto, ao final da completa realização dos cursos
de um arco ocupacional o jovem poderia ser certificado na profissão cursada.
Mesmo não sendo a Classificação Brasileira de Ocupações (CBO)
um instrumento de certificação, este tem sido o principal instrumento para
criação e desenho das políticas de qualificação. Portanto, como contribuição,
propõe-se que o curso de Vendedor de Comércio Varejista (vestuário) esteja
dentro de um novo arco, denominado “Operadores do Comércio em Lojas
e Mercados”, de acordo com a Ocupação 5211 do CBO2002, e que o curso
de Assistente de Vendas (automóveis e autopeças) seja incorporado ao arco
“Técnico de Vendas Especializadas”, de acordo com a Ocupação 3541 do
CBO2002.
Após o cumprimento de todo o ciclo da formação social os jovens
poderiam receber formação básica pertinente à família das ocupações acima
listadas e, depois disso, fazer cursos de curta duração que permitissem o
aprimoramento nas áreas específicas.
Seria importante incorporar ao Programa um sistema de mérito com a
realização de avaliação, mesmo que esta se realizasse por empenho, e não por
desempenho.
Os educadores são peças-chave para enfrentar os desafios diários da
qualificação de jovens. Neste sentido, a criação de um programa de formação
continuada e certificação para educadores sociais seria de extrema valia para
os profissionais que atuam nessa área, pois
para que se garanta a qualidade na educação, é necessário
garantir a interligação de conteúdos, das escolhas metodológicas
mais adequadas, a gestão democrática, a formação contínua de
profissionais e dos recursos humanos, o aumento dos recursos
financeiros, sem os quais não há mudança e nem transformação
possível. (CAMBA, 2009, p. 53).
A dificuldade que as organizações encontram para alcançar a meta
estabelecida pelo governo de inserção de 30% dos jovens qualificados está, em
grande parte, atrelada ao prazo extremamente curto para o seu alcance. Em
geral, os cursos ainda estão sendo concluídos quando os prazos estabelecidos
nos contratos firmados entre as ONG e o governo estão se encerrando,
incluindo-se aí o tempo para a inserção.
304
Mariza Soares
No caso específico do Programa Juventude Cidadã, o prazo para o
processo de inserção era de apenas 75 horas, ou seja, menos de 10 dias. No
atual Projovem Trabalhador é de 2 meses após a formação. Nossa proposta é
que o governo estabeleça um prazo maior, pois assim não só as organizações
poderiam cumprir as exigências contratuais com mais qualidade, inserindo
mais jovens em empregos formais, mas também o próprio SINE poderia
melhorar seus indicadores de intermediação.
É preciso encontrar alternativas para viabilizar a busca pelo
emprego, pois embora os jovens concluam a formação, muitas vezes não
têm condições financeiras para continuar procurando trabalho. Silva et
al. (2004, p. 48) afirmam que “a obtenção de uma vaga no mercado de
trabalho requer, dentre outros fatores, a exposição do trabalhador a vários
processos seletivos, o que demanda tempo e implica custos financeiros.”
Uma sugestão para minimizar o problema exposto no parágrafo anterior
é diluir o valor total do auxílio financeiro em mais parcelas ou simplesmente
alocar parcelas para depois da conclusão do curso, facilitando o deslocamento
dos jovens, após a formação, em busca de vagas no mercado de trabalho. Hoje,
o benefício cessa com o fim da qualificação, não contemplando os gastos
incorridos nem na busca pelo emprego nem no primeiro mês de trabalho, tais
como pagamento de fotografias 3x4, cópia de documentação, transporte etc.
Com relação ao padrão de execução para aquelas organizações que
realizaram cursos em municípios da Região Metropolitana do Recife e do
interior do Estado, percebeu-se que os jovens do interior consideraram
suficiente a formação que lhes foi oferecida, mesmo quando não foi possível
ministrar as aulas de informática por falta do laboratório e de conexão à
internet. Entretanto, essa aceitação não se repete na Capital, onde talvez o
maior acesso dos jovens à informação aumente o seu grau de exigência. Esses
jovens tendem a se mostrar insatisfeitos com o que é oferecido pelo governo e
pelas executoras. Assim, propõe-se que seja definido um padrão de estrutura
necessária na oferta dos cursos.
Não se teve a pretensão de esgotar todas as possibilidades na busca de um
modelo de gestão para a qualificação profissional executada por ONG, muito
menos de encontrar respostas para todos os desafios a serem enfrentados pela
política pública de juventude, mas sim de contribuir com questionamentos
305
Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição
que merecem reflexão para continuar o avanço rumo à inclusão social de jovens
também no trabalho, sem restringir o acesso à educação e à continuidade do
crescimento pessoal.
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dispositivos das Leis no. 9.608, de 18 de fevereiro de 1998, 10.748, de 22 de
outubro de 2003, 10.940, de 27 de agosto de 2004, 11.129, de 30 de junho
de 2005, e 11.180, de 23 de setembro de 2005; e dá outras providências.
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306
Mariza Soares
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Mariza Soares
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309
QUALIFICAÇÃO DE JOVENS PARA O TRABALHO: UMA
EXPERIÊNCIA DE COMBATE À POBREZA
Francisco Horácio da Silva Frota1
Maria Andréa Luz da Silva2
Introdução
A superação da pobreza tem ocupado uma posição central na construção
das democracias latino-americanas. No Brasil, tem sido uma prioridade
nacional o combate a uma desigualdade que tem raízes profundas e que,
não sendo equacionada, distancia o País de qualquer projeto civilizatório.
Portanto, várias são as tentativas de enfrentamento dessa problemática: o
presente artigo trata de uma delas, da síntese avaliativa da experiência do
Fundo de Combate à Pobreza (FECOP), iniciativa do governo do Ceará.
O referido Fundo constitui uma tentativa de promover transformações
estruturais que possibilitem às famílias que estão abaixo da linha da pobreza
o ingresso no mercado de trabalho e o acesso à renda e aos bens e serviços
essenciais através da ampliação de investimentos em capital social, físicofinanceiro e humano.
