TRABALHO E FORMAÇÃO PROFISSIONAL Juventudes em Transição Organizadores Júnior Macambira Francisca Rejane Bezerra Andrade TRABALHO E FORMAÇÃO PROFISSIONAL Juventudes em Transição Fortaleza Instituto de Desenvolvimento do Trabalho Universidade Estadual do Ceará Banco do Nordeste do Brasil 2013 TODOS OS DIREITOS RESERVADOS AOS AUTORES. Revisão Vernacular: Maria Luisa Vaz Costa Normalização Bibliográfica: Paula Pinheiro da Nóbrega Editoração Eletrônica: Patrício de Moura Capa: Ildembergue Leite T758 Trabalho e formação profissional: juventudes em transição / organizadores, Júnior Macambira, Francisca Rejane Bezerra Andrade ; autores, Marcelo Parreira do Amaral ... [et al.]. – Fortaleza : IDT, UECE, BNB, 2013. 332 p. ISBN 978-85-7791-223-0 1. Trabalho. 2. Formação Profissional. 3. Juventudes. I. Macambira, Júnior. II. Andrade, Francisca Rejane Bezerra. III. Amaral, Marcelo Pereira do. IV. Título. CDU: 331 SUMÁRIO APRESENTAÇÃO 7 PARTE 1 - TRAJETÓRIAS E TRANSIÇÕES: JUVENTUDE EM FOCO JUVENTUDE, EDUCAÇÃO E TRABALHO: TEORIZANDO A REGULAÇÃO DE TRAJETÓRIAS EDUCACIONAIS E A TRANSIÇÃO ESCOLA-TRABALHO Marcelo Parreira do Amaral e Andreas Walther 15 JUVENTUDES NA TRANSIÇÃO PARA A SOCIEDADE PÓS-INDUSTRIAL Marcio Pochmann 37 TRAJETÓRIAS JUVENIS. UM NOVO NICHO EM MEIO À EXPANSÃO DAS OPORTUNIDADES DE TRABALHO? Nadya Araujo Guimarães 57 JUVENTUDES, TRABALHO E EDUCAÇÃO: UMA AGENDA PÚBLICA RECENTE E NECESSÁRIA. POR QUÊ? Geórgia Patrícia Guimarães dos Santos 73 PARTE 2 - JUVENTUDE NO SÉCULO XXI: EDUCAÇÃO E TRABALHO TRABALHO, JUVENTUDE E EDUCAÇÃO NO CONTEXTO DO CAPITALISMO ATUAL Elenilce Gomes de Oliveira e Antonia de Abreu Sousa 91 A INSERÇÃO DO JOVEM NO MERCADO DE TRABALHO BRASILEIRO Wilson F. Menezes e Carlos Frederico A. Uchoa 105 DINÂMICA RECENTE DA INSERÇÃO DO JOVEM NO MERCADO DE TRABALHO E A QUESTÃO DA ESCOLARIDADE Amilton Moretto e Maria Alice Pestana de Aguiar Remy 133 JUVENTUDE, EDUCAÇÃO E TRABALHO: AVANÇOS E DESAFIOS Jorge Abrahão de Castro e Carla Coelho de Andrade 155 TRANSFORMAÇÕES NO MERCADO DE TRABALHO RECENTE E OS JOVENS Fernando Antonio Barreto Paulino Souto, Carmem Aparecida Feijó, Paulo Gonzaga M. de Carvalho e Geremias de Mattos Fontes Neto 169 NEGOCIAÇÃO COLETIVA E A REGULAÇÃO DO TRABALHO JUVENIL NO BRASIL Adriana Marcolino, Leandro Horie, Patrícia Pelatieri 193 DINÂMICAS RECENTES DO MERCADO DE TRABALHO JUVENIL NA REGIÃO NORDESTE Christiane Luci Bezerra Alves e Evânio Mascarenhas Paulo 205 PARTE 3 - POLÍTICAS PÚBLICAS E JUVENTUDE NO BRASIL: UM DEBATE NECESSÁRIO JUVENTUDES, EDUCAÇÃO E TRABALHO: O PROGRAMA JUVENTUDE EMPREENDEDORA NA PERCEPÇÃO DOS JOVENS EGRESSOS Francisca Rejane Bezerra Andrade, Geórgia Patrícia Guimarães dos Santos e Júnior Macambira 233 A QUALIFICAÇÃO PROFISSIONAL NO CONTEXTO DAS POLÍTICAS PARA A JUVENTUDE: EM FOCO O PROJOVEM Ilma Vieira do Nascimento, Lélia Cristina Silveira de Moraes e Maria Alice Melo 261 JUVENTUDE E POLÍTICAS DE QUALIFICAÇÃO PROFISSIONAL PROJOVEM TRABALHADOR – A EXPERIÊNCIA DE PERNAMBUCO Mariza Soares 287 QUALIFICAÇÃO DE JOVENS PARA O TRABALHO: UMA EXPERIÊNCIA DE COMBATE À POBREZA Francisco Horácio da Silva Frota e Maria Andréa Luz da Silva 311 APRESENTAÇÃO O tema da juventude tem assumido relevância considerável tanto nas políticas públicas quanto no meio acadêmico, com a crescente produção de estudos em torno das diversas – e cada vez mais complexas – questões relacionadas ao mundo juvenil. Embora seja indiscutível o salto do Brasil nas políticas públicas para a juventude, elas atuam muito mais sobre os efeitos do que propriamente sobre as causas, estas intrinsecamente relacionadas com a origem social e com as escolhas de desenvolvimento que o País fez ao longo dos anos. Há consenso entre os analistas de que o padrão de inserção do jovem no mercado de trabalho é precário e inseguro. Parte considerável da juventude trabalhadora brasileira recebe baixas remunerações, tem vínculos informais e jornadas de trabalho que não permitem a conciliação com os estudos. Dessa maneira, o desafio está em desenvolver políticas para a juventude que promovam o trabalho juvenil compatível com as outras dimensões dessa etapa da vida e o desenvolvimento de uma escola que estimule e permita a descoberta de habilidades para o mundo do trabalho. Na última década, o Brasil, com a retomada do crescimento e da formalização do emprego, criou as bases necessárias para enfrentar com maior efetividade e eficiência esta questão. Considerando a importância e a centralidade que este tema tem conquistado na agenda nacional, este livro, do Instituto de Desenvolvimento do Trabalho (IDT) e da Universidade Estadual do Ceará (UECE), com o apoio financeiro do Banco do Nordeste do Brasil (BNB), chega em excelente hora. Vale destacar que o livro, dividido em três blocos, abrange os diversos aspectos do mercado de trabalho juvenil, como as incompatibilidades, as contradições e as dimensões da vida, e não economiza em reflexões e respostas às indagações e inquietações atuais. Além disso, traz uma análise detalhada de diversas políticas e programas para a juventude, apontando avanços, fragilidades e sugestões de aprimoramento dessas ações. Na primeira parte são destacadas as trajetórias e transições dos jovens em seus diversos aspectos. Marcelo Parreira do Amaral e Andreas Walther abrem com a afirmativa de que “o tema juventude e os desafios associados 7 à inserção dos jovens no mercado de trabalho é também central para uma discussão adequada do desenvolvimento econômico e social sustentável”. Nesse sentido, indicam que a educação e a formação profissional atuam como elementos-chave. A reflexão de Marcio Pochmann apresenta informações importantes para a compreensão “dos novos desafios da juventude associados à passagem para a sociedade pós-industrial”. Segundo o autor, “a difusão do trabalho de natureza imaterial, com exigências crescentes da economia do conhecimento, fez a educação passar a ter papel ainda mais significativo do que tinha até então. Para isso, o requisito da universalização do acesso ao ensino superior emerge como necessário à formação para o trabalho imaterial, sendo o ingresso ao mercado de trabalho pela juventude postergado”. Sem dúvida, esse consenso ainda precisa ser construído e as condições materiais para a sua realização ainda são um desafio a ser superado, como fica explícito no artigo de Nadya Araújo Guimarães, “Trajetórias juvenis. Um novo nicho em meio à expansão das oportunidades de trabalho?”. A partir da constatação de que vivemos, desde os anos 2000, um aquecimento do mercado de trabalho, com ampliação de empregos formalmente protegidos, a autora apresenta uma reflexão sobre a qualidade das oportunidades de trabalho criadas. Para Nadya, “este tem sido, igualmente, um momento de diversificação das relações de emprego, onde se avançam e tendem a se consolidar no léxico das formas contratuais as referências ao trabalho subcontratado, ao trabalho temporário, ao emprego intermediado por terceiros”. Esses são empregos de curta duração e são ocupados majoritariamente por mulheres e jovens. Geórgia Patrícia Guimarães dos Santos faz um estudo interessante, retomando a discussão do círculo vicioso presente na relação educação e trabalho. A análise mostra uma realidade na qual “ao mesmo tempo em que as juventudes têm presenciado um momento de importante inclusão, proporcionado pela conexão das maciças fontes de informação e comunicação, contraditoriamente têm sofrido um processo de exclusão advinda da histórica deficiência qualitativa da educação, das dificuldades de acesso ao mercado de trabalho e aos benefícios econômicos, entre outras problemáticas”. A segunda parte o livro aborda, mais especificamente, o mundo do trabalho e a inserção do jovem. Os autores não se limitaram a analisar fontes estatísticas oficiais, mas vislumbram perspectivas e lançam desafios. 8 O ensaio de Elenilce Gomes de Oliveira e Antonia de Abreu Sousa discute “o desemprego como elemento intrínseco à acumulação e expansão do capital, analisa seus impactos na juventude e a relação com a educação”. Wilson F. Menezes e Carlos Frederico A. Uchoa nos alertam para o fato de que o trabalho juvenil “enfrenta inúmeras dificuldades. Como mão de obra ainda sem as condições de qualificação e informação exigidas pelo mercado de trabalho, que cada vez mais requisita formações densas em conhecimento”, fica exposta às mais diversas formas de exploração, em função da necessidade pessoal ou familiar. No ensaio “Dinâmica recente da inserção do jovem no mercado de trabalho e a questão da escolaridade”, Amilton Moretto e Maria Alice Pestana apresentam a dinâmica da inserção recente do jovem no mercado de trabalho (período de 2004 a 2011), com foco nas taxas de participação, de ocupação e de desemprego, comparando-as com o conjunto de trabalhadores adultos. Uma conclusão relevante do estudo aponta que “os dados mostram que aumentou a escolaridade do jovem brasileiro e também do jovem que está empregado. Ainda que não se possa associar qualificação e escolaridade, parece plausível considerar que o treinamento de um indivíduo mais escolarizado é mais rápido e eficaz para o empregador que necessita de um trabalhador qualificado. Assim, a existência de uma proporção de empregados com nível superior no total de empregados jovens menor que a proporção deste grupo no total da população jovem pode estar indicando o não aproveitamento da elevação da escolaridade dessa população”. Jorge Abrahão de Castro e Carla Coelho de Andrade nos desafiam “a reconhecer que as questões que afetam a juventude são vividas de forma diversificada e desigual entre os jovens, variando de acordo com a origem social, os níveis de renda, o sexo, a raça, as disparidades socioeconômicas entre campo e cidade e entre as regiões do País”. A análise do ensaio “Transformações no mercado de trabalho recente e os jovens”, de Fernando Souto, Carmem Feijó, Paulo Gonzaga de Carvalho e Geremias de Mattos Fontes Neto, busca responder duas questões: “De um lado, o que tem levado às significativas expansões da ocupação, mesmo sem mudanças na direção da flexibilização das leis trabalhistas, e, de outro, como tem evoluído a População Economicamente Ativa (PEA), em particular a participação dos jovens”. 9 As reflexões de Adriana Marcolino, Leandro Horie e Patrícia Pelatieri trazem no título o desafio sindical. O ensaio versa sobre o papel da negociação coletiva para o avanço das questões que afetam a vida e o trabalho juvenil. A principal conclusão é de que para a regulação do trabalho juvenil o espaço da negociação coletiva está sendo subutilizado. Em “Dinâmicas recentes do mercado de trabalho juvenil na região Nordeste”, Christiane Luci Bezerra e Evânio Mascarenhas apresentam, com pertinência, a condição dos jovens nordestinos no mercado de trabalho. Os autores concluem que “os programas e políticas executados na região devem combinar aspectos da qualificação profissional, mas também da formação social, de maneira a permitir o exercício da formação cidadã e o protagonismo social, como meio de alcançar, dentro desse segmento, parcelas crescentes de jovens desfavorecidos, cujas condições sociais se mostram ainda mais precárias”. Em sua última parte o livro traz uma série de análises e de argumentos sobre as políticas públicas voltadas para os jovens. Um destaque é a necessidade de essas políticas terem como alvo a promoção da proteção social. E, em consonância, evitar a entrada precoce de jovens no mercado de trabalho. O ensaio “Juventudes, educação e trabalho: o Programa Juventude Empreendedora na percepção dos jovens egressos”, de Francisca Rejane Andrade, Georgia Patrícia Guimarães e Júnior Macambira, faz uma análise minuciosa do Programa Juventude Empreendedora (JUVEMP), iniciativa do Governo do Estado do Ceará. Entre as principais conclusões, aponta que “o JUVEMP contribuiu para a ampliação da visão de mundo e da sociabilidade juvenil, por meio da obtenção de novos conhecimentos, da ocupação do tempo livre, da melhoria no comportamento, do convívio social e da construção de uma rede de amizades”. Ilma Vieira do Nascimento, Lélia Cristina Silveira e Maria Alice Melo retomam a discussão acerca do ProJovem, à luz de alguns resultados da pesquisa intitulada “Escola, trabalho e cidadania: um estudo longitudinal com jovens egressos e não ingressantes de um programa de inclusão de jovens”, o ProJovem, realizado por Programas de Pós-Graduação em Educação das Universidades Federais da Bahia, de Minas Gerais e do Maranhão. A análise considera os seguintes elementos como resultado de política de inclusão de jovens: a continuidade dos estudos, o acesso ao emprego formal e a 10 inserção nas questões sociais presentes no cotidiano desses jovens. Com os dados, concluíram que “a passagem pelo ProJovem, apesar de não ter sido integralmente exitosa para todos eles, refletiu o interesse em aprender algo novo, seja na questão profissional ou na escolarização básica, seja no empenho e na necessidade desses jovens de inserção no sistema produtivo”. Mariza Soares analisa a experiência do Programa Juventude Cidadã, atual Programa Integrado de Juventude (Projovem) Trabalhadora em Pernambuco. O estudo mostra que, “ao implementar um Programa da magnitude do Juventude Cidadã (Projovem Trabalhador), o governo promove a geração de trabalho e renda no terceiro setor para múltiplos atores”. As falas dos alunos, dos empresários e das entidades executoras levam à conclusão de que “é preciso ir além da qualificação para o trabalho; é necessário qualificar para a vida – o que o MTE já reconhece como uma expertise dos sindicatos e dos movimentos sociais”. Por fim, a questão da qualificação de jovens, como experiência de combate à pobreza, é trazida por Francisco Horácio da Silva Frota e Maria Andréa Luz da Silva. Os autores verificaram os efeitos e os impactos gerados pelo Projeto E- Jovem - 1º Passo, iniciativa do Governo do Estado do Ceará. Mais que isso, trazem proposições para o aprimoramento do programa, a partir da perspectiva de todos os atores sociais. Embora com clareza de que os benefícios do projeto não geraram impacto positivo no conjunto geral da população da qual os jovens beneficiários são parte integrante, para os jovens participantes “o projeto oportuniza não só uma mudança de comportamento, mas também de relacionamento com a família, de vivência, de mudanças de atitudes e de cooperação”. Não há dúvida de que o esforço empreendido neste trabalho nos permite avançar ainda mais na compreensão da situação do trabalho juvenil em diversos aspectos e nos desafios que representa para o País. Clemente Ganz Lucio Diretor Técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE) 11 PARTE 1 TRAJETÓRIAS E TRANSIÇÕES: JUVENTUDE EM FOCO JUVENTUDE, EDUCAÇÃO E TRABALHO: TEORIZANDO A REGULAÇÃO DE TRAJETÓRIAS EDUCACIONAIS E A TRANSIÇÃO ESCOLA-TRABALHO Marcelo Parreira do Amaral1 Andreas Walther2 Introdução Em todas as regiões, jovens são desproporcionalmente afetados pelo desemprego, subemprego, emprego vulnerável e pobreza apesar de trabalho. Mesmo durante os períodos de crescimento econômico, muitas economias têm sido incapazes de absorver grandes populações jovens no mercado de trabalho. Nos últimos anos, no entanto, a crise econômica e financeira atingiu mais fortemente os jovens, em particular no mundo desenvolvido. [...] Durante recessões econômicas, jovens são com frequência os “últimos” e os “primeiros” – os últimos a serem contratados e os primeiros a serem demitidos. Jovens trabalhadores têm menos experiência de trabalho do que os trabalhadores mais velhos, o que é altamente valorizado pelos empregadores. Esta questão tem implicações particularmente graves 1 Mestre em Educação e American Studies pela Goethe Universität Frankfurt am Main, e Doutor 2 em Ciências Sociais pela Eberhard Karls Universität Tübingen, Alemanha. Atualmente é professor colaborador da Universidade Estadual do Ceará, em Fortaleza, membro da Rede Europeia de Especialistas – Network of Experts on the Social Aspects of Education (NESET), pesquisador e membro da coordenação do projeto de pesquisa Governance of Educational Trajectories in Europe (GOETE), financiado pela União Europeia. Professor da Faculdade de Educação da Goethe Universität Frankfurt am Main. Seu campo de trabalho inclui Pedagogia Social e Juventude. Diretor do Centro de Pesquisa Bildung und Bewältigung im Lebenslauf (Educação e domínio no curso da vida), membro da Rede Europeia de Especialistas – Network of Experts on the Social Aspects of Education (NESET) e coordenador geral do Projeto GOETE. 15 Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição para a transição da escola para o trabalho, o período quando os jovens entram no mercado de trabalho para procurar seu primeiro emprego. O Emprego é frequentemente associado com a entrada de jovens na idade adulta e independência e é, naturalmente, fundamental como fonte de renda para os indivíduos e famílias. (UNITED NATIONS DEPARTMENT..., 2013, p. 15). Os parágrafos acima, retirados do Relatório Mundial sobre a Juventude, de 2011, organizado pelas Nações Unidas (ECOSOC), mostram o contexto social e político da pesquisa sobre a juventude na atualidade, em especial com relação à situação dos jovens na transição do mundo da escola ao mundo do trabalho. O tema juventude e os desafios associados à inserção dos jovens no mercado de trabalho é também central para uma discussão adequada do desenvolvimento econômico e social sustentável. Educação e formação profissional representam aqui elementos-chave, e um dos desafios tanto para a pesquisa quanto para o campo de políticas públicas voltadas para a juventude está relacionado com um entendimento de como as trajetórias educacionais emergem, como são reguladas e, consequentemente, como podem ser otimizadas. O presente artigo apresenta e discute uma abordagem teórica de trajetórias educacionais de jovens. Tal exercício intelectual se torna primordial para um melhor entendimento dos processos educacionais e de formação profissional na atualidade, ambos essenciais para o desenvolvimento econômico e social sustentável. Particular atenção será dada ao conceito de ciclo da vida (life course) e de governança; esses conceitos oferecem a possibilidade de pensar trajetórias educacionais como resultados de um longo processo e de decisões individuais e institucionais. Daí a necessidade de envolver uma gama de elementos e agentes dentro e fora da escola e de instituições de formação profissional que participam desse processo. Em particular, argumenta-se a necessidade de uma perspectiva centrada no indivíduo - ou como se denomina aqui, uma perspectiva subjetivamente orientada - no intuito de evitar uma ênfase demasiada em estruturas e instituições. No primeiro passo o artigo apresenta os referenciais teóricos necessários ao entendimento de ciclo de vida e governança. Em seguida será discutido o papel das transições como elementos-chave de trajetórias educacionais. 16 Marcelo Parreira do Amaral e Andreas Walther Utilizando a Alemanha como exemplo, discutem-se algumas das principais estruturas na transição escola-trabalho. Conclui-se o artigo com considerações sobre os efeitos da Assistência Profissional à Juventude (Jugendberufshilfe), um campo de trabalho do serviço social à juventude, o qual se ocupa do problema do desemprego juvenil através da regulação de um sistema de transições para os jovens. A assistência profissional à juventude funciona como instância reguladora de um elemento-chave de trajetórias educacionais de jovens e necessita não somente considerar a dimensão estrutural/institucional das mesmas, mas também inclui a dimensão subjetiva/individual em suas atividades. A Teoria do Ciclo da Vida e a Governança da Educação e Trabalho na Juventude Uma compreensão dos processos educativos e trajetórias educacionais – e das transições dentro dessas trajetórias, bem como dos processos decisórios envolvidos nelas – exige uma abordagem teórica que considera a interação de aspectos estruturais/institucionais e subjetivos/individuais. A combinação da perspectiva teórica do ciclo da vida e do conceito analítico de governança, como sugerido aqui, oferece uma ferramenta útil para uma análise de como tais interações estruturam e regulam trajetórias educacionais individuais. A perspectiva do ciclo da vida questiona, por exemplo, como é regulado o acesso dos jovens aos diferentes estágios da educação formal; como eles lidam com as formas e as demandas da educação e como isso é facilitado por meio de suporte formal e informal; também questiona se a educação que lhes é oferecida é vista como relevante para a vida futura e, em caso afirmativo, em que medida. A perspectiva de governança implica analisar como os diferentes atores (escola, empregadores, administrações, políticos, profissionais da assistência à juventude, professores, pais, alunos, dentre outros), em diferentes níveis (local, regional, nacional, transnacional) interagem e se comunicam acerca das questões de acesso e progressão, no âmbito da educação, sobre as necessidades legítimas de apoio e suporte dos alunos e as responsabilidades para oferecer apoio, dentro ou fora da escola, bem como as necessidades futuras de habilidade e competência.3 3 Essas questões formam o objeto de estudo de um projeto de pesquisa internacional comparado intitulado GOETE. O projeto é financiado pela Comissão Europeia no âmbito do 7th Framework Programme for Research – contrato nº SSH-CT-2009-243868. 17 Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição Ciclo de vida ou life course é coloquialmente entendido como a soma dos vários estágios pelos quais os indivíduos passam ao longo de suas vidas, especialmente fases institucionalizadas, como escola, formação profissional, serviço militar, trabalho etc. A pesquisa sociológica do ciclo de vida define life course “como uma instituição social [...] no sentido de um sistema de regras que ordena uma área ou dimensão central da vida”. (KOHLI, 1985, p. 1).4 Historicamente, o ciclo de vida está ligado ao processo de individualização social na era moderna e, consequentemente, aos processos da Reforma, do Iluminismo, da Revolução Francesa e da Industrialização. Neste contexto histórico, o ciclo de vida é também resultado da divisão social do trabalho na sociedade e liga as diferentes fases de vida às várias funções e aos papéis que os indivíduos são chamados a cumprir dentro dela. Além disso, a institucionalização do ciclo de vida está ligada ao desenvolvimento de sistemas de previdência social e de educação no contexto dos Estados-Nação modernos. Como resultado de uma longa história social e cultural – também de práticas disciplinares e discursos tipificantes, o ciclo de vida foi cada vez mais normalizado e ligado à ideia de ciclo de vida e de biografia “normal”, em geral centrada nas várias instituições educacionais e no mundo do trabalho. (ANDRADE; PEREIRA, 2012). O ciclo de vida é, assim, um aspecto da estrutura social e combina o nível macro de estruturas sociais – tais como economia, contextos institucionais como mercado de trabalho, bem-estar ou educação, mas também estruturas de desigualdades sociais – com o nível micro de biografias individuais. Essa interação se dá no nível meso de concretas instituições como escolas, empresas, clínicas ou instituições do bem-estar da juventude. Portanto, inclui tanto o posicionamento social dos indivíduos por meio da família e do mercado As seguintes instituições estão envolvidas: as Universidades de Helsinque e Turku, na Finlândia, a Ecole des Hautes Etudes de la Santé Publique e a Universidade de Rennes 2, na França, as Universidades de Bolonha e Urbino, na Itália, a Universidade de Amsterdã, na Holanda, a Escola de Economia de Varsóvia, na Polônia, a Universidade de Ljubljana, na Eslovênia, a Universidades de Bristol e Queens University em Belfast, Reino Unido, o Instituto de Inovação Regional e Investigação Social (IRIS), bem como as Universidades de Tübingen e Frankfurt am Main, na Alemanha. A coordenação do projeto, do qual os autores fazem parte, é feita pela Universidade de Frankfurt am Main, Alemanha. Para detalhes consulte o site do projeto: Disponível em: <www.goete.eu>. 4 Para uma visão geral da pesquisa life course ver Heinz (2009). Ver também Stauber e Walther (2006). 18 Marcelo Parreira do Amaral e Andreas Walther de trabalho quanto seu controle pelas instituições do Estado. (WALTHER, 2011b). Por esse motivo, como abordagem metodológica o ciclo de vida foca a história e a dinâmica da inter-relação entre indivíduos e sociedade, ou seja, a interação entre estruturas e instituições sociais e a ação individual ao longo da vida. (HEINZ et al., 2009). As análises do ciclo de vida precisam, necessariamente, incorporar várias temporalidades, dimensões e níveis de interdependência, como nos chamam a atenção Heinz et al. (2009). Com relação à interdependência temporal, passado, presente e futuro estão interligados criando possibilidades ou também limitando os possíveis caminhos a serem percorridos. Isto se dá tanto por regras institucionalizadas quanto por hábitos, relações e compromissos sociais etc. Pelo fato de existirem diferentes fases no ciclo de vida, as quais estão também ligadas às faixas etárias que são marcadas e caracterizadas por passagens de status – como passagem da escola para a qualificação profissional e para o trabalho – há necessidade de antecipar, preparar e moldar/regular essas transições para que o resultado do ciclo de vida seja satisfatório tanto para o indivíduo quanto para a sociedade. Importa destacar que o life course é também influenciado por modelos culturais e sociais (por exemplo, a visão da juventude e o papel do jovem na sociedade), os quais variam no tempo e no espaço geográfico. (HEINZ et al., 2009). Há também uma interdependência a qual se pode chamar de multidimensional, pois o ciclo da vida se desenrola entre as diferentes instituições sociais ou esferas da vida (família, escola, peer group, trabalho etc.), nas quais os indivíduos estão inseridos. Ao mesmo tempo em que os vários domínios competem por atenção e tempo, seus arranjos e regulações são mais ou menos compatíveis. Também, instituições acerca do estado de bem-estar social e sistemas de educação (entre outras instituições) apontam para a necessidade de considerar o que se chama de contexto institucional do ciclo de vida. Enfim, um terceiro tipo de interdependência se refere às ações individuais e aos contextos nos quais os indivíduos estão inseridos. A ação individual está sempre inserida e é influenciada pelas condições culturais, econômicas e sociopolíticas; decisões e investimentos biográficos dos indivíduos, os quais impactam nas circunstâncias de vida dos mesmos, são, por assim dizer, mediadas e guiadas pelas condições estruturais locais/nacionais: situação e oportunidades no mercado de trabalho (estratificado, recessão econômica etc.), tipo de organização do sistema de educação (seletivo ou integral), mas também normas culturais, como por exemplo, paridade de gênero. 19 Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição Concluindo esta breve discussão teórica, pesquisas centradas na perspectiva do ciclo de vida (life course) necessitam focar os vários estágios da vida nas instituições pelas quais as pessoas passam, fazendo uso de métodos de pesquisa quantitativos e qualitativos, com frequência em estudos longitudinais. Três dimensões analíticas se tornam essenciais: estrutural/institucional, subjetiva/individual e a dimensão das interações. Na dimensão estrutural/institucional analisam-se as condições históricosociais, as instituições do estado de bem-estar, a educação e o mercado de trabalho, entre outras, como estruturas e contextos que influenciam a biografia dos indivíduos. Por outro lado, na dimensão subjetiva/individual é necessário analisar características individuais, decisões e preferências – as quais são motivadas e construídas social e culturalmente – e também capacidades e competências. Na dimensão das interações, coloca-se sob o foco da atenção a interdependência dos vários elementos e fatores, das instituições, enfim, a dinâmica interação entre estrutura e agência. (GIDDENS, 2003). Face a essa complexa situação de interdependência, um segundo aporte teórico importante para um melhor entendimento das trajetórias educacionais de jovens pode ser encontrado no conceito de governança. Nas ciências sociais e políticas o termo governança tem sido utilizado na conceitualização de fenômenos para os quais antes se dava preferência a termos como governo, gestão ou direção, interdependência, controle e/ ou coordenação de ação coletiva. Governança tematiza governo, gestão, coordenação etc., entre agentes no âmbito de Estado, mercado, economia e sociedade civil em estruturas em rede e não necessariamente hierárquicas. Como conceito político ele aparece num tempo de crítica e ceticismo quanto às possibilidades da regulação hierárquica e linear de sistemas sociais complexos, o que aponta tanto para uma mudança de perspectiva sobre as formas de regulação e coordenação de sociedades modernas quanto para suas profundas transformações. No contexto deste trabalho se dá preferência ao uso analítico do termo considerado geral para todos os padrões ocorrentes de gestão da interdependência entre Estados, bem como entre atores/agentes estatais e sociais. Sobre esse pano de fundo, hierarquia estatal no sentido de governo aparece então como apenas um desses padrões entre vários outros. Além dos diferentes usos – descritivo, normativo, melhorista-pragmático – encontrados na literatura sobre o tema (BEVIR, 2012), governança é também usado como termo genérico, como mostra sucintamente a citação de Renate Mayntz: 20 Marcelo Parreira do Amaral e Andreas Walther Governança significa a soma de todas as formas existentes de regulação coletiva das questões sociais: do auto-controle institucionalizado da sociedade civil, passando por diferentes formas de cooperação entre Estado e agentes privados, até mesmo ação soberana de agentes estatais. (MAYNTZ, 2004, p. 66). Este conceito teórico ajuda a pensar como as trajetórias educacionais de jovens são reguladas - governadas - na interação de elementos nas dimensões estrutural/institucional e subjetiva/individual. Ou seja, na dinâmica de estruturas sociais (econômicas, de poder, de desigualdade), provisões institucionais (seguridade social e bem-estar, educação) e ação/agência individual (preferências, disposições e capacidades). Por exemplo, um objetivo central de análises neste campo seria a modelagem de diferentes constelações locais e nacionais de governança educacional. Isto implica a identificação de atores e elementos-chave e as formas como se relacionam e interagem uns com os outros, as quais impactam as trajetórias educacionais dos jovens. Transições como Elementos-Chave na Análise de Trajetórias Educacionais na Juventude Na seção anterior a complexidade e extensão de elementos, interdependências e interações potencialmente importantes para o entendimento de trajetórias educacionais na juventude foram enfatizadas. Essa complexidade representa um grande desafio para a pesquisa nesse campo. Uma maneira comum, não de resolver, mas sim de lidar com essa dificuldade é geralmente o foco em fases da vida (infância, adolescência e idade adulta) ou em sequências com particular relevância, como por exemplo, passagens de status e outras transições de uma fase ou instituição à outra, ou dentro delas, como por exemplo, da escola primária à secundária, à formação profissional, ao trabalho etc. O foco em transições se justifica por estar em consonância com os conceitos teóricos apresentados acima, mas em especial pela atenção na regulação de trajetórias educacionais. No contexto atual, as transições ao longo do ciclo de vida têm aumentado exponencialmente. Noções de normalidade do ciclo de vida que foram institucionalizadas durante as últimas décadas se tornam cada vez mais fictícias. Estudos sociológicos sobre o assunto apontam, por exemplo, como 21 Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição o faz Beck (1992), para uma desestandardização decorrente do fato de que biografias de trabalho não são mais vistas como uma sucessão fixa de fases, bem como a partir de uma insegurança geral das carreiras profissionais. Por conseguinte, Heinz (2001) identifica sua causa na crescente generalização de períodos alternados de emprego/desemprego. Essa tendência tem a ver com o fato de que cada vez mais rápido novas tecnologias transformam o mundo do trabalho e, por consequência, geram novas demandas, de um lado, para o campo da educação e qualificação profissional, e, de outro, para os jovens. Para os jovens, as transições entre as fases de vida institucionalizada, especialmente a transição da escola para o trabalho, envolvem riscos ou necessidades e têm particular relevância para a integração e desenvolvimento econômico e social sustentável. Desemprego juvenil, jovens sem formação profissional e emprego e carreiras profissionais precárias representam o aumento de incerteza e insegurança de transições da escola para o mundo do trabalho. Do ponto de vista da investigação de transições biográficas, elas são também expressão de uma despadronização geral do ciclo da vida. (STAUBER; POHL; WALTHER, 2007). Neste contexto, transições devem, como se argumenta aqui, ser vistas como elementos-chave para um entendimento adequado das questões relativas às trajetórias educacionais na juventude. Transições da escola para o trabalho têm um papel crítico na juventude; é aqui que jovens se tornam – ou não – membros plenos de suas sociedades, participando da vida socioeconômica e cultural. É nesse período que jovens precisam desenvolver e construir competências, com base em sua formação inicial e profissional, que os ajudem a entrar no mundo do trabalho de forma decente.5 É aqui onde os jovens encontram maior dificuldade de inserção na contemporaneidade. Essas transições podem, de acordo com a abordagem teórica discutida acima, tomar diferentes formas, de acordo com o tipo de arranjos estruturais, institucionais (mercado de trabalho, organização da educação geral e profissionalizante), e serem mais ou menos severas, o que aponta para a 5 De acordo com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), trabalho digno refere-se às aspirações globais das pessoas em suas vidas de trabalho. Ele consiste em quatro pilares: criação de emprego, direitos no trabalho, proteção e diálogo social, com igualdade de gênero como objetivo transversal. (OIT, 2013). 22 Marcelo Parreira do Amaral e Andreas Walther necessidade de considerar questões de acesso à educação. Os jovens podem ser bem ou mal preparados para enfrentá-las e receber mais ou menos suporte formal (das instituições do estado de bem-estar e assistência à juventude, das escolas etc.), e/ou informal (família e amigos, entre outros), mostrando a importância de considerar questões de assistência e suporte; e, enfim, as competências e capacidades acumuladas pelos jovens e a educação que receberam durante sua trajetória educacional podem ter maior ou menor relevância (tanto do ponto de vista da sociedade quanto do indivíduo), o que facilita ou dificulta a passagem bem-sucedida ao mundo do trabalho. A seguir discutem-se elementos estruturais da transição escolatrabalho. Ao fazer isso, toma-se como exemplo o modelo de transição da Alemanha. O caso da Alemanha se mostra altamente pertinente para esta discussão, pois sua organização do sistema de transição o torna, de um lado, um dos mais seletivos e complexos e, por outro lado, devido à tradição do estado de bem-estar social, oferece a partir de suas políticas públicas uma série de auxílios e suportes formais e institucionalizados para acompanhar os jovens durante essa transição. Vale, porém, também discutir o caso alemão a partir do referencial teórico analisado acima, pois isso mostra o foco quase exclusivo na dimensão estrutural/institucional do sistema de transição, o que se revela ainda mais problemático quando a dimensão subjetiva/individual é, de maneira geral, somente considerada em relação a deficiências e problemas dos jovens. Estruturas de Transição Escola-Trabalho no Sistema de Transição da Alemanha Na Alemanha, o termo sistema de transição tem sido utilizado para descrever as estruturas de transição da escola para o trabalho desde a década de 1990. A pesquisa sobre transição se refere a esse termo como a soma de todos os atores sociais, estruturas e processos envolvidos nas transições de jovens mulheres e homens para o mercado de trabalho. (BROCK, 1991). Com a introdução de um relatório nacional de educação o termo tem experimentado, porém, um estreitamento referindo-se apenas à assistência para os adolescentes e jovens adultos que não conseguem encontrar um treinamento ou trabalho. (BILDUNGSBERICHT, 2008). Para evitar o equívoco de que o termo possa se referir apenas às transições problemáticas da 23 Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição escola ao trabalho, mas também para melhor descrever problemas e auxílios/ suporte nas transições que são institucionalmente consideradas normais, as estruturas básicas da transição da escola para o trabalho serão descritas a seguir. O ponto de partida institucional para as transições à profissão é a escola,6 cuja peculiaridade alemã é que em alguns estados os alunos são distribuídos já após os primeiros quatro anos da escola primária em diferentes tipos de escola secundária, de acordo com seu desempenho e notas. Estudos de comparativos internacionais, por exemplo, o Programme for International Student Assessment (PISA), indicam que a diferenciação seletiva do sistema escolar alemão não somente reflete as desigualdades sociais em educação, status profissional e origem étnica, mas também as reforça. (BILDUNGSBERICHT, 2008; POHL, 2008). Uma outra categoria de desigualdade é a do gênero, mais recentemente discutida com relação à desvantagem educacional dos meninos. (SHELL-JUGENDSTUDIE, 2006). A formação profissional representa uma expectativa geral de normalidade para aqueles que, na sequência da escola secundária, não podem ou não querem prosseguir no ensino superior. Para aproximadamente 75% dos jovens a formação profissional é feita em empresas, no âmbito do chamado sistema dual.7 Formação profissional nas áreas de saúde, profissões sociais e administrativas são, no entanto, organizadas em escolas especializadas. (BILDUNGSBERICHT, 2008). Desde a década de 1990, a oferta de formação profissional teve uma queda de aproximadamente 25%. Além de razões econômicas, isso também aconteceu, por um lado, devido a mudanças estruturais e econômicas, porque o sistema dual – tradicionalmente baseado na indústria e manufatura, que foca Existem quatro tipos de escola secundária - Hauptschule, Realschule, Gymnasium e Gesamtschule, a qual integra todos os tipos. Para uma visão geral do sistema de ensino alemão veja: Andrade e Amaral (2013); ver também: Germany... (2013). 7 No ensino profissionalizante o sistema de formação profissional dual é típico da Alemanha, isto é, os cursos de formação são realizados paralelamente em uma escola profissional e em empresa de treinamento. Pré-requisito para uma formação profissional no sistema dual é um contrato de formação profissional com uma empresa (Ausbildungsvertrag). A parte prática do treinamento é fornecida aos estagiários nas empresas e as escolas profissionais assumem a parte teórica. O sistema de ensino profissionalizante tem um caráter altamente competitivo, em especial o mercado de contratos de treinamento, pois os alunos têm de se candidatar individualmente nas empresas. (ANDRADE, 2000). 6 24 Marcelo Parreira do Amaral e Andreas Walther ocupações como artesões e trabalhadores qualificados – teve sua relevância lentamente colocada em xeque, enquanto o mesmo ainda não conseguiu se estabelecer em atividades mais novas, como a área de serviços. Por outro lado, muitas empresas se retiraram do sistema dual face à grande incerteza com relação às exigências do desenvolvimento no mercado global. Até o momento as poucas áreas de formação profissional recém-criadas não absorveram esse declínio; de forma similar, a oferta de formação profissional em escolas não foi ampliada para os novos perfis profissionais nem com relação ao número de vagas. (BILDUNGSBERICHT, 2008). Como resultado, a competitividade por vagas de formação profissional aumentou significativamente. Apenas 36% de todos os jovens em busca de vaga de formação profissional, em 2006, puderam de fato se colocar. Alunos saindo das ‘Hauptschule’, escola com status mais baixo, representam apenas 30% de todos os formandos em cursos profissionais e estão concentrados em algumas poucas ocupações de baixo status. (BERUFSBILDUNGSBERICHT, 2008). O certificado da Realschule – escola com status médio – o qual é adquirido por cerca de 40% dos alunos no ensino secundário todos os anos, é agora considerado mínimo em relação ao treinamento profissional no sistema dual. A Hauptschule, da qual cerca de 30% dos alunos saem com um certificado, e cerca de 8% sem qualquer diploma, está sujeita ao estigma da “escola do resto” (SOLGA, 2002) e seus egressos enfrentam grandes dificuldades em encontrar uma vaga de formação profissional. Desigualdades reproduzidas ou criadas na escola se solidificam no âmbito da formação profissional. Isto é especialmente o caso de jovens com histórico de migração, cuja participação em treinamento profissional está em declínio desde os anos de 1990. (BERUFSBILDUNGSBERICHT, 2008; POHL, 2008). Isto também se aplica, porém em menor grau, a meninas e jovens mulheres, que muitas vezes veem negada a possibilidade de transformar seu melhor desempenho escolar em adequada qualificação profissional. (GRANATO; SCHITTENHELM, 2004). Ao mesmo tempo, cursos de formação profissional em escolas nos quais meninas estão superrepresentadas fazem maiores exigências e têm piores oportunidades de carreira em comparação com os cursos duais dominados por homens (em empresas). O serviço de orientação da agência do trabalho do governo (Berufsberatung) tem um papel central na transição entre a escola e a 25 Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição formação profissional; através dele uma grande, porém decrescente, parte dos candidatos encontra uma colocação. Como uma instituição do estado providência, o serviço de orientação tem como missão principal que “todos encontrem uma vaga”. (OSTENDORF, 2005). Por isso, todos aqueles que não conseguem encontrar uma vaga para formação profissional são obrigados a concluir cursos de preparação profissional em escolas especializadas. A maioria dos jovens permanece, mesmo depois desse ano preparatório, sem formação profissional, e, em consequência, são compulsoriamente incluídos nos diversos programas do sistema de transição. O número desses candidatos, chamados “Altbewerber”, ou seja, repetentes, para vagas de formação profissional em empresas cresceu fortemente desde o final da década de 1990, de modo que há quase o mesmo número de jovens nesse sistema de transição que na formação profissional regular (em escolas e empresas). (BILDUNGSBERICHT, 2008, p. 97). De um lado, os programas do sistema de transição não oferecem cursos de qualificação profissional completos, como outros programas com duração de um ano, como, por exemplo, as escolas profissionais (Berufsfachschule), a formação profissional básica ou o programa de preparação profissional (Berufsgrundbildungsjahr, Berufsvorbereitungsjahr), que são obrigatórios para alunos que saem do sistema de ensino antes de completar 18 anos de idade. De outro lado, esses são programas socioeducativos de assistência profissional à juventude, oferecidos pelo serviço social. Estes têm o objetivo de aumentar a competitividade e a maturidade dos participantes e prepará-los para a formação profissional, porém muitas vezes têm o efeito de fila de espera. De acordo com estudos do Instituto Federal para Educação Profissional (BIBB) e do Instituto Alemão da Juventude (DJI), cerca de 40% dos jovens que saíram do ensino secundário e não encontraram uma vaga para formação profissional, e vão para os programas do sistema de transição, 15 meses mais tarde não têm colocação de trabalho nem de formação. (REISSIG et al. 2013; BILDUNGSBERICHT, 2008). A discussão acima mostra a importância das transições e dos arranjos estruturais e institucionais nos quais eles estão inseridos, ora facilitando, ora tornando a transição mais difícil. Na seção que segue discute-se a assistência profissional à juventude como um fator central na governança das trajetórias educacionais de jovens, com particular impacto na transição escola-emprego. 26 Marcelo Parreira do Amaral e Andreas Walther Discussão: A Assistência Profissional à Juventude: Ponte para o Mundo do Trabalho ou Mecanismo de Cooling Out? O serviço de Assistência Profissional à Juventude (Jugendberufshilfe) é um campo de ação sociopedagógica dentro do serviço social para a juventude, o qual se estabeleceu desde que o desemprego juvenil se tornou um fenômeno estrutural de massa nos anos 1980; esse campo, de constante crescimento, tem um papel central no sistema de transição atual. (GALUSKE, 2004). Ele se torna o principal responsável sempre que jovens não encontram uma vaga de formação profissional, mesmo tendo participado de programas de orientação profissional e preparação profissional em escolas, e são classificados como desfavorecidos ou imaturos para a formação profissional (nicht ausbildungsreif). Essas condições de acesso, parcialmente codificadas na legislação social (Sozialgesetzbuch), estabelecem a subordinação de medidas de assistência profissional à juventude como educação compensatória de déficits individuais de socialização. O objetivo da assistência profissional à juventude é preparar os jovens para a formação profissional e para o trabalho, oferecendo a eles uma ponte para o mundo do trabalho. As medidas de assistência podem ser, de maneira geral, divididas em quatro áreas. (VON BOTHMER, 2001). Orientação profissional (Berufsorientierung) é uma abordagem preventiva de ação para apoiar os jovens na escolha de uma profissão. Ela envolve muitas vezes a colaboração com as escolas e inclui experiências práticas (estágios) acompanhadas por sociopedagogos, nas quais é feito um primeiro confronto com o mundo do trabalho; os jovens têm, também, a oportunidade de conhecer diferentes profissões para uma autoavaliação de seus pontos fortes e fracos e seus valores no mercado de formação e de trabalho, bem como de ampliar o horizonte de meninas e meninos com relação à formação e ao trabalho. Preparação profissional (Berufsvorbereitung) é destinada àqueles que mesmo após a preparação profissional feita nas escolas não conseguem se colocar; com frequência isso tem a ver com déficits individuais, certificados de baixo status acadêmico, falta de habilidades na linguagem, comportamento social impróprio ou orientações e desejos irrealistas de profissão. A preparação profissional de jovens consiste, em geral, de uma mistura de atividades práticas 27 Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição – sempre nas oficinas do projeto, e recentemente cada vez mais também em empresas –, com o objetivo de compensar ou melhorar qualificações educacionais, de esclarecer quanto às orientações profissionais, de oferecer treinamento para processos seletivos, bem como ajudá-los a lidar com problemas psicossociais ou condições de vida difíceis. O acompanhamento sociopedagógico de formação profissional fora de empresas (Sozialpädagogische Begleitung außerbetrieblicher Berufsausbildungen) atende a uma pequena parte dos jovens menos favorecidos (por exemplo, jovens egressos de escolas para alunos com necessidades especiais e jovens com déficits de linguagem), que participam de um curso completo de qualificação profissional em uma das instituições de assistência à juventude e são acompanhados por profissionais sociopedagogos. Oportunidades de emprego e trabalho (Beschäftigungsmaßnahmen bzw. Arbeitsgelegenheiten) são medidas destinadas a jovens para os quais, devido à sua idade ou carreira, nenhum curso de formação profissional parece mais viável. Geralmente isso significa inclusão em atividades não qualificadas nos setores de construção, limpeza e instituições sociais, onde, além do seguro social básico (Hartz IV e II SGB), adolescentes, jovens e adultos recebem um pequeno subsídio (trabalhos de 1 euro). A maioria dessas medidas de assistência é financiada pela Agência do Trabalho, com base na Lei de Promoção do Trabalho (SGB III) ou na Lei de Seguro Social Básico (SGB II), considerando que as medidas de assistência com base no parágrafo § 13 da legislação para o Serviço Social para a Juventude (Jugendsozialarbeit), da Lei da Criança e Juventude (Kinder - und Jugendhilfegesetzes, SGB VIII) ficam relegadas a um segundo plano. Michael Galuske, já em 1993, apontou para um “dilema de orientação” na assistência profissional à juventude, pois ela faz falsas promessas aos jovens e, no melhor dos casos, apenas altera a ordem na fila de espera para a entrada no mercado de trabalho, mas nunca pode afetar seu comprimento. (GALUSKE, 1993). Dessa maneira, mostrou a inconsistência do “desfavorecimento” como critério de acesso, o qual transforma problemas estruturais – a falta de vagas de formação profissional e emprego – em déficits educacionais a serem compensados pedagogicamente; e além do mais, aumenta o problema utilizando o termo “imaturidade para a formação profissional” (nicht ausbildungsreif), o 28 Marcelo Parreira do Amaral e Andreas Walther qual não tem base científica nem legal, aplicando-o a um público-alvo ainda maior. (WALTHER, 2002; AHMED, 2008; EBERHARD, 2006). A abordagem individualizante e orientada para o déficit é o resultado de um entendimento histórico normativo do trabalho como vocação. A ideia de emprego normal prevalecente vincula posições profissionais com o sistema de seguridade social, o que representa um incentivo ao emprego remunerado no acesso ao seguro aposentadoria e de saúde e, ao mesmo tempo, protege contra a perda involuntária de rendimentos do trabalho dependente. (WALTHER, 2002, 2006). Essa ideia vem da constelação do milagre econômico do pósguerra e corresponde a um “modelo de integração pelo acesso” (BÖHNISCH; SCHRÖER; THIERSCH, 2005), de acordo com o qual aqueles que participam do ciclo de vida normal, institucionalizado através da educação, trabalho e bem-estar social, podem desfrutar de uma biografia normal marcada pela completa participação social e pelo consumo. Essa “ficção real” (OSTNER, 1987), cega com relação ao gênero por estar restrita a carreiras profissionais masculinas em tempo integral, ainda orienta grande parte das instituições relacionadas com a transição escolatrabalho e tem outra função no contexto da abertura da sociedade do trabalho (BÖHNISCH; SCHRÖER; THIERSCH, 2005). ela serve de legitimidade para a participação desigual no mercado de trabalho e a aceitação de relações de emprego precário na competição por escassas posições profissionais reconhecidas, atraentes e seguras. Reivindicações socialmente aquecidas são assim resfriadas com referência a uma superestimação da própria competitividade. Esse mecanismo de resfriamento, termo cunhado por Erving Goffman como cooling-out (GOFFMAN, 1962), utilizado pela assistência profissional à juventude, explica por que mesmo diante das constantes baixas taxas de colocação, quase nada muda no conteúdo laboral e educacional, muitas vezes pouco motivador. (GALUSKE, 1993). Nessa lógica os jovens desfavorecidos devem, primeiramente, aprender o significado do trabalho. Aqui a assistência profissional à juventude se mostra como uma função primária do estado de bem-estar social: a de “gate keeper”, ou seja, instância reguladora do acesso às posições profissionais e sociais no regime do ciclo de vida tido como normal. (SCHEFOLD, 1996; WALTHER, 2011a, 2011b). 29 Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição Em vários níveis, as “leis para serviços modernos no mercado de trabalho” (leis Hartz de 2002/2004) alteraram a assistência profissional à juventude no sentido de estender à mesma o chamado princípio básico de ativação da política de mercado de trabalho, ou seja, o acoplamento de assistência, bem como de proteção social básica ou de formação profissional à expectativa da ativa busca por trabalho e à redução de reivindicações e exigências. (RIETZKE, 2006). Embora, claro, nem todos os jovens considerados público-alvo da assistência profissional à juventude sejam afetados pelas leis Hartz IV, ainda assim o princípio de ajudar e ativar e a concomitante erosão do princípio da profissão (vocação) têm impactado a assistência aos desfavorecidos na forma de um aumento geral da pressão para adaptação. (STAUBER; POHL; WALTHER, 2007). Na assistência profissional à juventude já existiam dificuldades em equilibrar os imperativos da política do mercado de trabalho e as necessidades individuais dos jovens antes mesmo da introdução de políticas ativadoras do mercado de trabalho; com a nova estratégia intervencionista de ajudar e ativar intensificaram-se essas dificuldades. (RIETZKE, 2006). Mudanças programáticas na assistência profissional à juventude – como agências de competência ou como unidades locais ou regionais de gestão de transições – podem ser entendidas como tentativas de retomar a luta de uma instância profissional que foi menosprezada e negligenciada com atores institucionais mais poderosos. Sua fraca posição no sistema de transição não é, no entanto, resultado do fato de que atividades sociopedagógicas não sejam necessárias ou não tenham demonstrado nenhum efeito. Processos biográficos de aprendizagem bem-sucedidos pelos quais os jovens passam na assistência profissional à juventude – seja para eles fazerem formação profissional e trabalho novamente parte de seus projetos de vida, após longos períodos de desânimo, seja para eles ponderarem sobre a experiência de humilhação e alienação e as consequências de longo prazo da interrupção de um curso de formação profissional, ou mesmo desenvolver perspectivas de vida fora de formas reconhecidas de biografia laboral (GALUSKE, 2004; STAUBER; POHL; WALTHER, 2007) – são reconhecidos como sucesso ou efeito da assistência profissional à juventude se vêm acompanhados de um aumento nas taxas de colocação em formação profissional e trabalho. Porém, isto está apenas em pequena parte na sua esfera de influência. Se ela quiser expandir seu espaço de manobra, necessariamente precisará ir além dos 30 Marcelo Parreira do Amaral e Andreas Walther pressupostos de normalidade contidos nas estruturas de transição prevalentes, por exemplo, por meio de uma “visão externa”, por via da comparação internacional das diferentes estruturas de transição, ou por meio de uma perspectiva biográfica sobre necessidades e interesses, experiências e estratégias dos indivíduos. Em conclusão, o artigo apresentou uma perspectiva teórica – a qual combina conceitos do ciclo da vida e de governança – que tem o potencial de iluminar as diferentes dimensões e interações das trajetórias educacionais. Com foco na passagem de jovens da escola para o trabalho, argumentouse a importância de transições como elementos-chave desse processo e se discutiu, com referência ao caso da Alemanha, o papel da assistência profissional à juventude como um dos principais atores na regulação dessas fases. No contexto da governança de trajetórias educacionais e da transição escola-trabalho, o aporte teórico discutido mostra a necessidade de incluir uma perspectiva subjetivamente orientada, ou seja, considera desde o início a dimensão subjetiva/individual tanto na pesquisa científica quanto no desenho e implementação de políticas públicas voltadas à juventude. Para um desenvolvimento sustentável, tanto da economia quanto da sociedade em geral, abertura e inclusão se mostram indispensáveis. REFERÊNCIAS AHMED, Sarina. Sozial benachteiligte und ausbildungsunreife junge Frauen und Männer!?: oder: die individualisierte Deutung schwieriger Übergänge in Ausbildung und Arbeit. in: RIETZKE, T.; GALUSKE, M. (Org.). Lebensalter und soziale Arbeit band 4: junges erwachsenenalter. Hohengehren: Schneider-Verlag, 2008. p. 174-199. ANDRADE, Francisca Rejane Bezerra. Nova organização do trabalho e tendências para a formação profissional na Alemanha e no Brasil. 2000. 287 f. 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Diante disso, o presente artigo procura contribuir com análise a respeito da nova situação juvenil expressa tanto pela elevação da expectativa média de vida da população quanto pela emergência da economia do conhecimento. Esses novos elementos da sociedade pós-industrial exigem o repensar das políticas públicas para toda a população, especialmente o segmento juvenil, conforme apresentado na sequência. 1 Professor do Instituto de Economia e pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho da Universidade Estadual de Campinas. 37 Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição Juventudes e Transição de Sociedades Na transição atual da sociedade urbano-industrial para a pós-industrial, percebe-se o aparecimento de novas e importantes perspectivas para o protagonismo juvenil não apenas pelo trabalho. Uma via dessas novidades encontra-se relacionada à viabilidade da ampliação da expectativa média de vida da população. Há mais de cem anos, por exemplo, ainda durante o predomínio da sociedade agrária, a esperança de vida ao nascer não superava os 40 anos de idade. Ao longo do século XX, com o apogeu da sociedade industrial, a longevidade humana quase dobrou para acima dos 60 anos de idade, em média. Na sociedade pós-industrial, os mais de 100 anos de esperança de vida ao nascer não mais parecem distantes. Atualmente, os brasileiros que alcançam os 60 anos de idade possuem a expectativa de viver mais 20 anos, em média. O alongamento da expectativa de vida estabelece significados distintos para o que se reconhece como juventude, que se afasta de ser identificada como mera transição da condição de adolescência para a de adulto. Basta considerar, por exemplo, que durante a sociedade agrária, cuja expectativa média de vida encontrava-se abaixo dos 40 anos, a condição juvenil praticamente inexistia enquanto uma definição identificável ao ciclo humano. Com a sociedade urbana e industrial, a expansão da expectativa média de vida ocorreu inegavelmente e facilitou que a identificação da juventude passasse a ser objeto passível de intervenção, inclusive de políticas públicas. Para além de mero espaço de atuação familiar, a transição da adolescência para a vida adulta passou a requerer ações educacionais, como ensino médio e universidade, bem como a formação para o trabalho, além de serviços especializados, como psicólogos, orientadores vocacionais, entre outros. Diante das novas expectativas de ampliação do tempo médio esperado de vida na passagem para a sociedade pós-industrial, percebe-se que a definição tradicional de juventude perde sentido. Isso porque o tempo estabelecido originalmente de 9 anos para identificação do segmento juvenil (entre 15 e 24 anos) no século 20 não dá conta da nova situação de quem pode viver mais de 100 anos de idade. 38 Marcio Pochmann Assim, compreende-se cada vez mais como juventude o estrato social de 15 a 29 anos ou até mais (14 anos no mínimo). Por conta disso, o segmento juvenil alongado é alvo crescente de intervenção inovadora no âmbito das políticas públicas. Atualmente registram-se, pelo menos, três inovações em termos de educação e inserção juvenil no mundo do trabalho. A primeira delas relacionase ao comprometimento de o trabalho ser cada vez mais postergado no tempo. Recorda-se que, na sociedade agrária, o trabalho começava a ser exercido a partir de 5 a 6 anos de idade e prolongava-se até praticamente a morte, com jornadas de trabalho extremamente longas (14 a 16 horas por dia) e sem períodos de descanso, como férias e inatividade remunerada (aposentadorias e pensões). Para alguém que conseguisse chegar aos 40 anos de idade, tendo iniciado o trabalho aos 6 anos, por exemplo, o tempo comprometido somente com as atividades laborais absorvia cerca de 2/3 de toda a vida humana. Naquela época, em síntese, viver era fundamentalmente trabalhar, já que praticamente não havia uma separação nítida entre o tempo do trabalho e do não trabalho. Na sociedade industrial o ingresso no mercado laboral foi postergado para os 14 a 16 anos de idade, garantindo aos ocupados também o acesso a descanso semanal, férias, pensões e aposentadorias provenientes da regulação pública do trabalho. Com isso, alguém que ingressasse no mercado de trabalho depois de 15 anos de idade e permanecesse ativo por mais 50 anos, teria, possivelmente, mais alguns anos de inatividade remunerada (aposentadoria e pensão). Por força disso tudo, estima-se que cerca de 50% do tempo de toda a vida humana estaria comprometida com o exercício do trabalho heterônomo (pela sobrevivência). Assim, o ciclo da vida teria abandonado a condição de representar somente o trabalho heterônomo, tendo o tempo de trabalho abandonado a rigidez tradicional da separação com o tempo de não trabalho (inatividade laboral). No curso da nova sociedade pós-industrial, a inserção no mercado de trabalho encontra-se gradualmente sendo postergada ainda mais, possivelmente para o ingresso na atividade laboral somente após a 39 Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição conclusão do ensino superior, com idade acima dos 24 anos de idade, e a saída sincronizada do mercado de trabalho a partir dos 70 anos. Tudo isso acompanhado por jornada de trabalho reduzida, o que permite observar que o trabalho heterônomo deve corresponder a não mais que 25% do tempo da vida humana. A parte restante do ciclo da vida, contudo, dificilmente tende a se constituir, necessariamente, em tempo livre, devido aos deslocamentos territoriais e aos compromissos de sociabilidade, estudo e formação cada vez mais exigidos pela nova organização de produção e distribuição internacionalizada. Isso porque, frente aos elevados e constantes ganhos de produtividade, torna-se possível a redução do tempo semanal de trabalho de algo ao redor das 40 horas para não mais de 20 horas. De certa forma, a transição entre as sociedades urbano-industrial e pósindustrial tende a não mais separar nítida e rigidamente o tempo do trabalho do não trabalho. Assim, há uma possibilidade não desprezível de maior mescla entre os dois tempos de trabalho e não trabalho, impondo maior intensidade e o risco da longevidade ampliada da jornada laboral para além do tradicional local de exercício efetivo do trabalho. Destacam-se das novas tecnologias (internet e telefonia celular), em contato com as inovações na gestão da mão de obra, não apenas a intensificação do exercício no próprio local de trabalho. Adiciona-se a isso a extensão do trabalho exercido cada vez mais para além do local de trabalho, sem contrapartida remuneratória e protetiva, posto que os sistemas de regulação pública do trabalho encontram-se fundamentalmente focados na empresa. Outra importante novidade que necessita ser considerada resulta da forte concentração do trabalho no setor terciário das economias (serviços em geral), podendo representar cerca de 90% do total das ocupações. Assim, o terciário tende não apenas a assumir uma posição predominante, tal como representou a alocação do trabalho no setor agropecuário até o século 19, com a indústria respondendo por não mais de 10% do emprego total, como passar a exigir, por consequência, novas formas de organização e de representação dos interesses num mundo do trabalho mais heterogêneo. Nos países desenvolvidos, por exemplo, os setores industriais e agropecuários absorvem atualmente não mais que 10% do total dos ocupados. 40 Marcio Pochmann Por fim, cabe ainda observar outra novidade importante que deriva da profunda alteração que emerge entre a relação da educação com o trabalho e a vida. Até o século 19, por exemplo, o ensino era quase uma exclusividade da elite econômica e política de cada país. No século passado, contudo, o acesso à educação gradualmente generalizou-se, alcançando parcelas crescentes do conjunto da sociedade urbano-industrial, com a universalização do aceso às faixas etárias mais precoces se transformando num dos requisitos de sociabilidade e preparação para o exercício do trabalho. Na sociedade pós-industrial, a educação tende a acompanhar mais continuamente o longo ciclo da vida humana não somente como elemento de ingresso e continuidade no exercício do trabalho heterônomo, mas também enquanto condição necessária para a cidadania ampliada por toda a vida. Conectar a totalidade das transformações do mundo do trabalho com o resgate da educação e a formação profissional em novas bases passa pela redivisão da riqueza entre o fundo público – único que pode sustentar as novidades do trabalho na sociedade pós-industrial – e o capital virtual (trabalho imaterial), capaz de revolucionar a titularidade da riqueza no futuro. Dessa forma, os ganhos de produtividade (material e imaterial) poderão ser capturados significativamente a tal ponto de superar mais rapidamente a anacrônica separação entre o trabalho pela sobrevivência (trabalho heterônomo) e o trabalho autônomo (criativo, comunitário). Noutras palavras, o trabalho heterônomo para parcelas ativas da sociedade tende a ser mais contido, o que torna crescentes as possibilidades do trabalho autônomo. Para isso, contudo, as nações portadoras de futuro e geradoras dos postos de trabalho de concepção, com maior qualidade e remuneração, pressupõem maior capacidade de ampliação dos investimentos em tecnologia na produção de bens e serviços com o maior valor agregado possível. Do contrário, há o risco de retrocessos na redivisão do trabalho entre países, com parcela deles comprometida fundamentalmente com a produção de menor custo de bens e serviços. Essa produção geralmente está associada ao reduzido conteúdo tecnológico e ao valor agregado e dependente do uso de trabalho precário e de execução em longas jornadas sub-remuneradas. Ou 41 Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição seja, a reprodução do passado, com elevadas jornadas de trabalho, reduzida remuneração e forte instabilidade contratual, sem a possibilidade de fazer valer a transição dos sistemas de educação e formação contemporâneos da sociedade pós-industrial. Essa situação já é real em vários países. No novo mundo do trabalho, repleto de novidades, as escolhas nacionais estão sendo feitas. O retorno dos investimentos na formação profissional para a inserção e trajetória profissional de novo tipo faz parte da superação mais rápida dos atrasos contidos na transição social. Conforme observado, a transição das sociedades tem sido acompanhada ao longo do tempo por importantes alterações na condição da juventude. Isso ocorre nos dias de hoje, quando o curso da passagem para a sociedade pós-industrial exige alterações no entendimento sobre o segmento juvenil, especialmente em termos de educação, conforme analisado na sequência. Juventudes e Educação Um dos elementos de produção e reprodução do subdesenvolvimento nos últimos 150 anos concerne ao papel ocupado pela educação nacional, sobretudo aquela de responsabilidade do setor público. No caso brasileiro registra-se, infelizmente, a condição secundária ocupada pela educação pública ao longo do tempo, o que terminou repercutindo, direta e indiretamente, na condição da juventude. Por quase cem anos, por exemplo, a educação no Brasil permaneceu prisioneira das situações distintas de produção e reprodução do subdesenvolvimento. De fato, da implantação da República, em 1889, até a Constituição Federal, em 1988, o avanço da escola pública não foi contínuo, marcado pelo fardo da escravidão e dos traços de uma sociedade patrimonialista. Até a década de 1940, as possibilidades de inclusão dos filhos de negros na escola pública eram quase nulas, tanto assim que parcela significativa dos analfabetos do País do início do século 21 possui, em geral, mais de 50 anos de idade e não são brancos. Ao mesmo tempo, a apropriação patrimonialista do Estado por estritos segmentos sociais transformou a boa escola pública 42 Marcio Pochmann em quase exclusividade de reprodução de uma elite branca, sem conceder possibilidades para a universalização do acesso a toda a população. Com a aprovação da Constituição Federal na transição da ditadura militar (1964-1985) para o atual regime democrático, a educação pública sofreu uma importante inflexão, com a necessária garantia de recursos orçamentários, permitindo rapidamente que o País alcançasse a universalização do acesso ao ensino fundamental. Nesse novo contexto constitucional de estruturação do Estado de providência no Brasil, assistiu-se ao avanço da cobertura social para praticamente todos os segmentos vulneráveis da população, como crianças e adolescentes - Estatuto da Criança e Adolescente (ECA), idosos e portadores de necessidades especiais (reconfiguração do sistema de aposentadorias e pensão), pobres (programas de transferências de renda, como o Bolsa Família), desempregados (seguro desemprego), entre outros. Com isso, os indicadores sociais passaram a apontar melhoras inegáveis, não obstante os enormes constrangimentos impostos pelo predomínio das políticas neoliberais desde o final da década de 1980. Os avanços sociais não foram, contudo, plenos. O segmento juvenil, por exemplo, permaneceu em plano inferior, sendo somente mais tardiamente objeto de maior intervenção de políticas públicas. Mesmo assim, de forma parcial e incompleta, a começar pelo 15 14 13 12 11 10 9 8 7 6 5 4 3 2 1 0 11,4 5,6 5,3 3,9 1,2 Inativo que estuda Inativo que não Ocupado que estuda estuda 1,8 Ocupado que Desempregado Desempregado não estuda que estuda que não estuda Gráfico 1 - Brasil - Distribuição do Segmento de 16 a 24 Anos em relação à Educação e ao Trabalho em 2008 (em Milhão) Fonte: IBGE - PNAD (Elaboração do autor). 43 Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição programa Agente Jovem, no final dos anos 1990, passando pelo fracasso do Programa Primeiro Emprego, no início da década de 2000, até chegar ao mais estruturado programa governamental Pró-Jovem. Tendo em vista o desafio de conceder maior atenção à problemática da inclusão juvenil no Brasil, considera-se apenas a título de referência da temática educacional e suas condicionalidades atinentes ao segmento de 16 a 24 anos de idade. Assim, percebe-se que dos 29,3 milhões de jovens na faixa de 16 a 24 anos de idade, somente 32,4% mantinham-se afastados do mercado de trabalho no ano de 2008. Desse universo de 9,5 milhões de jovens inativos, 59% somente estudavam, enquanto 41% não estudavam, não trabalhavam nem procuravam trabalho (3,9 milhões). A maior parte dos jovens de 16 a 24 anos encontrava-se ativa no interior do mercado de trabalho (19,7 milhões), sendo 16,7 milhões ocupados e 3 milhões na condição de desempregados (15,2%). Dos que trabalhavam somente 31,7% estudavam (5,3 milhões), indicando que a maior parte que se encontra ocupada não consegue estudar (11,4 milhões). No caso dos desempregados, 40% frequentavam escola (1,2 milhão) e 60% não estudavam (1,8 milhões). Em síntese, da população de 16 a 24 anos de idade, somente 11,8 milhões (40,2%) estudavam em 2008. Desse universo, 47,5% (5,6 milhões) não trabalhavam nem procuravam trabalho (inativos), 44,9% (5,3 milhões) estavam ocupados e 10,2% (1,2 milhão) desempregados. Em relação aos jovens que não frequentavam escola (17,5 milhões), 65,1% trabalhavam (11,4 milhões), 22,2% não trabalhavam nem procuravam trabalho (3,9 milhões) e 10,3% estavam desempregados (1,8 milhões). Para os 29,3 milhões de jovens na faixa de 16 a 24 anos de idade, a renda média familiar per capita era de R$ 512,70 ao mês em 2008. Mas para os jovens inativos que só estudavam, a renda média familiar per capita era de R$ 633,20 ao mês (23,5% superior à renda média). Já para os jovens inativos que não estudavam, a renda média familiar per capita era de somente R$ 309,60 ao mês em 2008 (39,6% inferior à renda média). No caso dos jovens ocupados que estudavam, a renda média familiar per capita era de R$ 648,70 ao mês em 2008 (26,5% superior à renda média). 44 Marcio Pochmann 800 700 633,20 648,70 600 492,20 500 400 486,80 320,20 309,60 300 200 100 0 Inativo que estuda Inativo que não Ocupado que estuda estuda Ocupado que Desempregado Desempregado não estuda que estuda que não estuda Gráfico 2 - Brasil - Renda Média Familiar Per Capita do Segmento de 16 a 24 Anos em 2008 (em R$) Fonte: IBGE - PNAD (Elaboração do autor). Os jovens ocupados que não estudavam registraram renda média familiar per capita de R$ 492,20 ao mês em 2008 (4% inferior à renda média). Por fim, no caso dos jovens desempregados que estudavam, a renda média familiar per capita era de R$ 486,80 ao mês em 2008 (5,1% inferior à renda média), enquanto os jovens desempregados que não estudavam, a renda média familiar per capita era de R$ 320,20 ao mês em 2008 (37,6% inferior à renda média). Uma vez considerada a condição diferenciada das juventudes determinada pela renda e relacionada à educação no Brasil, passa-se a analisar a relação com o mercado de trabalho. Para isso, busca-se privilegiar as principais modificações do trabalho neste início do século 21. Juventudes e Trabalho Concomitante à passagem para o século 21, observa-se a afirmação de mudanças importantes nas modalidades de organização do trabalho. Uma delas – talvez a principal – resulta da emergência da economia do conhecimento que redefine as categorias básicas como capital, valor e trabalho. Esta última categoria, aliás, termina por incorporar crescentemente o saber em novas bases, tornando antiquados os atuais sistemas de educação e formação laboral. 45 Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição Com a elevação das competências laborais e a possível ampliação da expectativa de vida para próximo de 100 anos, expande-se a demanda pela formação por toda a vida e faz romper a lógica educacional do século passado, comprometida somente com as fases mais precoces da vida humana (crianças, adolescente e alguns jovens). Adiciona-se a isso o avanço da sociedade pósindustrial focado na geração de postos de trabalho no setor terciário das economias (trabalho imaterial), cuja natureza formativa diverge da inserção e trajetória laboral contínua no interior das atividades primárias e secundárias da produção (trabalho material). Novas formas de organização da produção de bens e serviços extrapolam o exercício laboral para além do exclusivo local de trabalho. Ou seja, a realização crescente do trabalho imaterial em qualquer local proporcionado pelo uso recorrente das tecnologias de comunicação e informação inovadoras, capaz de manter o ser humano plugado no trabalho heterônomo por “24 horas ao dia”. Não obstante o avanço tecnológico gerador de ganhos importantes de produtividade material e imaterial na sociedade pós-industrial, aumenta a pressão por maior tempo de uso do trabalho para a sobrevivência. Trata-se do paradoxo contemporâneo concentrado na dissintonia entre a possibilidade da menor dimensão do tempo de trabalho heterônomo e o avanço das novas doenças do trabalho geradas pela intensificação do trabalho nos tradicionais locais de emprego da mão de obra. Além disso, verifica-se a extensão das jornadas laborais em outras localidades (em casa ou em espaços públicos) impostas pela combinação patronal das mudanças organizacionais com inovações tecnológicas comunicacionais. Em síntese, a emergência do conhecimento enquanto força produtiva motriz torna o trabalho imaterial associado à intensificação e ao alargamento da jornada laboral e atrativo à exploração da mão de obra com maior expectativa de vida. Neste contexto novo do mundo do trabalho reconsiderase a funcionalidade do atual sistema de educação e formação laboral no Brasil. É nesse sentido que a relação da juventude com o trabalho sofre alterações necessárias. Se o conhecimento torna-se cada vez mais o requisito necessário da inserção e sustentação ascendente pelo trabalho para os jovens, a postergação no ingresso no mercado de trabalho passa a ser considerável. 