Faculdade Integração Zona Oeste – FIZO Alquimy Art Curso de Especialização em Arteterapia Pós-Graduação lato sensu ARTETERAPIA EM SALA DE ESPERA COM REFUGIADOS PATRICIA MORAES BARROS PRADO Osasco, SP 2007 Formatado: À direita: 0,63 cm PATRICIA MORAES BARROS PRADO ARTETERAPIA EM SALA DE ESPERA COM REFUGIADOS Monografia apresentada à FIZO - Faculdade Integração Zona Oeste, SP e ao Alquimy Art, SP, como parte dos requisitos para a obtenção do título de Especialista em Arteterapia. Orientador: Profa. Dra. CRISTINA DIAS ALLESSANDRINI Osasco, SP 2007 Formatado: À direita: 0,63 cm PRADO, PATRICIA MORAES BARROS ARTETERAPIA EM SALA DE ESPERA COM REFUGIADOS Patricia Moraes Barros Prado – Osasco; [s.n.], 2007. 35p. Monografia (Especialização em Arteterapia) – FIZO, Faculdade Integração Zona Oeste. Alquimy Art, SP. 1. Arteterapia 2. Sala de Espera Faculdade Integração Zona Oeste – FIZO Formatado: À direita: 0,63 cm Alquimy Art ARTETERAPIA EM SALA DE ESPERA COM REFUGIADOS Monografia apresentada pelo (a) aluno (a) Patrícia Moraes Barros Prado ao curso de Especialização em Arteterapia em 20 de maio de 2007 e recebendo a avaliação da Banca Examinadora constituída pelos professores: __________________________________________________________ Prof. Dra. Cristina Dias Allessandrini, Orientador __________________________________________________________ Profa. Dra. Deolinda Florim Fabietti, Coordenadora da Especialização __________________________________________________________ Prof. MsC. Regina Chiesa, Convidada Formatado: À direita: 0,63 cm Aos meus amores Flávio e João Agradecimentos Formatado: À direita: 0,63 cm Agradeço a todos que direta ou indiretamente participaram desta pesquisa, Cris, Deolinda, Lú, Carla, Liége, meu agradecimento de coração. RESUMO ARTETERAPIA EM SALA DE ESPERA COM REFUGIADOS Formatado: À direita: 0,63 cm Esta pesquisa estuda a arteterapia em sala de espera com refugiados. Apresenta de forma prática a arteterapia dentro do referencial da sala de espera. Analisa o processo arteterapêutico em sala de espera, estudando, por meio de observação, as ações dos refugiados no desenrolar dos ateliês terapêuticos. Trabalha ao integrar de maneira coerente a arteterapia com a sala de espera, seja na perspectiva transpessoal, ou na concepção do ambiente, como algo que permite ao homem criar, refletir, ressignificar e elaborar o que foi produzido objetivando que sua essência seja parcialmente desvelada e transformada. Analisa o ambiente da arteterapia dentro da abordagem de Winnicott e reflete sobre os materiais artísticos como mediadores do processo arteterapêutico importantes no atendimento de pessoas refugiadas que buscam a esperança como meio de sobrevivência. Trabalha a presença do arteterapeuta como sendo uma pessoa acolhedora, flexível e humilde na relação com o refugiado. Prepara o ambiente para receber e atender as necessidades daqueles que pedem ajuda. Explora o uso da arte e da produção literária no contexto arteterapêutico, bem como a simbologia de histórias contadas verbalmente e/ou plasticamente. Trabalha com sujeitos refugiados, vindos de 46 países diferentes, na grande maioria homens, em torno de 20 a 40 anos de idade. Apresenta cerca de 30 pessoas por atendimento. Utiliza a metodologia retrodutiva, que articula a teoria com a prática. O resultado confirma a prática da arteterapia em sala de espera como importante recurso para resgatar pessoas com tendências antisociais. Confirma a relação de confiabilidade estabelecida entre o arteterapeuta e o refugiado em sala de espera. Palavras-chave: Arteterapia – Sala de Espera - Refugiado ABSTRACT ARTTHERAPY IN ROOM OF WAIT WITH REFUGEE Formatado: À direita: 0,63 cm This research studies the arttherapy in room of wait with refugee. It inside presents of practical form the arttherapy of the referential of the wait room. It analyzes the artterapeutic process in wait room, studying, by means of comment, the actions of refugee in uncurling of the therapeutically studios. The arttherapy with the wait room works when integrating in coherent way, either in the transpersonal perspective, or the conception surrounding it, as something that the man allows create, to reflect, to remean and to elaborate what he was produced objectifying that its essence either partially deviled and transformed. It analyzes the environment of arttherapy inside of the boarding of Winnicott and reflects on important the artistic materials as mediating of the arttherapeutic process in the attendance of refugee people who search the hope as half of survival. The presence of arttherapist works as being a warmhearted, flexible and humble person in the relation with refugee. It prepares the environment to receive and to take care of necessities of that they ask for aid. It explores the use of the