O processo avaliativo verificou os efeitos e os impactos que foram
gerados pelo Projeto E-Jovem - 1º Passo, experiência financiada pelo FECOP
junto a populações caracterizadas por um elevado grau de vulnerabilidade
social. A experiência aqui relatada é parte de um estudo maior que resultou na
Sociólogo; doutor em Sociologia pela Universidad de Salamanca - Espanha; professor da
Universidade Estadual do Ceará (UECE).
2 Socióloga; mestre em Políticas Públicas; doutoranda em Democracia para o Século XXI pela
Universidade de Coimbra.
1
311
Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição
avaliação qualitativa e quantitativa de tal Projeto. Os resultados demonstraram,
em conformidade com o entendimento dos técnicos e dos jovens atendidos
pelo projeto, contribuição na qualidade de vida de uma parcela muito
pequena da população carente do Ceará. No entanto, para os beneficiários, o
projeto oportunizou não só mudanças no comportamento, mas também no
relacionamento com a família e experiências de cooperação. Os indicadores
quantitativos e qualitativos apontaram que o objetivo principal foi atingido:
qualificação para o mercado de trabalho.
Contudo, a experiência também aponta que embora os resultados
tenham sido avaliados positivamente no contexto dos beneficiários diretos
do projeto, tais benefícios não foram capazes de gerar impacto positivo no
conjunto geral da população da qual tais jovens são parte integrante.
Os dados de tal avaliação remetem o estudo à discussão sobre
conceituação de pobreza, exclusão, desemprego e desigualdade social, bem
como à identificação de quem são e como vivem os pobres das diversas
regiões do mundo. No campo da mesma discussão, o desafio de pensar
políticas públicas capazes de enfrentar esse problema universal.
Pobreza, Exclusão e Desemprego
Pobreza, exclusão e desemprego são conceitos que identificam situações
específicas de economias em crise, mas que também estão intimamente
relacionados aos processos de desenvolvimento.
Pobreza é um conceito de difícil elaboração, podendo ser definido
de forma mais abrangente, como faz Rocha (2008), quando diz se tratar
da situação na qual as necessidades não são atendidas de forma adequada.
Exige, portanto, segundo a autora, outras definições para explicitação do
entendimento do que sejam essas necessidades.
A complexidade de tal conceito e as dificuldades políticas que existem na
superação das mesmas decorre de distintos fatores. Algo que vem ficando cada
vez mais claro, contudo, é o fato de o simples desenvolvimento de um País
não garantir a superação de elevados índices de pobreza. Portanto, sociedades
desenvolvidas convivem com o status de sociedades desiguais. O relatório da
CEPAL (2008, p. 78), afirma:
312
Francisco Horácio da Silva Frota e Maria Andréa Luz da Silva
[...] o objetivo maior do desenvolvimento é o bem-estar
social, com ênfase nos direitos humanos, nas liberdades e na
participação política; o crescimento econômico não é um fim
em si mesmo, mas um meio para atingir esse objetivo.
Pensar o desenvolvimento de forma inclusiva tem sido um desafio
das sociedades modernas. Neste sentido, se constituiu em ganho para o
entendimento de tal necessidade o posicionamento que vem sendo adotado
pela Organização das Nações Unidas (ONU) e pelo Banco Mundial
(BM). Muito significativa também tem sido a linha de entendimento da
Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
(UNESCO) na redução da pobreza e na luta contra as desigualdades,
destacadamente quando estabelece a luta contra a pobreza como uma das
prioridades do seu Programa de Ciências Humanas e Sociais. (WERTEIN;
NOLETO, 2003).
Segundo o IPEA (2009), todos os 191 Estados Membros das Nações
Unidas se comprometeram a erradicar a extrema pobreza e a fome. Os
documentos do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
(PNUD) afirmam que até 2015, segundo estimativas do Banco Mundial,
a taxa global de pobreza (renda) é projetada ao redor de 15%, ligeiramente
acima dos 14,1% previstos antes da crise financeira mundial, mas ainda
superando as metas graças a ganhos acumulados no passado. (PNUD,
2013).
O relatório da ONU (2001, p. 1) sobre a pobreza no Brasil, de março
de 2001, entre outras recomendações já destacava:
[...] o Brasil, nos últimos anos progrediu muito nas suas
políticas sociais e nos respectivos indicadores, sobretudo nas
áreas de saúde e educação.
[...] a pobreza continua inaceitavelmente alta para um país
com níveis de renda média do Brasil. Os casos mais graves de
pobreza associada à insuficiência de renda concentram-se na
região Nordeste e nas áreas rurais e urbanas menores.
[...] se o Brasil atuar de forma decisiva poderá alcançar as metas
ambiciosas de melhoria em seus indicadores sociais, inclusive
o objetivo de reduzir em 50%, até o ano de 2015, a taxa de
pobreza extrema.
313
Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição
O referido relatório teve como norte uma abordagem estendida do que
seja pobreza, haja vista que a tratou como a inexistência de bem-estar para
segmentos importantes da sociedade. Esse entendimento se refere não apenas
à insuficiência de renda e consumo, mas também às carências de dois tipos
distintos e complementares: primeiro, as necessidades como educação, saúde,
nutrição, moradia e segurança; segundo, as necessidades relativas a uma maior
inclusão com a possibilidade de se fazer ouvido e participativo.
Isso tudo porque o Brasil é um país rico, porém desigual. Embora
a desigualdade seja comum em todas as estruturas sociais, o fosso social
do Brasil é de natureza estrutural. O processo de formação social do País
foi alimentado por uma elite privilegiada que sempre se beneficiou de um
grande contingente de excluídos. Os estudos da CEPAL, na década de
1950, já registravam que o fenômeno da pobreza do País se reproduzia
como resultado de uma lógica perversa na qual a política de exportação de
produtos primários favorecia aos exportadores em detrimento do conjunto
da sociedade. (FURTADO, 2009).
