REVISTA MULTIDISCIPLINAR DA UNIESP 103 A BUROCRACIA NA ATIVIDADE EMPRESARIAL COMO FORMA IMPEDITIVA DA LIVRE INICIATIVA: BREVÍSSIMA ANÁLISE À LUZ DA TRANSIÇÃO MODERNIDADE E PÓSMODERNIDADE NOGUEIRA, Luis Fernando1 Resumo: A Empresa desempenha atividade econômica e encontra no artigo 170 da Constituição Federal sua fundamentação. Um dos princípios encontrado neste texto constitucional é o da Livre Iniciativa. Vive-se atualmente numa sociedade de transição entre a modernidade e a pós-modernidade. Nesta última encontra-se uma nova perspectiva da postura do empreendedor e da sociedade empresária, sendo necessário o atendimento às exigências das características marcantes de um mundo economicamente globalizado, tais como: flexibilidade, agilidade, comodidade, informalidade, a queda das fronteiras. A burocracia é inflexível, causa morosidade no processo, não proporciona comodidade, é extremamente formal e dificulta a queda das barreiras geográficas para o desempenho da atividade econômica. Palavras-Chave: Empresa – Burocracia – Pós-Modernidade. Abstract: The company develops economic activity and its grounding is found in the article 170 of the Federal Constitution. One of the principles found in the constitutional text is the Free Initiative one. Nowadays we live in a transition society between Modernity and Post-Modernity. In the last one, a new perspective of the posture of the entrepreneur and the business society is found, being necessary to meet the requirements of the noticeable characteristics of an economically globalized world, such as: flexibility, agility, convenience, informality, the fall of the frontiers. The bureaucracy is inflexible, causes delays in the process, doesn’t provide convenience, it’s extremely formal and hinders the fall of the geographical barriers for the development of the economic activity. Key-words: Business – Bureaucracy – Post-Modernity. Conforme classificação aceita atualmente na doutrina, o Direito Comercial encontra-se dentro do Direito Privado, regulando as relações gerais entre os particulares, sendo necessária a proteção quanto às suas relações no que tange o desempenho de atividades econômicas. É na Constituição da República Federativa do Brasil, em seus artigos 170 e seguintes que se encontram as normas atinentes ao fundamento destas atividades econômicas quando traça a visão propedêutica que deve acompanhar o desempenho de determinadas atividades que se reconhece como econômica. Ou seja, quando o SABER ACADÊMICO - n º 06 - Dez. 2008/ ISSN 1980-5950 REVISTA MULTIDISCIPLINAR DA UNIESP 104 particular se relacionar com outros particulares ou com Estado, objetivando o desempenho das atividades de caráter econômico, deverá estar lastreado em toda esta verdadeira base constitucional. Ocorre que em virtude da constante evolução social, novas necessidades surgem exigindo-se uma resposta satisfatória para que, no mínimo, haja uma diminuição entre o descompasso dos avanços sociais e tecnológicos e o Direito. Quando se analisa o tema da transição “modernidade – pós-modernidade”, é possível vislumbrar que não existem certezas absolutas, mas apenas um claro senso da necessidade de se pensar, repensar e escrever, pelo menos, que a maior parte da comunidade mundial vem mudando seus hábitos comportamentais, notadamente quando diz respeito ao modo de se relacionar economicamente, e que o Direito (Comercial – Empresarial) deve manter-se como um atento vigilante às soluções que deverão ser apresentadas diante das necessidades emergentes. Existem vários fatores impeditivos em relação ao atendimento desta “nova sociedade pós-moderna em transição”, cite-se como exemplo a questão da burocracia dentro e fora da empresa como forma de desatendimento destas necessidades em consoante prejuízo ao ideal objetivado pelos textos constitucionais sobre a regulação da atividade econômica, especialmente da Livre Iniciativa. A reflexão que propõe o presente trabalho é que diante desta transição modernidade – pós-modernidade, a Empresa – especialmente a