art and literary production in arttherapeutic context, as well as the symbology of counted histories verbally and/or plastically. It works with refugee citizens, come of 46 different countries, in the great majority men, around 20 the 40 years of age. It presents about 30 people for attendance. It uses retroductive methodology that articulates the theory with the practical one. The results confirm the practical one of the arttherapy in wait room as important resource to rescue people with antisocial trends. It confirms the relation of trustworthiness established between arttherapeustic and refugee in wait room. Key-Words: Arttherapy – Room of Wait – Refugee SUMÁRIO Formatado: À direita: 0,63 cm RESUMO........................................................................................................................ 6 ABSTRACT.................................................................................................................... 7 1. APRESENTAÇÃO...................................................................................................... 10 2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA.................................................................................. 13 2.1. O ATO DE CRIAR.................................................................................................... 13 2.2. O VALOR DA ARTE................................................................................................. 14 2.3. ARTETERAPIA........................................................................................................ 16 2.4. TEORIA DE WINNICOTT........................................................................................ 18 2.5. COMO COMPREENDER O DESENVOLVIMENTO HUMANO E O REFUGIADO SOB UMA VISÃO WINNICOTTIANA?............................................................................ 22 2.6. CARACTERÍSTICAS FÍSICAS E PSICOLÓGICAS DOS REFUGIADOS............... 25 3. DESCRIÇÃO DA PESQUISA..................................................................................... 26 4. METODOLOGIA E ANÁLISE DE DADOS................................................................. 27 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................................ 32 6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.......................................................................... 34 Formatado: À direita: 0,63 cm 10 Formatado: À direita: 0,63 cm 1. APRESENTAÇÃO A monografia presente relata a essência de um ser criativo. Uma pitada de sentimentos, vivências e palavras, que agora escritas, traduzem o arteterapeuta descoberto num estágio em sala de espera com pessoas refugiadas. Todo indivíduo se desenvolve em uma realidade social, em cujas necessidades e valorizações culturais se moldam os próprios valores de vida. No indivíduo confrontam-se, por assim dizer, dois pólos de uma mesma relação: a sua criatividade que representa as potencialidades de um ser único, e sua criação que será a realização dessas potencialidades já dentro do quadro de determinada cultura. (OSTROWER, 1997, p. 5) Em outubro de 2005, iniciei um processo arteterapêutico pessoal em grupo que traduz o envolvimento com a arteterapia. Desde então, venho passando por inúmeras transformações “em um espaço que antes não era nada, e que de repente passa a ser uma forma, um contorno, emerge um gesto, enfim, a expressão de um sentimento presente dentro de nós”. (ALLESSANDRINI, 1999, p. 32) A arteterapia exalta e liberta as qualidades do indivíduo na práxis da vida, ajudando-o a sentir-se, pensar-se e a agir de acordo consigo mesmo, criando um canal de comunicação entre seus conteúdos conscientes e seus conteúdos inconscientes, ao longo de sua existência. (ARCURI, 2006, p. 20) O acompanhamento arteterapêutico possibilita uma comunicação interna para o externo a partir do criar, sentir, viver, experimentar e moldar aquilo que pertence a sua essência. Ou seja, “criar é tocar a essência mais profunda do ser humano”. (ALLESSANDRINI, 1999, p. 32) É deixar se permitir sentir e intuir. “É viver, é fazer solto e espontâneo; é fazer contato com o mundo e,... em função da necessidade de seu próprio crescimento... possa se realizar”. (OSTROWER, 1997, p. 75) É o despertar e o acordar para a vida, ou seja, é perceber as potencialidades de quem você realmente é. Formatado: À direita: 0,63 cm 11 Formatado: À direita: 0,63 cm Através das linguagens artísticas, o espírito ganha corporeidade e a matéria plasticidade. O interno, o real, o imaginário, entrelaçam-se num movimento formador e transformador. Ai reside um dos principais fatores terapêuticos da arte: poder dar visibilidade às tramas que permeiam as relações. (BERNARDO apud ARCURI, 2006, p. 226) Trabalhar a criatividade possibilita dar forma, cor e