A baixa capacidade de consumo da grande maioria da sociedade se
associou às péssimas condições de vida, à reduzida taxa de escolaridade, às
precárias condições de saúde e, acima de tudo, à debilidade na consciência
cidadã. Todos esses fatores se potencializam na segmentação da sociedade
e influem nos elevados índices de pobreza. Nesse sentido, o fenômeno da
desigualdade social se materializa na contradição entre os que podem tudo
e os que não podem nada. Em sociedades profundamente divididas, como
a do Brasil, a pobreza e a exclusão estão profundamente interligadas. O
desemprego alimenta a pobreza e as péssimas condições de vida de grande
parte da população. Essa massa de excluídos, por sua vez, não se incorpora ao
mercado consumidor e, muito menos, participa da sociedade com o status de
cidadania.
Exclusão, como apontam os mais diversos estudos sociológicos, significa
somar perdas e conviver com a falta de reconhecimento (CASTEL, 1999, 2000;
DEMO, 1998; DUPAS, 1999; SPOSATI, 1999). Uma sociedade que tem a
exclusão no desenho estrutural de sua formação convive com desintegrações
de todos os tipos. A exclusão de grande parte da sociedade, conforme vem
sendo observado, provoca um rompimento dos valores individuais criando
perda dos laços de solidariedade, aparecimento de famílias mais vulneráveis
314
Francisco Horácio da Silva Frota e Maria Andréa Luz da Silva
e enfraquecimento das redes de ajuda mútua. (RODRIGUES, et al., 1999).
Baseado em dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE), Censo de 2010, o Brasil ainda possui 16,2 milhões de pessoas em
situação de pobreza extrema3. Segundo os últimos dados do mesmo Censo,
estudos da Fundação Getúlio Vargas indicam que a desigualdade de renda no
Brasil caiu para um patamar histórico nos anos 2000. Significa, por conseguinte,
uma recuperação positiva com relação ao aumento da desigualdade verificada
nos anos 1960 e 1980, o que ainda não é suficiente para o País apagar sua
marca estrutural. Os mesmos estudos citados anteriormente (FGV, 2013)
apontam: nos EUA, o índice de Gini, que mede a concentração de renda, é de
0,42, e o do Brasil, 0,534.
O estudo da FGV (2013) também mostrou que a elevação das taxas
de educação e os programas de distribuição de renda contribuíram para a
melhora dos resultados entre 2001 e 2009. Nesse período houve um aumento
de escolaridade de 55,6% entre os 20% mais pobres, e de 8,12% entre os 20%
mais ricos. Porém, o Brasil ainda tem índices semelhantes aos de Zimbábue,
na África.
A diretora da Organização Internacional do Trabalho (OIT) no Brasil,
em entrevista para um periódico nacional, alerta para um problema que está
associado ao quadro de pobreza do País:
Apesar de ter uma situação melhor do que países europeus –
que enfrentam o aumento do desemprego, sobretudo entre
jovens, por causa da crise econômica, – o Brasil ainda tem que
avançar no que se refere à oferta de oportunidades de trabalho
para a juventude. (LOPES, 2013).
A Organização Internacional do Trabalho (OIT), através do seu
documento Tendências Mundiais do Emprego Juvenil, 2012, calcula que em
todo o mundo há 75 milhões de jovens sem emprego. (OIT, 2012).
De acordo os dados do Censo 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatística (IBGE), o Estado do Ceará possui 1.502.924 moradores em
3 Pobreza extrema – segundo o Ministério do Desenvolvimento Social (MDS) são integrantes
dessa faixa da população aqueles que vivem com até 70 reais por mês.
4 Quanto mais próximo de um, maior a desigualdade.
315
Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição
situação de pobreza extrema. (IBGE, 2012). Comparando com outros estados
brasileiros, o Ceará é o sétimo da federação com maior percentual de pessoas
nessa condição.
Embora a OIT venha dizendo que a taxa de desemprego brasileira
na juventude tenha caído de 21,8% para 15,2%, entre 2007 e 2011 (OIT,
2012), a empregabilidade e o combate à pobreza entre os jovens vêm
sendo uma exigência da política nacional, e várias iniciativas estão sendo
implementadas.
No Ceará também tem havido redução de tais taxas. No entanto, o
número de indivíduos na situação de extrema pobreza é de 1.502.924, o que
implica a marca de 9,24% do total da população. (INFORME IPECE, 2011).
O Fundo Estadual de Combate à Pobreza (FECOP) como
Experiência a ser Testada e o Projeto Pró-Jovem Primeiro Passo
O Fundo Estadual de Combate à Pobreza (FECOP) foi criado pelo
governo do Estado do Ceará com parte dos recursos arrecadados dos impostos
estaduais. O seu objetivo maior vem sendo o de promover transformações
estruturais que possibilitem às famílias que estão abaixo da linha de pobreza
ingressar no mercado de trabalho e ter acesso à renda e aos bens e serviços
essenciais através da ampliação de investimentos em capital social, físicofinanceiro e humano.5
No intuito de contribuir com os Objetivos do Milênio, principalmente
no combate à pobreza, o Fundo tem procurado fortalecer o patrimônio
individual e social das áreas mais vulneráveis desenvolvendo ações em torno
de duas vertentes: assistência e criação de condições para uma efetiva migração
da condição de pobre para não pobre. (CEARÁ, 2013).
Nesta última vertente encontra-se o Projeto E- Jovem - 1° Passo, que
consiste basicamente no desenvolvimento de capital humano como forma de
ampliar as perspectivas de trabalho entre os jovens na faixa etária de 16 e 24
anos que se encontram em situação de risco social e vulnerabilidade.
5 O Fundo Estadual de Combate à Pobreza (FECOP) foi criado através da Lei Complementar
nº 37, de 26 de novembro de 2003, e regulamentado pelo Decreto nº 27.379, de 1º de
março de 2004.
316
Francisco Horácio da Silva Frota e Maria Andréa Luz da Silva
Linha de
atuação
Jovem
Bolsista
Operacionalização do Projeto (quais são as
partes envolvidas, como são contratadas, quais as
obrigações de cada uma)
Os jovens inseridos nessa modalidade não vão para as
empresas. O tempo no projeto é de quatro meses. Nesse
período participam de formação assistindo quatro módulos
de aulas.