brasileira – e o Estado (Governo), deverão se adaptar às novas exigências do mercado, devendo repensar a questão da burocracia dentro e fora da empresa, usando como exemplo e solução a Internet e as formas de se negociar em ambiente virtual. A Constituição pátria é denominada Constituição Econômica porque em seu conteúdo estão presentes as preocupações com os temas econômicos, conforme leciona Washington Peluso Albino de Souza (2005, p. 209) ao dizer que “o assunto econômico assume sentido jurídico, ou se ‘juridiciza’, em grau constitucional”. Deste fato é que se tem a gênese do estudo do Direito Econômico em sede constitucional, consagrando a proteção da chamada atividade econômica. A intervenção econômica do Estado na iniciativa privada é algo de grande importância ao estudo do Direito Econômico e que influencia diretamente o estudo da teoria empresária, sobretudo porque já consta do texto constitucional brasileiro de que é SABER ACADÊMICO - n º 06 - Dez. 2008/ ISSN 1980-5950 REVISTA MULTIDISCIPLINAR DA UNIESP assegurado a todos o livre exercício de 105 qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos2. Desde a Constituição de 1824 foram sendo insertos nas sucessivas constituições ideologias econômicas que podem ser brevemente resumidas nas formas do “Estado Mínimo” e do “Estado Máximo”, passando-se ao aparente equilíbrio das formas na política econômica neoliberal como bem descreve SOUZA (2005, p. 314315): A realidade histórica, como se sabe, jamais registrou alguma forma ideológica ‘pura’. Daí a evolução da ideologia capitalista, com a absorção de elementos da socialista, configurando um modelo híbrido, com extremos opostos e que se concretiza num processo ‘pendular’ de aproximações com tendências ora para um ora para outro extremo, ao qual podemos aplicar o raciocínio ‘marginalista’. A esse ‘tipo’ se costuma traduzir por ‘Estado Mínimo’, com a mínima participação do poder econômico do Estado, seguindo ‘tendência’ na direção negativa para a ‘margem’ ou ‘limite’, no liberalismo ‘puro’. Na posição oposta, estaria o ‘Estado Máximo’, com ‘tendência’ na direção positiva para as margens, ou o limite extremo, o socialismo. Ao modelo composto e, por isso, com elementos de ambos, porque simbiótico, se passou a denominar Neoliberalismo. Sua estrutura é construída à base da anteposição Estado versus Mercado, com preferência para este, porém sem abolir aquele. Correspondendo a esse esquema, concentra seu apoio na livre concorrência e na restrição às modalidades de ação econômica do Estado. Observa-se que em nossa Constituição há presença da tendência para o Estado Mínimo ao priorizar a Livre Iniciativa e a Livre Concorrência. Assim, calcados neste ideal é que se torna possível o surgimento de empresas que atuem no desempenho de atividade econômica, eis que inicialmente, é este o desejo do Estado Neoliberal, sendo que os princípios da ordem econômica têm suma importância como normas jurídicas fundamentais e, ainda, cuidam da definição do quanto haverá de intervenção do Estado no domínio econômico. Assim, medidas tomadas que não viabilizem de forma direta (ou indireta) o surgimento de novas empresas podem ser péssimos indícios de que na prática não está havendo obediência aos preceitos idealizados na Constituição Pátria. Entre os sistemas econômicos existentes dois ganham maior relevância: o capitalismo e o socialismo. O primeiro diz respeito ao sistema cujas relações estão calcadas na propriedade privada dos bens em geral. Outra característica fundamental é a ampla liberdade especialmente a de livre iniciativa e de concorrência. Por fim, outra marcante característica é a denominada economia de mercado, que no capitalismo assume a postura de reguladora de si mesma, isto é, o mercado é capaz de se auto- SABER ACADÊMICO - n º 06 - Dez. 2008/ ISSN 1980-5950 REVISTA MULTIDISCIPLINAR DA UNIESP 106 regular. Vezes há que o termo “capitalismo” se confunde com as idéias de individualismo e liberalismo. Segundo Bobbio “o liberalismo é a doutrina do estado mínimo: o estado é