expressão a sentimentos que se desenvolvem a partir de uma linguagem própria. “Quando essa porta se abre, o colorido do mundo se modifica e, ao entrarmos em contato com essa realidade descobrimos o caminho da cura de nós mesmos e do mundo”. (FERRETTI, 1994, p. 15) Quando uma pessoa é aberta à vida, sem preconceitos, e receptiva às novas experiências, quando ela é capaz de diferenciar-se e reintegrar-se, de amadurecer e crescer espiritualmente, ela terá condições para criar. [...] o fazer criativo sempre se desdobra numa simultânea exteriorização e interiorização da experiência de vida, numa compreensão maior de si próprio e numa constante abertura de novas perspectivas do ser. Reflete o sentido do desenvolvimento da personalidade como um todo, da pessoa vivendo mais plenamente sua vida. (OSTROWER, 1997, p. 251) Por meio da arteterapia em sala de espera é possível resgatar a determinação e a coragem de se criar. Essa criação vem resgatada de afeto, medos e escolhas. As escolhas são compreendidas de acordo com o que se pensa e quer. O pensamento e o sentimento caminham lado a lado na transformação da consciência criativa. Então, a criatividade é tocada. O toque possibilita a vida. O belo aparece novamente. A presença é sentida. Segundo Ciornai (2000, p. 10): “As pessoas ficam encantadas com aquilo que criam, sentem prazer ao perceberem a beleza interna,... ao criar o belo, a pessoa entra em contato com o belo em si”. A arteterapia em sala de espera possibilita o diálogo com esse mundo interno, por meio das sensações, dos sentimentos e das imagens que vão surgindo. O revelar- Formatado: À direita: 0,63 cm 12 Formatado: À direita: 0,63 cm se permite o se sentir livre para se expressar e se relacionar do jeito que pode e consegue. Vaisberg (apud ARCURI, 2006, p. 117) afirma que: A partir de uma profunda consciência acerca da importância da arte na vida humana, intuindo que certas atividades, habitualmente designadas como artísticas, carregam em seu bojo um potencial de transformação do viver, que pode favorecer processos de amadurecimento e crescimento pessoal. O que faz a arte ser terapêutica é o criativo. Essa profunda motivação humana de criar possibilita “crescer, saber de si, descobrir seu potencial e realizá-lo: é uma necessidade interna”. (OSTROWER, 1995, p. 6) Portanto, em sala de espera o indivíduo ensaia e experimenta diversos materiais e técnicas, segue determinados caminhos à procura de formas de identificação, realizando algo de concreto em busca do crescimento em conhecimentos e em sua individualidade. Já o arteterapeuta é aquele que possibilita o acolhimento em um ambiente seguro e estável, contribuindo na estruturação de um padrão de expectativa interna, para que o indivíduo possa se expressar livremente e se constituir como uma pessoa capaz de sentir a realidade das coisas reais, tanto externas quanto internas, e de alcançar a integração da personalidade individual. O presente texto se baseia em duas fundamentações teóricas. A primeira parte retrata o Ato de Criar, o Valor da Arte e a Arteterapia. Já a segunda, destina-se para a teoria de Winnicott propriamente dita. Formatado: À direita: 0,63 cm 13 Formatado: À direita: 0,63 cm 2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA 2.1. O Ato de Criar O ato de criar significa dar existência a, gerar, formar. Ou seja, “é poder dar forma a algo novo... em qualquer que seja o campo da atividade... de novas coerências que se estabelecem para a mente humana” (OSTROWER, 1997, p. 9), sendo que, o perceber e o fazer integrados no sentir geram o criar. “A percepção delimita o que somos capazes de sentir e compreender, pois a percepção é a elaboração mental das sensações”. (OSTROWER, 1997, p. 13) A criatividade demonstra as potencialidades de um ser único. Uma das premissas dessa é a percepção individual do consciente. Portanto, a percepção de si mesmo dentro do agir representa um aspecto relevante que distingue a capacidade criativa humana. A sensibilidade caminha com a criatividade, onde uma não vive sem a outra. Ostrower (1997, p. 18) afirma que: A criatividade poderia ser caracterizada como um potencial de sensibilidade... É um potencial que aprofunda nosso raciocínio consciente, ligando-o ao intuitivo, e que permite vivenciarmos nosso ser e agirmos criativamente. Criar é aventurar-se no mundo interno, revelando e descobrindo as potencialidades e sentidos. É deixar-se penetrar em algo que é seu para compartilhar com o mundo. A criatividade é portanto um potencial em aberto, abrangente, vindo a manifestar-se nas pessoas através de certas inclinações, interesses e aptidões. Poderíamos considerá-la também como uma espécie de receptividade interior. (OSTROWER, 1995, p. 218) A produção criativa pode ser vista como um sujeito mobilizador da ação de romper o