Recebem do projeto: bolsa-capacitação, fardamento, lanche,
material didático e participam de cursos de iniciação
profissional no período de quatro meses.
O valor da bolsa-capacitação é de R$ 100,00 em Fortaleza, e
R$ 80,00 nos demais municípios cearenses. Essa remuneração
é paga pelo governo.
Jovem
Estagiário
Público-alvo
Estudantes da 8a e 9a séries
do Ensino Fundamental
ou EJA III e EJA IV.
Esta é a modalidade mais
comum nos municípios.
Estão inseridos neste
grupo os jovens egressos
de medidas educativas,
aqueles com menores
perspectivas de inclusão
social e oportunidades.
Jovem Estagiário I –
Essa modalidade divide-se em duas categorias. Jovem
estudantes da 1a e 2a séries
Estagiário I e Jovem Estagiário II ou Estágio Remunerado.
do Ensino Médio.
Essa modalidade conta com a parceria do IDT, das empresas e
das executoras. Estas executoras devem apresentar experiência
comprovada, capacidade física instalada para execução do
projeto, capacidade técnica e administrativo-operacional.
II –
O jovem selecionado para o projeto só assume suas Jovem Estagiário
a
série
do
estudantes
da
3
funções após publicação de seu nome no Diário Oficial e é
responsabilidade da empresa a rotatividade do jovem nos seus Ensino Médio, idade de
diferentes setores. As principais atividades são qualificação 18 a 24 anos, egresso de
social e profissional, articulação institucional, inserção no escola pública, com renda
mercado de trabalho, atividade laboral supervisionada, “per capita” familiar de até
pagamento de bolsa aprendizagem para os estágios. Os jovens ½ salário mínimo.
recebem do projeto: fardamento, auxílio transporte e seguro.
São remunerados pela empresa no valor de meio salário
mínimo (Jovem Estagiário I), ou pelo Governo do Estado no
valor de R$ 250,00 durante 6 meses (Jovem Estagiário II).
Jovem
Aprendiz
Os jovens são qualificados em cursos de iniciação profissional
e simultaneamente inseridos em empresas privadas, com
duração de 1 ano, nas áreas Alimentação, Administração,
Turismo e Auxiliar de Produção, totalizando uma carga
horária de 450h. A dedicação ao projeto é de 6 horas diárias,
sendo 2 para o curso e 4 para a empresa. Os cursos são
ministrados nos Centros Integrados Tecnológicos (CITs), na
Faculdade de Educação ou nas associações e podem ser feitos
pela manhã ou à tarde. A proposta é que o jovem tenha aulas
em local próximo à empresa onde ocorre o estágio.
Estudantes da 3a série
do Ensino Médio ou
adolescentes e jovens de
baixa renda, na faixa etária
de 16 a 24 anos.
Os jovens recebem do projeto: fardamento, lanche, material
didático. Remunerados pela empresa.
(Apoia-se na Lei da Aprendizagem no 10.097, de 2000, e na
Lei 11.782/2008 – Lei do estágio).
Quadro 1 - Descrição das Linhas de Atuação do E-Jovem Primeiro Passo
Fonte: Dados de 2011 da Secretaria do Trabalho e Desenvolvimento Social do Estado do
Ceará.
317
Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição
O projeto está estruturado em três linhas de atuação: Jovem Bolsista,
Jovem Estagiário, e Jovem Aprendiz. As especificidades de cada uma estão
descritas no Quadro1.
A proposta de qualificar jovens para o mundo do trabalho e contribuir
para a superação da vulnerabilidade social da comunidade é um dos desafios
das políticas públicas do Ceará com o apoio do FECOP. Portanto, para que
o trabalho seja considerado impactante no sentido dos objetivos maiores
do Fundo é importante que os resultados caminhem em direção não só do
combate à pobreza, mas também do que a OIT considera como trabalho
decente: a experiência deve contribuir para a criação de empregos, ampliação
da proteção social, respeito aos direitos trabalhistas e existência de espaços
e mecanismos de diálogo social que envolva governos, empregadores e
trabalhadores.
Aspectos Metodológicos da Avaliação Específica do Projeto EJovem Primeiro Passo
A avaliação dos projetos tornou-se necessária como um instrumento
de políticas públicas. O monitoramento é importante para averiguar tanto
os impactos efetivos dos projetos sobre indivíduos, famílias e/ou instituições
quanto para possibilitar a sua reprodução como forma de contribuir para a
superação da pobreza. A utilização de metodologias quantitativas e qualitativas
tem o intuito de obter um diagnóstico mais próximo da realidade que vem
sendo posta em prática.
O processo avaliativo que está sendo apresentado sinteticamente foi
realizado por meio de consultas a documentos, realização de grupos focais
e entrevistas. O estudo dos documentos dos projetos foi necessário para
complementação de dados e aprofundamento dos estudos que foram realizados
por meio de outros instrumentos6. Foram estudados os cadastros dos jovens,
das executoras e das empresas, além dos relatórios dos cursos e dos convênios.
6
O estudo que está sendo comentado neste artigo se encontra na bibliografia com o título
“Avaliação de resultados e impactos de projetos financiados pelo Fundo de Combate à
Pobreza”, com destaque para as investigações quantitativas (aplicação da metodologia
Propensity Score Matching), desenvolvidas pelos coautores da pesquisa, Profº. Dr. Ahmad
Saeed Khan, Profª. Drª. Patricia Verônica Pinheiro, Profº. Dr. Sales Lima, e Profº. Dr.
Samuel Façanha.
318
Francisco Horácio da Silva Frota e Maria Andréa Luz da Silva
A pesquisa utilizou dados primários e secundários. Os dados de
origem primária foram obtidos por meio da aplicação de questionários junto
aos beneficiários e não beneficiários do projeto nas três linhas de atuação,
da realização de entrevistas junto a gestores e representantes de entidades
executoras e empresas, além da realização de grupos focais.
A aplicação dos questionários ocorreu nos municípios de Fortaleza,
Juazeiro do Norte, Sobral, Crateús, Maranguape e Horizonte. O critério de
escolha de tais municípios foi, basicamente, o número de beneficiários do
projeto no local.