um mal necessário, mas um mal.” (BOBBIO apud TAVAREZ, 2003, p. 36). Por outro lado, o socialismo destaca-se como “o modelo econômico baseado na autoridade” (em contraposição à liberdade no capitalismo), (BOBBIO apud TAVARES, 2003, p.39), e que de certa forma tratou-se de uma reação quanto aos malefícios trazidos pelo capitalismo, sobretudo as desigualdades entre as classes sociais. Foi em Karl Marx que as teorias socialistas tiveram sua construção mais sedimentada, pois para este “o proletariado aparecia como única classe social capaz de destruir, de uma vez por todas, a exploração do homem pelo homem, ao destruir o capitalismo”. (BOBBIO apud TAVARES, 2003, p.40). Para a ideologia socialista o que se tem em mente é a limitação ao direito à propriedade; o controle dos recursos econômicos nas mãos da classe proletária; a economia é centralizada; e há intervenção direta do Estado. Atualmente os dois sistemas principais e puros já não são vislumbrados de forma estanque, não ocorrendo mais a eventual bipolaridade. Com as transformações político-econômicas, o desenho econômico no mundo tem tomado outro caminho, surgindo variações desses sistemas. Claramente se percebe os reflexos desta transição modernidade versus pós-modernidade (que será estudada abaixo), em que não se tem hoje posições absolutas, prevalecendo a relativização das coisas. Neste sentido afirmou Oscar Dias Corrêa, em 1949: (...) não haveria exagero se falasse em socialização do capitalismo. Como estamos longe do predomínio férreo do capital! Da mesma maneira que o liberalismo político é, hoje em dia, doutrina intervencionista, em maior ou menor escala, o capitalismo é socialista, em maior ou menor escala. (...) o liberalismo se socializa enquanto o socialismo se capitaliza, ou se liberaliza. (CORREA apud TAVARES, 2003, p.45). Segundo o artigo 1º da Constituição, O Brasil é uma República Federativa que por sua vez é formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, e se constitui em Estado Democrático de Direito, tendo como fundamentos, entre outros, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa. Cuida-se ainda como objetivo fundamental desta República Federativa Brasileira a construção de uma SABER ACADÊMICO - n º 06 - Dez. 2008/ ISSN 1980-5950 REVISTA MULTIDISCIPLINAR DA UNIESP 107 sociedade livre, justa e solidária. Posteriormente no artigo 170 da Constituição relata em seu caput que a ordem econômica está fundada justamente na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa. Finaliza, em seu Parágrafo Único, que a todos é assegurado o livre exercício de qualquer atividade econômica independentemente da autorização de órgãos públicos, excepcionando-se os casos previstos em lei. O Estado brasileiro confia a exploração da atividade econômica, primeiramente, à iniciativa privada “e na sua capacidade de empreender iniciativas hábeis a proporcionar o desenvolvimento nacional” (MAMEDE, 2004, p.38) e, de forma secundária, à exploração direta da atividade econômica pelo Estado (situação esta em que o Estado assume posição de empresário) somente quando houver necessidade aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo3. Tal afirmação acima não existe sem razão. A força necessária para o crescimento e o desenvolvimento econômico, dentro de vários outros fatores, está na produção dos chamados bens de capital, na produção do lucro, da riqueza. Nesta dinâmica, respeitando a Constituição (e até mesmo assegurando o Valor Social do Trabalho e da Livre Iniciativa), permite-se o desempenho de atividades econômicas que valorizarão a dignidade da pessoa humana e funcionarão como força motriz para o crescimento da economia. Significa que sendo viável a iniciativa, haverá abertura de novos postos de emprego e que gerará riqueza para os trabalhadores que passam a receber seus salários, conseqüentemente aumentará o consumo, e uma vez maior o consumo, uma indústria, por exemplo, deverá produzir mais para atender a demanda; ao aumentar sua produção, haverão novos postos de emprego. Esta é a