limite, de se surpreender diante do inesperado que desafia a ação na relação interno com externo, pois toda forma de expressão é forma de comunicação e realização, Formatado: À direita: 0,63 cm 14 Formatado: À direita: 0,63 cm com espontaneidade e liberdade ao criar. “O homem cria, não apenas porque quer, ou porque gosta, e sim porque precisa; ele só pode crescer, enquanto ser humano, coerentemente, ordenando e dando forma, criando”. (OSTROWER, 1997, p. 10) A criatividade é referida por Winnicott como “a manutenção da vida de algo que pertence à experiência infantil: a capacidade de criar o mundo” (WINNICOTT, 1989, p. 28). Ou seja: Para ser criativa, uma pessoa tem que existir, e ter um sentimento de existência, não na forma de uma percepção consciente, mas como uma posição básica a partir da qual operar... A criatividade é o fazer que, gerado a partir do ser, indica que ele está vivo. (WINNICOTT, 1989, p. 23) Segundo Ostrower (1995, p. 7): “A fonte da criatividade artística, assim como de qualquer experiência criativa, é o próprio viver. Todos os conteúdos expressivos na arte,..., são conteúdos essencialmente vivenciais e existenciais” que acontecem durante todos os momentos da vida, enquanto o ser estiver vivo no mundo. É uma liberdade de expressão, com flexibilidade e elaboração no processo criativo, num instinto inerente do ser humano de ser ele mesmo, de se sentir vivo. 2.2. O Valor da Arte Arte é cognição, é profissão, é uma forma diferente da palavra para interpretar o mundo, a realidade, o imaginário, e é conteúdo. Como conteúdo, arte representa o melhor trabalho humano. Arte é qualidade e exercita nossa habilidade de julgar e de formular significados que excedem nossa capacidade de dizer em palavras. E o limite da nossa consciência excede o limite das palavras. (BARBOSA, 1994, p. 4) Através do exercício da arte, o indivíduo tem a possibilidade de se perceber, “de transformar o real e factual em novas virtualidades, criando novas possibilidades, expectativas e interesses ainda não atualizados, abrindo-lhe novos horizontes”. (URRUTIGARAY, 2004, p. 28) Formatado: À direita: 0,63 cm 15 Formatado: À direita: 0,63 cm Por isso que a arte pode expressar as dimensões e descobertas da vida. O fazer arte permite esse contato com o novo. Para Ciornai (2002, p. 45): “o novo traz vida e a atividade criativa pode ser muito curativa por apontar novos caminhos, além de explorar aspectos positivos de qualquer pessoa”. Quando a arte está presente na vida do ser humano possibilita a sensibilização e escolha de projetos e dos caminhos a serem percorridos. A arte significa qualquer expressar, seja no verbal, corporal ou plástica. É pré-verbal e comunicativa. É o veículo das emoções, das sensações e das intuições da vida social. Ela é a expressão da alma, uma sensibilidade inata e inerente do ser humano. Toda expressão humana é uma arte. Segundo Ostrower (1993, p. 98): “A arte surge sempre como resposta a uma necessidade formadora, estruturante e de transformação. É ao mesmo tempo um modo de expressão, comunicação e conhecimento”. A arte é a representação fiel do psiquismo humano, ou seja, é aquilo que está lá dentro do seu verdadeiro eu. Além disso, tem uma importante função cartática. A pessoa coloca a sua marca pessoal na sociedade; assim ela terá a oportunidade de se mostrar, de expressar e de atuar no mundo, onde desempenha um papel extremamente vital na evolução humana, pois quando o indivíduo desenha, pinta, faz uma escultura ou dramatiza uma situação, transmite com isso uma parte de si mesmo; nos mostra como se sente, como pensa e com vê o mundo a sua volta. A arte em si pode ter valor terapêutico, o que não é a mesma coisa que arteterapia. Tanto na arte como nos processos terapêuticos se manifesta à capacidade humana de perceber, figurar, dimensionar e redimensionar as relações do sujeito com o mundo e consigo mesmo. A arte facilita estes processos, pois trabalha literalmente com figuras, configurações, espaços, movimentos e elementos sonoros. Além disso, arte oferece uma realidade alternativa na qual o sujeito pode ser eximido das conseqüências impostas pelo cotidiano (NETO & SANTANA, 2004, p. 185). Formatado: À direita: 0,63 cm 16 Formatado: À direita: 0,63 cm Portanto, a arte assume o papel de espelho necessário para a formação e transformação da nova imagem de si mesmo. Pois uma imagem projetada no papel ou numa escultura, ou num movimento do corpo, reflete a maneira pessoal de cada um relacionar-se, posicionar-se, de estar no mundo. Através do uso da arte, o homem consegue sentir-se “aliviado” de suas atribuições porque confere a estas um sentido, um significado, isto é, uma razão de ser. (URRUTIGARAY, 2004, p. 29) Em arteterapia, o valor da arte revela aquilo que realmente está acontecendo e permite ao terapeuta uma compreensão simbólica e hipotética da realidade do indivíduo. A arte facilita o entrar no universo imaginário e simbólico, possibilitando o desenvolvimento de potencialidades, bem como o conhecimento de si mesmo. 