Os dados de origem secundária foram obtidos junto às instituições
responsáveis pelo programa. O corte temporal foi o ano de 2010 (2011 se
encontrava em curso e os anos anteriores tinham sido executados por distintas
associações).
O grupo de não beneficiários foi definido por jovens da mesma idade,
da mesma série e da mesma escola dos beneficiados, o que implica uma
amostragem do tipo não aleatória. O tamanho da amostra foi definido por
meio de procedimento estatístico.
A população e o tamanho da amostra foram definidos segundo a
expressão:
Z 2 . p.q.N
n0  2
e ( N  1)  Z 2 . p.q
Sendo:
Universo 5.470 jovens do projeto (N1+N2+N3), distribuídos nos municípios
de Fortaleza, Sobral, Juazeiro do Norte, Crateús, Horizonte e Maranguape.
e= 5%
Z = 1,96 (nível de significância de 5%)
p= 50% e q=50%
Devido ao pequeno número de beneficiários nos municípios selecionados
(exceção de Fortaleza), optou-se por definir o tamanho da amostra nessas
localidades como 50% da população beneficiária local.
319
Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição
O tamanho da amostra para não beneficiários foi definido
acrescentando-se no mínimo 10% ao tamanho da amostra de beneficiários7.
Os não beneficiários foram pesquisados com os mesmos instrumentos dos
beneficiários para que se pudesse avaliar o impacto da intervenção no conjunto
da sociedade. Os dados obtidos foram tabulados no software Statistical Package
for the Social Sciences (SPSS).
Síntese dos resultados avaliativos
O processo avaliativo se desenvolveu junto a todas as formas de
apresentação do Projeto E- Jovem, ou seja, na forma de bolsista, estagiário e
aprendiz.
Os bolsistas avaliados eram estudantes da 8ª e 9ª séries do Ensino
Fundamental ou EJA III e EJA IV. Os dados primários da pesquisa apontaram
para um perfil de conformidade com os critérios de escolha dos jovens:
praticamente não existiu diferença entre os sexos; no tocante à idade, 10,25%
tinham 15 anos; 80,3% dos entrevistados tinham entre 16 e 18 anos; metade
dos bolsistas cursava, na época da entrevista, o EJA, IV; e 30,5% estudavam
na 9ª série do ensino fundamental.
A maioria dos entrevistados (85%) morava com os pais. Dos que não
moravam, 15% eram casados. No tocante às famílias, 86,8% são beneficiárias
do Programa Bolsa Família, e 13,2% do Bolsa Escola, o que demonstra a
prioridade do projeto para famílias com baixo poder aquisitivo no Ceará.
As mudanças no relacionamento pessoal dos entrevistados foram
registradas em conformidade com o Quadro seguinte:
Os estagiários avaliados se mantiveram no perfil especificado para a
seleção. Em 92,3% dos casos entrevistados, o entendimento é que melhoraram
as perspectivas para obtenção de um emprego formal. Os indicadores de
qualidade de vida também melhoraram. No tocante ao uso do serviço de saúde,
81,3% afirmaram que frequentam o Sistema Único de Saúde, e praticamente
a metade (48,3%) se beneficia com medicação gratuita. O uso sistemático
7
Escolha dos jovens beneficiários: filtro na base de dados dos beneficiados, considerando
município, escola e série. Escolha dos jovens não beneficiários: espelho - em relação aos
jovens beneficiados escolhidos, conforme dados disponíveis na escola.
320
Francisco Horácio da Silva Frota e Maria Andréa Luz da Silva
do SUS é feito principalmente por mulheres, e o nível de informação e
participação em campanhas de saúde é muito baixo (30,0%).
Tabela 1 - Distribuição Relativa dos Beneficiários do Projeto E-Jovem – 1º Passo /
Segmento Bolsista, segundo seus Relacionamentos Interpessoais após a Inserção no
Projeto
Piorou
Sem
alteração
Melhorou
Seu desempenho nas disciplinas na escola
0,0
24,9
75,1
Seu relacionamento com colegas da escola
0,0
38,0
62,0
Seu relacionamento com colegas fora da escola
0,0
40,3
59,7
Seu relacionamento com familiares
0,0
37,4
62,6
Seu relacionamento com professores da escola
0,0
35,7
64,3
Seu relacionamento com os vizinhos
0,0
56,7
43,3
Seu relacionamento na comunidade onde mora
0,0
36,1
63,9
Relacionamentos
Fonte: Dados da Avaliação a partir dos Dados de Frota et al. (2011).
As atividades escolares estão se realizando em conformidade com
os critérios de escolha dos participantes do Projeto. Cerca de 84,7% dos
entrevistados informaram que recebem de forma gratuita o seu material
didático. A metade dos participantes do Projeto (47,7%) utiliza de forma
sistemática a Internet e, nesse caso, a metade na própria casa e a outra
metade em lan house. Segundo as declarações dos jovens entrevistados, o uso
da Internet, em sua maioria, acontece para pesquisas escolares e de trabalho.
A maioria dos jovens entrevistados (62,3%) informa participar de
esporte, e 73,8% assistem aos eventos esportivos, sendo que 47% não
participam de atividades culturais.
Sobre as condições alimentares, 96,6% foram categóricos em afirmar
que os alimentos consumidos diariamente são suficientes para saciar a fome.
Contudo, 32,4% se pronunciaram dizendo que mesmo assim já deixaram de
fazer alguma refeição durante o mês por falta de alimento.
Os domicílios dos entrevistados possuem, em 100% dos casos, energia
elétrica, abastecimento d’água pela rede pública, e somente a metade dispõe
de saneamento com base em esgoto público.
321
Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição
Os bens de consumo possuídos pela família ou desejados pelo público da
avaliação foram por ordem de prioridade atribuída: televisão, fogão, geladeira,
celular, aparelho de som, computador, bicicleta, moto.
O nível de participação e envolvimento nas questões sociais ficou
distribuído em conformidade com as opções apresentadas na Tabela 2 seguinte.