46 Marcio Pochmann Para o exercício do trabalho de qualidade, a conclusão do ensino superior assume cada vez mais relevância, o que exige ingressar mais tardiamente no mercado de trabalho. Dessa forma, a elevação da escolaridade se aliaria à maior qualificação para o exercício do trabalho, conforme se procura ressaltar a seguir. Juventudes e Formação para o Trabalho De maneira geral, a evolução das sociedades tem permitido ao homem libertar-se gradualmente do trabalho vinculado tão-somente à estrita necessidade de sobreviver (trabalho heterônomo). Nas antigas sociedades agrárias o trabalho voltava-se fundamentalmente para o exclusivo objetivo de prover a sobrevivência, exigindo que o seu exercício ocorresse da fase infantil até o envelhecimento terminal. Assim, a população permanecia prisioneira do trabalho pela sobrevivência, quando a expectativa média de vida estava ainda abaixo dos 40 anos de idade e a jornada de trabalho consumia ¾ do tempo de vida. No sistema agrário o trabalho pela sobrevivência realizava-se no próprio local de moradia, sendo a formação laboral vinculada, desde os 5 a 6 anos de idade, à imitação de atitudes e sociabilidade dos mais velhos. Com escolas praticamente inexistentes, a transmissão do conhecimento existente era pela simples prática e cultura oral por meio dos mais velhos, que tinham a missão de apoiar a continuidade das atividades laborais no longo prazo no interior das próprias famílias. A partir do século 19, com a transição para a sociedade urbana e industrial, surgiram novas modalidades emancipatórias para a antiga condição de trabalho fundada quase que na exclusiva luta pela sobrevivência. Os avanços transcorreram por meio da possibilidade de parcela da população (crianças, adolescentes, deficientes físicos e mentais, doentes e idosos) viver sem mais estar sujeita à condenação ao trabalho para o custeio estrito da sobrevivência, bem como pela redução da carga horária de trabalho aos segmentos sociais ativos (de 4 mil para 2 mil horas de trabalho ao ano) e elevação da proteção social aos riscos do trabalho penoso (Estado de bem-estar social). Os avanços ocorreram a partir da construção de fundos públicos capazes de viabilizar o financiamento da inatividade de crianças, adolescentes 47 Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição e idosos através da garantia de serviços públicos generalizados em saúde, transporte e educação, nos bens (alimentação, saneamento e moradia) e na complementação de renda (bolsas e subsídios). Para isso foi necessária a elevação da carga tributária, especialmente sobre os mais ricos, para tornar viável o avanço educacional. Diante da expansão na base material da economia industrial houve elevação do padrão de bem-estar social associado ao processo de lutas sociais e políticas protagonizadoras de um salto civilizatório. Neste sentido, o processo de formação laboral se tornou organizado em grandes estruturas institucionais que passaram a atuar sob a inatividade que atingiu a fase precoce da vida. Ou seja, o ingresso no mundo do trabalho postergado para após a finalização do ciclo educacional e formativo de crianças, adolescentes e jovens financiado por recursos públicos e familiares. Uma vez concluído o circuito inicial da formação, o ingresso no mundo do trabalho percorria trajetórias ocupacionais que duravam entre 25 e 35 anos do tempo de vida para novamente ser substituído pelo retorno à inatividade remunerada por aposentadorias e pensões. Em geral, durante a vida adulta, após a conclusão do processo de educação básica, o contato com a formação não era recorrente, muitas vezes associado fundamentalmente ao segmento interno das grandes empresas que operavam por meio de planos de cargos e salários e formação corporativa. Do ponto de vista da formação profissional ofertada por instituições públicas, geralmente associadas ao sistema público de emprego (segurodesemprego, intermediação de mão de obra e qualificação), a sistemática procurava atender tanto problemas de curto prazo (desemprego conjuntural) como de longa duração (desemprego estrutural). Dessa forma, o processo de formação tendia a focar, sobretudo, o ingresso no mercado de trabalho, ainda que não desconsiderasse as possíveis interrupções na trajetória laboral imposta pela condição do desemprego. Juventudes e Nova Formação para o Trabalho Imaterial A transição para a sociedade pós-industrial abre a perspectiva de novas formas de valorização do trabalho humano para além da obrigação estrita à sobrevivência. A crescente postergação do ingresso dos jovens no mercado de 48 Marcio Pochmann trabalho e a maior redução no tempo de trabalho dos adultos, em combinação com a ênfase no ciclo educacional ao longo da vida, representam possibilidades inéditas para o mundo do trabalho, especialmente com a expectativa de vida mais longa. Para além da tradicional divisão laboral que demarcou o século 20, por meio da setorização do trabalho urbano-industrial e agropecuário, há avanços significativos nas atividades humanas centradas na concepção e execução do processo de produção. Mas isso não se manifesta sem a plena subsunção do trabalho não material, com a evolução da intelectualização nos procedimentos de trabalho nos setores industriais e de serviços, bem como pelo consumismo imposto pelo padrão de produção insustentável ambientalmente. De certa forma, prevalece um conjunto de intensas disputas empresariais associadas à apropriação do conhecimento e da tecnologia, o que contribui para a constituição de um novo paradigma organizacional do trabalho, muito distinto do que prevaleceu durante o auge da economia industrial do século passado. Mesmo que o padrão fordista-taylorista de organização do trabalho urbano-industrial venha sendo reprogramado, com as modificações introduzidas por uma série de novidades processuais no âmbito da produção flexível (toyotismo, just in time), permanecem ainda os sinais de sua incapacidade plena no atendimento das determinações laborais impostas por diferenciados e inovadores espaços da acumulação capitalista. Frente à predominância das atividades de serviços no interior da estrutura produtiva, o exercício do trabalho imaterial manifesta-se distintamente do material vigente na produção urbano-industrial. Pelo lado da produtividade registra-se a sua ascensão, embora de difícil mensuração pelos tradicionais cálculos que relacionam avanços na produção física com hora efetivamente trabalhada ou quantidade de trabalhadores. Por ser cada vez mais direto, relacional e informacional, bem como pela demarcação de relações do tipo produtor e consumidor, o trabalho de natureza imaterial expande-se por autosserviço e terceirização. Assim, a economia do conhecimento faz com que o trabalho desmaterializado deixe de ser mensurável em unidades do tempo, conforme identificado desde a época de Adam Smith, como um valor comum a todas as mercadorias. 49 Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição Cada vez mais o trabalho imaterial gerador de valor pressupõe a presença de componentes comportamentais. Não mais o tempo de trabalho comprometido, mas a motivação incorporadora do saber vivo a ser estabelecido por método distinto do tradicional ensino e formação laboral. Em síntese, o saber que não se compõe de conhecimentos específicos e fragmentados a ser ensinado por formação especializada e formalizada por escolas técnicas, faculdades e cursos setoriais. Com a informatização, o aprendizado setorizado e formalizado impede o desenvolvimento do conhecimento totalizante, ou seja, o saber da experiência, da coordenação, da comunicação, da auto-organização, do discernimento e das iniciativas criativas. Esse saber a ser incorporado no trabalho imaterial não torna possível a sua aprendizagem pelo modo tradicional de educar e formar mão de obra. Talvez por isso as grandes corporações empresariais aprofundem as chamadas Universidades Corporativas (UC) com formação ao longo do tempo dos seus empregados. Nos EUA, por exemplo, as UC ultrapassaram em quantidade as universidades tradicionais, enquanto no Brasil as 400 maiores empresas já comprometem com formação para o trabalho o equivalente a ¼ de todos os recursos destinados à educação. A repetição do passado por políticas públicas compromete a formação adequada para o trabalho imaterial, tornando o patronato da grande empresa protagonista na difusão de uma educação favorável estritamente aos objetivos privatistas. Outro sistema de formação pública é necessário para resgatar a totalidade dos valores do trabalho dos antiquados métodos fragmentados e especializados no ensino e aprendizagem formalmente setorizados. Considerações Finais Conforme destacado nas páginas anteriores, alguns dos principais aspectos relacionados às juventudes diante da transição para a sociedade pósindustrial foram enfocados. De um lado, a elevação da expectativa média de vida da população para cada vez mais próxima dos cem anos de idade coloca em xeque a definição tradicional da juventude segundo a fase temporal de transição entre adolescência e vida adulta. 50 Marcio Pochmann Nos dias de hoje, a fase temporal de 15 a 24 anos, anteriormente determinada como segmento juvenil, terminou sendo estendida para 15 a 29 anos idade. Mas para, além disso, requer considerar os elementos que devem estar presentes nas políticas públicas para a juventude. De outro lado, a difusão do trabalho de natureza imaterial, com exigências crescentes da economia do conhecimento, fez a educação passar a ter papel ainda mais significativo do que tinha até então. Para isso, o requisito da universalização do acesso ao ensino superior emerge como necessário à formação para o trabalho imaterial, sendo o ingresso ao mercado de trabalho pela juventude postergado. Assim, ao invés da proibição do exercício do trabalho a menores de 16 anos, passa assumir importância o ingresso no mercado de trabalho após a conclusão do ensino superior. Ou seja, para depois dos 24 anos de idade. Com a passagem para a sociedade pós-industrial, buscou-se também analisar a relação da juventude com temáticas da educação, da formação para o trabalho e do funcionamento do mercado de trabalho. Dessa forma, esperase contribuir com o melhor entendimento acerca dos desafios de políticas públicas direcionadas às juventudes neste início do século 21. REFERÊNCIAS AGLETTÁ, M. Regulation et crises du capitalisme. Paris: Calmann-Lévy, 1976. AMORIM, R. et al. Atlas da exclusão social no Brasil. São Paulo: Cortez, 2003. ______. Atlas da nova estratificação social no Brasil. São Paulo: Cortez, 2008. V. 3. ANTUNES, D. Capitalismo e desigualdade. Campinas: Unicamp, 2011. ANTUNES, R.; BRAGA, R. Infoproletários. São Paulo: Boitempo, 2009. ARAÚJO, A. et al. Cenários do trabalho. 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UM NOVO NICHO EM MEIO À EXPANSÃO DAS OPORTUNIDADES DE TRABALHO?1 Nadya Araujo Guimarães2 Vive-se, no Brasil, a partir de meados dos anos 2000, um contexto de crescimento econômico persistente, de aquecimento do mercado de trabalho e de ampliação de empregos formalmente protegidos. Este tem sido, igualmente, um momento de diversificação das relações de emprego, quando avançam e tendem a se consolidar no léxico das formas contratuais as referências ao trabalho subcontratado, ao trabalho temporário, ao emprego intermediado por terceiros. Num tal contexto, o que se pode observar quando se fixa o olhar especificamente nesse segmento da atividade econômica que emerge com tamanha pujança? O que dizer das oportunidades de trabalho que estão sendo criadas? Qual a qualidade desses novos empregos? Qual o peso dos trabalhadores jovens nessas novas formas de trabalho? O que dizer das trajetórias dos jovens que aí se ocupam? Ou seja, o que dizer do mercado de trabalho brasileiro quando observado pela lente desse novo nicho de oportunidades criadas para os que nele ingressam? 1 As reflexões reunidas neste trabalho advêm da minha inserção institucional e do apoio que tenho recebido do Centro de Estudos da Metrópole, através dos Projetos Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp)/ Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID) (processos número 1998/14342-9 e 2013/07616-7) e Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq)/Programa Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCT) (processo nº 1998/14342-9). As ideias aqui expressas foram desenvolvidas em estreita parceria intelectual com outros dois membros da minha equipe de pesquisa, a quem agradeço, Flavia Consoni e Jonas Bicev. 2 Professora Titular do Departamento de Sociologia da Universidade de São Paulo e Pesquisadora I do CNPq, associada ao Centro de Estudos da Metrópole. 57 Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição Confrontar essas perguntas, com algumas evidências instigantes, será o objeto deste texto. Para tal, o mesmo se dividirá em três partes. Na primeira, situa-se brevemente o movimento de expansão das novas formas do trabalho formal, que se constitui à medida que o crescimento das oportunidades ocupacionais se fez ordinário, no Brasil, a partir de meados da década passada. Na segunda parte, caracteriza-se, em suas grandes linhas, o perfil dos empregos formais criados por meio de empresas de agenciamento, seleção e locação de trabalhadores, destacando-se o peso do contingente de jovens no segmento. Finaliza-se mostrando, pela análise das trajetórias desses jovens, como o segmento vem se constituindo num novo nicho de oportunidades ocupacionais para os que ingressam no mercado de trabalho. Expansão com Reconfiguração dos Empregos Formais? Observando-se a performance do mercado brasileiro de trabalho a partir da segunda metade dos anos 2000, um significativo crescimento do emprego formalmente registrado fica visível nos dados da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS), o melhor termômetro sobre o que se passa no mercado formal de trabalho.3 No Gráfico 1, o ritmo desse crescimento é apresentado numa série histórica que recobre os anos posteriores ao Plano Real (1994-2010). Nela se destaca a inflexão que tem lugar a partir de 2002. O mercado formal se reanima e passa a crescer a taxas mais elevadas que fazem dobrar o número de trabalhadores contratados no comércio (139%) e nos serviços (105%); até mesmo na indústria, que experimentara taxas negativas entre 1995 e 2001, o volume do emprego registrado cresceu 46% numa comparação ponto a ponto. Todavia, o mais interessante achado que se apresenta no Gráfico 1 diz respeito ao ritmo muito mais elevado com que aumenta a parcela do emprego formal gerado pelas empresas de seleção, agenciamento e locação de mão de obra. Ele cresce quase 300% no mesmo período (mais exatamente 272%). 3 A Relação Anual de Informações Sociais (RAIS) é um registro administrativo produzido pelo Ministério do Trabalho e do Emprego; ela recolhe compulsoriamente, junto às empresas brasileiras, informações sobre contratos firmados ou desfeitos, ao longo de cada ano. A informação permite descrever o perfil dos formalmente contratados em 31 de dezembro de cada ano. 58 Nadya Araujo Guimarães Vale dizer, quando a economia se reanima e as oportunidades de trabalho se ampliam, o emprego formal gerado através de intermediários cresce muito mais celeremente que o incremento no assalariamento direto, não importando o setor de atividade com o qual se compare tal crescimento. Seria plausível pensar que quando firmas enxutas voltam a recrutar num mercado de trabalho até então prenhe de desempregados, o custo desse recrutamento, dado o afluxo desmesurado de candidatos, pode justificar o ônus de investir na presença de um terceiro agente, o intermediador. 800,0 700,0 600,0 500,0 400,0 300,0 200,0 100,0 0,0 -100,0 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 Emprego Formal Indústria Comércio Serviços Emprego via intermediários Gráfico 1 - Ritmo de Crescimento do Emprego Formal no Brasil: Média e Setores Selecionados (Ano Base: 1994) Fonte: Informações Extraídas da RAIS, Banco de Dados do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE); processamentos próprios. (GUIMARÃES, 2011). Ademais, ao se supor que o custo de recrutar seja maior em escalas crescentes de operação do mercado, o recurso a intermediários seria tanto mais plausível quanto maior fosse a oferta de trabalhadores e a concentração destes. Um argumento dessa natureza levaria à conclusão de que o notável crescimento do emprego produzido através de intermediários tende a ser um fenômeno exclusivo de mercados de larga escala, como os mercados metropolitanos. Analisando os mesmos dados da RAIS, Guimarães; Consoni e Bicev (2013) observaram que estamos diante de um processo que, conquanto concentrado nas grandes metrópoles (em especial em São Paulo), repercute para além dos limites dos grandes mercados metropolitanos. 59 Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição Mais ainda, conforme dados internacionais, o Brasil tem posição de destaque nesse movimento de expansão dos vínculos de trabalho intermediados. Algumas estatísticas coletadas pela International Confederation of Private Employment Agencies (CIEET) nos anos de 2008 e 2009 (e veiculadas respectivamente em CIEET, 2010 e CIEET, 2011) estão resumidas no Gráfico 2. Elas permitem situar o Brasil nesse quadro internacional e dão a medida do peso do trabalho intermediado em distintos países, comparando-os com a média europeia.4 Considerando-se o indicador da CIEET relativo ao volume absoluto do emprego provido por intermediadores, o Brasil, tanto em 2008 quanto em 2009, só era ultrapassado pelos Estados Unidos, pelo Japão, Reino Unido e pela África do Sul. 7,0% 6,0% 5,0% 4,0% 3,0% 2,0% 2008 2009 1,0% ia) U ni ão Eu ro p Co éia ré ia (m do éd Su l ile Ch a nt in il ge Ar Br as SA U ão Ja p Áf ric ad o Su l 0,0% Gráfico 2 - Taxa de Participação do Trabalho Agenciado Fora da Europa Fontes: CIEET International... (2010) e CIEET International... (2011). Segundo informações da CIEET, o Brasil também se destaca entre os países líderes no que concerne ao número de firmas dedicadas à intermediação 4 A diferença entre o percentual indicado pelo CIEET e o que se obtém via RAIS resulta da metodologia utilizada pela Confederação. Assim, a taxa de participação que se apresenta no Gráfico 2 foi obtida como o quociente entre número de intermediados expresso em unidades de trabalhadores full time e a população ocupada conforme medida pela Organização Internacional do Trabalho (OIT); para chegar ao numerador desse quociente, que traduz o volume de ocupados pelos intermediadores em “unidades de trabalhadores full time”, o CIEET computa o número total de horas trabalhadas pelos empregados através das agências de um mesmo país no período de um ano, e o divide pelo número médio de horas trabalhadas no mesmo período pelos trabalhadores empregados em tempo integral. 60 Nadya Araujo Guimarães de trabalho (traduzido pelo número de agências de emprego) e pela complexidade dessas firmas, expressa no tamanho do corpo de funcionários por ela mobilizados (traduzido pelo tamanho do quadro interno). Brasil e África do Sul são os primeiros países fora do circuito dos tradicionais centros de intermediadores a se destacar pelo número de agências de emprego, e cabe ao Brasil o segundo lugar em número de empregados na gestão dessas agências. (GUIMARÃES; CONSONI; BICEV, 2013). Em suma, nos últimos anos o trabalho intermediado ampliou suas formas, no Brasil, ancorado numa nova regulação institucional. A atividade econômica com ele envolvida tornou-se um negócio atraente, operando de maneira permanente, em escala plurisetorial e multirregional, abarcando, inclusive, o trabalho de gestão dos seus recursos humanos, crescentemente externalizado pelas firmas. Ou seja, seu lugar passa a ser central na nova quadra econômica. Nesse movimento, o Brasil encontra-se não apenas em sintonia com a dinâmica internacional, como também passa a se constituir num polo propulsor da dinâmica do setor de intermediação de oportunidades de trabalho. Em sintonia com esse movimento, a literatura internacional que aborda o tema dos intermediários no mercado de trabalho tem acumulado um volume significativo de produção e reflexão sobre tal atividade. Muitas reflexões buscaram entender quem são e como atuam as empresas que agem como intermediárias no mercado de trabalho. (PECK; THEODORE, 1999; FORDE, 2001; BENNER; LEET; PASTOR, 2006). Outros autores se voltaram para os estudos sobre os trabalhadores sujeitos a tais vínculos de emprego. (MURTOUGH; WAITE, 2000; BURGESS; CONNELL, 2004; BURGESS; CONNELL; RASMUSSEN, 2005). Toda essa literatura, no entanto, ainda é pautada por indefinições. Segundo Kalleberg (2000), o entendimento acerca do mercado de intermediação de mão de obra tem sido dificultado por definições inconsistentes, medidas frequentemente inadequadas e escassez de pesquisas comparativas. No Brasil, também essa nova realidade desafia os intérpretes, seja pela pujança dos indicadores de seu crescimento, como os que foram alinhados anteriormente, seja pelo pouquíssimo conhecimento que até aqui se conseguiu 61 Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição reunir sobre o trabalho intermediado.5 Especialmente desafiador, sem dúvida, é reconhecer o lugar estratégico desse tipo de emprego para a inclusão de jovens, notadamente daqueles com reduzida qualificação, seja ela medida em termos de experiência no mercado de trabalho, seja em termos do alcance educacional. Um setor para o qual se precisa atentar ao se pretender entender - e intervir - é a inclusão ocupacional de trabalhadores recém-chegados ao mercado e com escolaridade pouco competitiva, porque apenas intermediária. Um Novo Nicho de Emprego Juvenil? Num contexto de crescimento econômico persistente, de aquecimento do mercado de trabalho e de ampliação de empregos formalmente protegidos, mas que se constitui também num momento de diversificação das relações de emprego (em direção ao trabalho subcontratado, temporário, intermediado por terceiros), o que dizer das trajetórias dos jovens? O que se pode observar quando se fixa o olhar especificamente nesse segmento da atividade econômica, que emerge com tamanha pujança? O que dizer das oportunidades de trabalho que estão sendo criadas? Qual o papel dos jovens nas mesmas? Qual a qualidade desses novos empregos? Ou seja, o que dizer do mercado de trabalho brasileiro quando observado pela lente das oportunidades criadas para os que nele ingressam? Em primeiro lugar, este é um mundo de oportunidades fugazes, de vínculos de trabalho de reduzida duração. Conforme se pode observar na Tabela 1, os contratos que se encerram antes dos primeiros três meses representam, em cada ano, cerca de 60% do total. Trata-se de um segmento que cria oportunidades sob a égide maciça dos vínculos temporários. Assim, e como se pode ver na Tabela 2, embora não seja desprezível a presença dos contratos por tempo indeterminado, regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), (refletindo o peso do staff interno nessas firmas), os temporários concentram algo em torno de 60% dos vínculos estabelecidos em cada um dos anos considerados. 5 Em outras ocasiões tratei do assunto de modo mais extenso, revisando as reflexões produzidas a respeito do tema. Como não cabe aqui repetir tais considerações, remeto a Guimarães (2008); Guimarães (2009) e Guimarães (2011). 62 Nadya Araujo Guimarães Tabela 1 - Tempo de Emprego (Em Meses) dos Trabalhadores das Empresas de Seleção, Agenciamento e Locação de Mão de Obra, Brasil (Todos os Vínculos, Anos Selecionados) Faixas de Tempo de Emprego Até 2,9 meses 3,0 a 5,9 meses 6,0 a 11,9 meses 12,0 a 23,9 meses 24,0 a 35,9 meses 36,0 a 59,9 meses 60,0 a 119,9 meses 120,0 meses ou + Sem informação Total 2003 2008 2010 N 785.175 1.197.292 1.236.184 % 59,6 63,0 62,5 N 259.476 242.622 265.383 % 19,7 12,8 13,4 N 83.676 135.460 137.180 % 6,3 7,1 6,9 N 78.922 129.261 133.376 % 6,0 6,8 6,7 N 35.119 58.535 57.584 % 2,7 3,1 2,9 N 28.429 52.328 49.162 % 2,2 2,8 2,5 N 13.622 30.343 30.086 % 1,0 1,6 1,5 N 3.403 4.787 5.321 % 0,3 0,3 0,3 N 30.016 50.016 64.523 % 2,3 2,6 3,3 N 1.317.838 1.900.644 1.978.799 % 100,0 100,0 100,0 Fonte: Informações Extraídas da RAIS, Banco de Dados do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE); processamentos próprios. (GUIMARÃES; CONSONIN; BICEV, 2013). A curta duração desses vínculos reflete, por certo, a barreira institucional derivada da Lei 6.019, de 1974, que limita esse tipo de trabalho a três meses, renováveis por mais 90 dias (desde que autorizado por órgão local do Ministério do Trabalho, as Delegacias Regionais do Trabalho). Mas, nesse caso, apesar de a renovação ser sempre possível, vê-se que a grande maioria dos trabalhadores temporários é dispensada ao final do vínculo inicial ou transferida ao quadro interno das empresas contratantes. 63 Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição Tabela 2 - Tipo de Vínculo dos Trabalhadores das Empresas de Seleção, Agenciamento e Locação de Mão de Obra, Brasil (Todos os Vínculos, Anos Selecionados) Tipo de vínculo 2003 2008 2010 CLT 426.571 731.582 726.378 32,4 38,5 36,7 Temporários 877.065 1.152.589 1.238.228 66,6 60,6 62,6 Outros(*) 14.202 16.473 14.193 1,1 0,9 0,7 Total 1.317.838 1.900.644 1.978.799 100,0 100,0 100,0 Fonte: Informações Extraídas da RAIS, Banco de Dados do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE); processamentos próprios. (GUIMARÃES; CONSONIN; BICEV, 2013). *Contrato por prazo determinado, trabalhadores avulsos, estatutários, diretores e menor aprendiz. E quem são os trabalhadores ocupados nesse setor emergente, que se destaca no mundo do emprego formal no Brasil do pós-2005? São as mulheres - em persistente crescimento, e os jovens. Estes últimos formam o grande contingente dos que entram no mercado do trabalho registrado, utilizandose, para tal, da porta aberta pelo setor dos empregos intermediados. No que tange à participação feminina, há uma clara tendência à equiparação entre mulheres e homens; se estes continuam sendo a maioria, concentrando mais da metade dos vínculos (Tabela 3), aquelas rivalizam mais e mais. Tabela 3 - Distribuição dos Vínculos pelo Sexo dos Empregados das Empresas de Seleção, Agenciamento e Locação de Mão de Obra, Brasil (Todos os Vínculos, Anos Selecionados) Sexo Masculino Feminino Total 2003 825.153 62,6 492.685 37,4 1.317.838 100 2008 1.099.974 57,9 800.670 42,1 1.900.644 100 2010 1.115.457 56,4 863.342 43,6 1.978.799 100 Fonte: Informações Extraídas da RAIS, Banco de Dados do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE); processamentos próprios. (GUIMARÃES; CONSONIN; BICEV, 2013). 64 Nadya Araujo Guimarães Mas é de jovens que esse mundo do trabalho intermediário se nutre. Conforme a Tabela 4, na composição desses ocupados, as faixas etárias dos jovens (de 18 a 24 anos) e dos jovens adultos (de 25 a 29 anos) acumulam – e sempre – nada menos que 60% dos vínculos. Tabela 4 - Vínculos Distribuídos pela Faixa Etária dos Empregados das Empresas de Seleção, Agenciamento e Locação de Mão de Obra, Brasil (Todos os Vínculos, Anos Selecionados) Faixa etária 10 A 14 15 A 17 18 A 24 25 A 29 30 A 39 40 A 49 50 A 64 65 OU + Sem informação Total N % N % N % N % N % N % N % N % N % N % 2003 116 0,0 8.936 0,7 511.923 38,8 291.112 22,1 316.604 24,0 139.161 10,6 48.002 3,6 1.964 0,1 20 0,0 1.317.838 100,0 2008 55 0,0 7.473 0,4 686.159 36,1 453.079 23,8 459.519 24,2 208.044 10,9 82.501 4,3 3.772 0,2 42 0,0 1.900.644 100,0 2010 39 0,0 7.000 0,4 672.387 34,0 459.768 23,2 506.552 25,6 231.326 11,7 97.357 4,9 4.366 0,2 4 0,0 1.978.799 100,0 Fonte: Informações Extraídas da RAIS, Banco de Dados do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE); processamentos próprios. (GUIMARÃES; CONSONIN; BICEV, 2013). Não sem razão, e conforme a Tabela 5, há uma persistente elevação do perfil de escolaridade do conjunto dos trabalhadores empregados, no qual se refletem os ganhos educacionais recentes que caracterizam o novo perfil dos jovens trabalhadores brasileiros. Assim, de acordo com a progressão ideal do sistema educacional, é na faixa etária que concentra a maior parte dos vínculos (de 18 a 24 anos e de 25 a 29 anos), que se espera encontrar o grupo com o nível médio de ensino já completo. Entre 2003 e 2010, a participação 65 Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição dos indivíduos com ensino médio completo, que já era alta, cresce cerca de 20 pontos percentuais, saindo de 43,2% para 64,4% da totalidade dos vínculos. Ademais, como é possível perceber a partir da Tabela 5, tal aumento é concomitante com o aumento na quantidade total de vínculos, o que torna ainda mais impressionante o crescimento do número absoluto de trabalhadores situados nesse nível de ensino. Tabela 5 - Vínculos Distribuídos pela Escolaridade dos Empregados das Empresas de Seleção, Agenciamento e Locação de Mão de Obra, Brasil (Todos os Vínculos, Anos Selecionados) Escolaridade Analfabeto Fundamental incompleto Fundamental completo Médio incompleto Médio completo Superior incompleto Superior completo Total 2003 8.579 0,7 255.077 19,4 241.524 18,3 113.298 8,6 569.390 43,2 55.211 4,2 74.759 5,7 1.317.838 100,0 2008 5.942 0,3 204.615 10,8 241.226 12,7 138.641 7,3 1.170.158 61,6 72.253 3,8 67.809 3,6 1.900.644 100,0 2010 6.762 0,3 186.776 9,4 224.253 11,3 138.830 7,0 1.273.288 64,3 69.556 3,5 79.334 4,0 1.978.799 100,0 Fonte: Informações Extraídas da RAIS, Banco de Dados do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE); processamentos próprios. (GUIMARÃES; CONSONIN; BICEV, 2013). Com o intuito de explorar as possíveis causas da alteração no nível de escolaridade dos ocupados, procurou-se identificar as dez principais ocupações que respondiam por metade dos vínculos de trabalho gerados pelas empresas de seleção, agenciamento e locação de mão de obra. Conforme a Tabela 6, não há evidências fortes o suficiente para sustentar que as maiores exigências em termos de educação formal sejam o produto de mudanças no perfil das ocupações ofertadas. Com efeito, conquanto a escolaridade varie, elevandose de modo significativo, a composição das ocupações principais mostra indiscutível persistência. 66 Nadya Araujo Guimarães Tabela 6 - Vínculos Distribuídos pelas Dez Principais Ocupações dos Empregados das Empresas de Seleção, Agenciamento e Locação de Mão de Obra, Brasil (Todos os Vínculos) 2003 2008 Vendedores e Demonstradores 136.114 Alimentadores de Linha de Produção 118.651 Escriturários em Geral 10,3 9,0 99.157 Vendedores e Demonstradores Alimentadores de Linha de Produção Escriturários em Geral 7,5 Serviços de Manutenção e Cons. de Logradouros Ajudantes de Obras Civis 59.158 4,5 Técnicos de Vendas Especializadas 51.334 Porteiros, Guardas e Vigias 42.415 Escriturários de Serv. Bancários 34.390 Mantenedores de Edificações 30.536 Trabalhadores de Carga e Descarga Outras Ocupações 29.229 3,9 14,4 Vendedores e Demonstradores 188.005 Alimentadores 9,9 142.929 Porteiros, Guardas e Vigias Serviços de Manutenção de Cons. de Logradouros 6,2 84.038 4,4 77.074 4,1 7,1 106.356 Servicos de Manut. de Edificações Serviços de Manutenção e Cons. de Logradouros Porteiros, Guardas e Vigias 5,4 93.776 4,7 79.590 4,0 51.864 45.180 2,0 Almoxarifes e Armazenistas 814.164 Outras Ocupações 805.114 44.608 38.067 2,2 Almoxarifes e Armazenistas 634.314 Outras Ocupações 3,6 2,7 2,3 42,8 1.900.644 100,0 140.451 Trabalhadores de Carga e Descarga Trabalhadores de Carga e Descarga Total 11,7 64.559 50.870 1.317.838 232.360 Ajudantes de Obras Civis Técnicos de Vendas Especializadas 2,3 14,6 69.816 69.102 2,6 289.733 Técnicos de Vendas Especializadas Ajudantes de Obras Civis 3,2 de Linha de Produção Escriturários em Geral 117.825 Servicos de Manut. de Edificações 48,1 Total 273.962 7,5 82.540 6,3 2010 100,0 3,5 3,3 2,6 2,3 40,7 Total 1.978.799 100,0 Fonte: Informações Extraídas da RAIS, Banco de Dados do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE); processamentos próprios. (GUIMARÃES; CONSONIN; BICEV, 2013). 67 Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição Trajetórias num Mundo de Vínculos Fugazes: Um Modo Juvenil de Chegar ao Trabalho Registrado? Num cenário de vínculos tão fugazes, o que dizer dos percursos desses (jovens) trabalhadores? Para sabê-lo, construiu-se um painel retrospectivo, a partir de uma amostra aleatória de 5% dos vínculos, de modo a recuperar suas informações até o ano de 1998 (ou seja, por um período de dez anos). Tomando em conta o setor de origem, a quantidade de vínculos e o tempo de emprego anterior dos indivíduos admitidos, em 2008, pelas empresas de seleção, agenciamento e locação de mão de obra, foi possível identificar sete classes de percursos típicos, que reúnem trabalhadores cujas trajetórias de trabalho anterior se assemelham. (Tabela 7). Tabela 7 - Classes de Trajetórias Típicas dos Trabalhadores Recrutados pelas Empresas de Seleção, Agenciamento e Locação de Mão de Obra no Brasil. Painel Retrospectivo 2008-1998 N 31.602,0 % 56,4 2. Trabalhadores cuja experiência é marcada pela intensa transição entre setores 9.045,0 16,1 3. Trabalhadores cuja experiência se divide entre comércio e informalidade 4. Trabalhadores cuja experiência se divide entre informalidade e indústria da transformação 5. Trabalhadores cuja experiência se concentra nas indústrias da transformação 6. Trabalhadores cuja experiência se divide entre as ativ. imobiliárias e serv. prestados às empresas 4.252,0 7,6 3.924,0 7,0 2.644,0 4,7 2.457,0 4,4 7. Trabalhadores cuja experiência se concentra principalmente no comércio. Total 2.098,0 3,7 56.022,0 100,0 Classes 1. Indivíduos com pequena experiência anterior no mercado formal Fonte: Informações Extraídas da RAIS-Migra Vínculos, Banco de Dados do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE); processamentos próprios. (GUIMARÃES; CONSONIN; BICEV, 2013). 68 Nadya Araujo Guimarães Algo chama a atenção na Tabela 7: 56,4% (ou seja, mais da metade dos empregados) tinham pouca experiência no mercado formal ou nunca tinham trabalhado com carteira assinada (Classe 1); neste caso, as agências de seleção, locação e intermediação funcionavam como porta de entrada, ou de retorno, ao mundo dos empregos protegidos. Somados os quase 60% de recém-chegados ao mercado formal com os 16% daqueles que, ali estando, circulavam intensamente não só entre vínculos, mas entre setores de atividades (segundo tipo de percurso em importância), tem-se a dimensão da vulnerabilidade dessas trajetórias, eminentemente juvenis, que se constroem a partir das oportunidades abertas pelos intermediários no mercado brasileiro de trabalho. Esse achado reforça o que outros estudos encontraram (GUIMARÃES, 2009; BICEV, 2010) e destaca a relevância do conhecimento sobre este setor para se entender as novas formas de incorporação ao trabalho de jovens. Alinhando os resultados atuais aos achados anteriores, podem-se formular algumas observações conclusivas com respeito às trajetórias dos indivíduos ocupados sob essa relação de emprego de crescimento recente e vigoroso. Em primeiro lugar, viu-se, em estudos anteriores, (GUIMARÃES, 2009) que os que se ocupam por meio de empresas de seleção, agenciamento e locação, mesmo se com elas rompem seus vínculos de trabalho (e nove em cada dez o fizeram no período analisado), tendem a permanecer (isto é, seis em cada dez) no mundo dos empregos registrados. Ou seja, é como se um movimento de permanência no mercado formal estivesse se fazendo por meio de um processo recorrente de restabelecimento de vínculos, para o qual a passagem por empregos intermediados parece ter funcionado como uma correia de transmissão relevante para a inserção. Todavia, e em segundo lugar, essa correia de transmissão é de eficácia relativa, já que uma parcela importante volta - como documentado em Guimarães (2009) a estar duradouramente expulsa do mercado formal; eles são cerca de quatro em cada dez, média similar à encontrada em estudo anterior para o Brasil. (GUIMARÃES, 2004). Nada a estranhar em se tratando de uma realidade na qual o desemprego, mesmo com a retomada do crescimento, não perdeu o seu caráter recorrente, especialmente entre os mais pobres, e em que 69 Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição a institucionalização das formas de proteção ainda é exigente por seus critérios de elegibilidade e, por isso mesmo, pouco inclusiva. Finalmente, e em terceiro lugar, as empresas de locação, agenciamento e seleção de pessoal formam um segmento complexo; dada a sua forma de institucionalização, ele estabelece novas maneiras de acesso, inclusão e mobilidade no mercado formal de trabalho no Brasil, maneiras essas que ampliam a heterogeneidade entre os que estão contratados com registro, e espelham as mudanças institucionais em curso nas empresas e no próprio mercado. Assim, tem-se a sensação de estar numa rota de flexibilização do que já era flexível, no curso da qual se fragilizam vínculos nos setores econômicos em reestruturação, ao tempo em que se (re)constituem vínculos formais de trabalho de diversas naturezas, com peso crescente para aqueles que se fazem através das empresas de seleção, agenciamento e locação de pessoal. Este parece ser o novo desafio deixado pela presença crescente e marcante dos intermediários no mercado de trabalho brasileiro, cuja natureza e consequências os sociólogos do trabalho estão desafiados a bem interpretar. E olhar sobre esse mundo de empregos juvenis, sem dúvida, elucida o que se passa no mercado de trabalho e consolida a urgência desta agenda. REFERÊNCIAS BENNER, C.; LEETE, L.; PASTOR, M. Staircases of treadmills?: labor market intermediaries and economic opportunity in a changing economy. New York: Russell Sage Foundation, 2006. BICEV, J. T. Os trabalhadores subcontratados da Região Metropolitana de São Paulo: precariedade ou estabilização?. 2010. 74 f. Dissertação (Mestrado em Sociologia) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010. BURGESS, J.; CONNELL, J. International aspects of temporary agency employment: an overview. In: BURGESS, J.; CONNELL, J. (Ed.). International perspectives in temporary work and workers. New York: Routledge, 2004. p. 1-23. 70 Nadya Araujo Guimarães BURGESS, J.; CONNELL, Julia; RASMUSSEN, Erling. Temporary agency work and precarious employment: a review of the current situation in Australia and New Zealand. Management Revue, v. 16, n. 3, p. 351-369, 2005. CIEET INTERNATIONAL CONFEDERATION OF PRIVATE EMPLOYMENT AGENCIES. The agency work industry around the world: economic report 2010 edition: based on figures available for 2008. Brussels, 2010. 84 p. ______. The agency work industry around the world: economic report 2011 edition: based on figures available for 2000. Brussels, 2011. 88 p. FORDE, C. Temporary arrangements: the activities of employment agencies in the UK. Work, Employment and Society, v. 15, n. 3, p. 631-644, 2001. GUIMARÃES, N. A. Caminhos cruzados: estratégias de empresas e trajetórias de trabalhadores. São Paulo: Editora 34, 2004. ______. Empresariando o trabalho: os agentes econômicos da intermediação de empregos: esses ilustres desconhecidos. 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The growth of non-traditional employment: are jobs becoming more precarious?: productivity commission staff research paper. Canberra: Auslnfo, 2000. 40 p. PECK, J.; THEODORE, N. O trabalho eventual: crescimento e reestruturação da indústria de empregos temporários em Chicago. Revista Latinoamericana de Estudios del Trabajo, São Paulo, v. 5, n. 10, p. 135160, 1999. 72 JUVENTUDES, TRABALHO E EDUCAÇÃO: UMA AGENDA PÚBLICA RECENTE E NECESSÁRIA. POR QUÊ? Geórgia Patrícia Guimarães dos Santos1 Para uma análise das correlações entre as temáticas juventudes, trabalho e educação, a fim de embasar a emergência de uma agenda pública é válido, inicialmente, ressaltar que a trajetória histórico-social das políticas públicas para a população não adulta revela que até meados dos anos de 1990, praticamente inexistiam ações direcionadas ao jovem no Brasil. (SANTOS, 2011). Foram as reivindicações pelo reconhecimento legal e legítimo dos direitos das crianças e dos adolescentes, que até então haviam conquistado mais espaço na cena política, inclusive na ocasião da elaboração e aprovação da Constituição de 1988. Sem dúvida, esse reconhecimento foi de grande relevância e de extrema necessidade para o avanço da cidadania e da democracia no País, e ainda comporta grandes desafios para sua aplicabilidade. Neste sentido, ao mesmo tempo em que o País ainda caminha com o objetivo de efetivar no cotidiano institucional e nas práticas coletivas e individuais os direitos das crianças e dos adolescentes, surge a prerrogativa do atendimento aos anseios de uma população que não está diretamente contemplada nos preâmbulos do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), tampouco está inserida no contexto das responsabilidades, exigências e oportunidades da fase adulta. 1 Doutora em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Mestre em Educação pela Universidade de São Paulo (USP), Bacharel em Serviço Social pela Universidade Estadual do Ceará (UECE). Atualmente, é Assistente Social na Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis (PRAE) da Universidade Federal do Ceará (UFC), trabalhando junto ao Programa de Moradia Universitária. 73 Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição De fato, os jovens brasileiros que vivenciaram sua condição de criança e de adolescente ainda de forma precária no que diz respeito à concretização de seus direitos, experimentam, na virada do milênio, sérios desafios e paradoxos de inserção e mobilidade social. Ao mesmo tempo em que as juventudes têm presenciado um momento de importante inclusão, proporcionado pela conexão das maciças fontes de informação e comunicação, contraditoriamente têm sofrido um processo de exclusão advinda da histórica deficiência qualitativa da educação, das dificuldades de acesso ao mercado de trabalho e aos benefícios econômicos, entre outras problemáticas. É, portanto, a complexidade da questão social relacionada às juventudes que a leva ao âmago dos debates acadêmicos, governamentais e não governamentais, conduz a temática à agenda pública e fomenta uma série de iniciativas, programas e políticas para esse público específico. Este artigo2 pretende abordar as mudanças ocorridas no mercado trabalho contemporâneo do Brasil e seus impactos na inserção laboral e nas exigências de qualificação profissional do trabalhador jovem. Incertezas e Desconcertos no Mercado de Trabalho Juvenil Há tempos são os jovens que adoecem Há tempos o encanto está ausente E há ferrugem nos sorrisos E só o acaso estende os braços A quem procura abrigo e proteção (Música Há tempos - Banda Legião Urbana) A música descrita acima traduz um pouco a angústia daqueles que cresceram em meio às vicissitudes do processo de reestruturação produtiva, da maior precarização e flexibilização do mercado de trabalho, das metamorfoses 2 Este artigo tomou como base o segundo capítulo da tese de doutorado da autora (SANTOS, 2011), na qual foram analisados alguns dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2008, fornecidos pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). Portanto, registram-se aqui os agradecimentos a este Instituto, bem como a seu ex-Presidente, Professor Marcio Pochmann. 74 Geórgia Patrícia Guimarães dos Santos da questão social. Nesse contexto, é posto que a trajetória de vida dos jovens não segue um modelo linear, unidirecional e previsível de eventos e etapas, como se imaginava em meados do século passado, no qual se concluía o ensino escolar, ingressava-se no mercado de trabalho, saía-se da casa dos pais, casavase, constituíam-se famílias, aposentava-se e envelhecia-se. É compreendido que nas últimas décadas a passagem da adolescência para a fase adulta tem sido bem mais complexa, assumindo, inclusive, contornos diferenciados conforme a classe social, a etnia e o gênero dos jovens. Nessa direção, concebe-se que antes de se atingir a idade adulta ocorram novos arranjos familiares que não ensejam necessariamente a saída da casa dos pais, ou ainda que os filhos sigam para seus próprios lares, a dependência com relação aos genitores permanece. Logo, é notório que os jovens têm enfrentado maiores dificuldades para vivenciar um processo de mobilidade social e, assim, atingirem condições de vida e trabalho superiores às de seus pais. Enquanto no interstício de 1930 até meados de 1970, a despeito do contexto de elevada desigualdade socioeconômica, “o filho do pobre ficava menos pobre que os pais, [e] o filho do rico ficava muito mais rico que seus pais” (POCHMANN, 2007, p. 9), nos fins dos anos de 1980, e no decorrer da década de 1990, iniciou-se uma onda de pessimismo com relação ao futuro dos jovens, pois eles já não alcançavam ascensão em seus percursos ocupacionais superiores às gerações anteriores. É fato que o mercado de trabalho hoje, em qualquer país, não apresenta as mesmas possibilidades de ascensão social ou até mesmo de trabalho decente das primeiras três décadas do pós-segunda guerra mundial. Grande parte dos empregos gerados, a partir de então, tem sido de curta duração, comumente de baixa remuneração e sem muitas garantias sociais. Num ambiente de “salve-se quem puder”, jovens e adultos têm competido de modo desigual os escassos empregos existentes. Os primeiros, mesmo com o grau de escolaridade e as qualificações necessárias, pecam pela falta de experiência; os segundos, embora cobertos pela sabedoria tácita, pecam pelo afastamento das salas de aula. Ambos sofrem preconceito, uns por serem jovens demais; outros, por terem atingido certa idade. Todavia, neste cabo de guerra, constata-se que os jovens enfrentam uma precariedade do trabalho superior à dos adultos - vivem uma situação com maiores taxas de desemprego, maior informalidade e menores rendimentos (CONSTANZI, 2008; POCHMANN, 75 Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição 2007), o que torna os itinerários ocupacionais imprecisos, instáveis. Se, por um lado, as constantes transformações do mundo do trabalho exigem, de modo crescente, novas qualificações, sob a prerrogativa de rapidamente serem ultrapassadas, por outro, os jovens pela necessidade de sobrevivência obrigamse a trabalhos precários, comprometendo sua possibilidade de escolha: estudar ou trabalhar. Essas situações vêm distanciando os jovens do acesso aos bens culturais e educacionais, importantes não somente para a competitividade laboral, mas também para a totalidade da vida social. No período de 1995 a 2008, observou-se, mediante os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), que a proporção de jovens entre o total de desempregados, em diversas regiões metropolitanas, tem se mantido em patamares elevados, em geral acima de 60%. Considera-se que entre os jovens de 15 a 29 anos de idade, a taxa de desemprego em 2008 foi de 8,8%, mais do que o triplo do desemprego entre as pessoas acima de 30 anos de idade. Conforme revelou a PNAD de 2008, a segunda categoria etária juvenil (18 a 24 anos) foi a que mais sofreu com o desemprego (10,75%) em comparação ao desemprego entre os jovens adolescentes (15 a 17 anos) registrado em 7,54%, e os jovens adultos (25 a 29 anos), cujo desemprego atingiu 7%. Castro e Aquino (2009) aduzem que as famílias, principalmente com jovens do segundo grupo, não possuem condições de mantê-los fora do mercado de trabalho, pelo menos até completarem o ensino médio, o que frustra a possibilidade que eles poderiam ter de permanecer exclusivamente estudando. Vale lembrar que a Pesquisa sobre o Perfil da Juventude Brasileira3, realizada em 2003, por iniciativa do Instituto de Cidadania, mostrou que mais de 60% dos jovens de 15 a 24 anos de idade trabalhavam por necessidade. Essa pesquisa também contemplou a renda familiar desses jovens e diagnosticou que 69% dos que trabalhavam por necessidade viviam com até 02 salários mínimos; 61% estavam entre 2 e 5 salários mínimos; 57% de 3 Tal pesquisa originou dois livros: ABRAMO, Helena W.; BRANCO, Pedro Paulo M. (Org.). Retratos da juventude brasileira. São Paulo: Instituto de Cidadania, 2005. NOVAES, Regina; VANNUCHI, Paulo (Org.). Juventude e sociedade. São Paulo: Instituto de Cidadania, 2004. 76 Geórgia Patrícia Guimarães dos Santos 05 a 10 salários; somente aquelas famílias que recebiam acima de 10 salários mínimos contavam com a maioria dos jovens (57%) que trabalhavam por independência financeira. No mesmo escopo de análise, mas considerando os dados da PNAD de 2007, Gonzalez (2009) concluiu que a possibilidade de um jovem dedicar-se integralmente aos estudos é diretamente proporcional à renda – especialmente, entre os jovens adolescentes. A probabilidade de os jovens estarem fora da escola e desempregados ou inativos era três vezes menor entre as famílias de renda per capita maior que um salário mínimo do que nas famílias com até meio salário mínimo per capita. Não obstante, alguns estudos indicam que, apesar das dificuldades, os jovens têm buscado elevar a escolaridade combinando-a com o exercício de uma atividade laboral, o que aponta que no Brasil há muitos jovens que trabalham e estudam simultaneamente. Pochmann (2007), ao propor um balanço sobre a situação do jovem no mercado de trabalho no decênio de 1995 a 2005, constatou que enquanto a tendência dos países de economia mais dinâmica é o adiamento do ingresso dos jovens ao mercado de trabalho para ampliação da escolarização, no Brasil cerca de 7 a cada 10 jovens de 15 a 24 anos encontravam-se no mercado de trabalho. Gonzalez (2009) apresentou semelhante conclusão ao denotar que o avanço da escolarização entre os jovens tem sido mais rápido que o retardo da entrada no mundo do trabalho e que a concomitância entre estudo e trabalho é maior entre os jovens com idade de 15 a 17 anos do sexo masculino. Essa perspectiva persiste quando, ao relacionar dados da PNAD de 2008 com os do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP) sobre a educação básica brasileira, observou-se que mais de 2 milhões e 800 mil jovens de 15 a 24 anos, estudantes do ensino médio, também trabalhavam. Ou seja, quase 37% dos jovens dessa faixa de idade matriculados no ensino médio buscavam conciliar estudo e trabalho. A respeito da relação entre escolaridade e mercado de trabalho dos jovens, Castro e Aquino (2009) também suscitam que, embora os jovens em média tenham melhores atributos de escolaridade em comparação aos trabalhadores adultos, contribuindo para uma melhor adaptação às rápidas transformações nos processos produtivos, a redução no ritmo da geração de 77 Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição novas ocupações tende a atingi-los mais negativamente, sobretudo aqueles que não possuem as características mais elencadas pelo mercado de trabalho os de baixa escolaridade, as jovens mulheres (principalmente as que possuem filhos), e os moradores da periferia. Assim, vale mencionar as desigualdades também existentes no mercado de trabalho com relação ao gênero e à etnia. Ou seja, o nível de escolaridade, a experiência profissional e a classe social não são os únicos fatores que influenciam no momento de uma contratação. A PNAD de 2008 revelou que o desemprego juvenil atingiu mais de 10% das mulheres enquanto entre os homens essa taxa foi em torno de 7,5%. Não há dúvidas, portanto, de que, embora seja visível o avanço das mulheres na conquista por maiores oportunidades de trabalho, trazendo-lhes mais autonomia e realização pessoal, as desigualdades na divisão sexual do trabalho ainda são evidentes. Destaca-se, ainda, que, como mostrou a PNAD de 2008, entre a população de 15 a 29 anos, os homens brancos possuem maior facilidade de obter sucesso na conquista de uma vaga de trabalho do que as mulheres não brancas. Para os homens jovens e brancos o desemprego foi menor que 7%, enquanto para as mulheres jovens não brancas ultrapassou os 11%. Através da análise da PNAD de 2008 é nítido que o mercado de trabalho jovem tanto formal como informal é predominantemente masculino, e que a informalidade, além de sua definição de gênero, possui cor, na medida em que é formada de modo preponderante por homens e mulheres não brancos. Ao se referir à divisão sexual do trabalho também não se pode esquecer que, a despeito das transformações geradas na constituição familiar, do maior acesso feminino aos bancos escolares, ao ensino superior e ao mercado de trabalho, persiste quase que intocável a responsabilidade da mulher pelas atividades domésticas. Os números da PNAD de 2008 indicaram que 86,3% das mulheres realizaram atividades domésticas contra menos da metade dos homens (45,3%). Com esse acúmulo de responsabilidades, a mulher passa a ter menos disponibilidade para o mercado de trabalho e a ser mais seletiva para ocupar um posto de trabalho, pois se deve atentar para algumas condicionalidades que sua dupla jornada impõe: trabalhar próximo da moradia ou da escola dos filhos; não poder dormir no trabalho (no caso das empregadas domésticas); não assumir extensa carga horária etc. Para driblar 78 Geórgia Patrícia Guimarães dos Santos esse problema, que de fato é essencialmente social e coletivo, são utilizadas estratégias individuais, recorrendo-se à delegação do trabalho doméstico a outras mulheres - trabalhadoras mal remuneradas, desvalorizadas e em situação de forte precariedade. (COMUNICADOS DO IPEA, 2010). É perceptível, portanto, que as mesmas desigualdades do “mundo adulto” perpassam o “mundo jovem”, evidenciando que a problemática juvenil não se limita apenas a uma abordagem etária ou biológica. Na verdade, o jovem carrega consigo diversas questões socioculturais históricas no País, negligenciadas pelas políticas públicas do Estado, que vem sendo reproduzidas da infância à velhice. Todavia, é fato que as mudanças mais amplas no mundo trabalho, ocorridas mais drasticamente no País nos últimos vinte anos, têm afetado os jovens de forma mais intensa no que diz respeito às oportunidades de renda e trabalho. A educação, neste sentido, vem sendo quase sempre concebida nos discursos governamentais e não governamentais como aquela que contribuirá para que o jovem obtenha maiores chances de mobilidade social e de ascensão na trajetória ocupacional, superando as condições de vida e de trabalho das gerações anteriores. Logo, as temáticas mais preocupantes e propícias aos investimentos governamentais estão referenciadas pelas áreas da educação e do trabalho. Grande parte das ações federais do governo está voltada aos jovens pobres e são entendidas como políticas de inclusão social, tendo como base a inserção desse público no mercado de trabalho, a elevação da escolaridade e a oferta de qualificação profissional. Desse modo, a seguir serão analisados, por meio dos dados da PNAD de 2008, três indicadores que contribuíram para a compreensão da situação educacional juvenil no Brasil: o analfabetismo; a frequência ao ensino regular, e a evolução na quantidade de anos de estudo. 79 Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição Educação e Juventudes: Como Estamos? Tudo é reflexo de uma má educação desde o político ao pior ladrão sim existe, existe uma solução vontade política para investir em educação roubar, matar não é educação fumar, cheirar não é educação ler e escrever isto sim é educação toda grande árvore começa do chão [...] o crescimento nacional depende de uma boa educação (Música Nossa Educação - Banda Sociedade Armada). Desde os fins de 1980, com maior ênfase durante a década de 1990, constrói-se no País um debate acerca da relação entre inovação tecnológica, educação e qualificação profissional. Aponta-se que as transformações nos processos de produção e organização do trabalho, por serem decorrentes, principalmente, de um maior incremento científico e tecnológico, determinariam alterações nos conteúdos de trabalho e conduziriam à (re) qualificação da força de trabalho. As novas configurações tecnológicas, organizacionais e relacionais produziriam, desse modo, impactos não somente na dinâmica do modo de produção, mas também, diretamente, no trabalho e na educação; exigir-se-ia, de forma generalizada, ao trabalhador, mais treinamento, maior escolaridade, novos atributos, habilidades e competências. Segundo Ferreti (2004), no limiar dessas discussões se pôs um confronto entre os educadores que vinham em defesa de uma educação capaz de oferecer uma formação plena, e não apenas técnico-profissional, e a perspectiva cada vez mais forte de que essa educação plena não fosse defendida apenas por essa parcela de educadores, mas também pelo próprio capital, na proporção em que as mudanças no âmbito do trabalho estariam demandando trabalhadores mais bem-educados. Sem conduzir um balanço exaustivo, Ferreti (2004) menciona que se seguiram vários estudos e pesquisas da sociologia do trabalho sobre a requalificação profissional do trabalhador. Esses estudos e pesquisas 80 Geórgia Patrícia Guimarães dos Santos adentraram a área educacional buscando a apropriação e o aprofundamento do novo conceito de qualificação. Desencadearam-se análises cujo campo empírico voltou-se para as empresas, ao invés das escolas, preocupadas com as novas formas assumidas pelo capital, suas relações com os novos processos de trabalho, sua organização nas empresas flexibilizadas e suas consequências para a sociabilidade e qualificação do trabalhador. Houve, afinal, uma aproximação entre diversos profissionais e áreas do saber – educadores, sociólogos do trabalho, economistas, administradores, engenheiros, psicólogos, assim como sindicalistas. Os discursos políticos, ideológicos e governamentais, a partir de então, passaram a priorizar as reformas no sistema educacional como modo de preparar melhor os trabalhadores com novos conhecimentos e uma educação básica geral. Aparentemente, essa formação era coerente com o esquema de produção flexível ou pós-fordista do atual modelo de reprodução capitalista, uma vez que já não fazia sentido a dicotomia entre teoria-prática, concepçãoexecução, trabalho manual-trabalho intelectual. Logo, conforme indica Fogaça (2003), é inegável que essa recente etapa do capitalismo estabelece certa fissura no modelo de relação entre educação e trabalho, cujo molde vigorou desde o início do século passado e que, embora tenha formado a mão de obra necessária naquele momento, representou também um fraco desempenho no sistema escolar. Para a autora, buscou-se como base para a atual relação educação-trabalho: Um novo conceito de qualificação profissional, não mais pautado em habilidades específicas, típicas de um determinado posto de trabalho ou ocupação, mas sim numa base de educação geral, sólida e ampla o suficiente para que o indivíduo possa, ao longo do seu ciclo produtivo, acompanhar e se ajustar às mudanças nos processos produtivos, que deverão se tornar cada vez mais frequentes. (FOGAÇA, 2003, p. 56). Haveria, portanto, uma crescente necessidade de aproximação entre escola e trabalho na qual os conhecimentos gerais do ensino formal tornar-seiam condição sine qua non para posterior aquisição de diversas qualificações. Todavia, no caso brasileiro, esse novo requisito para a entrada no mercado de trabalho se transformaria em uma preocupante dificuldade na medida em que o perfil de escolaridade da população brasileira, inclusive do jovem trabalhador, permanece aquém do demandado. 81 Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição No tocante ao analfabetismo, de acordo com os dados da PNAD de 2008, a população de 15 a 29 anos de idade apresentou uma taxa de pouco mais de 3%, bem inferior ao registrado há duas décadas. Entretanto, é oportuno destacar a existência ainda de 1.525.703 jovens sem os conhecimentos básicos da leitura e da escrita. Estes representam uma parcela importante da juventude que, devido às novas exigências de qualificação e escolaridade do mercado de trabalho, estão condenados a uma situação permanente de vulnerabilidade social ou, como definiria Bauman (2005), são jovens na condição de “redundantes”4, supondo-se haver na sociedade em geral a ideia segundo a qual a educação universitária se tornou a única, e assim mesmo duvidosa, alternativa de alcance de uma vida mais digna e menos insegura. Não obstante, notam-se as significativas diminuições da taxa de analfabetismo nas faixas etárias mais jovens. Se, em 1985, na idade de 15 a 17 anos 10,6% dos jovens eram analfabetos, entre 25 e 29 anos essa taxa ultrapassou 12%. Em 2008, a tendência permaneceu: menos de 2% da juventude de 15 a 17 anos não são alfabetizados, enquanto essa taxa mais que duplica entre os de 25 a 29 anos. Contudo, não se pode negligenciar o fato de as gerações mais novas vivenciarem uma menor incidência de analfabetismo. Certamente isso demonstra um aspecto relevante para o futuro desse primeiro segmento de jovens, porém há uma vasta distância entre jovens e idosos concernentemente à alfabetização. As pessoas com 60 anos de idade ou mais são a grande maioria de analfabetos no País – 32,16% em 2008, segundo a PNAD. Esta constatação só reforça a necessidade e urgência da ampliação de investimentos nas políticas públicas de educação de jovens e adultos. 4 Na compreensão de Bauman (2005, p. 20), “Ser ‘redundante’ significa ser extranumérico, desnecessário, sem uso – quaisquer que sejam os usos e necessidades responsáveis pelo estabelecimento dos padrões de utilidade e de indispensabilidade. Os outros não necessitam de você. Podem passar muito bem, e até melhor, sem você. Não há uma razão auto-evidente para você existir nem qualquer justificativa óbvia para que você reivindique o direito à existência. Ser declarado redundante significa ter sido dispensado pelo fato de ser dispensável – tal como a garrafa de plástico vazia e não-retornável, ou a seringa usada, uma mercadoria desprovida de atração e de compradores, ou um produto abaixo do padrão, ou manchado, sem utilidade, retirado da linha de montagem pelos inspetores de qualidade. ‘Redundância’ compartilha espaço semântico de ‘rejeitos’, ‘dejetos’, ‘restos’, ‘lixo’ – com refugo. O destino dos desempregados, do ‘exército de reserva da mão de obra’, era serem chamados de volta ao serviço ativo. O destino do refugo é o depósito de dejetos, o monte de lixo”. 82 Geórgia Patrícia Guimarães dos Santos Caso contrário, o Brasil só terá vencido o analfabetismo quando esses idosos findarem seu ciclo de vida. Além disso, vale ressaltar que as disparidades regionais nas taxas de analfabetismo ainda são muito significativas. De acordo com a PNAD de 2008, se nas regiões Sul e Sudeste algo em torno de 2% dos jovens ainda não sabem ler nem escrever, no Nordeste essa taxa é quase três vezes maior. Mais de 60% do total dos jovens não são alfabetizados; destes, aproximadamente 876 mil pessoas encontram-se na região Nordeste, especialmente na Bahia, em Pernambuco, no Ceará e no Maranhão, os quais concentram 547 mil analfabetos de 15 a 29 anos de idade. De forma geral, conforme a PNAD de 2008, é possível constatar que mais de 529 mil jovens não alfabetizados (34,7%) moram na zona rural, que, por sua vez, concentra menos de 16% dos jovens do País. A zona rural apresenta uma taxa de analfabetismo juvenil (6,83%) aproximadamente três vezes maior que da zona urbana (2,37%). Alguns fatores mais propícios da área rural podem contribuir para essa desigualdade: as poucas oportunidades de acesso a cursos de alfabetização; a relativa qualidade dessa oferta; as maiores limitações socioeconômicas dos estudantes que interferem na permanência nos cursos e na continuidade dos estudos, bem como as dificuldades de deslocamento na zona rural e a sazonalidade das atividades agrícolas. Destaca-se como uma das principais melhorias ocorridas o fato de, num intervalo de quase duas décadas, os jovens dispensarem mais tempo na escola e alcançarem maior escolaridade. Em 1985, a média de anos de estudos entre pessoas de 15 a 29 anos era 5,6. Dez anos depois foi de 6,20, atingindo em 2008 uma média de 8,8 anos de estudos. Nas primeiras análises sobre a PNAD de 2008, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) destaca que entre os jovens adultos (25 a 29 anos), a média chega a 9,2 anos de estudo, o que representa 3,2 anos de estudos a mais que a população acima de 40 anos de idade. (COMUNICADO DA PRESIDÊNCIA, 2013). A esse respeito as disparidades regionais ainda despontam: o Norte e o Nordeste apresentam-se abaixo da média nacional em anos de estudos, respectivamente 8,1 e 7,7; já o Sudeste, Sul e Centro-Oeste mostram-se acima da média com 9,5; 9,4 e 9,1 anos de estudos, respectivamente. 83 Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição A PNAD de 2008 revela, ainda, que em torno de 64% dos jovens estão fora da escola e destes 1.339.631 nunca a frequentaram. Por faixa etária, observe-se que: quase 1,5 milhões de jovens entre 15 e 17 anos de idade não estão na escola; de 18 a 24 anos são mais 15,6 milhões sem estudar; e na faixa de 25 a 29 anos já passam de 13,5 milhões de jovens afastados do sistema de ensino regular. O mais importante a destacar neste aspecto refere-se que, em 2008, existiram mais jovens entre 18 e 24 anos sem estudar do que entre as idades de 25 e 29 anos, contrariando a assertiva de que quanto mais velho menos interesse e disponibilidade para os estudos. Esse fato indica, na realidade, que há um retorno do jovem ao ensino formal, porém o mais preocupante é que muitos desses jovens (mais de 8 milhões) desistiram de estudar sem ter completado sequer o ensino fundamental e, em sua maioria, não são estes que estão voltando às carteiras escolares. Entre as idades de 25 a 29 anos, os jovens que estudam são os que já concluíram o ensino médio e almejam o diploma universitário – são mais de 1,2 milhões desses jovens (64,13%) no curso superior. Em contrapartida, são menos de 710 mil (35,86%) nos outros níveis de ensino (fundamental, médio e educação de jovens e adultos). Da idade de 18 a 24 anos, são mais de 5,7 milhões de jovens (83,81%) no ensino médio e superior, enquanto pouco mais de 1 milhão (16,18%) nos outros graus de escolaridade. Acresce-se também o fato de quando os jovens não estão fora da escola, uma grande parte deles está na série inadequada à sua idade, em virtude do ingresso tardio na escola, da repetência ou, ainda, da evasão. A frequência ao ensino médio na idade correspondente abrange apenas a metade dos jovens brasileiros de 15 a 17 anos (50,4%) e cerca de 40% ainda não concluíram o ensino fundamental. Ressalta-se, contudo, que o número de estudantes entre 18 e 24 anos de idade que cursam o ensino superior cresceu, passou de 5,8% em 1995, para 13,8% em 2008, enquanto em outros níveis de ensino houve decréscimo ou um leve aumento do total de estudantes. É possível que, em parte, isto esteja relacionado à mudança demográfica do País, como o envelhecimento populacional, bem como à procura mais intensa, em comparação com as décadas anteriores, por cursos universitários devido às maiores exigências do 84 Geórgia Patrícia Guimarães dos Santos mercado de trabalho. A proliferação de faculdades privadas, assim como a implementação de programas de financiamento, também facilitaram o acesso ao curso de nível superior, mas ainda de modo desigual. As taxas de frequência ao ensino universitário são maiores no Sul (18,7%), no Centro-Oeste (16,2%) e no Sudeste (16,5%) do País, estando o Distrito Federal (26%) muito acima da média nacional em 2008, praticamente o dobro da taxa do País (13,7%). Em suma, conclui-se que existem progressos no acesso à educação, embora a estrutura das desigualdades persista – prevalecem as diferenças entre áreas urbanas e rurais e as diferentes regiões do País, entre pobres e ricos, mulheres e homens, brancos e não brancos. Considerações Finais A despeito dessas diferenças, e diante dos avanços principalmente quantitativos presentes na educação (redução do analfabetismo, aumento do nível médio de escolaridade, maior acesso ao nível superior), e das mudanças organizacionais, tecnológicas e relacionais nos processos de trabalho que supostamente requisitam outro tipo de formação para o trabalhador, cabe acrescentar que a relação educação-trabalho não se desenvolveu de forma tão virtuosa como se almejou. Com a redemocratização do País, a educação brasileira passou por acentuadas alterações, com ênfase para a promulgação da Constituição Federal de 1988, que garantiu um conceito original e avançado de educação5, tomando-a como direito social inalienável, bem como o compartilhamento 5 A Constituição Federal de 1988 no artigo 205 define a intencionalidade e reconhece a importância da educação escolar: “A educação, direitos de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”. (BRASIL. CONSTITUIÇÃO, 2013). Com isso criaram-se as condições para a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (BRASIL. LEI Nº 9.394, 2013) estabelecer em seu art. 22 que “a educação básica tem por finalidade desenvolver o educando, assegurar-lhe a formação comum indispensável para o exercício da cidadania e fornecer-lhes meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores”. Além disso, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), no art. 21, congrega e articula três etapas para este conceito de educação básica: a educação infantil, o ensino fundamental e o ensino médio. (BRASIL. LEI Nº 9.394, 2013). 85 Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição das responsabilidades entre os entes federados e a vinculação constitucional de recursos para a educação6. Neste sentido, a educação geral deveria ocupar o centro das preocupações e responsabilidades das ações do Estado na oferta do ensino básico de qualidade, haja vista a referência constitucional e as exigências das novas oportunidades profissionais. Esperar-se-ia por uma valorização, ainda que morosa, do sistema educacional brasileiro, incluindo maiores investimentos em infraestrutura, modernização dos recursos didáticos e dos conteúdos ministrados, melhores condições salariais e de trabalho para professores e demais funcionários, entre outros aspectos. Investimentos que pudessem modificar o perfil educacional da sociedade brasileira e em particular dos trabalhadores, para os quais fosse possível não somente a elevação da capacidade produtiva, mas, especialmente, a melhoria da qualidade de vida da população. No entanto, a constituição e a trajetória dos processos de organização e gestão da educação básica nacional têm sido historicamente marcadas pela ausência de um planejamento mais amplo e contínuo, o que impossibilita sua consolidação como uma política efetiva de Estado e a limita como uma política conjuntural de governos. De forma paralela, o desempenho tímido e, durante um longo período, desfavorável do mercado de trabalho, como nas décadas de 1980 e 1990, estimulou a precarização e flexibilização dos contratos de trabalho, bem como o aumento do desemprego, que atingiu sobretudo os jovens pobres, contribuindo para excluí-los dos empregos, mesmo aqueles jovens mais qualificados. Conforme menciona Pochmann (2004), o aumento da escolaridade esbarrou na incapacidade do País de produzir novos postos de 6 Desde a Constituição Federal de 1988, as propostas governamentais de financiamento da educação se consubstanciaram, especialmente, na política de fundos - Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef ) (1997-2006) e Fundeb (2007-2020). O Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) atende toda a educação básica, da creche ao ensino médio. Substituto do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef ), o Fundeb, regulamentado pela Emenda Constitucional n.º 53/06, tem seu vínculo com a esfera Federal (a União participa da composição e distribuição dos recursos), a Estadual (os Estados participam da composição, da distribuição, do recebimento e da aplicação final dos recursos), e a Municipal (os Municípios participam da composição, do recebimento e da aplicação final dos recursos). (BRASIL. CONSTITUIÇÃO 1988. BRASIL. CONSTITUIÇÃO. EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 53, 2013). 86 Geórgia Patrícia Guimarães dos Santos trabalho, em virtude da dificuldade de superação da crise do desenvolvimento econômico, aliado ao processo de financeirização da riqueza e estagnação dos investimentos, principalmente nos setores mais intensivos em tecnologia. Desse modo, as possibilidades de exercício laboral dos jovens são atingidas pelos reflexos das mudanças mais amplas ocorridas no mundo do trabalho, que não estão necessariamente circunscritas a essa população específica, mas que a afetam de forma mais profunda em termos de oportunidades e perspectivas de trabalho. Além disso, é oportuno lembrar que a inserção periférica do País na economia global, que “submete o trabalho ao piso do porão” (POCHMANN, 2006, p. 29), tem afugentado o processo de educação ao imediatismo da formação técnico-profissional restrita. Esse imediatismo e a fragmentação do sistema educacional, a despeito da diminuição das taxas de analfabetismo e do aumento dos anos de escolaridade, têm reforçado, por sua vez, a degradação do mercado de trabalho. Esse é um círculo vicioso presente na relação educação e trabalho que ainda persiste no País. Rompê-lo se traduz em uma das tarefas dirigidas às políticas de inclusão das juventudes na contemporaneidade. REFERÊNCIAS BAUMAN, Zygmunt. Vidas desperdiçadas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ constituicao.htm>. Acesso em: 2013. BRASIL. Constituição (1988). Emenda Constitucional nº 53, de 19 de dezembro de 2006. Dá nova redação aos arts. 7º, 23, 30, 206, 208, 211 e 212 da Constituição Federal e ao art. 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 9 mar. 2006. Disponível em: <http://www.planalto.gov. br/ccivil_03/constituicao/Emendas/Emc/emc53.htm>. Acesso em: 2013. BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, DF, 23 dez. 1996. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/leis/l9394.htm>. Acesso em: 2013. 87 Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição CASTRO, Jorge Abrahão; AQUINO, Luseni (Org.). Juventude e políticas sociais no Brasil. Brasília, DF: IPEA, 2009. (Texto para Discussão, n. 1335). COMUNICADOS DO IPEA. Mulher e trabalho: avanços e continuidades. [S.l.]: IPEA, n. 40, 8 mar. 2010. COMUNICADO DA PRESIDÊNCIA. PNAD 2008: primeiras análises: juventude: desigualdade racial. [S.l.]: IPEA, 3 dez. 2009. Disponível em: <http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/091203_comupres36. pdf>. Acesso em: 2013. CONSTANZI, Rogerio Nagamine. A evolução e a situação da juventude no Brasil. Informações FIPE, p. 43-46, jan. 2008. FERRETI, Celso. Considerações sobre a apropriação das noções de qualificação profissional. Educação e Sociedade, v. 25, n. 87, p. 401-422, maio/ago. 2004. FOGAÇA, Azuete. Educação e qualificação profissional nos anos 90: o discurso e o fato. In: OLIVEIRA, Dalila; DUARTE, Marisa (Org.). Política e trabalho na escola. 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Tese (Doutorado em Ciências Sociais) - Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2011. 88 PARTE 2 JUVENTUDE NO SÉCULO XXI: EDUCAÇÃO E TRABALHO TRABALHO, JUVENTUDE E EDUCAÇÃO NO CONTEXTO DO CAPITALISMO ATUAL Elenilce Gomes de Oliveira1 Antonia de Abreu Sousa2 Introdução Este artigo discute o desemprego como elemento intrínseco à acumulação e expansão do capital, analisa seus impactos na juventude e a relação com a educação. Retoma o desemprego no âmbito conjuntural e estrutural, com destaque para a categoria exército industrial de reserva, de Karl Marx. Evidencia, por fim, o redirecionamento das finalidades da educação, que é compreendida como um instrumento de reposicionamento das pessoas no mercado de trabalho. Trabalho e Capital Marx, na obra “Manuscritos econômico-filosóficos”, datada de 1844, considera o trabalho como o primeiro ato do ser humano sobre a natureza. Portanto, o homem é o primeiro ser que conquistou liberdade de movimento em face da natureza. É pelo trabalho que o homem, em parte, transforma Doutora em Educação. Professora no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará. Coordenadora do Núcleo de Pesquisa em Educação Profissional (NUPEP). Vice-Coordenadora do Laboratório de Estudos do Trabalho e Qualificação Profissional (LABOR). 2 Doutora em Educação. Professora no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará. Pesquisadora do Núcleo de Pesquisa em Educação Profissional (NUPEP). Pesquisadora do Laboratório de Estudos do Trabalho e Qualificação Profissional (LABOR). 