2.3. Arteterapia O grande valor da arteterapia reside em auxiliar o ser humano a lidar com relações de modo mais criativo com o mundo, ampliando a consciência sobre suas potencialidades e possibilidades de atuação no mundo em que vive. (VALLADARES apud ARCURI, 2006, p. 12) A arteterapia está vinculada ao processo criativo no fazer arte. Ela possibilita uma entrada na essência expressiva do ser humano, pois sugere um convite ao toque, a uma intimidade, que favorece a criatividade. A finalidade da arteterapia consiste em possibilitar a emergência de uma imagem transposta em imagem criada, a partir da utilização de materiais plásticos, que cedem sua flexibilidade e maleabilidade a quem os utiliza, para expressar seus conteúdos íntimos. (URRUTIGARAY, 2004, p. 24) Portanto, criar arte e comunicá-la é um processo que permite a qualquer pessoa uma ampliação de sua consciência. Para Arcuri (2006, p. 25): A retomada da criatividade possibilita transformações e atribuições de novos significados às experiências vividas, frustradas, ou simplesmente sonhadas. Dessa forma as experiências dolorosas e suas cicatrizes podem ser integradas numa consciência ampliada. Formatado: À direita: 0,63 cm 17 Formatado: À direita: 0,63 cm Por meio da arteterapia, a criatividade representa a possibilidade de uma transformação, de uma reestruturação interna para o externo, como uma busca de uma nova visão de vida, por permitir essa passagem de um conteúdo inconsciente, não assimilado, transformado em outro conscientizado. No processo de transformações o autor descobre que ele é o próprio dono de sua criação. A arteterapia exalta e liberta as qualidades do indivíduo na práxis da vida, ajudando-o a sentir-se, pensar-se e a agir de acordo consigo mesmo, criando um canal de comunicação entre seus conteúdos conscientes e seus conteúdos inconscientes, ao longo de sua existência. (ARCURI, 2006, p. 20) A construção de um trabalho artístico é um importante recurso terapêutico, pois o indivíduo expressa o seu mundo interno, de forma a comunicar ao terapeuta, ao mundo e a si mesmo os seus conflitos. O expressar permite a descoberta, proporciona uma via de autoconhecimento, facilita o amadurecimento e favorece o equilíbrio emocional. Para Arcuri (2006, p. 21): Arteterapia pode ser considerada como a utilização de recursos artísticos em contextos terapêuticos, baseando-se na percepção de que o processo criativo envolvido na atividade artística é terapêutico e enriquecedor da qualidade de vida das pessoas. Age a serviço das leis da necessidade interior do Homem e facilita o entrar em contato com o poder criador de cada um, permitindo transpor o que ocorre,..., levando assim o paciente a poder observar, refletir, interagir, dialogar e elaborar. No processo arteterapêutico o indivíduo se percebe como alguém que está vivo que consegue se transformar e se encontrar consigo próprio. Ou seja, é na busca de qualidade de vida, paz e harmonia que o indivíduo vai se constituindo e descobre a sua verdadeira essência no ato de criar pela arte de ser ele mesmo. Segundo Bernardo (apud ARCURI, 2006, p. 79): Trabalhando com recursos vivenciais e expressivos (desenho e pintura, modelagem, colagem, dança e expressão corporal, Formatado: À direita: 0,63 cm 18 Formatado: À direita: 0,63 cm relaxamento e visualização criativa, dramatização, narração de histórias, entre outros), a arteterapia aplicada aos diferentes contextos (escolas, comunidade, psicoterapia, organizações e instituições, etc.) promove a melhoria da qualidade de vida ao relacionar significativamente o mundo interno e externo, propiciando o reconhecimento e desenvolvimento de potenciais, o autoconhecimento, a aprendizagem criativa e o crescimento psíquico. Além disso, o caminho da arte nos abre e propõe uma nova forma de compreender o homem em seu entrelaçamento com o outro e o meio ambiente, inaugurando uma abordagem ético-estética, integradora e inclusiva e, portanto, pacífica e respeitosa, da vida e de todas as nossas relações. Portanto, a arteterapia veio para libertar as regras, os preconceitos, os padrões préestabelecidos, sendo única, humilde e bastante talentosa na descoberta de um novo meio de se relacionar e acolher o outro. A comunicação se faz pela troca do pensamento verbal pela criação espontânea e convidativa. Ela oferece os materiais necessários para um olhar mais significativo e colorido. O ambiente arteterapêutico precisa ser preparado e energizado para que o indivíduo possa exercer o seu jeito criativo de ser. O resgate dos símbolos vem com o tempo, sendo um processo lento e que exige uma atenção total de ambos os lados, do arteterapeuta e do paciente. 