Tabela 2 – Indicadores de Capital Social dos estagiários do Projeto E- Jovem – Primeiro
Passo
Indicadores
Sim
Não
Participação em algum trabalho coletivo
14,2
85,8
Participação em alguma associação ou sindicato
1,6
98,4
Participação em reuniões/encontros familiares
39,8
60,2
Expressa sua opinião em reuniões familiares / no trabalho /outros
82,5
17,5
Participação na organização dos eventos sociais
32,4
67,6
Fonte: Dados da Avaliação a partir dos Dados de Frota et al. (2011).
Os jovens aprendizes entrevistados afirmaram, em 84,9% dos casos,
que acreditam na melhora das perspectivas de emprego após o Projeto. Os
dados também apontam para uma melhor situação alimentar (em quantidade
e qualidade) e nas condições de vida. Nesse sentido, os dados da Tabela
seguinte mostram que houve melhoria na questão salarial.
Do ponto de vista individual, os estudos apontaram que houve
melhoria na qualidade de vida dos beneficiários do Projeto com relação aos
não beneficiários.
Avaliando qualitativamente o Projeto E- Jovem Primeiro Passo foi
percebido que de um modo geral os beneficiários são unânimes em afirmar
que a inclusão no projeto modificou o cotidiano de cada um deles. Todos
dizem que as alterações foram positivas, haja vista viverem anteriormente
sem grandes desafios e despreparados para o enfrentamento da vida adulta.
Nas falas registradas ficou evidente tal posicionamento. Muitos foram os
que registraram que o projeto veio ajudar não só na busca do emprego, mas
também nas relações de sociabilidade:
322
Francisco Horácio da Silva Frota e Maria Andréa Luz da Silva
Tabela 3 - Estatísticas Descritivas das Variáveis, Renda Mensal do Trabalho Permanente
e do Trabalho Temporário, Referentes aos Beneficiários e não Beneficiários do Projeto
E- Jovem Primeiro Passo (Aprendiz)
Variável
Linha de
atuação no Média
Projeto
Mediana
Desvio
padrão
Coefici- Estatística
Significânente de do teste t
cia
variação de Student
Renda
Beneficiário 894,83 545,00 462,96
mensal
(trabalho
Não Benpermanente) eficiário 767,92 545,00 341,90
(R$)
Renda
Beneficiário 609,76 545,00 446,05
mensal
Não
(trabalho
535,39 380,00 337,84
diarista)(R$) Beneficiário
51,74
44,52
3,26
0,000
1,42
0,570
73,15
63,10
Fonte: Dados da Avaliação a partir de Frota et al. (2011).
“O projeto veio me ajudar muito. Agora eu já posso ter um emprego.”
(Jovem estagiário 1).
“Claro que agora está muito melhor que antes.” (Jovem aprendiz 3).
“Eu ficava muito em casa com meus irmãos, agora tudo melhorou.
Estou conhecendo gente.” ( Jovem bolsista 8).
As relações familiares também foram afetadas positivamente pelo
projeto na medida em que os inscritos passaram a se relacionar com outras
pessoas e a ter perspectivas para suas vidas.
“Minha mãe vivia me ameaçando de botar para fora de casa [...] tudo
que eu fazia era ruim.” (Jovem bolsista 2).
“Eu brigava mais com meus irmãos.” (Jovem estagiário 10).
“Talvez mais calma do que no estágio.” (Jovem aprendiz 11).
A procura por uma vaga no Projeto foi, e ainda é grande. Não
necessita de campanha publicitária para conseguir seus candidatos. Tanto
os coordenadores e técnicos do projeto quanto os jovens beneficiários
destacam que o processo foi simples. Todavia, tiveram de se adequar a
um perfil definido previamente, no qual o principal critério foi o nível de
vulnerabilidade. Segundo os técnicos, o que falta são mais vagas no Projeto,
323
Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição
pois a demanda é muito grande tanto por parte dos jovens como dos seus
familiares:
“Tomei conhecimento através de um amigo que participava do projeto.”
(Jovem bolsista 1).
“Uma amiga que participou me avisou que estava tendo inscrições... A
minha amiga tinha sido estagiária. Outra amiga era aprendiz, também gostava
muito do projeto.” (Jovem estagiário 3).
“Eu cheguei ao projeto pela minha mãe que ficou sabendo através de
uma amiga” [...] (Jovem estagiário 4).
O Projeto gera esperança e ajuda os jovens a organizar o seu presente em
função das necessidades do mundo do trabalho. O grande desafio, segundo
os técnicos envolvidos no projeto, é ter nesse processo a compreensão e
colaboração não só da família como também da própria escola.
“Quando a família e a escola são parceiras do projeto tudo caminha
melhor. Aliás, é muito raro se chamar um pai para uma reunião e ele não
comparecer. As vagas aqui são muito concorridas.” (Técnico 9).
O Projeto foi visto pelos jovens como uma oportunidade para
mudança de vida e aprendizado voltado para o mundo do trabalho. Validam
o Projeto, reclamam por mais tempo e se acham modificados com relação à
vida antes de participar de tal experiência.
“O projeto deveria continuar. Porque logo que a gente se anima está
terminando.” (Jovem bolsista 3).
“Eu gostei de tudo, principalmente dos amigos que eu fiz.” (Jovem
estagiário).
“Eu conheci gente de muito bairro, até hoje ainda converso com eles. O
fato de eu ter amigos de bairros diferentes ajudou a diminuir o medo que eu tinha
de andar nesses bairros que são considerados violentos.” (Jovem bolsista 6).
O mesmo entendimento sobre o sentimento dos jovens com relação
ao Projeto também é partilhado pelos técnicos, quando afirmam que estar
no Projeto, vestir a blusa, é motivo de orgulho. A coordenadora do Primeiro
324
Francisco Horácio da Silva Frota e Maria Andréa Luz da Silva
Passo também salienta que o Projeto teve mais avanços do que entraves, e
justifica tal avaliação pelo que sente no contato com os jovens.
Eu considero que o projeto teve mais avanços do que entraves.
Avanços se fazem notar quando recebemos telefonemas diários
dos familiares dos jovens atendidos falando dos benefícios que
o projeto trouxe para os mesmos e suas famílias. (Coordenadora
do Projeto).