1 91 Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição a natureza para suprir suas necessidades. Nesta acepção, o trabalho é a experiência da ação transformadora do ser humano sobre a natureza e essa ação é o que o distingue dos outros animais. O trabalho é uma categoria ontológica, pois é por meio dele, do seu resultado – produto – que os seres humanos se constituem e se reconhecem como seres cognoscentes. O trabalho, modificador da natureza, constitui uma característica essencial do gênero humano, e é por meio dele que o ser humano se supera e se converte em ser social. Necessidade intrínseca de efetivação da vida humana, o trabalho é a forma fundamental e elementar cuja interação dinâmica constitui-se na especificidade do ser social. O trabalho é essa mediação radical que define a vida de todos os humanos. É ainda no “Manuscritos econômico-filosóficos” que ocorre o primeiro confronto de Marx com a economia política, e ele desenvolve o conceito de alienação do trabalho e suas consequentes determinações sobre todos os aspectos da vida social. Desde então, Marx realiza a primeira formulação concreta da especificidade da alienação na sociedade burguesa – problema do fetichismo. Em “O Capital”3 – livro I – obra com data do ano de 1867 – Marx analisa criteriosamente o surgimento do capitalismo e desvenda didaticamente que este determina a extração de mais-valia e intensificação do lucro, e para isso retira do trabalhador a posse do produto do seu trabalho. É na sua concepção histórica particular do sistema capitalista que se desenvolve na forma da divisão de trabalho, troca e propriedade privada que a atividade humana se torna assalariada. Em vez de ser uma objetivação, elemento mobilizador da sociabilidade, o trabalho, aqui, se transforma no seu contrário: aliena o homem, no lugar de humanizá-lo. A definição teórico-analítica da categoria alienação ocorre em função da análise de mediações histórico-concretas, pela afirmação do valor de troca 3 “O Capital: crítica da economia política, Livro I: O processo de produção do capital”, cujo título original é: Das Kapital: Kritik der politschen Ökonomie (Erster Band: Der Produktion Prozess des Kapitals) foi escrito por Karl Marx, em 1867. Os anos seguintes até 1883, data da sua morte, Marx se dedica à redação dos demais volumes d’ O Capital que foram publicados postumamente por Friedrich Engels. 92 Elenilce Gomes de Oliveira e Antonia de Abreu Sousa como aspecto determinante de intercâmbio econômico-social e de interação sociocultural da sociedade burguesa. (MARX, 1993). Dessa forma, a relação capital-trabalho desempenha papel central na dinâmica do capitalismo, uma vez que o principal problema do capital é o trabalho, pois ao mesmo tempo em que o capital quer eliminá-lo e faz de tudo para dele se livrar, precisa dele para produzir o valor. Assim, o trabalho, ao mesmo tempo em que é indispensável ao capital, é também uma das barreiras com as quais o capital se depara, criando dificuldades à continuidade da acumulação e gerando as crises do capital. Como as crises pertencem à natureza do capital, essas se manifestam na produção, no consumo e até em “qualquer uma das fases de circulação e de produção de valor”. (HARVEY, 2006, p. 43). As tendências às crises levam a tensões no processo de acumulação, pois esse processo depende e pressupõe a existência de: 1) excedente de mão de obra; 2) quantidades necessárias de meios de produção (máquinas, matérias-primas etc.); e 3) mercado consumidor. Pode ser que em cada um desses aspectos o progresso da acumulação encontre uma barreira, a qual, uma vez atingida, provavelmente precipitará uma crise de determinada natureza. Se considerarmos que o capitalismo não tem olhos, mas apenas boca para acumulação e tentáculos para a expansão, a sua tendência é a acumulação pela acumulação, como acentuou Marx. A acumulação e a expansão do capital dependem da disponibilidade permanente do exército industrial de reserva, pois sem essa massa de trabalhadores à espera da oportunidade de vender sua força de trabalho o capital não se sustenta. Marx (1982, p. 733-735) assinalou que o exército industrial de reserva é não somente o produto e a força da acumulação, mas também a condição de existência do modo de produção capitalista. [...] se a população trabalhadora excedente é produto necessário da acumulação ou do desenvolvimento da riqueza no sistema capitalista, ela se torna por sua vez a alavanca da acumulação 93 Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição capitalista, e mesmo condição de existência do modo de produção capitalista. Ela constitui um exército industrial de reserva disponível, que pertence ao capital de maneira tão absoluta como se fosse criado e mantido por ele. [...]. O crescimento do exército industrial de reserva aumenta a competição entre trabalhadores e motiva o trabalhador empregado a demonstrar maior eficiência nas suas atividades. A elevação da produtividade do trabalhador dispensa a contratação de outros trabalhadores e aumenta o exército industrial de reserva. Essa quantidade maior de desempregados exercerá pressão para conseguir emprego, à custa, quase sempre, do desemprego de outro trabalhador. Essa competição é muito útil para o capital, uma vez que diminui a capacidade de negociação dos trabalhadores na busca por melhores salários. Os efeitos dessa competição entre trabalhadores se manifestam na acumulação de perdas salariais e até mesmo na sua redução. Os capitalistas, por sua vez, aumentam a quantidade e o valor das mercadorias no mercado, como consequência da restrição aos ganhos salariais e aumento das horas trabalhadas. Essa medida cria uma barreira à acumulação: a redução do poder de compra do consumidor, que é o trabalhador. Sem a compra do produto, a mercadoria não se efetiva, não cumpre o seu papel e gera a crise de superprodução. Assim, conforme Marx, a erupção de crise é endêmica ao sistema do capitalismo. Marx acreditava que as crises sucessivas do capitalismo criariam as condições objetivas que viabilizariam a revolução proletária. Compreendia que o modo de produção capitalista entraria em uma crise geral e que esta sinalizaria o esgotamento das possibilidades do capitalismo que, em decorrência, só poderia ser superado de forma global. O capital, no entanto, logra contornar suas crises, haja vista as estratégias utilizadas nas duas primeiras décadas do século XX, quando a crise geral se aproximava e o avanço do movimento operário nos principais países capitalistas indicava que a revolução russa seria o primeiro elo de uma cadeia, e com origem neste, seguiria a revolução proletária em outros países. (SAVIANI, 2002). Tal fato não ocorreu e a situação parece ter se alterado radicalmente após a Grande Depressão de 1929, no que se 94 Elenilce Gomes de Oliveira e Antonia de Abreu Sousa refere à consciência burguesa das crises4. A crise que teve início na década de 19705 vem acarretando profundas mudanças no mundo do trabalho, dentre as quais é possível elencar: o desemprego estrutural, o crescente contingente de trabalhadores em condições precarizadas, o avanço tecnológico, a automação e a degradação na relação entre o ser humano e a natureza. (ANTUNES, 2001). O capitalismo, com os sistemas de produção flexíveis, conseguiu acelerar o ritmo de inovação dos produtos e explorar nichos de mercado altamente especializados, bem como reduziu o tempo de giro das mercadorias. O uso de novas tecnologias produtivas ensejou outras formas de administrar estoques e a meia-vida dos produtos. (HARVEY, 2002). O capital, atualmente, não tem problemas em relação à quantidade elevada de força de trabalho disponível no mercado. De acordo com Harvey (2011, p. 55), nos últimos 30 anos cresceu a quantidade de força de trabalho disponível, pois [...] cerca de 2 milhões de trabalhadores assalariados foram adicionados à força de trabalho global disponível, em função da abertura da China e do colapso do comunismo na Europa central e oriental. Em todo o mundo aconteceu a integração das populações camponesas até então independentes nas forças de trabalho. O mais dramático de todos esses acontecimentos foi a mobilização das mulheres, que agora formam a espinha dorsal da força de trabalho global. Está agora disponível uma piscina enorme de força de trabalho para a expansão capitalista. 4 É sob o impacto da crise geral da economia capitalista, que eclodira em 1929, que Keynes começa a elaborar a concepção que atribui importância central ao papel do Estado no planejamento nacional das atividades econômicas, partindo do princípio de que a regulamentação da economia e o funcionamento da economia de mercado baseados na propriedade privada seriam controlados pelo Estado. (MOGGRIDGE, 20--). Na contramão da teoria de Keynes – que atribui importância primordial ao papel do Estado na resolução das crises do capitalismo – contrapõe-se Hayek (1990), com sua obra “O caminho da servidão”, que também procura explicar as crises cíclicas do capitalismo, porém se posicionando de forma bem radical contra toda e qualquer intervenção do Estado na economia. 5 Nesse contexto crítico da crise capitalista da década de 1970, observa-se a constituição de novas formas da gestão organizacional, do avanço tecnológico como modelos alternativos ao binômio taylorismo/fordismo, destaque especial para o toyotismo ou modelo japonês. (ANTUNES, 2001). 95 Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição O exército industrial de reserva está disponível ao capital, mas não basta; é necessário que seja disciplinado e qualificado. Sem essas condições, a acumulação do capital enfrenta sérias dificuldades. Hoje, diferentemente da crise de superprodução de outrora, as estratégias para a saída da crise e recuperação da expansão e acumulação do capital ocorrem sob a predominância da esfera financeira. Segundo François Chesnais, o sistema do capital opera com um regime de acumulação predominantemente financeiro e singular, pois em nenhum período anterior foram tão volumosas as quantidades de ações e títulos, os ganhos dos rentistas e a quantidade de capital monetário fictício em circulação. (LUCENA, 2012). “Nunca os lucros financeiros foram tão altos em comparação com a atividade produtiva”. Nunca as finanças foram tão desreguladas (LUCENA, 2012), de maneira que os governos estão enfraquecidos e deixam de exercer o controle sobre elas. Na atualidade tem início a crise de expansão do capitalismo, uma vez que as fronteiras internas e externas estão no seu limite máximo, pois não existem muitos mercados a serem alcançados. Esses limites indicam [...] uma crise estrutural que irá se combinar com processos cada vez mais intensos de crises conjunturais - como a dos tigres asiáticos e a russa em 1996, a mexicana em 1998, a Argentina em 2001, a bolsa de valores de Nova Yorque em abril de 2001, quando o índice Nasdaq despencou queimando da noite para o dia bilhões de dólares em riqueza especulativa e etc. Um momento dramático em curso e sem solução a vista é o déficit comercial e o endividamento externo Norte-americano, assim como a chamada bolha imobiliária que, por certo, não podem ser prorrogados indefinidamente. A amplitude desta crise pode ser medida pelo fato de que sem estes artifícios da economia dos EUA o exuberante crescimento da China e da economia mundial dos últimos anos teria sido pouco viável. (MENEGAT, 2007, p. 5). Essa crise, segundo François Chesnais, não tem saída. Ela é um novo momento na crise mundial, decorrente do crescimento baseado na dívida e na exportação globalizada: O funcionamento da economia mundial desde o início dos anos 2000 se baseou em dois pilares: o regime de crescimento guiado pela dívida, adotado pelos EUA e pela Europa, e o regime de 96 Elenilce Gomes de Oliveira e Antonia de Abreu Sousa crescimento orientado por exportações globais, no qual a China é a principal base industrial, e o Brasil, a Argentina e a Indonésia são os provedores-chave de recursos naturais. A crise representa o beco sem saída, o impasse absoluto do regime guiado pela dívida. O segundo pilar está levemente melhor, mas o crescimento baseado em exportações globais não poderá funcionar por muito tempo sem uma forte demanda externa, especialmente dos EUA e da União Européia. (LUCENA, 2012). Cabe também chamar a atenção para o fato de que as crises criam as condições que forçam algum tipo de racionalização arbitrária no sistema de produção capitalista, desencadeando drásticas consequências: falências, colapsos financeiros, desvalorização forçada dos ativos fixos e poupanças pessoais, inflação, concentração crescente de poder econômico e político em poucas mãos, queda de salários reais e desemprego. (HARVEY, 2006). No que diz respeito ao trabalho, pode-se presenciar um conjunto de tendências que configuram um quadro complicado, experimentado em diversas partes do mundo onde vigora a lógica do capital. Não se pode pensar em outro sistema de controle maior e mais totalitário do que o sistema de capital globalmente dominante, que impõe seu critério de viabilidade em tudo, desde as maiores empresas transnacionais às mais íntimas relações pessoais e aos mais complexos processos de tomada de decisão no âmbito dos monopólios industriais, favorecendo sempre os mais fortes contra os mais fracos. (ANTUNES, 2001; ARRAIS NETO, 2008). Se o trabalho é organizado e forte num determinado local, o Estado é chamado a intervir, como aconteceu na Europa em meados da década de 1970 e, sobretudo, no Brasil, na década de 1990, quando os direitos duramente conquistados pelos trabalhadores foram significativamente alterados e até retirados. O neoliberalismo foi, sem dúvida, a maneira encontrada pelo capital para contornar a “barreira potencial6” à acumulação, que são os trabalhadores organizados. (HARVEY, 2011, p. 61). É certo que a resistência dos movimentos da classe trabalhadora diminuiu com o ataque político e econômico do neoliberalismo. Somem-se 6 Harvey (2011, p. 61) usa a denominação “barreira potencial”, argumentando que “houve poucos sinais de esmagamento dos lucros”, não se configurando a teoria do esmagamento de lucros apresentada por alguns marxistas. 97 Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição a isto o vasto exército industrial de reserva acessível ao capital, a quebra de barreiras geográficas, a elevação do nível de qualificação dos trabalhadores e as inovações das comunicações e dos equipamentos/ferramentas de trabalho. O resultado é que essa composição é, inegavelmente, vantajosa para o capital. “[...] atualmente, o principal problema reside no fato de o capital ser muito poderoso e o trabalho muito fraco, não o contrário”. (HARVEY, 2011, p. 61). O quadro, hoje, é crítico, e atinge não só os países periféricos, mas também os países capitalistas de economia estabilizada. A lógica do sistema produtor de mercadoria converte a concorrência e a busca da produtividade num processo destrutivo, o que enseja a precarização do trabalho e o aumento do exército de reserva e de desempregados. (ANTUNES, 2001). Trabalho, Juventude e Educação no Brasil O aumento do exército de reserva situa a juventude7 em perversas condições de competição em relação aos adultos. Em primeiro lugar, destacamos o crescimento dessa população. De acordo com os dados do Fundo de População das Nações Unidas, no ano de 2010, a população juvenil estimada foi de 1,5 bilhão na faixa etária de 15 a 24 anos para uma população mundial estimada em 7,9 bilhões de pessoas, o que representa 19% do total. A expansão do universo de jovens no mundo não ocorre de maneira idêntica nem se encontra distribuída de forma homogênea. O Brasil possui um contingente que representa a quinta posição em termos de volume da população jovem em todo o mundo. Existe, ainda, no Brasil, um grande número de crianças, adolescentes e jovens que enfrentam a dura realidade do trabalho precoce. A estimativa 7 Como todo processo de transformação da sociedade, estudos comprovam que não é fácil definir as fases da vida do ser humano em razão da sua complexidade, principalmente no que diz respeito à juventude. Pochmann (2000) compreende a juventude como um ciclo de vida que representa muito mais tempo do que a etapa de 15 a 24 anos de idade. É, acima de tudo, uma fase de preparação para a vida adulta, de elaboração de projetos e de grandes descobertas. Tradicionalmente, concebe-se a juventude como um ciclo de vida determinado por faixa etária; porém, é importante considerar que a sua compreensão requer entendêla como constituída por uma realidade histórica e cultural determinada. Essa perspectiva permite perceber a juventude como segmento diferenciado, conforme o grupo social a que pertença. Neste sentido, falar da juventude significa considerá-la nas condições e relações sociais em que está inserida. 98 Elenilce Gomes de Oliveira e Antonia de Abreu Sousa é o número aumentar em razão do agravamento da pobreza estrutural do País e do risco de intensificação das desigualdades sociais, que empurram cada vez mais esse contingente para o mundo do trabalho de uma forma precária, muitas vezes sem nenhum critério de avaliação. Desta forma, os adolescentes e jovens acabam sendo mão de obra fácil e barata a ser cooptada pelo mercado. A integração do adolescente e do jovem na sociedade passa pela inserção no trabalho. Com o excedente de mão de obra, entretanto, os adolescentes e os jovens encontram as piores e mais perversas condições de competição em relação aos adultos. Essa realidade leva-os a assumir funções e exercer atividades inferiores na organização das empresas. O rendimento médio dos jovens ocupados, no Brasil, é de 1,7 salário mínimo e com jornada semanal de 44 horas. (POCHMANN, 2000). Ante à conjuntura atual, a própria educação, que deveria ser um elemento vital de estabelecimento de relações solidárias, socialização e elaboração de identidades e emancipação humana, passa a ser compreendida como um instrumento de formação das pessoas para disputarem uma posição no mercado de trabalho. No Brasil, é crescente a demanda das populações da camada popular pelo acesso à educação escolar, o que demonstra o valor a ela atribuído pelas classes populares – pois acreditam que as oportunidades de emprego dependem do nível de escolarização alcançado8. Tal quadro encontra apoio nas novas tecnologias e na globalização da economia, que tendem a impor exigências mais elevadas de escolaridade. Quer para o ingresso, quer para a permanência no emprego, em todos os níveis da hierarquia ocupacional os índices de desemprego e de exclusão social tendem, doravante, a afetar, prioritariamente, as populações menos escolarizadas. Em vista disso, prevê-se que as desigualdades escolares repercutam cada vez mais nas oportunidades de emprego disponíveis ao trabalhador, em especial, ao jovem trabalhador pobre. 8 No Brasil é latente o discurso economicista que domina a educação escolar, ao advogar a escola como “trampolim” social ou porta de acesso direto ao mundo do trabalho. 99 Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição Para Ciavatta (2008, p. 280), o discurso dominante do século XXI espera [...] da escola, dos jovens e dos trabalhadores um nível de atualização de conhecimentos que os capacite a atender as exigências das novas tecnologias aplicadas aos processos produtivos. Em um país como o nosso, onde cerca de 50% dos trabalhadores têm menos de oito anos de escolaridade, dentro das condições precárias de funcionamento das escolas e do exercício das atividades docentes, a ideia de século do conhecimento e da formação, se não é um acinte aos setores desfavorecidos da população, é uma ilusão vendida nos balcões televisivos. Nos últimos anos, a política educacional brasileira se voltou para ações de aumento da escolarização formal. Em 2011, a matrícula na educação básica, de acordo com a Tabela 1, foi de 50.972.619 alunos, sendo 43.053.942 (84,5%) em escolas públicas, e 7.918.677 (15,5%) em escolas da rede privada, em 194.932 estabelecimentos de ensino. (BRASIL, 2011). A Tabela 1 descreve que as redes municipais são responsáveis por quase metade das matrículas (45,7%), o equivalente a 23.312.980 alunos, seguida pela rede estadual, que atende a 38,2% do total, 19.483.910 alunos. A rede federal de educação profissional e tecnológica, com 257.052 matrículas, participa com 0,5% do total, mas, de acordo com o censo escolar de 2011, o maior crescimento de matrículas é nessa rede se comparada às demais. O ensino médio, em 2007, contou com o total de 8.368.369 milhões de alunos; e em 2011, a matrícula foi de 8.400.689 milhões, conforme a Tabela 2, atingindo cerca de 80% da faixa etária de 15 a 17 anos. Tabela 1 – Número de Matrículas na Educação Básica por Dependência Administrativa – Brasil – 2007-2011 Ano Total Geral 2011 50.972.619 Total 43.053.942 Federal 257.052 Fonte: Instituto Nacional de Estudos... (2011). 100 Estadual 19.483.910 Municipal 23.312.980 Privada 7.918.677 Elenilce Gomes de Oliveira e Antonia de Abreu Sousa Tabela 2 – Matrículas no Ensino Médio – Brasil – 2007-2011 Ano Ensino Médio População por Idade – 15 a 17 anos 2007 8. 368.369 10.262.468 2008 8. 366.100 10.289.624 2009 8. 337.169 10.399.385 2010 8. 357.675 10.357.874 2011 8. 400.689 - 0,5 - Δ % 2010/2011 Fonte: Instituto Nacional de Estudos... (2011). Notas: 1) Não inclui matrículas em turmas de atendimento complementar e Atendimento Educacional Especializado (AEE). 2) Ensino médio: inclui matrículas no ensino médio integrado à educação profissional e no ensino médio normal/magistério. A democratização do acesso à escola, no entanto, em especial a pública, enfrenta muitos desafios, com destaque para a evasão escolar, haja vista que a metade dos alunos que entram nas escolas não finaliza seus estudos. (INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS..., 2007). Essa situação é vinculada a muitos obstáculos, considerados, na maioria das vezes, intransponíveis, para milhares de jovens permanecerem na escola e concluírem a educação básica. Dentre tais óbices, destacamos: a necessidade de trabalhar para ajudar a família e, também, para o próprio sustento; a violência e o ingresso na criminalidade; o convívio familiar conflituoso; e a má qualidade do ensino, entre outros. É válido dizer que a evasão está relacionada não apenas à escola, mas também à família, às políticas de governo e ao próprio aluno9. Essa realidade brasileira de aumento da escolarização com a finalidade de inserção no mercado de trabalho se diferencia do que ocorre na Europa central onde os países já ensejaram a escolarização básica aos seus jovens, mas enfrentam os efeitos da crise do capital, em especial, o desemprego. A reação 9 O estudante do ensino médio que se evade da escola deixa de acreditar que esta contribuirá para um futuro melhor, haja vista que a educação que recebe é precária em relação ao conteúdo, à formação de valores e ao preparo para o mundo do trabalho. (INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS..., 2007). 101 Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição dos jovens a tudo isso é, segundo François Chesnais, o aspecto interessante a destacar: os movimentos liderados por jovens, tais como as revoltas no norte da África e no Oriente Médio, o movimento dos indignados na Espanha, o movimento de Tel Aviv, e no Chile. (LUCENA, 2012). Esses movimentos “são reações ao extraordinário abismo social num tempo em que o consumismo é projetado mundialmente pela tecnologia contemporânea e pelas estratégias de mídia. Cada um tem suas idiossincrasias nacionais e suas trajetórias políticas. Em cada caso há uma diferente mistura de um componente fundamental democrático, com conteúdo anticapitalista”. (LUCENA, 2012). A reação dos jovens brasileiros a essa questão ocorreu de outra forma, pois no lugar de manifestações contra o desemprego tratam de ampliar sua escolarização e qualificação profissional. Os países desenvolvidos já têm o ensino fundamental e médio universalizados e a formação profissional ocorre desde uma base de cultura científica e humanista, diferentemente dos países de capitalismo periférico. Em nosso País ocorre a incorporação dos discursos dominantes pautados nas recomendações de organismos internacionais – aumentar a cobertura educacional para além do período obrigatório com a finalidade de democratizar a educação – como resposta ao desemprego enfrentado na crise do capital. Conclusão O aumento do exército de reserva atinge diretamente a juventude, em razão das perversas condições de competição no mundo capitalista, que impõe exigências mais elevadas de escolaridade, quer para o ingresso, quer para a permanência no emprego. Assim sendo, as desigualdades escolares repercutem cada vez mais nas oportunidades de emprego disponíveis ao trabalhador, em especial ao jovem trabalhador pobre. No Brasil, configura-se a luta por mais escolarização e qualificação profissional, cuja finalidade é, entre outras, a inserção no mercado de trabalho, o que se afasta e se diferencia do que ocorre atualmente na Europa central, pois os países desse segmento já universalizaram a educação básica e os jovens enfrentam, diretamente, os efeitos da crise do capital, em especial o desemprego. Ainda se sobressai, no Brasil, o discurso da equivalência do aumento 102 Elenilce Gomes de Oliveira e Antonia de Abreu Sousa da escolarização/qualificação profissional e emprego. Os segmentos mais afetados pelos efeitos do desemprego apoiam-se nas políticas sociais, e os demais investem, cada vez mais, no aumento da escolarização e qualificação profissional, mantendo ainda vivo o fetiche do poder da educação. REFERÊNCIAS ANTUNES, Ricardo. Adeus ao trabalho. São Paulo: Cortez, 2001. ARRAIS NETO, Enéas Araújo. Um mundo sem fronteiras ou um mundo sem controle?: regulação social e realidade de novos papéis do estado nacional sob o capitalismo mundializado. In: SOUSA, Antonia de Abreu et al. (Org.). Trabalho, capital mundial e formação dos trabalhadores. Fortaleza: Editora do Senac, 2008. CIAVATTA, Maria. Contrastes no século do conhecimento e da formação: estudos comparados sobre a formação profissional dos trabalhadores. In: SOUSA, Antonia de Abreu et al. (Org.). Trabalho, capital mundial e formação dos trabalhadores. Fortaleza: Editora do Senac, 2008. FUNDO DE POPULAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Relatório sobre a situação da população mundial. Brasília, DF, 2011. HAYEK, Friedrich August Von. O caminho da servidão. Rio de Janeiro: Instituto Liberal, 1990. ______. Condição pós-moderna. São Paulo: Loyola, 2002. ______. O enigma do capital e as crises do capitalismo. São Paulo: Boitempo, 2011. ______. 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Por isso mesmo essa inserção vem se constituindo em um campo de preocupação especial para organismos governamentais e não governamentais. Esse tipo de trabalho enfrenta inúmeras dificuldades, pois se trata de uma mão de obra ainda sem as condições de qualificação e informação exigidas pelo mercado de trabalho, que cada vez mais requisita formações densas em conhecimento. Dessa maneira, fica a juventude, em decorrência de uma necessidade pessoal ou familiar, exposta a muitas formas de exploração, que se exteriorizam por meio de baixas remunerações, postos de trabalho menos significativos e extensas jornadas de trabalho. A questão do trabalho juvenil é muito complexa na medida em que envolve inúmeros fatores sociais e econômicos, além de individuais e familiares. Políticas voltadas à regulação do trabalho juvenil são necessárias, Professor do Curso de Mestrado em Economia da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Doutor pela Universidade de Paris I e Pós-Doutorado pela Universidade de Paris XIII. 2 Professor do Departamento de Economia da UFBA, e Doutor pelo Programa de Pósgraduação em Economia (PIMES), Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). 1 105 Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição mas a implantação adequada dessas políticas exige que se conheçam em profundidade a natureza e a dimensão dessa problemática. Dessa forma, não se pode esquecer que o aumento do uso do trabalho juvenil acompanha as necessidades do processo econômico tanto no que concerne ao crescimento como em termos de suas transformações técnicas e organizacionais que condicionam formas diferenciadas de absorção da mão de obra. A literatura econômica brasileira que trata a temática do trabalho juvenil não é muito vasta em termos quantitativos, no entanto ela se apresenta muito rica nas questões suscitadas, bem como nas formas metodológicas utilizadas nos tratamentos empíricos. Na sequência, apenas a título de exemplificação, são mostradas algumas dessas abordagens. Paes de Barros e Mendonça (1991) apresentam algumas consequências da pobreza sobre o trabalho de crianças e adolescentes. Com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 1987, os autores apontam que a frequência escolar e a entrada no mercado de trabalho de crianças e jovens na faixa etária de 10 a 17 anos se relacionam com o nível de renda das respectivas famílias. Para esse conjunto de pessoas, a taxa de participação se eleva com a idade, é maior para os meninos, e maior em São Paulo e Porto Alegre, comparativamente a Fortaleza. Mas a grande relação encontrada é que essa taxa é decrescente com os recursos econômicos das famílias. Oliveira e Pires (1995) apontam a incidência do trabalho infanto-juvenil no Brasil, que pode ser verificada através da elevada e estável taxa de atividade nos dois grupos supramencionados. Esse fato encontra-se mais presente nas famílias de baixa renda, que pressionam seus filhos a entrarem no mercado de trabalho. Isso naturalmente permite se estabelecer uma relação direta desse fenômeno com a pobreza, grande responsável pelo trabalho precoce. Para Martins (2013), as taxas de desemprego são sempre mais elevadas para as mulheres e para os jovens com até 24 anos. Isso vem acontecendo na Espanha, França, Itália, Inglaterra e Suécia. Com dados da Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED), Martins (2013) constata que, em 1995, o nível de desemprego total variava em torno de 13,2%, mas as taxas de desemprego entre adolescentes de 15 a 19 anos e jovens de 20 a 24 anos subiam para, respectivamente, 21,4% e 16,7%. Esse quadro de dificuldade decorre do pequeno número de oportunidades de empregos para essas pessoas, em virtude, principalmente, da introdução de novas tecnologias, que passam 106 Wilson F. Menezes e Carlos Frederico A. Uchoa a exigir maior qualificação e experiência. Além disso, tem-se a significativa mobilidade ocupacional dos jovens que circulam em diversas situações de trabalho (formação, aprendizagem, precário, temporário, em tempo parcial etc.), ou mesmo circulam entre situações de emprego, desemprego e inatividade, emprego. Esse quadro aponta uma forte precarização do trabalho juvenil, a qual é acompanhada por um processo que amplia a quantidade de jovens da periferia em torno do mercado de trabalho secundário. Muniz (2002) analisa os possíveis efeitos de mudanças na estrutura etária sobre o mercado de trabalho dos jovens no Brasil. Com a base da Pesquisa Mensal de Emprego (PME) para seis regiões metropolitanas Muniz (2002) montou um pseudopainel para os anos compreendidos entre 1982 e 2000. Os resultados obtidos apontam que as taxas de desemprego, bem como a ocupação das mulheres e das pessoas mais jovens (15 a 19 anos) são os fatores mais influenciados pelos movimentos populacionais intracoortes. Aumentou o quantitativo populacional nas faixas etárias de 15 a 19 anos, e de 20 a 24 anos, problematizando ainda mais a entrada do jovem no mercado de trabalho, por gerar alterações significativas no nível de emprego e de desemprego da população. Esse aumento decorre de descontinuidades demográficas, que provocam mudanças na distribuição etária da população, provocando pressões sociais com desdobramentos maléficos sobre o mercado de trabalho e o sistema educacional. Assim, em momentos de baixa conjuntura econômica fica difícil a absorção do excedente de oferta de mão de obra, em particular desse grupo etário de jovens. A principal solução apontada pelo autor aparece na forma de um necessário aperfeiçoamento do mercado de trabalho agregado como melhor forma de se combater o aumento do desemprego. Silva e Kassouf (2002), com os dados da PNAD para 1998, apresentaram um diagnóstico da situação dos jovens entre 15 e 24 anos no mercado de trabalho brasileiro. Magnitude e determinantes do desemprego da juventude brasileira foram analisados utilizando o modelo logit multinomial, que permitiu apresentar as probabilidades de os jovens se encontrarem, em um determinado momento, na condição de inativo, ativo e empregado, ou ativo e desempregado. Os resultados apontam que nas áreas urbanas o aumento da escolaridade é forte condicionante para reduzir a probabilidade de desemprego dos homens, mas eleva a das mulheres (o mesmo para os homens com residência rural). Isso decorre, provavelmente, de uma maior seletividade no emprego. Por outro lado, a 107 Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição probabilidade de desemprego foi decrescente com a experiência do jovem no mercado de trabalho, para todos os homens e todas as mulheres urbanas; para as mulheres rurais a probabilidade de desemprego foi crescente com os anos de experiência. Além disso, as autoras encontraram fortes indícios de discriminação racial contra os negros no preenchimento dos postos de trabalho, tendo também verificado que a probabilidade de desemprego é mais elevada para o jovem com baixa renda familiar. Guimarães (2013), com informações da pesquisa “Perfil da juventude brasileira”, da Fundação Perseu Abramo, realizada em novembro-dezembro de 2003, mostra que o trabalho aparece como uma referência central em opiniões, atitudes, expectativas e relatos de experiências de uma amostra representativa da juventude brasileira (3.501 entrevistados, com idades entre 15 e 24 anos, distribuídos em 198 municípios). A centralidade do trabalho em termos subjetivos é vista em várias dimensões, dentre as quais se podem destacar: o valor do trabalho para quem incorpora uma dedicação ao mesmo; a necessidade de garantias para atender as necessidades no curso da vida; o direito para exercer a cidadania e a obtenção de chances de crescimento enquanto pessoa. Esses aspectos subjetivos encontram suas restrições no âmbito de elementos tais como alterações na dinâmica demográfica, transformações no aparato produtivo, encolhimento de postos na base da pirâmide ocupacional e inadequação educacional. Estes são elementos que condicionam a entrada do jovem no mercado de trabalho, todos eles presentes no caso brasileiro. Pochmann (2013), com informações do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), após uma apresentação estatística sobre o mercado de trabalho do jovem, aponta o fracasso dos sistemas brasileiros de educação e de integração social em atender à população juvenil. Isso decorre da pulverização de ações e programas, bem como da pequena escala relativa de atendimento dessas pessoas, ou mesmo da competição que se estabelece entre políticas nas distintas esferas de governo, Organizações Não Governamentais (ONGs) e iniciativas patronais. Reis e Camargo (2007), usando dados da PNAD para o período entre 1981 e 2002, mostram que a taxa de desemprego dos jovens brasileiros aumentou de maneira significativa em relação à taxa dos adultos, logo após a estabilização da inflação com o Plano Real de 1994. A explicação para esse fato aparece na maior rigidez salarial decorrente da estabilidade inflacionária e no alto grau de incerteza dos empregadores em relação à produtividade do trabalho juvenil. 108 Wilson F. Menezes e Carlos Frederico A. Uchoa O presente trabalho se soma aos textos enunciados acima, buscando assim contribuir para um maior entendimento de relevante questão. O objetivo do trabalho é, com o auxílio da PNAD para o ano de 2011, apresentar os determinantes da ocupação do jovem brasileiro3. Para tanto, o artigo encontrase dividido em quatro partes, além desta introdução. Na segunda, avançam-se algumas questões relacionadas à inserção do jovem no mercado de trabalho, quando são apresentadas estatísticas sobre o desemprego e a taxa de atividade do jovem, bem como sua escolaridade e experiência, além da condição do jovem no mercado de trabalho, considerando a posição na ocupação, as horas semanais de trabalho, a contribuição à previdência social e os rendimentos auferidos. Na terceira parte é realizado um exercício econométrico, com o uso do modelo Probit, com vistas a avaliar os principais determinantes da ocupação do contingente de jovens no mercado de trabalho. Por fim, algumas conclusões são avançadas, quando se emitem algumas sugestões de política social. Inserção do Jovem no Mercado de Trabalho Os dados da PNAD demonstram que o problema do trabalho juvenil no Brasil não é apenas socialmente qualitativo, mas também quantitativo, na medida em que o peso desse segmento populacional torna-se compatível com o de outras faixas etárias. A Tabela 1 ajuda a esclarecer esse ponto. São significativas as taxas de participação dos jovens no mercado de trabalho, muito embora essa participação se apresente em menor escala comparativamente ao segmento adulto (com idade entre 25 e 55 anos), fato esse que deve ser visto com naturalidade, já que o jovem ainda se encontra em fase de estudos. Assim, taxas de participação menores para os jovens relativamente às pessoas adultas aparecem em todos os atributos pessoais considerados (gênero, cor, faixas de escolaridade e de idade), embora a diferença se mostre menos significativa para os jovens entre 18 e 24 anos, cuja taxa de participação foi estimada em 71,0%, ou seja, bem mais próxima da participação da faixa etária entre 25 e 55 anos. A taxa de participação dos jovens entre 16 e 24 anos é de 62,5%, quando essa taxa foi estimada em 79,9% para o segmento com idade entre 25 e 55 anos, ou seja, para a faixa etária economicamente ativa. 3 Nesse contexto, a primeira questão que se coloca é sobre a idade dos jovens que trabalham. Foram considerados como jovens todos os indivíduos com idade entre 16 e 24 anos, os quais foram divididos em duas faixas etárias: adolescentes entre 16 e 17 anos, e jovens adultos entre 18 e 24 anos. 109 Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição Quanto à taxa de desemprego, os jovens enfrentam maiores dificuldades em ocupar um posto de trabalho, sendo essa taxa muito mais elevada (15,4%) para eles, relativamente ao segmento entre 25 e 55 anos (5,2%). Ainda analisando essa Tabela 1, pode-se constatar que as mulheres (20,1%) enfrentam uma taxa de desemprego mais elevada que a dos homens (11,9%), e muito mais elevada quando comparada às mulheres com idades entre 25 e 55 anos (7,4%). Também os homens jovens encontram-se muito mais expostos ao desemprego relativamente aos homens entre 25 e 55 anos (4,3%). Em relação à cor, o mesmo fenômeno se verifica, ou seja, os homens jovens brancos, com uma taxa de desemprego de 13,8%, ficam mais expostos às amarguras do desemprego que seus congêneres com idade entre 25 e 55 anos (4,3%). Esse traço também aparece para o conjunto dos demais indivíduos jovens (16,6% contra apenas 5,9% para a faixa etária entre 25 e 55 anos). Tabela 1 - Taxas de Desemprego e de Participação no Brasil Condição Jovens entre 16 e 24 anos Taxa Desem Taxa Partic Pessoas entre 25 e 55 anos Taxa Desem Taxa Partic Gênero Mulher 20,1 53,4 7,4 68,6 Homem 11,9 71,5 3,4 92,3 Branco 13,8 63,4 4,3 80,8 Demais 16,6 61,9 5,9 79,2 Analfabeto funcional 12,7 53,7 4,6 69,2 1º grau incompleto 14,9 56,5 4,7 75,8 1º grau completo e 2º grau incompleto 18,2 53,2 5,9 78,8 2º grau completo e mais 14,0 74,0 5,3 85,7 16 e 17 anos 22,4 35,6 – – 18 a 24 anos 14,3 71,0 – – Total 15,4 62,5 Fonte: Cálculos Realizados a partir da PNAD de 2011. 5,2 79,9 Cor Faixa de escolaridade Faixa de idade 110 Wilson F. Menezes e Carlos Frederico A. Uchoa Todas as faixas de escolaridade dos jovens apresentam taxas de desemprego mais elevadas em relação aos seus respectivos pares com idades entre 25 e 55 anos. Mas são os jovens com escolaridade entre o primeiro grau completo e o segundo grau incompleto que enfrentam a mais elevada taxa de desemprego (18,2%), em relação aos adultos com idades entre 25 e 55 anos, com o mesmo grau de escolaridade (5,9%). Os jovens com idades de 16 e 17 anos são os mais expostos ao desemprego, com uma taxa de 22,4%. É verdade que essas pessoas estão menos presentes no mercado de trabalho (taxa de participação de 35,6%), mas quando necessitam trabalhar encontram uma realidade muito desigual, provavelmente em decorrência da menor experiência em um mercado de trabalho que não respeita gênero, cor, escolaridade e faixa etária. Afinal, o sistema econômico não tem como objetivo empregar as pessoas, mas auferir resultados e, para tanto, necessita empregar. Uma explicação para tão elevadas taxas de participação e de desemprego do jovem pode ser encontrada quando se observa um movimento de redução de postos de trabalho destinados a essas pessoas, de maneira que os avanços educacionais não necessariamente se traduzem, para a população jovem, em maior possibilidade de obtenção de um posto de trabalho. Alta taxa de participação com pequena capacidade de absorção ocupacional da população jovem tem se traduzido, dessa forma, em elevada taxa de desemprego para esse importante contingente populacional. A Tabela 2 apresenta um quadro da participação do jovem em duas faixas etárias: a primeira, que contém as pessoas com 16 e 17 anos, e a segunda, com idades entre 18 e 24 anos. A escolha dessas faixas decorre da condição de maioridade legal das pessoas, além de permitir uma percepção da proporção dessas pessoas que se encontram em plena possibilidade de continuar seus estudos tendo em vista a obtenção de um curso universitário. A observação que se faz, a partir desta Tabela 2, é que 23,9% dos jovens encontram-se na primeira faixa etária. Esse percentual se mantém praticamente o mesmo quando se observa essa composição etária por gênero e cor, ou seja, 23,2% dos jovens com idades de 16 e 17 anos são mulheres, e 23,3% desses mesmos jovens são brancos. Por outro lado, considerando a população jovem presente nessa faixa etária, pode-se verificar que 48,5% são mulheres e 40,7% são brancos. A população feminina jovem é bastante equilibrada em relação ao gênero, mas a participação do branco é bastante expressiva nas duas faixas 111 Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição Tabela 2 - Faixa Etária dos Jovens por Atributos Pessoais Condição Mulher Homem Demais Branco Total Legenda 16 e 17 anos 18 e 24 anos Total % linha 23,2 76,8 100,0 % coluna 48,5 50,1 49,7 % linha 24,5 75,5 100,0 % coluna 51,5 49,9 50,3 % linha 24,3 75,7 100,0 % coluna 59,3 58,0 58,3 % linha 23,3 76,7 100,0 % coluna 40,7 42,0 41,7 % linha 23,9 76,1 100,0 100,0 100,0 100,0 % coluna Fonte: Cálculos Realizados a partir da PNAD de 2011. etárias consideradas, isso porque a proporção de brancos com idades entre 18 e 24 anos é de 42,0%. Escolaridade e Experiência na Força de Trabalho Para uma melhor compreensão das condições de funcionamento do mercado de trabalho do jovem, apresentam-se na Tabela 3 abaixo as médias e os desvios padrão das variáveis contínuas escolaridade e experiência. Essas informações servem de parâmetros para as estatísticas que serão apresentadas na sequência do trabalho. A mulher com uma média de 10,5 anos de escolaridade formal é, em média, mais escolarizada que o homem (9,6 anos de estudos), muito embora apresente uma experiência menos elevada: 3,4 anos contra 4,2 anos para o homem. O trabalhador jovem branco apresenta uma escolaridade de 10,7 anos e uma experiência de 3,2 anos, enquanto o conjunto das demais cores apresenta, em relação ao branco, uma escolaridade menor e uma experiência mais elevada, respectivamente 9,6 anos e 4,3 anos. As médias de escolaridade não são estatisticamente diferentes para ocupados e desempregados, mas a experiência dos ocupados se mostra mais elevada. Por fim, os jovens com idades entre 18 e 24 anos apresentam escolaridade e experiência mais elevadas em relação aos seus pares com idades de 16 e 17 anos. 112 Wilson F. Menezes e Carlos Frederico A. Uchoa Tabela 3 - Escolaridade e Experiência dos Jovens por Atributos Pessoais Atributo Escolaridade Experiência Média DP Teste Média DP Teste Mulher 10,5 3,0 3,4 3,4 Homem 9,6 3,3 Sig a 95% 4,2 3,7 Sig a 95% Demais 9,6 3,2 4,3 3,7 Branco 10,7 3,0 Sig a 95% 3,2 3,4 Ocupado 10,4 3,1 4,3 3,5 Desempregado 10,3 2,9 3,6 3,3 16 e 17 anos 8,8 2,4 1,7 2,4 18 e 24 anos 10,5 3,2 Sig a 95% 4,5 3,7 Sig a 95% Total 10,1 3,1 - 3,8 3,6 - Não sig Sig a 95% Sig a 95% Fonte: Cálculos Realizados a partir da PNAD de 2011. A Tabela 4 abaixo permite observar as condições de ocupação e desemprego do jovem para algumas faixas de escolaridade e segundo alguns atributos pessoais. A composição da ocupação se apresenta relativamente desequilibrada por gênero, cor e faixa etária, como demonstra a última coluna desta Tabela 4, onde se pode perceber que as ocupações são menos destinadas às mulheres jovens (40,1%) relativamente aos homens na mesma condição de idade. No entanto, com respeito ao desemprego, o movimento se inverte, ou seja, as mulheres jovens (55,6%) são relativamente mais desempregadas que os homens jovens. Esse movimento em desfavor da mulher jovem se verifica em todas as faixas de escolaridade, exceto para aquelas com nível de educação formal acima do segundo grau completo (50,8%), quando conseguem manter um equilíbrio em relação aos homens. Assim é que, dentre os analfabetos funcionais, 19,8% são mulheres, numa demonstração de que para esse estrato educacional os postos de trabalho são, na sua grande maioria, destinados aos homens. Esse mesmo movimento pode ser verificado tanto para a faixa de escolaridade com primeiro grau incompleto (2,6%) como para a faixa com primeiro grau completo e segundo grau incompleto (34,1%). Em relação ao desemprego, os dados mostram que as mulheres são mais presentes na faixa de escolaridade com primeiro grau completo e segundo grau incompleto (53,7%), bem como para aquelas com segundo grau ou mais de 113 Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição Tabela 4 - Escolaridade dos Jovens por Condição Ocupacional e Atributos Pessoais Faixas de Escolaridade Condição 1º g Atributo Legenda Analfab ºg 1 comp funcio- incomp e 2º g nal incomp % linha 2,1 10,0 % 19,8 23,6 coluna Ocupado % linha 5,6 21,7 Homem % 80,2 76,4 coluna % linha 2,6 13,3 Mulher % 43,8 45,0 coluna Desempregado % linha 4,2 20,4 Homem % 56,3 55,0 coluna % linha 5,2 21,3 Demais % 71,8 71,3 coluna Ocupado % linha 2,7 11,4 Branco % 28,2 28,7 coluna % linha 4,1 18,4 Demais % 76,7 69,3 coluna Desempregado % linha 2,1 13,3 Branco % 23,3 30,7 coluna % linha 4,5 33,8 16 e 17 % anos 13,3 24,7 coluna Ocupado % linha 4,1 14,6 18 e 24 % anos 86,7 75,3 coluna % linha 2,7 27,7 16 e 17 % 15,9 33,2 Desempregado anos coluna % linha 3,5 13,7 18 e 24 % anos 84,1 66,8 coluna Fonte: Cálculos Realizados a partir da PNAD de 2011. Mulher 114 2º g comp e mais Total 24,3 63,6 100,0 34,1 50,8 40,1 31,5 41,3 100,0 65,9 49,2 59,9 33,9 50,1 100,0 53,7 61,8 55,6 36,5 38,8 100,0 46,3 38,2 44,4 30,4 43,1 100,0 60,5 48,9 57,0 26,2 59,7 100,0 39,5 51,1 43,0 36,6 40,9 100,0 64,8 56,3 62,1 32,6 52,0 100,0 35,2 43,7 37,9 55,1 6,6 100,0 24,0 1,6 12,4 24,8 56,4 100,0 76,0 98,4 87,6 63,5 6,1 100,0 35,7 2,7 19,7 28,1 54,7 100,0 64,3 97,3 80,3 Wilson F. Menezes e Carlos Frederico A. Uchoa escolaridade (61,8%). Vê-se, portanto, que a proporção de mulheres ocupadas e desempregadas cresce com o nível de escolaridade. Em relação à cor, pode-se observar um relativo equilíbrio entre as participações dessas pessoas nas diferentes faixas de escolaridade, relativamente às suas respectivas participações nas condições de ocupação e de desemprego. Os brancos representam 43,0% do total de ocupados, mas esse percentual se mostra crescente com o nível de escolaridade, de maneira que eles detêm 28,2% dos postos de trabalho na faixa dos analfabetos funcionais, 28,7% dos postos destinados àqueles com 1º grau incompleto, 39,5% dos postos com 1º grau completo e 2º grau incompleto, e 51,1% dos postos de trabalho que empregam pessoas com 2º grau e mais de escolaridade. Dessa forma, podese dizer que a participação dos brancos nas ocupações é crescente com o seu nível de escolaridade. Na condição de desemprego se encontram 37,9% de pessoas brancas, sendo que na faixa de escolaridade de analfabetos funcionais esse percentual é de 23,3%. Essa participação é crescente com o grau de escolaridade, alcançando 43,7% daqueles com 2º grau e mais de escolaridade. Esse mesmo tipo de comparação pode ser feito segundo as faixas etárias da população jovem: com idades de 16 e 17 anos e com idades entre 18 e 24 anos. O jovem com 16 e 17 anos detém 12,4% dos postos de trabalho, mas quando analfabeto funcional esse percentual passa a 13,3%, subindo ainda mais para as duas faixas seguintes de escolaridade, e cai bastante quando os postos de trabalho exigem escolaridade de 2º grau e mais (1,6%), ou seja, essas pessoas encontram-se mais presentes em atividades que exigem menor nível de escolaridade. Por diferença tem-se que os jovens com idades entre 18 e 24 anos aparecem sobrerrepresentados na faixa de escolaridade mais elevada (98,4%) quando ocupados e mesmo quando desempregados (97,3%), já que eles detêm 80,3% dos postos de trabalho. Alguns Elementos Relativos à Ocupação Esta parte do trabalho destaca algumas informações de estatística descritiva concernentes à condição do jovem no mercado de trabalho. Essas informações visam contribuir para uma melhor avaliação do funcionamento do mercado de trabalho juvenil brasileiro. São apresentadas informações quanto à posição na ocupação, às horas semanais de trabalho, à contribuição à previdência e aos rendimentos no trabalho principal. 115 Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição Posição na ocupação Observando as informações relativas à ocupação percebe-se que a ocupação juvenil é muito equilibrada em relação ao gênero. Os homens representam 50,3%, mas a distribuição dessas pessoas nas posições ocupacionais se mostra bem diferenciada. Os homens detêm 70,3% das ocupações por conta própria, 65,0% desses postos sem carteira, 59,0% dos postos de trabalho com carteira assinada, e apenas 7,1% do trabalho doméstico. Em relação à cor, os brancos jovens detêm 41,7% dos postos de trabalho, ficando diferenciada a distribuição entre as várias posições ocupacionais. Assim, os brancos jovens detêm relativamente mais os postos de trabalho formais com carteira de trabalho assinada (50,0%), aparecem com relativo equilíbrio nas ocupações sem carteira assinada (38,4%), são pouco presentes no trabalho doméstico, ainda que detenham 28,6% desses postos de trabalho e apareçam relativamente pouco numerosos nas ocupações por conta própria, onde ocupam 36,2% desses postos de trabalho. Tabela 5 – Posição na Ocupação dos Jovens por Atributos Atributo Legenda Mulher % linha % coluna % linha % coluna % linha % coluna % linha % coluna % linha Homem Demais Branco 16 e 17 anos 18 e 24 anos c/ Assal s/ Demais Assal cart cart 61,6 20,8 10,0 Trab domést. 4,7 Conta própria 2,9 100,0 Total 57,5 41,0 35,0 92,9 29,7 49,7 45,1 29,6 18,3 0,4 6,7 100,0 42,5 59,0 65,0 7,1 70,3 50,3 55,1 21,6 15,0 3,1 5,3 100,0 60,2 50,0 61,6 71,4 63,8 58,3 50,8 30,2 13,0 1,7 4,2 100,0 39,8 50,0 38,4 28,6 36,2 41,7 78,8 5,6 11,6 1,9 2,1 100,0 % coluna 35,3 5,3 19,6 18,1 10,3 23,9 % linha 45,3 31,3 14,9 2,7 5,7 100,0 % coluna 64,7 94,7 80,4 81,9 89,7 76,1 Fonte: Cálculos Realizados a partir da PNAD de 2011. 116 Wilson F. Menezes e Carlos Frederico A. Uchoa As ocupações preenchidas por jovens encontram-se distribuídas entre as duas faixas etárias consideradas, ficando as pessoas com 16 e 17 anos representadas com 23,9% delas. Em relação a esse parâmetro, tem-se que essa faixa etária ocupa 19,6% dos postos sem carteira de trabalho, 18,1% do trabalho doméstico, 10,3% das ocupações por conta própria e apenas 5,3% do trabalho assalariado com carteira assinada. Essas pessoas ocupam um menor número de postos de trabalho relativamente ao seu peso na ocupação como um todo, aparecendo a compensação, portanto, distribuída nos demais postos de trabalho (35,3%). Horas semanais de trabalho O tamanho da jornada semanal de trabalho permite uma avaliação das condições extensivas de trabalho. No mundo inteiro tem-se trabalhado uma menor quantidade de horas por semana, seja pela elevação da produtividade do trabalho, em face do avanço tecnológico, seja em decorrência de imposições legais. No Brasil, a jornada legal por semana é de no máximo 44 horas, no entanto o quantitativo de pessoas que ultrapassam esse número é ainda muito forte. Por um lado, isso decorre de uma exploração extensiva da mão de obra sem que as autoridades tenham condição de fiscalização, por outro, essa prática de alguma forma pode estar revelando um atraso tecnológico nos setores que mais usam uma jornada de trabalho que vai além da definida legalmente. Considerando a variável horas semanais de trabalho, pela ótica do gênero, percebe-se que as mulheres encontram-se mais presentes na faixa entre 40 e 44 horas, ou seja, 42,2% delas exercem uma atividade normal do ponto de vista legal da jornada de trabalho. Esse percentual é mais elevado para os homens (47,2%). As mulheres aparecem com peso mais elevado nas jornadas de trabalho com até 14 horas, com relativo equilíbrio na faixa seguinte, ficando os homens mais presentes nas faixas entre 40 e 44 horas, entre 45 e 48 horas e 49 horas ou mais. Quando relacionada com a cor, o número de horas mostra que os brancos trabalham relativamente mais na jornada legal de 40 a 44 horas por semana, já que 48,8% deles encontram-se nessa faixa. Por outro lado, dentre os trabalhadores dessa faixa, 46,5% são brancos, um percentual mais elevado que os 43,0% de presença desses trabalhadores no conjunto das ocupações. 117 Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição Tabela 6 - Faixas de Horas Semanais de Trabalho dos Jovens por Atributos Atributo Legenda % linha Mulher % coluna % linha Homem % coluna % linha Demais % coluna % linha Branco % coluna % linha 16 e 17 anos % coluna % linha 18 e 24 anos % coluna Até 14 h Entre 15 e 39 h Entre 40 e 44 h Entre 45 e 48 h 49 h ou mais Total 6,9 28,3 42,2 14,3 8,3 100,0 58,7 49,7 37,4 35,4 30,2 40,1 3,2 19,2 47,2 17,5 12,8 100,0 41,3 50,3 62,6 64,6 69,8 59,9 5,2 23,9 42,5 16,7 11,6 100,0 63,7 59,7 53,5 58,8 59,8 57,0 4,0 21,4 48,8 15,5 10,3 100,0 36,3 40,3 46,5 41,2 40,2 43,0 9,6 45,0 28,7 9,9 6,8 100,0 25,6 24,5 7,9 7,6 7,7 12,5 4,0 19,7 47,6 17,1 11,6 100,0 74,4 75,5 92,1 92,4 92,3 87,5 Fonte: Cálculos Realizados a partir da PNAD de 2011. Os jovens com idades de 16 e 17 anos preenchem 12,5% dos postos de trabalho como um todo, mas eles representam 25,6% das ocupações com até 14 horas semanais e 24,5% daquelas que trabalham entre 15 e 39 horas por semana, provavelmente por se tratar de subocupações. Essas pessoas exercem suas atividades econômicas fundamentalmente em ocupações que exigem de 15 a 39 horas semanais de trabalho, isso porque 45,0% deles estão presentes nessa faixa. Os jovens com idades entre 18 e 24 anos trabalham mais fortemente na faixa legal de horas semanais (47,6%), mas se encontram sobrerrepresentados nas faixas que vão além das 40 horas de trabalho por semana. Contribuição à Previdência Social A contribuição à previdência social é um aspecto muito importante na definição da informalidade do mercado de trabalho. A ocupação sem registro 118 Wilson F. Menezes e Carlos Frederico A. Uchoa na previdência social constitui um fenômeno com grande implicação tanto para as pessoas, por contribuir para a diminuição de direitos trabalhistas, quanto para o governo, pelo vazamento de receitas da previdência. A ocupação sem contribuição à previdência vem diminuindo no Brasil, mas ainda apresenta um grande peso, dado o forte contingente de pessoas nessa situação. A informalidade encontra-se mais presente entre os jovens. Isso pode ser verificado pelo ângulo do gênero, da cor e nas duas faixas etárias consideradas. Dentre os que não contribuem para a previdência encontram-se 37,6% de mulheres, 35,1% de brancos, 21,3% com idades de 16 e 17 anos, para pesos relativos respectivamente de 40,1%, 43,0% e 12,5%. Tabela 7 - Contribuição à Previdência Social dos Jovens por Atributo Atributo Mulher Homem Demais Branco 16 e 17 anos 18 e 24 anos Legenda % linha % coluna % linha % coluna % linha % coluna % linha % coluna % linha % coluna % linha % coluna Não contrib 42,8 37,6 47,6 62,4 52,1 64,9 37,3 35,1 78,0 21,3 41,1 78,7 Contribui 57,2 42,2 52,4 57,8 47,9 50,3 62,7 49,7 22,0 5,1 58,9 94,9 Total 100,0 40,1 100,0 59,9 100,0 57,0 100,0 43,0 100,0 12,5 100,0 87,5 Fonte: Cálculos Realizados a partir da PNAD de 2011. Uma observação pelo lado da composição permite afirmar que homens (52,4%) e mulheres (57,2%) aparecem relativamente mais como contribuintes, bem como os trabalhadores brancos (62,7%) e as pessoas com idades entre 18 e 24 anos (58,9%). Os trabalhadores com idades de 16 e 17 anos aparecem relativamente mais como não contribuintes, isso porque 78,0% deles figuram nessa condição. Rendimento Para fechar esta avaliação descritiva das condições de funcionamento do mercado de trabalho do jovem apresentam-se informações concernentes 119 Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição aos ganhos dessas pessoas. Para tanto, consideraram-se apenas os rendimentos provenientes do trabalho principal. Em um primeiro momento tem-se as faixas de rendimentos por atributos pessoais e, em um segundo, mostram-se as mesmas faixas de rendimentos por posição na ocupação. Observando a composição dos rendimentos por atributos percebese que as mulheres estão mais presentes na faixa de ganhos entre R$ 401 e R$ 600, isso porque o mais elevado percentual delas (30,9%) está nesta faixa; os homens, por sua vez, estão relativamente mais presentes (29,0%) na faixa com rendimentos mais elevados a R$ 800. Pelo ângulo da cor pode-se verificar que os brancos aparecem mais fortemente na faixa de ganhos mais elevados (33,0%). Em uma observação pelas faixas etárias percebe-se uma frequência muito forte de pessoas com 16 e 17 anos presentes na faixa de rendimentos menos elevados, isso porque 60,9% dessas pessoas estão nessa faixa de rendimentos. As pessoas com idades entre 18 e 24 anos (29,8%) estão mais presentes na faixa de rendimentos entre R$ 401 e R$ 600, mas também na faixa de rendimentos mais elevados (28,4%). Tabela 8 - Faixas de Rendimento no Trabalho Principal dos Jovens por Atributo Atributo Mulher Homem Demais Branco 16 e 17 anos 18 e 24 anos Condição Até R$ 400 Entre Entre R$ 401 e R$ 601 e R$ 600 R$ 800 R$ 801 ou mais % relativa % linha 28,2 30,9 20,5 20,4 100,0 % coluna 44,2 42,6 41,6 32,0 40,1 % linha 23,8 27,8 19,3 29,0 100,0 % coluna 55,8 57,4 58,4 68,0 59,9 % linha 30,9 31,6 17,6 20,0 100,0 % coluna 68,9 61,8 50,6 44,4 57,0 % linha 18,5 25,8 22,7 33,0 100,0 % coluna 31,1 38,2 49,4 55,6 43,0 % linha 60,9 23,9 9,5 5,7 100,0 % coluna 29,8 10,3 6,0 2,8 12,5 % linha 20,5 29,8 21,3 28,4 100,0 % coluna 70,2 89,7 94,0 97,2 87,5 Fonte: Cálculos Realizados a partir da PNAD de 2011. 120 Wilson F. Menezes e Carlos Frederico A. Uchoa Uma avaliação por faixa de rendimentos permite dizer que a primeira dessas faixas, com rendimentos de até R$ 400, é mais fortemente composta de mulheres (44,2%), quando elas têm uma participação relativa de 40,1%, contra 55,8% de homens para uma participação relativa de 59,9% no total das ocupações remuneradas; menos de brancos (31,1%) com participação relativa de 43,0%. Nessa faixa de rendimentos encontram-se ainda preferencialmente os jovens adolescentes (29,8%), para uma participação relativa de apenas 12,5% nas ocupações remuneradas, ou seja, essas pessoas se concentram nos postos de trabalho de baixa remuneração. Com as mesmas participações relativas nas ocupações remuneradas (última coluna da Tabela 8), observa-se um relativo equilíbrio na composição de homens (57,4%) e mulheres (42,6%). Os trabalhadores brancos (38,2%) ficam levemente subrepresentados; o mesmo acontece para os jovens adolescentes (10,3%). Na faixa de rendimentos entre R$ 601 e R$ 800 tem-se ainda uma participação relativamente estável de homens (58,4%) e mulheres (41,6%). Por outro lado, essa faixa apresenta uma maior participação relativa de trabalhadores brancos (49,4%), diante do peso relativo dessas pessoas nas ocupações remuneradas (43,0%). Os jovens adolescentes encontram-se sub-representados nessa faixa de rendimentos, ou seja, com um peso relativo de 12,5% nas ocupações remuneradas, essa faixa é composta com apenas 6,0% de pessoas com idades de 16 e 17 anos. A última faixa, com rendimentos superiores a R$ 800, apresenta uma concentração de homens (68,0%), de pessoas brancas (55,6%) e de jovens adultos (97,2%), comparativamente aos seus respectivos pesos relativos nas ocupações remuneradas. A Tabela 9 mostra as faixas de rendimentos por posição na ocupação. Os jovens assalariados com carteira assinada aparecem relativamente mais nas faixas de rendimentos acima dos R$ 400, enquanto que os sem carteira são mais presentes nas faixas de rendimentos mais baixos, ou seja, com até R$ 600. O trabalhador doméstico é fundamentalmente de baixa renda, pois 65,4% deles estão na primeira faixa de rendimento. O mesmo acontece com os trabalhadores por conta própria (39,4%). Uma avaliação por faixas de renda permite mostrar que a primeira faixa é composta relativamente mais por assalariados sem carteira (37,0%), quando eles representam 26,7% dos postos de trabalho remunerado; o mesmo sentido de participação acontece para os trabalhadores domésticos (12,3%) para um peso relativo de 4,8% no trabalho remunerado e mesmo para os 121 Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição Tabela 9 - Faixas de Rendimento no Trabalho Principal dos Jovens por Posição na Ocupação Posição na ocupação Condição Até R$ 400 Entre R$ 401 e R$ 600 Entre R$ 601 e R$ 800 R$ 801 ou mais % relativa Assalariado com carteira % linha 1,9 32,2 30,5 35,5 100,0 % coluna 3,5 52,7 73,3 66,0 47,6 Assalariado sem carteira % linha 35,3 36,6 13,1 15,0 100,0 % coluna 37,0 33,7 17,7 15,7 26,7 Trabalho doméstico % linha 65,4 25,5 4,9 4,1 100,0 % coluna 12,3 4,2 1,2 0,8 4,8 % linha 39,4 21,2 11,2 28,2 100,0 % coluna 14,0 6,6 5,1 10,0 9,1 Conta própria Fonte: Cálculos Realizados a partir da PNAD de 2011. trabalhadores por conta própria (14,0%) para uma participação relativa de 9,1% nas ocupações com rendimentos monetários. No sentido oposto tem-se a participação dos assalariados com carteira assinada, muito mais frequente nas faixas de rendimentos acima dos R$ 400. Esses trabalhadores constituem 52,7% daqueles que ganham entre R$ 401 e R$ 600, 73,3% dos que recebem entre R$ 601 e R$ 800 e 66,0% dos que ganham acima dos R$ 800, quando eles representam 47,6% dos trabalhos remunerados. Essa informação permite dizer que mais da metade dos trabalhadores jovens encontram-se na informalidade das atividades econômicas, uma lógica distributiva muito dura para aqueles que praticamente iniciam suas inserções no mercado de trabalho. As Probabilidades de Participação na Ocupação Para estimar os determinantes da inserção dos jovens na ocupação tomouse o ano de 2011 como referência, gerando uma amostra da PNAD de 34.447 indivíduos. Nessa amostra foram consideradas todas as entrevistas realizadas com indivíduos com idades entre 16 e 24 anos. Com essa base estimou-se um modelo econométrico envolvendo todas as pessoas pertencentes à População Economicamente Ativa (PEA), ou seja, empregados e desempregados. A equação dos principais determinantes na ocupação foi estimada por meio do modelo Probit. 122 Wilson F. Menezes e Carlos Frederico A. Uchoa Esse modelo permite estimar as probabilidades de um evento qualitativo ocorrer, dado um conjunto de variáveis observáveis que influenciam essa ocorrência. No caso em exame o evento qualitativo é o fato de o jovem com idade entre 16 e 24 anos ocupar ou não um posto de trabalho. O modelo Probit é estimado a partir da função de densidade acumulada, tal como segue: , onde é a probabilidade de que um evento aconteça. No caso desta pesquisa, é a probabilidade de o jovem estar ocupado. Caso contrário, tem-se , considerando como dados os valores das variáveis explicativas Xi; Zi é a variável normal padronizada, ou seja, , enquanto F é a função de densidade acumulada normal padrão que se explica como segue: A estimativa do modelo Probit é realizada por máxima verossimilhança, que consiste em estimar os parâmetros desconhecidos da equação de referência de forma que a probabilidade de se observar o evento seja a mais elevada possível. O método da máxima verossimilhança considera que diferentes populações geram amostras diferentes, de maneira que uma determinada amostra tem maior probabilidade de ter sido originada de uma determinada população, e não de outra. A função de máxima verossimilhança depende, portanto, dos valores da amostra, bem como dos parâmetros a serem estimados. Esse tipo de estimativa envolve uma busca entre os parâmetros alternativos para encontrar aqueles que mais provavelmente geraram a amostra. O log da função de verossimilhança é dado por Pindyck e Rubinfeld (2004): Derivando com respeito aos parâmetros desconhecidos (α, β e σ2) obtêm-se os estimadores de máxima verossimilhança, tal como abaixo: 123 Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição Com o uso do modelo Probit foram estimados os condicionantes probabilísticos que definem a participação do jovem na ocupação, tal como aparece na equação abaixo: onde y representa a variável binária assumindo os valores um quando se trata de um jovem ocupado; caso contrário o valor é zero. As variáveis independentes representam os controles que condicionam as probabilidades de participar ou não na ocupação, sendo α a média condicional, βs os parâmetros a serem estimados, e ɛ a perturbação aleatória. As variáveis explanatórias consideradas foram as seguintes: Cor – capta o efeito da cor do indivíduo, branco = 1; demais = 0. Gen – verifica a influência do gênero, homem = 1; mulher = 0. Chef – condição de ser chefe de família, chefe = 1; demais familiares = 0. Exper – variável contínua, definida pela (idade – escolaridade – 6). Migra – condição de ser migrante = 1; não migrante = 0. Esco – variável contínua que representa o número de anos de estudos formais. Reg – regiões brasileiras: Norte=1, Nordeste=2 Sudeste=3, Sul=4 e CentroOeste=5. Os principais resultados obtidos são apresentados na Tabela 10, abaixo. Por uma questão de didática, a avaliação desses resultados segue a ordem de visualização na Tabela 10. Vale ressaltar que a dimensão das contribuições das variáveis é dada pelos coeficientes do efeito marginal, enquanto a consistência desses resultados é melhor apontada pelas estatísticas de Wald. Por outro lado, uma avaliação global do modelo pode ser percebida pelos valores dos pseudo R2, enquanto a consistência do modelo em seu conjunto pode ser interpretada pela razão de verossimilhança, similar ao teste F dos modelos lineares. 124 Wilson F. Menezes e Carlos Frederico A. Uchoa Tabela 10 - Principais Determinantes da Ocupação dos Jovens Variáveis Coefic DP Wald ddl 95% Confidence Interval Sig Lower Bound [DumTra 0] Cor = Ef Mg Upper Bound 0,137 0,061 5,015 1,0 0,025 0,070 0,019 13,943 1,0 0,000 0,017 0,256 0,21 Gen 0,365 0,017 447,391 1,0 0,000 0,033 0,106 0,45 Chef 0,181 0,025 50,802 1,0 0,000 0,331 0,399 0,31 Exper 0,066 0,004 330,670 1,0 0,000 0,131 0,231 1,12 Migra 0,043 0,028 2,454 1,0 0,117 0,059 0,074 0,18 0,004 256,025 1,0 0,000 -0,011 0,097 0,72 0,034 2,024 1,0 0,155 0,057 0,073 0,09 0,031 21,779 1,0 0,000 -0,114 0,018 -0,01 -0,050 0,031 2,687 1,0 0,101 -0,204 -0,083 0,09 [RE=4] Sul 0,190 0,035 28,821 1,0 0,000 -0,110 0,010 0,32 [RE=5] C. Oeste 0a 0,001 90,000 1,0 0,000 0,121 0,260 Goodness-ofChi Fit Square df Sig. Model -2 Log Likelihood ChiSquare Df Sig. 1.125 10,00 0,00 Esco 0,065 [ R E = 1 ] -0,048 Norte [RE=2] -0,144 Nordeste [RE=3] Sudeste Pearson 5.623 5.187 0,00 Interc 10.265 Deviance 5.215 5.187 0,39 Final 9.140 Pseudo R-Square: Cox and Snell 0,03 Nagelkerk 0,06 Fonte: Cálculos Realizados a partir da PNAD de 2011. McFadden 0,04 A interpretação desses resultados merece certos cuidados, isso porque no modelo Probit os valores estimados dos coeficientes não são comparáveis de maneira direta. Por essa razão, normalmente se estima o efeito marginal de cada um dos regressores sobre a variável dependente, possibilitando então se estabelecer um processo de comparação entre as diferentes contribuições marginais. Uma informação que pode ser retida desses coeficientes é o sinal. Um sinal positivo indica que um aumento da variável de controle eleva a 125 Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição probabilidade de o indivíduo exercer uma atividade econômica e vice-versa para o sinal negativo. Isso decorre da própria definição dicotômica dos valores atribuídos aos dois segmentos. Praticamente todos os sinais das estimativas foram significativamente diferentes de zero na equação de determinantes da inserção do jovem na ocupação. Isso pode ser visualizado através de valores e níveis de significância da estatística de Wald. Os sinais apontam elevações das probabilidades de os indivíduos entre 16 e 24 anos estarem ocupados para as variáveis: cor, gênero, chefe de família, experiência, condição ser migrante e nível de escolaridade. Dessa forma, pode-se afirmar que os indivíduos brancos, homens, chefes de família, com maior experiência, migrantes e com maior dotação de escolaridades têm maiores chances de estar ocupados. No entanto, é preciso chamar atenção à variável que expressa a condição de migração da pessoa, caso em que a estatística Wald se mostrou razoavelmente baixa (Wald de 2,45). Esse resultado aponta um grau de significância estatística de apenas 11,7%. Os controles através das regiões econômicas do País permitem afirmar que, em relação à região de referência (Centro-Oeste), apenas a região Sul apresenta um efeito positivo em relação à condição de empregabilidade dos jovens com idades entre 16 e 24 anos, embora o grau de significância estatística tenha sido de 15,5% para a região Norte, e de 10,1% para o Sudeste. Isso naturalmente quer dizer que essas regiões não se diferenciam significativamente da região de referência em termos de empregabilidade dos jovens. Como dito acima, os coeficientes de uma regressão Probit merecem cuidados adicionais para serem interpretados. No modelo linear os parâmetros estimados medem os efeitos marginais, ou seja, o impacto da variação das variáveis explicativas sobre a variável endógena. A estimativa do modelo Probit permite avaliar a probabilidade e a influência das diferentes variáveis explicativas sobre essa probabilidade. Mas nesses modelos os efeitos marginais não são iguais aos valores estimados dos parâmetros, daí a necessidade de se estimarem efeitos marginais especiais para modelos dessa natureza. (CADORET et al., 2009). Isso porque esse efeito pode ser estimado para cada jovem individualmente. No entanto, para simplificar, normalmente se consideram os efeitos marginais avaliados no ponto médio de cada variável. Os coeficientes dos efeitos marginais das variáveis independentes apresentam, 126 Wilson F. Menezes e Carlos Frederico A. Uchoa portanto, as magnitudes dos resultados para as condições médias de todas as variáveis, exceto aquela em observação. Por exemplo, o efeito marginal da variável “Cor” considera todas as demais variáveis pela média. Essa consideração deve ser feita para todas as variáveis. Esse artifício de interpretação é o mesmo para as demais variáveis. Não é demais lembrar que o cálculo dos efeitos marginais comporta dois tipos de estimativa: para variáveis explicativas contínuas e para variáveis explicativas qualitativas. Dessa sorte, o efeito marginal permite perceber a variação da probabilidade de o jovem estar ocupado considerando-se a variável em referência. Influência negativa na margem aparece apenas para a variável região Nordeste. As demais variáveis apresentaram influências marginais positivas. As mais elevadas contribuições marginais aparecem, como era de se esperar, para as variáveis experiência e escolaridade. Por fim, pode-se arguir que o grau de aderência do modelo é bom, em decorrência de uma significância estatística do -2Log Likelihood; por outro lado, os pseudo R2 se mostraram bastante baixos, como acontece normalmente em estudos dessa natureza, que usam dados transversais. Sugestão de Políticas e Conclusão A passagem de desemprego à condição de ocupado constitui um verdadeiro rito para a população jovem. Essa passagem mostra-se diferenciada segundo a cor, o gênero, a condição de chefe de família, a experiência, a condição migratória e a escolaridade das pessoas com idades entre 16 e 24 anos. Por outro lado, em relação à região Centro-Oeste, a região Sul se mostrou mais propícia à empregabilidade do jovem. Políticas públicas voltadas, por exemplo, ao primeiro emprego devem naturalmente considerar essas características regionais. Muitos foram os problemas levantados por estudos voltados à população juvenil. O segmento do mercado de trabalho do jovem sofre as mais diversas influências: a pobreza aumenta a incidência do trabalho juvenil; as novas tecnologias elevam o desemprego, uma vez que exigem uma maior e diferenciada qualificação do trabalhador, característica incomum entre os jovens, até mesmo porque ainda são jovens; e as alterações na estrutura etária da população, com aumento quantitativo de pessoas nas faixas etárias com até 24 anos, além da inadequação do sistema escolar e da rigidez salarial 127 Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição com estabilidade inflacionária, provocando incerteza quanto à produtividade do jovem. Essa é, portanto, uma equação de difícil solução. Mesmo assim algumas sugestões de política podem ser emitidas. Na sequência do trabalho pretende-se apresentar algumas sugestões de políticas de qualificação voltadas à oferta de trabalho jovem, tendo em vista dotar essas pessoas de níveis mais elevados de produtividade, além de procurar adequá-las em termos de condições mais propícias de acompanhar e se inserir em um mercado de trabalho que vem, nas últimas décadas, enfrentando grandes transformações, com exigências cada vez mais elevadas em termos de habilidades e qualificações. Melhoria da qualidade da educação básica Trata-se de um ponto de partida muito importante para dispor de uma mão de obra mais qualificada, permitindo acompanhar os desafios que a realidade econômica atual vem impondo aos trabalhadores de modo geral e aos jovens em particular. Uma boa educação básica se traduz na formação de um capital humano com largo espectro de atuação, capaz de acompanhar as mutações técnicas e organizacionais que o mundo econômico vem conhecendo nessas duas últimas décadas, além de permitir as condições iniciais em termos de capacidade de abstração, entendimento e operacionalidade, para que as pessoas se voltem, em momento oportuno, às formações mais específicas. Incentivo à escolaridade de ensino médio Em complemento à formação de base devem-se elaborar e desenvolver programas educacionais de ensino médio, já que esse nível de escolaridade alcança diretamente o jovem de 16 e 17 anos. Uma grande conquista, quando se dispõe de uma estrutura de ensino voltada à formação de jovens adolescentes, aparece imediatamente na elevação do nível educacional dessas pessoas. Além disso, essa maior escolaridade secundária implica manter essas pessoas fora do mercado de trabalho por mais tempo, reduzindo, portanto, as taxas de desemprego justamente em um momento em que os jovens requerem ainda uma continuidade de formação para que possam tomar melhores decisões que permitam antecipar problemas e assumir responsabilidades quando se voltarem ao mercado de trabalho. 