2.4. Teoria de Winnicott Donald Winnicott, pediatra inglês, sempre se preocupou em compreender o ser humano: como ele se constitui, se desenvolve, e quais os fatores fundamentais propiciadores a um crescimento e desenvolvimento sadios. No início da vida o bebê é alguém não integrado, solitário e dependente para continuar a existir e se desenvolver. Segundo Winnicott (1990, p. 21): “Minha tarefa é o estudo da natureza humana... A natureza humana é quase tudo o que possuímos”. O fundamental é a interação com o outro ser humano capaz de suprir as necessidades daquele organismo em Formatado: À direita: 0,63 cm 19 Formatado: À direita: 0,63 cm formação, ou seja, exercer a função materna. Winnicott estudou as relações entre mãe e bebê do ponto de vista físico e psíquico, percebendo como muito importante o ambiente no qual o bebê foi inserido. Para Winnicott, existe uma relação direta entre o bebê, o físico e o psíquico. Ou seja, não basta o bebê nascer em condições normais, é preciso ter uma AMBIÊNCIA, que favoreça o seu crescimento. A ambiência é aquele ambiente facilitador e favorável para o desenvolvimento do bebê. Existe o meio ambiente que não é suficientemente bom e que distorce o desenvolvimento do bebê, da mesma forma que pode haver um meio suficientemente bom, aquele que permite ao bebê alcançar, cada estágio, as satisfações, ansiedades e conflitos inatos apropriados (WINNICOTT, 1993, p. 491). O desenvolvimento saudável é aquele que possibilita ao indivíduo crescer e desenvolver-se de acordo com as sua condições herdadas e congênitas. A função do ambiente é a de oferecer condições necessárias de interação que permitirão que “surja um emergente, indivíduo que procura fazer valer seus direitos, tornado-se capaz de existir...” (WINNICOTT, 1990, p. 26). Winnicott percebeu que a figura principal é a mãe, em que a mãe precisa ser para o bebê o que ele precisa. Ele criou o conceito de MÃE SUFICIENTEMENTE BOA, ou seja, a mãe que não é perfeita, mas que ela faz para o bebê aquilo que ele precisa. Uma mãe suficientemente boa é aquela que olha o bebê na medida certa para atender, no tempo e da maneira adequada, as necessidades daquele bebê. O bebê vivencia nos três ou quatro primeiros meses de vida, o estágio da primeira mamada teórica, onde se vê envolvido em três tarefas básicas, interdependentes e mais ou menos concomitantes, e que são essenciais para o desenvolvimento do bebê. A mais básica e fundamental delas é a de realizar experiências que propiciem sua integração no tempo e no espaço em que passou a habitar (integração - estar); o Formatado: À direita: 0,63 cm 20 Formatado: À direita: 0,63 cm cuidado materno que propicia essa integração é o holding, que significa o segurar: “O primeiro sentido do tempo, no mundo subjetivo (do bebê) é o da continuidade da presença, que se instaura pela experiência repetida da presença da mãe... criando uma memória...” (DIAS, 2003, p. 197) - e o acalentar físico como a segurança afetiva emocional que a mãe deve proporcionar ao seu filho, ou seja, “[...] tem muita relação com a capacidade da mãe de identificar-se com seu bebê. Um holding satisfatório é uma porção básica de cuidado” (WINNICOTT, 1990, p. 26). O holding é o acolhimento, a continência, o atender ao bebê de forma concreta, o cuidado e o toque. Num ambiente que propicia um „segurar‟ satisfatório, o bebê é capaz de realizar o desenvolvimento pessoal de acordo com suas tendências herdadas. O resultado é uma continuidade de existência, que se transforma num senso de existir, num senso de self, e finalmente resulta em autonomia. (WINNICOTT, 1989, p. 23) A segunda tarefa, diz respeito ao alojamento da psique no corpo (personalização – ser). “Bem no início, soma e psique estão indiferenciados. Aos poucos, ocorre a diferenciação, ao mesmo tempo em que a tendência à integração age no sentido de reuni-los numa unidade” (DIAS, 2003, p. 208). O manejo materno ou handling, envolvendo o corpo do bebê e todos os cuidados físicos em relação a ele estão diretamente ligados a essa tarefa. O que importa é sentir-se seguro nos braços da mãe. Segundo Amiralian (1997, p. 101): o handling significa “o manipular e o manusear físicos, mas também oferecer experiências corporais significativas à personalização”. O handling acontece quando a mãe prepara um ambiente suficientemente bom, acolhedor e aconchegante, para que o bebê possa se constituir, se desenvolver e realmente Ser. “Isso contribui para a formação do sentido do “real”, por oposição a “irreal””. (WINNICOTT, 1990, p. 27) Formatado: À direita: 0,63 cm 21 Formatado: À direita: 0,63 cm A terceira tarefa relaciona-se com o início das relações objetais (realização – fazer – criar – existir), não esquecendo que a