dinâmica que se seguirá. Destas idéias depreende-se que a livre iniciativa econômica (fundada nos ideais neoliberais) pressupõe a intervenção mínima do Estado no desempenho das atividades produtivas e ao mesmo tempo corrobora a economia de mercado, traço fundamental da natureza capitalista, liberal. Preconiza Tavares, que a “consagração da liberdade de iniciativa revela a adoção política da forma de produção capitalista (...)” (TAVARES, 2003, p.247) e arremata trazendo os comentários de Manoel Gonçalves Ferreira Filho (apud TAVARES, 2003, p.247): A consagração da liberdade de iniciativa, como primeira das bases da ordem econômica e social, significa que é através da atividade socialmente útil a que se dedicam livremente os indivíduos, segundo SABER ACADÊMICO - n º 06 - Dez. 2008/ ISSN 1980-5950 REVISTA MULTIDISCIPLINAR DA UNIESP 108 suas inclinações, que se procurará a realização da justiça social e, portanto, do bem-estar social. O conceito de empresa guarda identificação com o ato de empreender, ou seja, com “o ato humano individual ou coletivo que cria e mantém uma atividade produtiva” (MAMEDE, 2004, p. 39), por isso se houver a intervenção estatal, estará prejudicada a idéia neoliberal. Contudo a não intervenção (ou liberdade – liberalismo) não se constitui forma absoluta, ocorrendo a sua limitação na consagração de outros valores também estampados constitucionalmente, tais como a própria Soberania do Estado, a possibilidade do Estado atuar como Empresário (Sociedades de Economia Mista, Empresas Públicas) e, também, a fiscalização e a idealização das leis no sentido de regulamentar a atuação econômica. Ainda que pese esta liberdade (que não deve ser vista apenas do aspecto da iniciação de uma atividade econômica, pela própria característica neoliberal), ela deverá ser limitada. Esta limitação da liberdade de iniciativa é algo necessário, pois a experiência extraída do liberalismo clássico (Estado Mínimo) revelou que deve existir a preocupação com o interesse social (da sociedade). De outro lado, ela não pode ocorrer de forma tão intensa que restrinja a atuação privada na economia mediante o Estado Máximo, mesmo porque tal intervenção na prática é tão ideológica quanto a não intervenção. O Estado desempenha atuação importante na dinâmica econômica, ao impor legislações várias que, por exemplo: regulem a dinâmica tributária (exportação e importação, com a denominada parafiscalidade); tratem da imposição de obrigações às sociedades empresárias; e, de certa forma, quando exigem o cumprimento de formalidades para que as empresas iniciem, mantenham, e finalizem suas atividades. Observe-se o que leciona TAVARES (2003, pp. 251 e 252): Nesse sentindo, a liberdade privada em dedicar-se a uma determinada atividade econômica significa tão-somente liberdade de desenvolvimento dessa atividade no quadro estabelecido pelo Poder Público, dentro dos limites normativamente impostos a essa liberdade. Este é o motivo pelo qual se pode afirmar validamente que a liberdade de iniciativa se exerce dentro dos parâmetros em que há de ser reconhecida, fazendo-se compreender, no texto constitucional, a abertura para a criação de restrições por via da lei, desde que plausíveis e compatíveis com o interesse público. SABER ACADÊMICO - n º 06 - Dez. 2008/ ISSN 1980-5950 REVISTA MULTIDISCIPLINAR DA UNIESP 109 Surge assim o problema quando a participação do Estado passa a prejudicar a liberdade de iniciativa (e continuidade) da atividade empresarial, fazendo com que haja o desequilíbrio na balança, pois à medida que frustra a atividade particular, frustra também a realização do interesse público. Deve o Estado encontrar o equilíbrio para que suas “intervenções” não descaracterizem o ideal neoliberal inserido na Constituição, tornando insuportável a carga que a empresa deve levar ao cumprir inúmeras exigências para iniciar ou finalizar suas atividades. Com o Código Civil de 2002, houve a unificação da dicotomia até então existente no Direito Privado, sendo que o Direito Civil abarcou para si