128 Wilson F. Menezes e Carlos Frederico A. Uchoa Formação profissional específica O sistema educacional brasileiro não tem priorizado a formação de uma mão de obra voltada para o sistema produtivo. No entanto, não se pode negar que quando se tem uma boa formação profissional as condições de acesso a um emprego melhoram significativamente, bem como os riscos do desemprego ficam reduzidos. Com efeito, a formação profissional deve estar voltada às exigências do próprio mercado de trabalho, de maneira que uma percepção das necessidades das empresas, e mesmo do setor público, é sempre importante para que se possa adequar o sentido de formação de uma oferta de trabalho com as exigências requeridas pelo lado da demanda. Uma formação profissional com essa preocupação, além de elevar a chamada “empregabilidade” das pessoas envolvidas, naturalmente permitirá uma elevação dos seus rendimentos futuros. Empregabilidade e rendimentos mais elevados acontecem em virtude da maior capacitação e integração dos agentes envolvidos no processo econômico. A especificidade do jovem surge no instante em que ele contempla a possibilidade de adentrar no mercado de trabalho, exatamente no momento em que ele tem mais condições de adquirir uma melhor capacitação profissional. Para tanto, não se pode desconsiderar as transformações econômicas, que vêm sistematicamente reduzindo o emprego industrial e ampliando o emprego na área de serviços. Por isso mesmo é importante que esse tipo de formação seja orientado às ocupações emergentes. Fomento à formação de postos de trabalho em tempo parcial Com o objetivo de agilizar o funcionamento do mercado de trabalho juvenil, necessário se faz incentivar a formação de postos de trabalho específicos voltados a essa faixa etária, de maneira a permitir que os jovens continuem frequentando as escolas e ampliando seus conhecimentos gerais e de formação. Esse tipo de política deve visar à diminuição da taxa de desemprego para essas pessoas, bem como reduzir o tempo de desemprego ao qual possam estar submetidas, sem que isso signifique retirar os jovens inteiramente das escolas. 129 Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição Atenção especial ao setor informal A informalidade tem fornecido uma grande possibilidade em termos de geração de postos de trabalho. Entretanto, os níveis de escolaridade e de rendimentos das pessoas envolvidas nesse segmento econômico são por demais incipientes. Programas educacionais e capacitações profissionais direcionados a esse segmento são sempre bem-vindos, na medida em que contribuem necessariamente para melhorar a qualificação e o rendimento dessa mão de obra. Com efeito, o segmento jovem do mercado de trabalho vem constituindo um importante foco de políticas sociais e econômicas. Para se alcançar uma melhoria das condições de funcionamento desse mercado de trabalho faz-se necessário estabelecer políticas sociais e econômicas em um contexto maior que leve em consideração as inovações tecnológicas, as flutuações da atividade econômica e os condicionantes do processo de globalização produtiva e financeira. Ademais, não se pode considerar a natureza do trabalho juvenil como uma problemática conjuntural. Muito pelo contrário, esse tipo de trabalho constitui-se uma questão estrutural que tem se verificado em diferentes países com distintos níveis de desenvolvimento. É preciso considerar, ainda, que as determinações sobre o mercado de trabalho podem advir das condições de demanda e oferta de trabalho. As primeiras encontram-se associadas aos processos estruturais (envolvendo elementos tecnológicos) e conjunturais de uma economia. A não consideração desses elementos naturalmente coloca qualquer programa de melhoria do funcionamento do mercado de trabalho em xeque. As determinações oriundas da oferta de trabalho se reportam imediatamente às condições sociais e econômicas dos indivíduos e de suas respectivas famílias. Essas condições se mostram diferenciadas, tanto no plano dos atributos pessoais natos como no plano dos atributos adquiridos. 130 Wilson F. Menezes e Carlos Frederico A. Uchoa REFERÊNCIAS CADORET, I. et al. Économétrie apliquée: méthodes, aplications, corrigés. Paris: De Boeck, 2009. GUIMARÃES, N. Trabalho: uma categoria-chave no imaginário juvenil?. [S.l.: s.n.], 2004. Disponível em: <http://www.fflch.usp.br/sociologia/nadya/ Jovens_e_trabalho_-_Nadya_Araujo_Guimar%E3es_-_FPA04-rev.pdf>. Acesso em: 2013. MARTINS, H. O jovem no mercado de trabalho. Revista Brasileira de Educação, n. 6, set./dez. 1997. Disponível em: <http://educa.fcc.org.br/ pdf/rbedu/n05-06/n05-06a09.pdf>. Acesso em: 3 abr. 2013. MUNIZ, J. O. As descontinuidades demográficas exercem efeitos sobre o mercado de trabalho metropolitano dos jovens?. Revista Brasileira de Estudos de População, v. 19, n. 2, p. 96-109, jul./dez. 2002. OLIVEIRA, O.; PIRES, J. M. O trabalho da criança e do adolescente. In: FERNANDES, R. O trabalho no limiar do século XXI. São Paulo: LTr, 1995. PAES DE BARROS; R.; MENDONÇA, R. S. Infância e adolescência no Brasil: as consequências da pobreza diferenciada por gênero, faixa etária e região de residência. Pesquisa e Planejamento Econômico, v. 21, n. 2, p. 355-376, ago. 1991. PINDYCK, R.; RUBINFELD, D. Econometria: modelos e previsões. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004. POCHMANN, Marcio. Situação do jovem no mercado de trabalho no Brasil: um balanço dos últimos 10 anos. São Paulo: [s.n.], 2007. Disponível em: <http://www.emater.mg.gov.br/doc/intranet/upload/ TRANSFORMAR_LEITURA/situa%C3%A7%C3%A3o_do_jovem_no_ mercado_de_trabalho.pdf>. Acesso em: 3 abr. 2013. 131 Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição REIS, M.; CAMARGO, J. M. Desemprego dos jovens no Brasil: os efeitos da estabilização da inflação em um mercado de trabalho com escassez de informação. Revista Brasileira de Economia, v. 61, n. 4, p. 493-518, out./ dez. 2007. SILVA, N.; KASSOUF, A. A exclusão social dos jovens no mercado de trabalho brasileiro. Revista Brasileira de Estudos de População, v. 19, n. 2, p. 99-115, jul./dez. 2002. 132 DINÂMICA RECENTE DA INSERÇÃO DO JOVEM NO MERCADO DE TRABALHO E A QUESTÃO DA ESCOLARIDADE Amilton Moretto1 Maria Alice Pestana de Aguiar Remy2 Introdução O bom desempenho da economia brasileira, na década de 2000, abriu muitas oportunidades de emprego formal que não se manifestaram na década de 1990. Este artigo tem o objetivo de averiguar se esse maior dinamismo econômico favoreceu o indivíduo jovem que procurou se inserir no mercado de trabalho naquela década e se a escolaridade foi um fator que distinguiu essa inserção. O pressuposto é que a melhoria do ambiente econômico favoreceu a inserção do trabalhador jovem, geralmente aquele que apresenta maior dificuldade pela falta ou pouca experiência de trabalho. Desde a retomada do crescimento econômico, em meados dos anos 2000, o tema da qualificação profissional ganhou novo destaque, mas com um sentido diferente daquele que vigorava na segunda metade dos anos 1990. Se anteriormente a qualificação era justificada como meio para o trabalhador aumentar suas chances de se inserir no mercado do trabalho e, portanto, sair da situação de desemprego, no período recente os representantes das empresas 1 Pesquisador e Professor do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho (Cesit) do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). 2 Pesquisadora do Cesit e doutoranda no Instituto de Economia da Unicamp. 133 Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição dizem estar com vagas disponíveis para as quais não encontram trabalhadores apropriadamente qualificados. Nos anos 1990, além do crescente e elevado nível de desemprego, as ocupações criadas foram de baixa qualidade (baixa remuneração e qualificação). Como escreve Pochmann (2001), o setor que mais cresceu foi o trabalho doméstico, que representou cerca de 23% de todas as ocupações, enquanto muitos profissionais com formação no ensino superior tinham de se sujeitar à subocupação para não se tornarem desempregados. Como o baixo crescimento da economia gerava um número de postos de trabalho insuficiente para ocupar todos os indivíduos que buscavam um emprego remunerado, restava a esses trabalhadores o desemprego ou o trabalho precário. Essa situação começou a mudar a partir da desvalorização cambial ocorrida no início de 1999 e da mudança no regime de política econômica, que passou a ter seus fundamentos no tripé câmbio flutuante (ainda que uma flutuação suja), política monetária com foco nas metas de inflação e na política fiscal compromissada com superávits primários em nível suficiente para garantir a estabilidade da relação dívida/Produto Interno Bruto (PIB). (OLIVEIRA; TUROLLA, 2013). Desde então o emprego voltou a apresentar recuperação, mas isso ocorreu com maior intensidade após 2004, com o dinamismo da economia internacional, a volta dos fluxos de capitais e o crescimento capitaneado pelos EUA e pela China, que ampliaram a demanda por commodities, elevando substancialmente os preços dessas operações e beneficiando os países produtores dos bens, dentre os quais o Brasil. Se inicialmente a recuperação do produto deveu-se ao bom desempenho da balança comercial, esse dinamismo foi internalizado e fez com que a indústria ampliasse sua produção e voltasse a contratar. O bom desempenho do produto teve impacto importante sobre o mercado de trabalho, ampliando-se a contratação formal (com registro em carteira), diminuindo-se a contratação terceirizada sem carteira e garantindo-se os ganhos reais dos salários médios. Como resultado teve-se uma melhoria na estruturação desse mercado de trabalho, a despeito de ser mantida uma elevada rotatividade da mão de obra, de desemprego estrutural e da heterogeneidade da estrutura ocupacional. (BALTAR et al., 2010). 134 Amilton Moretto e Maria Alice Pestana de Aguiar Remy Pode-se discutir o grau em que a maior escolaridade da população contribui para o desenvolvimento de um país, mas parece inegável que uma população escolarizada tem maior capacidade de transformar a sociedade e, restringindo-se ao aspecto econômico, fornecer os recursos necessários para o crescimento - quantitativo e qualitativo da produção. Corbucci (2011) destaca a importância da escolaridade para imprimir maior produtividade ao trabalho, bem como para ampliar as chances de quem busca uma ocupação remunerada conquistar um emprego. Ademais, Corbucci (2011) também ressalta a necessidade de uma boa formação escolar - aqui em nível superior - para ampliar a inovação tecnológica, especialmente em bens e serviços que permitam uma inserção melhor do país no plano internacional. Um indivíduo mais escolarizado amplia o leque de oportunidades ocupacionais de que pode dispor e, portanto, suas chances de conseguir um emprego. Contudo, mesmo para o indivíduo escolarizado, conquistar um posto de trabalho depende da demanda de mão de obra por parte dos empregadores e da concorrência que terá de enfrentar para ocupar as vagas para as quais está habilitado. Ou seja, não basta simplesmente ter uma boa formação escolar, é necessário que a estrutura econômica da região ofereça postos de trabalho suficientes. No caso do indivíduo jovem, sobretudo aquele que busca se inserir no mercado de trabalho, as dificuldades são, talvez, maiores do que para as demais pessoas. A falta de experiência e a inexistência de uma política pública para a transição à vida ativa diminuem as chances de o jovem conquistar um emprego. O empregador o vê com desconfiança. Como nunca foi testado, o risco de que não apresente uma produtividade satisfatória pode ser grande, além da dúvida sobre o seu comprometimento com a empresa. Um jovem com mais escolaridade - sobretudo com formação superior - pode reduzir esse risco, mas não o elimina. Assim, é maior a probabilidade de o jovem se inserir precariamente no mercado de trabalho. Após essa análise geral, foca-se na inserção do trabalhador jovem no emprego formal. Aqui o objetivo é averiguar qual é o tipo de emprego ao qual o jovem está vinculado e como isso muda com relação à sua respectiva escolaridade. Dessa forma, busca-se compreender as principais diferenças entre o jovem mais escolarizado e aquele com menor escolaridade, e se ocorreu uma mudança importante entre os anos analisados. 135 Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição O artigo está estruturado da seguinte forma: após esta introdução, a seção seguinte (2) trata dos aspectos metodológicos; em seguida (3) discorrese sobre a dinâmica da inserção recente do jovem no mercado de trabalho (período de 2004 a 2011), com foco na taxa de participação, taxa de ocupação e desemprego, comparando-se com o conjunto de trabalhadores adultos. Na seção 4 procura-se examinar a situação do jovem no mercado formal, focando-se na escolaridade dos jovens no emprego formal. Por fim, na seção 5 alinham-se algumas considerações. Aspectos Metodológicos A análise empírica será desenvolvida em duas etapas a partir de duas bases de dados: a) Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2004 a 2011; e b) Relação Anual de Informações Sociais (RAIS), para 2004 e 2011. Primeiramente o objetivo é localizar a inserção do jovem no mercado de trabalho em geral. Dessa forma, são utilizados os microdados da PNAD que permitem investigar um universo populacional, setorial e ocupacional mais amplo do que as pesquisas por estabelecimento e os registros administrativos, constituindo-se como referência básica para classificação e caracterização da população economicamente ativa de um país. (HOFFMANN; BRANDÃO, 1996). Para este estudo considerou-se a População em Idade Ativa (PIA) como sendo aquela com 15 anos ou mais de idade, e a população jovem como o subconjunto desta, isto é, pessoas com idade entre 15 e 24 anos. A População Economicamente Ativa (PEA) compreende a população de 15 anos ou mais que estava trabalhando ou estava disponível para executar algum trabalho, isto é, constituía-se na força de trabalho disponível para a produção de bens e serviços durante a semana de referência. Assim definida, a PEA compõe-se de dois grupos: a população ocupada (Ocupados) e a população desocupada (Desocupados). Os ocupados constituem o conjunto de indivíduos que durante a semana de referência da pesquisa estavam exercendo algum trabalho - tanto por conta alheia (empregados) como por conta própria (autônomos), empregadores, produção para o próprio consumo ou na construção para o próprio uso. 136 Amilton Moretto e Maria Alice Pestana de Aguiar Remy A população desocupada refere-se, por sua vez, a um subgrupo da população economicamente ativa. Em outras palavras, são aqueles que se caracterizam por não estar exercendo qualquer trabalho na semana de referência, mas tinham disponibilidade para trabalhar. Feitas essas definições de PIA, PEA, população ocupada e desocupada, construíram-se os indicadores de análise, isto é, a taxa de participação que relaciona a PEA e a PIA, a taxa de desocupação3, que mensura a proporção percentual de desocupados da PEA, e a taxa de ocupação, que consiste na razão entre o total dos ocupados e a População em Idade Ativa (PIA). A escolaridade foi desagregada em quatro faixas. A primeira (Menor Fundamental) compreende as pessoas que não concluíram o ensino fundamental; na segunda faixa (Fundamental) estão aqueles que concluíram o ensino fundamental e aqueles que não concluíram (ou não tinham concluído) o ensino médio; a terceira faixa (Médio) inclui aqueles que concluíram o ensino médio e aqueles que não completaram o ensino superior; por fim, a última faixa (Superior) considera todos aqueles que concluíram o ensino superior (graduação, mestrado e doutorado). Para esta análise as variáveis utilizadas serão: o tamanho do estabelecimento em que está empregado o trabalhador, o tipo de vínculo e a ocupação - grande grupo da Classificação Brasileira de Ocupações (CBO) de 2002. Dinâmica da inserção do jovem no mercado de trabalho Um dos principais aspectos a serem considerados na análise da oferta de mão de obra é a mudança na estrutura etária por que passa a sociedade brasileira em decorrência da baixa taxa de fecundidade, da redução das taxas de mortalidade e das migrações. Essa mudança significa que o mercado de trabalho passa por um período em que a maior parte de sua população está em 3 Ressalta-se que essa taxa é superior à taxa de desemprego, pois considera dentre todos os que não estavam trabalhando, tanto aqueles que efetivamente tomaram alguma iniciativa para encontrar um trabalho (desempregados) como aqueles que estavam disponíveis para trabalhar, mas não tiveram nenhuma iniciativa de procurar trabalho. Para se calcular a taxa de desemprego, deveria-se retirar estes últimos (que não procuraram trabalho) tanto da população desocupada como da PEA. 137 Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição idade ativa ou, em outros termos, observa-se a menor razão de dependência (quociente percentual entre o número de crianças e adolescentes com até 15 anos e idosos com 65 anos ou mais, e a população com idade de 16 a 64 anos). A evolução temporal das informações permite captar tendências. Para uma pesquisa amostral e de corte transversal como a utilizada neste trabalho (PNAD), a maneira de se verificar o movimento seria recorrendo a indicadores de mercado de trabalho. O indicador mais apropriado para aferir a dinâmica do jovem no mercado de trabalho é considerar sua taxa de participação. Ela exprime de forma mais detalhada a disposição da população desse grupo etário em participar ou não da atividade produtiva. O Gráfico 1 apresenta a evolução da participação dos jovens vis-à-vis à população como um todo. Taxa de participação 70,0 68,0 66,0 64,0 67,9 67,4 66,5 65,7 67,3 66,9 66,6 66,3 66,4 66,4 65,4 63,8 63,9 62,0 60,0 15 anos ou + 15 a 24 anos 58,6 58,0 56,0 54,0 52,0 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2011 Ano Gráfico 1 - Evolução da Taxa de Participação da População Total e da População Jovem (Em %) Fonte: IBGE - PNADs 2004 a 2011 (Elaboração dos autores). Verifica-se que o jovem tem diminuído sua participação desde 2005, quando a taxa de participação foi superior à média do conjunto da população em idade ativa, atingindo um valor de 58,6% em 2011, bem abaixo da taxa apresentada no início do período analisado. Essa queda na participação do jovem pode estar associada à melhoria do rendimento dos pais (tanto devido ao crescimento da renda do trabalho como decorrente da ampliação dos programas sociais que transferem renda), diminuindo 138 Amilton Moretto e Maria Alice Pestana de Aguiar Remy a pressão de esse jovem buscar trabalho para complementar a renda da família. Ao mesmo tempo, ele pode ter continuado ou retornado aos estudos com vista a aumentar sua escolaridade e, assim, melhorar sua inserção no mercado de trabalho. A menor participação do jovem no mercado de trabalho pode estar associada à redução ou ao aumento da desocupação desse jovem, bem como ao aumento ou à diminuição da taxa de ocupação. Os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) (Gráfico 2) mostram que no período em análise ocorreu uma redução da taxa de desocupação entre 2005 e 2008. No ano de 2009, por conta da crise deflagrada no último trimestre de 2008, houve forte elevação, atingindo-se o pico (7,3%) do período, reduzindo-se em 2011 para os níveis de 2007. Chama-se a atenção que a taxa de desocupação para esse grupo etário permaneceu abaixo da média do conjunto da população ao longo de todo o período, somente ficando acima em 2011. Taxa de desocupação 9,0 8,0 7,0 6,0 5,0 7,7 8,0 7,3 7,1 7,3 6,2 6,9 6,6 7,1 6,4 6,4 5,9 6,2 5,9 4,0 3,0 15 anos ou + 15 a 24 anos 2,0 1,0 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2011 Ano Gráfico 2 - Evolução da Taxa de Desocupação da População Total e da População Jovem (Em %) Fonte: IBGE - PNADs 2004 a 2011 (Elaboração dos autores). A menor taxa de participação e a redução da taxa de desocupação do jovem refletiram-se na elevação da taxa de ocupação entre 2004 e 2008, revertendo-se após a crise com redução em 2009 e 2011. (Gráfico 3). Os dados mostram que essa trajetória de queda da taxa de ocupação não foi exclusiva para a população jovem, sendo observada para o conjunto da população em idade ativa. O que chama a atenção, comparando-se com as 139 Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição informações anteriores, é que depois da crise o jovem pode estar encontrando maior dificuldade de encontrar trabalho, e essa redução da taxa de ocupação parece ter decorrido mais da perda da ocupação com o consequente aumento da taxa de desocupação. 70,0 60,6 60,2 59,8 61,1 60,5 60,2 58,9 Taxa de ocupação 60,0 50,0 40,0 30,0 15 anos ou + 48,0 48,2 48,4 48,1 46,5 48,5 44,7 15 a 24 anos 20,0 10,0 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2011 Ano Gráfico 3 - Evolução da Taxa de Ocupação da População Total e da População Jovem Fonte: IBGE - PNADs 2004 a 2011 (Elaboração dos autores). Outro ponto a se ressaltar é que a inserção do jovem no mercado de trabalho pode ocorrer sob a forma de empregado (informal ou formal) ou na ajuda a parente em atividade autônoma ou como empregador, pois sua falta de experiência dificulta sua inserção autônoma. Contudo, há limitações empíricas para a avaliação da ocupação informal do jovem. Dessa forma, na próxima seção verifica-se a situação do jovem na dimensão do trabalho formal. O Jovem no Emprego Formal Nesta seção busca-se investigar se no período de 2004 a 2011 ampliouse a proporção de jovens no total do emprego e que tipo de emprego esse jovem conquistou. Verifica-se que, entre 2004 e 2011, o total de jovens com idade entre 15 e 24 anos com emprego formal aumentou em 2,1 milhões (35% acima de 2004), ainda que a participação relativa desse grupo etário no total do emprego formal tenha se reduzido de 20% em 2004, para 18% em 2011. Esse movimento, aparentemente contraditório, parece refletir a queda da 140 Amilton Moretto e Maria Alice Pestana de Aguiar Remy taxa de participação do jovem observada no período, como apontado na seção anterior, já que a queda da taxa de desemprego entre estes foi muito maior. Ou seja, uma proporção menor de jovens lançou-se à vida ativa e, destes, mais jovens conseguiram encontrar uma ocupação. A queda da participação pode estar associada à maior permanência do jovem na escola, com vistas a ampliar sua escolaridade e as chances de uma melhor inserção no mercado de trabalho. A ampliação do emprego do jovem ocorreu nos estabelecimentos de todos os portes, porém com mais intensidade nos pequenos e médios estabelecimentos e com menor intensidade nos microestabelecimentos. Esse movimento reduziu a participação relativa do emprego nos microestabelecimentos, que passou de 24,8% para 21,6%, enquanto ampliou-se a participação em todos os demais. Observa-se que mais da metade do total de jovens empregados está em estabelecimentos de pequeno ou médio porte. Quando se observa a escolaridade do jovem empregado constata-se que mais da metade tem ao menos o ensino médio completo. Essa tendência foi acentuada entre 2004 e 2011. Os dados da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS) mostram que os jovens com ensino médio representavam 47,6% do total de empregados desse grupo etário em 2006, ampliando-se para 61% em 2011, um aumento relativo e absoluto, com um aumento de 2,1 milhão de jovens nessa faixa de escolaridade. O acréscimo de participação relativa nas faixas de maior escolaridade ocorreu com a redução nas duas faixas de menor escolaridade (jovens com pelo menos o fundamental completo e aqueles com escolaridade menor que o fundamental completo). Essa perda de participação entre os jovens com menor escolaridade decorreu da redução absoluta do número de empregados (206 mil). Já na faixa dos que possuíam ao menos o fundamental completo houve aumento do número de jovens empregados, mas esse aumento foi em ritmo menor que nas faixas de maior escolaridade. Entre os jovens sem o fundamental completo diminuiu o número de empregados nos estabelecimentos de todos os portes. Nas demais faixas de escolaridade verificou-se aumento do emprego, independentemente do porte do estabelecimento. A exceção aqui ficou por conta dos microestabelecimentos, 141 Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição onde registrou-se redução do número de empregados com pelo menos o fundamental completo. Tabela 1 - Distribuição dos Empregados com 15 a 24 Anos de Idade por Porte do Estabelecimento e Faixa de Escolaridade - Brasil, 2004 e 2011 (Em %) Porte Estabelecimento1 Micro Pequeno Médio Grande Total Micro Pequeno Médio Grande Total Menor Fundamental 3,9 4,6 5,1 3,2 16,9 1.019.116 1,6 2,3 3,1 2,3 9,3 759.522 Fundamental 2004 9,2 9,5 9,2 4,4 32,3 1.951.024 2011 5,6 7,1 8,2 4,5 25,5 2.088.054 Médio Superior Total 11,3 0,5 24,8 11,7 0,8 26,7 14,0 0,9 29,2 10,6 1,1 19,3 47,6 3,2 100,0 2.879.458 194.250 6.043.848 13,8 0,6 21,6 16,7 1,0 27,1 17,4 1,2 30,0 13,1 1,4 21,3 61,0 4,2 100,0 5.001.631 344.726 8.193.933 Fonte: MTE/RAIS (Elaboração dos autores). (1) Micro (1 a 9 empregados); Pequeno (10 a 49 empregados); Médio (50 a 499 empregados); Grande (500 empregados ou mais). A contratação de jovens, vista pelo tipo de vínculo de sua contratação, merece dois destaques. (Tabela 2). O primeiro deve-se ao fato de que a quase totalidade dos jovens está contratada pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) por tempo indeterminado. O segundo ponto a ser destacado é que no período cresceu a participação de jovens contratados como “menor aprendiz”. A relevância desse fato é, primeiramente, porque os contratos por tempo indeterminado possuem maior segurança e proteção que outras formas de contratação, ao mesmo tempo em que indica que o custo de demissão não é um fator impeditivo para que o empregador contrate indivíduos jovens e com pouca experiência, haja vista a elevada taxa de rotatividade apresentada pelo mercado de trabalho formal do Brasil. O segundo aspecto, em relação à contratação de menor aprendiz, pode indicar a preocupação dos empregadores em treinar o jovem trabalhador dentro dos padrões de funcionamento da empresa. 142 Amilton Moretto e Maria Alice Pestana de Aguiar Remy Tabela 2 - Distribuição dos Empregados com 15 a 24 Anos de Idade por Tipo de Vínculo Contratual e Faixa de Escolaridade - Brasil, 2004 e 2011 (Em %) Tipo de Vínculo CLT Indeterminado Estatutário Estatutário Não Efetivo Avulso Temporário Menor Aprendiz CLT Determinado Prazo Determinado Outros Total CLT Indeterminado Estatutário Estatutário Não Efetivo Avulso Temporário Menor Aprendiz CLT Determinado Prazo Determinado Outros Total Menor Fundamental Fundamental Médio Superior Total 15,7 0,2 2004 30,4 0,4 43,4 1,7 2,5 0,3 92,0 2,6 0,1 0,2 1,0 0,3 1,6 0,2 0,1 0,1 0,4 0,0 0,0 16,9 1.019.116 8,5 0,1 0,0 0,3 0,6 0,3 0,0 0,0 32,3 1.951.024 2011 22,5 0,2 0,1 0,2 0,1 0,0 0,2 0,3 0,0 0,0 9,3 759.522 0,0 0,1 2,1 0,3 0,0 0,0 25,5 2.088.054 0,0 0,0 0,3 1,1 0,1 1,6 0,0 0,0 0,7 0,4 0,0 1,0 0,1 0,0 0,1 0,1 0,0 0,1 47,6 3,2 100,0 2.879.458 194.250 6.043.848 56,7 1,3 3,4 0,4 91,1 1,9 0,9 0,3 1,4 0,0 0,0 0,2 0,6 0,0 0,8 0,7 0,0 3,0 0,5 0,0 1,1 0,1 0,0 0,2 0,2 0,1 0,3 61,0 4,2 100,0 5.001.631 344.726 8.193.933 Fonte: MTE/RAIS (Elaboração dos autores). Outro aspecto sobre o tipo de vínculo de contratação do jovem no período analisado é que as formas de contratação de maior precariedade (avulso, temporário, prazo determinado, celetista por tempo determinado e outros) reduziram sua participação. Do ponto de vista da escolaridade dos jovens empregados, verifica-se também a ampliação da participação daqueles com escolaridade média completa ou maior em detrimento daqueles que possuem o fundamental (inclusive o ensino médio incompleto) ou inferior. 143 Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição Ressalte-se que as contratações sob a forma de menor aprendiz ampliaram a participação dos jovens entre aqueles com fundamental completo (de 0,6% para 2,1%), e aqueles com ensino médio completo (0% para 0,7%), dobrando-se a participação entre os jovens com escolaridade inferior ao fundamental completo. Quando se analisa a inserção do jovem deve-se esperar que esta ocorra em ocupações de menor responsabilidade e de menor complexidade, sobretudo quando é o primeiro emprego. Os dados da Tabela 3 mostram que isso de fato ocorre, com o predomínio desse grupo etário em ocupações que não exigem formação especializada. Verifica-se que mais de ¾ do total de jovens estão empregados em ocupações de serviços administrativos, vendedores do comércio e na produção de bens e serviços. A participação relativa das ocupações que exigem formação de nível médio ou superior teve ligeira queda com a ampliação das ocupações relativas às ciências e às artes. O maior crescimento da participação dos jovens com escolaridade média completa se deu nos grupos ocupacionais anteriormente descritos e que não exigem qualificação específica. Esse fato pode decorrer tanto de uma maior exigência por parte dos empregadores no momento da seleção de pessoal para contratação como de um aumento da escolaridade do jovem que já se encontrava empregado e que em 2011 já tinha completado o ensino médio. De toda forma, isso reflete o aumento da escolaridade do brasileiro. Ao mesmo tempo, pode-se questionar se a exigência de maior escolaridade é realmente uma necessidade ou se é uma questão localizada em segmentos específicos da atividade econômica e que é divulgada - e replicada - equivocadamente. Por fim, lança-se um olhar sobre o rendimento percebido pelo jovem em 2004 e 2011 considerando sua escolaridade e o grupo ocupacional a que pertencia. (Tabela 4). Como era esperado, os rendimentos são maiores entre os trabalhadores com maior escolaridade, porém é mais acentuada a diferença de rendimento dos jovens que possuem o ensino superior completo, tanto considerando os grupos ocupacionais individualmente como considerando somente a escolaridade, independentemente do grupo ocupacional a que o jovem pertence. 144 Amilton Moretto e Maria Alice Pestana de Aguiar Remy Tabela 3 - Distribuição dos Empregados com 15 a 24 Anos de Idade por Grupo Ocupacional e Faixa de Escolaridade - Brasil, 2004 e 2011 (Em %) Grupo Ocupacional Menor Fundamental Médio Superior Fundamental Total 2004 Membros superiores do poder público, dirigentes de org. de interesse público Profissionais das Ciências e das Artes Técnicos de Nível Médio Trabalhadores de Serviços Administrativos Trabalhadores dos Serviços, Vendedores do Comércio em lojas e mercados Trabalhadores Agropecuários, florestais e da pesca Trabalhadores da produção de bens e serviços industriais Trabalhadores em serviços de reparação e manutenção Total 0,2 0,6 1,0 0,1 2,0 0,1 0,2 1,3 1,3 2,9 0,3 1,5 5,8 0,5 8,2 1,4 6,5 17,0 1,0 25,9 3,8 9,8 11,7 0,1 25,5 3,6 1,2 0,5 0,0 5,3 6,6 11,0 9,2 0,1 26,8 0,8 1,6 1,2 0,0 3,5 16,9 32,3 47,6 3,2 100,0 0,3 1,2 0,2 1,8 0,2 1,4 1,8 3,4 0,9 5,9 0,7 7,6 6,0 21,5 1,2 29,6 7,0 15,9 0,2 25,0 0,9 0,6 0,0 3,1 9,2 13,1 0,1 26,9 0,9 1,4 0,0 2,6 25,5 61,0 4,2 100,0 2011 Membros superiores do poder público, dirigentes de 0,1 org. de interesse público Profissionais das Ciências e 0,0 das Artes Técnicos de Nível Médio 0,2 Trabalhadores de Serviços 0,9 Administrativos Trabalhadores dos Serviços, Vendedores do Comércio em 1,9 lojas e mercados Trabalhadores Agropecuários, florestais e 1,5 da pesca Trabalhadores da produção 4,4 de bens e serviços industriais Trabalhadores em serviços de 0,3 reparação e manutenção Total 9,3 Fonte: MTE/RAIS (Elaboração dos autores). 145 Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição É interessante observar que a diferença de rendimentos entre os jovens que possuem o ensino superior em relação àqueles que não tinham o ensino fundamental completo se ampliou entre 2004 (2,63 vezes) e 2011 (3,89 vezes), mas isso ocorreu também em relação às demais faixas de escolaridade. Esse aumento da diferença de rendimento foi maior no grupo ocupacional dos jovens pertencentes aos “membros superiores do poder público, dirigentes de organizações de interesse público”, onde a diferença do rendimento médio, que era de 2,96 vezes em 2004 entre os que possuíam nível superior e os que não possuíam o ensino fundamental passou a ser de 4,66 vezes em 2011. Essa diferenciação ocorreu entre os empregados com nível superior em relação aos demais níveis de escolaridade em todos os grupos ocupacionais analisados. O mesmo, contudo, não ocorreu entre os jovens das faixas de ensino médio completo ou de ensino fundamental completo. Nessas faixas a diferença com os jovens menos escolarizados diminuiu, à exceção dos grupos ocupacionais “membros superiores do poder público, dirigentes de organizações de interesse público” e “vendedores do comércio em lojas e mercados”. No caso dos jovens com o ensino fundamental completo, inclusive houve redução dos rendimentos médios com os jovens de menor escolaridade nos grupos ocupacionais “técnicos de nível médio” e “trabalhadores de serviços administrativos”. A redução do rendimento médio observada entre os trabalhadores jovens com escolaridade inferior ao superior completo em vários grupos ocupacionais muito provavelmente está associada à elevação do valor do salário mínimo - fruto da política de valorização implementada pelo Governo federal no período - e pelo fato de que os trabalhadores mais jovens devem ter seus ganhos iguais ou muito próximos ao valor do salário mínimo. Assim, a redução das diferenças refletem que aqueles cujo rendimento era maior que o salário mínimo em 2004 tiveram um reajuste em seus rendimentos inferior ao registrado pelo salário mínimo em termos reais. Isso pode ser comprovado pelos dados da Tabela 5, que mostra que em todos os níveis e grupos ocupacionais ocorreu ganhos reais no rendimento médio entre 2004 e 2011. Os ganhos nos rendimentos, como pode ser observado, foram mais acentuados para os empregados com nível superior e todos os grupos ocupacionais, o que explica a ampliação da diferença de rendimento desse 146 147 1.132 653 Fonte: MTE/RAIS (Elaboração dos autores). 1.412 1.231 923 934 1.239 1.691 1.457 1.687 2011 658 697 Trabalhadores da produção de bens e serviços industriais Trabalhadores em serviços de reparação e manutenção Total 573 647 Trabalhadores de Serviços Administrativos Trabalhadores Agropecuários, florestais e da pesca 807 Técnicos de Nível Médio 636 736 Profissionais das Ciências e das Artes Trabalhadores dos Serviços, Vendedores do Comércio em lojas e mercados 732 2004 Menor Fundamental Membros superiores do poder público, dirigentes de org. de interesse púb. Grupo Ocupacional 690 696 749 633 631 650 835 738 748 2004 1.184 1.441 1.253 982 937 1.108 1.658 1.524 1.786 2011 Fundamental 868 960 928 732 722 836 1.080 1.091 1.021 2004 Médio 1.526 1.889 1.477 1.124 1.108 1.377 1.988 1.991 2.392 2011 1.719 1.308 1.335 895 1.184 1.598 1.453 1.957 2.168 2004 4.398 4.439 3.634 2.835 2.982 3.631 3.337 4.373 7.871 2011 Superior Tabela 4 - Rendimento Médio Real dos Empregados com 15 a 24 Anos de Idade segundo Grupo Ocupacional e Faixa de Escolaridade Brasil, 2004 e 2011 (A Preços de dez/2012) Amilton Moretto e Maria Alice Pestana de Aguiar Remy Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição grupo com os demais. Nesse grupo também é maior a dispersão - medida pelo coeficiente de variação - dos rendimentos, tendo a mesma se elevado no período. Mas, em termos de dispersão, chama a atenção a ampliação desta entre os trabalhadores jovens das faixas de menor escolaridade, especialmente daqueles que possuem o fundamental completo, nos grupos ocupacionais que, em tese, exigem maior grau de escolaridade - como no grupo de “profissionais das Ciências e das Artes” e “técnicos de nível médio”, mas que foram ocupados por jovens com menor escolaridade. Tabela 5 - Coeficiente de Variação e Variação (%) do Rendimento Médio Real dos Empregados com 15 a 24 Anos de Idade segundo Grupo Ocupacional e Faixa de Escolaridade - Brasil, 2004 e 2011 Grupo Ocupacional Membros superiores do poder público, dirigentes de org. de interesse público Médio 2004 Superior 2011 2004 2011 0,6 1,2 0,6 1,2 0,9 1,2 0,9 1,1 0,9 1,2 0,9 1,3 0,9 1,2 0,8 1,1 1,2 1,1 1,1 1,1 0,8 1,0 0,8 1,0 0,6 1,0 0,5 0,9 0,6 1,0 0,7 1,0 0,5 0,6 0,5 0,6 0,6 0,8 0,9 1,1 0,5 0,5 0,4 0,5 0,5 0,7 0,8 0,9 0,5 0,7 0,5 0,7 0,6 0,9 0,8 1,0 0,6 0,8 0,7 0,8 0,7 0,8 0,9 0,9 0,5 0,8 0,6 0,9 0,7 1,0 Variação (%) do Rendimento médio real entre 2004 e 2011 0,8 1,1 Profissionais das Ciências e das Artes Técnicos de nível médio Trabalhadores de serviços administrativos Trabalhadores dos serviços, vendedores do comércio em lojas e mercados Trabalhadores agropecuários, florestais e da pesca Trabalhadores da produção de bens e serviços industriais Trabalhadores em serviços de reparação e manutenção Total Menor Fundamental Fundamental 2004 2011 2004 2011 Coeficiente de Variação Membros superiores do poder público, dirigentes de org. de interesse público Profissionais das Ciências e das Artes Técnicos de nível médio 131 139 134 263 98 106 83 123 110 99 84 130 continua 148 Amilton Moretto e Maria Alice Pestana de Aguiar Remy Tabela 5 - Coeficiente de Variação e Variação (%) do Rendimento Médio Real dos Empregados com 15 a 24 Anos de Idade segundo Grupo Ocupacional e Faixa de Escolaridade - Brasil, 2004 e 2011 Grupo Ocupacional Menor Fundamental 2004 Trabalhadores de serviços administrativos Trabalhadores dos serviços, vendedores do comércio em lojas e mercados Trabalhadores agropecuários, florestais e da pesca Trabalhadores da produção de bens e serviços industriais Trabalhadores em serviços de reparação e manutenção Total Fundamental 2011 2004 2011 Médio 2004 2011 Superior 2004 2011 92 71 65 127 47 48 53 152 61 55 54 217 77 67 59 172 115 107 97 239 73 71 76 156 Fonte: MTE/RAIS (Elaboração dos autores). Na Tabela 6 abaixo apresenta-se a distribuição da população jovem em 2004 e 2011 segundo as faixas de escolaridade, bem como a distribuição dos empregados do mesmo grupo etário para os dois anos. Depois calculase a razão entre os empregados e a população total pertencentes à mesma faixa de escolaridade. Esses dados permitem observar o comportamento entre os dois anos, tanto da população de jovens quanto dos jovens que estavam empregados naqueles anos. Verifica-se que a população jovem se reduziu no período analisado de 34 milhões para 32 milhões de indivíduos, ou -4,6%, sendo que a distribuição desses jovens nas faixas de escolaridade se alterou no sentido de um aumento da escolaridade dessa população. Assim, diminuiu significativamente (-33,5%) o número de jovens e sua participação com escolaridade inferior ao fundamental completo, enquanto ampliou-se o número e a proporção de jovens nas faixas de maior escolaridade, de forma mais importante na faixa com o ensino superior completo, que em termos relativos apresentou uma elevação de 62%. 149 Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição Movimento semelhante ocorreu entre os trabalhadores jovens, com redução do número e participação dos empregados que não possuíam o ensino fundamental completo, enquanto houve aumento da participação e do número de empregados nas faixas de maior escolaridade. Mas as semelhanças acabam aqui, pois observa-se que, ao contrário da queda observada no total da população jovem, o número de jovens empregados cresceu fortemente, acusando um aumento de 35,6% em 2011 em relação ao total de jovens empregados em 2004. Além disso, a redução de empregados sem o ensino fundamental foi proporcionalmente menor do que aquela observada na população total, enquanto o aumento relativo dos empregados nas faixas de maior escolaridade foi superior ao aumento verificado na população total para a mesma faixa. Tabela 6 - Distribuição da População de 15 a 24 Anos de Idade segundo Faixa de Escolaridade - Brasil, 2004 e 2011 Var % 2004 e Faixa de Escolaridade 2004 2011 2011 Menos Fund. 37,2 25,9 -33,5 Fundamental 33,3 35,9 2,7 Médio 26,6 33,3 19,4 Superior 2,9 4,9 61,8 100,0 100,0 -4,6 Total 34.520.785 32.940.692 Distribuição dos empregados de 15 a 24 anos de idade segundo faixa de escolaridade. Brasil, 2004 e 2011. Var % 2004 e Faixa de Escolaridade 2004 2011 2011 Menos Fund. 16,9 9,3 -25,5 Fundamental 32,3 25,5 7,0 Médio 47,6 61,0 73,7 Superior 3,2 4,2 77,5 100,0 100,0 35,6 Total 6.043.848 8.193.933 Relação % entre os empregados e a população jovem segundo faixa de escolaridade Menos Fund. Fundamental Médio Superior Total 7,9 17,0 31,3 19,5 17,5 8,9 17,7 45,5 21,4 24,9 Fonte: IBGE/PNADs 2004 a 2011 e MTE/RAIS (Elaboração dos autores). 150 Amilton Moretto e Maria Alice Pestana de Aguiar Remy No período analisado elevou-se a escolaridade da população jovem ao mesmo tempo em que se ampliou o emprego dessa mesma população, o que se reflete na proporção de jovens empregados em relação à população jovem da mesma faixa de escolaridade e em todas as faixas. Destaque-se que entre os empregados o crescimento da participação do jovem com ensino médio completo (73,7%) foi ligeiramente inferior ao verificado entre os jovens com ensino superior (77,5%), mas bastante superior ao aumento verificado na população com a mesma escolaridade. O resultado disso foi que a proporção da população dessa faixa etária chegou a representar quase a metade, bem superior à das demais faixas. Outro aspecto importante é que a proporção da população com ensino superior (4,9%) é ligeiramente superior à proporção de empregados (4,2%) dessa mesma faixa, o que pode sugerir que nem todos aqueles que possuem ensino superior encontraram uma ocupação adequada ao seu perfil, apesar de, em tese, faltarem trabalhadores de maior escolaridade/qualificação. Em suma, pode-se dizer que o jovem melhorou sua posição no emprego formal. A maior parte dos jovens contratados tem vínculo de prazo indeterminado, com redução dos tipos de vínculos mais precários (prazo determinado, parcial etc.), destacando-se a ampliação da participação do jovem aprendiz. Além disso, verificou-se que se ampliou a participação do jovem mais escolarizado, sobretudo com ensino médio e ensino superior, mas a maior parte dos jovens está empregada em ocupações que não exigem maior escolaridade, tais como serviços administrativos, vendas ou atividades ligadas à produção de bens e serviços. Ocorreu, também, uma elevação dos rendimentos reais desses trabalhadores, com destaque para aqueles que possuem o ensino superior. Por fim, verifica-se que a população jovem foi beneficiada pelo crescimento econômico, independentemente da sua escolaridade, haja vista que mesmo na faixa da população jovem que não possuía o ensino fundamental completo a participação de empregados aumentou. Considerações Finais Procurou-se, no presente texto, analisar o comportamento do emprego do jovem de 15 a 24 anos de idade no período de 2004 a 2011, marcado pelo bom desempenho da economia brasileira e pela crise internacional deflagrada em fins de 2008. A preocupação central da análise é tentar compreender o papel da escolaridade na inserção desse jovem, considerando 151 Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição que as mudanças ocorridas no plano econômico dos anos noventa e, sobretudo, no campo da produção e organização do trabalho fez emergir a tese da necessidade de um trabalhador mais qualificado e em contínuo aprimoramento (educação contínua) tanto para conquistar um posto de trabalho como para nele se manter. O crescimento econômico da segunda metade dos anos 2000 suscitou a reclamação de parte do empresariado brasileiro, divulgado pelos meios de comunicação, da falta de profissionais qualificados. Esse fato, ainda que verdadeiro para segmentos específicos da atividade econômica, ganhou força para influenciar a criação de um programa federal para a formação e qualificação de pessoal técnico - Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec)4. Contudo, os dados mostram que aumentou a escolaridade do jovem brasileiro e também do jovem que está empregado. Ainda que não se possa associar qualificação e escolaridade, parece plausível considerar que o treinamento de um indivíduo mais escolarizado é mais rápido e eficaz para o empregador que necessita de um trabalhador qualificado. Assim, a existência de uma proporção de empregados com nível superior no total de empregados jovens menor que a proporção deste grupo no total da população jovem pode estar indicando o não aproveitamento da elevação da escolaridade dessa população. Apesar disso, o período de crescimento foi favorável ao jovem que procurou um emprego remunerado. Mesmo que a proporção de empregados jovens no emprego tenha se reduzido, sua inserção melhorou, com redução dos contratos mais precários e aumento do rendimento real, sobretudo daqueles com maior escolaridade. Deve-se considerar, além do mais, que a taxa de participação do jovem apresentou queda no período analisado, o que pode indicar que o mesmo tenha optado por retardar sua entrada no mercado de trabalho e continuar os estudos, ampliando sua escolaridade para ter uma melhor inserção. 4 Sobre isso ver o site do programa. Disponível em: <http://pronatec.mec.gov.br/>. 152 Amilton Moretto e Maria Alice Pestana de Aguiar Remy REFERÊNCIAS BALTAR, Paulo et. al. Trabalho no governo Lula: uma reflexão sobre a recente experiência brasileira. Global Labour University Working Papers, n. 9, May 2010. CORBUCCI, Paulo R. Dimensões estratégicas e limites do papel da educação para o desenvolvimento brasileiro. Revista Brasileira de Educação, v. 16, n. 48, p. 563-806, set./dez. 2011. HOFFMANN, Marise Pimenta; BRANDÃO, Sandra Márcia Chagas. Medições de emprego: recomendações da OIT e práticas nacionais. Campinas: Unicamp, 1996. 41 p. (Cadernos do Cesit, n. 22). OLIVEIRA, Gesner; TUROLLA, Frederico. Política econômica do segundo governo FHC: mudança em condições adversas. Tempo Social, v. 15, n. 2, p. 195-217, 2003. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo. php?script=sci_arttext&pid=S0103-20702003000200008&lng=en&nrm=i so>. Acesso em: 2013. POCHMANN, Marcio. A década dos mitos. São Paulo: Contexto, 2001. 153 JUVENTUDE, EDUCAÇÃO E TRABALHO: AVANÇOS E DESAFIOS Jorge Abrahão de Castro1 Carla Coelho de Andrade2 Introdução A juventude forma um contingente populacional ainda extenso, no caso brasileiro, que tanto se identifica e compartilha uma experiência geracional quanto se distingue em muitas dimensões. Atualmente, o usual emprego do plural na referência à juventude – por parte das esferas governamental, acadêmica e sociedade civil – é justamente pelo reconhecimento da existência de uma pluralidade de situações que conferem diversidade à realidade e às necessidades dos jovens. Além do peso demográfico, há uma série de razões para que se foque a atenção na situação social da juventude. Problemas que se apresentam para o conjunto da sociedade brasileira, como a dificuldade de se processar ou de se garantir a inserção produtiva e cidadã, configuram-se como especialmente dramáticos para os jovens e incidem diretamente no aumento da sensação de insegurança no presente e de incerteza quanto à vida futura. Deve-se reconhecer, no entanto, que as questões que afetam a juventude são vividas de forma diversificada e desigual entre os jovens, variando de acordo com a origem social, os níveis de renda, o sexo, a raça, as disparidades socioeconômicas entre campo e cidade e entre as regiões do País. Doutor em Economia e Analista de Planejamento do Ministério do Planejamento. 2 Pesquisadora do Programa de Pesquisa para o Desenvolvimento Nacional (PNPD) do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). 1 155 Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição A análise a seguir busca evidências a respeito dessas diversidades e desigualdades entre os jovens brasileiros. Para tanto se apresenta um conjunto de dados e informações no sentido de montar um breve panorama dos avanços e desafios referentes aos campos da educação e do trabalho. Considerou-se como jovem a parcela da população situada na faixa etária de 15 a 29 anos. Estes foram divididos em três grupos: os jovens de 15 a 17 (jovem adolescente); de 18 a 24 anos (jovem-jovem); os de 25 a 29 anos (jovem adulto)3. Situação Demográfica Embora ao longo dos últimos anos venha ocorrendo uma progressiva redução do valor relativo do contingente de pessoas pertencente ao conjunto dos jovens4, a desaceleração do seu ritmo de crescimento não reduz a importância numérica que ainda tem esse grupo populacional. Em 1980, o contingente de jovens correspondia a 29% da população brasileira; já em 2010, era cerca de 51,3 milhões de jovens entre 15 e 29 anos, o que correspondia a 26,8% da população. As previsões do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) são que esse contingente populacional será de apenas 19% em 2050. O Brasil continua sendo considerado um “país jovem”, apesar de Camarano e Kanso (2009) chamarem a atenção que “essa caracterização, 3 Não há consenso em torno dos limites de idade que definem a juventude. Ainda que para fins de definição de política pública, legislação e pesquisa seja possível fixar um recorte etário para determinar quem são os jovens, deve-se ter em conta que “juventude” é uma categoria em permanente construção social e histórica, isto é, varia no tempo, de uma cultura para a outra, e até mesmo no interior de uma mesma sociedade. O Ipea vem procurando trabalhar com o mesmo recorte etário e as categorizações adotados na proposta do Estatuto da Juventude, em discussão na Câmara dos Deputados, também incorporado pela Secretaria e Conselho Nacional de Juventude. Cabe mencionar que, no âmbito das políticas públicas, a adoção do recorte etário de 15 a 29 anos é bastante recente. A praxe anterior geralmente tomava por “jovem” a população na faixa etária entre 15 e 24 anos. A ampliação dessa faixa para os 29 anos não é uma singularidade brasileira, configurando-se, na verdade, numa tendência geral dos países que buscam instituir políticas públicas de juventude. Há duas justificativas que prevalecem para ter ocorrido essa mudança: maior expectativa de vida para a população em geral e maior dificuldade desta geração em ganhar autonomia em função das mudanças no mundo do trabalho. 4 A redução do segmento juvenil confirma as projeções demográficas que indicam uma progressiva mudança no peso desse grupo etário no conjunto da população brasileira. Para detalhes ver: IBGE (2008). 156 Jorge Abrahão de Castro e Carla Coelho de Andrade no entanto, ocorreu menos pela proporção específica de jovens no total da população brasileira do que pela proporção de pessoas que tinham menos de 15 anos. Em 1920 esta proporção foi de 44,3% e a do grupo de 15 a 29 anos, de 28,2%. Ao longo do século XX, estes dois segmentos, em seu conjunto, representaram grandes parcelas da população relativamente aos demais grupos etários. A partir dos anos 1970, dada a queda da fecundidade, estas proporções começaram a diminuir. Até 2000, a população de crianças e de jovens correspondia a mais da metade da população brasileira, aproximadamente 58%, sendo 29,6% de crianças e 28,2% de jovens. A análise da distribuição etária da população brasileira ao longo do século XX mostra que as mudanças expressivas foram nas proporções de crianças e de idosos, e não na de jovens, que se manteve aproximadamente constante ao longo das décadas, variando entre 26% e 29%”. Situação Educacional A situação educacional dos jovens caracteriza-se como um misto de avanços, problemas e desafios. Por exemplo, verifica-se um gradual e significativo decréscimo dos índices de analfabetismo juvenil. Trata-se hoje de um problema alojado predominantemente no segmento adulto da população e também no meio rural. Em 2011, a taxa de analfabetismo entre pessoas na faixa etária de 15 a 17 anos era de 1,2% (contra 8,2% em 1992), entre jovens de 18 a 24 anos de 1,7% (contra 8,6% em 1992), e entre o grupo de 25 a 29 anos de 2,9% (contra 10% em 1992); já entre pessoas de 40 anos ou mais a proporção de analfabetos correspondia a 11,4%. Nota-se que as quedas do analfabetismo entre 1992 e 2011 foram maiores para o grupo de jovens adolescentes (15 a 17 anos). Isso em parte se explica pela existência de um longo período de prevalência de políticas de universalização do ensino fundamental. Com o passar do tempo, cada camada etária passou a apresentar melhores e maiores níveis de alfabetização que a anterior. Contudo, em que pese a considerável melhoria desse indicador educacional, no Brasil ainda persistem as disparidades regionais, sendo bastante superior o número de jovens analfabetos no Nordeste comparandose com as demais regiões. Também se constata que o analfabetismo entre jovens negros é quase duas vezes maior que entre brancos, e atinge muito mais os jovens que vivem no campo do que aqueles que residem em áreas urbanas. 157 Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição Tabela 1 - Situação Educacional dos Jovens - 2011 Descrição 15 a 17 anos Jovem adolescente 1,2 7,5 83,7 25 a 29 18 a 24 anos anos Jovem Jovem-jovem adulto 1,7 2,9 9,5 9,6 28,9 11,2 Analfabetos (%) Anos médios de escolarização (anos) Taxa de escolarização (%) Taxa de frequência líquida (Ensino Médio) 51,6 (%) Urbano (%) 54,8 Rural (%) 37,1 Taxa de frequência líquida (Ensino Superior) 14,6 (%) Urbano (%) 16,2 Rural (%) 4,0 Fonte: Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad)/IBGE e IPEA. - A escolarização é outro feito importante dos últimos anos e também evidencia uma substancial melhora na situação educacional dos jovens. Em 2011, 83,7% dos jovens adolescentes frequentavam algum nível ou modalidade de ensino. Por outro lado, cerca de 16% desses jovens estavam fora da escola (34% no Nordeste e 31% no Norte do País). Além disso, apenas 51,6% desses jovens cursavam o ensino médio, considerado o nível de ensino adequado a essa faixa etária. Portanto, a defasagem escolar ainda é bastante alta entre os jovens adolescentes, situação que favorece a evasão escolar. Regionalmente, o problema da distorção idade-série apresenta-se de maneira mais acentuada no Nordeste e no Norte, onde as taxas de frequência líquida (41,2% e 42,6%, respectivamente) são bem mais reduzidas que no Sul e no Sudeste (55,1% e 59,6%). Considerando a variável raça/cor, a taxa de frequência líquida entre os brancos correspondia a 60%, enquanto entre os negros equivalia a 45%. Destaca-se que os negros estão mais presentes na educação básica, com pouquíssimo acesso ao ensino superior. Existem, também, fortes desigualdades quando se considera a localização (Urbano/Rural) onde residem os jovens. Por exemplo, em 2011, a proporção de jovens adolescentes que frequentavam o ensino médio era de 54,8% nas áreas urbanas, contra apenas 37,1% no meio rural. Já o acesso ao ensino superior era baixíssimo, apenas 4%. 158 Jorge Abrahão de Castro e Carla Coelho de Andrade No que se refere à variável gênero, as jovens representam, na atualidade, o carro-chefe da elevação das taxas de escolarização do segmento juvenil. Elas têm maior escolaridade e adequação aos estudos do que os homens: em 2011, a taxa de frequência líquida no ensino médio era de 57,6% entre as mulheres contra 45,6% entre os homens. As jovens também ultrapassaram os homens no ensino superior: 16,9% de mulheres na faixa entre 18 e 24 anos frequentavam o ensino superior contra 12,3% de jovens do sexo masculino. A presença maciça das mulheres e seu desempenho no sistema de ensino brasileiro é um fenômeno recente e um bom sinal de que está havendo uma reversão de desigualdades construídas por vários séculos. Considerando a evolução dos últimos anos da escolaridade média dos jovens observam-se avanços importantes, principalmente no grupo de jovensjovens. Em 1992, a média de anos de estudo do jovem era de 6,2 anos de estudo; em 2011, essa média subiu para 9,5 anos. Isto significa que uma parcela dos jovens dessa faixa etária está conseguindo ingressar no ensino médio, porém muitos o abandonam logo no início do ciclo, passando a priorizar a atividade laboral. Essa tendência é confirmada pelos dados relativos aos jovens adultos cuja média não passa de 9,6 anos de estudo. Para as demais idades observa-se um decréscimo do indicador. Portanto, o que esses dados mostram é que o abandono da escolarização começa a ficar mais evidente na medida em que a idade aumenta. Mesmo antes de completar 18 anos, muitos jovens já se dividem entre o estudo e o trabalho: no grupo de jovens adolescentes 21,8% dos jovens o faziam. No grupo de jovensjovens essa porcentagem se reduz a 16,2%, ou seja, grande parte desses jovens já se retirou da escola. Por outro lado, na medida em que as rendas aumentam, maiores são as chances de o jovem conseguir frequentar a escola. Dados de 2009 mostram que no acesso à escola entre os jovens adolescentes há grande diferença entre os 20% mais pobres (81,0%) e os 20% mais ricos (93,9%) quase 13 pontos percentuais. Entre o grupo jovem-jovem, 31,3%, em média, frequentam alguma instituição de ensino e, nessa faixa, a diferença entre pobres e ricos é de 26 pontos percentuais. Por outro lado, dos jovens desta faixa etária que frequentam a escola, apenas 14,4% estão no ensino superior e apenas 38% têm mais de 11 anos de estudo (ensino médio completo). Assim, apesar do incremento da escolaridade, o que supostamente aproximaria os jovens das condições socioculturais de um modelo 159 Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição moderno da condição juvenil, caracterizado pelo acesso aos sistemas de ensino dissociado do mundo do trabalho5, os jovens brasileiros situamse majoritariamente na órbita do trabalho, pois essa dimensão está no horizonte vital de grande parte deles. Assinala-se que o trabalho tem sido por eles indicado como um dos direitos mais importantes de cidadania, assim como um dos direitos essenciais de que deveriam ser detentores6. Vale dizer, ainda, que a centralidade do trabalho para os jovens não advém tãosomente do seu significado ético, ainda que este seja relevante, mas resulta, também, e sobremaneira, da sua urgência enquanto problema, enquanto um fator de risco desestabilizador das formas de inserção social e do padrão de vida. (GUIMARÃES, 2005). Trabalho e Renda No que tange à inserção no mercado de trabalho, as oportunidades ocupacionais dos jovens continuam a ser escassas, independentemente da elevação de sua escolaridade. Ademais, as trajetórias ocupacionais dos jovens têm sido marcadas pelo signo da incerteza: estes ocupam as ofertas de emprego que aparecem, normalmente de curta duração e baixa remuneração, o que deixa pouca possibilidade de iniciar ou progredir na carreira profissional. Isto 5 A usual identificação do jovem como “estudante”, livre das obrigações do trabalho, tem sua 6 origem nas transformações ocorridas desde o início do século XX no modelo de socialização dominante na Europa ocidental, sobretudo entre as famílias burguesas. Os jovens, que antes eram socializados em meio a outras gerações, passam a ser afastados do sistema produtivo e segregados em escolas com o objetivo de aprenderem as normas e as regras da vida em sociedade. Vale dizer que exatamente quando deixam de ser treinados para a vida adulta com outras gerações e passam a sê-lo por institutos, escolas e universidades, os jovens começam a se estruturar enquanto categoria social específica e se articular em torno de grupos etários. (GALLAND, 1997). A sociedade passou a conceder aos jovens, então, uma espécie de “moratória social”: um crédito de tempo que permite protelar sua entrada na vida adulta e possibilita um maior contato com experiências e experimentações que contribuirão para o seu pleno desenvolvimento, particularmente em termos de formação educacional. Para mais detalhes sobre o emprego da noção de “moratória social” no campo da sociologia da juventude consultar Margulis e Urresti (1996) e Galland (1996). Ver as seguintes pesquisas: “Perfil da Juventude Brasileira”, realizada pela Criterium Assessoria a pedido do Instituto Cidadania, em 2003; “Juventude Brasileira e Democracia: participação, esferas e políticas públicas”, coordenada pelo Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase) e pelo Instituto de Estudos, Formação e Assessoria em Políticas Sociais (Pólis), em 2005; e “Retratos da Juventude Brasileira”, coordenada por Abramo e Branco (2005). 160 Jorge Abrahão de Castro e Carla Coelho de Andrade sem que se tomem em consideração as rápidas transformações tecnológicas que se refletem no mercado de trabalho, modificando especializações em pouco tempo, e tornando obsoletas determinadas profissões. Dos jovens brasileiros, de acordo com o Gráfico 1, cerca de 62% estavam ocupados, em 2011, e apenas 30% não estavam na População Economicamente Ativa (PEA), entretanto existem grandes diferenças quando se considera o grupo de jovens. Por exemplo, entre os jovens adolescentes apenas 28% estavam ocupados. Importante ressaltar que este valor representa forte redução na ocupação deste grupo, pois esse índice já foi de 50%, em 1992. A redução da participação no mercado de trabalho dos jovens adolescentes, a princípio, pode ser vista como um fato positivo. Um grande número de pesquisadores e gestores argumenta justamente que nessa fase da vida é fundamental postergar a entrada no mercado de trabalho para viabilizar, sobretudo, a permanência na escola e a conclusão do ensino médio com qualidade. (GONZALEZ, 2009). Esse período corresponde ao que vem sendo 80,0 60,0 40,0 20,0 1992 1993 1995 1996 1997 1998 1999 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2011 Jovens adolescentes Jovem-jovem Jovem adulto Juventude Gráfico 1 - Composição da Ocupação, segundo Categorias Selecionadas - 1992 a 2011 Fonte: IPEA. 161 Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição chamado de moratória social7: um crédito de tempo que permite ao jovem protelar as exigências sociais típicas da vida adulta, especialmente relativas ao casamento e ao trabalho, e lhe possibilita um maior contato com experiências e experimentações que podem favorecer o seu pleno desenvolvimento, não apenas em termos de formação educacional e aquisição de treinamento e capacitação, mas também em termos de outras vivências típicas que fazem parte da sociabilidade juvenil. Como mostrou Mostafa e Andrade (2010), essa moratória vem sendo ampliada para as mulheres jovens e os homens jovens e para os jovens das classes sociais de menor renda. No que concerne à qualidade dos postos de trabalho que os jovens ocupam, é preciso sublinhar que existe uma grande diversidade de situações. Em geral, o grupo de jovens adolescentes se insere nas piores ocupações, cujas exigências de qualificação são menores. Em 2009, apenas 2,6% dos jovens de 15 a 17 anos ocupados eram empregados com carteira assinada. À medida que a idade avança, constata-se um aumento da proporção de trabalhadores em melhores ocupações: 34% no grupo de jovens-jovens e 43% no de jovens adultos trabalhavam com carteira assinada. Apesar da vulnerabilidade do jovem no mercado de trabalho, observa-se, nos últimos anos, uma melhora nas condições de trabalho, com alta de formalização em todos os grupos etários. Essa situação diversa é reafirmada quando se observa que seu rendimento tem se comportado, em termos relativos, de forma estável no decorrer dos últimos anos. A remuneração (média real recebida no mês no trabalho principal) dos jovens em comparação ao rendimento médio brasileiro é menor para todos os grupos considerados: 30% para os jovens adolescentes, 60% para os jovens-jovens e 90% para os jovens adultos. 7 A ideia de moratória social associa-se às transformações ocorridas desde o início do século XX no modelo de socialização dominante na Europa ocidental, sobretudo entre as famílias burguesas. Antes os jovens eram socializados em meio a outras gerações, sendo treinados para a vida em contato direto com o universo adulto. Nesse contexto, os jovens, diluídos entre outros grupos etários, não formavam uma categoria sociologicamente diferenciada. Posteriormente, no entanto, passaram a ser afastados da vida social e segregados em escolas com o objetivo de aprender as normas e as regras da vida em sociedade. A partir de então começam a se estruturar como uma categoria social específica. Mantidos fora do sistema produtivo, os jovens passam a viver uma moratória, ou seja, ficam suspensos da vida social. Para maiores detalhes sobre o emprego da noção de moratória social no campo da sociologia da juventude, consultar Margulis e Urresti (1996); Galland (1996, 1997) e Gottlied e Reeves (1968). 162 Jorge Abrahão de Castro e Carla Coelho de Andrade Outro aspecto que evidencia o quanto ainda são restritas as oportunidades para os jovens no mercado de trabalho é o elevado percentual de desemprego juvenil: 12,1% em 2011 (Tabela 2), representando 61% do total de desempregados no País. Os jovens adolescentes são aqueles que apresentam maior valor, já o desemprego para os jovens-jovens é um pouco mais que o dobro do valor do indicador para o Brasil. Por outro lado, as mulheres jovens são mais afetadas pelo desemprego que os homens, e os jovens negros também são mais atingidos pelo desemprego que os jovens brancos, além de terem pior renda. Tabela 2 - Taxa de Desemprego Aberto, segundo Categorias Selecionadas – 2004 a 2011 Categorias 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2011 Brasil 8,7 9,1 8,3 7,9 7,0 8,1 6,6 Juventude 14,8 15,7 14,5 13,7 12,5 14,5 12,1 Jovem adolescente 23,6 26,2 23,6 23,4 20,9 23,9 22,5 Jovem-jovem 16,8 17,7 16,6 15,4 14,3 16,6 13,8 Jovem adulto 9,5 10,0 9,5 9,3 8,4 9,9 8,1 Fonte: IPEA e Microdados da Pnad/IBGE. Cabe mencionar que para avaliar a gravidade do desemprego juvenil é necessário tomar em consideração um amplo conjunto de fatores, que vão além da constatação da existência de uma baixa oferta de postos de trabalho. Por exemplo, a alta rotatividade entre os trabalhadores jovens, maior que entre os demais trabalhadores, deve ser considerada, pois implica uma também maior taxa de desemprego. (CASTRO; AQUINO, 2008; CARDOSO JR. et al., 2006). Trabalho e Educação A análise da transição escola-trabalho entre os jovens é muito rica para problematizar o papel social do jovem e seus vínculos institucionais. O período de moratória concedido ao jovem pede, em troca, a sua inserção no sistema de ensino e, após a fase escolar, sua quase imediata inserção no mercado de trabalho. Uma passagem interrompida, na qual o jovem nem estuda nem trabalha, causa imenso desconforto para os formuladores de políticas públicas e para os próprios jovens e seus familiares. O entendimento dessa fase como um momento da vida portador de singularidades, vínculos sociais e integração, para além da escola e do mercado de trabalho, é essencial para que o poder 163 Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição público possa de fato compreender a juventude não enquanto fase da vida de passagem, mas como fase da vida per se. (MOSTAFA; ANDRADE, 2012). No caso brasileiro observa-se que a expansão da escolaridade, nos últimos 20 anos, não foi acompanhada de um efetivo desligamento da juventude do mundo do trabalho, já que houve de modo concomitante um crescimento dos índices daqueles que estudavam e trabalhavam. Para muitos jovens é seu próprio trabalho que lhes possibilita arcar com os custos vinculados à educação. Para muitos também, especialmente os integrantes das camadas mais pobres, os baixos níveis de renda e capacidade de consumo da família redundam na necessidade do seu trabalho como condição de sobrevivência familiar. Ou seja, essa situação também tem a ver com a renda domiciliar, pois no Brasil, segundo os dados de 2011, dos jovens na faixa etária de 15 a 17 anos, 39,7% poderiam ser considerados pobres porque viviam em famílias com renda domiciliar per capita de até 1/2 salário mínimo. Ainda que não exista desequilíbrio na distribuição do grupo populacional juvenil por sexo (metade composta de homens e metade de mulheres), as jovens eram mais atingidas pela pobreza que os jovens, e os jovens negros muito mais que os brancos. No plano regional, os jovens do Nordeste continuaram tendo menor renda e mais da metade dos jovens nordestinos são pobres. Nas áreas rurais do Nordeste esse percentual é extremamente elevado8. Salienta-se que, mesmo quando o trabalho não é uma imposição ditada pela necessidade de subsistência familiar, que por si só o justificaria, os jovens têm a tendência de encará-lo como uma oportunidade de aprendizado, de acesso a variados tipos de consumo e de lazer, e de alcançar a emancipação econômica. Desse modo, a associação entre os baixos níveis de renda familiar e a possibilidade de o jovem estar inserido como estudante e trabalhador na 8 Somam-se à situação de pobreza de uma significativa parcela de jovens brasileiros as condições precárias de moradia. Dos que estão em áreas urbanas (85% concentrados sobretudo no Sudeste), em 2007, 48,9% viviam em moradias com localizações inadequadas. Nota-se ainda que cerca de 2 milhões de jovens moravam em favelas. Quanto à qualidade da habitação, cerca de 28 milhões de jovens, de áreas urbanas e rurais, viviam em moradias fisicamente inadequadas como, por exemplo, sem água canalizada, sem rede de esgotos, sem coleta de lixo, construídas com materiais não duráveis. As condições de moradia dos jovens das zonas rurais figuravam como bem mais precárias do que as dos jovens das zonas urbanas: 96,7% dos jovens rurais viviam em moradias inadequadas, percentual que corresponde a aproximadamente 7,5 milhões de jovens. 164 Jorge Abrahão de Castro e Carla Coelho de Andrade estrutura ocupacional não é tão imediata quanto parece. São muitos os jovens cujas rendas familiares possibilitariam uma dedicação exclusiva aos estudos, mas mesmo assim eles optam também pelo trabalho9. Outro dado importante é que embora a escolaridade média tenha crescido entre a população juvenil, ainda existia um número elevado de jovens que não estavam no mercado de trabalho nem na escola. Analisando os censos de 2000 e 2010, Camarano e Kanso (2012, p. 38) observam um aumento no número de pessoas de 15 a 29 anos que não estudavam nem trabalhavam. Eram 8,1 milhões em 2000, ou seja, 16,9% da população jovem, número este que passou para 8,8 milhões em 2010. Este aumento foi relativamente maior que o crescimento da população de 15 a 29 anos, o que resultou em um incremento também dessa proporção para 17,2%. Esse crescimento foi diferenciado por sexo. Enquanto o contingente masculino aumentou em 1,1 milhões pessoas, o de mulheres diminuiu em 398 mil. Do total de homens jovens, 11,2% encontravam-se na condição de não estudar e não trabalhar, em 2010. Entre as mulheres, o percentual foi bem mais elevado, 23,2%, apesar do percentual de homens ter aumentado e o de mulheres diminuído. Do total de jovens que não estudavam e não participavam do mercado de trabalho, 67,5% era composto por mulheres. O percentual de jovens do sexo feminino que não estudam nem trabalham é bem maior que o do sexo masculino. Isto geralmente acontece pelo fato de muitas mulheres deixarem a escola para cuidar de atividades domésticas – seja na condição de filha, seja na condição de cônjuge – dedicando o seu tempo a um tipo de trabalho não mensurado. Contudo, observam-se novas tendências que vêm na contramão do modelo tradicional de divisão de 9 De maneira geral, pode-se afirmar que a relação entre estudo e trabalho é variada e complexa, não se esgotando na oposição entre os termos. Esta, do ponto de vista dos jovens, pode ser caracterizada como intermitente. Não se pode afirmar que existe uma adesão linear à escola ou um abandono ou exclusão total das aspirações de escolaridade no âmbito das orientações dos jovens que trabalham. Ou seja, para os jovens, escola e trabalho são projetos que se superpõem ou podem ter ênfases diversas de acordo com o momento do ciclo de vida e as condições sociais que lhes permitem viver a condição juvenil. Por esses motivos, a experimentação e a reversibilidade de escolhas constituem fatores importantes para compreender as relações dos jovens tanto com a escola quanto com o mundo do trabalho, situando-as na dimensão do tempo como uma construção social e cultural em que se articulam demandas do presente e projetos do futuro. (SPOSITO, 2005). 165 Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição trabalho segundo o qual cabe às mulheres assumir o cuidado da casa e dos filhos, e aos homens o papel de provedor: há um número cada vez maior de jovens mulheres que não abandonam o mundo do trabalho, ou a ele retornam depois do casamento ou da maternidade; e o número de famílias chefiadas por mulheres vem aumentando constantemente ao longo do tempo. Considerações Finais Neste artigo buscou-se reunir um conjunto de informações que podem contribuir para enriquecer o atual debate sobre a situação social da juventude brasileira e sobre as políticas públicas dirigidas a esse segmento populacional. Especialmente gestores e estudiosos do tema podem se beneficiar desses resultados, aprofundando e ampliando as análises apresentadas. Os últimos dados disponíveis revelam que a juventude brasileira ainda enfrenta um importante conjunto de problemas. No campo educacional, os dados mostram um contínuo avanço na cobertura e nos anos de escolaridade com relação às gerações passadas, mas, mesmo assim, o País ainda não oferece a todos os segmentos juvenis acesso igual à educação. Persistem dificuldades para que um número expressivo de jovens persevere na trajetória escolar, assim como o grave problema da defasagem idade/série. É importante ressaltar que os jovens negros e os que vivem no campo são os que continuam a encontrar as maiores dificuldades no acesso e no percurso escolar. Os dados também revelam que os jovens brasileiros estão majoritariamente vinculados ao mundo do trabalho. Conforme a idade avança, diminui o número de estudantes e aumenta o de jovens gravitando na órbita do trabalho, mas as oportunidades de inserção ocupacional dos segmentos juvenis permanecem escassas. Além disso, a juventude tem sido, no País, o grupo populacional mais fortemente atingido pelo desemprego e pelo subemprego, que se caracteriza pela precariedade, pelos baixos salários, pela ausência de vínculo empregatício e pela insegurança. Destaca-se que o sentimento de fracasso que atualmente acompanha um grande número de jovens no que diz respeito à trajetória escolar e profissional representa uma porta aberta para a frustração e o desânimo, e um obstáculo ao delineamento de sonhos e projetos futuros. 166 Jorge Abrahão de Castro e Carla Coelho de Andrade Finalmente, como já haviam salientado Castro e Aquino (2008), é preciso considerar que, para além de forjar um entendimento compartilhado sobre o que é juventude e quais os desafios prementes para o País com relação aos seus jovens, é necessário também construir um novo repertório de ações e instrumentos para levar a cabo uma política de promoção dos direitos da juventude efetivamente conectada com o seu tempo. Sabe-se, por exemplo, que o País precisa de uma escola de qualidade que prepare os jovens para o mercado de trabalho, mas isto não é suficiente. O jovem brasileiro hoje precisa, sim, de uma escola que estimule o desenvolvimento de suas habilidades de modo a permitir sua inserção autônoma e com segurança nos vários espaços da vida social – o trabalho, a vida comunitária, a cena política, a cidadania. Não basta romper o círculo vicioso entre inserções precárias, abandono da escola e desalento que marca a trajetória de parte significativa desse segmento no mundo do trabalho; é necessário também promover condições que respeitem as especificidades do trabalho juvenil, compatíveis com as outras dimensões relevantes dessa etapa de vida e suas peculiaridades. REFERÊNCIAS ABRAMO, Helena; BRANCO, Pedro (Org.). Retratos da juventude brasileira: análise de uma pesquisa nacional. São Paulo: Perseu Abramo, 2005. CAMARANO, Ana Amélia; KANSO, Solange. Perspectivas de crescimento para a população brasileira: quando as projeções populacionais conseguirão acertar?. Rio de Janeiro: [s.n.], 2009. Mimeografado. ______. O que estão fazendo os jovens que não estudam, não trabalham e não procuram emprego?. Rio de Janeiro: IPEA, 2012. (Mercado de Trabalho, 53). CARDOSO JR et al. Longa caminhada, fôlego curto: o desafio da inserção laboral juvenil por meio dos consórcios sociais da juventude. Brasília, DF: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, 2006. (Texto para Discussão n. 1224). 167 Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição CASTRO, Jorge A.; AQUINO, Luseni (Org.). Juventude e políticas sociais no Brasil. Brasília, DF: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, 2008. (Texto para Discussão, n. 1335). GALLAND, Olivier. Les jeunes. Paris: La Découverte, 1996. ______. Sociologie de la jeunesse. Paris: Armand Colin, 1997. GONZALEZ, R. Políticas de emprego para Jovens: entrar no mercado de trabalho é a saída?. In: CASTRO, J.; AQUINO, L.; ANDRADE, C. (Org.). Juventude e políticas sociais no Brasil. Brasília, DF: Ipea, 2009. GOTTLIE, D.; REEVES, J. A questão das subculturas juvenis. 