mãe é o primeiro objeto do bebê. Quando o bebê deseja o seio e ele está lá, para Dias (2003, p. 168): “a mãe permite que ele crie o objeto que encontra; ela o provê da ilusão de onipotência”. Uma vez que a experiência de criar aquilo que encontra foi devidamente permitida ao bebê, ele gradualmente poderá compreender que sua razão de existência e realidade no mundo é anterior à sua vontade. A apresentação de objetos ou “realização” (isto é, o tornar real o impulso criativo da criança) dá início à capacidade do bebê de relacionar-se com objetos. As falhas nesse cuidado bloqueiam ainda mais o desenvolvimento da capacidade da criança de sentir-se real em sua relação com o mundo dos objetos e fenômenos (WINNICOTT, 1990, p. 27). Enfim, a saúde do bebê, depende de uma mãe suficientemente boa. Aquela que segura e se adapta ao bebê, atendendo-o prontamente e afetivamente; e somente nessas condições de aceitação, o Ser pode começar a existir. O olhar carinhoso de uma mãe saudável e um ambiente propiciador garantem a segurança do desenvolvimento sadio do bebê. “O desenvolvimento, em poucas palavras, é função da herança de um processo de maturação, e de acumulação de experiências de vida; mas esse desenvolvimento só pode ocorrer num ambiente propiciador”. (WINNICOTT, 1990, p. 27) O processo de interação entre o bebê e o ambiente que o cerca é modificado ao longo da vida de acordo com o amadurecimento, a capacidade de ser e de viver criativamente. As condições básicas para um bom desenvolvimento do bebê dependem da confiabilidade e dependência relativa. “Sem uma confiabilidade ambiental mínima, o crescimento pessoal da criança não pode se desenrolar, ou desenrola-se com distorções”. (WINNICOTT, 1990, p. 45) A confiabilidade sugere o sentimento de segurança, a crença de que algo não seja apenas bom, mas que seja confiável e Formatado: À direita: 0,63 cm 22 Formatado: À direita: 0,63 cm durável, o que vai suscitar a autoconfiança. O desenvolvimento da confiabilidade depende de condições importantes do ambiente como: o conhecimento; o estar presente; o lidar com base em uma relação vive e pessoal; o ser coerente; e “é em relação a isso que o bebê cresce e é isso que ele absorve e copia”. (WINNICOTT, 1990, p. 45). A dependência relativa sugere uma abertura de espaço cada vez maior para o mundo, onde o indivíduo agarra todas as oportunidades que tem para se expressar livremente e agir segundo seus impulsos. 2.5. Como Compreender o Desenvolvimento Humano e o Refugiado Sob Uma Visão Winnicottiana? O presente capítulo apresenta aspectos básicos da teoria de Winnicott e procura relacioná-los com a conduta anti-social normal do desenvolvimento humano. Na etimologia da palavra tendência anti-social, segundo Abran, (2000, p. 39) encontra-se: “deprivação”. “O ato anti-social constitui-se em um imperativo relativo a uma falha ambiental estabelecida no período da dependência relativa”. (ABRAN, 2000, p. 39) De acordo com Winnicott, a tendência anti-social indica que o bebê pôde experimentar um ambiente suficientemente-bom à época da dependência absoluta, mas que foi perdido posteriormente. Assim, o ato anti-social é um sinal de esperança de que o indivíduo venha a redescobrir aquela experiência boa anterior à perda. (ABRAM, 2000, p. 39) A descoberta feita por Winnicott de que a tendência anti-social: “é uma demonstração de esperança,..., aos temas vinculados à separação e à perda das coisas da vida cotidiana”. (ABRAN, 2000, p. 40). Portanto, a tendência anti-social implica na perda da qualidade de um “ambiente vigoroso e amoroso” (ABRAN, 2000, p. 42) destruído. Ou seja, “o ato anti-social é, em essência, um sinal de Formatado: À direita: 0,63 cm 23 Formatado: À direita: 0,63 cm esperança para o indivíduo que o realiza” (ABRAN, 2000, p. 42), em busca de um ambiente que incentive o sentimento de segurança. Quando existe a tendência anti-social, é porque houve uma verdadeira deprivação; ou seja, houve a perda de algo bom e positivo para a experiência vivida pela criança até uma certa data, e que algo lhe foi tirado... que é precisamente o ponto em que se deu o trauma, e a condição traumática...