Pensando o indivíduo no contexto do Museu
Se entendemos, em uma amplitude do conceito, Museu enquanto uma relação
bem específica ocorrida nas esferas do particular e social, entre o “Eu” e “Outro”,
em um processo contínuo de identidade/identificação, atemporal (CARVALHO,
2013), é possível compreender que cada pessoa se relacionará com o
museu de forma particular, distinta.
Ainda, se consideramos que cada museu corresponde a um tipo de
sociedade/comunidade e se este museu busca dialogar com esta, as chances do
museu afetar – no sentido literal do termo – serão inúmeras.
Ainda, museus necessitam sempre considerar diferentes tipos de visões e
abordagens sobre o mesmo tema proposto. Mais uma vez Paulo Freire aponta o
caminho
O papel do educador ou da educadora progressista, que não pode nem deve se
omitir, ao propor ‘sua leitura de mundo’, é salientar que há ‘outras leituras de
mundo’, diferentes da sua e às vezes antagônicas a ela. (FREIRE, 1997, p. 112113).
Portanto, uma exposição pode ser apresentada pontuando diferentes modos de
ver aquele mesmo tema, mostrando que toda narrativa é múltipla, ampliando as
possibilidades de afetar o maior número de pessoas que entram na exposição.
Ainda, como outro possível passo, devemos estar a par da compreensão de mundo
que as nossas sociedades/comunidades têm. Compreensão esta que pode começar a
mudar através das próprias transformações de cada realidade (FREIRE, 1997, p. 2829). E mais:
[...] compreensão do mundo que pode começar a mudar no momento mesmo em que o
desvelamento da realidade concreta vai deixando expostas as razões de ser da própria
compreensão tida até então. (FREIRE, loc. cit.).
Na busca pela compreensão de mundo de cada sociedade, é necessário considerar
que às grandes maiorias populares falta uma compreensão mais crítica de si mesmas,
não porque sejam, como reforça Freire, incapazes, mas por causa das condições
precárias em que vivem e sobrevivem e por causa da alienação política e ideológica
conveniente aos que detém o poder. Tais fatores impedem que homens e mulheres se
assumam como sujeitos curiosos, indagadores, como sujeitos em processo
permanente de busca. Esta relação, que se dá através do que Freire nomeia como
“leitura do mundo e leitura da palavra” (FREIRE, 1997, p. 106-107).
A intervenção de um profissional é necessária mesmo numa relação
democrática, principalmente se este é capaz de familiarizar-se com
“[...] a sintaxe, com a semântica dos grupos populares, de entender como fazem
eles sua leitura de mundo, de perceber suas ‘manhas’ indispensáveis à cultura
de resistência que se vai constituindo e sem a qual não podem defender-se da
violência a que estão submetidos.” (FREIRE, 1997, p. 107).
Portanto, este diálogo deve ser constante para entendimento das necessidades
de quem nos dirigimos, além de suas ideias e leituras de mundo, para que
possamos estabelecer uma conversa que se utiliza de uma mesma linguagem.
Pensar que cada pessoa que adentra as portas do museu é especial não é
possível se não considerarmos as questões aqui apontadas e muitas outras –
apontadas por outros autores ou que ainda estão por serem desvendadas,
diante das necessidades apontadas pela relação museu-indivíduo.
Não há como traçar um diálogo com cada um sem considerar, pelo menos, um
caráter fenomenológico dos museus e, principalmente, sem definir a quem cada
museu dirige; ainda, sem pensar em múltiplas abordagens para cada exposição;
e sem convidar a sociedade/comunidade para tomar a palavra e auxiliar na
construção do processo, num processo efetivamente democrático.
Para Maffesoli
[...] a pessoa constrói-se na e pela comunicação. Além disso, sem dar a esse
termo um sentido mais restrito, ela tem um forte componente hedonista, isto é,
todas as potencialidades humanas: a imaginação, os sentidos, o afeto, e não
apenas a razão, participam dessa construção. (1996, p. 310).
E, baseadas em Bachelard, entendemos que a imaginação recria mundos que
são muito próprios dos indivíduos pois, sem a transformação das imagens, não
há ação imaginante (1996, p. 1).
É fascinante pensar o Museu como uma instância de vivências, onde os ícones
remetem às nossas experiências familiares e de infâncias; os índices remetem a
nossa percepção individual da realidade; os símbolos estão impregnados de
significados e experiências compartilhadas por toda a comunidade.
O Museu assumiria de vez sua forma fluída, mutável, totalmente dependente da
relação com o indivíduo. Assim poderemos por em prática o que Bachelard
declarou: ”[...] aos fenômenos pediremos conselhos de mudança, lições de
mobilidade substancial” (1997, p. 10).
Assim, cada um, por meio de suas experiências, poderá se identificar e
estabelecer um diálogo coerente. E, assim, não haverá “movimento institucional
que possa diminuir a potencia desta relação” (SCHEINER, 2004, p. 61).
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Museu e seus públicos - Unifal-MG