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Algumas reflexões e muitas indagações sobre as relações entre juventude e escola no Brasil. In: ABRAMO, Helena; BRANCO, Pedro (Org.). Retratos da juventude brasileira: análise de uma pesquisa nacional. São Paulo: Perseu Abramo, 2005. 168 TRANSFORMAÇÕES NO MERCADO DE TRABALHO RECENTE E OS JOVENS1 Fernando Antonio Barreto Paulino Souto2 Carmem Aparecida Feijó3 Paulo Gonzaga M. de Carvalho4 Geremias de Mattos Fontes Neto5 Introdução O Brasil conseguiu avanços importantes nas últimas duas décadas, no campo econômico, com a estabilização de preços, e no campo social, com políticas públicas de cunho assistencialista. A despeito de ainda se conviver com enormes desigualdades regionais e de renda, essas conquistas são importantes, pois preparam o País para saltos mais ambiciosos no futuro na direção de mais crescimento com inclusão social6. Dentre as conquistas recentes está a melhoria no mercado de trabalho, onde a característica mais significativa tem sido a redução na taxa de desemprego (Gráfico 1), em um contexto mundial O IBGE está isento de qualquer responsabilidade pelas opiniões, informações, dados e conceitos emitidos neste artigo, que são de exclusiva responsabilidade dos autores. 2 Mestre em Economia pela Universidade Federal Fluminense (UFF), bolsista Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). 3 Professora Associada UFF, bolsista do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). 4 Economista do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Professor da Universidade Estácio de Sá (UNESA). 5 Estagiário do IBGE, graduando em Estatística pela UFF. 6 Kerstenetzky (2012) apresenta uma análise interessante das políticas sociais mostrando como os gastos sociais podem ter contribuído para o aumento do emprego formal no Brasil. 1 169 Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição 13 12,3 12 11,5 11 10,0, 10 9,8 9,4 9 8 8,1 7,9 8,1 7 6,7 6,0 6 5,5 5 4 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 Gráfico 1 - Evolução da Taxa de Desemprego Aberto de 30 Dias Fonte: Pesquisa Mensal de Emprego (PME) de 2002 a 2012 Publicada pelo IBGE. de estagnação. Desde 2009, esta tem sido decrescente, fechando o ano de 2012 abaixo de 6%, uma marca inédita. Mais surpreendente ainda é o fato de o desempenho do mercado de trabalho ter ocorrido dissociado do movimento do PIB nos últimos anos. (Gráfico 2). Em 2010, a taxa de desemprego se reduziu, ficando em 6,7% - em relação ao ano anterior - de 8,1%, comportamento compatível com o bom desempenho da economia naquele ano - expansão de 7,5%. Contudo, em 2011 e 2012, a taxa de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) se desacelerou, registrando 2,7% e 0,9%, respectivamente, e a taxa de desemprego continuou a cair - 6,0% e 5,5%, respectivamente. Tal desempenho tem levado especialistas a cogitar que a economia brasileira estaria próxima do pleno emprego7. 7 O que se pode afirmar é que a elasticidade do pessoal ocupado com relação ao PIB tornou-se negativa em 2009, 2011 e 2012. Isso reflete uma queda da sensibilidade do crescimento da população ocupada em relação ao PIB. 170 Fernando Antonio Barreto Paulino Souto, Carmem Aparecida Feijó, Paulo Gonzaga M. de Carvalho e Geremias de Mattos Fontes Neto 9 8 7 6 5 4 3 2 1 0 -1 2008 2009 2010 2011 2012 Taxa de desemprego aberto em 30 dias Taxa de crescimento real do PIB Gráfico 2 - Taxa de Crescimento do PIB e Taxa de Desemprego Aberto - 2008-2012 Fonte: Pesquisa Mensal de Emprego (PME) de 2008 a 2012 Publicada pelo IBGE. Porém, antes de se concluir se existe ou não o pleno emprego, é necessário considerar outros fatores que estão influenciando as taxas de ocupação nos anos recentes. Assim, o desempenho do mercado de trabalho deve levar em conta a dinâmica de crescimento populacional. Observa-se, desde meados da década passada, o crescimento mais lento da população em idade ativa, em virtude de transformações demográficas por que passa o País. A principal delas é a queda da participação dos jovens no mercado de trabalho, o que contribui para um crescimento mais moderado da população economicamente ativa. Contribuíram para isso, por um lado, o aumento do número de membros na família que se encontram ocupados, a expressiva elevação dos salários de base e do piso previdenciário e o menor tamanho médio das famílias, a queda do trabalho infantil como consequência de campanhas de erradicação desse trabalho, além de mais oportunidades de estudo conferidas pela expansão de vagas nas universidades federais e nas escolas técnicas. Mesmo com a tendência de redução da entrada de jovens no mercado de trabalho, somada à queda no crescimento populacional, a taxa de participação, 171 Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição ou seja, o percentual de Pessoas Economicamente Ativas (PEA) em proporção com as Pessoas em Idade Ativa (PIA), tem aumentado. (Gráfico 3). Vale mencionar também uma característica importante do mercado de trabalho nos anos 2000, que é a questão do Bônus Demográfico, ou seja, a transição demográfica pela qual o País passa, na qual há uma menor proporção de crianças e idosos perante o total da população, aumentando a proporção de pessoas que podem gerar excedente econômico. Essa mudança demográfica traz oportunidades únicas para o País, pois com um número menor de crianças e idosos a serem sustentados pela PIA o crescimento do PIB per capita e da produtividade do trabalhador é maior. A previsão dos demógrafos é que esse bônus estará se esgotando por volta de 2022. Vale observar ainda que a redução da população em idade ativa estará se dando tanto pela queda na taxa de fecundidade como pelo envelhecimento da população. Dentre esses dois movimentos, o de maior impacto para o mercado de trabalho no futuro é a queda na taxa de fecundidade, o que aponta para a necessidade de se aumentarem os esforços no sentido de qualificar melhor a mão de obra entrante no mercado de trabalho, pois esta deverá ser mais produtiva para compensar um quadro demográfico de mais idosos sendo mantidos por relativamente menos trabalhadores ativos. Assim, a melhoria do padrão de vida da população como um todo depende em grande parte da qualificação hoje que se dê aos jovens para melhor contribuírem durante sua vida econômica no mercado de trabalho. Considerando o primeiro dado da série nova da Pesquisa Mensal de Emprego (março de 2002), a taxa de participação encontrava-se em 55%, e em junho de 2013 esse percentual elevou-se para 57%. Em mais de uma década o mercado de trabalho evoluiu na direção de haver mais pessoas no mercado de trabalho em proporção com as pessoas com idade para trabalhar e mais pessoas ocupadas, tendo em vista que a taxa de desemprego tem sido decrescente. Dito de outra forma, o mercado de trabalho sofre hoje menor pressão com a entrada de jovens e tem tido condições de oferecer mais oportunidades de emprego, uma vez que mais pessoas estão disponíveis para trabalhar. Tem-se, portanto, pelo menos duas questões para serem tratadas neste texto. De um lado, o que tem levado às significativas expansões da ocupação mesmo sem mudanças na direção da flexibilização das leis trabalhistas e, de 172 Fernando Antonio Barreto Paulino Souto, Carmem Aparecida Feijó, Paulo Gonzaga M. de Carvalho e Geremias de Mattos Fontes Neto 59 12 58 10 57 8 56 6 55 4 54 2 53 0 52 março 2002 setembro 2002 março 2003 setembro 2003 março 2004 setembro 2004 março 2005 setembro 2005 março 2006 setembro 2006 março 2007 setembro 2007 março 2008 setembro 2008 março 2009 setembro 2009 março 2010 setembro 2010 março 2011 setembro 2011 março 2012 setembro 2012 março 2013 14 Taxa de desemprego Taxa de participação Gráfico 3 - Taxa de Desemprego (Semana de Referência) e Taxa de Participação Fonte: Pesquisa Mensal de Emprego (PME) de 2002 a 2012 Publicada pelo IBGE. outro, como tem evoluído a PEA, em particular a participação dos jovens. Para dar conta desses temas, este trabalho divide-se em mais duas seções e uma conclusão. Na seção 2 discutem-se as mudanças no mercado de trabalho nos anos 2000, baseados em alguns autores. Na seção 3 analisa-se a evolução do mercado de trabalho para os jovens, abordando os aspectos de ocupação, rendimento e escolaridade. Finaliza-se o texto com uma breve conclusão. Mudanças na Oferta de Emprego nos Anos 2000 A literatura recente sobre mercado de trabalho aponta para uma recuperação na geração de emprego formal nos anos 2000, em contraste com a década de 1990, quando se consolida a abertura econômica. Dedecca e Rosandiski (2006), por exemplo, apresentam uma análise comparativa entre anos 1995-1998 e 2002-2004. O objetivo de tal confronto é mostrar a mudança no comportamento do mercado de trabalho e contestar a tese de não empregabilidade de boa parte da população, em voga nos anos 1990. Segundo Dedecca e Rosandiski (2006), o processo de destruição de empregos formais, intensificado pela conjunção das características do Plano Real com a globalização - abertura à concorrência internacional e câmbio valorizado - é 173 Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição freado após a mudança da política monetária de 1999, com a desvalorização cambial, e pela necessidade de renacionalização da produção e crescimento das exportações como formas de preservar divisas. Dedecca e Rosandiski (2006) destacam que apesar de a deterioração do emprego desacelerar a partir de 1999, o fraco crescimento econômico não deu conta de acolher o crescimento populacional e da população economicamente ativa. Com isso, no período entre 1999 e 2002, o desemprego aumentou. Somente a partir da mudança de governos, com a posse do presidente Lula da Silva, o mercado de trabalho inicia a sua reversão. O contraste em relação à geração de emprego entre o final dos anos 1990 e início dos anos 2000 é apresentado na Tabela 1. A comparação entre os dois períodos mostra como o período 2002-2004 foi profícuo na geração de ocupações formalizadas8. De 1995-1998 houve crescimento dos empregados sem carteira (8,5%), conta própria sem previdência (5%), empregadores sem previdência (18,9%), em contraste com o emprego doméstico com carteira (25,3%). De 2002-2004 cresceram os empregados com carteira, empregadores e conta própria com previdência - com refluxo na formalização do trabalho doméstico. Destaquese que a população ocupada, em geral cresceu somente 1,2% em 1995-1998, contra 6,2% no período seguinte. Ou seja, o que se observa é o crescimento da população ocupada concomitantemente ao crescimento da formalização das relações de trabalho. Outro autor que explica o crescimento do emprego formal no Brasil após 1999, abrangendo o período até 2006, é Cardoso Jr. (2007). Na contextualização do mercado de trabalho brasileiro, Cardoso Jr. identifica três fases para o período entre 1995 e 2006: o primeiro, de 1995-1999, marcado pelas políticas monetária e cambial extremamente restritivas e com notória deterioração dos indicadores de emprego, desemprego e informalidade; o segundo, entre 1999 e meados de 2003, apresenta o arrefecimento das tendências de degradação do emprego, permitido especialmente pela recuperação do comércio externo; e no período 2004-2006 observa a reação 8 A única exceção é o caso do emprego doméstico, para o qual ocorre um aumento na contratação sem carteira assinada. Tal mudança ocorre porque foi no primeiro período que se promulgou a legislação sobre a formalização do trabalho doméstico, levando à geração de um grande número de trabalhadores com carteira de trabalho assinada. Essa questão é discutida em Cardoso Jr. (2007). 174 Fernando Antonio Barreto Paulino Souto, Carmem Aparecida Feijó, Paulo Gonzaga M. de Carvalho e Geremias de Mattos Fontes Neto positiva do mercado de trabalho, juntamente com a melhora nos indicadores de crescimento econômico. Isto ocorre - a despeito de o arranjo de política macroeconômica manter-se praticamente inalterado - devido à pujança do comércio exterior, combinada com pequenas reduções nos patamares de juros internos e com uma importante expansão das várias modalidades de crédito, aumento do salário mínimo à frente da inflação e expansão das políticas sociais. (CARDOSO JR., 2007). A Tabela 2 sintetiza os principais indicadores do mercado de trabalho. Tabela 1 - Variação Total da Ocupação, Segundo Posição na Ocupação - Brasil, 1995/1998/2002/2004 Taxas de variação Posição na ocupação 1995-98 2002-04 Empregados com carteira 0,6 11,3 Empregados sem carteira 8,5 4,8 Conta própria com previdência -8,5 10,2 Conta própria sem previdência 5,0 2,5 Empregadores com previdência -3,4 7,9 Empregadores sem previdência 18,9 -2,0 Domésticos com carteira 25,3 6,6 Domésticos sem carteira -8,3 5,9 Trabalhadores não remunerados 12,5 -7,6 Total de ocupados 1,2 6,2 Fonte: Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), Publicada pelo IBGE em 1995, 1998, 2002 e 2004 Citados no Artigo de Dedecca e Rosandiski (2006, p. 180). Quanto à evolução da ocupação da força de trabalho, o autor destaca dois fenômenos distintos, para os períodos1995-1999 e 2001-2005. No primeiro período, observa-se a deterioração da taxa de ocupação, acompanhada por um grande crescimento do desemprego. No segundo período, a despeito do aumento da taxa de participação, a taxa de ocupação se manteve e o desemprego estabilizou-se. Em relação à questão setorial, o autor destaca a terceirização do mercado de trabalho, face à saída de contingentes de trabalhadores da indústria. 175 Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição Tabela 2 - Mudanças na Composição do Mercado de Trabalho Nacional entre 1995 e 2005 Composição do mercado de trabalho População em Idade Ativa (PIA) População Ocupada 1995 1999 2001 Variação 2005 86.844.125 97.394.347 103.059.409 112.044.816 População Economicamente 64.594.325 72.274.808 75.897.343 Ativa (PEA) População Ocupada Total 60.661.351 65.119.743 68.601.819 (PO) Taxa de participação (PEA/ 74,4% 74,2% 73,6% PIA) Taxa de ocupação 93,9% 90,1% 90,4% (PO/PEA) Taxa de desemprego (PD/ 6,1% 9,9% 9,6% PEA) 1995-99 2001-05 12,1% 8,7% 85.826.536 11,9% 13,1% 77.519.737 7,3% 13,0% 76.,6% -0,2% 4,0% 90,3% -4,1% -0,1% 9,7% 62,6% 0,7% Fonte: PNAD Publicada pelo IBGE Citada na Obra de Cardoso Jr. (2007, p. 11). Já em relação à formalidade das relações de trabalho, dois registros são importantes, segundo Cardoso Jr. (2007): a) O emprego não doméstico sem carteira dominou o crescimento no período 1995-1999 – 37,9% da geração de postos, contra 13,5% dos com carteira, enquanto o com carteira domina o período 2001-2005 – 50,5% dos postos, contra 14,6% dos sem carteira. b) No trabalho doméstico com carteira ocorre o oposto, com grande crescimento do segmento com carteira no primeiro período (8,2% das ocupações no primeiro frente a apenas 2,1% no segundo, versus 3,1% e 5,6% para os domésticos sem carteira). Destaque-se também o arrefecimento dos trabalhadores por conta própria na geração de ocupações. Sobre a contribuição previdenciária para os períodos citados, o autor destaca que a recuperação do emprego com carteira aumentou os percentuais contributivos, além de se acompanhar por um lento crescimento das contribuições nos assalariados sem carteira. Contudo, os trabalhadores por conta própria e os empregadores tornaram-se mais desprotegidos. 176 Fernando Antonio Barreto Paulino Souto, Carmem Aparecida Feijó, Paulo Gonzaga M. de Carvalho e Geremias de Mattos Fontes Neto Cardoso Jr. (2007) conclui essa parte da sua análise destacando que para o período de dez anos (1995-2005), o setor pouco estruturado do mercado de trabalho dominou a população ocupada. Ou seja, atingiu o patamar de quase 48% de participação na ocupação total entre 1995 e 1999, reduzindo-se para a casa dos 45% apenas após a mudança do arranjo macroeconômico em 1999. Em relação aos rendimentos, Cardoso Jr. (2007) destaca que entre 1995 e 1998 houve pequena elevação em todas as categorias. Entre 1999 e 2004 observa-se queda dos rendimentos; e em 2004-2005 observa-se uma recuperação. Contudo, destaca-se que apesar das recuperações em 2004-2005, para a maioria das categorias ocupacionais não houve recomposição das perdas - com exceção dos militares e funcionários estatutários. Cardoso Jr. (2007) propõe a análise de cinco fatores que foram determinantes ao crescimento do emprego formal. Esses fatores teriam atenuado os efeitos adversos das políticas monetária, que manteve a taxa de juros elevada, e cambial, que manteve a taxa de câmbio apreciada. No primeiro caso, juros elevados tendem a deslocar recursos do setor real da economia para a gestão financeira. O câmbio apreciado desloca demanda para o exterior. Ambos os efeitos minam os motores de crescimento que impactam a formalização do mercado de trabalho. Os fatores que contribuíram para o aumento na formalização do emprego foram: aumento e descentralização do gasto público social; expansão e diversificação do crédito interno; aumento e diversificação do saldo exportador; regime tributário simplificado para micro e pequenas empresas; melhora das ações de intermediação de mão de obra e de fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). O aumento e a descentralização do gasto público social estão relacionados com a ampliação da rede de serviços sociais - saúde e educação - que refletem diretamente na criação de novos empregos. Já as transferências diretas por direitos sociais têm o efeito indireto de garantir renda de forma permanente, influenciando as decisões dos empresários quanto à expectativa de consumo. De 1995 a 2006 o gasto público social subiu continuamente, passando de 12,4% para 15,3% do PIB. Com isto, aumentou também o número de profissionais de saúde e de educação. Quanto à descentralização dos gastos sociais, o autor mostra que a cobertura de municípios atendidos subiu de menos de 10%, em 1995, para mais de 90%. 177 Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição Em relação às transferências, tratando-se inicialmente de políticas previdenciárias e assistenciais, estas aumentaram a cobertura tanto pelo envelhecimento da população quanto pelas mudanças no benefício da aposentadoria, ligados aos trabalhadores rurais e ao estatuto do idoso. Os programas condicionados de transferência - bolsa família, seguro desemprego e abono salarial, por exemplo - caracterizam-se por atingir pessoas economicamente ativas que não têm renda suficiente para sustentar a família, ou que estão em situação vulnerável quanto ao trabalho. Cardoso Jr. (2007) sintetiza que os programas de transferência verificaram aceleração no período, especialmente após 2003, no caso do seguro desemprego e do abono salarial. No que se refere à expansão e diversificação do crédito interno, o autor destaca duas análises. A primeira aponta o crescimento do crédito total – pessoas físicas, jurídicas e governo. Nessa ótica, aponta-se queda no primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso (FHC), estagnação no segundo mandato e aumento de 42% no governo Lula da Silva (até 2006). Já no segundo aspecto, destaca-se o crescimento da participação das pessoas físicas e dos créditos agrícola, habitacional e direcionado ao governo. Sobre o setor exportador, o autor faz breve menção. Avalia que houve de fato um grande crescimento após a desvalorização cambial de 1999, mas levanta uma dúvida sobre a capacidade do setor exportador agrícola gerar mais empregos. De qualquer modo, aponta para o incremento de empregos no setor industrial exportador que, segundo Cardoso Jr. (2007), tenderia a gerar empregos formais e de maior durabilidade. Quanto ao regime do Simples, Cardoso Jr. (2007) aponta trabalhos que apontam fortes evidências estatísticas para a formalização de pequenas empresas - e por consequência seus empregados - através da adesão como contribuinte a essa modalidade de formalização. Nesse segmento de optantes a taxa de crescimento dos empregos formais gerados por empresa foi mais forte que no caso das empresas não optantes. O autor destaca, contudo, que essa proporção é baixa perante o total de empregos criados: no período 1999-2005, cada optante pelo simples gerava cerca de três trabalhadores, enquanto as não optantes geravam 13,2 - obviamente, tratam-se de empresas maiores. Contudo, na avaliação do autor, houve saldo positivo entre criação e destruição de estabelecimentos e empregos formais. 178 Fernando Antonio Barreto Paulino Souto, Carmem Aparecida Feijó, Paulo Gonzaga M. de Carvalho e Geremias de Mattos Fontes Neto Finalmente, Cardoso Jr. (2007) aponta para as ações de intermediação e fiscalização do Ministério do Trabalho. Embora se observasse uma dinamização dessas ações, especialmente no que tange à fiscalização - o número de funcionários formalizados por empresa fiscalizada sobe de 0,7, em 1995, para 1,9 em 2006 - o número de empregos formais gerados por essas duas ações ainda era muito baixo perante o crescimento total. Em suma, houve uma tendência clara de formalização do trabalho na primeira década dos anos 2000 e uma realocação no sentido de ganho de peso do setor de serviços e queda do setor agropecuário entre 2000 e 2009. O setor de serviços aumentou em 3,9 pontos percentuais (pp) sua contribuição ao emprego total, sendo que destes pelo menos 0,9 pp foi devido ao emprego no setor público. O setor indústria aumentou sua participação em 1 pp, e o emprego na construção civil contribuiu com aumento de 0,4 pp nesse incremento. Tabela 3 - Participação % das Ocupações por Atividades - Brasil - 2000, 2005, 2009 2000 100,0 22,3 19,5 6,7 58,2 3,9 1,4 4,9 Setores Econômicos Agropecuária Indústria Construção Civil Serviços Educação pública Saúde pública Administração pública e seguridade social 2005 100,0 20,9 20,0 6,5 59,1 3,7 1,4 5,1 2009 100,0 17,4 20,5 7,1 62,1 4,1 1,5 5,5 Fonte: IBGE (2000, 2005a, 2009a). Complementando a questão da formalização, Chahad e Pozzo (2013) mostram, baseados em dados da PNAD e do Censo 2010, que a crise de 2008 afetou o crescimento do emprego na indústria, mas não no comércio e serviços. (Gráfico 4). O problema é que a mão de obra desses setores é de baixa produtividade, pois absorvem trabalhadores quando a economia está estagnada. Chahad e Pozzo (2013) também atentam que a construção civil e o comércio puxaram os crescimentos setoriais, enquanto a indústria cresce mais a partir de 2007. Destaque-se que os maiores crescimentos da formalização se deram justamente nos setores onde as relações de trabalho formal eram mais precárias anteriormente. Ainda sobre a formalização, pelo critério da 179 Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição previdência, a informalidade se reverteu em 2007 a favor de uma participação maior da população ocupada formalmente. Em resumo, os anos 1990 foram desfavoráveis para o emprego no Brasil. A mudança de política monetária em 1999, e de política econômica mais geral em meados da primeira década dos anos 2000 foram importantes para sua recuperação. As políticas de geração de emprego via flexibilização das leis trabalhistas, nos anos 1990, falharam, e a retomada do crescimento do emprego está muito mais ligada à volta da atividade econômica. O Brasil observou relevante crescimento do emprego entre 2003 e 2010. A população envelheceu, a participação na economia, revelada pela PEA, aumentou, e o maior ganho foi em emprego formal. O emprego formal cresceu em cerca de 15 milhões de vínculos empregatícios no período, e 17 milhões contando o ano de 2011. O período citado, além de ter gerado quantidade absoluta de empregos, observou a queda consistente da taxa de desemprego. 138,8 137,6 133,1 126,2 119,8 123,9 118,9 127,2 127,8 128,5 124,2 117,1 122,3 115,9 100,2 100,0 111,8 107,6 100,0 110,0 105,5 112,4 120,0 110,1 130,0 113,4 119,4 140,0 133,0 144 150,0 90,0 2002 2003 2004 Total 2005 Indústria 2006 2007 Comércio 2008 2009 2010* 2011 Serviços Gráfico 4 - Evolução do Total dos Ocupados por Setores de Atividade Econômica - Brasil - 2002-2011 (2002 = 100) Fonte: PNAD Publicada pelo IBGE Citada no Artigo de Chahad e Pozzo (2013). * Em 2010 a Pnad não foi coletada devido ao Censo Demográfico do IBGE. 180 Fernando Antonio Barreto Paulino Souto, Carmem Aparecida Feijó, Paulo Gonzaga M. de Carvalho e Geremias de Mattos Fontes Neto Questões Sobre o Emprego de Jovens9: um perfil da ocupação em 2001 e 2011 Como apontado na introdução, uma mudança significativa no mercado de trabalho recente diz respeito à menor entrada de jovens no mercado de trabalho. Vale lembrar que em termos das estatísticas de trabalho define-se a população em idade ativa como aquela constituída por pessoas com 10 anos ou mais (PIA), que por sua vez se divide entre a População Economicamente Ativa (PEA) e a População Não Economicamente Ativa (PNEA ou inativos). A taxa de emprego e de desemprego é calculada em relação à PEA, que se subdivide em ocupados e desocupados. Assim, à medida que se avança na idade diminui a proporção de jovens que integram a população não economicamente ativa (inativos) e aumenta os que fazem parte da população ocupada. Em 2011 (Tabela 4), aos 15 anos, 79,7% dos jovens estavam na PNEA, 4,9% estavam desocupados, e 15,4% ocupados. Já com 24 anos esses percentuais se alteram para, respectivamente, 20,5%, 8,2% e 71,3%. O movimento de forte migração em direção ao mercado de trabalho foi particularmente intenso dos 15 aos 19 anos, quando o acréscimo de um ano de idade representou uma queda de cerca de 10 pontos percentuais nos inativos e aumento similar dos ocupados. Tomando-se por base o ano de 2011, observa-se que a faixa etária divisória é a de 18 anos, onde os ocupados passam a ter maioria relativa (45,4%), superando os inativos (43,6%). A partir dessa idade o mercado de trabalho passa a absorver a maior parte dos jovens. O percentual de desocupados se elevou até os 19 anos de idade, apresentando tendência de queda a partir desse ponto. Esse movimento possivelmente é explicado por dois fatores: a dificuldade de se conseguir emprego na condição de menor - quando, por exemplo, algumas ocupações são vetadas, como as perigosas e insalubres, e a fiscalização tende a ser maior - e os níveis salariais são pouco atrativos. 9 Considerou-se população jovem aquela com de 15 a 24 anos seguindo a delimitação utilizada pelo IBGE em 1999 na publicação do Brasil (2013): “Pela Constituição Brasileira é vedado o trabalho de menores antes dos 14 anos de idade (vide inciso XXIII do artigo 7°)”. De 14 a 15 anos é possível trabalhar na condição de aprendiz, e de 16 até completar 18 anos como menor trabalhador. (CORTES, 2013). A análise desta seção é feita com base nos dados da PNAD, portanto não há informação para o ano 2010, quando a pesquisa não foi a campo para dar lugar ao Censo Demográfico. 181 Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição Tabela 4 - População em Idade Ativa (PIA) de 15 a 24 Anos - Distribuição por Idade segundo Subdivisões da PIA - Brasil - 2011 Idade 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 15-24 Fora da PEA 79,7 68,0 57,7 43,6 32,8 28,3 25,8 21,9 21,6 20,5 40,9 Desocupado 4,9 7,5 9,2 11,1 11,3 10,9 9,4 10,3 8,8 8,2 9,1 Ocupado 15,4 24,5 33,1 45,4 55,9 60,8 64,9 67,8 69,7 71,3 50,1 Total 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 Fonte: IBGE/PNAD (2011). Comparando com 2001 (Tabela 5), observa-se que houve aumento na proporção de jovens fora da PEA (40,9% em média contra 38,1% em 2001), e uma menor proporção de desocupados (9,1% em média ante 11,1% em 2001), pouco se alterando o percentual dos ocupados. Este é um dado positivo, pois o aumento da proporção de jovens fora da PEA, principalmente na faixa de 15 a 18 anos, significa mais jovens estudando. Aos 15 anos, em 2001, 69,0% dos jovens estavam fora da PEA, contra 79,7% em 2011. Assim, estar fora da PEA nessa faixa de idade implica dedicação exclusiva ao estudo, o que deve ter contribuído para aumentar os índices de conclusão do ensino fundamental e maior ingresso no ensino médio. Analisando-se a evolução da proporção dos jovens nas situações fora da PEA, ocupados e desocupados (Gráfico 5), nos últimos dez anos constata-se que o movimento da proporção dos ocupados é simetricamente oposto ao dos fora da PEA, e não há relação clara com a categoria dos desocupados. Dito de outra forma, quando aumenta a participação dos ocupados na PEA diminui o número de jovens fora da PEA, pouco se alterando a participação dos desocupados. Logo, estar fora da PEA, para o jovem, pode ser interpretado como uma forma de “desemprego disfarçado”, pois quando o mercado se aquece os novos ocupados vêm principalmente de fora da PEA, e não do contingente de desocupados. 182 Fernando Antonio Barreto Paulino Souto, Carmem Aparecida Feijó, Paulo Gonzaga M. de Carvalho e Geremias de Mattos Fontes Neto Tabela 5 - População em Idade Ativa (PIA) de 15 a 24 Anos - Distribuição por Idade segundo Subdivisões da PIA - Brasil - 2001 Fora da DesocupaIdade Ocupado Total PEA do 15 69,0 6,3 24,7 100,0 16 59,1 8,6 32,3 100,0 17 50,9 11,1 38,0 100,0 18 39,2 13,6 47,1 100,0 19 33,4 14,2 52,4 100,0 20 29,2 13,2 57,6 100,0 21 26,5 12,0 61,4 100,0 22 23,3 11,0 65,6 100,0 23 22,9 10,9 66,3 100,0 24 21,8 9,4 68,9 100,0 15-24 38,1 11,1 50,8 100,0 Fonte: IBGE/PNAD (2001). 70,0 60,0 50,0 Fora da PEA 40,0 Desocupado 30,0 Ocupado 20,0 10,0 0,0 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2011 Gráfico 5 - Proporção de Jovens Fora da PEA, Ocupados e Desocupados - Brasil 20012011 Fonte: IBGE/PNAD (2001, 2002, 2003, 2004, 2005b, 2006, 2007, 2008, 2009b, 2010, 2011). 183 Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição Jovens: evolução do rendimento: 2001-2011 No período de 10 anos foi expressivo o crescimento real do rendimento10 dos jovens, variando de 70,6% (22 anos) a 97,8% (17 anos), correspondendo a um crescimento anual de cerca de 5,5% a 7,0%11 ao ano, respectivamente. Na faixa de 15 a 17 anos, o aumento é maior à medida que se eleva a idade. A partir dos 17 anos o movimento é inverso até os 22 anos, elevando-se nos anos finais. (Gráfico 6). ] 120,0 97,8 100,0 93,4 90,2 86,1 81,6 83,2 80,0 74,4 70,6 71,3 72,5 22 23 24 60,0 40,0 20,0 0,0 15 16 17 18 19 20 21 Gráfico 6 - População Jovem - Crescimento Acumulado do Rendimento Real no Período 2001-2011 por Idade dos Jovens - Brasil Fonte: IBGE/PNAD (2001, 2002, 2003, 2004, 2005b, 2006, 2007, 2008, 2009b, 2010, 2011). Comparando-se os valores do salário mínimo com o rendimento nominal por idade, nota-se que os 18 anos de idade são um divisor de águas. (Gráfico 7). A partir dessa idade o rendimento nominal passa a ser superior ao Rendimento no trabalho principal. 11 Média geométrica utilizando como deflator a variação do IPCA de setembro, mês a que se refere à informação de renda da PNAD. 10 184 Fernando Antonio Barreto Paulino Souto, Carmem Aparecida Feijó, Paulo Gonzaga M. de Carvalho e Geremias de Mattos Fontes Neto salário mínimo. Como era esperado, os patamares de rendimento aumentam com a idade, pois quanto maior a idade, maior a escolaridade. Os maiores incrementos são obtidos até os 18 anos de idade: 31,2% na passagem dos 15 aos 16 anos, 19,1% dos 16 aos 17, e 24,2% dos 17 aos 18 anos. A partir dos 21 anos os acréscimos passam a ficar na faixa de um dígito. 700,0 565,0 600,0 481,4 500,0 516,5 442,2 399,2 400,0 348,8 333,5 280,8 300,0 200,0 615,8 179,6 235,7 100,0 0,0 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 SM Gráfico 7 - População Jovem - Rendimento Nominal por Idade e Salário Mínimo (SM)Média do Período 2001-2011 - Brasil Fonte: IBGE/PNAD (2001, 2002, 2003, 2004, 2005b, 2006, 2007, 2008, 2009b, 2010, 2011). Nota: SM= salário mínimo nominal do mês de setembro. Durante o período analisado manteve-se uma rígida hierarquia de rendimentos por idade (Gráfico 8), seguindo a lógica da teoria do capital humano. Sempre os mais velhos têm rendimentos maiores que os mais novos. Verifica-se também um maior distanciamento entre as curvas de rendimento por idade, em especial de 15 a 18 anos, pois os rendimentos de pessoas de 16 a 18 anos foram os que mais cresceram. (Gráfico 6). Jovens: evolução da frequência à escola e anos de estudo A proporção dos jovens que não estudam tem mostrado tendência de aumento ao longo dos últimos dez anos. Esse percentual passou de 51,4%, 185 Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição 1200 1000 24 800 23 22 21 600 20 19 18 400 17 16 15 200 0 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 Gráfico 8 - Jovens - Rendimento Médio por Idade - 2001-2011 - Brasil Fonte: IBGE/PNAD (2001, 2002, 2003, 2004, 2005b, 2006, 2007, 2008, 2009b, 2010, 2011). Nota: 2010 estimado. em 2001, para 53,6% em 2011. (Gráfico 9). Há um ponto de inflexão no ano de 2003, pois de 2001 a 2003 o movimento era de queda dos jovens que não estudam. A partir de 2004 é nítida a tendência de aumento da proporção dos que não estudam, embora com algumas oscilações - pois há queda em 2008 e 2009, revertida em 2011. Uma possível explicação para esse ponto de inflexão é que o poder de atração do mercado de trabalho é maior quando a economia está aquecida, e em 2004 a economia (PIB) cresceu 5,7%, a melhor marca desde 1986, pois estava saindo de um período de baixo crescimento. Nos anos seguintes o crescimento do PIB foi menor, mas de modo geral bem acima da média de 2001-2003. Analisando-se no recorte por idade a proporção dos jovens que estudam, nota-se que esse percentual tem forte queda à medida que a idade se eleva. Tomando-se o ano de 2011 como referência, esse índice passa de 92,0%, aos 15 anos, para 15,6% aos 24 anos. (Gráfico 10). Esse movimento é especialmente intenso dos 16 aos 19 anos, quando, em três anos, o percentual 186 Fernando Antonio Barreto Paulino Souto, Carmem Aparecida Feijó, Paulo Gonzaga M. de Carvalho e Geremias de Mattos Fontes Neto cai de 85,7% para 37,4%. Aos 18 anos a proporção dos que estudam (49,5%) e não estudam (50,5%) é muito próxima, passando a partir dessa idade a predominar os não estudantes. Ao completar 18 anos o jovem deixa de ser menor de idade e com isso os salários passam a ser mais atrativos. 56,00 54,00 52,00 Estuda 50,00 Não estuda 48,00 46,00 44,00 42,00 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2011 Gráfico 9 - População Jovem - Proporção de Estudantes versus Não Estudantes - Brasil Fonte: IBGE/PNAD (2001, 2002, 2003, 2004, 2005b, 2006, 2007, 2008, 2009b, 2010, 2011). É interessante notar que o percentual de estudantes não cai de forma significativa a partir dos 21 anos, quando em princípio os jovens estariam terminando o ensino superior. Uma hipótese é que muitos ainda estão estudando após os 21 anos, por terem entrado mais tarde na universidade e por demorarem mais tempo para concluir o curso. Há cursos que demandam mais tempo, como Medicina, cuja duração ultrapassa quatro anos. Os anos de estudo aumentaram em todas as idades durante o período analisado. Esse movimento é bem nítido dos 15 aos 19 anos. Nas idades seguintes (Gráfico 11) o movimento é menos nítido. Grosso modo pode-se afirmar que o nível de escolaridade dos jovens de 20 a 24 anos é similar12. 12 Considera-se a margem de erro inerente a uma pesquisa por amostragem, que é sempre 187 Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 2011 Gráfico 10 - População Jovem - Proporção de Estudantes por Idade - 2001-2011 - Brasil Fonte: IBGE/PNAD (2001, 2002, 2003, 2004, 2005b, 2006, 2007, 2008, 2009b, 2010, 2011). Nessa faixa de idade a maior parte dos jovens já está no mercado de trabalho - conforme as Tabelas 4 e 5 - o que torna difícil a continuidade dos estudos. Uma dificuldade adicional é a baixa escolaridade. Só com 24 anos o jovem fica próximo de atingir 11 anos de estudo, que correspondem ao ensino médio completo. Os dados sugerem que o jovem consegue ingressar no ensino médio, mas uma grande parcela não consegue completá-lo. maior quando se estima um universo menor. 188 Fernando Antonio Barreto Paulino Souto, Carmem Aparecida Feijó, Paulo Gonzaga M. de Carvalho e Geremias de Mattos Fontes Neto 12 24 11 23 22 10 21 20 9 19 18 8 17 7 16 15 6 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2011 Gráfico 11 - Jovens - Média de Anos de Estudo por Idade 2001-2011 - Brasil Fonte: IBGE/PNAD (2001, 2002, 2003, 2004, 2005b, 2006, 2007, 2008, 2009b, 2010, 2011). Dos 15 até os 18 anos de idade, ao longo dos últimos dez anos, o jovem que não está ocupado - portanto está fora da PEA ou desocupado tem escolaridade superior aos que estão ocupados. Aos 19 anos de idade, a escolaridade é praticamente a mesma nos dois grupos. A partir desse ponto, a escolaridade dos ocupados passa e ser maior que a dos não ocupados. Esses resultados sugerem que o mercado de trabalho, num primeiro momento, dos 15 aos 18 anos, afasta o jovem da escola, mas num segundo momento ocorre o inverso. Possivelmente isso ocorre porque quem está fora do mercado de trabalho não tem estímulo para continuar estudando e, portanto, sua escolaridade estagna. Mas quem está ocupado sofre pressão para aumentar sua escolaridade, portanto esta aumenta, mesmo que levemente. (vide Gráfico 12 para 2011). 189 Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição 12 10 8 6 4 2 0 15 16 17 18 Ocupados 19 20 21 22 23 24 Não ocupados Gráfico 12 - Média de anos de estudo por Idade - 2011 - Brasil Fonte: IBGE/PNAD (2011). Em resumo, no período 2001-2011, mais da metade dos jovens estava ocupada. A desocupação foi baixa, pois a alternativa de não estar ocupado era principalmente sair da PEA. O rendimento médio cresceu, principalmente no grupo de 16 a 18 anos, o que possivelmente teve impacto negativo na frequência à escola, dado que se torna mais difícil conciliar trabalho e estudo quando o mercado de trabalho está aquecido. Outro dado negativo é que em todo o período a proporção dos jovens que não estudam foi superior à dos que estudam, numa distância crescente, em especial a partir de 2003. Como consequência disso, é baixa a escolaridade do jovem brasileiro, que só chega próximo de completar o ensino médio ao atingir 24 anos de idade. Consideração Final O mercado de trabalho brasileiro, nos anos 2000, apresentou características bem distintas das décadas anteriores, com o aumento de formalização e uma tendência à redução na taxa de desemprego. Esses resultados podem ser considerados surpreendentes tendo em vista que as leis trabalhistas não sofreram grande mudança na direção de maior flexibilização, e que o crescimento do PIB não foi elevado comparado ao período de maior expansão da economia brasileira do pós-Guerra até o final dos anos 1970. Além de mudanças na dinâmica dos processos de produção que propiciaram aumento na oferta de postos de trabalho, importantes 190 Fernando Antonio Barreto Paulino Souto, Carmem Aparecida Feijó, Paulo Gonzaga M. de Carvalho e Geremias de Mattos Fontes Neto transformações demográficas estão em curso e influenciam a oferta de mão de obra. Junto com o menor crescimento populacional e a redução da fecundidade, nos anos 2000 observa-se uma menor entrada de jovens no mercado de trabalho. Segundo a PNAD, quase 80% dos jovens de 15 anos de idade estavam fora do mercado de trabalho em 2011, contra quase 70% em 2001. (IBGE, 2001, 2011). Esse resultado, quando comparado com o percentual de jovens que não estudam, mostra que nem sempre o jovem que está fora da PEA está se qualificando para o mercado de trabalho. Desde 2003, a proporção dos jovens que não estudam em relação aos que estudam tem mostrado tendência a aumento. Assim, constata-se que ainda se mantém baixo o grau de escolaridade do jovem brasileiro, que só chega próximo de completar o ensino médio ao atingir 24 anos de idade. A baixa escolaridade do jovem brasileiro é uma questão importante e que compromete o desenvolvimento futuro do País. A melhoria do padrão de vida da população como um todo depende em grande parte da qualidade da formação que se oferece aos jovens de hoje, para que ele possa contribuir no mercado de trabalho ao longo de sua vida econômica. Observa-se que nos últimos anos a economia brasileira tem crescido pouco, e se esse quadro se mantiver será cada vez mais difícil sustentar baixas taxas de desemprego. No caso de demissões, os jovens, pela baixa escolaridade, são o grupo mais vulnerável. REFERÊNCIAS BRASIL. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. População jovem no Brasil. Rio de Janeiro, 1999. (Estudos e Pesquisas. Informação Demográfica e Socioeconômica, n. 3). Disponível em: <http://www. ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/populacao_jovem_brasil/ populacaojovem.pdf>. Acesso em: 2013. CARDOSO JR., J. C. De volta para o futuro?: as fontes de recuperação do emprego formal no Brasil e as condições para sua sustentabilidade temporal. Brasília, DF: IPEA, 2007. (Texto para Discussão, n. 1310). CHAHAD, J. C.; POZZO, R. G. Mercado de trabalho no Brasil na primeira década do século XXI: evolução, mudanças e perspectivas: demografia, força de trabalho e ocupação. Informações FIPE, n. 392, p. 13-32, maio 2013. 191 Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição CORTES, Lourdes. Regulamentação permite trabalho de menor como aprendiz a partir dos 14 anos. [Brasília, DF]: Tribunal Superior do Trabalho, 2013. Disponível em: <http://www.tst.jus.br/noticias/-/asset_ publisher/89Dk/content/id/4959439>. Acesso em: 2013. DEDECCA, C. S.; ROSANDISKI, E. N. Recuperação econômica e a geração de empregos formais. Parcerias Estratégicas, n. 22, p. 169-190, Jun. 2006. Edição especial. IBGE. Contas nacionais. Rio de Janeiro, 2000. ______. ______. Rio de Janeiro, 2005a. ______. ______. Rio de Janeiro, 2009a. ______. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios. Rio de Janeiro, 2001. ______. ______. Rio de Janeiro, 2002. ______. ______.. Rio de Janeiro, 2003. ______. ______.. Rio de Janeiro, 2004. ______. ______.. Rio de Janeiro, 2005b. ______. ______. Rio de Janeiro, 2006. ______. ______. Rio de Janeiro, 2007. ______. ______. Rio de Janeiro, 2008. ______. ______. Rio de Janeiro, 2009b. ______. ______. Rio de Janeiro, 2011. KERSTENETZKY, C. L. O estado do bem-estar na idade da razão: a reinvenção do estado social no mundo contemporâneo. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012. 192 NEGOCIAÇÃO COLETIVA E A TRABALHO JUVENIL NO BRASIL REGULAÇÃO DO Adriana Marcolino1 Leandro Horie2 Patrícia Pelatieri3 A juventude em geral, incluída a brasileira, tem características próprias de inserção no mercado de trabalho, fruto de condições objetivas relacionadas à idade, como a pouca experiência profissional. No entanto, outras tantas características dessa inserção são decorrentes de políticas públicas, ou da falta delas, e da negociação coletiva. No Brasil, essa realidade tem se mostrado fortemente excludente e precarizadora do trabalho. Segundo dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT), em seu relatório anual sobre tendências do emprego no mundo (OIT, 2013), a juventude tem sido um dos grupos mais afetados pela crise mundial, a ponto de muitos jovens terem desistido de procurar emprego. Aqueles que encontram uma vaga submetem-se a trabalhos ainda mais precarizados, com jornada por tempo parcial e temporário, ou com vínculos de trabalho informais. Estes sofrem mais com a transição entre o período de educação formal para o mercado de trabalho. A taxa mundial de desemprego juvenil foi estimada pela OIT em 12,6% para 2013 - a mais alta taxa desde o início da crise de 2008 - o que significa 73 milhões de jovens desempregados ao redor 1 Socióloga, técnica do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE). 2 Economista, técnico do DIEESE. 3 Economista, Coordenadora do DIEESE. 193 Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição do mundo. A previsão é de que essa taxa continue alta (12,8% em 2018). Significa que a chance de um jovem estar desempregado é três vezes maior que a de um adulto. Nas economias desenvolvidas a taxa de desemprego juvenil chegou a alarmantes taxas de 18,1% (2012), e 21,2%, quando incorporado o desemprego por desalento. Nos países em desenvolvimento, que estão sofrendo menos com a crise, o emprego dos jovens também é precário e as características marcantes são empregos informais e ocasionais, com médias salariais muito abaixo da recebida por outros grupos populacionais e um sistema de proteção insuficiente. Além disso, parcela da juventude não tem acesso ao emprego nem à educação. A situação vivida pelos jovens nos mercados de trabalho, hoje, certamente deixará marcas nas estruturas sociais e econômicas do futuro nos países. E as escolhas políticas para essa população vão determinar o desenvolvimento que se quer. Brasil: Mercado de Trabalho das Regiões Metropolitanas em Crescimento Versus Taxas de Desemprego Juvenil de “País em Crise” Durante a década de 1990, observaram-se aumento do desemprego, precarização do trabalho e deterioração dos níveis de renda, especialmente entre as faixas etárias mais jovens. Com a crise, ampliou-se consideravelmente o processo de discriminação no interior do mercado de trabalho, sobretudo entre distintas faixas etárias (jovens e adultos), raças e gênero. Inicia-se o século XXI com uma participação relativa da população na faixa etária de 15 a 24 anos de 25% no total da população economicamente ativa, representando 50% do desemprego nacional. Cerca de 10,6 milhões de jovens trabalhavam e não estudavam. (POCHMANN, 2004). No período mais recente, apesar da melhora significativa da taxa de desemprego do mercado de trabalho brasileiro em geral, observada ao longo dos últimos dez anos, a taxa de desemprego da juventude, mesmo observandose uma queda significativa, ainda se mantém em patamares elevados: 22,3% para jovens de 16 a 24 anos de idade - semelhante às taxas de desemprego em regiões fortemente impactadas pela crise econômica, como as taxas verificadas na Europa. 194 Adriana Marcolino, Leandro Horie e Patrícia Pelatieri Quando desagregada em novas faixas, observa-se que para jovens entre 18 e 24 anos a taxa de desemprego caiu de 30,3%, em 2002, para 19,7%, em 2012, mas se mantém ainda muito alta e distante da taxa de desemprego total de 10,5%, em 2012. Para os que estão entrando no mercado de trabalho, jovens de 16 e 17 anos, o cenário é mais alarmante: apesar da queda ao longo dos dez anos analisados abaixo, ainda se mantém em 41,0%, em 2012. 60,0 50,0 40,0 30,0 0,0 2002 22,3 41,0 19,7 10,0 32,7 49,4 30,3 20,0 2003 2004 2005 16 a 24 anos 2006 2007 16 a 17 anos 2008 2009 2010 2011 2012 18 a 24 anos Gráfico 1 - Taxa de Desemprego dos Jovens de 16 a 24 Anos, segundo Faixa Etária Regiões Metropolitanas - 2002 - 2013 Fontes: Convênio Dieese - Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados do Estado de São Paulo (Seade); Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) - Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) e convênios regionais e Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED). Nota: Regiões Metropolitanas corresponde ao total das Regiões Metropolitanas de Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife, Salvador São Paulo e o Distrito Federal, regiões em que é realizada a Pesquisa de Emprego e Desemprego. Parte da redução das taxas de desemprego entre a juventude é explicada pela redução da População em Idade Ativa (PIA) e da População Economicamente Ativa (PEA) desse grupo etário para o período analisado. A PIA para aqueles entre 16 e 24 anos sofreu redução de 22,2% para 17,7%, quando se compara 2002 e 2012; já a PEA desse segmento da população, no mesmo período, teve redução de 26% para 20,1%. Diversos são os fatores que ajudaram nesse movimento: a melhoria do cenário econômico interno, as políticas sociais, o aumento do alcance de políticas educacionais e, em especial, a ampliação das vagas no ensino universitário - políticas que retardam a entrada da população no mercado de trabalho, além das alterações na pirâmide etária brasileira. 195 Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição Assim, diferentemente do movimento geral do mercado de trabalho, a taxa de ocupação da juventude sofreu redução no período observado, saindo de 21,2%, em 2002, para 17,5% em 2012. 25,0 21,7 20,9 20,7 20,5 20,0 19,8 19,3 19,2 18,1 17,9 2009 2010 17,8 17,5 15,0 10,0 5,0 0,0 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2011 2012 Gráfico 2 - Proporção de Jovens de 16 a 24 Anos Ocupados, segundo Faixa Etária Regiões Metropolitanas Fontes: Convênio Dieese - Seade; MTE - FAT e Convênios Regionais e Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED). Nota: Regiões Metropolitanas corresponde ao total das Regiões Metropolitanas de Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife, Salvador São Paulo e o Distrito Federal, regiões em que é realizada a Pesquisa de Emprego e Desemprego. Importante destacar que o percentual de jovens entre 16 e 24 anos que apenas estudam cresceu de 17,6%, em 2002, para 20,4%; o número daqueles que estudam e trabalham caiu de 26,7% para 22,6% nesse mesmo período, o que é um movimento bastante positivo. No entanto, o número de jovens que apenas trabalham cresceu de 44,8% para 46,1%, e ainda pior foi a manutenção do percentual de jovens nessa faixa etária que nem trabalham nem estudam (10,9%), demonstrando a necessidade de ampliação das políticas de inclusão escolar. É possível identificar, ainda, outras características da inserção dessa população no mercado de trabalho metropolitano brasileiro, apesar da melhora geral observada nos últimos anos: • Alta rotatividade; • Altas taxas de desemprego; 196 Adriana Marcolino, Leandro Horie e Patrícia Pelatieri • Jornadas extensas; • Dificuldade de conciliação entre estudo e trabalho; • Precariedade nas relações de trabalho; • Grandes diferenças salariais; • Muitos já são chefes de família (proporção em crescimento); • Reprodução/perpetuação de desigualdades (condição financeira, social etc.). Regulação do Trabalho Juvenil via Negociação Coletiva A negociação coletiva é um espaço privilegiado para avançar na regulação do mercado de trabalho, garantindo avanços à legislação vigente ou, ainda, regulando questões não previstas na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Existem limites nesse espaço decorrentes do modelo adotado pelo Brasil, a saber, a falta de um modelo democrático de relações de trabalho e estrutura de negociação coletiva centrada em apenas um período anual para negociação - a data base, relegando ao segundo plano questões que não estão diretamente ligadas às pautas econômicas. Apesar desse modelo que limita a negociação coletiva, trata-se de espaço fundamental e privilegiado para melhorar as condições de trabalho no Brasil. Entretanto, para a regulação do trabalho juvenil esse espaço está sendo subutilizado, como se verá a seguir. Segundo dados do Sistema de Acompanhamento de Convenções Coletivas do DIEESE (SACC/DIEESE), que reúne informações de 225 unidades de negociação distribuídas por diversos setores econômicos e regiões do País, o principal ponto firmado nos acordos e convenções coletivos nos anos de 2006 e 2011, conforme somatório dos períodos apresentado na Tabela 1 abaixo, é sobre o tema das faltas (38%), que define em quais condições as faltas podem ser abonadas no caso do trabalho juvenil. Esse tema é seguido por estágio e aprendizes (15,7%), jornada de trabalho (15,1%), estabilidade quando estiver em serviço militar (14,8%) e, finalmente, educação (11,7%). Os percentuais são bastante próximos ao se considerarem os dois períodos apresentados, com uma pequena diferença no tema das faltas, que 197 Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição apresenta crescimento de 1,5 pontos percentuais em 2011, e o item estágio, que apresenta crescimento de 2,4 pontos percentuais comparando-se 2011 a 2006. O item educação apresenta queda de 4,2 pontos percentuais nesse mesmo período. Tabela 1 - Cláusulas sobre Jovem por Tipo de Cláusula, 2006 e 2011 Tipo de cláusula 2006 2011 Número % Número % Faltas 129 36,5 123 38,0 Educação 56 15,9 38 11,7 Jornada mulher/ menor/ estudante 54 15,3 49 15,1 Férias 8 2,3 6 1,9 Estágio/ Aprendizes/ Menores 47 13,3 51 15,7 Mão de obra jovem 2 0,6 5 1,5 Estabilidade serviço militar 50 14,2 48 14,8 Qualificação e formação profissional 7 2,0 4 1,2 Estabilidade aprendiz 0 0,0 0 0,0 353 100,0 324 100,0 TOTAL Fonte: Dados de 2013 a partir de SACC/DIEESE. Faltas Quanto às faltas, principal tema negociado, com 123 cláusulas e 38% do total de cláusulas de juventude negociadas, a Consolidação das Leis do Trabalho prevê, em seu artigo 473, inciso VII, que o “empregado poderá deixar de comparecer ao serviço sem prejuízo do salário nos dias em que estiver comprovadamente realizando provas de exame vestibular para ingresso em estabelecimento de ensino superior.” Esta redação foi dada pela Lei 9.471/1997. (BRASIL. LEI Nº 9.471, 2013). Com base nessa lei, os acordos e convenções coletivos de trabalho apresentam cláusulas que reproduzem o conteúdo da lei ou que ampliam o seu escopo, incluindo exames escolares ou supletivos e, ainda, definem o prazo para a comprovação. Muitas cláusulas reduzem o escopo da lei, definindo que esse direito só pode ser utilizado se coincidir com horário de trabalho, critério 198 Adriana Marcolino, Leandro Horie e Patrícia Pelatieri que a lei não impõe. Está presente em praticamente todos os ramos (exceção apenas para administração pública e profissionais liberais). Apesar de importante, por garantir a realização dos exames vestibulares e/ou provas escolares, ainda é muito limitado, uma vez que não garante que o trabalhador/estudante tenha todos os dias uma jornada adaptada para conseguir chegar a tempo à escola, inclusive com alguma pausa para descanso e estudo. Na maior parte das cláusulas está definido o tempo de antecedência para informar a empresa e garantir o abono da falta. Esse período varia de 24 horas de antecedência até cinco dias. Em alguns casos o trabalhador estudante ainda precisa comprovar posteriormente que realizou o exame. Esse caso é mais frequente em exames vestibulares. Existem, ainda, cláusulas que estabelecem um limite para essas faltas, principalmente para exame vestibular. Esse limite, mais frequentemente, é de dois dias, mas existem acordos e convenções que limitam a seis faltas. Estágio e Aprendizes Nesse grupo de cláusulas a frequência de documentos que apresentam itens referentes ao trabalhador aprendiz é de 63,2%, enquanto 36,8% apresentam cláusulas relacionadas ao trabalho de estagiário. Referente aos estágios, há uma variedade de temas, mas a maioria procura limitar o uso desse recurso como forma de substituir mão de obra direta: limite de percentual do quadro de funcionário que pode ser preenchido com estagiários; período máximo de contrato de um trabalhador estagiário e proibição de preenchimento de vacância de vaga com estagiário. Os temas que procuram garantir benefícios para os estagiários são: a definição de salário e proibição de utilização de estagiário em determinadas ocupações que não representam ganho de qualificação, além de garantir a possibilidade de contratação ao final do contrato de estágio. Outro tema com frequência de destaque (23,8%) é a oportunidade de estágio para trabalhadores estudantes da empresa. 199 Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição Quanto aos trabalhadores na condição de aprendiz, 86% das cláusulas tratam da questão salarial. A Lei 10.097/2000 diz: “Ao menor aprendiz, salvo condição mais favorável, será garantido o salário mínimo hora”. (BRASIL. LEI Nº 10.097, 2013). O conteúdo desse tema nas convenções varia bastante, reafirmando o salário mínimo e considerando o piso da categoria, o menor piso da função e percentuais desses salários (50% no primeiro período do contrato e 75% no segundo período do contrato), entre outros. Convênio com instituições para o aprendizado, a não extensão de outros benefícios para os aprendizes e, ainda, a oportunidade de contração ao final do período de aprendizado são outros temas acordados. Jornada de Trabalho Esse tema é de grande relevância para os jovens, já que no Brasil a entrada no mercado de trabalho ainda é muito precoce, impondo aos jovens a difícil compatibilização entre estudo e trabalho. A maior frequência é de cláusulas que tratam da limitação ou proibição da prorrogação da jornada de trabalho para aqueles que estudam. Essa limitação ou proibição estende-se em alguns casos para a mudança de turnos de trabalho ou para a realização do banco de horas. O conteúdo dessa cláusula varia também quanto à obrigação da empresa em cumprir essa norma. Com frequências semelhantes pode ser condicional, ou seja, “dentro do possível”, “se não prejudicar a empresa”, ou expressar diretamente a proibição - “não poderá prorrogar”. Foram encontradas em dois documentos cláusulas que reduzem a jornada de trabalho do estudante em 30 minutos. Serviço Militar: Estabilidade Segundo a CLT, em seu artigo 472: O afastamento do empregado em virtude das exigências do serviço militar, ou de outro encargo público, não constituirá motivo para alteração ou rescisão do contrato de trabalho por parte do empregador. § 1º - Para que o empregado tenha direito a voltar a exercer o cargo do qual se afastou em virtude de exigências do serviço 200 Adriana Marcolino, Leandro Horie e Patrícia Pelatieri militar ou de encargo público, é indispensável que notifique o empregador dessa intenção, por telegrama ou carta registrada, dentro do prazo máximo de 30 (trinta) dias, contados da data em que se verificar a respectiva baixa ou a terminação do encargo a que estava obrigado. § 2º - Nos contratos por prazo determinado, o tempo de afastamento, se assim acordarem as partes interessadas, não será computado na contagem do prazo para a respectiva terminação. § 3º - Ocorrendo motivo relevante de interesse para a segurança nacional, poderá a autoridade competente solicitar o afastamento do empregado do serviço ou do local de trabalho, sem que se configure a suspensão do contrato de trabalho. (Incluído pelo Decreto-lei nº 3, de 27.1.1966) § 4º - O afastamento a que se refere o parágrafo anterior será solicitado pela autoridade competente diretamente ao empregador, em representação fundamentada com audiência da Procuradoria Regional do Trabalho, que providenciará desde logo a instauração do competente inquérito administrativo. (Incluído pelo Decreto-lei nº 3, de 27.1.1966) § 5º - Durante os primeiros 90 (noventa) dias desse afastamento, o empregado continuará percebendo sua remuneração. (Incluído pelo Decreto-lei nº 3, de 27.1.1966). (BRASIL. DECRETO-LEI Nº 5.452, 2013). A CLT garante a estabilidade dos jovens que foram incorporados ao serviço militar obrigatório, mas como não há menção sobre qual o período da estabilidade após o retorno ao trabalho, as cláusulas encontradas nos acordos e convenções coletivos de trabalho têm como conteúdo principal a definição do período no qual o trabalhador terá direito à estabilidade. O período de estabilidade pode variar entre 30 dias (53,2%) e 60 dias (31,9%). Os mais frequentes, no entanto, segundo documentos encontrados, são com estabilidade de 120 dias e 150 dias (apenas um documento em cada caso). A estabilidade de 30 dias é insuficiente para reintegrar o trabalhador jovem e tem um custo de demissão baixo. Prazos mais longos de estabilidade, ao contrário, reintegram o trabalhador ao processo, garantindo, assim, maior chance de manutenção do emprego. Outro ponto recorrente são os prazos para informar à empresa: (1) de que foi convocado para o serviço militar; (2) de que foi desligado do serviço militar 201 Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição e tem intenção de voltar ao emprego. No primeiro caso não há definição de prazo na lei, mas a maior frequência é de cláusulas que indicam 30 dias a partir do momento em que foi notificado. No segundo caso, apesar de garantir que em até 30 dias depois da baixa o jovem pode requerer sua volta ao emprego, é bastante frequente a repetição dessa norma nas cláusulas, sendo que em dois casos foi reduzido o período para 20 dias, à revelia da lei. Considerações Finais O mercado de trabalho brasileiro apresentou desempenho supreendentemente positivo no último período: redução das taxas de desemprego, crescimento da ocupação e da formalização dos vínculos de trabalho, melhoria nas remunerações, entre outros. No entanto, para a juventude, o mercado de trabalho é fortemente desestruturado e precarizado. É grande a dificuldade de encontrar um emprego, mas quando o jovem consegue é na maioria das vezes inadequado, informal, prejudicando a continuidade dos seus estudos, além de não promover uma qualificação e propiciar a passagem para a vida adulta de forma digna. Governos, empresários e trabalhadores têm apresentado como propostas de superação desse cenário ações a partir das seguintes diretrizes: Políticas econômicas e de emprego que reforcem a demanda agregada; Educação e formação que facilite a transição da escola para o trabalho e que enfrente a questão dos desajustes das competências de formação, seja escolar ou de qualificação profissional; Políticas orientadas para promover emprego decente para os jovens pobres; Fomento, apoio às iniciativas de empreendedorismo juvenil; Garantia dos direitos trabalhistas baseada nas normas internacionais do trabalho para todos os jovens, garantindo igualdade de condições. (OIT, 2013, p. 7). O Brasil tem um longo caminho pela frente, e o desenvolvimento de estratégias de inserção qualificada dos jovens no mercado de trabalho será o definidor do Brasil do futuro. 202 Adriana Marcolino, Leandro Horie e Patrícia Pelatieri REFERÊNCIAS BRASIL. Decreto-Lei nº 5.452, de 1 de maio de 1943. Aprova a Consolidação das Leis do Trabalho. Disponível em: <http://www.planalto. gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm>. Acesso em: 21 nov. 2013. BRASIL. Lei nº 10.097, de 19 de dezembro de 2000. Altera dispositivos da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1o de maio de 1943. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 20 dez. 2000. Disponível em: <http://www.planalto. gov.br/ccivil_03/leis/l10097.htm>. Acesso em: 21 nov. 2013. BRASIL. Lei nº 9.471, de 14 de julho de 1997. Acrescenta inciso ao art. 473 da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 15 jul. 1997. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9471.htm>. Acesso em: 21 nov. 2013. DIEESE. Mercado de trabalho metropolitano. [S.l.], 2012. ______. A ocupação dos jovens nos mercados de trabalho metropolitanos. [S.l.], [20--]. ______. Trajetórias da juventude nos mercados de trabalho metropolitanos: mudanças na inserção entre 1998 a 2007. São Paulo, 2008. OIT. Tendências mundiais do emprego juvenil 2012: resumo executivo. Genebra, 2012. ______. Tendencias mundiales del empleo juvenil 2013: una generación en peligro. Genebra, 2013. POCHAMANN, Marcio. Educação e trabalho: como desenvolver uma relação virtuosa?. Educação e Sociedade, Campinas, v. 25, n. 87, p. 383399, 2004. WAISELFISZ, Júlio Jacobo. Mapa da violência 2013: homicídios e juventude no Brasil. Rio de Janeiro: CEBELA, 2013. 203 DINÂMICAS RECENTES DO MERCADO DE TRABALHO JUVENIL NA REGIÃO NORDESTE Christiane Luci Bezerra Alves1 Evânio Mascarenhas Paulo2 Introdução A necessidade de afirmação da autonomia pessoal e financeira, a escolha de uma vocação e a própria afirmação da sua identidade cultural impõem aos jovens contemporâneos a necessidade de inserção no mercado de trabalho. Desse modo, a juventude, vista não apenas na percepção cronológica, mas também na dimensão psicossocial, corresponde a uma fase fundamental de um processo evolutivo no qual o indivíduo é chamado a fazer importantes ajustamentos pessoais. Há que se reconhecer que a organização socioeconômica brasileira, combinada a elementos cotidianos da vida juvenil, tem direcionado cada vez mais cedo os jovens para o mercado de trabalho, fato que gera preocupação, tendo em vista os possíveis rebatimentos sobre suas condições de saúde e de desempenho escolar. Os resultados são, na maioria das vezes, trabalho em caráter precoce, que antecipa a saída da escola, dificuldades na continuidade 1 2 Professora Adjunta do Departamento de Economia da Universidade Regional do Cariri (URCA). Mestre em Economia pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Aluna do Doutorado em Desenvolvimento e Meio Ambiente (DDMA) da Universidade Federal do Ceará (UFC). Mestrando em Economia Rural pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Especialista em Desenvolvimento Regional e Graduação em Economia pela Universidade Regional do Cariri (URCA). Bolsista de Mestrado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). 205 Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição dos estudos, e, quase sempre, interrupção completa do ciclo escolar, gerando possíveis comprometimentos de oportunidades futuras. Por outro lado, a transição para uma vida produtiva e remunerada demanda dos jovens investimentos na educação formal, na formação e qualificação profissional, prolongando a vida escolar e adiando o ingresso no mundo do trabalho. Provavelmente, essa formação tem influência no tipo de inserção profissional, que costuma ser mais vulnerável quando o ingresso acontece precocemente, como defende Gonzaga (2011). Assim, essas variadas distinções acerca da realidade dos jovens revelam importância e fôlego crescentes no tratamento de questões e desafios vinculados à juventude, tornando-se objeto de grande interesse no período recente, especialmente na sociedade brasileira. (BAHIA ANÁLISE & DADOS, 2011, p. 7). O aquecimento das discussões contribui para a formulação de uma agenda política específica para o equacionamento dos dilemas ligados às condições socioeconômicas e aos direitos dos jovens, particularmente nos anos 2000. O cenário que expõe a problemática da juventude e do mercado de trabalho passa pelo entendimento das transformações estruturais que experimenta o sistema capitalista dominante de fins do século XX. Nos anos 1970, explicita um conjunto de estrangulamentos estruturais que comprometem os padrões de crescimento da economia mundial, hegemônicos do pós-guerra (redução das taxas de lucro e crise no modo de acumulação dos países centrais, que apresentam queda nos níveis de produtividade e competitividade), forçando a adoção de novos modelos de organização da produção, baseados na acumulação flexível. Os reflexos são sentidos através da crise do trabalho, com a expansão do desemprego estrutural e com a precarização do emprego, com o aumento da subcontratação, da terceirização e de empregos temporários, além da significativa expansão da economia informal. Ao mesmo tempo, o contexto macroeconômico brasileiro dos anos 1990, com sobrevalorização da moeda, altas taxas de juros e fortes restrições ao 206 Christiane Luci Bezerra Alves e Evânio Mascarenhas Paulo crédito, combinado com as políticas de orientação neoliberal implementadas no período (desregulamentação da economia, privatizações, aberturas comercial e financeira), tem efeitos negativos sobre a geração de empregos formais. Esse contexto gera, também, dificuldades de inserção ocupacional da mão de obra no mercado de trabalho e contribui para a predominância do trabalho precário, a partir de baixos níveis de remuneração e alta rotatividade da mão de obra. Nas últimas décadas, o mercado de trabalho no Brasil tem passado por diversas transformações, muitas delas associadas ao sistema econômico e seus movimentos conjunturais, enquanto outras representam o aprofundamento de mudanças estruturais iniciadas por volta da década de 1970. Dessa maneira, o mercado de trabalho em geral apresenta, hoje, possibilidades menores de ascensão social ou mesmo de trabalho dignificante, se comparado com o período imediato ao pós-guerra (1950-1970). Consoante a isso [...] colocam que os empregos gerados, em sua maioria, têm duração curta, seguida por uma baixa remuneração, na medida em que a rápida transformação do mundo do trabalho torna, em pouco tempo, determinadas qualificações obsoletas. Isto conflita as perspectivas de muitos jovens na busca de oportunidades. (SANTOS; SANTOS, 2011, p. 30). Apesar de, nos anos 2000, vários elementos contribuírem para o aumento da formalização no mercado de trabalho nacional3, um conjunto de desafios parece se impor, tendo por conseguinte rebatimentos nas expectativas relativas ao trabalho da juventude. Esses desafios envolvem a necessidade de redução do desemprego, pela geração de empregos em quantidade compatível com o crescimento esperado da população em idade ativa e pela absorção da mão de obra potencial em ocupações menos vulneráveis e em atividades econômicas mais produtivas. [...] Outro desafio importante diz 3 Entre esses elementos podem ser destacadas as mudanças no regime cambial e o cenário econômico externo favorável às exportações e à entrada de capitais; o aumento do investimento e a expansão e diversificação do crédito interno; a política de valorização do salário mínimo; o aumento da fiscalização das relações de emprego pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE); a instituição do regime tributário simplificado para micro e pequena empresas – SIMPLES; a descentralização dos investimentos públicos, particularmente do gasto público social. (CHAHAD; POSSAMAI, 2007; CARDOSO JR, 2007). 207 Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição respeito à necessidade de incentivo ao aumento da participação na atividade econômica da quantidade máxima possível de pessoas aptas ao trabalho. Esse desafio, por sua vez, passa pela necessidade de se estimular a geração do emprego feminino, pela eliminação das múltiplas formas de discriminação no mercado de trabalho, pela regulação do trabalho do idoso e pela extinção do trabalho infantil. (DIEESE, 2012, p. 31-32). Vale ressaltar, ainda, que para a OIT (2009, p. 9) a superação de todas as formas de discriminação e a promoção de modalidades de crescimento que fomentem o desenvolvimento humano e gerem trabalho decente4 constituem requisitos determinantes para a redução da pobreza, a autonomia das mulheres, o fortalecimento da democracia e o cumprimento dos Objetivos do Desenvolvimento do Milênio. Nesse rol de prioridades, em busca da eliminação de distorções no mercado de trabalho, o emprego juvenil deve fazer parte das ações de políticas públicas seja qual for a esfera de planejamento governamental. Neste trabalho pretende-se resgatar a trajetória de construção de um campo de reflexão acerca da condição dos jovens nordestinos no mercado de trabalho, a partir do entendimento de um conjunto de indicadores. É importante que se tenha como referência a urgência de estudos que busquem o entendimento das especificidades de um mercado que sofre o impacto das próprias distorções estruturais que marcam a região Nordeste, cuja leitura histórica revela a grande assimetria na distribuição de renda e os indubitáveis problemas socioeconômicos. A segunda região mais populosa do País concentra o maior número de pessoas abaixo da linha de pobreza e extrema pobreza. Apesar de ser registrada, na primeira década dos anos 2000, expressiva redução dos indicadores de desigualdade e pobreza no Nordeste, assim como em outras regiões do País, reflexo, em grande parte, do aumento dos gastos sociais e do peso dos programas de transferência de renda para a região, é 4 A caracterização de trabalho decente pela OIT refere-se ao “trabalho produtivo com remuneração justa, segurança no local do trabalho e proteção social, melhores perspectivas para o desenvolvimento pessoal e social, liberdade para que manifestem suas preocupações, organizem-se e participem da tomada de decisões que afetam suas vidas, assim como a igualdade de oportunidades e de tratamento para mulheres e homens”. (OIT, 2007, p. 20). 208 Christiane Luci Bezerra Alves e Evânio Mascarenhas Paulo inquestionável a dificuldade de reverter uma situação econômica e social historicamente determinada. Além disso, também são históricas as assimetrias em padrões de desenvolvimento dentro da própria região, numa fragmentação espacial que reforça as chamadas “ilhas de prosperidade” regionais. Há ainda que se ressaltar como o Nordeste sente os impactos do desmantelamento das políticas de caráter regional no Brasil, fruto da crise fiscal experimentada pelo Estado brasileiro após os anos 1980, e como sua dinâmica econômica recente permanece atrelada a políticas de incentivos fiscais e atração de investimentos localizadas e que ainda não foram capazes de promover um desenvolvimento integrado e socialmente desejável na região. Esses padrões tendem, portanto, a ter efeitos não negligenciáveis na dinâmica do mercado de trabalho regional e no desafio de políticas públicas inclusivas, capazes de contribuir para a redução dos níveis de vulnerabilidade econômica e social de substancial parte da população nordestina, particularmente das parcelas que sofrem com as históricas formas de discriminação dentro do mercado de trabalho, como mulheres, jovens e negros. A busca de orientação na definição do grupo a ser classificado como juventude, neste trabalho, envolve algumas reflexões metodológicas. Pelo enfoque das Nações Unidas, que define juventude pela idade do indivíduo, jovem é a pessoa que se encontra na faixa etária compreendida entre 15 e 24 anos. Nesse sentido, ao se considerar o grande número de estudos presentes na literatura especializada que contempla tal caracterização, o estudo da juventude proposto neste trabalho compreende os indivíduos contidos nesse grupo etário. Para autores como Pochmann (2007), a juventude pode ser conceituada como uma forma de vida que se estende por muito mais tempo que a simples etapa de 15 a 24 anos, já que esta também não encontra relação com a definição de preparação para a vida adulta. Além disso, ainda para Pochmann (2004, p. 11), como o perfil demográfico nacional tem evoluído no que diz respeito à sensível elevação da expectativa de vida da população, também a ideia de transitoriedade que marca a vida juvenil merece ser reconsiderada: Atualmente, quando a expectativa média de vida se encontra ao redor dos 70 anos, aproximando-se rapidamente dos 100 anos de idade para as décadas vindouras, torna-se fundamental 209 Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição identificar que está em curso um alargamento da faixa etária circunscrita à juventude para algo entre 16 e 34 anos de idade. É importante notar, portanto, que não há uma definição clara e homogeneizadora acerca do conceito de juventude, sendo a mesma heterogênea e possuidora de um conjunto de singularidades. Ter presente essa complexidade, no entanto, é fundamental para evitar equívocos no uso desse conceito, principalmente quando se trata da formulação e da implantação de políticas públicas dirigidas a esse segmento da população. O contexto econômico, social, histórico e cultural é outro fator que afeta uma possível caracterização. A análise do mercado de trabalho neste ensaio tem por base os dados provenientes da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) -microdados, fornecidos em meios digitais - referentes aos anos de 2004 e 2009, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A amostra foi expandida utilizando como fator de expansão o peso relativo da pessoa, fornecido pela PNAD, que investiga diversas características socioeconômicas da sociedade, como educação, trabalho, rendimento, dentre outras, além de ser uma amostra dos domicílios brasileiros feita em todas as regiões do País, incluindo áreas rurais. Os Jovens e o Mercado de Trabalho: Breves Registros O ingresso no mercado de trabalho não se constitui tarefa fácil, seja para a juventude, seja para outros grupos etários mais amadurecidos. No entanto, dado o maior despreparo, a menor qualificação e a propensão a ocupar atividades consideradas de menor especialidade, a juventude se depara com obstáculos mais significantes no enfrentamento de dilemas associados à iniciação no mercado de trabalho, seja em economias desenvolvidas ou em desenvolvimento. No Brasil, as profundas transformações pelas quais vem passando a economia mostram-se, em geral, desfavoráveis à evolução do emprego da força de trabalho, atingindo particularmente os jovens. Nesse contexto, os jovens em idade legal de trabalhar tornam-se um dos segmentos mais frágeis na disputa por um posto de trabalho em meio ao elevado excedente de mão de obra e a perda de oportunidades ocupacionais em empregos regulares. (DIEESE, 2005, p. 2). 