a matéria tratada no Direito Comercial, adotando para tanto a Teoria da Empresa, porém, não trouxe definição do conceito de Empresa, preferindo segundo tendência do Código Italiano em conceituar apenas o empresário. Conforme o artigo 966 “considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços” Portanto, caracteriza a empresa o desempenho de uma atividade, por um sujeito (Empresário Individual ou Sociedade Empresária), visando obter lucro ao oferecer ao mercado bens e serviços, mediante a organização dos fatores de produção. É a sociedade empresária, a Pessoa Jurídica criada que desempenha a atividade empresarial, caracterizando-se como empresário e esta atividade econômica desenvolvida é o elemento caracterizador da empresa. O termo Burocracia ganhou, ao longo do tempo, conotação negativa que merece ser esclarecida à luz dos ensinamentos desenvolvidos por Max Weber. O que se pode afirmar por enquanto é que toda empresa necessita da presença de um modelo burocrático, eis que ao falar-se em organização instaura-se a burocracia. Pelo menos foi assim por todo o século XX, porém neste presente século, diante das exigências “globais”, é mais do que certo questionar o atual modelo burocrático, especialmente no tocante à atividade empresarial, que como se observou, traduz-se no desempenho de uma atividade econômica essencial para o crescimento econômico do país, bem como, cumprimento dos valores contidos na Constituição, como a Dignidade da Pessoa Humana em relação ao Trabalho e a Função Social da Empresa perante a sociedade. Em Frederick Winslow Taylor que se desenvolveram alguns princípios sobre como administrar de maneira científica. Segundo CHIAVENATO (1996, p. 44) “a SABER ACADÊMICO - n º 06 - Dez. 2008/ ISSN 1980-5950 REVISTA MULTIDISCIPLINAR DA UNIESP 110 chamada Administração Científica de Taylor, no começo do século, serviu para alicerçar a chamada Engenharia Industrial e a divisão de trabalho e conseqüente especialização dos operários”. Iniciava-se uma nova época, industrialmente revolucionária no que tange sua forma de produção, sendo que Taylor fizera uma espécie de reengenharia de métodos em sua época. Nesta mesma época surgiram os ensinamentos de Henri Fayol que buscava a divisão do trabalho partindo de seu topo, devendo a empresa ser dividida em funções que posteriormente acabaram abrindo o caminho para a departamentalização da empresa. Surgiram, nesta mesma época, os trabalhos de Max Weber, “que se tornou famoso pelo fato de descrever minuciosamente o modelo burocrático de organização, em sua época, estava-se consolidando fortemente no mundo todo.” (CHIAVENATO, 1996, p. 45). Conforme leciona CHIAVENATO (1996, p. 47) as principais características do modelo burocrático desenvolvido por Weber são as seguintes: “Divisão do trabalho. Hierarquia. Regras e Regulamentos. Formalização das comunicações. Competência técnica. Procedimentos técnicos.” Posteriormente descobriu-se que estas características poderiam ser encontradas em diferentes graus (maior e menor), determinando-se diferentes graus de burocratização. Ora, a divisão do trabalho proporcionava maior volume de produção, pois levava em conta a divisão de acordo com cargos especializados. O problema ocorria quando havia o excesso de burocratização: superespecialização; ordem; confinamento. Isto acontece em quaisquer das características burocráticas, elas tanto podem ocorrer em escassez (a falta) quanto podem ocorrer em excesso. A estas situações (escassez e excesso) denominaram-se disfunções. Em certa forma estas disfunções são exatamente o que se entende hoje por burocracia. Ou seja, burocracia vista sob a ótica de uma sociedade que vivia a novíssima experiência de um mundo em “industrialização” era a organização necessária para que houvesse ordem, disciplina, obediência, crescimento, desenvolvimento. Para aquela sociedade industrial parturiente, o modelo burocrático era exatamente o que se precisava. Explica CHIAVENATO (1996, p.48) que “o modelo burocrático é ideal para ambientes estáveis e