“O aprendiz é completo, tem o reforço no ensino básico, o curso
preparatório do IDT e a experiência na empresa. Tudo regulamentado por
Lei.” (Coordenadora do Projeto).
Outra unanimidade foi a validação da bolsa, considerado positivo o
fato de ter um dinheiro resultante de seu trabalho e não necessitar mais pedir
aos pais, comprar “suas coisinhas” e, em alguns casos, até ajudar diretamente
nos gastos da família.
“A bolsa foi muito boa. Eu agora não necessito pedir dinheiro ao meu
pai.” (Aprendiz 7).
“Com a bolsa eu passei a ter dinheiro para comprar minhas coisas.”
(Aprendiz 11).
“É muito boa... mas poderia ser maior.” ( Estagiário 10).
“Tinha que melhorar.” ( Bolsista 2).
Segundo a coordenadora do Projeto, até os empresários validam a
experiência.
Muitos empresários afirmam que é positivo trabalhar com
esses jovens porque podem prepará-los de conformidade com
os interesses e necessidades de suas empresas. Os jovens que
chegam à qualidade de estagiário e aprendiz não possuem vícios
de trabalho, portanto se ajustam melhor à forma de trabalhar
da empresa. (Coordenadora do Projeto).
Os jovens acreditam que os cursos contribuíram para o êxito do Projeto.
A maioria dos que se pronunciaram afirmou estar de acordo que os cursos
foram bem projetados. Todavia, fazem algumas considerações: deveriam ser
em maior número; os professores deveriam ser mais capacitados, e o local
325
Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição
de realização deveria ser mais próximo. Mesmo assim, são de opinião que os
mesmos os prepararam para enfrentar o mercado de trabalho.
“Os cursos nos prepararam para o estágio.” (Jovem estagiário 3).
“Mais ou menos. Estou aprendendo é no emprego.” (Jovem estagiário 10)
“Deveria haver mais oficinas de preparação. Eu sinto falta de maior
fundamento.” (Jovem estagiário 4 ).
No que se refere à preparação para o mercado de trabalho, os jovens,
em geral, dizem que foi algo marcante e que vai fazer diferença nas suas vidas,
mesmo quando reconhecem debilidades.
“Acredito que pode melhorar. A carga horária poderia ser melhor.”
(Jovem estagiário 9 ).
Algo a ser conquistado, segundo alguns jovens, é a compatibilidade das
atividades desenvolvidas na empresa com o que estava previsto no estágio.
“Estou trabalhando no que queria. Não sei se vou continuar.” (Jovem
aprendiz 9).
“O projeto nos deu a noção do primeiro trabalho. A maioria dos jovens
que entram no projeto não sabem o que fazer da vida. O projeto ajuda a
escolher o que fazer na vida.” (Jovem bolsista 1).
Sobre as implicações do projeto na continuidade da vida dos jovens que
participaram como bolsistas, estagiários e aprendizes, é algo difícil de avaliar
com maior precisão porque não existe um acompanhamento sistemático dos
egressos. Os técnicos e a coordenação afirmam que após o final do projeto
existe uma perda de contato que impede ter uma situação mais real do seu
impacto.
Os contatos existentes são decorrentes de procuras isoladas
desses próprios jovens com a Secretaria. Alguns deles vêm ao
projeto para falar onde estão e o que estão fazendo. Isso por
conta do vínculo formado com os profissionais. Mas nada
cadastrado ou sistematizado pelos técnicos. (Técnico 14).
326
Francisco Horácio da Silva Frota e Maria Andréa Luz da Silva
“Às vezes nós ligamos para a empresa e as empresas nos dizem.” (Técnico 9).
No entanto, os próprios jovens dizem conhecer egressos que foram
efetivados ao término do projeto, o que talvez justifique a esperança que
muitos jovens possuem com relação à possibilidade de serem efetivados.
“Eu estou esperando ser efetivado.” ( Jovem aprendiz 15).
“Às vezes eu quero acreditar que vou conseguir ser terceirizado.” (Jovem
aprendiz 2).
“Estou muito esperançoso, mas não é facil.” (Jovem aprendiz 11).
Mesmo assim, os jovens apresentaram sugestões para a melhoria do
Projeto:
“Melhorar os professores.” (Jovem aprendiz 12).
“Aumentar o número de palestras.” (Jovem estagiário 13).
“Garantir mais espaço para as pessoas com limitação física.” (Jovem
aprendiz 5).
“Professores melhor preparados para trabalhar com jovens.” (Jovem
estagiário 2).
No mesmo sentido os técnicos também apresentam sugestões de
melhoria para o Projeto:
“Superar as alternativas feitas pela amizade entre os técnicos e dos
técnicos com as instituições.” (Técnico 9).
Uma questão interessante que poderia ser implantada nos
cursos é a noção de empreendedorismo, pois poderia ajudar
até no imediatismo dos jovens que chegam ao projeto. Eles
poderiam ter condições de saber como iniciar seu próprio
negócio. (Técnico 4).
Existem empresas como o Detran e a Secretaria da Saúde que
pedem sempre uma quantidade maior de jovens, mas existem
outras unidades do governo que não pedem ou pedem muito
pouco. Tem empresas do governo que ainda não aderiram ao
327
Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição
projeto. Embora exista todo um processo de sensibilização a
resistência ainda é muito grande. (Técnico 3).
Os gestores dessas empresas públicas ou privadas que ainda
resistem não percebem que também foram estagiários de nível
médio ou superior. Quando reclamam dos direitos garantidos
no ECA ou na Lei do Aprendiz esquecem que é muito melhor
investir na prevenção do que na punição. (Técnico 10).
Embora não seja o objetivo do presente artigo o detalhamento da
avaliação de impacto, a sua síntese é importante para a compreensão do que
está sendo apresentado. Os resultados são importantes para os jovens atendidos
pelo Projeto, entretanto tais resultados não se reproduziram no conjunto da
comunidade.