210 Christiane Luci Bezerra Alves e Evânio Mascarenhas Paulo A entrada precoce no mercado de trabalho é uma realidade constante da juventude brasileira, muito embora se verifiquem, recentemente, alterações nessa tendência. Os anos 2000, principalmente, são marcados pela acentuação e consolidação de processos de mudanças dentro do mundo juvenil que envolvem uma maior exclusividade e tempo de permanência na escola. Contribuíram, também, para esse processo, a afirmação de programas sociais, como o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI), e as mudanças estruturais, como o desenvolvimento das redes e a possibilidade de acesso ao ensino superior, com o aumento no número de instituições ou de vagas em âmbito federal, estadual ou privado, e o suporte financeiro através de programas de financiamento ou subsídios federais. Esses programas permitem aos jovens a continuidade dos seus ciclos de estudos e uma maior qualificação profissional, o que retarda a entrada de alguns no mercado de trabalho. Não obstante a consolidação desses novos fenômenos, a inserção precoce dos jovens nas atividades laborais pode representar, em muitos casos, a única possibilidade de afirmação social e familiar. As próprias mudanças observadas na organização da produção e do trabalho são acompanhadas pelo aumento das tensões entre trabalho e vida familiar, o que pode ter perversos reflexos no desenvolvimento humano. (OIT, 2009). No caso da iniciação profissional precoce, o conflito e a dificuldade de conciliação das novas atividades com a formação educacional quase sempre inibem o processo de qualificação, interferindo diretamente no macroprocesso de desenvolvimento educacional e cultural, comprometendo, inclusive, a inserção social da juventude. Essa dinâmica contribui para ampliar os mecanismos que alimentam a pobreza em regiões de vulnerabilidade social, pois conforme ressalta a OIT (2010, p. 10), um jovem que inicia sua trajetória laboral prematuramente, é quase certo que não conclui uma educação suficiente e, portanto, estará fadado a trabalhar em troca de uma baixa remuneração, em situação de desvantagem para prosperar e para dar a seus filhos melhores oportunidades do que as que teve. Quando o adiamento da entrada no mercado de trabalho está associado à permanência na escola, e não à falta de oportunidade de encontrar uma 211 Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição vaga, esse fato constitui o que o IPEA (2009 apud COSTA, 2010, p. 27) caracteriza como moratória social5, que correspondente: um crédito de tempo que permite ao jovem protelar as exigências sociais típicas da vida adulta, especialmente relativas ao casamento e ao trabalho, e possibilita-lhe um maior contato com experiências e experimentações que podem favorecer o seu pleno desenvolvimento, não apenas em termos de formação educacional e aquisição de treinamento e capacitação, mas também em termos de outras vivências típicas que fazem parte da sociabilidade juvenil. Costa (2010, p. 30) ainda chama a atenção que: os jovens menos preparados/escolarizados, leia-se os mais pobres, certamente enfrentarão dificuldades de inserção no mercado de trabalho ainda maiores, o que contribuirá para a manutenção da pobreza, violência, a presença juvenil em atividades ilegais e demais sequelas, o que ratifica a necessidade de políticas públicas cada vez mais eficazes e eficientes focadas nesse segmento. Além das exigências em termos de formação educacional, o acúmulo de experiências profissionais e pessoais também representa uma importante demanda dos empregadores nas ofertas de trabalho, em virtude da necessidade de redução dos investimentos em qualificação. Esse componente se constitui, portanto, numa barreira à entrada dos jovens no mercado de trabalho e, também, um grave paradoxo, na medida em que o mercado para efetivar a contratação de um profissional demanda um certo acúmulo de experiência na vaga ofertada. O jovem, na maioria dos casos, que está buscando o primeiro emprego tende a “nunca” estar apto à obtenção de uma vaga. Desta forma, “nunca” acumula a experiência. (SANTOS; SANTOS, 2011). Estratégias com o propósito de viabilizar a integração social e econômica dos jovens são pensadas e implementadas em diversos países como forma de 5 Aquino (2009), no resgate de contribuições que caracterizam a moratória social, retoma a noção de que o jovem, ao estar fora durante esse período do mercado de trabalho, permanece suspenso da vida social, construindo elementos da sua identidade social e profissional, de forma a construir um status acreditável, conforme assinala Galland (1996 apud AQUINO, 2009, p. 26). Ao mesmo tempo, “este processo também coloca os jovens em situação de alijamento dos processos de decisão e criação do social e, no limite, de marginalidade”. (AQUINO, 2009, p. 26). 212 Christiane Luci Bezerra Alves e Evânio Mascarenhas Paulo evitar a supressão e frustração do futuro desempenho socioeconômico desse grupo da população, marcado por fragilidades e incertezas que comprometem a sustentação da ordem social. Para o segmento juventude, as estratégias de políticas públicas enfrentam ainda o desafio das diferenciações e heterogeneidades que marcam o interior do segmento juvenil em aspectos como: escolaridade, renda familiar, acesso a um trabalho de qualidade, nível salarial, tempo de busca por trabalho, acesso à qualificação, dentre outros. (COSTA, 2010). Gomes (1990) identifica alguns obstáculos enfrentados pelos jovens ao buscar uma iniciação e/ou manutenção de postos de ocupação, a saber: i) dificuldades na colocação; ii) desorientação; iii) desajuste entre o preparo recebido e as exigências da atividade laboral; iv) falta de transparência do mercado; v) hesitações e alternativas errôneas por parte da escola; vi) más condições de trabalho; vii) sub-remuneração e excesso de horas de atividade; e viii) competição entre a escola e o trabalho. Parte dos especialistas tem chamado a atenção, ainda, para a perda da centralidade do trabalho na vida dos jovens, substituída em grande medida pela centralidade do consumo, que passa a ser mais relevante nas novas gerações em relação às precedentes, para as quais a vida inteira se estruturava em torno do trabalho. (RODRÍGUEZ, 2013, p. 105). O que de certo modo, não estabelecendo-se como prioridade imediata, constitui um obstáculo à relação juventude versus atividades laborais. Indicadores do Mercado de Trabalho Juvenil no Nordeste Os dados da Tabela 1 representam indicadores do mercado de trabalho geral e da juventude (considerando o recorte feito nesta pesquisa, com pessoas entre 15 e 24 anos de idade). Constata-se, de forma geral, que a condição do jovem no mercado de trabalho no Nordeste costuma ser mais precária em relação ao mercado de trabalho analisado em seu conjunto. Uma análise mais criteriosa do mercado de trabalho requer um exame das condições de oferta e demanda de mão de obra. Nesse sentido, a redução absoluta ocorrida entre 2004 e 2011 na participação dos jovens (menos 1.267.079 jovens na População Economicamente Ativa (PEA), e menos 949.692 na População em Idade Ativa (PIA) indica um processo de 213 Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição reestruturação da oferta de trabalho, explicado tanto pela dinâmica natural das populações, que num determinado estágio tende a reduzir o número de jovens, como por forças que atuam no próprio mercado de trabalho. Isso sugere que as forças econômicas, sociais e culturais estão atuando no sentido de restringir a “atratividade” que o mercado exerce sobre os jovens, em virtude de maior seletividade, piores condições de trabalho e remuneração em relação a outros grupos etários e, também, o próprio desejo dos jovens em buscar melhores condições de qualificação, retardando sua entrada no mercado de trabalho e induzindo a sua saída para ampliar suas bases de qualificação, a fim de se reinserir posteriormente em melhores condições. Desta forma, segundo Braga (2011, p. 51), “a taxa de participação dos jovens é influenciada pela dinâmica demográfica, associada à união de fatores econômicos, sociais e culturais da localidade”. Tabela 1 – Nordeste - Indicadores Selecionados do Mercado de Trabalho Geral e Juvenil – 2004, 2008 e 2011 Dimensão do Mercado de Trabalho Mercado de trabalho Geral 2004 2008 2011 Mercado de Trabalho Juvenil 2004 2008 2011 Idade Ativa 40.984.769 44.123.809 45.474.614 10.635.585 10.222.181 9.685.893 Economicamente Ativa 24.910.756 26.545.650 25.748.027 6.441.323 6.060.708 5.174.244 Economicamente Inativa 16.071.496 17.578.159 19.726.587 4.192.793 4.161.473 4.511.649 População Ocupada 22.680.224 24.549.260 23.726.508 5.334.504 5.117.569 4.281.836 População Desocupada 2.230.532 1.106.819 943.139 892.408 Indicadores do Mercado de Trabalho 1.996.390 2.021.519 Mercado de trabalho Geral Mercado de Trabalho Juvenil 2004 2008 2011 2004 2008 2011 Taxa de Participação 60,8% 60,2% 56,6% 60,6% 59,3% 53,4% Taxa de Ocupação 91,0% 92,5% 92,1% 82,8% 84,4% 82,8% Taxa de Desemprego 9,0% 7,5% 7,9% 17,2% 15,6% 17,2% Fonte: IBGE - PNAD (2004, 2008, 2011). 214 Christiane Luci Bezerra Alves e Evânio Mascarenhas Paulo Ainda de acordo com Braga (2011), a maior disponibilidade da força de trabalho dos adolescentes está condicionada, em grande medida, à decisão familiar diante de fatores como larga inserção nas faixas de pobreza ou impossibilidade de acesso ao sistema educacional e, ainda, à ineficiência do mesmo. Logo, o equacionamento ou suavização desses fatores implica uma reacomodação da estrutura etária da oferta de trabalho no mercado, no sentido de tornar mais escassa a força de trabalho juvenil, com a redução sucessiva da PEA, como reproduzido na realidade nordestina entre os anos de 2004 e 2011. (Tabela 1). É importante atentar que: A redução da participação no mercado de trabalho dos jovens entre 15 e 17 anos, a princípio, pode ser vista como um fator positivo. Um grande número de pesquisadores e gestores argumenta justamente que, nesta fase da vida, é fundamental postergar a entrada no mercado de trabalho para viabilizar, sobretudo, a permanência na escola e a conclusão do ensino médio com qualidade. (IPEA, 2009 apud COSTA, 2010, p. 5). Nesse contexto, a taxa de participação, equivalente à proporção entre a PEA e a PIA, que seria um indicativo da dimensão do mercado de trabalho (ou da oferta de trabalho), é, em geral, semelhante entre os mercados de trabalho juvenil e geral, no início da série de anos analisada. Todavia, percebese que a taxa de participação se reduz para ambos os grupos analisados ao longo da série, porém de forma mais intensa para os jovens, principalmente entre 2008 e 2011, o que corrobora a percepção de que os jovens constituem um grupo mais vulnerável a ajustes estruturais ou a rebatimentos conjunturais no mercado de trabalho. Nesse período, em particular, destaca-se o ajuste nas condições de emprego pós-crise econômica de 2008 e as consequentes acomodações nos anos que se seguem. Para Rodríguez (2013, p. 108), a crise econômica internacional desses últimos anos teve um importante impacto nas novas gerações, pois o “ajuste” foi levado a cabo com a expulsão do mercado de trabalho daqueles que tinham os contratos mais precários. Parte dos especialistas tem chamado a atenção, ainda, para certo obstáculo à relação juventude versus atividades laborais, enfatizando a perda da centralidade do trabalho que atinge de forma mais contundente a juventude. Por outro lado, a taxa de ocupação, que indica o comportamento da demanda de trabalho, no caso dos jovens, é bem menor do que no mercado 215 Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição de trabalho geral. Isso significa que há uma preferência relativa por mão de obra de outros grupos etários. A taxa de ocupação, embora mantenha um comportamento estável ao longo dos anos estudados, fornece avaliações importantes a respeito dos caminhos seguidos pelos jovens no mercado de trabalho. A análise dos seus componentes, em termos absolutos, mostra que considerando os anos de 2004 e 2011, cerca de 1.052.668 jovens deixaram de compor a população ocupada na região Nordeste, processo que se acentua nos anos recentes. Nesse sentido, a estabilidade da taxa de ocupação só é explicada pela redução, em proporções semelhantes, da população economicamente ativa. Observa-se que a redução na população em idade ativa é menor que a redução das populações economicamente ativas e ocupadas, o que nos leva a inferir que a dinâmica natural das populações explicaria apenas em parte o comportamento da taxa de participação. Dinâmicas no próprio mercado de trabalho constituemse forças indutoras desse processo, além de mudanças de postura da sociedade e dos próprios jovens em relação a objetivos mais prioritários. Esses elementos corroboram a noção de que no processo de recrutamento e seletividade da mão de obra muitos indivíduos na condição juvenil acabam sendo excluídos, restando-lhes possibilidades e formas mais precárias de iniciação na vida profissional. Sobre essa relação, Braga (2011, p. 51) destaca que: [...] do ponto de vista da empresa, os riscos inerentes à contratação do jovem, notadamente aqueles relacionados à falta de experiência profissional, comprometimento com o trabalho, capacidade de produção e de adaptação a rotinas, tornamse menores com a maior idade. De outro lado, as empresas estão cada vez menos dependentes de mão de obra e mais demandantes de maior capacitação e experiência profissional de jovens, que, muitas vezes, estão em busca de sua primeira experiência de emprego. Análises do Centro de Referência Ruth Cardoso (2011, p. 2) afirmam que “a oferta de educação profissional aos jovens não tem levado em conta a demanda real ou potencial da estrutura produtiva, avaliada tanto do ponto de vista qualitativo (quais são as qualificações efetivamente demandadas), quanto quantitativo”. 216 Christiane Luci Bezerra Alves e Evânio Mascarenhas Paulo Há que se notar, nesse sentido as transformações recentes na estrutura de produção e, portanto, na estrutura de demanda por mão de obra, passam a condicionar e influenciar as modificações nas condições de oferta e demanda de trabalho. Esse processo sugere que são os interesses do capital que prevalecem sobre as condições de acessibilidade dos jovens na vida profissional de forma digna que determinam as condições e os ciclos de qualificação e educação, que por vez são interrompidos pelas forças do mercado. A existência de um “reservatório” de mão de obra semiqualificada e as pressões por inovações tecnológicas no processo produtivo permitem a manutenção de fortes exigências no recrutamento de indivíduos no mercado de trabalho. Dessa forma, os jovens não detentores de habilidades e qualificações importantes para o mercado de trabalho tendem a ficar subocupados em postos precários ou se manter fora do mercado de trabalho, ampliando seu aprendizado para pressioná-lo, num segundo momento, quando suas chances de acesso são maiores e suas condições de entrada sejam melhores. Ainda sobre a taxa de ocupação, registra-se um leve aumento, com uma variação de 1,93% para a juventude entre 2004 e 2008. No entanto, em termos absolutos tem-se uma redução de 216.935 jovens na população ocupada, o que contrasta com o aumento de 1.869.036 para o conjunto do mercado de trabalho. Logo, quando se considera um ambiente de crescimento econômico, mesmo moderado, a juventude não se beneficia dos bônus induzidos pelo maior nível de atividade no mesmo ritmo e intensidade ocorridos para o mercado de trabalho geral. Merece destaque a redução da participação dos jovens na composição da População em Idade Ativa (taxa de participação), no período de 2004 a 2011, cuja variação corresponde a -11,88%, ou seja, de 60,6% para 53,4%, refletindo as tendências demográficas atuais de envelhecimento da população brasileira. Outro notável dilema da juventude é o desemprego. Os estudos realizados na maioria dos países da América Latina apontam para o fato de que “a metade dos desempregados e subempregados da região são jovens, apesar de estes representarem apenas um quinto da População Economicamente 217 Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição Ativa (PEA)”.(RODRÍGUEZ, 2013, p. 106). Essa realidade se reproduz no mercado de trabalho brasileiro e também nordestino. Observa-se que a taxa de desemprego entre os jovens do Nordeste é expressivamente superior à registrada nos outros segmentos da população em qualquer dos anos analisados, sendo essa diferença mais intensa no ano de 2011 (17,2% para os jovens e 7,9% para o mercado geral). Sobre a dinâmica do desemprego nos anos analisados, cabe destacar que entre 2004 e 2008 constata-se uma redução considerável da taxa em ambos os mercados, mas os caminhos que condicionam essa redução são diferentes. Isso porque a redução do desemprego no mercado de trabalho em seu conjunto (-12,22%, do ano de 2011, em relação ao de 2004) se dá por meio do maior crescimento da população ocupada em relação ao crescimento da população economicamente ativa, contribuindo, dessa forma, para a redução do desemprego através do desempenho bastante positivo das ocupações totais. No caso do mercado de trabalho juvenil, apesar do crescimento da taxa de ocupação entre 2004 e 2008, isso não reflete o desemprenho positivo do mercado de trabalho ou de suas ocupações, já que população ocupada e PEA se reduzem, numa intensidade maior da segunda em relação à primeira, resultando numa ampliação da relação. É imperativo observar que a queda no desemprego (-9,3%), todavia, é explicada por uma redução na população desocupada (-14,8%) superior à redução na PEA (-5,9%) que, como visto, está associada ao processo de saída dos jovens do mercado de trabalho. Apesar da estabilidade nas taxas de desemprego entre os jovens, considerando os anos de 2004 a 2011, as pessoas desse grupo etário representam cerca 44,1% da massa de desempregados na região Nordeste em 2011. Esses dados indicam a permanência do “hiato de desemprego” entre jovens e não jovens no Nordeste. Em 2011, a participação de jovens no total da população ocupada era de apenas 18%, enquanto os não jovens ocupavam uma parcela bem mais expressiva, de 82%. A Tabela 2 apresenta os números de ocupados segundo a categoria ocupacional na população ocupada e sua trajetória entre 2004 e 2011, tanto para o mercado de trabalho geral quanto juvenil. A análise dos dados mostra o aumento de 49,8% para 62,9% no grau de assalariamento da força jovem 218 Christiane Luci Bezerra Alves e Evânio Mascarenhas Paulo de trabalho, performance superior à expansão da taxa de assalariamento no mercado de trabalho geral. Além disso, verifica-se o aumento de 26,3% no emprego com carteira assinada no mercado de trabalho juvenil. Os dados do parágrafo anterior ressaltam que o trabalho juvenil segue a mesma tendência de formalização verificada no mercado de trabalho brasileiro nos últimos anos, reflexo, entre outros determinantes, das melhores condições de estabilidade macroeconômica e também do maior rigor das regulamentações e fiscalizações dos contratos de trabalho no Brasil. Nota-se que, embora no ano de 2011 cerca de 62,9% do mercado de trabalho de jovens fosse assalariado, correspondendo a 2.692.610 trabalhadores (percentual que para o mercado de trabalho em seu conjunto era de 51,6%), 52,9% das relações assalariadas naquele mercado eram informais (1.423.447 trabalhadores), enquanto para o conjunto do mercado de trabalho esse número era de apenas 38,2% (4.672.608 indivíduos). Logo, um patamar considerável dos jovens é ocupante de postos de trabalho com vínculos precários, baixos rendimentos e menor produtividade, características já conhecidas do mercado de trabalho informal. O setor informal caracteriza-se, principalmente, pela inexistência de registro em carteira e de garantias ao trabalhador que nele atua. Desse modo, a presença dos jovens nesse segmento evidencia indícios de uma forte vulnerabilidade econômica e social. De forma geral, considerando o nível de ocupação do mercado de trabalho, o período em análise mostra o mercado geral praticamente estagnado, com crescimento anual de 0,65%, e o emprego juvenil com uma performance ainda mais preocupante, ao apresentar uma taxa de crescimento negativa entre 2004 e 2011 (- 4,06% a.a.). Um elemento positivo reside no fato de que os empregos para os jovens foram, em sua maioria, formais (crescimento de 41,5%, considerando as categorias carteira assinada, militares e funcionalismo público); por outro lado, houve uma redução de -32,4% nas ocupações informais. A saída dos jovens do mercado de trabalho parece ser um fenômeno consolidado. Pontua-se, nesse processo, que tal saída se dá nos mercados em que as condições são mais precárias. As evidências apontam para um caminho nesse sentido, pois são notadas reduções expressivas no número 219 220 1.445.542 210.863 1.234.679 6.217.273 646.834 1.459.416 Emprego Doméstico Com carteira assinada Sem carteira assinada Conta própria Empregador Produção para o próprio consumo 2.848.954 Fonte: IBGE – PNAD (2004, 2008, 2011). Não remunerado 20.606 4.786.419 Sem carteira assinada Construção para o próprio uso 1.333.655 Funcionário público 35.854 3.885.671 Com carteira assinada Militar 10.041.599 2004 Empregado Assalariado Posição na Ocupação 2.026.232 27.572 2.120.646 820.220 6.094.858 1.383.166 229.073 1.612.239 5.183.737 1.501.434 30.728 5.131.594 11.847.493 2008 2011 1.270.915 21.454 2.147.151 602.754 5.907.680 1.282.264 255.010 1.537.274 4.672.608 1.674.297 31.572 5.860.803 12.239.280 Mercado de Trabalho Geral 1.252.262 6.257 234.419 28.045 701.608 425.603 27.438 453.041 1.774.615 62.226 17.376 804.655 2.658.872 2004 728.362 4.790 339.297 29.232 657.585 400.873 24.266 425.139 1.822.689 59.540 14.135 1.036.800 2.933.164 2008 2011 436.912 6.290 316.061 22.265 503.071 284.050 20.577 304.627 1.423.447 76.804 14.262 1.178.097 2.692.610 Mercado de Trabalho Juvenil Tabela 2 – Nordeste - Número de Trabalhadores por Posição na Ocupação para o Mercado de Trabalho Geral e Juvenil Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição Christiane Luci Bezerra Alves e Evânio Mascarenhas Paulo de jovens em postos de trabalho não remunerado (-815.350 pessoas), no trabalho doméstico (-432.464 pessoas, principalmente no trabalho doméstico sem carteira), e por conta própria (-198.537 pessoas). Particularmente no que se refere ao trabalho juvenil por conta própria ou à categoria empregador, a OIT (2007) chama a atenção para o fato de a relação jovem-empreendedorismo ser na maioria das vezes uma resposta defensiva à falta de emprego e à necessidade de gerar renda, e não por ser detectada uma oportunidade empresarial. O resultado disso é uma alta taxa de mortalidade de pequenas empresas e a desistência de outras formas de trabalho por conta própria, fatores largamente influenciados, ainda, pela política macroeconômica de juros particularmente elevados e por distorções estruturais, como a carga tributária onerosa, principalmente quando comparada a outras experiências de países em desenvolvimento. Observa-se que os elementos responsáveis pela iniciação laboral dos jovens estão atravessando um processo de mudanças. A necessidade de complementar a renda familiar aos poucos cede lugar para novas forças impulsionadoras, como a satisfação de suas necessidades de consumo, a busca de construção da sua própria identidade e, sobretudo, a afirmação de sua autonomia. (WELTERS, 2011). Os novos fenômenos sociais e econômicos refletem-se, portanto, nas demandas da juventude em relação ao mercado de trabalho, modificando sua postura em relação às suas necessidades em termos de qualificação e condicionando muitas decisões dos jovens, entre elas a iniciação profissional. No entanto, assiste-se a uma supressão de oportunidades em termos de inserção e afirmação com qualidade no mercado de trabalho, induzidas juntamente pelo processo de desestruturação ao qual foi submetido esse mercado nas últimas décadas, em especial nos anos de 1990. O crescimento do desemprego, a diminuição dos empregos assalariados no total da ocupação e o incremento nas ocupações precárias, sem carteira assinada, por conta própria e sem remuneração geraram essa desestruturação. Desse modo, as mudanças nas demandas dos jovens ocorreram simultaneamente ao processo de desestruturação do mercado de trabalho, conforme evidenciado anteriormente. O resultado dessa combinação envolve 221 Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição indícios de precarização das relações de trabalho juvenil que potencializa os dilemas enfrentados pela juventude. O cenário econômico mais favorável dos anos 2000 não promoveu alterações estruturais nas condições com as quais os jovens se depararam na busca de oportunidades no quadro laboral, seja em escala nacional ou regional. Outro elemento notadamente destacado é o aumento da seletividade no recrutamento de mão de obra, fator especialmente desfavorável aos jovens, que, devido ao seu menor nível de qualificação, são excluídos das formas de contratação mais sofisticadas, sobrando-lhes postos de trabalho que exigem menor qualificação, porém com condições de contratação mais precárias. Logo, o desajuste entre a formação recebida e as exigências da atividade laboral constituem-se os principais entraves à inserção e manutenção dos jovens no mercado de trabalho. A observação dos indicadores de rendimentos (Tabela 3) ajuda a entender as condições enfrentadas pelos jovens e pelos demais grupos etários no cenário de inserção e permanência no mundo do trabalho. A discrepância entre o rendimento juvenil e dos demais grupos mostra que a realidade da mão de obra dos trabalhadores na faixa etária de 15 a 24 anos é largamente mais precária. A lógica desses números responde aos critérios de recrutamento da mão de obra para postos de maior remuneração, que devido ao grau de seletividade excluem os jovens, dado que a experiência e a qualificação destes não são suficientes. Desse modo, a inserção profissional dos jovens se dá em ocupações de menor grau de exigibilidade, porém mais precárias e de menor remuneração. A demanda do mercado de trabalho por maior educação acaba por agir como um mecanismo de exclusão para aqueles que não contam com ela. Em outras palavras, uma vez que o mercado tem requerido a finalização do ensino médio como pré requisito mínimo para acesso e permanência no mercado de trabalho, uma parte relevante dos jovens metropolitanos persiste nos estudos, a despeito das dificuldades de conciliação de escola e trabalho e dos resultados incertos relacionados à formação. (DIEESE, 2008, p. 46). Nota-se, inicialmente, que os níveis de rendimento médio dos jovens (R$ 425,93) são bastante inferiores ao conjunto do mercado de trabalho (R$ 222 223 R$ 544,06 R$1.253,59 R$ 917,62 R$ 277,99 R$ 159,80 R$ 286,76 R$ 138,10 R$ 289,12 R$1.539,01 R$ 340,00 Com carteira assinada Militar Funcionário público Sem Carteira assinada Emprego Doméstico Com carteira assinada Sem Carteira assinada Conta própria Empregador TOTAL Fonte: IBGE - PNAD (2004, 2008, 2011). R$469,15 2004 R$ 535,58 R$2.155,39 R$ 431,98 R$ 212,21 R$ 446,62 R$ 245,54 R$ 413,26 R$1.426,87 R$1.963,38 R$ 786,82 R$707,94 2008 2011 R$ 738,51 R$3.144.75 R$ 655.13 R$ 284.86 R$ 593.59 R$ 336,27 R$ 569.04 R$1.780.33 R$2.487.92 R$ 966.02 R$ 929,26 Mercado de Trabalho Geral Empregado Assalariado Posição na Ocupação R$166,68 R$969,79 R$186,84 R$113,79 R$278,94 R$123,81 R$193,50 R$430,09 R$507,42 R$370,22 R$254,48 2004 R$ 286,93 R$1.251,30 R$ 287,94 R$ 159,28 R$ 428,66 R$ 174,67 R$ 300,68 R$ 705,95 R$ 623,65 R$ 552,13 R$ 399,44 2008 R$ 425,93 R$2.554,97 R$ 409,34 R$ 222,46 R$ 547,40 R$ 244,51 R$ 411,00 R$ 907,28 R$1.169,95 R$700,02 R$ 555,79 2011 Mercado de Trabalho Juvenil Tabela 3 – Nordeste - Distribuição dos Rendimentos por Posição na Ocupação – 2004, 2008 e 2011 Christiane Luci Bezerra Alves e Evânio Mascarenhas Paulo Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição 738,51). A remuneração média das ocupações assalariadas para os jovens, categoria de ocupação que representa cerca de 60% do mercado de trabalho juvenil, ficava, em 2011, em torno de R$ 555,79. Entre as subcategorias, a que apresenta o maior nível de rendimento é a de empregador (R$ 2.554,97), seguido pelo funcionalismo público (R$ 1.169,95) e pela carreira militar (R$ 1.015,85). Um destaque deve ser dado à discrepância no rendimento médio dos jovens entre ocupações formais e informais (R$ 831,16 e R$ 260,70, respectivamente),6 que ressalta a heterogeneidade de rendimento mesmo dentro do segmento de trabalho juvenil, justificando a necessidade de políticas públicas específicas que garantam a inserção de um número maior de jovens no mercado formal de trabalho. Na análise comparada entre os dois mercados verifica-se que há divergência entre os níveis de rendimento em favor do mercado de trabalho geral, em todas as categorias e subcategorias apresentadas. Esses dados sinalizam que o valor atribuído ao trabalho juvenil, seja pela menor experiência, seja pelas fases de carreira de cada categoria, costuma ser bem inferior ao atribuído aos profissionais de outros grupos etários. Pontua-se, de forma geral, que as condições laborais da juventude no Nordeste costumam ser mais precarizadas do que as condições dos demais grupos etários economicamente ativos, o que mostra que as relações de poder dentro do mercado de trabalho impõem à juventude processos, condições e formas menos dignas de trabalho. A esse respeito Santos e Santos (2011, p. 453) enfatizam: Diante de uma sociedade produtora de discursos que carregam sentidos estereotipados e preconceituosos, importa observar que alguns desses discursos se manifestam em prol dos jovens, que não estão imunes às disputas pelo controle e subversão das relações de poder, especialmente quando são pensados modelos e estratégias que conduzam à fixação de sentido desta mesma juventude. Ainda segundo os dados da Tabela 3, registra-se uma maior resistência na saída dos jovens em algumas categorias, como produção e construção para o próprio consumo e uso. Entre 2004 e 2008 houve um crescimento 6 Não se consideram os rendimentos dos empregadores, que apresentam relações distintas das demais categorias de emprego informal aqui analisadas. 224 Christiane Luci Bezerra Alves e Evânio Mascarenhas Paulo considerável do número de jovens em atividades empregadoras, muito embora essa categoria tenha apresentado uma redução, entre 2008 e 2011, que pode estar associada ao reflexo de um período de ajuste pós-crise. Isso pode sinalizar uma reação dos jovens ao rigor do processo de seleção no mercado de trabalho. Contudo, essa categoria ocupacional só representa 0,5% da força de trabalho juvenil e se apresenta possuindo o maior nível de rendimento (R$ 2.554,97), o que coloca o empreendedorismo como um instrumento de desenvolvimento e melhoria da condição dos jovens no mundo do trabalho. O Gráfico 1 relaciona os jovens segundo a situação de atividade e estudo. A proporção de jovens que trabalham e estudam diminuiu significativamente (19,0% para 13,8%, entre 2004 e 2011). Em contrapartida, aumentou o número de jovens ociosos que não estudam nem trabalham (21,% em 2004, e 23,3% em 2011). Essa categoria representa uma participação considerável no total da juventude do Nordeste e sinaliza o elevado grau de ociosidade da mão de obra juvenil, que, em parte, é explicada pela seletividade do mercado de trabalho e por deficiências no sistema educacional, ao impedir que os jovens que concluem seus ciclos regulares de estudos ingressem no mercado laboral e/ou continuem seus estudos nos ciclos superiores. Além disso, a precariedade e/ou ineficiência de políticas públicas que preparem o jovem para o primeiro emprego ajuda a perpetuar essa estrutura. 21,0 21,9 23,3 30,3 30,0 33,7 29,7 31,3 19,0 16,8 13,8 2004 2008 2011 Não trabalha e nem estuda Não trabalha e estuda 29,2 Trabalha e não estuda Trabalha e estuda Gráfico 1 - Nordeste - Jovens segundo a Condição de Atividade e Estudo Fonte: IBGE - PNAD (2004, 2008, 2011). 225 Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição O fato de esses jovens enfrentarem dificuldades de inserção no mercado de trabalho e permanecerem à margem do sistema de ensino constitui fator de grande preocupação quando se leva em conta as oportunidades futuras, já que “o itinerário de trabalho não deve começar com um emprego ou um trabalho, mas com a educação, a formação ou a acumulação de experiência produtiva, primeiras etapas de uma trajetória de trabalho positiva”. (OIT, 2007, p. 21). Em relação àqueles que só trabalham e não estudam, houve uma pequena redução de 29,7%, em 2004, para 29.2%, em 2011. No entanto, essa categoria representa a segunda maior participação no total de jovens da região Nordeste. A maior é representada pelos jovens que apenas estudam (33,7%), grupo que teve um aumento considerável nos últimos anos, num indicativo de nova postura da juventude em relação ao ambiente escolar e ao mercado de trabalho, sendo, por sua vez, atribuída importância maior ao primeiro em detrimento do segundo. Considerações Finais Observa-se que os principais indicadores levantados neste artigo ressaltam o caráter precário da condição juvenil no mercado de trabalho. Indicadores como o rendimento médio corroboram essa afirmação, no sentido de que todos os segmentos de categorias apresentados mostraram níveis de remuneração significativamente inferiores para a juventude, quando comparados ao mercado de trabalho geral. Nota-se, também, o aumento da seletividade no recrutamento de mão de obra, que impõe aos jovens do Nordeste condições precárias de ocupação. Desse modo, e dadas as dinâmicas naturais da população na região, assiste-se a um processo de perda de participação da juventude no mercado de trabalho que vem se acentuando nos últimos anos, o que torna as expectativas em relação aos jovens ainda mais incertas. A pesquisa aponta também que tradicionais dilemas da juventude, como o desemprego, ainda são bem presentes, sendo os jovens nordestinos a ampla maioria da massa de desempregados na região. Acerca dos jovens e sua entrada no mercado trabalho, ressalta-se que além da necessidade de complementar a renda familiar, novas forças impulsionadoras parecem estar ganhando peso no condicionamento das decisões da juventude, como a satisfação de necessidades de consumo, a busca 226 Christiane Luci Bezerra Alves e Evânio Mascarenhas Paulo de construção da própria identidade e, sobretudo, a busca pela afirmação de sua autonomia. Essas implicações demonstram a centralidade dessa temática para as questões ligadas às políticas sociais e econômicas do País através de duas importantes constatações: i) o grande número de jovens desocupados; e ii) um igualmente grande número de jovens que trabalham, mas o fazem, em geral, em condições precárias e informais. A constatação desse cenário conduz a um conjunto de reflexões. Qualquer sociedade que almeje mudanças no seu nível de desenvolvimento, na perspectiva de incorporar padrões de desenvolvimento humano e sustentável, deve criar perspectivas para que seus jovens “tenham o máximo de opções e a maior liberdade possível para se realizarem como pessoas, através de uma melhor inserção no mercado de trabalho”. (OIT, 2007, p. 11). Particularmente quando se trata de regiões como a nordestina, onde são históricos os níveis de desigualdade e exclusão social, pobreza, desemprego e carência de mão de obra qualificada, significa não apenas a existência de novas oportunidades, mas também a garantia de condições para que os jovens tenham capacidade de aproveitar as oportunidades, melhorando, por conseguinte, seu acesso ao mundo do trabalho. “A forma como se dão as primeiras inserções no mercado de trabalho é essencial não só para definir as expectativas de trabalho dos jovens, mas também suas perspectivas de empregabilidade no futuro”. (OIT, 2007, p. 16). Além disso, é imprescindível a preocupação com a qualidade das oportunidades geradas e, na perspectiva do desenvolvimento humano, a vigilância para que não continuem a ser reproduzidos, no interior desse segmento, os padrões recorrentes de discriminação por gênero, raça ou segmento social, típicos da formação e reprodução do mercado de trabalho brasileiro. Nesse sentido, as ações de políticas que visem ao melhoramento do acesso da juventude ao mundo do trabalho devem empreender um desafio não apenas do ponto de vista da magnitude, mas também das especificidades colocadas pelos diversos coletivos de jovens, em suas heterogeneidades e particularidades, a fim de que qualquer iniciativa institucional sintonize oferta de políticas e demandas juvenis. Particularmente, considerando as demandas características de dois grupos, em especial: os jovens que atuam em atividades 227 Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição informais e, por conseguinte, podem comprometer suas perspectivas futuras não apenas relacionadas ao mundo do trabalho, mas também à própria identidade e inserção social; e os jovens que não estudam nem trabalham, portanto mais vulneráveis e expostos aos riscos das crescentes sequelas sociais, as quais muitas vezes se vinculam a formas ilegais de subsistência7. Os programas e políticas executados na região devem considerar, portanto, “as evidentes consequências da exclusão social e do mercado de trabalho das novas gerações no exercício da cidadania e no crescimento da insegurança pública”. (RODRÍGUEZ, 2013, p. 105). Dessa forma, devem combinar aspectos da qualificação profissional, mas também da formação social, de maneira a permitir o exercício da formação cidadã e o protagonismo social, como meio de alcançar, dentro desse segmento, parcelas crescentes de jovens desfavorecidos, cujas condições sociais se mostram ainda mais precárias. Dessa forma se contribui para diminuir a situação de vulnerabilidade a que estão expostos, como violência, drogas, criminalidade e tantas outras sequelas socais que marcam e estereotipam a juventude. REFERÊNCIAS AQUINO, Luseni Maria C. de. A juventude como foco das políticas públicas. In: CASTRO, Jorge Abrahão de; AQUINO, Luseni Maria C. de; ANDRADE, Carla Coelho de (Org.). Juventude e políticas sociais no Brasil. Brasília, DF: IPEA, 2009. BAHIA ANÁLISE & DADOS. Juventude: mercado de trabalho e políticas públicas. Salvador: SEI, v. 21, n. 1, jan./mar. 2011. BRAGA,Thaiz. Inserção dos jovens nos mercados de trabalho metropolitanos: uma década de desigualdades entre os grupos etários. Bahia Análise & Dados, Salvador, v. 21, n. 1, p. 43-62, jan./mar. 2011. 7 Afinal, como destaca Saraví (2009 apud RODRÍGUEZ, 2013, p. 113), as opções para os jovens mais desfavorecidos não se esgotam dentro do mercado de trabalho; assim como o trabalho aparecia inicialmente como uma alternativa à falta de sentido da escola, agora surgem alternativas a falta de sentido do trabalho: a migração, a evasão, a criminalidade – todas elas formas de uma situação comum de exclusão. 228 Christiane Luci Bezerra Alves e Evânio Mascarenhas Paulo CARDOSO JR, José Celso. As fontes de recuperação do emprego formal no Brasil e as condições para a sua sustentabilidade temporal. In: ENCONTRO NACIONAL DA ABET: BALANÇO E PERSPECTIVA DO TRABALHO NO BRASIL, 10., 2007, Salvador. Anais... Salvador: ABET, 2007. CENTRO DE REFERÊNCIA RUTH CARDOSO. Juventude e mercado de trabalho. São Paulo, 2011. 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Rio de Janeiro, 2008. ______. ______. Rio de Janeiro, 2011. IPEA. PNAD 2008: primeiras análises: juventude: desigualdade racial. Rio de Janeiro, 2009. Não paginado. (Comunicado da Presidência, n. 36). 229 Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição OIT. Educação e trabalho: como desenvolver uma relação virtuosa? Educação e Sociedade, Campinas, v. 25, n. 87, p. 383-399, maio/ago. 2004. ______. Trabalho decente e juventude na América Latina: avanços e propostas. Lima, 2010. ______. Trabalho decente e juventude: América Latina: resumo executivo. Brasília, DF, 2007. ______. Trabalho e família: rumo a novas formas de conciliação com responsabilidade social. Brasília, DF, 2009. POCHMANN, Marcio. A batalha pelo primeiro emprego: as perspectivas e a situação atual do jovem no mercado de trabalho. São Paulo: Publisher Brasil, 2007. ______. Educação e trabalho: como desenvolver uma relação virtuosa?. Educação e Sociedade, Campinas, v. 25, n. 87, p. 383-399, maio/ago. 2004. 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As implicações concretas desses processos para a educação e o trabalho são perceptíveis quando se observa que, com o intuito de cumprirem acordos internacionais, os Estados nacionais afirmam a necessidade de redução dos gastos públicos, principalmente no âmbito das políticas sociais conquistadas 1 Profa. Dra. do Curso de Graduação em Serviço Social, do Mestrado Acadêmico em Serviço 2 3 Social e do Mestrado Profissional em Planejamento e Políticas Públicas da Universidade Estadual do Ceará. Doutora em Ciências Sociais, Mestre em Educação e Assistente Social na Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis da Universidade Federal do Ceará. Analista de Mercado de Trabalho do Instituto de Desenvolvimento do Trabalho (IDT). 233 Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição ao longo do século XX. Ao passo em que estes vivem uma de suas maiores crises estruturais, a crise do emprego, que tem favorecido a ampliação do quadro de desigualdade social, desemprego e precarização do trabalho, gera uma massa de excluídos. Os dados apresentados pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) mensuram essa dramática realidade mundial quando indicam que em 2009, cerca de 630 milhões de trabalhadores – ou seja, 20,7% de toda a população ativa – vivia com a sua família com apenas 1,25 dólares por dia – mais 40 milhões de trabalhadores pobres e mais 1,6 pontos percentuais do que as projeções baseadas nas tendências registadas antes da crise. (CENTRO REGIONAL DE INFORMAÇÃO..., 2011). Em termos de emprego para a juventude no mundo, a OIT destaca: O número de jovens desempregados no mundo inteiro em 2010 era de 78 milhões, situando-se muito acima do nível anterior à crise – 73,5 milhões em 2007 [...]. O desemprego no grupo etário dos 15 aos 24 anos era de 12,6% em 2010, ou seja, 2,6 vezes superior à taxa de desemprego dos adultos”. (CENTRO REGIONAL DE INFORMAÇÃO..., 2011). Afirma ainda: “A fraca recuperação do trabalho digno confirma a incapacidade persistente da economia mundial para garantir a todos os jovens um futuro. Isto prejudica as famílias, a coesão social e a credibilidade das políticas.” (CENTRO REGIONAL DE INFORMAÇÃO..., 2011). Refletindo sobre a realidade do jovem na sociedade brasileira, Gonzales (2009) destaca que para analisar o momento de inserção dos jovens no mercado de trabalho deve-se considerar a heterogeneidade de experiências de escolarização e trabalho vividas pelos jovens no Brasil, considerando, entre outros aspectos, a desigualdade de acesso à educação e a tradicional divisão sexual do trabalho em nosso País. É a partir do conhecimento das diversas dimensões que caracterizam o jovem na sociedade contemporânea que organismos internacionais e Estados nacionais empreendem esforços no sentido de implementar ações que contribuam para a promoção da qualidade de vida e do trabalho da juventude. Implica considerar, dentre outros aspectos, um entendimento sobre o que é 234 Francisca Rejane Bezerra Andrade, Geórgia Patrícia Guimarães dos Santos e Júnior Macambira a juventude; as questões que permeiam o mundo do trabalho na atualidade; a atuação dos órgãos públicos voltados para a inserção segura dos jovens nos diversos espaços da vida social; e a qualidade e as estratégias de avaliação dos serviços sociais destinados a essa clientela. Juventude Empreendedora: Uma Experiência de Política Pública Voltada às Juventudes no Estado do Ceará O Programa Juventude Empreendedora (JUVEMP) é uma iniciativa do Governo do Estado do Ceará, para favorecer o desenvolvimento dos valores de responsabilidade social e da cultura empreendedora na formação de jovens em situação de maior fragilidade social e econômica, na faixa etária de 17 a 24 anos, visando à sua integração na comunidade, na sociedade e no mercado de trabalho. Importa destacar que o Programa JUVEMP é coordenado pela Secretaria do Trabalho e Desenvolvimento Social do Estado do Ceará e executado pelo Instituto de Desenvolvimento do Trabalho (IDT). O referido Programa, desde a sua criação, em 2006, até 2010, contemplou 36 municípios, totalizando 1.800 jovens. Em sua primeira versão (2007), participaram 400 jovens; em 2008, 500 jovens foram contemplados pelo Programa; em 2009, 450 jovens e, em 2010, 450 jovens. Baseado num processo de aprendizagem teórico-vivencial, torna o educando, num contexto de trabalho em grupo, apto ao exercício de suas competências e habilidades, bem como a aplicar conhecimentos multidisciplinares assimilados. O Programa JUVEMP apresenta uma concepção metodológica fundamentada no desenvolvimento social, profissional e pessoal do jovem a partir da conscientização de suas possibilidades em ações coletivas organizadas. Considerando a relevância do referido Programa para os jovens que se encontram em situação de vulnerabilidade social, no Ceará, ao buscar minimizar as possíveis lacunas na formação básica destes, bem como qualificálos profissionalmente e proporcionar-lhes vivências práticas de intervenção social na sua comunidade, o Instituto de Desenvolvimento do Trabalho (IDT) realizou uma pesquisa com o objetivo de avaliar o impacto do Programa 235 Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição Juventude Empreendedora (JUVEMP) na inserção ocupacional do jovem egresso e em sua vida familiar e comunitária. Em termos metodológicos, os pesquisadores responsáveis pelo desenvolvimento do estudo adotaram o procedimento de selecionar uma amostra em dois estágios: no primeiro, o sorteio dos municípios; no segundo, os jovens beneficiários do Programa, nos respectivos municípios amostrados. Como os municípios do universo apresentam características homogêneas, foram selecionados dez municípios, observando-se os critérios da área de localização, ou seja, atendendo às regiões do Estado e, em segundo lugar, a quantidade anual de ações nos respectivos municípios. Por conseguinte, o sorteio da amostra do segundo estágio ocorreu de forma aleatória e sistemática, utilizando a listagem dos beneficiários do Programa residentes nos municípios pesquisados. Finalmente, o levantamento foi realizado nas unidades domiciliares dos jovens selecionados dos dez municípios contemplados pelo JUVEMP, no período de 2007 a 2010. O tamanho da amostra dos jovens foi definido a partir de um modelo probabilístico de amostragem aleatória simples, aplicando como parâmetro p-50%. Estipulando um erro de amostragem de 7% e um nível de confiança de 95%, o que estabelece um escore de 1,96 sob a curva normal, delineou-se uma amostra de 180 jovens distribuídos em dez municípios, representando uma fração de amostragem de 10% do total de jovens assistidos pelo Programa, ou seja, 180 jovens. Os municípios contemplados na pesquisa foram: Aracati (21 questionários aplicados); Camocim (19 questionários); Cedro (18 questionários); Fortaleza (12 questionários); Monsenhor Tabosa (20 questionários); Guaiúba (15 questionários); Limoeiro do Norte (18 questionários); Maracanaú (9 questionários); Paraipaba (20 questionários); Ubajara (28 questionários). Ressalte-se que a amostra desenhada é representativa para a análise global, não sendo possível fazer inferência isolada para os municípios. Este artigo abordará três temas: o perfil socioeconômico e familiar dos egressos; a situação ocupacional dos jovens egressos do JUVEMP; e como estes jovens avaliam o referido Programa. 236 Francisca Rejane Bezerra Andrade, Geórgia Patrícia Guimarães dos Santos e Júnior Macambira O Perfil Socioeconômico e Familiar dos Egressos do JUVEMP Os dados coletados na amostra indicada revelaram que houve uma participação maior no JUVEMP do jovem do sexo feminino (64,4%) em comparação aos do sexo masculino (35,6%), porém, observando a faixa etária, vale acrescentar que, entre os homens, 85,9% estão acima de 20 anos, enquanto entre as mulheres são 75%. Essa situação, contudo, inverte-se quanto à faixa etária de 17 a 19 anos, em que se encontram mais mulheres (25%) do que homens (14,1%). Verifica-se, assim, uma consonância com o olhar demográfico de alguns pesquisadores sobre os jovens brasileiros, no qual se percebe um envolvimento maior das mulheres com os estudos, especificamente com a qualificação profissional, o que remete à busca de uma melhor preparação para o mercado de trabalho, da independência financeira e profissional feminina, indicando que essas necessidades têm se posto cada vez mais precocemente para elas. Como avaliam Camarano; Mello e Kanso (2009, p. 85), as trajetórias dos jovens brasileiros são diferenciadas por sexo: “As mulheres passaram a participar mais ativamente do mercado de trabalho, e diminuiu expressamente a proporção de mulheres que saíram da escola e não ingressaram nas atividades econômicas”. Embora, pela amostragem, o JUVEMP tenha contemplado mais mulheres do que homens, estes apresentaram uma faixa etária superior à delas. Fato que pode explicar por que, em comparação com as mulheres, existiram mais educandos do sexo masculino com experiência anterior em programas governamentais de qualificação profissional para a juventude. Essa diferença é mais de 2,7 vezes, todavia 88,9% dos participantes não tinham frequentado outros programas governamentais de capacitação para jovens, sendo 93,1% das mulheres e 81,2% dos homens. Ademais, não somente o gênero tem influenciado na condição de ser jovem, mas a cor da pele ou a indicação étnica/raça também deixa suas marcas nessa trajetória. No âmbito do JUVEMP, ao se considerarem, em sua maioria, de cor parda, ambos os sexos mantiveram uma quantidade equilibrada: 66,4% delas e 64,0% deles. Todavia, no que diz respeito ao cruzamento entre sexo, faixa etária e etnia, pode-se dizer que houve mais jovens pardos, na idade de 17 a 19 anos (77,8%) do que entre as pardas da mesma faixa etária (62,1%), 237 Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição enquanto na idade acima de 20 anos existiram mais mulheres pardas (67,9%) do que homens (61,9%). O perfil da raça cearense, elaborado pelo Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará (IPECE), a partir da análise dos dados do Censo Demográfico de 2010, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), demonstrou que dos 8.180.087 habitantes do Ceará, 61,88% se autodeclaram pardos – resultado um pouco acima do apresentado pelo Nordeste e bem superior ao do Brasil (43%), mas que colocou o Estado em 8º lugar no ranking nacional. (IPECE, 2012). Nesse sentido, é notável que o JUVEMP tem atendido quantitativamente um número expressivo de jovens que compõem a maior parcela da população cearense, ou seja, o segmento das pessoas pardas, possibilitando, assim, uma ampliação de suas ações, mesmo sendo um projeto de caráter focalizado. Seguindo o perfil dos jovens egressos do JUVEMP, referente ao estado civil, os dados indicam que 70% dos participantes da pesquisa são solteiros, ou seja, 126 egressos. Entre todas as jovens mulheres consultadas, 63,8% são solteiras e, no conjunto dos homens pesquisados, 81,2% também são solteiros. Apenas um homem com idade acima de 20 anos é divorciado, e os demais consultados são casados (36,2% das mulheres e 17,2% dos homens). No que diz respeito aos resultados sobre a quantidade de filhos por sexo e estado civil dos egressos do JUVEMP (2007-2010) pesquisados, avalia-se que a maioria das jovens do sexo feminino, tanto solteiras quanto casadas, não tem filhos – 89,1% e 54,7%, respectivamente. Essa mesma conclusão é referida aos jovens do sexo masculino, pois tanto os solteiros (98,1%) quanto os casados (63,6%) também não possuem filhos. Mas, na oportunidade, cabe destacar que 18,1% das jovens mulheres contempladas na pesquisa e 7,8% dos jovens homens têm um filho, sendo que 38,1% delas e 27,3% deles são casados, contra 6,8% e 1,9% que são, respectivamente, solteiros. Sobre os que possuem mais de um filho, a amostragem total revelou-se insignificante: 1% indicou ter três filhos e menos de 3%, dois filhos. A partir desse compêndio, e de acordo com as considerações de Camarano e Andrade (2006), pode-se dizer que os lares onde residem os 238 Francisca Rejane Bezerra Andrade, Geórgia Patrícia Guimarães dos Santos e Júnior Macambira egressos do JUVEMP participantes desta pesquisa se caracterizam, em sua maioria, como domicílios com jovens, haja vista eles não ocuparem condição de chefe ou cônjuge, como seria o caso dos domicílios de jovens. As autoras pressupõem que a posição de um indivíduo no domicílio pode indicar seu status e, no caso dos jovens, sugerir o estágio em que se encontram no processo de passagem à vida adulta. Neste sentido, as informações da pesquisa indicam que, entre as jovens solteiras (44,5%), o genitor é o principal responsável pela renda familiar e, em 31,1%, a mãe é a principal provedora do lar. No conjunto das jovens casadas, percebeu-se que 64,3% das famílias são mantidas financeiramente pelo cônjuge ou companheiro. Entre os jovens solteiros a situação é similar: 44,2% têm o pai como chefe de família, e 32,7%, a mãe. Contudo, entre 45,4% dos jovens casados eles próprios são os mantenedores financeiros do lar. Costanzi (2009) alerta para o fato de que existem implicações diretas no mercado de trabalho juvenil quando o jovem se torna a pessoa de referência econômica no lar, na medida em que isso ocorre mais por necessidade do que por escolha voluntária. De pronto, vale ainda ressaltar que, entre 27,3% dos jovens casados pesquisados, o pai continua sendo o principal responsável pelo sustento familiar, ou seja, mesmo tendo constituído família, esses jovens permanecem dependentes de seus genitores. As inferências até o momento sinalizam para o fato de que, entre os egressos do JUVEMP pesquisados, a maioria das suas famílias depende financeiramente do pai e/ou da mãe; as jovens mulheres casadas são dependentes de seus cônjuges ou companheiros; e a maior parte dos jovens homens casados é responsável pelo próprio sustento e de sua família. Dos jovens egressos contemplados neste estudo, a maioria, independentemente do sexo, da faixa etária, da etnia, do estado civil e até da quantidade de filhos, confirmou a importância do auxílio bolsa do JUVEMP por, primeiramente, contribuir para a aquisição de bens de consumo individual (50,4%) e, em segundo lugar, de bens de consumo familiar (28,9%). Apenas 6,7% disseram que puderam fazer alguma poupança para o futuro com o auxílio oferecido e, para 1,6%, ele não teve importância. Os demais indicaram outro significado para o recebimento desse auxílio. 239 Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição Com relação à descrição por sexo e faixa etária de 17 a 19 anos, houve algumas diferenças relevantes sobre a indicação da importância do auxílio bolsa. A maioria das mulheres (52,1%) e dos homens (64,3%) considerou que o auxílio contribuiu para a aquisição de bens de consumo individual. Todavia, um número maior de mulheres (10,9%) indicou a contribuição do auxílio para uma poupança, em comparação aos homens (7,1%), e uma quantidade um pouco maior entre os homens (28,6%), em comparação às mulheres (26,1%), ainda nesta mesma idade, indicou a aquisição de bens de consumo familiar. Quanto aos jovens acima de 20 anos, as indicações foram mais aproximadas, pois tanto as mulheres (49,4%) quanto os homens (49,5%) relacionaram a contribuição do auxílio à compra de bens de consumo individual. Com relação à aquisição de bens de consumo familiar, 29,5% das mulheres e 29,3% dos homens marcaram essa opção e, concernente à composição de uma poupança, a diferença foi também pequena – 5,8% das mulheres contra 6,1% dos homens. Para uma certificação mais aprofundada sobre esta e outras questões, entrevistaram-se os familiares de alguns dos egressos pesquisados, escolhidos aleatoriamente. Das 28 famílias inquiridas, treze também disseram que o auxílio financeiro recebido pelo egresso foi de suma importância para a aquisição de bens de consumo individual. Para onze familiares entrevistados, o auxílio bolsa também foi muito importante para a aquisição de bens de consumo da família, conforme indicam as falas a seguir: “Ah, foi uma ajuda, melhorou muito as condições com esse valor aí. Ela podia comprar umas coisinha pra ela, ajudar a comprar alguma coisa pra casa. Era muito bom!” (Família 3 - Guaiúba). Era bom, ajudava a comprar as coisa dele, aqui pra casa também. Ele já chegou até a comprar um tênis, na prestação... Pra você ver, era muito bom. Era ajuda mesmo, minha filha. A gente comprava alimento, às vez uma coisa aqui, um gás. Ele ficava com um poquim pra ele pra comprar as coisinha dele e me dava o resto. Ele dizia assim: Taí mãe pra ajudar aqui em casa. (Família 4 - Maracanaú). 240 Francisca Rejane Bezerra Andrade, Geórgia Patrícia Guimarães dos Santos e Júnior Macambira “Era um incentivo do governo para que os jovens não desistissem do curso, além de ajudar nas despesas de casa e também pessoais” (Família 2 Camocim). Os demais familiares ou consideraram sem importância o auxílio, devido à relevância do próprio curso, ou indicaram aspectos mais subjetivos que a administração de um aporte financeiro, que embora pequeno pôde proporcionar à vida de um jovem, como responsabilidade e incentivo de continuar estudando. Com relação à participação na vida econômica da família, pelo Gráfico 1 é possível compreender que mais da metade (51,6%) dos jovens egressos do JUVEMP pesquisados, ainda que trabalhe, é dependente financeiramente. Ou melhor: 48,2% das mulheres e 21,9% dos homens não trabalham e têm seus gastos custeados; 12,1% das mulheres e 14,1% dos homens trabalham, mas não são independentes economicamente. Em todos os itens em que os jovens de ambos os sexos trabalham, a mulher aparece com uma participação menor em relação ao homem, sobretudo no que se refere à independência financeira e à inserção de alguma forma no 48,2 46,8 38,8 35,6 29,3 feminino masculino 21,9 total 12,1 7,8 5,2 Não trabalha e seus gastos são custeados 14,1 12,8 9,4 6,1 5,2 6,7 Trabalha e contribui Trabalha e é Trabalha, mas não é Trabalha e é para o sustento da responsável pelo independente independente família sustento da família financeiramente financeiramente Gráfico 1 - Jovem Egresso do JUVEMP, por Sexo, segundo a Participação na Vida Econômica da Família – Mar./Abril/2012 (%) Fonte: Pesquisa Direta IDT. 241 Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição sustento da família. Observou-se que 7,8% dos jovens do sexo masculino consultados pela pesquisa trabalham e são independentes financeiramente, contra 5,2% das mulheres. Entre os que trabalham e são responsáveis pelo sustento da família, 5,2% das jovens e 9,4% dos jovens, os que trabalham e contribuem para o sustento da família (sem serem os responsáveis) aparecem 29,3% das mulheres e 46,8% dos homens. As análises sobre a participação do jovem na vida econômica da família confirmam como se tornaram mais complexas as etapas para o início da vida adulta, quais sejam: a partida da família de origem, a entrada na vida profissional e a formação de um casal. (SPOSITO, 1997). Há, inclusive, nessa fase de transitoriedade – passagem da heteronomia da criança para a autonomia do adulto –, a abertura de múltiplas possibilidades: i) o exercício do trabalho; ii) a situação de desemprego recorrente; iii) a condição antecipada de pai ou mãe, com família constituída ou mesmo isoladamente; iv) a fase de estudo na residência dos pais e dependentes deles; v) a fase de estudo com residência distante dos pais e dependentes deles; vi) a fase de estudo com vida independente e com família própria; vii) a situação de possuir mais de 24 anos, na condição de desempregado ou de ocupação com rendimento insuficiente, tornando-o dependente dos pais, entre outras circunstâncias. (POCHMANN, 2004). Costanzi (2009) elucida que quando os jovens de famílias ou domicílios com baixa renda per capita ocupam a posição de pessoas de referência e têm filhos, eles tendem a ter maior necessidade de ingressar precocemente no mercado de trabalho para contribuir com a renda familiar, encontrando, por conseguinte, mais dificuldades para continuar os estudos. Esta provavelmente deve ser a situação da maior parte dos egressos pesquisados que só trabalham. Neste sentido, a Tabela 1, a seguir, retrata a situação de estudo e trabalho dos egressos do JUVEMP pesquisados e sinaliza o quanto é preeminente o envolvimento deles com a atividade laboral, inclusive nas idades mais jovens. Pela Tabela 1, observa-se que as jovens do sexo feminino, atualmente a maior parte delas, independentemente da faixa etária, ou estão envolvidas somente com o trabalho ou não trabalham nem estudam. Contudo, verificouse maior esforço dos homens em conciliar estudo e trabalho, porém há um número menor que não trabalha nem estuda. Outro aspecto importante é 242 Francisca Rejane Bezerra Andrade, Geórgia Patrícia Guimarães dos Santos e Júnior Macambira que as mulheres de 17 a 19 anos estão envolvidas somente com o trabalho (51,8%). Em contrapartida, são os homens mais velhos (acima de 20 anos) que estão nessa situação. Tabela 1 - Jovem Egresso do JUVEMP, por Sexo e Faixa Etária, segundo a Situação de Estudo e Trabalho - Municípios do Juventude Empreendedora – Mar./Abril/2012 Situação de estudo e trabalho Estuda e trabalha Somente estuda Somente trabalha Não trabalha nem estuda Total Sexo/Faixa etária Feminino Masculino 17 a 19 20 anos ou 17 a 19 20 anos ou anos mais anos mais 10,3 12,6 33,3 21,8 6,9 16,2 22,3 9,1 51,8 35,6 33,3 58,2 31,0 35,6 11,1 10,9 100,0 100,0 100,0 100,0 Fonte: Pesquisa Direta IDT. A propósito dos aspectos relacionados ao mercado de trabalho juvenil, após esta caracterização socioeconômica e familiar do egresso do JUVEMP (2007-2010), esta pesquisa se deteve na investigação da situação ocupacional desses jovens, como indicado a seguir. A Situação Ocupacional dos Jovens: Alguns Elementos para uma Reflexão As estatísticas sobre a situação do jovem no mercado de trabalho revelam elevadas taxas de desemprego, quando comparadas às dos adultos. Tal situação não é um fenômeno isolado do Brasil, mas um cenário que se configura em muitos países. Fatores como renda, qualificação profissional, escolaridade, pouca experiência profissional, entre tantos outros aspectos, acirram o grande descompasso e o distanciamento de jovens e adultos no mundo do trabalho. Considerando a realidade dos jovens egressos do Projeto Juventude Empreendedora (JUVEMP), pesquisa do Instituto de Desenvolvimento do Trabalho (IDT) revelou que 61,7% deles se encontravam ocupados. Um dos fatores que pode estar contribuindo para essa significativa inserção é o fato de o JUVEMP possuir uma meta de inclusão de 30% de seus beneficiários, ou seja, a existência dessa iniciativa, combinada com as parcerias realizadas com os mais diferentes setores da economia, incluindo a administração 243 Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição pública, aumenta, em grande medida, as chances de uma inserção mais rápida. Importa registrar, contudo, não ser de responsabilidade da instituição executora do Projeto, no caso o IDT, interceder sobre a qualidade das vagas geradas, situação que compete exclusivamente às empresas. Desse modo, e considerando mercados de trabalho com características de precarização, baixos salários e de incertezas na trajetória das ocupações geradas, é fato que o esforço para a abertura de vagas para os jovens, minimiza, em parte, a possibilidade de estarem desempregados, sem perspectiva de uma atividade produtiva, ampliando as incertezas quanto ao futuro. Para Novaes (2012, p. 11), Entre eles, em comum um medo de sonhar, de não encontrar um lugar no mundo presente e futuro. Os certificados escolares não são mais garantia de inserção produtiva e a palavra “trabalho” sempre evoca incertezas. Mesmo em países com reconhecida cobertura educacional, os certificados escolares são como passaportes: necessários, mas por si só não garantem a viagem para o mundo do trabalho. Além disso, e cada vez mais, a aparência e o endereço funcionam como filtros seletivos no competitivo e mutante mercado de trabalho. É importante lembrar, ainda, os obstáculos e os labirintos que tanto dificultam o ingresso de milhares de jovens no mundo do trabalho, o que os tornam mais vulneráveis se comparados a outros segmentos populacionais. Principalmente quando fatores como diferenças sociais, padrão de rendimento, raça/cor, entre outros, são também considerados. Estudo da Organização Internacional do Trabalho (OIT) indica que A magnitude do desemprego entre os jovens guarda relação direta com aspectos de natureza demográfica e estruturais associados ao mercado de trabalho. Pelo lado da oferta, a pressão de origem demográfica ainda se faz presente, fruto, sobretudo, da onda jovem, que vem gerando efeitos de caráter duradouro. (OIT, 2012, p. 67). O estudo da OIT ainda observa que Esse processo irá manter-se, embora com uma intensidade cada vez menor, até o final da próxima década. Ou seja, pelo lado da oferta, o desafio será o de conviver com uma pressão por novos empregos de origem demográfica, provocada pela onda jovem, 244 Francisca Rejane Bezerra Andrade, Geórgia Patrícia Guimarães dos Santos e Júnior Macambira pelo menos até 2020, apesar desse fenômeno já ter começado a se atenuar na segunda metade da atual década. (OIT, 2012, p. 67). Mesmo diante da realidade apresentada pela OIT, a pressão dos jovens por um espaço no mercado de trabalho continua sendo intensa, levandoos, muitas vezes, à renúncia de seus estudos para antecipar seu ingresso no mundo do trabalho, principalmente os jovens de famílias mais pobres. Para estes, postergar esse ingresso na vida laboral é algo ainda distante e que leva, em muitas situações, a uma disputa desigual por melhores salários, melhores ocupações, além das dificuldades de mobilidade ocupacional, entre outras situações. Para os jovens que não estavam ocupados, mas procurando uma atividade, o percentual foi de 17,2%, frente a uma situação em que 21,1% não estavam ocupados, tampouco procurando trabalho, caracterizando um estágio de inatividade. Esta, por sua vez, possui uma dupla dimensão: a primeira, quando torna evidente o caráter de uma certa fadiga das pessoas quando buscam uma inserção ocupacional durante um longo tempo e não a encontram, o que gera estado de desânimo e falta de confiança no mercado; a outra, quando assenta no “alongamento da inatividade como alternativa de postergação do desemprego juvenil e de maior preparação para o ingresso da juventude no mercado de trabalho em condições menos desfavoráveis”. (OIT, 2001, p. 36). Para Gonzalez (2009), no caso das mulheres, essa realidade reflete ainda a dedicação de muitas jovens aos cuidados domésticos e familiares. Porém, em grande medida, o que ocorre é que os jovens que saem da escola encontram dificuldade tanto em se empregar como em se manter no emprego. Tabela 2 – Jovem Egresso do JUVEMP, segundo a sua Situação Ocupacional – Municípios do Juventude Empreendedora – Mar./Abril/2012 Situação ocupacional % Ocupado Não está ocupado, mas procurou efetivamente trabalho nos últimos 30 dias Não está ocupado nem procura trabalho Total 61,7 17,2 21,1 100,00 Fonte: Pesquisa Direta IDT. 245 Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição É importante destacar, ainda, que a maioria (68,5%) dos jovens egressos do JUVEMP ocupados pretende mudar de ocupação e de estabelecimento, ou seja, almejam melhores oportunidades de trabalho e de renda, enquanto outros jovens afirmaram a intenção de continuar na mesma ocupação e no mesmo estabelecimento (14,4%), ou, ainda, permanecer na mesma ocupação, mas em outro estabelecimento (14,4%). Neste último caso, nota-se, na opinião dos jovens entrevistados, a necessidade de mudança, de realizar novas conquistas e espaços para seguir uma melhor carreira profissional. Outra característica dos jovens ocupados, identificada na pesquisa, é o desejo de continuar trabalhando no próprio município (72,1%), fato que pode estar relacionado à importância de manter o vínculo com a sua cidade, às suas raízes e, acima de tudo, com os seus familiares. Para uma outra parcela dos jovens (21,6%), o anseio é o de trabalhar em outro município do Estado, de procurar alternativas e mudanças em sua trajetória ocupacional. Atendo-se ao motivo mais importante para se obter um trabalho, a pesquisa identificou que 32,8% dos entrevistados apontaram a independência financeira como a razão maior para obterem um trabalho. Na ordem dos principais motivos, a opção por crescer profissionalmente (26,1%) e ter mais responsabilidade (14,4%). Estes motivos expressam, para a maioria dos jovens entrevistados, as reais motivações em relação ao seu ingresso no mercado de trabalho, mesmo que estas transcendam toda e qualquer dificuldade que esses jovens possam vir a enfrentar ao longo de sua trajetória ocupacional. Outro motivo destacado como relevante na concepção dos entrevistados se refere à contribuição para a renda familiar, ou seja, para 11,7% dos jovens essa situação pode se justificar pela necessidade de contribuir com o sustento de suas famílias, melhorar as condições de vida, dentre outros aspectos. Corroborando os motivos assinalados como os mais importantes para se ter um trabalho, é imprescindível mencionar o quanto o Programa JUVEMP é necessário nessa construção contínua de preparação dos jovens para um ambiente mais produtivo e qualificado do mundo do trabalho, a partir do olhar de seus familiares. Vale conferir alguns depoimentos de pais e responsáveis pelos jovens quanto ao ingresso destes na esfera do trabalho. “O JUVEMP preparou para o mercado de trabalho e foi importante para obter experiência e para dar peso ao currículo”. (Família 1 - Paraipaba). 246 Francisca Rejane Bezerra Andrade, Geórgia Patrícia Guimarães dos Santos e Júnior Macambira “O curso fez o jovem aprender muito sobre o que o mercado de trabalho exige e também ajudará para participar de concursos públicos”. (Família 3 Paraipaba). Meu filho ficou mais capacitado para o mercado de trabalho, que o mesmo aprendeu mais sobre computação e que agora está fazendo faculdade. Foi importante para sua inserção no mercado, pois o JUVEMP lhe deu mais conhecimento. (Família 1 - Fortaleza). Em síntese, registram-se a seguir outras informações coletadas na pesquisa sobre a participação dos jovens no mercado de trabalho, a saber: 72,1% dos jovens pretendem continuar trabalhando no próprio município. 49,6% dos jovens permanecem na mesma ocupação desde a conclusão do JUVEMP (57,4% no caso masculino, e 40,0%, no feminino). 70,3% dos jovens ocupados exercem suas atividades profissionais fora do bairro em que têm suas moradias. 86,3% dos jovens estudam e trabalham. 65,5% dos jovens somente trabalham. Na opinião dos jovens, os motivos mais importantes para se ter um trabalho, são: i) independência financeira; e ii) crescer profissionalmente. Segundo a categoria ocupacional, 81,1% dos jovens são empregados particulares. De acordo com a posse da carteira assinada, 59% das jovens não possuem carteira assinada, enquanto entre eles esse percentual é de 38%. Os setores do comércio e dos serviços respondem por 30,6% e 47,8%, respectivamente, da ocupação dos jovens. Finalizando, ao longo desta análise fica nítida a importância do trabalho na vida dos jovens, assim como urge a necessidade de avanços na qualidade dos postos de trabalho que estão sendo gerados, de maneira a contribuir com as carreiras profissionais de tantos jovens que sonham com 247 Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição melhores oportunidades de trabalho e de cidadania. Nessa perspectiva, se faz necessária a ampliação dos estudos e a melhoria na formação profissional, atributos estes que são decisivos na esfera de mercados de trabalho cada vez mais competitivos, que exigem mais conhecimento e criatividade das pessoas. É com esse objetivo que o Programa Juventude Empreendedora, ciente das transformações e avanços do mercado de trabalho, procurou, ao longo do tempo, despertar nos jovens uma proposta de formação inspirada nesse mundo de profundas mutações. O Programa Juventude Empreendedora na Perspectiva do Jovem Egresso Iniciam-se as análises dos dados coletados discorrendo sobre o tempo em que os jovens egressos participantes da pesquisa concluíram o Programa JUVEMP. Salienta-se que a maioria dos pesquisados participou da turma de 2010, ou seja, 28,9%; seguida pelo grupo de jovens que concluíram o programa há mais de 12 e até 24 meses (26,7%). Em terceiro lugar estão os jovens que participaram do JUVEMP há mais de 36 meses (25%). O menor índice de jovens pesquisados (19,4%) concluiu o JUVEMP há mais de 24 e até 36 meses (2007). A comparação entre o tempo de conclusão do JUVEMP e a situação de estudo e trabalho revela situações bem distintas. A primeira é que, quanto menor for o tempo de conclusão do programa, maior será o percentual de jovens que não trabalham nem estudam (38,3%); a segunda situação é que, entre os jovens que estudam e trabalham, cerca de 38% deles possuíam um tempo de conclusão superior a 36 meses. É importante anotar que, para o último grupo de jovens, a continuidade dos estudos demonstrou ser tão importante quanto o trabalho. Atenta-se, portanto, para o problema de escolarização da população jovem brasileira, que afeta particularmente os filhos de famílias em situação de vulnerabilidade econômica e social. Segundo Corbucci et al. (2009, p. 106): A situação educacional dos jovens brasileiros decorre, em grande medida, do acesso restrito à educação infantil e da baixa efetividade no ensino fundamental, evidenciadas pela 248 Francisca Rejane Bezerra Andrade, Geórgia Patrícia Guimarães dos Santos e Júnior Macambira elevada distorção idade – série e pelos incipientes índices de conclusão deste nível de ensino. Desse modo, parcela considerável das crianças ingressa na juventude com elevada defasagem educacional, tanto do ponto de vista quantitativo (anos de estudo) quanto em termos qualitativos (capacidades e habilidades desenvolvidas). Estas defasagens são agravadas pelas precárias condições socioeconômicas, que concorrem para manter baixo o rendimento dos estudantes e, não raro, ampliar as taxas de abandono escolar. Ao buscar identificar a participação do jovem egresso do JUVEMP em outros programas públicos de qualificação profissional, observou-se que cerca de 20% dos jovens que concluíram o programa até 12 meses antes do início da pesquisa já haviam participado de outros programas. Para os jovens que concluíram há mais de 1 ano e até 2 anos, identificou-se um índice de 25% de participação em outros programas. Quando se verificaram os jovens que concluíram o JUVEMP há mais de 2 anos e até 3 anos, verificou-se o índice de 30% do total de jovens que participaram de outros programas de qualificação profissional. Finalmente, notou-se que 25% dos jovens que concluíram o programa há mais de 36 meses já haviam participado de outros programas de qualificação profissional. O Estado brasileiro realiza, desde 1990, uma gama de iniciativas voltadas ao público jovem, contando com a participação do Poder Executivo federal, estadual e municipal, envolvendo, ainda, parceria com organizações não governamentais. O fato é que ocorre, desde então, a sobreposição de ações e programas governamentais destinadas ao mesmo público-alvo, resultando “em ações conflitivas e concorrentes, além de desperdícios de capitais humano, físico e financeiro, podendo mesmo haver sobreposição de benefícios para um mesmo indivíduo.” (SILVA; ANDRADE, 2009, p. 57). Diante de tantos programas destinados à juventude brasileira e cearense, buscou-se identificar os dois principais motivos da participação dos jovens no JUVEMP. Os resultados indicaram que a possibilidade de qualificação profissional foi o principal motivo para tal participação, totalizando 61,7% das respostas. Em segundo lugar está a aquisição de novos conhecimentos, perfazendo 38,4% das respostas dos jovens pesquisados. No imaginário de muitos dos jovens cearenses e brasileiros habita a compreensão de que a conclusão de uma qualificação profissional contribui 249 Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição para a inserção imediata no mercado de trabalho. Porém se sabe que o processo não apresenta essa linearidade, principalmente porque as políticas de educação profissional têm, historicamente, pouca ou nenhuma articulação com as políticas de emprego e renda no Brasil. Interessante notar a relação entre o motivo mais importante para a participação do jovem egresso no JUVEMP e seu estado civil. Conforme o Gráfico 2 abaixo, a possibilidade de se adquirir uma qualificação profissional representa o principal estímulo à procura do JUVEMP para 60,3% dos jovens solteiros, e 66% dos jovens casados. 