com poucas mudanças e alta previsibilidade.” E continua: SABER ACADÊMICO - n º 06 - Dez. 2008/ ISSN 1980-5950 REVISTA MULTIDISCIPLINAR DA UNIESP 111 Hoje, quando o mundo ficou menor, uma espécie de aldeia global, devido à intensidade das comunicações e dos transportes, à sofisticação da tecnologia e à globalização da economia, as mudanças se aceleraram com notável rapidez e descontinuidade, a ponto de se tornarem muito rápidas e imprevisíveis. O ambiente empresarial tornou-se mutável, dinâmico, imprevisível e turbulento. E o modelo burocrático, em vez de impulsionar as empresas em seus negócios, passou a funcionar como uma camisa de força a bloquear e impedir o ajustamento às mudanças ambientais. O objetivo básico do modelo burocrático é impor ordem, orientação, disciplina e manutenção do status quo, razão pela qual suas normas e seus regulamentos são eminentemente controladores, conservadores e restritivos. A burocracia apresenta fortes características de rigidez e inflexibilidade, aspectos que se opõem profundamente à natureza mutável e cambiante do ambiente em que no dias de hoje ela deve operar e funcionar. O resultado é uma organização arcaica, ultrapassada e obsoleta em um ambiente que exige adaptação, criatividade e inovação. A marca da globalização, ainda que se apresente como um processo de origem remota, certamente sua evidência é muito marcante neste século XXI. E neste século, entender o Estado como uma grande máquina burocratizadora e as empresas adotarem este modelo organizacional são situações inaceitáveis. Tendo-se destacado estas disfunções burocráticas, é preciso firmar o entendimento de que a burocracia tanto pode ser analisada do ponto de vista da Empresa em relação ao Estado, como pode ser vista da Empresa para si mesma. Analisando-a sob a ótica interna e administrativa é que se observam claramente as disfunções burocráticas. Ainda mais grave e tão importante para este trabalho é a análise da ótica em que vislumbra o Estado como uma grande organização exageradamente burocrática. É uma organização lenta, inflexível, quase que imutável e que possui funcionários completamente burocratizados, que não possuem iniciativa e que são pouco propensos a qualquer mudança. De outro lado este mesmo Estado possui regras denominadas constitucionais porque pertencem ao seu documento mais importante: a Constituição. Surgem duas situações totalmente antagônicas e conflitantes. Isto é, de um lado se tem o Estado que deseja o surgimento e continuidade de empresas e de outro este mesmo Estado emperrando a máquina econômica com excesso de papéis, formulários; exigências que são completamente favoráveis à resistência de mudanças e, que nada cooperam para o crescimento da iniciativa privada tanto no mercado interno, quanto SABER ACADÊMICO - n º 06 - Dez. 2008/ ISSN 1980-5950 REVISTA MULTIDISCIPLINAR DA UNIESP 112 ainda mais no externo, obviamente levando-se em consideração um mundo economicamente globalizado transitando entre a modernidade e a pós-modernidade. A discussão quanto à questão da burocracia como um fator impeditivo, ganha peso na medida em que se começa a pensá-la sob a análise desta transição que se tem vivido na história da civilização da humanidade, sendo impossível não afirmar que os tempos atuais são marcados por profundas mudanças nas estruturas fundamentais da construção dos conceitos, valores, pensamentos. Entretanto, o alerta que deve ser feito não está relacionado com o término da burocracia, mas com a reflexão sincera de que na atualidade ela tem trazido muito mais malefícios do que benefícios. Em torno da idéia de modernidade BITTAR (2005, p.158) escreveu o seguinte: Os grandes traços que marcam o complexo das identidades gestadas e criadas ao longo da modernidade podem ser traduzidos com os seguintes termos: eterno; imutável; absoluto; verdadeiro; racional; uno; vertical; dedução; científico, comprovável; provado; ordenado; regulável. Estes termos marcaram a construção do pensamento moderno. O surgimento do Estado em sua aplicação