Os resultados da avaliação junto aos estagiários com a técnica Propensity
Score Matching (PSM) mostraram que o projeto promove impactos positivos
no indicador trabalho, o qual representa se o jovem encontra-se ou não
trabalhando. A avaliação mostrou, a um nível de significância de 1%, que
o Projeto consegue melhorar o acesso do jovem ao mercado de trabalho. No
entanto, não foram observados impactos significativos nos demais índices,
embora ainda com evidências de baixa relevância do projeto na promoção das
mudanças esperadas. No caso dos aprendizes, foi observado que nos dados
não pareados os valores apontam para impactos mais positivos do projeto.
Todavia, nos dados pareados foram identificados indícios de que o projeto
não tem um impacto substancial na comunidade. (FROTA et al., 2011).
Portanto, o Projeto E-Jovem Primeiro Passo, em conformidade com
o entendimento dos técnicos e dos jovens pesquisados, contribui com
a qualidade de vida da juventude carente do Ceará. Mesmo o resultado
sendo muito localizado e individualizado, o projeto oportuniza não só
uma mudança de comportamento, mas também de relacionamento com a
família, de vivência, de mudanças de atitudes e de cooperação.
No entanto, os estudos de impacto mostraram que praticamente não
houve mudança na qualidade de vida dos moradores da comunidade na
qual tais jovens residem. O valor da bolsa é pequeno, incapaz de impactar
significativamente na renda das famílias, embora possa ajudar na compra de
gás, no pagamento da luz e comece a fazer parte do orçamento da família.
328
Francisco Horácio da Silva Frota e Maria Andréa Luz da Silva
Em síntese, os indicadores quantitativos e qualitativos apontam que o
objetivo principal, que é o da qualificação profissional, vem sendo atingido.
No entanto, não significa que não existam problemas: os dados quando
submetidos ao PSM indicam que não está existindo impacto positivo na
comunidade. O baixo impacto na vida da comunidade pode significar duas
coisas: um reduzido número de bolsas frente à grandiosidade do problema
social no qual os jovens estão inseridos e a falta de articulação com as demais
secretarias de Governo (Educação, Saúde e Cultura). Sobre a quantidade de
bolsas, o número ideal deverá sair de uma maior articulação entre o poder
público e a iniciativa privada. No que se refere à melhoria dos indicadores
de educação, saúde e cultura, pode haver um trabalho mais articulado entre
as diversas secretarias de Governo para que os indicadores de impacto sejam
resultados não somente da Secretaria de Trabalho e Desenvolvimento Social.
Considerações Finais
O processo avaliativo dos projetos financiados pelo FECOP, conforme
já foi relatado, realizou-se por meio de consultas a documentos, utilização
de metodologias qualitativas como grupos focais e entrevistas. Também
envolveu a criação de bancos de dados de beneficiários e não beneficiários dos
projetos, elaboração de índices, aplicação de técnicas de estatística inferencial
e estimação de modelos econométricos.
Os três projetos foram avaliados tendo como referência não apenas
os objetivos de cada projeto, mas também os objetivos do FECOP. Nesse
sentido, todos os projetos foram avaliados ampliando os seus objetivos
específicos para saber o nível de impacto na redução da pobreza individual
e das comunidade nas quais os jovens estão inseridos.
Isso implicou a necessidade de saber o que vem sendo mudado numa
série de questões relacionadas à qualidade de vida e à segurança pessoal e
grupal. Portanto, o processo avaliativo teve um duplo aspecto: saber se os
projetos estão funcionando de acordo com seus objetivos e em que nível tais
ações impactam no combate à pobreza.
A avaliação quantitativa dos impactos do Projeto E-Jovem Primeiro
Passo - Linha de atuação Estagiário mostrou que a experiência consegue
melhorar o acesso do jovem ao mercado de trabalho. Não existem evidências
329
Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição
que permitam apontar que o projeto promova melhorias em outros aspectos
da qualidade de vida de seus beneficiários, como saúde, educação, renda
mensal familiar, acesso à cultura e esporte, segurança alimentar, capital social,
acesso a bens duráveis, condições de moradia e segurança.
A avaliação quantitativa dos impactos do Projeto E-Jovem Primeiro Passo
- Linha de atuação Aprendiz mostrou resultados semelhantes, ou seja, que não
está ocorrendo uma contribuição significativa deste em aspectos importantes
da qualidade de vida dos beneficiários e que poderiam ser impactados pelo
projeto, caso dos indicadores de segurança alimentar, econômicos, de cultura
e esporte e bens de consumo, mais diretamente afetados pelo fato de os
beneficiários estarem desempenhando atividade remunerada.
O Projeto E-Jovem Primeiro Passo, em conformidade com o
entendimento dos técnicos e dos jovens pesquisados, contribui com a
qualidade de vida de uma parcela muito reduzida da juventude carente
do Ceará. No entanto, para os beneficiários o projeto oportuniza não só
uma mudança de comportamento, mas também de relacionamento com
a família, de vivência, de mudanças de atitudes e de cooperação. O valor
da bolsa é pequeno, incapaz de impactar significativamente na renda das
famílias, embora possa ajudar na compra do gás, no pagamento da luz e
comece a fazer parte do orçamento da família.
É bom salientar que esses fatos não estão isolados entre si, podendo
acontecer, como de fato aconteceu, que medidas adotadas hoje no campo
educativo só repercutam a médio e longo prazos. O que está sendo feito hoje
no sentido de retirar os jovens de um espaço convidativo à violência irá ser
percebido futuramente na medida em que esses jovens, que em potencial
poderiam ter seguido um caminho naturalizado no bairro, no entanto foram
buscar outros meios de vida. A possibilidade de tais jovens fazerem diferente
é que irá repercutir positivamente na família de cada um.
Não esquecendo a recomendação da OIT:
[...] para reduzir a pobreza e construir sociedades mais
equitativas, não é suficiente apenas gerar postos de trabalho,
é necessário que esses postos de trabalhos sejam produtivos,
adequadamente remunerados, exercidos em condições de
liberdade, equidade, segurança e sejam capazes de garantir uma
vida digna. (OIT, 2012).
330
Francisco Horácio da Silva Frota e Maria Andréa Luz da Silva
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332
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