11,3 1,9 3,8 Casado 17,0 66,0 7,1 4,0 3,2 Solteiro 25,4 60,3 0 10 20 30 40 50 60 70 Outro Abrir o próprio negócio Colaborar nos trabalhos sociais voltados para a melhoria de vida da comunidade Adquirir novos conhecimentos Possibilidade de qualificação profissional Gráfico 2 – Jovem Egresso do Programa Juventude Empreendedora, por Estado Civil, segundo o Primeiro Motivo Mais Importante da Participação no JUVEMP – Municípios do Juventude Empreendedora – Mar./Abril/2012 Fonte: Pesquisa Direta IDT. Os resultados acima confirmam o entendimento de que o jovem brasileiro percebe a necessidade de concluir os estudos e realizar uma qualificação objetivando a inserção laboral nesse mercado restrito e competitivo atual. Nessa perspectiva, parte-se para a análise referente aos conhecimentos adquiridos no JUVEMP e à preparação dos jovens pesquisados para ingresso 250 Francisca Rejane Bezerra Andrade, Geórgia Patrícia Guimarães dos Santos e Júnior Macambira Tabela 3 - Jovem Egresso do Programa Juventude Empreendedora, por Sexo e Faixa Etária, segundo o Preparo para o Mercado de Trabalho - Municípios do Juventude Empreendedora – Mar./Abril/2012 Condição Sim, preparado, mas quer fazer outro curso Sim, preparado Não está preparado Total Fonte: Pesquisa Direta IDT. Sexo / Faixa etária Feminino Masculino 20 anos ou anos ou 17 a 19 17 a 19 20 mais mais 51,7 57,5 55,6 72,8 41,4 6,9 100,0 35,6 6,9 100,0 33,3 11,1 100,0 23,6 3,6 100,0 no mercado de trabalho. Reconhece-se que a maioria dos jovens pesquisados se considera preparada para o mercado de trabalho, pois os maiores índices, para ambos os sexos e em todas as faixas etárias, indicam essa condição, mesmo que se tenha observado, na Tabela 3 abaixo, o interesse dos jovens em realizar outro curso. Este resultado converge para o modelo de proposta curricular do Programa, pois o processo de formação pessoal, social e profissional dos alunos ocorre pela participação nos seguintes módulos: formação para o empreendedorismo social; capacitação para o trabalho I e II; elaboração do projeto de vida profissional; encaminhamento para o mercado de trabalho ou incentivo à criação de negócios individuais ou coletivos. Tais módulos estão claramente vinculados à proposta de iniciação profissional dos jovens do Programa, com perspectivas de inserção profissional destes no mercado de trabalho local. Com o objetivo de identificar as contribuições que o jovem obteve ao realizar o JUVEMP, listam-se os seguintes itens: a) obtenção de cultura geral/ ampliação da formação pessoal; b) aquisição de muitos amigos/conhecer várias pessoas; c) a aquisição da expectativa dos pais sobre os estudos; d) formação para a cidadania/busca por direitos; e) participação em atividades comunitárias, esportivas, culturais e de lazer. A obtenção de cultura geral/ampliação da formação pessoal foi a contribuição com maior percentual para ambos os sexos, o que revela que o 251 Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição JUVEMP contribuiu, na perspectiva destes, para a ampliação de conhecimentos dos jovens que estão em situação de vulnerabilidade econômica e social e se encontram fora da escola. O Programa JUVEMP favorece, de certa forma, a ampliação da visão de mundo desses jovens. Ao serem questionados sobre alguma mudança na relação familiar proporcionada pelo JUVEMP, a partir dos itens: a) responsabilidade para resolução dos problemas; b) participação na tomada de decisões; c) abertura ao diálogo; d) valorização da convivência familiar; e) afetividade, confiança e respeito, os jovens pesquisados apontaram o indicado na Tabela abaixo: Tabela 4 - Jovem Egresso do Programa Juventude Empreendedora, por Sexo, segundo a Mudança que Proporcionou no Relacionamento Familiar - Municípios do Juventude Empreendedora – Mar./Abril/2012 Sexo Mudança Responsabilidade para resolução dos problemas Feminino Masculino 19,2 19,4 Participação na tomada de decisões 17,8 18,1 Abertura ao diálogo 21,2 19,8 Valorização da convivência familiar 21,8 21,6 Afetividade, confiança e respeito 20,0 21,1 Total 100,0 100,0 Fonte: Pesquisa Direta IDT. Identificou-se que, para os jovens de ambos os sexos, a valorização da convivência familiar atingiu o maior percentual, perfazendo 21,8% entre os jovens do sexo feminino e 21,6% entre os jovens do sexo masculino. O segundo maior percentual indicado pelos jovens do sexo feminino foi a abertura ao diálogo (21,2%), e para os jovens do sexo masculino foram a afetividade, a confiança e o respeito (21,1%). A melhoria da convivência familiar também foi apontada pelos familiares entrevistados, conforme eles relatam: “Minha filha melhorou muito, para mais para ouvir as pessoas, melhorou o respeito entre os familiares”. (Família 1 – Camocim). 252 Francisca Rejane Bezerra Andrade, Geórgia Patrícia Guimarães dos Santos e Júnior Macambira “Meu filho mudou muito, a forma de falar com as pessoas, como por exemplo, pedir, por favor. Antes ele era estressado, não pedia desculpas, hoje diz, por favor, e pede desculpas”. (Família 2 – Ubajara). “Ela ficou mais atenciosa, mais respeitadora, conversa muito comigo, por que antes ela era muito calada, não falava o que estava acontecendo com ela, agora ela é minha amiga, ela amadureceu”. (Família 2 – Aracati). Ao adentrar no tema referente à importância do auxílio bolsa, no valor de R$ 60,00 (sessenta reais), para a participação do jovem pesquisado no JUVEMP, a maioria dos pesquisados, de ambos os sexos, destacou que o referido auxílio foi um estímulo para a conclusão do curso. Em segundo lugar de importância está o estímulo para realizar uma formação profissional. A falta de condições financeiras para a aquisição de material escolar básico faz parte da realidade da maioria dos jovens brasileiros. Dessa forma, a possibilidade de receber um auxílio que contribua para a satisfação de tal necessidade condiz com o perfil do público-alvo definido para o Programa JUVEMP e favorece a permanência no curso, reduzindo, consequentemente, o índice de evasão. Por outro lado, é importante apontar que esse auxílio é utilizado também para atender outras necessidades do jovem e da sua família, como bem destacam as falas dos familiares entrevistados: “Foi importante para ele comprar as coisas dele, e investir no que ele estava aprendendo”. (Família 3 – Aracati). “Muito importante, pois estimulava o jovem a participar do projeto, além de ajudá-lo a adquirir bens pessoais que ele precisava para poder frequentar o projeto. Foi uma ajuda muito bem vinda”. (Família 2 – Limoeiro do Norte). “O auxílio bolsa era muito importante. Era um incentivo do governo para que os jovens não desistissem do curso, além de ajudar nas despesas de casa e também pessoais”. (Família 2 – Camocim). Em seguida, os jovens foram indagados sobre a principal decisão que tomaram ao concluírem o JUVEMP. Os jovens pesquisados, de ambos os sexos e faixas etárias, apontaram que prioritariamente procuraram um 253 Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição emprego. A continuidade dos estudos ficou com o segundo maior percentual de respostas. Somente os jovens do sexo masculino, na faixa etária de 17 a 19 anos, indicaram igualmente a decisão de realizar curso profissionalizante e se preparar para o trabalho. Tabela 5 - Jovem Egresso do Programa Juventude Empreendedora, por Sexo e Faixa Etária, Segundo a Principal Decisão que Tomou Quando Concluiu o JUVEMP Municípios do Juventude Empreendedora – Mar-Abril/2012 Sexo / Faixa etária Feminino Decisão 10,3 79,4 20 anos ou mais 23,0 54,1 22,2 55,6 20 anos ou mais 16,4 63,7 --- 3,4 22,2 14,5 --- 6,9 --- 3,6 3,4 6,9 100,0 3,4 9,2 100,0 ----100,0 --1,8 100,0 17 a 19 Continuou os estudos Procurou um emprego Fez curso profissionalizante e se preparou para o trabalho Trabalhou por conta própria / Trabalhou em negócio da família Ainda não decidiu Outro Total Fonte: Pesquisa Direta IDT. Masculino 17 a 19 Ao menos dois fatores devem ser considerados quanto aos resultados identificados acima. O jovem egresso do JUVEMP busca um emprego para contribuir com a renda familiar e, por conseguinte, ajudar a melhorar as condições de vida de sua família. Além disso, o jovem egresso conhece a atual situação de desemprego no Brasil e no Ceará, o que favorece o seu anseio em ingressar o quanto antes numa ocupação, mesmo que esta seja desprovida de direitos e garantias. Nessa perspectiva, a edição do livro do IPEA, intitulado Políticas Sociais: acompanhamento e análise de 2007, alerta que: Nesse cenário de restrição das oportunidades de emprego – que afeta inclusive os trabalhadores já inseridos, desacreditando a estabilidade como marca fundamental da vida adulta – duas grandes tendências se configuram entre os jovens. Aqueles de 254 Francisca Rejane Bezerra Andrade, Geórgia Patrícia Guimarães dos Santos e Júnior Macambira origem social privilegiada adiam a procura por uma colocação profissional e seguem dependendo financeiramente de suas famílias; com isso, ampliam a moratória social que lhes foi concedida, podendo, entre outras coisas, estender sua formação educacional, na perspectiva de conseguir uma inserção econômica mais favorável no futuro. Os demais, que se veem constrangidos a trabalhar, em grande parte das vezes acabam se submetendo a empregos de qualidade ruim e mal remunerados, o que, em algum grau, também os mantêm dependentes de suas famílias, ainda que elas lidem com isto de forma precária. Embora ganhe tonalidades diferentes segundo as possibilidades que o nível de renda familiar permite, o bloqueio à emancipação econômica dos jovens, em ambos os casos, além de frustrar suas expectativas de mobilidade social, posterga a ruptura com a identidade fundada no registro filho/a, adiando a conclusão da passagem para a vida adulta e ensejando uma tendência de prolongamento da juventude. (IPEA, 2008, p. 8-9). Concluiu-se a pesquisa indagando aos jovens se haviam planejado o que gostariam que acontecesse em suas vidas em médio prazo. A maioria dos pesquisados do sexo feminino indicou ter planos de ingressar no ensino superior. Este também foi o plano dos jovens do sexo masculino na faixa etária de 20 anos ou mais. No entanto, os jovens do sexo masculino, na faixa etária de 17 a 19 anos, informaram ter outro plano para o futuro. Este resultado condiz com os resultados de outra pesquisa do Instituto de Desenvolvimento do Trabalho (IDT) (ANDRADE; MACAMBIRA, 2011), que sinalizou o interesse dos jovens participantes do PROJOVEM em concluir o ensino fundamental, realizar uma qualificação profissional e ingressar no ensino superior. É claro o anseio da maioria dos jovens em continuar os estudos através de cursos profissionalizantes até a conclusão de cursos superiores. Esse aspecto pode ser considerado como indicativo de reflexão para os gestores das políticas de educação profissional no Estado do Ceará, com vistas a identificar as possibilidades de os jovens serem inseridos nos cursos técnicos de nível médio ofertados pelas escolas estaduais de educação profissional e pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará, favorecendo a elevação da escolaridade e a possibilidade de inserção qualificada desses jovens no mercado formal de trabalho do Ceará. (ANDRADE; MACAMBIRA, 2011, p. 22). 255 Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição Entende-se que o caminho apontado mostra a compreensão dos jovens cearenses pesquisados acerca da necessidade de ampliação de conhecimentos, habilidades e atitudes fundamentais ao trabalhador preocupado em ingressar no mercado de trabalho de forma decente, o que pressupõe um novo olhar do governo e da sociedade civil para com as políticas públicas destinadas à juventude brasileira. Considerações Finais A avaliação do impacto do Programa Juventude Empreendedora (JUVEMP), desenvolvido no período de 2007 a 2010, na inserção ocupacional do jovem egresso e em sua vida familiar e comunitária, considerou a importância da qualificação profissional para além da análise circunscrita à empregabilidade. Buscou compreender as influências do JUVEMP no âmbito pessoal, familiar e social dos jovens contemplados. O JUVEMP insere-se no conjunto das políticas públicas sociais, de caráter focalista e emergencial, que pretende oportunizar ao jovem em situação de vulnerabilidade social sua (re)inserção ou permanência no mercado de trabalho, bem como promover mudanças no seu relacionamento com a família e com a comunidade onde vive. Direcionado não apenas à formação do empreendedor social, mas visando também à elaboração de um projeto de vida profissional, o JUVEMP promoveu atividades analítico-reflexivas (dinâmicas de grupo, entrevistas, pesquisas e visitas) capazes de estimular no jovem o autoconhecimento, o fortalecimento dos vínculos familiares e a apropriação da realidade da convivência com a família; a abertura ao diálogo; a ampliação do senso de responsabilidade para a resolução dos problemas; a maior participação na tomada de decisões e o aumento da autoestima. Conforme a pesquisa realizada pelo IDT, o JUVEMP também contribuiu para a ampliação da visão de mundo e da sociabilidade juvenil, por meio da obtenção de novos conhecimentos, da ocupação do tempo livre, da melhoria no comportamento, do convívio social e da construção de uma rede de amizades (networking). Como parte de uma política de formação profissional, ainda que não seja intencional, nota-se a associação entre formação educacional/profissional 256 Francisca Rejane Bezerra Andrade, Geórgia Patrícia Guimarães dos Santos e Júnior Macambira com inserção/intermediação para o mercado de trabalho, apoiando-se na ideia de que um é capaz de promover a conquista do outro. A este respeito, mesmo considerando que este não seja o único elemento influenciador, não se deve negar que a experiência no JUVEMP pode ter contribuído para a fixação dos jovens em seus locais de trabalho, uma vez que a maioria dos egressos encontrava-se em uma ocupação no momento da pesquisa. Além disso, a maior parte dos entrevistados aspirava mudar de ocupação e de estabelecimento, embora almejasse permanecer no mesmo município. Ou seja, há uma necessidade de investimentos em políticas de qualificação profissional aliadas a uma política capaz de dinamizar e diversificar as oportunidades de trabalho e emprego locais. É inegável, portanto, o anseio da população jovem em ampliar seus anos de escolaridade e se profissionalizar para se inserir no mercado de trabalho. É também evidente o aumento dos investimentos estatais em escolas profissionalizantes e as possibilidades viabilizadas para a democratização do acesso a maiores níveis de ensino formal. Todavia, cabe uma discussão mais aprofundada sobre qual desenvolvimento está sendo perseguido e sob quais condições. Quais têm sido, de fato, as possibilidades de ascensão e mobilidade social diante das atuais políticas públicas para a juventude, do desemprego crescente, da informalidade, da precariedade, das elevadas jornadas de trabalho e das persistentes desigualdades sociais. Como lembra Pochmann (2010), nos anos de 1930 até 1980 o Brasil vivenciou um ciclo econômico com forte expansão no nível de emprego, especialmente do emprego assalariado. De tal forma que esse período, ainda que com dificuldades, ofereceu oportunidades para a constituição de uma trajetória profissional, mesmo sendo um país cujo espaço da educação foi relativamente pequeno. Em 1960, apenas 1% dos jovens entre 18 e 24 anos tinham acesso ao ensino superior. Hoje se tem quase 13%, embora ainda represente uma parcela restrita da juventude. Todavia, as décadas de 1980 e 1990 já foram mais difíceis para os jovens brasileiros, pois o país cresceu menos não só economicamente, como também as oportunidades de trabalho foram reduzidas. Sobretudo, o emprego que tradicionalmente se voltava para os jovens foi sendo ocupado por pessoas não jovens, como ocorreu nos setores bancário e da construção civil. 257 Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição Nos últimos vinte anos as mudanças mais amplas no mundo do trabalho têm gerado um contexto de desemprego e precarização das relações de trabalho, não somente circunscritos aos jovens, mas que sem dúvida os afeta de forma mais intensa. A educação, neste sentido, é quase sempre concebida nos discursos governamentais como aquela que contribui para que o jovem obtenha maiores chances de mobilidade social e ascensão na trajetória ocupacional, superando as condições de vida e de trabalho das gerações anteriores. Não obstante, o país colocou tardiamente o tema da juventude na agenda pública, o que, por um lado, tem trazido uma série de programas no intuito, talvez, de se “se recuperar o tempo perdido”; por outro lado, o tema juventude tem exigido uma reflexão sobre os caminhos trilhados e as escolhas realizadas. REFERÊNCIAS ANDRADE, Francisca Rejane Bezerra; MACAMBIRA, Júnior. Projovem Urbano no Ceará: um estudo sobre as dimensões social, familiar e econômica. Fortaleza: Instituto de Desenvolvimento do Trabalho, 2011. 95 p. CAMARANO, Ana Amélia; ANDRADE, A. O processo de constituição de família entre os jovens: novos e velhos arranjos. In: CAMARANO, A. A. Transição para a vida adulta ou vida adulta em transição?. Rio de Janeiro: Ipea, 2006. CAMARANO, Ana Amélia; MELLO, Juliana Leitão e; KANSO, Solange. Um olhar demográfico sobre os jovens brasileiros. In: CASTRO, J. A. de; AQUINO, L. M. C. de; ANDRADE, C. C. de (Org.). Juventude e políticas sociais no Brasil. Brasília, DF: Ipea, 2009. CENTRO REGIONAL DE INFORMAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Os níveis recorde do desemprego mundial deverão persistir em 2011. Bruxelas, 2013. Disponível em: <http://www.unric.org/pt/ actualidade/30405-os-niveis-recorde-do-desemprego-mundial-deveraopersistir-em-2011>. Acesso em: 25 out. 2011. 258 Francisca Rejane Bezerra Andrade, Geórgia Patrícia Guimarães dos Santos e Júnior Macambira CORBUCCI, Paulo Roberto et al. Situação educacional dos jovens brasileiros. In: CASTRO, Jorge Abrahão de; AQUINO, Luseni Maria C. de; ANDRADE, Carla Coelho de (Org.). Juventude e políticas sociais no Brasil. Brasília, DF: Ipea, 2009. COSTANZI, Rogerio. Trabalho decente e juventude no Brasil. [S.l.]: OIT, 2009. GONZALES, Roberto. Políticas de emprego para jovens: entrar no mercado de trabalho é a saída?. In: CASTRO, J.; AQUINO, L. (Org.). Juventude e políticas sociais no Brasil. Brasília, DF: Ipea, 2009. HARVEY, D. A condição pós-moderna. São Paulo: Loyola, 1992. IPEA. Políticas sociais: acompanhamento e análise. 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Juventude e políticas sociais no Brasil. Brasília, DF: Ipea, 2009. 259 Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição SOUZA, Carmem Zeli Vargas Gil. Juventude e contemporaneidade: possibilidades e limites. Ultima Década, Viña Del Mar, n. 20, p. 47-69, jun. 2004. SPOSITO, Marília Pontes. Estudos sobre juventude em educação. Revista Brasileira de Educação, n. 5-6, p. 37-52, 1997. 260 A QUALIFICAÇÃO PROFISSIONAL NO CONTEXTO DAS POLÍTICAS PARA A JUVENTUDE: EM FOCO O PROJOVEM Ilma Vieira do Nascimento1 Lélia Cristina Silveira de Moraes2 Maria Alice Melo3 Qualificação Profissional no Brasil: percorrendo alguns programas e projetos O Projeto de Lei nº 8.035/2010, sobre o Plano Nacional de Educação (PNE) para o decênio 2011-2020, prevê como meta 10 “oferecer, no mínimo, vinte e cinco por cento das matrículas de educação de jovens e adultos na forma integrada à educação profissional nos anos finais do ensino Pedagoga. Doutora em Educação pela Universidade de São Paulo (USP). Professora do Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal do Maranhão (UFMA) e integrante do Grupo de Pesquisa Escola, Currículo, Formação e Trabalho Docente do Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE/UFMA). É parecerista ad hoc da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Maranhão (FAPEMA). 2 Pedagoga, doutora em Educação Brasileira pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Professora do curso de Pedagogia e do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Maranhão (UFMA). Integra o Grupo de Pesquisa Escola, Currículo, Formação e Trabalho Docente do PPGE/UFMA. É editora da Revista Educação e Emancipação do PPGE/UFMA. É parecerista ad hoc da FAPEMA. 3 Pedagoga, doutora em Educação pela Universidade de São Paulo (USP). Professora do Curso de Pedagogia e do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Maranhão. Integra o Grupo de Pesquisa Escola, Currículo, Formação e Trabalho Docente do PPGE/UFMA. É membro do Conselho Editorial Executivo da Revista Educação e Emancipação do PPGE/UFMA. É parecerista ad hoc da FAPEMA. 1 261 Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição fundamental e no ensino médio.” Prevê também, como meta 11, “duplicar as matrículas da educação profissional técnica de nível médio, assegurando a qualidade da oferta.” (ANPED, 2011). As duas questões, constantes nas metas do PNE mencionadas - a educação de jovens e adultos e a integração da formação propedêutica, geral à formação profissional - são temas recorrentes, há muito, em espaços dos movimentos sociais e das políticas educacionais brasileiras. Ambos os temas têm sido relacionados com o contexto histórico do desenvolvimento econômico, ou seja, quando o mundo da produção e o mercado de trabalho passam a exigir pessoal com determinados níveis de qualificação afirma-se a necessidade de promover a escolarização de jovens e adultos. Um breve retrospecto da trajetória do processo da qualificação profissional associado à necessidade de elevar os níveis de escolaridade do trabalhador, no Brasil, delineia-se mais claramente com o avanço da industrialização, a partir da década de 30 do século XX4. Embora a criação do Ministério da Educação e Saúde, em 1930, sinalize o início de uma reestruturação no sistema educacional brasileiro, com repercussões no ensino profissional, e apesar de o ensino industrial passar a ser considerado uma função do Estado, a educação escolar ainda não ocupava, naquele momento, posição de relevo para atender as demandas do sistema produtivo, não se verificando, portanto, uma articulação substantiva da qualificação da força de trabalho com o sistema educacional. É na década seguinte que se esboça de forma mais visível a tendência para a construção de uma política de educação profissional e, assim, demarca-se essa relação. Isso se dá, em parte, não só “com a transformação das antigas escolas de aprendizes e artífices em escolas técnicas destinadas a 4 Convém registrar que desde o início da República já se desenhava no Brasil a ideia de desenvolvimento baseado na industrialização, tanto que em 1909, pelo Decreto 7.566, o Presidente da República, Nilo Peçanha, criou 19 Escolas de Aprendizes e Artífices, uma em cada capital de estado. Essa rede de escolas de educação profissional, voltada preferentemente para os “desfavorecidos da fortuna”, era mantida pelos estados, municípios e associações particulares, com subvenção da União, e tinha como finalidade ofertar à população o ensino profissional primário e gratuito. Por apresentarem várias precariedades, de ordem material e pedagógica, essas escolas acabaram por restringir a aprendizagem ao conhecimento empírico, apenas. (SANTOS, 2000, p. 211, 214). 262 Ilma Vieira do Nascimento, Lélia Cristina Silveira de Moraes e Maria Alice Melo ministrar cursos técnicos, pedagógicos, industriais e de mestria, em várias capitais do país”. (NASCIMENTO; MORAES, 2006, p. 303), mas também com a implantação de uma legislação para organizar os diversos ramos da educação profissional - industrial, comercial e agrícola - as chamadas Leis Orgânicas do Ensino, também direcionadas para o ensino primário e secundário. A esses movimentos, impulsionados pelas demandas próprias do processo de desenvolvimento e pela difusão de uma ideologia que funda esse processo na industrialização, principalmente, soma-se a articulação do governo federal ao setor empresarial, criando, em 1942, o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI) - e, em 1946, o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (SENAC), para atender, por meio de um ensino acentuadamente prático, as necessidades de qualificação da mão de obra para esses setores econômicos. É importante ressaltar que da forma como foram realizadas, as reformas do ensino então em vigor vieram acentuar o distanciamento entre a formação geral e a profissional, reafirmando, assim, o caráter seletivo e dual da educação no Brasil. Por esse caráter discriminatório e dualista da educação, o ensino secundário continuou destinado à formação das elites dirigentes, enquanto o ensino profissional era destinado ao operariado e seus filhos. Pode-se assim afirmar que as diversas leis orgânicas do ensino, ao organizarem o ensino técnico-profissional nas três áreas da economia, em desarticulação com o ensino secundário e entre elas mesmas, constituíramse em obstáculo para a construção de uma política pública do ensino médio integrado à qualificação profissional. A primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) nº 4.024/61, sinaliza a construção de uma política orientada para a formação profissional ao estabelecer a equivalência entre os cursos técnicos profissionalizantes e os de formação geral, de orientação propedêutica, embora em tal contexto a educação profissional não se tenha alterado substancialmente. (BRASIL. LEI Nº 4.024, 2013). Mas, merece ressaltar que com o crescente avanço da industrialização no País (anos 60 e 70 do século XX), essa orientação política tende a se firmar, dando destaque à educação como necessária para atender as demandas do desenvolvimento alicerçado em bases fordistas. O discurso governamental alia-se às necessidades do empresariado, ambos propugnando a modernização do País, ou seja, o intuito é o de integrá-lo mais firmemente à divisão internacional 263 Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição do trabalho, cuidando de preservar e aprofundar a acumulação capitalista. Essa convergência de interesses e ideias encontra suporte na Teoria do Capital Humano e se materializa em políticas governamentais voltadas para a qualificação da força de trabalho a fim de responder às exigências do desenvolvimento econômico. Concretamente, reformula-se o ensino de 1º e 2º graus (BRASIL. LEI Nº 5.692, 2013), conferindo a esse nível de ensino o caráter compulsório de terminalidade e profissionalização que redundou em comprovado insucesso. Segundo Nascimento e Moraes (2006), a partir da década de 1980, a questão da qualificação do trabalhador passa a centralizar as discussões no espaço acadêmico. Prosseguindo, Nascimento e Moraes (2006, p. 304) afirmam que na década seguinte, em um cenário marcado pela flexibilização das relações de trabalho e pelo crescimento do desemprego, toma vulto o debate sobre o tema. Entre as reformas empreendidas no período, a do ensino técnico foi perniciosa para o trabalhador e para a educação profissional, pois fragilizou as bases em que esta se firmava. De fato, nas duas últimas décadas do século XX, o acesso e a permanência no mercado de trabalho passam a ditar a direção que tomam as políticas de qualificação da força de trabalho. Assim, desse final de século e já no século XXI, pode-se observar a incidência de políticas públicas referentes à formação profissional inicial que desenvolvem programas de qualificação do trabalhador sem qualquer exigência de vinculação à escolaridade, ou sem a preocupação em elevá-la, a exemplo dos cursos ministrados no âmbito do Plano Nacional de Formação Profissional (PLANFOR), cuja vigência vai de 1996 a 2002. Ao lado de programas desse tipo têm sido implementados outros, como bem sintetiza Lima Filho (2010) em um estudo que realizou sobre a integração da educação profissional com a educação básica. Para Lima Filho (2010, p. 111), as políticas públicas referentes à educação e formação profissional no Brasil têm assumido, nos últimos anos, amplos contornos em níveis e modalidades de ofertas que vão desde a formação profissional sem vínculo com elevação de escolaridade, a programas, cursos e modalidades de escolarização e formação profissional que, mediante diferentes formas de articulação (sequencial, concomitante ou integrada) abrangem a educação 264 Ilma Vieira do Nascimento, Lélia Cristina Silveira de Moraes e Maria Alice Melo fundamental, o ensino médio técnico e a graduação e pósgraduação acadêmica e tecnológica. Como se pode depreender, no amplo cenário em que se desenvolvem as políticas públicas de educação profissional, a questão da integração dessa formação com a educação escolar (de nível médio, principalmente) tem sido a pedra de toque a motivar movimentos sociais, políticos e mesmo econômicos, seja no sentido positivo de promover a pretendida integração, seja no de ignorála. Nesta última perspectiva, os setores sociais atingidos mais de perto pelos rumos que tomam essas políticas são os que, da população economicamente ativa, integram o universo de jovens e adultos pertencentes às camadas sociais portadoras de múltiplas vulnerabilidades (sinteticamente denominadas aqui de socioeconômicas). A tentativa de fazer um esboço dos encaminhamentos das políticas de formação profissional e qualificação do trabalhador no Brasil, nas três últimas décadas, leva-nos a situá-las no contexto mundial do capitalismo em que se operam mudanças estruturais e em que se acirra a concorrência no denominado mercado global. Mudanças mais visíveis no País, a partir do final dos anos 1980, que afetam fundamentalmente o trabalho e das quais não escapa a educação. Assim, as reformas educacionais implementadas no Brasil, nos anos 1990 em diante, integram, mas resguardam as especificidades locais e o novo contexto das grandes transformações do capitalismo em âmbito mundial: globalização econômica, reestruturação produtiva, avanços tecnológicos e as formas de organização e gestão do trabalho que expressam, enfim, um novo paradigma político a orientar a produção e os seus problemas. Assim, os desafios que se impõem à educação e ao mundo do trabalho parecem não estar distantes entre si, pois o terreno onde são gerados é basicamente o mesmo, ou seja, o contexto internacional em tela. A legislação educacional brasileira, movida por orientações de organismos internacionais que integram a cúpula de poder do capitalismo mundial, preconiza, a partir da reforma educacional iniciada nos anos 1990, a construção de um trabalhador de novo tipo, capaz de responder às necessidades do setor produtivo (vejase, por exemplo, a LDB – Lei 9.394/96, art. 39 a 42), passando a enfatizar o aprofundamento da relação da política de educação profissional com este mundo em transformação. (BRASIL. LEI Nº 9.394, 2013). Resta saber então: como se objetiva essa relação? 265 Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição Em um estudo sobre a reforma educacional brasileira focada no ensino médio, Silva Júnior (2002, p. 216) afirma que “a racionalidade das mudanças na esfera educacional é o resultado de suas inter-relações com as demais esferas sociais das práticas humanas e dessas com as transformações gerais da sociedade”. Prossegue explicando que só é possível entender a linha de desenvolvimento da sociedade em seu todo se for possível entender o movimento dos seus elementos basilares, no caso em questão, a economia e o trabalho. Silva Júnior (2002) analisa a expressão desse movimento em âmbito internacional e sua manifestação no Brasil, a partir dos anos 90 do século XX, para aí situar a posição do Estado brasileiro que, premido por um “novo metabolismo social”5, passa a se reformar e a empreender transformações em outros campos, como as reformas educacionais, com o fim de consolidar as mudanças sociais em curso. No âmbito dessas reformas, os discursos que mobilizam a construção do “novo trabalhador”, expressos em vários documentos, enfatizam as habilidades e competências de que deve ser detentor: flexibilidade para adaptar-se a situações variadas e inesperadas, portanto, imprevisíveis; capacidade cognitiva para lidar com conceitos; e habilidade para lidar com problemas (e sair-se bem), entre outros. Tais discursos compõem o elenco de ideias, bastante difundidas, que atribuem à educação e ao trabalho o potencial para levar a cabo as mudanças em processo. A política de educação profissional empreendida a partir dos anos de 1990, que inclui ações governamentais desde a formação profissional inicial até a reforma do ensino médio, demonstra como, na prática, se expressam essas formulações. O PLANFOR, já referido, incorpora de alguma forma aquelas concepções que imprimiriam os rumos que, a partir de então, a reforma do ensino médio e profissional deveria tomar. Numa realidade marcada pelo crescimento do desemprego e do segmento informal do mercado de trabalho, 5 A universalização do capitalismo trouxe, pela análise de Silva Júnior (2002), a internacionalização do capital produtivo, o que gerou um novo paradigma estrutural, organizacional e de gestão para as grandes corporações, provocando fusões corporativas no plano macroeconômico. Além disso, “isso impôs um novo metabolismo social cuja racionalidade é a penetração do capital em quase todas as esferas, especialmente aquelas que outrora eram de natureza pública, movimento que se iniciou pela própria reforma do Estado, que passa a gerir novas reformas, incluindo aí as educacionais, com o objetivo de iniciar e consolidar as mudanças sociais nesse novo estágio do capitalismo.” (SILVA JÚNIOR, 2002, p. 220). 266 Ilma Vieira do Nascimento, Lélia Cristina Silveira de Moraes e Maria Alice Melo pela redução do emprego industrial, entre tantos outros problemas, esse programa desenvolveu cursos rápidos de qualificação e requalificação de caráter não formal com o objetivo de contribuir para a melhoria da empregabilidade dos trabalhadores, via de regra jovens e adultos, alguns no exercício de tarefas simples ou que, potencialmente, pudessem realizá-las. Em síntese, a formação profissional desenvolvida não incluiu quaisquer preocupações com a escolaridade dos seus destinatários posto que, desvinculada de regulamentação curricular, revestia-se de um caráter instrumental muito precário. A reforma do ensino médio marcaria, no encerramento do século XX e início do novo milênio, a perpetuada desvinculação entre a formação geral (propedêutica) e a formação específica (profissional), como está consagrado no Decreto 2.208/97 e na legislação complementar (governo FHC), desvinculação presente também nos cursos de formação profissional, a que aludimos.6.(BRASIL. DECRETO Nº 2.208, 2013). É importante observar que a integração curricular entre a formação geral e a formação profissional no ensino médio, determinada pelo Decreto 5.154/04, que revogou o anterior, veio sofrendo restrições em sua realização, como analisam Frigotto e Ciavatta (2005) e Garcia e Lima Filho (2004), o que põe em xeque a pretendida superação da dualidade e seletividade, presentes, ainda, na educação brasileira. No plano dos programas de qualificação profissional é preconizada, no discurso oficial do governo que se inicia em 2003 (governo Lula), a implementação de uma política pública de qualificação concebida diferentemente da anterior. O Programa Nacional de Qualificação (PNQ), que veio para substituir o PLANFOR, toma como mote a inclusão social como eixo norteador das ações, entendida a qualificação profissional como fator de desenvolvimento econômico, portanto geradora de emprego e renda. Entretanto, os resultados dos cursos promovidos pelo PNQ não se revelaram, em sua maioria, na mesma dimensão em que foram propostos7. Sobre essa questão veja-se, entre outros, os trabalhos de Kuenzer (1997, 2006); Frigotto; Ciavatta e Ramos (2005); Moraes (2006); Lopes (2008) e Serra Pinto e Nascimento (2010). 7 Uma pesquisa avaliativa sobre a execução de ações de qualificação previstas no âmbito do PNQ, no Estado do Maranhão, revelou que 95,5% das entidades executoras não basearam a formatação da sua programação em um diagnóstico sobre a demanda. Nortearam a construção do processo de planejamento a experiência da entidade executora em cursos dessa natureza (31,8%), a solicitação da entidade governamental local (22,7%), e a experiência dos coordenadores e dirigentes da entidade quanto às necessidades locais 6 267 Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição Deve-se observar que os programas de qualificação profissional destinam-se a sujeitos determinados cujos perfis são traçados por Frigotto (2004, p. 57) como predominantemente jovens e, em menor número, adultos, de classe popular, filhos de trabalhadores assalariados ou que produzem a vida de forma precária por conta própria, do campo e da cidade, de regiões diversas e com particularidades socioculturais e étnicas. Esses jovens são o alvo privilegiado da política de qualificação profissional promovida a partir daí. Esses programas incluem ações voltadas para o desenvolvimento integral do jovem com o objetivo de “criar as condições necessárias para romper o ciclo de reprodução das desigualdades e restaurar a esperança da sociedade em relação ao futuro do Brasil.” (SALGADO, 2007a, p. 11). Essa é a perspectiva a direcionar a instauração, pelo governo federal, de uma política nacional de juventude, proposta em sua formulação como inovadora, no âmbito da qual foi implantado, em 2005, o Programa Nacional de Inclusão de Jovens: Educação, Qualificação e Ação Comunitária (PROJOVEM). Coerente com o princípio que o instaura – inclusão de jovens – esse programa se destina ao “segmento juvenil mais vulnerável e menos contemplado por políticas públicas vigentes” (SALGADO, 2007a, p. 11), na época, jovens de 18 a 24 anos que haviam concluído a 4ª série do ensino fundamental, mas sem haverem concluído a 8ª série e sem vínculos formais de trabalho. Chama a atenção a proposta de integração curricular do ProJovem no seu intuito de abranger “os diferentes aspectos do ser humano em sua interação com a cultura e a sociedade contemporânea.”. (SALGADO, 2007a, p. 32). Para tanto, estabelece como “vigas mestras” de sustentação: a Formação Básica para a elevação da escolaridade ao nível da 8ª série (na época, a série final do ensino fundamental); a qualificação para o mundo do trabalho, que incluiu uma qualificação inicial; e a Ação Comunitária, visando ao engajamento (18,2%). Para um programa que punha o planejamento como ponto de partida e de chegada na elaboração dos planos e projetos, a não realização de diagnósticos prejudicou, sobremaneira, os resultados esperados. (NASCIMENTO; MORAES, 2006, p. 313-326). 268 Ilma Vieira do Nascimento, Lélia Cristina Silveira de Moraes e Maria Alice Melo cívico do jovem. Todos esses componentes curriculares a serem desenvolvidos integradamente em 12 meses. No presente texto discutimos alguns resultados da pesquisa intitulada “Escola, Trabalho e Cidadania: um estudo longitudinal com jovens egressos e não ingressantes de um programa de inclusão de jovens”, o ProJovem, realizada pelos Programas de Pós-Graduação em Educação das Universidades Federais da Bahia, Minas Gerais e do Maranhão. No Maranhão, a pesquisa envolveu uma amostra de 115 egressos do ProJovem original (ingressos em 2005 e 2006), posteriormente denominado ProJovem urbano. O estudo longitudinal compreendeu três acompanhamentos aos egressos, durante três anos consecutivos, complementados com vários estudos de caso suscitados pelo estudo longitudinal. Buscamos verificar os efeitos do Projovem enquanto política pública de inclusão de jovens, seja pela continuidade dos estudos, pelo acesso ao emprego formal, seja inserção nas questões sociais presentes no cotidiano desses jovens. Os egressos pesquisados (115) provêm de 25 bairros da cidade de São Luís cuja maioria teve sua constituição através de ocupação de áreas vazias, portanto constata-se que o traçado das ruas foi feito pelos próprios moradores, de forma desordenada, e os serviços básicos existentes, em sua maioria, decorreram de processos reivindicatórios da população. Em geral, nesses bairros, ao serem constituídos, entre as primeiras providencias após a demarcação do território de cada família, os moradores se organizam para negociar com os poderes constituídos o encaminhamento das demandas do cotidiano. Os Egressos Envolvidos na Pesquisa: breve caracterização O grande contingente de jovens maranhenses situados na faixa etária de 18 a 24 anos (público-alvo do ProJovem), por apresentar os requisitos de escolarização em nível fundamental incompleto ou a falta de preparação básica para adentrar no mundo do trabalho, e ainda pela pouca ou nenhuma inserção cidadã nas questões sociais, impulsionou a implantação do ProJovem em São Luís. Dirige-se a segmentos sociais que se encontram na condição de vulnerabilidade social, tendo em vista que apresentam impedimentos decorrentes de um conjunto de fatores sociais. 269 Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição Esse Programa busca contribuir para a superação da situação de vulnerabilidade que atinge percentual significativo de jovens maranhenses, que se encontram expostos a riscos sociais de toda espécie – situações de violência, desemprego, falta de moradia, doença, dificuldades de acesso à educação, entre outros. No caso da educação escolar, Féres et al. (2008, p. 12) destaca que essa situação não é recente, pois durante quase quatro séculos não foi uma prioridade nem para as autoridades, nem para os segmentos significativos da sociedade. O “empurra-empurra” entre o poder central do Império e as províncias, a descentralização sem recursos, a escravatura que proibia a entrada de negros em escolas, a situação marginalizada da infância geraram uma herança até hoje pesada e não superada em matéria de discriminação étnica e de desqualificação da cultura letrada. Féres (2008, p. 17) aponta, ainda, que as soluções encontradas para atenuar essa situação recaem sobre programas assistenciais aos necessitados que constituem “meios compensatórios e complementares para a satisfação de um direito”. A trajetória de atendimento aos jovens ludovicenses não foi diferente, sobretudo quando se trata dos segmentos atingidos de forma mais aguda pela pobreza. A juventude de São Luís que compõe os segmentos mais pobres da sociedade teve seu crescimento mais expressivo a partir dos anos 1950, decorrente de um conjunto de determinantes capitaneado por mudanças na inserção do Maranhão no processo capitalista. De uma economia predominantemente agrária, onde a maioria da população habitava áreas rurais, para uma economia pautada na criação de grandes empresas minerometalúrgicas, edificadas na Capital do Estado, para onde migrou um contingente significativo de pessoas. O deslocamento dessas pessoas não foi acompanhado de sua incorporação na vida econômica, o que gerou uma periferia pobre, desprovida de serviços públicos básicos. A constituição de novos bairros, em sua maioria, se fez por um processo de ocupação de terrenos vazios de onde emergiram habitações sem títulos de propriedade. Essa situação, no âmbito da Grande 270 Ilma Vieira do Nascimento, Lélia Cristina Silveira de Moraes e Maria Alice Melo São Luís, constituída pela Capital do Estado e mais três municípios, gera problemas de grandes dimensões pela falta de serviços públicos demandados pela população. Esse panorama, delineado nos anos 1970 e 1980, gerou graves desdobramentos para a vida dos ludovicenses que se estenderam pelas décadas seguintes, uma vez que a situação de precariedade não foi superada, e alguns dos problemas se agravaram com o aumento populacional. De 2005 em diante a população convive com um movimento semelhante ao da década de 1970/80, com a vinda de grandes empreendimentos econômicos que certamente impactarão de forma negativa, especialmente os segmentos desprovidos de meios para o enfrentamento de questões sociais. Nesse sentido, estudos realizados por Holanda (2012, p. 21) apontam que “a economia maranhense no período de 2000 a 2010, cresceu em velocidade maior que a média brasileira e a média do Nordeste”. No entanto, esse comportamento não se refletiu na melhoria da qualidade de vida dos segmentos situados na periferia da Capital. Persistem a falta de acesso à saúde, à educação, ao emprego, ao transporte, ao tratamento de água e esgotos, enfim a todos os serviços públicos básicos. Em se tratando do segmento juvenil, o ProJovem ao ser criado teve como justificativa os milhões de jovens que frequentaram a escola, mas não deram prosseguimento aos estudos e sequer concluíram o ensino fundamental, o que inviabiliza qualquer projeto de acesso ao trabalho formal. O ProJovem parece preencher essa lacuna e está formatado para atingir três demandas importantes na vida dos jovens: escolarização, qualificação profissional e inserção cidadã. Em São Luís-MA, local onde inicialmente se instalou o programa, desenvolveu-se em duas fases. Na primeira, em dezembro de 2005, foram inscritos 8.368 jovens. Desses foram matriculados 4.226 jovens, e frequentaram o curso 2.010 alunos, sendo certificados 759. Conforme dados da Secretaria Municipal de Educação (SEMED), nessa etapa houve uma desistência de 21,86%, e abandono correspondente a 39,12%. Do total, apenas 747 fizeram a formação técnica específica. Na segunda fase, em outubro de 2006, foram inscritos 4.172 jovens, matricularam-se 2.634 alunos dos quais frequentaram o curso 1.253. 271 Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição Observa-se que nas duas fases foram matriculados cerca de 6.860 jovens, pouco mais que a meta prevista, que era de 5.700 vagas, no entanto foi marcante o alto índice de abandono e o baixo índice de concluintes. De acordo com estudos realizados por Bruzaca (2009, p. 146), vários fatores concorreram para esses resultados, conforme atestam os depoimentos de professores. O nível dos alunos, nós sabemos que era um público que não tinha terminado o Ensino Fundamental, e a idéia é que eles soubessem ler e escrever, mas eu me deparei com alunos em sala de aula que o nível de alfabetização era muito baixo e isso foi um entrave. Para melhor caracterização dos sujeitos que participaram da pesquisa organizamos o perfil em três blocos, seguindo as dimensões estruturantes do programa, quais sejam: escolarização, qualificação profissional e ação comunitária. No que tange à escolarização, os egressos estudados são pessoas que, por diferentes motivos, não deram prosseguimento aos seus estudos até concluir o ensino fundamental. Embora tenha sido essa exigência no universo de 115 pessoas, localizamos 23 que haviam concluído o ensino fundamental, e 5 tinham o ensino médio completo. Questionados sobre o que os motivou a participar do Projovem, suas justificativas estão relacionadas à oportunidade de cursar os arcos ocupacionais, como também adquirir conhecimentos básicos de informática. Conforme expressam os professores estudados por Bruzaca (2009, p. 133): Os arcos são um grande atrativo, que impulsionam os alunos a participarem [...] há um desenvolvimento e uma transformação de vida desses alunos. Esses arcos não vão profissionalizar de fato, mas eles vêm dar um início de uma profissionalização. Então eles vão sair do Projovem com essa iniciação dessa profissão. Embora se afirme que os jovens de segmentos mais pobres não se sentem atraídos pela escola em razão do que ela oferece, quando o seu conteúdo vai ao encontro de seus interesses a permanência desses jovens na escola se faz por mais tempo. 272 Ilma Vieira do Nascimento, Lélia Cristina Silveira de Moraes e Maria Alice Melo Os elementos discutidos neste eixo trazem sérias implicações para o processo de escolarização de jovens de segmentos populares. Estudos realizados por Zago; Nogueira e Romanelli (2000), entre outros, demonstram que a pouca escolaridade dos pais tem influência significativa nos percursos escolares dos filhos. Em se tratando dos egressos pesquisados, verificou-se que 40,87% das mães e 40,0% dos pais não são alfabetizados, o que de certa forma pode ter contribuído para o abandono da escola. Conforme Zago; Nogueira e Romanelli (2000, p. 24), nos meios populares, as crianças, no mais frequente das vezes, não têm o seu dia organizado das atividades escolares, com acompanhamento regular nos deveres de casa e outras atividades extraclasse, para reforçar e tornar mais rentável o currículo do aluno. Em relação ao sexo, a pesquisa apontou que 73% são do sexo feminino, confirmando as estatísticas nacionais mais recentes que apontam a mulher com mais anos de escolaridade que o homem. Nos bairros onde se localiza o maior número de egressos há também o predomínio do sexo feminino. Constatamos, também, que a maioria dos egressos são solteiros, embora 53% possuam filhos. Em geral o número de filhos por pessoa está dentro da média nacional, ou seja, 26,96% dos pesquisados possuem dois filhos. Destaca-se que apenas 4,35% têm 5 filhos. Associando-se o número de filhos à renda familiar, verifica-se que os egressos pesquisados vivem com dificuldades, pois 18,26% recebem abaixo de um salário mínimo, e a maioria (35,65%) tem renda em torno de dois salários mínimos. Essa situação certamente traz grandes dificuldades para a sobrevivência desses jovens. Estudos referentes à etnia demonstram que o acesso e permanência na escola estão relacionados à cor da pele dos estudantes. No caso do ProJovem, constatou-se que 28,70% são negros, 28,70% são pardos, 11,30% são morenos e 2,61% são brancos. Ao somarmos as três primeiras categorias, temos 68,70% de negros. Este fato confirma os estudos referentes a essa questão ao demonstrar que os negros possuem menos escolaridade por falta de acesso à escola ou por nela permanecerem por poucos anos. 273 Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição Sobre a qualificação profissional, esta tem sido requerida pelos jovens como forma de diminuir os índices elevados de desemprego. Em localidades como São Luís - MA, esse requisito tem sido amplamente reafirmado com a instalação de grandes empreendimentos que requerem mão de obra qualificada, e nem sempre os trabalhadores locais preenchem os requisitos. Considerando as grandes dificuldades de acesso ao trabalho, 11,31% dos egressos, ao iniciarem o curso no Projovem, já haviam realizado cursos de qualificação profissional envolvendo 22 ocupações, sendo que informática, artesanato e cooperativa foram as de maior número de participantes. Quanto ao engajamento em organizações comunitárias, os jovens têm sido apontados por pesquisadores (KRISCHKE, 2008; VENTURI; BOKANY, 2008) como o segmento que demonstra disposição em desenvolver atividades junto à sua comunidade. A situação de pobreza que grande parte deles enfrenta muitas vezes constitui impedimento para um posicionamento ativo diante das questões sociais que os atingem. São vários os motivos que mobilizam os jovens a se organizarem para suprir a ausência do Estado através da luta cotidiana pelo atendimento de demandas sociais e como forma de afirmação de sua identidade. Estudos realizados por Araújo e Magalhães (2008) mostram que em São Luís-MA existiam, nos anos de 2005 e 2006, cerca de 886 organizações envolvendo jovens. Destas, 532 organizações estão instituídas legalmente como associações recreativas, culturais e religiosas, e as 351 restantes são formadas por grupos não legalizados voltados para atividades musicais, teatro, esporte e leitura. Essas organizações estão situadas em 27 áreas que se desdobram em 49 localidades. A manutenção desses espaços de interesse coletivo é permeada de dificuldades, tais como falta de recursos e de infraestrutura. A desmobilização sazonal de seus integrantes muitas vezes inviabiliza a existência dessas organizações por mais tempo. Em se tratando dos egressos do ProJovem, os estudos indicaram que dos 115 pesquisados, cerca de 15 jovens (13%) estavam engajados em organizações comunitárias ligadas a questões religiosas, culturais, sanitárias, esportivas e educacionais. 274 Ilma Vieira do Nascimento, Lélia Cristina Silveira de Moraes e Maria Alice Melo A Qualificação Profissional no Projovem em São Luís: discutindo alguns resultados da pesquisa a partir das percepções dos sujeitos envolvidos Questões envolvendo juventude têm assumido com maior frequência espaço nos debates no campo da educação, principalmente quando se trata de colocar em pauta a reconstituição dos direitos à educação e ao trabalho. A vulnerabilidade em que se encontra a juventude, pois é um segmento social marcado por profundas carências, a colocou como alvo de várias políticas públicas, as quais tentam equacionar dois problemas: o primeiro, relativo à formação de mão de obra qualificada para o mercado, e o segundo, à retirada dos jovens da marginalidade, por meio de sua inserção na educação e em outras atividades. A esse respeito Moraes; Nascimento e Melo (2009, p. 285) afirmam que A definição de políticas públicas voltadas para a juventude, na perspectiva de recuperar a dívida social do Estado para com esse segmento, constitui-se, inegavelmente, uma necessidade emergencial e primordial no reconhecimento dos direitos e das capacidades dos jovens e da ampliação da participação cidadã. O Programa ProJovem, como já mencionamos, visa oportunizar aos jovens a elevação da escolaridade, a qualificação profissional e o planejamento e execução de ações comunitárias de interesse público. Sendo que a elevação da escolaridade refere-se à conclusão do ensino fundamental, a qualificação profissional oferecida é em nível de formação inicial, e o desenvolvimento de ações comunitárias objetiva a participação social e a valorização do protagonismo juvenil. A proposta curricular, além de contemplar conhecimentos necessários à escolarização e à profissionalização em nível básico, dá atenção especial à oferta de aulas de informática com o objetivo de favorecer a inclusão digital. Desse modo, a conclusão do ensino fundamental, o aprendizado de alguma profissão e a participação em ações comunitárias definidas no ProJovem como finalidades a serem alcançadas pelos jovens devem ser compreendidas para além das exigências postas pela sociedade. O significado desse tripé deve se expressar na reconstituição do direito à educação básica, na busca de tornar explicita e direta a relação entre o conhecimento e a prática do trabalho, 275 Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição como menciona Saviani (2006) e no reconhecimento da importância do protagonismo juvenil, no valor que o jovem tem enquanto cidadão em fase de afirmação de personalidade e busca de sentido profissional para sua vida. Para materializar tais propósitos a proposta pedagógica do ProJovem está organizada em quatro unidades formativas – Juventude e Cidade, Juventude e Cidadania, Juventude e Trabalho, e Juventude e Comunicação – que se articulam em torno de um eixo estruturante8, de instrumentais conceituais e ações curriculares. Em relação à dimensão da qualificação profissional, esta deve ser articulada às outras duas dimensões: ensino fundamental e ação comunitária, constituindo-se em um único projeto educativo. A organização pedagógica envolve uma carga horária de 350 horas assim distribuídas: 150 horas para iniciação ao mundo do trabalho e formação técnica geral, e 200 horas para a formação específica no arco ocupacional9 escolhido pelo aluno. Durante a participação no programa o aluno desenvolve um Plano de Orientação Profissional (POP)10, o qual permite que este obtenha melhor aproveitamento das oportunidades práticas e teóricas oferecidas no curso. Além disso, permite que o aluno faça uma projeção dos próximos passos de seu processo de qualificação profissional. (BRASIL. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 2005). O eixo estruturante representa uma situação-problema que apresenta relevância na vida cotidiana do jovem. Os instrumentais conceituais representam a perspectiva de abordagem da situação-problema. As ações curriculares têm o objetivo de superar a organização de disciplinas individuais, tratando-as interdisciplinarmente. Com relação a organização de tempo e espaços utilizados no programa, o mesmo é desenvolvido em núcleos, os quais são compostos por 5 turmas de 30 jovens cada, funcionando diariamente no turno noturno. (PROJOVEM, 2005). 9 O arco ocupacional representa a formação escolhida pelo aluno. A partir desta é possível a formação inicial em quatro ocupações. Para cada município é permitida a escolha de quatro arcos ocupacionais, sendo definidos através de estudo e análise do desenvolvimento socioeconômico do município. Ao todo o ProJovem original apresentou 23 arcos contemplando diversas áreas do setor produtivo. (PROJOVEM, 2005). 10 O plano de orientação profissional também é utilizado como instrumento de avaliação, por meio do acompanhamento das ações realizadas pelo jovem. (PROJOVEM, 2005). 8 276 Ilma Vieira do Nascimento, Lélia Cristina Silveira de Moraes e Maria Alice Melo Os arcos ocupacionais escolhidos pelos egressos, em São Luís, foram: Agroextrativismo11, Construção e Reparos II, Serviços Pessoais e Turismo e Hospitalidade. Houve predominância deste último, motivada por tendências de mercado, influência da família, certa dose de curiosidade e, ainda, pela possibilidade de melhoria de vida, conforme declaração dos próprios egressos assim expressa: “Aprender uma profissão, que é a garantia da vida”. (Egresso pesquisado) . A expectativa em torno da aquisição de uma profissão se constituiu para o egresso um dos fatores motivadores para a sua matrícula no ProJovem, depositando nele a crença de que seria a “porta aberta” para garantir um espaço no mercado de trabalho, fato que se revelou na inscrição de muitos jovens no programa que já haviam concluído o ensino médio. Essa motivação, certamente, não está isenta das orientações propaladas em documentos e nos discursos oficiais, quando se referem às políticas voltadas para a juventude que dão ênfase à qualificação profissional, sob o comando do processo de globalização e reestruturação da economia que exige trabalhadores preparados e dispostos a enfrentar postos de trabalho cada vez mais especializados. Na concepção de Manfredi (2002, p. 151): Nos anos 90, em virtude das transformações geradas pelos processos de reestruturação da economia, em âmbito mundial, dos processos de reestruturação produtiva e organizacional, bem como da universalização da informática e de outros meios eletrônicos de comunicação e de produção da informação, gestaram-se novas necessidades educacionais, tanto no mundo do trabalho como no campo dos direitos sociais e civis. Daí a necessidade de repensar e propor mudanças no âmbito do sistema educacional e na premência de investir em estratégias de requalificação/qualificação e de formação contínua, em outros espaços fora da escola. Na mesma direção Kuenzer (2013b) discute a influência das transformações sociais e produtivas ocorridas no mundo do trabalho sobre a educação, considerando ser ela também a responsável pela formação para o trabalho. Argumenta que a participação na vida produtiva passou a exigir do homem conhecimentos e habilidades cognitivas, o que se coloca como 11 O arco ocupacional agroextrativismo constava na relação de cursos ofertados pelo Projovem São Luís. Os alunos o escolheram, contudo, apesar de terem escolhido, não foi oferecido. 277 Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição contraditório, pois os postos de trabalho foram reduzidos significativamente em detrimento da acumulação flexível. Contudo, essas transformações vivenciadas no mundo do trabalho demandam outra relação com o conhecimento para a vida em sociedade, e a escola se constitui como a única via para a grande maioria da população. Como já elucidamos, o estudo com os egressos ocorreu em três momentos e foi orientado a partir de questões envolvendo as dimensões do programa: escolarização, qualificação profissional e ação comunitária. Procuramos identificar se haviam prosseguido nos estudos, se buscaram inserção ou investiram em alguma ocupação e quais as dificuldades enfrentadas durante o ProJovem, bem como os aspectos considerados positivos e negativos pelos envolvidos, neste caso com foco na qualificação profissional desenvolvida. O currículo integrado do programa foi tomado como o instrumento materializador das suas finalidades, ou seja, como eixo norteador das nossas buscas sobre a qualificação profissional e seus efeitos sobre a vida dos egressos. Nessa busca identificamos que um número significativo de egressos não concluiu integralmente o programa, principalmente a parte da qualificação profissional, devido a fatores diversos, como: a falta de equipamentos para as aulas práticas ocasionada pela ausência dos convênios previstos para a realização da qualificação profissional, o que implicou também a falta de professores na parte profissionalizante e na não oferta de aulas práticas. Além disso, concorreu para esse problema a não oferta das aulas de informática em várias estações. Constatamos a partir desse fato que a implantação do ProJovem em São Luís enfrentou fortes problemas relacionados à gestão local, com consequências que envolveram todo o processo de desenvolvimento do programa e contribuíram para a não certificação de muitos dos egressos. A ausência das aulas práticas durante a qualificação foi enfatizada também pelos professores pesquisados por Bruzaca (2009, p. 133): “a parte teórica era bem interessante, mas o que ficava a desejar era a parte prática. Não sei se o que eles aprenderam daria para eles conseguirem emprego com carteira assinada de boa qualidade [...]”. Convém ressaltar que a proposta pedagógica do ProJovem dá ênfase à relação teoria e prática em todas as dimensões do programa, especialmente na qualificação profissional. Assim, a ausência das aulas práticas reclamadas 278 Ilma Vieira do Nascimento, Lélia Cristina Silveira de Moraes e Maria Alice Melo pelos egressos certamente comprometeu a formação dos alunos. Recorrendo a Vásquez (1990, p. 209), verifica-se a relevância da relação teoria e prática ao afirmar que “a teoria, em si, não é prática, isto é, não se realiza, não se plasma, não produz mudança real. Para produzir tal mudança não basta desenvolver uma atividade teórica, é preciso atuar praticamente”. Uma proposta curricular integrada, segundo Ramos (2010), vai além da forma, envolve princípios e conteúdos e condições materiais e financeiras tratadas de forma indissociáveis, na perspectiva de garantir no desenvolvimento curricular os conhecimentos gerais e específicos, a cultura, o trabalho e a tecnologia, tratados no tempo e no espaço adequados à aprendizagem do aluno. Outro aspecto de destaque na pesquisa refere-se ao prosseguimento dos estudos, quando registramos que mais da metade dos pesquisados ingressou no ensino médio e uma pequena parcela chegou até à educação superior, revelando a crença desses jovens na contribuição da educação como possibilidade de mudança de vida. A presença do professor foi considerada significativa na motivação dos egressos, somada à aquisição da certificação e ao auxílio financeiro (bolsa). Na mesma proporção os egressos perseguiram uma inserção no mercado de trabalho, onde identificamos que 35,47% dos pesquisados exercem atividade de trabalho com carteira assinada ou são contratados formalmente e recebem benefícios trabalhistas, acrescidos de 18,26% que estão trabalhando, mas sem benefícios trabalhistas. Do total de egressos trabalhando (53,73%), 46,9% atribuem ao ProJovem a inserção no mercado de trabalho, com destaque para a certificação de conclusão do ensino fundamental. Merece atenção o quesito satisfação do egresso com a atividade profissional exercida, observando-se que 45,2% declararam-se insatisfeitos devido a fatores como: ausência de um vínculo formal, ou porque a atividade exercida não mantém relação com o arco cursado no ProJovem. Esse fato confere o preconizado pela política neoliberal no que tange à empregabilidade, o que Kuenzer (2013a, p. 165) denomina de exclusão includente, assim compreendida: Exclusão includente na ponta do mercado, que exclui para incluir em trabalhos precarizados ao longo das cadeias 279 Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição produtivas, dialeticamente complementada pela inclusão excludente na ponta da escola, que, ao incluir em propostas desiguais e diferenciadas, contribui para a produção e para a justificação da exclusão. Ou seja, a dualidade estrutural, embora negada na acumulação flexível, não se supera, mantendo-se e fortalecendo-se, a partir de uma outra lógica. É importante ainda evidenciar que, a partir do terceiro acompanhamento realizado durante o estudo longitudinal, foi possível reafirmar o aspecto transitório no que se refere à moradia e ao emprego desses egressos. No espaço de um ano entre os acompanhamentos observamos que essa população esteve em constante mudança de endereço. Com relação ao emprego, também observamos que muitos se identificaram ora empregados, ora desempregados, no decorrer desse período, o que reflete a instabilidade vivida por esse tipo de mão de obra. Considerações Finais Indiscutivelmente, a juventude merece a atenção das políticas públicas, o que exige a articulação com políticas gerais e específicas, focando a diversidade de situações que a envolvem. Apesar de em sua formulação o ProJovem sinalizar algumas incongruências, é a realidade concreta que dá o tom da sua efetividade ou não, por isso é fundamental que não o analisemos isolado de seu movimento real, o qual dá significado concreto e evidencia suas singularidades. O locus de realização do programa, os atores direta e indiretamente envolvidos e o processo de gestão não excluem a sua unidade naquilo que expressa a sua finalidade e seus objetivos, quais sejam possibilitar o resgate de um direito social expropriado dos jovens. Em São Luís, o programa se desenvolveu, segundo avaliação dos egressos estudados na pesquisa em foco, movido por aspectos positivos e negativos. Destacaram-se como pontos positivos a possibilidade de conclusão do ensino fundamental, a elevação da autoestima, o convívio com colegas e professores, principalmente no que se refere a orientações e incentivos dos professores. As aulas de Português e Matemática e a formação no arco ocupacional escolhido são aspectos que, em alguns casos, foram considerados fundamentais para a construção de perspectivas para o futuro. 280 Ilma Vieira do Nascimento, Lélia Cristina Silveira de Moraes e Maria Alice Melo Os aspectos negativos referiram-se, em sua grande maioria, ao funcionamento dos arcos ocupacionais, haja vista que muitos não aconteceram por falta de professores, desistência dos cursos, escassez de materiais e de espaços físicos adaptados para as aulas práticas. Falta de regularidade na distribuição de bolsas, discriminação dos alunos do Projovem por parte da gestão escolar e de alunos dos cursos regulares noturnos que partilharam o espaço com o programa, além de uma atuação menos efetiva da gestão local. A passagem pelo Projovem, apesar de não ter sido integralmente exitosa para todos eles, refletiu o interesse em aprender algo novo, seja na questão profissional ou na escolarização básica, seja no empenho e na necessidade desses jovens de inserção no sistema produtivo. O desejo de “melhorar de vida”, a necessidade de um salário para garantir o sustento da família, a busca de empregos mais satisfatórios evidenciam a responsabilidade desses jovens que, conscientes ou não, da realidade do mercado, tentam, apesar das dificuldades, conquistar seu espaço no contexto social. E isso, provavelmente, contribui para amenizar o estado de vulnerabilidade desses jovens, que em alguns casos demonstraram mais confiança em si mesmos e expressaram um sentimento de inquietação ao não negarem suas insatisfações com o não atendimento das suas expectativas em relação ao programa. REFERÊNCIAS ABRAMO, Helena Wendel; BRANCO, Paulo Martoni (Org.). 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Petrópolis: Vozes, 2000. 285 JUVENTUDE E POLÍTICAS DE QUALIFICAÇÃO PROFISSIONAL PROJOVEM TRABALHADOR – A EXPERIÊNCIA DE PERNAMBUCO Mariza Soares1 Apresentação Este artigo tem por objetivo apresentar resultados e proposições realizados após a avaliação do Programa Juventude Cidadã, atual Programa Integrado de Juventude (Projovem) Trabalhador, implementado no Estado de Pernambuco, em 2008. Contempla, assim, a temática juventude e políticas de qualificação. No capítulo 2 faz-se uma reflexão sobre o papel das organizações não governamentais como executoras da qualificação no âmbito do Projovem Trabalhador, tendo em vista que, em Pernambuco, o Programa foi executado por 15 organizações do terceiro setor, em mais de 80 municípios, com o objetivo de fornecer qualificação social e profissional a jovens e inseri-los no mercado de trabalho. A superação do desemprego juvenil por meio da geração de trabalho, emprego e renda tem se apresentado como um desafio para os governos federal, estaduais e municipais, bem como para o terceiro setor, representado aqui pelas diversas organizações sem fins lucrativos que oferecem cursos de qualificação social e profissional. 1 Mestre em Gestão Pública para o Desenvolvimento do Nordeste. 287 Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição O Programa Juventude Cidadã/Projovem Trabalhador, utilizado como estudo de caso, foi implementado em 2008, de forma descentralizada, pela Secretaria Especial de Juventude e Emprego (SEJE) do Estado de Pernambuco, em parceria com o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), com o objetivo de contribuir para a redução do desemprego juvenil. No ano seguinte o programa passou a ser denominado Projovem Trabalhador, com mudanças significativas no perfil dos beneficiários, na carga horária e nas temáticas de qualificação, deixando de contemplar a elevação da escolaridade e o trabalho voluntário. As Organizações Não Governamentais (ONG) pesquisadas, executoras do Programa Juventude Cidadã em Pernambuco, no ano de 2008, foram o Instituto de Desenvolvimento Econômico e Social de Pernambuco (IDESP), com os cursos Assistente de Vendas (automóveis e autopeças) e Auxiliar de Promoção de Vendas/Administrativo (lojas de automóveis e autopeças), ambos no arco ocupacional metal mecânica e realizados nos municípios de Caruaru, Igarassu e Cabo de Santo Agostinho; e o Instituto Brasileiro PróCidadania (Pró-Cidadania), com o curso de Vendedor de Comércio Varejista, no arco ocupacional vestuário, realizado nos municípios de Caruaru, Recife e Petrolina. Por meio do Programa Juventude Cidadã/Projovem Trabalhador o Estado oferta ao cidadão a oportunidade de se qualificar para o mundo do trabalho. Contudo, tanto com relação à carga horária dos cursos quanto à qualidade da formação ainda se podem observar vários gargalos no Programa, principalmente no que tange às dimensões de qualificação e empregabilidade abordadas neste artigo. Finalmente, no terceiro capítulo são feitas as contribuições ao aprimoramento da política de qualificação profissional para jovens em busca de uma primeira oportunidade de emprego. Juventude e Políticas de Qualificação: O Caso do Juventude Cidadã de Pernambuco (Projovem Trabalhador) Em meados da década de 1990, o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) apresentou ações estruturadas de qualificação, denominadas Plano Nacional de Qualificação Profissional (PLANFOR) e Programa de Geração 288 Mariza Soares de Emprego e Renda (PROGER) - este último com o objetivo de apoiar, mediante crédito, as micro e pequenas empresas. Em 2003, estruturou-se o Plano Nacional de Qualificação (PNQ), composto pelos Planos Territoriais de Qualificação (PlanTeQs), Projetos Especiais de Qualificação (ProEsQs) e Planos Setoriais de Qualificação (PlanSeQs). O MTE vem atuando em qualificação profissional para o mercado de trabalho desde a sua fundação. Em 2003, a partir do diagnóstico de esgotamento do PLANFOR, executado de 1994 a 2003, foi elaborado o Programa de Qualificação Social e Profissional (PQSP) e o MTE passou a adotar o conceito de qualificação como central para a política pública de geração de emprego e renda. Apesar de as políticas de qualificação profissional e de intermediação existirem há muitos anos, é somente a partir de 1996 que se nota uma preocupação em atender ao público jovem, com a criação do Serviço Civil Voluntário (SCV). O objetivo geral é capacitar o jovem para o exercício da cidadania e formá-lo para o mercado de trabalho. Em seguida, no âmbito do Programa Nacional de Estímulo ao Primeiro Emprego (PNPE), surgido em 2003, para promover a inserção de jovens no mercado de trabalho, foram criados os chamados Consórcios Sociais da Juventude, cujo modelo de gestão era o repasse de recursos do MTE para uma Organização Não Governamental (ONG) denominada entidade âncora. Por sua vez, essa organização repassava recursos para outras entidades que eram responsáveis por qualificações específicas. Posteriormente, o MTE criou o Programa Juventude Cidadã e passou a atuar de forma descentralizada, contando com os estados e municípios para a implementação do Programa. Este, em 2009, passou a fazer parte da Política Nacional de Juventude, sendo parte integrante do Programa Integrado de Juventude (PROJOVEM) com a denominação de Projovem Trabalhador. Em 2008, com a aprovação da Política Nacional de Juventude, o PROJOVEM se propõe a integrar os programas do Governo federal voltados para a juventude (Agente Jovem, Saberes da Terra, Consórcio Social da Juventude, Juventude Cidadã e Escola de Fábrica), funcionando nas modalidades Projovem Adolescente, Projovem Urbano, Projovem Campo e Projovem Trabalhador. É importante salientar que, a partir de 2009, o Programa Juventude Cidadã passou a ser denominado Projovem 289 Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição Trabalhador. Sobre este Programa, a Lei nº. 11.692, em seu Art. 16, estabelece que “O Projovem Trabalhador tem como objetivo preparar o jovem para o mercado de trabalho e ocupações alternativas geradoras de renda, por meio da qualificação social e profissional e do estímulo à sua inserção.” (BRASIL. LEI Nº. 11.692, 2013). Os recursos utilizados para financiar a política de qualificação em geral são oriundos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), do Tesouro da União e do Estado. O Programa Juventude Cidadã de Pernambuco foi financiado, em parte, pelo MTE, com contrapartida financeira do Governo do Estado e contrapartida economicamente mensurável dos governos municipais. Portanto, foi o Governo federal o principal financiador do Programa, o que está corroborado nos dizeres de Arretche (2004, p. 24), “à União cabe o papel de principal financiador, bem como de normatização e coordenação das relações intergovernamentais”. Segundo o MTE, o Programa Juventude Cidadã tem por objetivo realizar ações de qualificação social e profissional, estabelecendo como prérequisitos para a participação que os candidatos tenham entre 16 e 24 anos2, sejam estudantes ou tenham concluído o ensino médio na rede de ensino público do Estado e que estejam em situação de risco social. Assim, o Governo do Estado implantou, em 2008, o Juventude Cidadã de Pernambuco mediante Termo de Referência publicado pela Secretaria Especial de Juventude e Emprego, estabelecendo que o público a ser beneficiado compreenda jovens dos 16 aos 24 anos que careçam de oportunidades para entrar no mercado de trabalho, devido, entre outros fatores, à falta de qualificação profissional. A realização do Programa contempla 600 horas de qualificação, com pagamento de bolsa no valor de R$100,00 perfazendo um total de R$ 600,00 a título de auxílio financeiro. As organizações receberam recursos, calculados a partir do valor da hora-aula estabelecido pelo FAT, para executar os cursos de qualificação profissional nos municípios, estabelecendo-se uma relação de prestação de serviços entre ONG e Estado. 