contemporânea, fazendo uso de regras e ordens, mediante a razão, encontrou na legalidade das normas seu modo de controle. Porém o mundo é feito de pessoas que vivem em sociedade e esta, evolui. Já esta evolução ocorre exatamente quando as regras já não são consideradas como tais. Assim, o momento que vivemos é um destes de revisão dos conceitos e de readequá-los às necessidades que permeiam a vida cotidiana. Citando Boaventura de Souza Santos, Bittar (2005, p. 174) relata que a conclusão é a de que “estamos a entrar num período de transição paradigmática entre a sociabilidade moderna e uma nova sociabilidade pós-moderna cujo perfil é ainda quase imperscrutável e até imprevisível.” Constata-se a pós-modernidade não como um momento definitivamente consagrado, mas vive-se a transição, isto é, o momento em que a ocorrência de determinados fatos levam à reflexão no sentido de se rever conceitos. Por isso é que se propõe a revisão conceitual referente ao modelo burocrático que em razão de suas disfunções não permite a coabitação com a sociedade “pós-moderna” da atual conjectura. É imprescindível que se entenda a atividade empresarial dentro deste contexto último sem perder de vista as necessidades de flexibilizar e de repensar os SABER ACADÊMICO - n º 06 - Dez. 2008/ ISSN 1980-5950 REVISTA MULTIDISCIPLINAR DA UNIESP 113 paradigmas deixados pela modernidade. Justamente na quebra dos paradigmas solidificados pela modernidade é que se começa a pensar a pós-modernidade. Ao invés de se pregar o eterno, o imutável, o absoluto, tem-se na pós-modernidade o transitório, o mutável, o relativo. Desta forma, em termos práticos para a Empresa, o aprendizado constatado é aquele que remete à necessidade de não mais se permitir que o modelo burocrático continue engessando a livre iniciativa da atividade econômica. Para tanto, conforme mencionado anteriormente, o Estado (brasileiro) e acima de tudo as Empresas, devem atualizar-se e buscar a implantação de modelos e ferramentas que viabilizem a sua sobrevivência em um mercado economicamente globalizado. Fechando com Bittar, percebe-se esta transição e a conseqüente necessidade de reavaliação, quando o nobre professor ensina que “Os tradicionais paradigmas que serviram bem ao Estado de direito do século XIX não se encaixam mais para formar a peça articulada de que necessita o Estado contemporâneo para a execução de políticas públicas”. (BITTAR, 2005, p. 176). Desta forma, a empresa (o empresário, sociedade empresária) deve buscar a quebra dos paradigmas consolidados anteriormente com a modernidade, mas que em nada se relacionam às idéias pregadas neste período de transição em que a economia se encontra cada vez mais globalizada e o mercado cada vez mais exigente e saturado, o que neste último caso viabiliza a possibilidade de adaptação a um modelo menos burocrático e mais flexível. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BITTAR, Eduardo Carlos Bianca. O Direito na Pós-Modernidade. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005. CHIAVENATO, Idalberto. Os novos paradigmas: como as mudanças estão mexendo com as empresas. São Paulo: Atlas, 1996. COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial, vol. 1. – 10 ed. rev. e atual. de acordo com nova lei de falências. – São Paulo: Saraiva, 2006. MAMEDE, Gladston. Direito empresarial brasileiro: empresa e atuação empresarial, vol. 1, São Paulo: Atlas, 2004. SABER ACADÊMICO - n º 06 - Dez. 2008/ ISSN 1980-5950 REVISTA MULTIDISCIPLINAR DA UNIESP 114 SOUZA, Washington Peluso Albino de. Primeiras linhas de direito econômico. 6. ed. São Paulo: LTr, 2005. TAVARES, André Ramos. Direito Constitucional Econômico. São Paulo: Método, 2003. 1 Advogado, Especialista em Direito Empresarial pela Universidade Estadual de Londrina – PR e Professor de Direito Empresarial e Direito Constitucional da Faculdade de Presidente Epitácio (UNIESP). 2 Cf. artigo 170, parágrafo único, Constituição Federal. 3 Cf. Artigo 173 da Constituição Federal. SABER ACADÊMICO - n º 06 - Dez. 2008/ ISSN 1980-5950