2A faixa etária do Projovem Trabalhador passou a ser de 18 a 29 anos. 290 Mariza Soares Além da realização da qualificação, os contratos com as ONG executoras estabelecem a meta de intermediação de vagas no mercado de trabalho em, no mínimo, 30% dos jovens qualificados. O Programa Juventude Cidadã foi implementado em 82 municípios pernambucanos e ofereceu diversos cursos de qualificação profissional a um universo de mais de 8.000 jovens de famílias de baixa renda, com idade entre 16 e 24 anos. Segundo o edital da Secretaria Especial de Juventude e Emprego (SEJE) - instituição responsável pelo repasse dos recursos para as ONG e pelo monitoramento da execução - as áreas de qualificação social e profissional estavam distribuídas da seguinte forma: Administração; Agroextrativismo; Alimentação; Construção e Reparos (Revestimento e Instalações); Empreendedorismo e Economia Solidária; Meio Ambiente, Saúde e Promoção da Qualidade de Vida; Serviços Domiciliares; Turismo e Hospitalidade; Vestuário; e Vendas. Essas áreas de qualificação são denominadas arcos de ocupações e servem para orientar e facilitar a organização do processo de qualificação dos jovens para a sua inserção no mercado de trabalho. Apesar dos programas de qualificação para jovens e do momento geracional especial por que passa o Brasil - particularmente em vista da chamada “janela de oportunidade”, na qual se tem um grande contingente de pessoas em idade ativa e, portanto, produtiva - representantes do setor privado afirmam que não conseguem preencher as vagas existentes por falta de mão de obra qualificada. Essa situação aumenta os desafios das políticas públicas de geração de trabalho e renda e de qualificação profissional para jovens, pois tais políticas precisam ter capacidade de inovação e flexibilidade para atender as mudanças no perfil da demanda. Nesse novo modelo de qualificação social e profissional para jovens está incluída a intermediação de mão de obra, ou seja, a inserção do jovem qualificado no mercado de trabalho como meta a ser alcançada pelas ONG executoras dos cursos profissionalizantes. No Programa Juventude Cidadã essa meta era de 30% dos jovens qualificados, o que se manteve igual no Projovem Trabalhador. Os termos contratuais estabelecem que, caso a meta não seja 291 Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição alcançada, as executoras devolvam o recurso correspondente ao percentual de jovens não inseridos em relação à meta. Nesta perspectiva, para a Organização Internacional do Trabalho (OIT), a empregabilidade é a “aquisição de qualificações, competências e habilidades requeridas pelo mercado de trabalho.” (OIT, 2001, p. 7). Assim, a empregabilidade é a qualidade do empregável, e empregável é aquele que tem as condições requeridas para se manter no mercado. Portanto, as políticas públicas de geração de trabalho e renda devem contribuir de forma significativa para a empregabilidade do jovem, e não apenas para seu ingresso no mundo do trabalho. Para o MTE, a qualificação deve ser vista como um conjunto de políticas que se situam na fronteira do Trabalho e da Educação, intrinsecamente vinculadas a um projeto de desenvolvimento inclusivo, distribuidor de renda e redutor das desigualdades regionais. (BRASIL. MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO, 2005, p. 31). Concordando com o MTE, é muito importante que a qualificação seja social e profissional para poder contemplar os desafios das diversas formas de inclusão social. As Organizações Não Governamentais como Executoras da Qualificação no Projovem Trabalhador Para fins deste artigo foram consideradas ONG as instituições que no seu arcabouço jurídico não contemplam a figura do mantenedor (fundações), que não estejam vinculadas diretamente ao governo (organizações sociais) e que tenham em estatuto a função de oferecer cursos e qualificar para o mercado de trabalho. Apesar de não ter sido possível verificar nos documentos do Projovem brasileiro referência ao Projovem uruguaio, existem semelhanças consideráveis entre os dois programas, inclusive com os cursos sendo igualmente executados por ONG, ali denominadas “entidades de capacitación”. No entanto, o processo de gestão é diferenciado porque, segundo Naranjo (2002), as entidades uruguaias podem apresentar propostas com carga horária variável, de acordo 292 Mariza Soares com a necessidade do curso que estão oferecendo, bem como tempo para o monitoramento da inserção dos jovens no mercado de trabalho. O termo de referência existe apenas como parâmetro para as ações. Com o aumento dos investimentos governamentais em qualificação por meio das ONG também é possível observar um grande número de instituições oferecendo esse tipo de qualificação. Para um dos entrevistados, o fato de o governo investir significativamente em ONG fez com que muitas organizações surgissem, umas sérias, outras nem tanto, indicando que o monitoramento e o controle social podem fazer a diferença. Com o passar do tempo devem se sustentar somente as ONG que se qualificarem e conseguirem manter uma gestão eficiente. Assim, a tendência é que se consolidem as instituições que já atuavam na área e tinham uma gestão consolidada, ou aquelas que mesclaram as fontes de financiamento, pois a sustentabilidade das organizações não é possível somente com os recursos do Projovem. Mesmo com todas as parcerias firmadas pelas executoras, para um dos entrevistados ainda é preciso investir muito em qualificação. “O recurso que o governo está investindo em qualificação ainda é pouco porque hoje, do sul ao norte, o grande problema do Brasil se chama falta de qualificação profissional.” (SOARES, 2010, p. 76). Essa impressão é confirmada pelo jornal O Globo, de 25 de junho de 2010, na matéria “Planejamento criticou política de emprego”, onde afirma que fora publicada no Portal do Planejamento a avaliação das ações federais. (IOSCHOPE, 2010, p. 18). A matéria citada, subsequentemente retirada do site, criticava a política de emprego do Governo federal, por dar cada vez menos atenção ao problema da qualificação profissional, um dos gargalos da economia brasileira. Corroborando o tema, a Organização das Nações Unidas (ONU) também alerta, em matéria publicada no jornal O Globo, que é preciso reforçar o ensino de jovens. É preciso reduzir o abandono de jovens no ensino médio. Em 2008, 16% dos jovens de 15 a 17 anos estavam fora da escola, gerando alta vulnerabilidade. Com tanta gente em 293 Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição idade de trabalhar, mais de 130 milhões numa população de 193 milhões, como há queixas de falta de mão de obra?. (IOSCHOPE, 2010, p. 18). Com um desafio imenso pela frente, o papel das ONG na qualificação profissional de jovens ainda será importante por muitos anos, pelo menos até que o governo consiga estruturar e expandir os espaços públicos de treinamento profissional, como os institutos federais de ensino técnico. Além disso, deve haver a oferta de cursos gratuitos pelos diversos municípios brasileiros, a melhoria da qualidade e o direcionamento do ensino médio, incluindo a qualificação social como parte integrante da rotina das escolas e em disciplinas específicas de educação para o trabalho. Dessa forma, ao concluírem essa etapa, os jovens terão condições reais de inserção no mercado de trabalho aliadas à continuidade dos estudos de nível superior ou técnico. É necessário fazer algumas considerações para que a qualificação social e profissional ofertada aos jovens seja inclusiva, não só para a inserção do jovem no mercado de trabalho, mas também para a sua vida social. É preciso refletir sobre as formas de inserção dos jovens no mundo produtivo, analisando se todas as estratégias que vêm sendo adotadas nos programas de qualificação são, de fato, geradoras de trabalho decente. De acordo com a OIT, por ocasião da Oficina Técnica sobre Trabalho Decente e Juventude, realizada em Brasília, em 2008, “uma contínua e precária inserção do jovem no setor informal, no começo de sua carreira profissional, tende a gerar prejuízos e pode comprometer toda a sua trajetória profissional”. Dando seguimento ao debate sobre trabalho decente, em reunião realizada no dia 28 de julho de 2010, o Subcomitê da Juventude e Trabalho Decente do Ministério do Trabalho, criado para discutir a “Proposta de Agenda Nacional de Trabalho Decente para a Juventude”, teve como principais tópicos discutidos:3 • 3 a instituição de mecanismos ou práticas que contribuam para a ampliação das chances de conciliação entre trabalho, estudos e vida familiar do jovem, de forma que a jornada de trabalho não prejudique a trajetória de estudo; Disponível em: <www.cnf.org.br/noticias1>. Acesso em: 23 set. 2010. 294 Mariza Soares • a necessidade de ampliar as ações governamentais para a juventude rural e os jovens de comunidades tradicionais, considerando suas especificidades; • a importância dos cursos profissionais ministrados pelo Sistema S para jovens, a partir dos padrões desenvolvidos pioneiramente pelo Serviço Nacional da Indústria (SENAI) e Serviço Nacional do Comércio (SENAC). Ao realizar uma reunião como essa e colocar em pauta a proposta de agenda nacional de trabalho decente para a juventude, o governo demonstra que continua empreendendo esforços para encontrar equilíbrio entre políticas de qualificação profissional, inserção no mercado de trabalho e educação formal. Esta não é, contudo, uma tarefa simples, pois envolve temáticas complexas e de difícil integração no curto prazo. Além das modalidades e formas de inserção que são estimuladas pelos programas públicos de qualificação social e profissional, cabe uma análise das metodologias adotadas para a realização dos cursos, bem como da trajetória percorrida pelos jovens na busca de sua formação profissional. Procura-se encontrar maneiras de não gerar o descrédito nos programas públicos, orientar e promover a crescente ascensão no itinerário formativo, a fim de ampliar e aprimorar o nível de conhecimento, seja pela inclusão produtiva, seja pela inclusão educacional. Foi pensando em contribuir com o modelo atualmente adotado pelos programas públicos de qualificação social e profissional executados por ONG que identificamos no Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (SENAC), em Pernambuco, a possibilidade de uma análise comparativa entre os modelos de gestão e os métodos adotados na realização de cursos profissionalizantes para jovens, bem como na intermediação de mão de obra juvenil qualificada. No geral, as organizações do Sistema S trabalham de forma descentralizada, com unidades em vários estados, seguindo a orientação e o planejamento da matriz. O modelo é o de serviços autônomos, que permite o desenvolvimento de programas regionalmente específicos, muitas vezes com apoio da direção nacional. Permite, também, que as lições retiradas de fracassos e sucessos sejam compartilhadas para o aprendizado de todas as 295 Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição organizações da rede, já que o planejamento é realizado por cada regional e posteriormente compartilhado em reuniões nacionais, coordenadas pelo departamento nacional. A estrutura federativa flexível e autônoma propicia a renovação e permite o atendimento de necessidades específicas. Dentro do Sistema S o SENAC é a “instituição de educação profissional do setor de comércio, bens, serviços e turismo” (BRASIL. MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO, 2013a) e, por esta razão, tornou-se a instituição comparável com as ONG executoras, já que os cursos oferecidos pelas ONG no âmbito do Programa Juventude Cidadã-PE contemplaram o setor do comércio. As diferenças observadas entre as ONG executoras e o SENAC-PE fazem parte de uma construção histórica em relação ao tempo de existência das instituições. Assim, enquanto a ONG executora entrevistada mais antiga tem 15 anos de atuação, o SENAC já completou mais de 60 anos. Some-se a isto a garantia constante de receita para o SENAC-PE durante esse período, por meio da contribuição compulsória, permitindo melhor gestão do fluxo de caixa para a construção e montagem da sua própria estrutura, com infraestrutura apropriada para a oferta dos cursos, desenvolvimento de materiais didáticos e de currículos próprios e aquisição de equipamentos adequados, o que resultou na construção da imagem que está consolidada na sociedade sobre a qualidade dos serviços oferecidos pelo SENAC-PE. Quanto ao planejamento institucional, as ONG executoras e o SENAC-PE se aproximam bastante, por realizarem planejamento anual e com envolvimento de diversos setores e colaboradores, mesmo que no caso das ONG executoras o planejamento esteja mais voltado para as questões operacionais dos projetos do que para a estratégia, no sentido de manter a instituição fiel à sua missão. Os cursos ofertados pelas ONG são, em geral, pautados pela orientação do governo, por meio de editais que determinam desde o tipo de curso até a quantidade de horas-aula, o número de alunos em sala, a divisão da carga horária e as modalidades de inserção, o que fragiliza as instituições no que diz respeito à sua autonomia político-pedagógica. 296 Mariza Soares No caso do SENAC, os cursos não são pautados pelo Governo, e sim pela demanda do mercado verificada a partir de pesquisas realizadas pela Central de Oportunidades Profissionais do Egresso (COPEG) e por cada departamento com os alunos concluintes dos cursos. Os cursos são modulados, “buscando flexibilizar sua organização e possibilitando ao aluno saídas intermediárias ao final de determinados módulos”. (ARAÚJO, 2008, p. 60). Os Departamentos Regionais de todo o país têm autonomia quanto ao lançamento de novos cursos, desde que estejam alinhados ao Decreto 5.154/2004, o que permite ao aluno a construção de seu itinerário profissional. Assim, o aluno pode iniciar seus estudos no nível de Aprendizagem e seguir para os outros níveis, sendo aproveitadas as suas competências adquiridas na modalidade anterior. (ARAÚJO, 2008, p. 62). O modelo de itinerário formativo é uma vantagem comparativa da estruturação de cursos oferecidos pelo SENAC-PE em relação aos cursos oferecidos pelo governo e executado pelas ONG. Se fosse possível seguir a mesma lógica, os beneficiados seriam os jovens que já passaram por cursos oferecidos pelo governo, no âmbito da política pública de geração de emprego e renda e de qualificação social e profissional para jovens. Em outros países experiências semelhantes vêm sendo implementadas. O sistema alemão, com base em pesquisa realizada na década de 1980, propôs o conceito de qualificações fundamentais, haja vista que o mercado de trabalho indicava que os conhecimentos técnicos se tornavam obsoletos devido às rápidas transformações ocorridas na estrutura técnica e econômica. Assim, as novas qualificações exigidas teriam que corresponder aos conhecimentos e destrezas que não se restringissem a uma só profissão, mas tivessem um espectro mais amplo. Este seria o caso de línguas estrangeiras e capacidades formais de autonomia, flexibilidade e transferibilidade. Além disso, capacidades comportamentais como sociabilidade, cooperação, participação e organização. (OIT, 1999, p. 86). Na Espanha, “no ensino do ciclo formativo, se inclui, também, um módulo de formação e orientação laboral que não tem relação direta com a competência profissional.” (OIT, 1999, p. 93). 297 Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição Segundo F. Vargas, consultor do Centro Interamericano para o Desenvolvimento do Conhecimento em Formação Profissional (OIT, 1999), os novos programas de formação devem conter transformações em sua estrutura, que tende a ser de caráter modular; em seus conteúdos, para que se movam em direção a conceitos de amplo espectro e de fortalecimento de princípios básicos; e, finalmente, em suas formas de entrega, que comportam novas estratégias pedagógicas para o processo de aprendizagem. Competências Inter profissionais - necessárias a qualquer trabalhador. Estão relacionadas com as questões e desafios do mundo do trabalho, a pesquisa de dados, a utilização dos recursos tecnológicos, a preservação do meio ambiente, a ética das relações humanas, a saúde e a segurança no trabalho, o direito individual e o dever para com o coletivo. (SENAC, 2004, p. 33). Mesmo não sendo o ponto principal deste artigo, a dimensão da empregabilidade é fundamental na política de qualificação social e profissional para jovens. No entanto, não foi possível obter dados comparáveis entre o SENAC e as ONG, pois o SENAC parte da premissa da busca espontânea, o que não inclui a obrigatoriedade de promover a inserção. Isto não significa que a organização não esteja preocupada e ocupada com o mercado de trabalho, tanto que a demanda por inserção levou o SENAC a estruturar a COPEG. Informações obtidas durante a entrevista revelam que, em 2009, a COPEG encaminhou ao mercado de trabalho 7.673 pessoas, das quais 2.493 foram efetivadas, o que corresponde a 32% de colocados. Ao se considerar a soma das vagas oferecidas nos cursos destinados à prática do comércio, incluindo o empreendedorismo e a economia solidária, observa-se que o Juventude Cidadã ofereceu mais de 38,5% do total de vagas para a área de vendas, o que evidencia que este é o curso mais demandado ou, no mínimo, o mais ofertado. As entidades executoras do Juventude Cidadã 2008 (Projovem Trabalhador) foram bem-sucedidas em inserir uma parcela significativa dos jovens no mercado de trabalho após o curso, chegando a 46%. Esse dado demonstra que os objetivos do Programa foram alcançados, mesmo que o total de 46% de inserções não possa ter sido comprovado pelas entidades executoras durante a vigência do contrato. 298 Mariza Soares Como explicado, as entidades executoras precisam cumprir a meta contratual de inserir no mercado de trabalho 30% dos jovens qualificados. Para alcançar a meta estabelecida pelo Programa no prazo contratado, observase, ainda que empiricamente, que as ONG utilizam a prerrogativa das formas de inserção estabelecidas pelo Programa para incluir jovens na modalidade de “formas alternativas de ocupação e geração de renda”, mediante a distribuição de kit contendo objetos compatíveis com o curso que foi oferecido. Por exemplo, se o curso é de Esporte e Lazer, o jovem pode receber um kit contendo bambolê, apito etc., ao passo que em um curso de Manutenção de Computadores o jovem recebe um kit contendo algumas ferramentas básicas utilizadas nesse ramo. Portanto, se o prazo dado às ONG fosse compatível com o tempo necessário para se fazer uma inserção de qualidade, mesmo que em um trabalho informal, o próprio governo se beneficiaria ao reportar os resultados alcançados. No manual de execução do Juventude Cidadã, distribuído em evento realizado pelo MTE em Brasília, no ano de 2008, tem-se a seguinte resposta para a pergunta nº. 24: “Por quanto tempo o jovem tem que ficar empregado?” Não há uma exigência de período de permanência do jovem na empresa. O contrato de trabalho é por tempo indeterminado. O que não pode acontecer é a demissão do jovem após um curto período de contratação. (Um a três meses sem uma justa causa). (BRASIL. MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO, 2008, p. 4). Entretanto, não foi possível encontrar, nos documentos pesquisados, a quem é atribuída a responsabilidade pelo acompanhamento do jovem no mercado de trabalho, muito menos como isso deve ser feito nos casos de inserção na modalidade de formas alternativas de ocupação e geração de renda. Essa atribuição de monitoramento seria extremamente pertinente, já que ao se tratar da inserção de jovens no mercado de trabalho a preocupação não deveria se restringir à quantidade, mas também à qualidade da inserção, orientando-se pelas diretrizes da OIT sobre trabalho decente. Na Oficina Técnica sobre Trabalho Decente e Juventude, realizada pela Secretaria Nacional de Juventude, em Brasília, de 19 a 20 de novembro de 2009, no âmbito da Reunión Especializada de la Juventud del Mercosur, a OIT definiu o trabalho decente como “uma ocupação produtiva e adequadamente remunerada, exercida em condições de liberdade, equidade e segurança, e que seja capaz de garantir uma vida digna.” 299 Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição Assim, quando se analisa a forma como os jovens estão sendo inseridos no mercado é necessário questionar se essa forma pode ser considerada trabalho decente, ou seja, se os jovens estão assegurados pela previdência social e amparados pelos demais direitos trabalhistas, principalmente quando se encontram em condições de trabalho similares às relatadas abaixo: Tem aquela venda de feira do dia a dia, onde muitos alunos foram inseridos, eles empreenderam, tem muitos que empreendem pequenos negócios, a gente tem alunos que até hoje vendem calcinha, sutiã, essas coisas assim, em função do trabalho que foi feito. (SOARES, 2010, p. 81). Não se pretende aqui externar qualquer juízo de valor contra a profissão de vendedor ou feirante. Ao contrário, já que muitos empreendedores nessa área obtêm sucesso financeiro e renda suficiente para manter uma vida digna. Mas não é possível afirmar que um jovem que vá trabalhar na feira tenha garantias sociais e trabalhistas e que seu futuro profissional e educacional não será comprometido ou fadado a uma eterna inclusão precária. Com a análise que foi realizada percebeu-se que ainda há muito que se avançar na política pública de geração de emprego e renda por meio da qualificação social e profissional para o segmento jovem da sociedade, e que as ONG devem buscar diversificar suas fontes de financiamento, bem como pleitear maior participação e envolvimento não só na execução dos programas públicos como meras prestadoras de serviços, mas também como atores políticos importantes na concepção desses programas. A contribuição das ONG tem sido de grande importância para a evolução da política de qualificação social e profissional, talvez mais social que profissional. Embora não seja objetivo das ONG substituir a ação governamental, sem a sua contribuição seria inviável o governo beneficiar tantos jovens em apenas um ano de execução do Programa. De qualquer forma, não se pode perder de vista que o papel das ONG é bem mais amplo: As ONGs deveriam buscar acompanhar criticamente as políticas do governo, questionar as ações do Estado, apontar falhas, propor novos modelos de gestão pública e reivindicar a participação na elaboração das políticas públicas. É nesse sentido que se mostram ameaçadoras, pois ao colocar em prática projetos sociais inovadores, podem provar que é possível 300 Mariza Soares administrar melhor os problemas enfrentados pela população. (CAMBA, 2009, p. 52). A título de contribuição, o capítulo seguinte apresenta sugestões para o aprimoramento dos programas públicos de qualificação social e profissional para jovens em busca do primeiro emprego como forma de inclusão social e produtiva. Contribuições para Aprimoramento da Política de Qualificação Profissional de Jovens para o Primeiro Emprego Foi possível verificar que, ao implementar um Programa da magnitude do Juventude Cidadã (Projovem Trabalhador), o governo promove a geração de trabalho e renda no terceiro setor para múltiplos atores, tais como: educadores, coordenadores de projetos, merendeiras e auxiliares diversos, fazendo do terceiro setor uma alternativa viável para vários tipos de profissões e profissionais. Esse fato poderia ser considerado como resultado positivo do modelo de gestão adotado pelo governo. Para Campagnac (2006), as ONG são agregadoras de pessoas com visão de futuro e projeto político, além de constituírem reserva de capital profissional. Assim, o Estado desempenha dois papéis distintos com a execução de programas públicos de qualificação: por um lado, capacita jovens que levarão um tempo considerável para serem absorvidos pelo mundo do trabalho, tanto pela pouca qualificação quanto pela falta de experiência, já que “a capacidade de trabalho [...] nada é, se não se vende” (MARX, 2002, p. 202) e “[...] de modo que alcance habilidade e destreza em determinada espécie de trabalho e se torne força de trabalho desenvolvida e específica, é mister educação ou treino [...]” (MARX, 2002, p. 204); por outro lado, fomenta a manutenção da reserva de capital profissional por meio da exposição dos trabalhadores do terceiro setor a atividades práticas nas áreas de qualificação e administração, proporcionando um treinamento constante. Os jovens qualificados pelos programas públicos de qualificação social e profissional geralmente não têm experiência profissional e, portanto, estão em busca da primeira oportunidade de trabalho, ou seja, do primeiro emprego. Sendo assim, é preciso continuar refletindo e aprimorando as formas de se qualificar essa camada da sociedade para sua participação efetiva no 301 Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição mundo produtivo, seja por meio do trabalho formal ou até mesmo pela geração de renda, seja por meio de atividades empreendedoras. No entanto, mais que qualificar os jovens para um trabalho que nem sempre garante os direitos trabalhistas básicos, seria importante ampliar os investimentos na qualificação desses jovens para a vida, além do exercício de uma profissão, pois em muitos casos os empresários preferem realizar o treinamento profissional com os jovens no ambiente de trabalho, ou seja, na própria empresa. Em conversa com empresários sobre este tema, ouviu-se que ao contratarem um jovem de primeiro emprego procuram “boa postura, comprometimento, seriedade, vontade de crescer na empresa e saber lidar com outras pessoas” (Breno Accioly, Gerente do Carrefour). (SOARES, 2008, p. 107). Isto é parte da qualificação social. Para o SENAC, não se trata apenas de qualificar para o trabalho em si, mas de formar para a vida na qual também se insere o trabalho nem sempre como foco fundamental da existência, com uma flexibilidade e um alcance suficientes para que se possa enfrentar o emprego, o desemprego e o auto emprego. (PAIVA 2006 apud SENAC, 2004, p. 15). Com as mudanças ocorridas no Programa Juventude Cidadã, o atual Projovem Trabalhador oferece apenas 100 horas dedicadas ao que está denominado de qualificação social, contemplando conceitos básicos sobre direitos humanos, cidadania e conhecimentos para a vida em sociedade. Segundo o SENAC (2004, p. 34), “não se desenvolvem competências profissionais a partir da mera aplicação instrumental dos conteúdos ou sem incluir o exercício de atividades concretas de trabalho”. A compreensão dos riscos e das potencialidades contidas no sistema modular se coloca como indispensável para todos os que estão comprometidos com a construção de um novo caminho para a educação profissional, voltado para a qualificação social dos trabalhadores. Esse caminho, sem dúvida, exigirá das instituições de educação profissional maior reflexão sobre questões como índole, caráter, solidariedade, responsabilidade e outros atributos da formação 302 Mariza Soares da personalidade, além daqueles já demandados pelos novos paradigmas de organização do trabalho (SENAC, 2004, p. 41). O próprio MTE reconhece que as experiências em qualificação e educação profissional acumuladas pelos sindicatos e por outros movimentos sociais é um ponto de partida para a democratização e a reformulação das políticas públicas de trabalho e de educação. (LIMA; LOPES, 2005, p. 37). A pesquisa confirmou, tanto nas falas dos alunos entrevistados como nas de empresários e das próprias entidades executoras, o que já está posto pelos diversos autores citados, ou seja: é preciso ir além da qualificação para o trabalho; é necessário qualificar para a vida - o que o MTE já reconhece como uma expertise dos sindicatos e dos movimentos sociais. A flexibilidade nos ajustes com os atores dos serviços descentralizados é uma das condições para se obterem melhores resultados. Assim, abandona-se a visão legalista contratual e parte-se para a negociação, para o trabalho realizado em parceria. Este é o caminho que deve ser trilhado pela administração para chegar à modernidade exigida pela sociedade. Prevalece o fim, diminuindo-se a importância dos meios. Considerando o reconhecimento do próprio MTE ao declarar que organizações, sindicados e movimentos sociais já acumularam experiência na execução de programas de qualificação social e profissional, essas instituições poderiam ser convidadas a participar da reformulação do programa para anos seguintes. Isto poderia acontecer pelo menos anualmente, por meio de um evento organizado pelo MTE para avaliar as experiências e colher subsídios para as novas etapas do Programa. A qualificação social pode ser definida por meio da promoção de ações que contribuam para a formação holística do indivíduo, dando-lhe acesso a conhecimentos importantes para a vida em sociedade e permitindo que se torne sujeito de direitos, partindo não apenas de aulas teóricas, mas criando situações reais de aprendizado, tais como atividades que permitam o acesso à cultura. A qualificação profissional do Projovem Trabalhador, como já mencionado, poderia incorporar a metodologia de itinerário formativo 303 Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição adotada pelo SENAC. Com isto, ao final da completa realização dos cursos de um arco ocupacional o jovem poderia ser certificado na profissão cursada. Mesmo não sendo a Classificação Brasileira de Ocupações (CBO) um instrumento de certificação, este tem sido o principal instrumento para criação e desenho das políticas de qualificação. Portanto, como contribuição, propõe-se que o curso de Vendedor de Comércio Varejista (vestuário) esteja dentro de um novo arco, denominado “Operadores do Comércio em Lojas e Mercados”, de acordo com a Ocupação 5211 do CBO2002, e que o curso de Assistente de Vendas (automóveis e autopeças) seja incorporado ao arco “Técnico de Vendas Especializadas”, de acordo com a Ocupação 3541 do CBO2002. Após o cumprimento de todo o ciclo da formação social os jovens poderiam receber formação básica pertinente à família das ocupações acima listadas e, depois disso, fazer cursos de curta duração que permitissem o aprimoramento nas áreas específicas. Seria importante incorporar ao Programa um sistema de mérito com a realização de avaliação, mesmo que esta se realizasse por empenho, e não por desempenho. Os educadores são peças-chave para enfrentar os desafios diários da qualificação de jovens. Neste sentido, a criação de um programa de formação continuada e certificação para educadores sociais seria de extrema valia para os profissionais que atuam nessa área, pois para que se garanta a qualidade na educação, é necessário garantir a interligação de conteúdos, das escolhas metodológicas mais adequadas, a gestão democrática, a formação contínua de profissionais e dos recursos humanos, o aumento dos recursos financeiros, sem os quais não há mudança e nem transformação possível. (CAMBA, 2009, p. 53). A dificuldade que as organizações encontram para alcançar a meta estabelecida pelo governo de inserção de 30% dos jovens qualificados está, em grande parte, atrelada ao prazo extremamente curto para o seu alcance. Em geral, os cursos ainda estão sendo concluídos quando os prazos estabelecidos nos contratos firmados entre as ONG e o governo estão se encerrando, incluindo-se aí o tempo para a inserção. 304 Mariza Soares No caso específico do Programa Juventude Cidadã, o prazo para o processo de inserção era de apenas 75 horas, ou seja, menos de 10 dias. No atual Projovem Trabalhador é de 2 meses após a formação. Nossa proposta é que o governo estabeleça um prazo maior, pois assim não só as organizações poderiam cumprir as exigências contratuais com mais qualidade, inserindo mais jovens em empregos formais, mas também o próprio SINE poderia melhorar seus indicadores de intermediação. É preciso encontrar alternativas para viabilizar a busca pelo emprego, pois embora os jovens concluam a formação, muitas vezes não têm condições financeiras para continuar procurando trabalho. Silva et al. (2004, p. 48) afirmam que “a obtenção de uma vaga no mercado de trabalho requer, dentre outros fatores, a exposição do trabalhador a vários processos seletivos, o que demanda tempo e implica custos financeiros.” Uma sugestão para minimizar o problema exposto no parágrafo anterior é diluir o valor total do auxílio financeiro em mais parcelas ou simplesmente alocar parcelas para depois da conclusão do curso, facilitando o deslocamento dos jovens, após a formação, em busca de vagas no mercado de trabalho. Hoje, o benefício cessa com o fim da qualificação, não contemplando os gastos incorridos nem na busca pelo emprego nem no primeiro mês de trabalho, tais como pagamento de fotografias 3x4, cópia de documentação, transporte etc. Com relação ao padrão de execução para aquelas organizações que realizaram cursos em municípios da Região Metropolitana do Recife e do interior do Estado, percebeu-se que os jovens do interior consideraram suficiente a formação que lhes foi oferecida, mesmo quando não foi possível ministrar as aulas de informática por falta do laboratório e de conexão à internet. Entretanto, essa aceitação não se repete na Capital, onde talvez o maior acesso dos jovens à informação aumente o seu grau de exigência. Esses jovens tendem a se mostrar insatisfeitos com o que é oferecido pelo governo e pelas executoras. Assim, propõe-se que seja definido um padrão de estrutura necessária na oferta dos cursos. Não se teve a pretensão de esgotar todas as possibilidades na busca de um modelo de gestão para a qualificação profissional executada por ONG, muito menos de encontrar respostas para todos os desafios a serem enfrentados pela política pública de juventude, mas sim de contribuir com questionamentos 305 Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição que merecem reflexão para continuar o avanço rumo à inclusão social de jovens também no trabalho, sem restringir o acesso à educação e à continuidade do crescimento pessoal. REFERÊNCIAS ARAÚJO, M. D. O. O programa aprendizagem: um estudo da formação do jovem aprendiz no SENAC/PE. Recife: O Autor, 2008. ARRETCHE, Marta. Federalismo e políticas sociais no Brasil: problemas de coordenação e autonomia. São Paulo em Perspectiva, São Paulo, v. 18, n. 2, p. 17-26, 2004. BRASIL. Decreto-Lei no. 6.633, 5 de novembro de 2008. 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No Brasil, tem sido uma prioridade nacional o combate a uma desigualdade que tem raízes profundas e que, não sendo equacionada, distancia o País de qualquer projeto civilizatório. Portanto, várias são as tentativas de enfrentamento dessa problemática: o presente artigo trata de uma delas, da síntese avaliativa da experiência do Fundo de Combate à Pobreza (FECOP), iniciativa do governo do Ceará. O referido Fundo constitui uma tentativa de promover transformações estruturais que possibilitem às famílias que estão abaixo da linha da pobreza o ingresso no mercado de trabalho e o acesso à renda e aos bens e serviços essenciais através da ampliação de investimentos em capital social, físicofinanceiro e humano. O processo avaliativo verificou os efeitos e os impactos que foram gerados pelo Projeto E-Jovem - 1º Passo, experiência financiada pelo FECOP junto a populações caracterizadas por um elevado grau de vulnerabilidade social. A experiência aqui relatada é parte de um estudo maior que resultou na Sociólogo; doutor em Sociologia pela Universidad de Salamanca - Espanha; professor da Universidade Estadual do Ceará (UECE). 2 Socióloga; mestre em Políticas Públicas; doutoranda em Democracia para o Século XXI pela Universidade de Coimbra. 1 311 Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição avaliação qualitativa e quantitativa de tal Projeto. Os resultados demonstraram, em conformidade com o entendimento dos técnicos e dos jovens atendidos pelo projeto, contribuição na qualidade de vida de uma parcela muito pequena da população carente do Ceará. No entanto, para os beneficiários, o projeto oportunizou não só mudanças no comportamento, mas também no relacionamento com a família e experiências de cooperação. Os indicadores quantitativos e qualitativos apontaram que o objetivo principal foi atingido: qualificação para o mercado de trabalho. Contudo, a experiência também aponta que embora os resultados tenham sido avaliados positivamente no contexto dos beneficiários diretos do projeto, tais benefícios não foram capazes de gerar impacto positivo no conjunto geral da população da qual tais jovens são parte integrante. Os dados de tal avaliação remetem o estudo à discussão sobre conceituação de pobreza, exclusão, desemprego e desigualdade social, bem como à identificação de quem são e como vivem os pobres das diversas regiões do mundo. No campo da mesma discussão, o desafio de pensar políticas públicas capazes de enfrentar esse problema universal. Pobreza, Exclusão e Desemprego Pobreza, exclusão e desemprego são conceitos que identificam situações específicas de economias em crise, mas que também estão intimamente relacionados aos processos de desenvolvimento. Pobreza é um conceito de difícil elaboração, podendo ser definido de forma mais abrangente, como faz Rocha (2008), quando diz se tratar da situação na qual as necessidades não são atendidas de forma adequada. Exige, portanto, segundo a autora, outras definições para explicitação do entendimento do que sejam essas necessidades. A complexidade de tal conceito e as dificuldades políticas que existem na superação das mesmas decorre de distintos fatores. Algo que vem ficando cada vez mais claro, contudo, é o fato de o simples desenvolvimento de um País não garantir a superação de elevados índices de pobreza. Portanto, sociedades desenvolvidas convivem com o status de sociedades desiguais. O relatório da CEPAL (2008, p. 78), afirma: 312 Francisco Horácio da Silva Frota e Maria Andréa Luz da Silva [...] o objetivo maior do desenvolvimento é o bem-estar social, com ênfase nos direitos humanos, nas liberdades e na participação política; o crescimento econômico não é um fim em si mesmo, mas um meio para atingir esse objetivo. Pensar o desenvolvimento de forma inclusiva tem sido um desafio das sociedades modernas. Neste sentido, se constituiu em ganho para o entendimento de tal necessidade o posicionamento que vem sendo adotado pela Organização das Nações Unidas (ONU) e pelo Banco Mundial (BM). Muito significativa também tem sido a linha de entendimento da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) na redução da pobreza e na luta contra as desigualdades, destacadamente quando estabelece a luta contra a pobreza como uma das prioridades do seu Programa de Ciências Humanas e Sociais. (WERTEIN; NOLETO, 2003). Segundo o IPEA (2009), todos os 191 Estados Membros das Nações Unidas se comprometeram a erradicar a extrema pobreza e a fome. Os documentos do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) afirmam que até 2015, segundo estimativas do Banco Mundial, a taxa global de pobreza (renda) é projetada ao redor de 15%, ligeiramente acima dos 14,1% previstos antes da crise financeira mundial, mas ainda superando as metas graças a ganhos acumulados no passado. (PNUD, 2013). O relatório da ONU (2001, p. 1) sobre a pobreza no Brasil, de março de 2001, entre outras recomendações já destacava: [...] o Brasil, nos últimos anos progrediu muito nas suas políticas sociais e nos respectivos indicadores, sobretudo nas áreas de saúde e educação. [...] a pobreza continua inaceitavelmente alta para um país com níveis de renda média do Brasil. Os casos mais graves de pobreza associada à insuficiência de renda concentram-se na região Nordeste e nas áreas rurais e urbanas menores. [...] se o Brasil atuar de forma decisiva poderá alcançar as metas ambiciosas de melhoria em seus indicadores sociais, inclusive o objetivo de reduzir em 50%, até o ano de 2015, a taxa de pobreza extrema. 313 Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição O referido relatório teve como norte uma abordagem estendida do que seja pobreza, haja vista que a tratou como a inexistência de bem-estar para segmentos importantes da sociedade. Esse entendimento se refere não apenas à insuficiência de renda e consumo, mas também às carências de dois tipos distintos e complementares: primeiro, as necessidades como educação, saúde, nutrição, moradia e segurança; segundo, as necessidades relativas a uma maior inclusão com a possibilidade de se fazer ouvido e participativo. Isso tudo porque o Brasil é um país rico, porém desigual. Embora a desigualdade seja comum em todas as estruturas sociais, o fosso social do Brasil é de natureza estrutural. O processo de formação social do País foi alimentado por uma elite privilegiada que sempre se beneficiou de um grande contingente de excluídos. Os estudos da CEPAL, na década de 1950, já registravam que o fenômeno da pobreza do País se reproduzia como resultado de uma lógica perversa na qual a política de exportação de produtos primários favorecia aos exportadores em detrimento do conjunto da sociedade. (FURTADO, 2009). A baixa capacidade de consumo da grande maioria da sociedade se associou às péssimas condições de vida, à reduzida taxa de escolaridade, às precárias condições de saúde e, acima de tudo, à debilidade na consciência cidadã. Todos esses fatores se potencializam na segmentação da sociedade e influem nos elevados índices de pobreza. Nesse sentido, o fenômeno da desigualdade social se materializa na contradição entre os que podem tudo e os que não podem nada. Em sociedades profundamente divididas, como a do Brasil, a pobreza e a exclusão estão profundamente interligadas. O desemprego alimenta a pobreza e as péssimas condições de vida de grande parte da população. Essa massa de excluídos, por sua vez, não se incorpora ao mercado consumidor e, muito menos, participa da sociedade com o status de cidadania. Exclusão, como apontam os mais diversos estudos sociológicos, significa somar perdas e conviver com a falta de reconhecimento (CASTEL, 1999, 2000; DEMO, 1998; DUPAS, 1999; SPOSATI, 1999). Uma sociedade que tem a exclusão no desenho estrutural de sua formação convive com desintegrações de todos os tipos. A exclusão de grande parte da sociedade, conforme vem sendo observado, provoca um rompimento dos valores individuais criando perda dos laços de solidariedade, aparecimento de famílias mais vulneráveis 314 Francisco Horácio da Silva Frota e Maria Andréa Luz da Silva e enfraquecimento das redes de ajuda mútua. (RODRIGUES, et al., 1999). Baseado em dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Censo de 2010, o Brasil ainda possui 16,2 milhões de pessoas em situação de pobreza extrema3. Segundo os últimos dados do mesmo Censo, estudos da Fundação Getúlio Vargas indicam que a desigualdade de renda no Brasil caiu para um patamar histórico nos anos 2000. Significa, por conseguinte, uma recuperação positiva com relação ao aumento da desigualdade verificada nos anos 1960 e 1980, o que ainda não é suficiente para o País apagar sua marca estrutural. Os mesmos estudos citados anteriormente (FGV, 2013) apontam: nos EUA, o índice de Gini, que mede a concentração de renda, é de 0,42, e o do Brasil, 0,534. O estudo da FGV (2013) também mostrou que a elevação das taxas de educação e os programas de distribuição de renda contribuíram para a melhora dos resultados entre 2001 e 2009. Nesse período houve um aumento de escolaridade de 55,6% entre os 20% mais pobres, e de 8,12% entre os 20% mais ricos. Porém, o Brasil ainda tem índices semelhantes aos de Zimbábue, na África. A diretora da Organização Internacional do Trabalho (OIT) no Brasil, em entrevista para um periódico nacional, alerta para um problema que está associado ao quadro de pobreza do País: Apesar de ter uma situação melhor do que países europeus – que enfrentam o aumento do desemprego, sobretudo entre jovens, por causa da crise econômica, – o Brasil ainda tem que avançar no que se refere à oferta de oportunidades de trabalho para a juventude. (LOPES, 2013). A Organização Internacional do Trabalho (OIT), através do seu documento Tendências Mundiais do Emprego Juvenil, 2012, calcula que em todo o mundo há 75 milhões de jovens sem emprego. (OIT, 2012). De acordo os dados do Censo 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Estado do Ceará possui 1.502.924 moradores em 3 Pobreza extrema – segundo o Ministério do Desenvolvimento Social (MDS) são integrantes dessa faixa da população aqueles que vivem com até 70 reais por mês. 4 Quanto mais próximo de um, maior a desigualdade. 315 Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição situação de pobreza extrema. (IBGE, 2012). Comparando com outros estados brasileiros, o Ceará é o sétimo da federação com maior percentual de pessoas nessa condição. Embora a OIT venha dizendo que a taxa de desemprego brasileira na juventude tenha caído de 21,8% para 15,2%, entre 2007 e 2011 (OIT, 2012), a empregabilidade e o combate à pobreza entre os jovens vêm sendo uma exigência da política nacional, e várias iniciativas estão sendo implementadas. No Ceará também tem havido redução de tais taxas. No entanto, o número de indivíduos na situação de extrema pobreza é de 1.502.924, o que implica a marca de 9,24% do total da população. (INFORME IPECE, 2011). O Fundo Estadual de Combate à Pobreza (FECOP) como Experiência a ser Testada e o Projeto Pró-Jovem Primeiro Passo O Fundo Estadual de Combate à Pobreza (FECOP) foi criado pelo governo do Estado do Ceará com parte dos recursos arrecadados dos impostos estaduais. O seu objetivo maior vem sendo o de promover transformações estruturais que possibilitem às famílias que estão abaixo da linha de pobreza ingressar no mercado de trabalho e ter acesso à renda e aos bens e serviços essenciais através da ampliação de investimentos em capital social, físicofinanceiro e humano.5 No intuito de contribuir com os Objetivos do Milênio, principalmente no combate à pobreza, o Fundo tem procurado fortalecer o patrimônio individual e social das áreas mais vulneráveis desenvolvendo ações em torno de duas vertentes: assistência e criação de condições para uma efetiva migração da condição de pobre para não pobre. (CEARÁ, 2013). Nesta última vertente encontra-se o Projeto E- Jovem - 1° Passo, que consiste basicamente no desenvolvimento de capital humano como forma de ampliar as perspectivas de trabalho entre os jovens na faixa etária de 16 e 24 anos que se encontram em situação de risco social e vulnerabilidade. 5 O Fundo Estadual de Combate à Pobreza (FECOP) foi criado através da Lei Complementar nº 37, de 26 de novembro de 2003, e regulamentado pelo Decreto nº 27.379, de 1º de março de 2004. 316 Francisco Horácio da Silva Frota e Maria Andréa Luz da Silva Linha de atuação Jovem Bolsista Operacionalização do Projeto (quais são as partes envolvidas, como são contratadas, quais as obrigações de cada uma) Os jovens inseridos nessa modalidade não vão para as empresas. O tempo no projeto é de quatro meses. Nesse período participam de formação assistindo quatro módulos de aulas. Recebem do projeto: bolsa-capacitação, fardamento, lanche, material didático e participam de cursos de iniciação profissional no período de quatro meses. O valor da bolsa-capacitação é de R$ 100,00 em Fortaleza, e R$ 80,00 nos demais municípios cearenses. Essa remuneração é paga pelo governo. Jovem Estagiário Público-alvo Estudantes da 8a e 9a séries do Ensino Fundamental ou EJA III e EJA IV. Esta é a modalidade mais comum nos municípios. Estão inseridos neste grupo os jovens egressos de medidas educativas, aqueles com menores perspectivas de inclusão social e oportunidades. Jovem Estagiário I – Essa modalidade divide-se em duas categorias. Jovem estudantes da 1a e 2a séries Estagiário I e Jovem Estagiário II ou Estágio Remunerado. do Ensino Médio. Essa modalidade conta com a parceria do IDT, das empresas e das executoras. Estas executoras devem apresentar experiência comprovada, capacidade física instalada para execução do projeto, capacidade técnica e administrativo-operacional. II – O jovem selecionado para o projeto só assume suas Jovem Estagiário a série do estudantes da 3 funções após publicação de seu nome no Diário Oficial e é responsabilidade da empresa a rotatividade do jovem nos seus Ensino Médio, idade de diferentes setores. As principais atividades são qualificação 18 a 24 anos, egresso de social e profissional, articulação institucional, inserção no escola pública, com renda mercado de trabalho, atividade laboral supervisionada, “per capita” familiar de até pagamento de bolsa aprendizagem para os estágios. Os jovens ½ salário mínimo. recebem do projeto: fardamento, auxílio transporte e seguro. São remunerados pela empresa no valor de meio salário mínimo (Jovem Estagiário I), ou pelo Governo do Estado no valor de R$ 250,00 durante 6 meses (Jovem Estagiário II). Jovem Aprendiz Os jovens são qualificados em cursos de iniciação profissional e simultaneamente inseridos em empresas privadas, com duração de 1 ano, nas áreas Alimentação, Administração, Turismo e Auxiliar de Produção, totalizando uma carga horária de 450h. A dedicação ao projeto é de 6 horas diárias, sendo 2 para o curso e 4 para a empresa. Os cursos são ministrados nos Centros Integrados Tecnológicos (CITs), na Faculdade de Educação ou nas associações e podem ser feitos pela manhã ou à tarde. A proposta é que o jovem tenha aulas em local próximo à empresa onde ocorre o estágio. Estudantes da 3a série do Ensino Médio ou adolescentes e jovens de baixa renda, na faixa etária de 16 a 24 anos. Os jovens recebem do projeto: fardamento, lanche, material didático. Remunerados pela empresa. (Apoia-se na Lei da Aprendizagem no 10.097, de 2000, e na Lei 11.782/2008 – Lei do estágio). Quadro 1 - Descrição das Linhas de Atuação do E-Jovem Primeiro Passo Fonte: Dados de 2011 da Secretaria do Trabalho e Desenvolvimento Social do Estado do Ceará. 317 Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição O projeto está estruturado em três linhas de atuação: Jovem Bolsista, Jovem Estagiário, e Jovem Aprendiz. As especificidades de cada uma estão descritas no Quadro1. A proposta de qualificar jovens para o mundo do trabalho e contribuir para a superação da vulnerabilidade social da comunidade é um dos desafios das políticas públicas do Ceará com o apoio do FECOP. Portanto, para que o trabalho seja considerado impactante no sentido dos objetivos maiores do Fundo é importante que os resultados caminhem em direção não só do combate à pobreza, mas também do que a OIT considera como trabalho decente: a experiência deve contribuir para a criação de empregos, ampliação da proteção social, respeito aos direitos trabalhistas e existência de espaços e mecanismos de diálogo social que envolva governos, empregadores e trabalhadores. Aspectos Metodológicos da Avaliação Específica do Projeto EJovem Primeiro Passo A avaliação dos projetos tornou-se necessária como um instrumento de políticas públicas. O monitoramento é importante para averiguar tanto os impactos efetivos dos projetos sobre indivíduos, famílias e/ou instituições quanto para possibilitar a sua reprodução como forma de contribuir para a superação da pobreza. A utilização de metodologias quantitativas e qualitativas tem o intuito de obter um diagnóstico mais próximo da realidade que vem sendo posta em prática. O processo avaliativo que está sendo apresentado sinteticamente foi realizado por meio de consultas a documentos, realização de grupos focais e entrevistas. O estudo dos documentos dos projetos foi necessário para complementação de dados e aprofundamento dos estudos que foram realizados por meio de outros instrumentos6. Foram estudados os cadastros dos jovens, das executoras e das empresas, além dos relatórios dos cursos e dos convênios. 6 O estudo que está sendo comentado neste artigo se encontra na bibliografia com o título “Avaliação de resultados e impactos de projetos financiados pelo Fundo de Combate à Pobreza”, com destaque para as investigações quantitativas (aplicação da metodologia Propensity Score Matching), desenvolvidas pelos coautores da pesquisa, Profº. Dr. Ahmad Saeed Khan, Profª. Drª. Patricia Verônica Pinheiro, Profº. Dr. Sales Lima, e Profº. Dr. Samuel Façanha. 318 Francisco Horácio da Silva Frota e Maria Andréa Luz da Silva A pesquisa utilizou dados primários e secundários. Os dados de origem primária foram obtidos por meio da aplicação de questionários junto aos beneficiários e não beneficiários do projeto nas três linhas de atuação, da realização de entrevistas junto a gestores e representantes de entidades executoras e empresas, além da realização de grupos focais. A aplicação dos questionários ocorreu nos municípios de Fortaleza, Juazeiro do Norte, Sobral, Crateús, Maranguape e Horizonte. O critério de escolha de tais municípios foi, basicamente, o número de beneficiários do projeto no local. Os dados de origem secundária foram obtidos junto às instituições responsáveis pelo programa. O corte temporal foi o ano de 2010 (2011 se encontrava em curso e os anos anteriores tinham sido executados por distintas associações). O grupo de não beneficiários foi definido por jovens da mesma idade, da mesma série e da mesma escola dos beneficiados, o que implica uma amostragem do tipo não aleatória. O tamanho da amostra foi definido por meio de procedimento estatístico. A população e o tamanho da amostra foram definidos segundo a expressão: Z 2 . p.q.N n0 2 e ( N 1) Z 2 . p.q Sendo: Universo 5.470 jovens do projeto (N1+N2+N3), distribuídos nos municípios de Fortaleza, Sobral, Juazeiro do Norte, Crateús, Horizonte e Maranguape. e= 5% Z = 1,96 (nível de significância de 5%) p= 50% e q=50% Devido ao pequeno número de beneficiários nos municípios selecionados (exceção de Fortaleza), optou-se por definir o tamanho da amostra nessas localidades como 50% da população beneficiária local. 319 Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição O tamanho da amostra para não beneficiários foi definido acrescentando-se no mínimo 10% ao tamanho da amostra de beneficiários7. Os não beneficiários foram pesquisados com os mesmos instrumentos dos beneficiários para que se pudesse avaliar o impacto da intervenção no conjunto da sociedade. Os dados obtidos foram tabulados no software Statistical Package for the Social Sciences (SPSS). Síntese dos resultados avaliativos O processo avaliativo se desenvolveu junto a todas as formas de apresentação do Projeto E- Jovem, ou seja, na forma de bolsista, estagiário e aprendiz. Os bolsistas avaliados eram estudantes da 8ª e 9ª séries do Ensino Fundamental ou EJA III e EJA IV. Os dados primários da pesquisa apontaram para um perfil de conformidade com os critérios de escolha dos jovens: praticamente não existiu diferença entre os sexos; no tocante à idade, 10,25% tinham 15 anos; 80,3% dos entrevistados tinham entre 16 e 18 anos; metade dos bolsistas cursava, na época da entrevista, o EJA, IV; e 30,5% estudavam na 9ª série do ensino fundamental. A maioria dos entrevistados (85%) morava com os pais. Dos que não moravam, 15% eram casados. No tocante às famílias, 86,8% são beneficiárias do Programa Bolsa Família, e 13,2% do Bolsa Escola, o que demonstra a prioridade do projeto para famílias com baixo poder aquisitivo no Ceará. As mudanças no relacionamento pessoal dos entrevistados foram registradas em conformidade com o Quadro seguinte: Os estagiários avaliados se mantiveram no perfil especificado para a seleção. Em 92,3% dos casos entrevistados, o entendimento é que melhoraram as perspectivas para obtenção de um emprego formal. Os indicadores de qualidade de vida também melhoraram. No tocante ao uso do serviço de saúde, 81,3% afirmaram que frequentam o Sistema Único de Saúde, e praticamente a metade (48,3%) se beneficia com medicação gratuita. O uso sistemático 7 Escolha dos jovens beneficiários: filtro na base de dados dos beneficiados, considerando município, escola e série. Escolha dos jovens não beneficiários: espelho - em relação aos jovens beneficiados escolhidos, conforme dados disponíveis na escola. 320 Francisco Horácio da Silva Frota e Maria Andréa Luz da Silva do SUS é feito principalmente por mulheres, e o nível de informação e participação em campanhas de saúde é muito baixo (30,0%). Tabela 1 - Distribuição Relativa dos Beneficiários do Projeto E-Jovem – 1º Passo / Segmento Bolsista, segundo seus Relacionamentos Interpessoais após a Inserção no Projeto Piorou Sem alteração Melhorou Seu desempenho nas disciplinas na escola 0,0 24,9 75,1 Seu relacionamento com colegas da escola 0,0 38,0 62,0 Seu relacionamento com colegas fora da escola 0,0 40,3 59,7 Seu relacionamento com familiares 0,0 37,4 62,6 Seu relacionamento com professores da escola 0,0 35,7 64,3 Seu relacionamento com os vizinhos 0,0 56,7 43,3 Seu relacionamento na comunidade onde mora 0,0 36,1 63,9 Relacionamentos Fonte: Dados da Avaliação a partir dos Dados de Frota et al. (2011). As atividades escolares estão se realizando em conformidade com os critérios de escolha dos participantes do Projeto. Cerca de 84,7% dos entrevistados informaram que recebem de forma gratuita o seu material didático. A metade dos participantes do Projeto (47,7%) utiliza de forma sistemática a Internet e, nesse caso, a metade na própria casa e a outra metade em lan house. Segundo as declarações dos jovens entrevistados, o uso da Internet, em sua maioria, acontece para pesquisas escolares e de trabalho. A maioria dos jovens entrevistados (62,3%) informa participar de esporte, e 73,8% assistem aos eventos esportivos, sendo que 47% não participam de atividades culturais. Sobre as condições alimentares, 96,6% foram categóricos em afirmar que os alimentos consumidos diariamente são suficientes para saciar a fome. Contudo, 32,4% se pronunciaram dizendo que mesmo assim já deixaram de fazer alguma refeição durante o mês por falta de alimento. Os domicílios dos entrevistados possuem, em 100% dos casos, energia elétrica, abastecimento d’água pela rede pública, e somente a metade dispõe de saneamento com base em esgoto público. 321 Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição Os bens de consumo possuídos pela família ou desejados pelo público da avaliação foram por ordem de prioridade atribuída: televisão, fogão, geladeira, celular, aparelho de som, computador, bicicleta, moto. O nível de participação e envolvimento nas questões sociais ficou distribuído em conformidade com as opções apresentadas na Tabela 2 seguinte. Tabela 2 – Indicadores de Capital Social dos estagiários do Projeto E- Jovem – Primeiro Passo Indicadores Sim Não Participação em algum trabalho coletivo 14,2 85,8 Participação em alguma associação ou sindicato 1,6 98,4 Participação em reuniões/encontros familiares 39,8 60,2 Expressa sua opinião em reuniões familiares / no trabalho /outros 82,5 17,5 Participação na organização dos eventos sociais 32,4 67,6 Fonte: Dados da Avaliação a partir dos Dados de Frota et al. (2011). Os jovens aprendizes entrevistados afirmaram, em 84,9% dos casos, que acreditam na melhora das perspectivas de emprego após o Projeto. Os dados também apontam para uma melhor situação alimentar (em quantidade e qualidade) e nas condições de vida. Nesse sentido, os dados da Tabela seguinte mostram que houve melhoria na questão salarial. Do ponto de vista individual, os estudos apontaram que houve melhoria na qualidade de vida dos beneficiários do Projeto com relação aos não beneficiários. Avaliando qualitativamente o Projeto E- Jovem Primeiro Passo foi percebido que de um modo geral os beneficiários são unânimes em afirmar que a inclusão no projeto modificou o cotidiano de cada um deles. Todos dizem que as alterações foram positivas, haja vista viverem anteriormente sem grandes desafios e despreparados para o enfrentamento da vida adulta. Nas falas registradas ficou evidente tal posicionamento. Muitos foram os que registraram que o projeto veio ajudar não só na busca do emprego, mas também nas relações de sociabilidade: 322 Francisco Horácio da Silva Frota e Maria Andréa Luz da Silva Tabela 3 - Estatísticas Descritivas das Variáveis, Renda Mensal do Trabalho Permanente e do Trabalho Temporário, Referentes aos Beneficiários e não Beneficiários do Projeto E- Jovem Primeiro Passo (Aprendiz) Variável Linha de atuação no Média Projeto Mediana Desvio padrão Coefici- Estatística Significânente de do teste t cia variação de Student Renda Beneficiário 894,83 545,00 462,96 mensal (trabalho Não Benpermanente) eficiário 767,92 545,00 341,90 (R$) Renda Beneficiário 609,76 545,00 446,05 mensal Não (trabalho 535,39 380,00 337,84 diarista)(R$) Beneficiário 51,74 44,52 3,26 0,000 1,42 0,570 73,15 63,10 Fonte: Dados da Avaliação a partir de Frota et al. (2011). “O projeto veio me ajudar muito. Agora eu já posso ter um emprego.” (Jovem estagiário 1). “Claro que agora está muito melhor que antes.” (Jovem aprendiz 3). “Eu ficava muito em casa com meus irmãos, agora tudo melhorou. Estou conhecendo gente.” ( Jovem bolsista 8). As relações familiares também foram afetadas positivamente pelo projeto na medida em que os inscritos passaram a se relacionar com outras pessoas e a ter perspectivas para suas vidas. “Minha mãe vivia me ameaçando de botar para fora de casa [...] tudo que eu fazia era ruim.” (Jovem bolsista 2). “Eu brigava mais com meus irmãos.” (Jovem estagiário 10). “Talvez mais calma do que no estágio.” (Jovem aprendiz 11). A procura por uma vaga no Projeto foi, e ainda é grande. Não necessita de campanha publicitária para conseguir seus candidatos. Tanto os coordenadores e técnicos do projeto quanto os jovens beneficiários destacam que o processo foi simples. Todavia, tiveram de se adequar a um perfil definido previamente, no qual o principal critério foi o nível de vulnerabilidade. Segundo os técnicos, o que falta são mais vagas no Projeto, 323 Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição pois a demanda é muito grande tanto por parte dos jovens como dos seus familiares: “Tomei conhecimento através de um amigo que participava do projeto.” (Jovem bolsista 1). “Uma amiga que participou me avisou que estava tendo inscrições... A minha amiga tinha sido estagiária. Outra amiga era aprendiz, também gostava muito do projeto.” (Jovem estagiário 3). “Eu cheguei ao projeto pela minha mãe que ficou sabendo através de uma amiga” [...] (Jovem estagiário 4). O Projeto gera esperança e ajuda os jovens a organizar o seu presente em função das necessidades do mundo do trabalho. O grande desafio, segundo os técnicos envolvidos no projeto, é ter nesse processo a compreensão e colaboração não só da família como também da própria escola. “Quando a família e a escola são parceiras do projeto tudo caminha melhor. Aliás, é muito raro se chamar um pai para uma reunião e ele não comparecer. As vagas aqui são muito concorridas.” (Técnico 9). O Projeto foi visto pelos jovens como uma oportunidade para mudança de vida e aprendizado voltado para o mundo do trabalho. Validam o Projeto, reclamam por mais tempo e se acham modificados com relação à vida antes de participar de tal experiência. “O projeto deveria continuar. Porque logo que a gente se anima está terminando.” (Jovem bolsista 3). “Eu gostei de tudo, principalmente dos amigos que eu fiz.” (Jovem estagiário). “Eu conheci gente de muito bairro, até hoje ainda converso com eles. O fato de eu ter amigos de bairros diferentes ajudou a diminuir o medo que eu tinha de andar nesses bairros que são considerados violentos.” (Jovem bolsista 6). O mesmo entendimento sobre o sentimento dos jovens com relação ao Projeto também é partilhado pelos técnicos, quando afirmam que estar no Projeto, vestir a blusa, é motivo de orgulho. A coordenadora do Primeiro 324 Francisco Horácio da Silva Frota e Maria Andréa Luz da Silva Passo também salienta que o Projeto teve mais avanços do que entraves, e justifica tal avaliação pelo que sente no contato com os jovens. Eu considero que o projeto teve mais avanços do que entraves. Avanços se fazem notar quando recebemos telefonemas diários dos familiares dos jovens atendidos falando dos benefícios que o projeto trouxe para os mesmos e suas famílias. (Coordenadora do Projeto). “O aprendiz é completo, tem o reforço no ensino básico, o curso preparatório do IDT e a experiência na empresa. Tudo regulamentado por Lei.” (Coordenadora do Projeto). Outra unanimidade foi a validação da bolsa, considerado positivo o fato de ter um dinheiro resultante de seu trabalho e não necessitar mais pedir aos pais, comprar “suas coisinhas” e, em alguns casos, até ajudar diretamente nos gastos da família. “A bolsa foi muito boa. Eu agora não necessito pedir dinheiro ao meu pai.” (Aprendiz 7). “Com a bolsa eu passei a ter dinheiro para comprar minhas coisas.” (Aprendiz 11). “É muito boa... mas poderia ser maior.” ( Estagiário 10). “Tinha que melhorar.” ( Bolsista 2). Segundo a coordenadora do Projeto, até os empresários validam a experiência. Muitos empresários afirmam que é positivo trabalhar com esses jovens porque podem prepará-los de conformidade com os interesses e necessidades de suas empresas. Os jovens que chegam à qualidade de estagiário e aprendiz não possuem vícios de trabalho, portanto se ajustam melhor à forma de trabalhar da empresa. (Coordenadora do Projeto). Os jovens acreditam que os cursos contribuíram para o êxito do Projeto. A maioria dos que se pronunciaram afirmou estar de acordo que os cursos foram bem projetados. Todavia, fazem algumas considerações: deveriam ser em maior número; os professores deveriam ser mais capacitados, e o local 325 Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição de realização deveria ser mais próximo. Mesmo assim, são de opinião que os mesmos os prepararam para enfrentar o mercado de trabalho. “Os cursos nos prepararam para o estágio.” (Jovem estagiário 3). “Mais ou menos. Estou aprendendo é no emprego.” (Jovem estagiário 10) “Deveria haver mais oficinas de preparação. Eu sinto falta de maior fundamento.” (Jovem estagiário 4 ). No que se refere à preparação para o mercado de trabalho, os jovens, em geral, dizem que foi algo marcante e que vai fazer diferença nas suas vidas, mesmo quando reconhecem debilidades. “Acredito que pode melhorar. A carga horária poderia ser melhor.” (Jovem estagiário 9 ). Algo a ser conquistado, segundo alguns jovens, é a compatibilidade das atividades desenvolvidas na empresa com o que estava previsto no estágio. “Estou trabalhando no que queria. Não sei se vou continuar.” (Jovem aprendiz 9). “O projeto nos deu a noção do primeiro trabalho. A maioria dos jovens que entram no projeto não sabem o que fazer da vida. O projeto ajuda a escolher o que fazer na vida.” (Jovem bolsista 1). Sobre as implicações do projeto na continuidade da vida dos jovens que participaram como bolsistas, estagiários e aprendizes, é algo difícil de avaliar com maior precisão porque não existe um acompanhamento sistemático dos egressos. Os técnicos e a coordenação afirmam que após o final do projeto existe uma perda de contato que impede ter uma situação mais real do seu impacto. Os contatos existentes são decorrentes de procuras isoladas desses próprios jovens com a Secretaria. Alguns deles vêm ao projeto para falar onde estão e o que estão fazendo. Isso por conta do vínculo formado com os profissionais. Mas nada cadastrado ou sistematizado pelos técnicos. (Técnico 14). 326 Francisco Horácio da Silva Frota e Maria Andréa Luz da Silva “Às vezes nós ligamos para a empresa e as empresas nos dizem.” (Técnico 9). No entanto, os próprios jovens dizem conhecer egressos que foram efetivados ao término do projeto, o que talvez justifique a esperança que muitos jovens possuem com relação à possibilidade de serem efetivados. “Eu estou esperando ser efetivado.” ( Jovem aprendiz 15). “Às vezes eu quero acreditar que vou conseguir ser terceirizado.” (Jovem aprendiz 2). “Estou muito esperançoso, mas não é facil.” (Jovem aprendiz 11). Mesmo assim, os jovens apresentaram sugestões para a melhoria do Projeto: “Melhorar os professores.” (Jovem aprendiz 12). “Aumentar o número de palestras.” (Jovem estagiário 13). “Garantir mais espaço para as pessoas com limitação física.” (Jovem aprendiz 5). “Professores melhor preparados para trabalhar com jovens.” (Jovem estagiário 2). No mesmo sentido os técnicos também apresentam sugestões de melhoria para o Projeto: “Superar as alternativas feitas pela amizade entre os técnicos e dos técnicos com as instituições.” (Técnico 9). Uma questão interessante que poderia ser implantada nos cursos é a noção de empreendedorismo, pois poderia ajudar até no imediatismo dos jovens que chegam ao projeto. Eles poderiam ter condições de saber como iniciar seu próprio negócio. (Técnico 4). Existem empresas como o Detran e a Secretaria da Saúde que pedem sempre uma quantidade maior de jovens, mas existem outras unidades do governo que não pedem ou pedem muito pouco. Tem empresas do governo que ainda não aderiram ao 327 Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição projeto. Embora exista todo um processo de sensibilização a resistência ainda é muito grande. (Técnico 3). Os gestores dessas empresas públicas ou privadas que ainda resistem não percebem que também foram estagiários de nível médio ou superior. Quando reclamam dos direitos garantidos no ECA ou na Lei do Aprendiz esquecem que é muito melhor investir na prevenção do que na punição. (Técnico 10). Embora não seja o objetivo do presente artigo o detalhamento da avaliação de impacto, a sua síntese é importante para a compreensão do que está sendo apresentado. Os resultados são importantes para os jovens atendidos pelo Projeto, entretanto tais resultados não se reproduziram no conjunto da comunidade. Os resultados da avaliação junto aos estagiários com a técnica Propensity Score Matching (PSM) mostraram que o projeto promove impactos positivos no indicador trabalho, o qual representa se o jovem encontra-se ou não trabalhando. A avaliação mostrou, a um nível de significância de 1%, que o Projeto consegue melhorar o acesso do jovem ao mercado de trabalho. No entanto, não foram observados impactos significativos nos demais índices, embora ainda com evidências de baixa relevância do projeto na promoção das mudanças esperadas. No caso dos aprendizes, foi observado que nos dados não pareados os valores apontam para impactos mais positivos do projeto. Todavia, nos dados pareados foram identificados indícios de que o projeto não tem um impacto substancial na comunidade. (FROTA et al., 2011). Portanto, o Projeto E-Jovem Primeiro Passo, em conformidade com o entendimento dos técnicos e dos jovens pesquisados, contribui com a qualidade de vida da juventude carente do Ceará. Mesmo o resultado sendo muito localizado e individualizado, o projeto oportuniza não só uma mudança de comportamento, mas também de relacionamento com a família, de vivência, de mudanças de atitudes e de cooperação. No entanto, os estudos de impacto mostraram que praticamente não houve mudança na qualidade de vida dos moradores da comunidade na qual tais jovens residem. O valor da bolsa é pequeno, incapaz de impactar significativamente na renda das famílias, embora possa ajudar na compra de gás, no pagamento da luz e comece a fazer parte do orçamento da família. 328 Francisco Horácio da Silva Frota e Maria Andréa Luz da Silva Em síntese, os indicadores quantitativos e qualitativos apontam que o objetivo principal, que é o da qualificação profissional, vem sendo atingido. No entanto, não significa que não existam problemas: os dados quando submetidos ao PSM indicam que não está existindo impacto positivo na comunidade. O baixo impacto na vida da comunidade pode significar duas coisas: um reduzido número de bolsas frente à grandiosidade do problema social no qual os jovens estão inseridos e a falta de articulação com as demais secretarias de Governo (Educação, Saúde e Cultura). Sobre a quantidade de bolsas, o número ideal deverá sair de uma maior articulação entre o poder público e a iniciativa privada. No que se refere à melhoria dos indicadores de educação, saúde e cultura, pode haver um trabalho mais articulado entre as diversas secretarias de Governo para que os indicadores de impacto sejam resultados não somente da Secretaria de Trabalho e Desenvolvimento Social. Considerações Finais O processo avaliativo dos projetos financiados pelo FECOP, conforme já foi relatado, realizou-se por meio de consultas a documentos, utilização de metodologias qualitativas como grupos focais e entrevistas. Também envolveu a criação de bancos de dados de beneficiários e não beneficiários dos projetos, elaboração de índices, aplicação de técnicas de estatística inferencial e estimação de modelos econométricos. Os três projetos foram avaliados tendo como referência não apenas os objetivos de cada projeto, mas também os objetivos do FECOP. Nesse sentido, todos os projetos foram avaliados ampliando os seus objetivos específicos para saber o nível de impacto na redução da pobreza individual e das comunidade nas quais os jovens estão inseridos. Isso implicou a necessidade de saber o que vem sendo mudado numa série de questões relacionadas à qualidade de vida e à segurança pessoal e grupal. Portanto, o processo avaliativo teve um duplo aspecto: saber se os projetos estão funcionando de acordo com seus objetivos e em que nível tais ações impactam no combate à pobreza. A avaliação quantitativa dos impactos do Projeto E-Jovem Primeiro Passo - Linha de atuação Estagiário mostrou que a experiência consegue melhorar o acesso do jovem ao mercado de trabalho. Não existem evidências 329 Trabalho e Formação Profissional: juventudes em transição que permitam apontar que o projeto promova melhorias em outros aspectos da qualidade de vida de seus beneficiários, como saúde, educação, renda mensal familiar, acesso à cultura e esporte, segurança alimentar, capital social, acesso a bens duráveis, condições de moradia e segurança. A avaliação quantitativa dos impactos do Projeto E-Jovem Primeiro Passo - Linha de atuação Aprendiz mostrou resultados semelhantes, ou seja, que não está ocorrendo uma contribuição significativa deste em aspectos importantes da qualidade de vida dos beneficiários e que poderiam ser impactados pelo projeto, caso dos indicadores de segurança alimentar, econômicos, de cultura e esporte e bens de consumo, mais diretamente afetados pelo fato de os beneficiários estarem desempenhando atividade remunerada. O Projeto E-Jovem Primeiro Passo, em conformidade com o entendimento dos técnicos e dos jovens pesquisados, contribui com a qualidade de vida de uma parcela muito reduzida da juventude carente do Ceará. No entanto, para os beneficiários o projeto oportuniza não só uma mudança de comportamento, mas também de relacionamento com a família, de vivência, de mudanças de atitudes e de cooperação. O valor da bolsa é pequeno, incapaz de impactar significativamente na renda das famílias, embora possa ajudar na compra do gás, no pagamento da luz e comece a fazer parte do orçamento da família. É bom salientar que esses fatos não estão isolados entre si, podendo acontecer, como de fato aconteceu, que medidas adotadas hoje no campo educativo só repercutam a médio e longo prazos. O que está sendo feito hoje no sentido de retirar os jovens de um espaço convidativo à violência irá ser percebido futuramente na medida em que esses jovens, que em potencial poderiam ter seguido um caminho naturalizado no bairro, no entanto foram buscar outros meios de vida. A possibilidade de tais jovens fazerem diferente é que irá repercutir positivamente na família de cada um. Não esquecendo a recomendação da OIT: [...] para reduzir a pobreza e construir sociedades mais equitativas, não é suficiente apenas gerar postos de trabalho, é necessário que esses postos de trabalhos sejam produtivos, adequadamente remunerados, exercidos em condições de liberdade, equidade, segurança e sejam capazes de garantir uma vida digna. (OIT, 2012). 330 Francisco Horácio da Silva Frota e Maria Andréa Luz da Silva REFERÊNCIAS CASTEL, R. As metamorfoses da questão social: uma crônica do salário. Petrópolis: Vozes, 1999. ______. As transformações da questão social. In: BELFIOREWANDERLEY, Lucia; YASBEK, Maria (Org.). Desigualdade e a questão social. São Paulo: EDUC, 2000. CEARÁ. Secretaria do Planejamento e Gestão. O que é FECOP?. Fortaleza, [20--]. Disponível em: <http://fecop.seplag.ce.gov.br/o-que-e-o-fecop>. Acesso em: 2013. CEPAL. Emprego, desenvolvimento humano e trabalho decente: a experiência brasileira recente. Brasília, DF, 2008. DEMO, P. Charme da exclusão social. 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