(ABRAN, 2000, p. 48) Em seguida aponta uma questão presente aqui no Brasil e no mundo: “O REFUGIADO”, que muitas vezes pela dificuldade de adaptação ao novo país, observa-se que desenvolve uma conduta anti-social, pois o que ele procura é a capacidade de se encontrar neste novo contexto, ou seja, a segurança perdida daquilo que o sustentou anterior ao sofrimento desta busca de esperança. E quem é o refugiado? São pessoas que deixam seu país forçadamente em busca de ajuda, proteção, asilo e acolhimento físico e psíquico, para sobreviverem. O refúgio implica uma situação desconhecida, o temor pelo novo e uma imposição de novos valores sociais e culturais. O refugiado é um estranho no ninho perdido do seu verdadeiro eu, inserido em um ambiente desconhecido. “Ao ver destruído o marco de sua vida, já não pode sentir-se livre. Torna-se ansioso, e se tem esperança, passa a buscar um marco fora do lar”. (ABRAN, 2000, p. 42) Homens, mulheres e crianças que chegam em busca de proteção e condições dignas de sobrevivência. Refugiado não é imigrante voluntário. É aquele que foi forçado a deixar seu país de origem por temor de perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas, e por grave e generalizada violação de direitos humanos (Manual do Refugiado, 2000, p. 3). Segundo Neto & Santana (2004, p. 166), a palavra “refugiado” é freqüentemente utilizada para se referir a qualquer pessoa que tenha sido forçada a abandonar o seu país de origem. Entretanto, no termo internacional, o conceito de refugiado é mais restrito: descreve pessoas que, em virtude de um temor bem fundado de perseguição por razões de raça, religião, nacionalidade, participação em Formatado: À direita: 0,63 cm 24 Formatado: À direita: 0,63 cm determinado grupo social ou defesa de determinadas opiniões políticas, estão fora do país de sua nacionalidade e não podem ou, por causa deste temor, não querem valer-se da proteção de seu país. É também considerado refugiado aquele que fugiu do seu país porque sua vida, segurança ou liberdade foram ameaçadas por violência generalizada, agressão estrangeira, conflitos internos, violação dos direitos humanos ou outras circunstâncias que tenham perturbado a ordem pública. Portanto, refugiado é aquele que necessita de cuidados, pelo fato de não possuir na maioria das vezes uma família, um ponto de referência, um ambiente estável e contínuo “que contribuem na estruturação de um padrão de expectativa interna”. (ABRAM, 2000, p. 45) O governo brasileiro concede aos refugiados o visto de entrada, a proteção e a documentação necessária: documento de identidade, cadastro de pessoa física (CPF) e eventualmente passaporte, carteira de trabalho e previdência social. Uma vez reconhecido como refugiado, “este pode fazer parte dos Programas de Integração que têm como objetivo inserir o refugiado no mercado de trabalho por intermédio da capacitação profissional” (NETO & SANTANA, 2004, p. 168). Porém, se por qualquer razão o refugiado tiver sua solicitação negada, retoma a condição de refugiado, ficando no país, pois não se há verbas para deportá-lo, o que acaba por ficar ilegal e sem direito a ajuda, sendo obrigado, por exemplo, a roubar para sobreviver, tendo assim, uma conduta anti-social. A tendência anti-social é aquela em que o indivíduo não pode “experimentar um ambiente de holding vigoroso em um estágio crucial de seu desenvolvimento emocional”. (WINNICOTT, apud ABRAM, 2000, p. 40) Ou seja, o refúgio implica na perda do ambiente conhecido pela esperança de sobrevivência. Há uma falha e trauma no desenvolvimento emocional. Formatado: À direita: 0,63 cm 25 Formatado: À direita: 0,63 cm 2.6. Características Físicas e Psicológicas dos Refugiados De acordo com Neto & Santana (2004, p. 168), os transtornos mais comuns dos refugiados são: Temor à tortura, perseguição, assédio sexual; agressão sexual; depressão; ansiedade; uso de química; sofrimento psicológico; solidão; medo; raiva; mal estar, insônia, dor no corpo; desamparo; tristeza; seqüelas físicas; trauma; crise de identidade pessoal; dificuldade de nomear sentimentos; desorientação no tempo e no espaço; sensação de impermanência e vulnerabilidade. Apontam que, os refugiados são confrontados com uma série de problemas após a chegada em uma nova sociedade: “dificuldade com o idioma, diferenças culturais, étnicas, econômicas, discriminação religiosa, perda das relações sociais, separações familiares, perda de papéis sociais valiosos, identidades e posições ocupacionais”. (NETO & SANTANA, 2004, p. 168) Além disso, “os refugiados frequentemente se deparam com uma carga adicional relacionada às circunstâncias que forçaram sua recolocação”. (NETO & SANTANA, 2004, p. 168) Esta situação exige “abordagens preventivas e terapêuticas específicas na questão da saúde mental”. (NETO & SANTANA, 2004, p. 168) Entretanto, “as iniciativas tomadas nos últimos anos por parte dos países que recebem estes refugiados involuntários são de natureza experimental, formuladas para responder a necessidades urgentes”. (NETO & SANTANA, 2004, p. 169) Portanto, o refugiado que chega ao Brasil possui na sua história de vida, traumas e aflições que impedem o desenvolvimento da sua saúde mental, sendo de extrema importância acolhê-lo numa abordagem terapêutica, para que ele não se desvirtue em tendências anti-sociais e se perca de uma vez por todas, de seu verdadeiro eu. Formatado: À direita: 0,63 cm 26 Formatado: À direita: 0,63 cm 3. DESCRIÇÃO DA PESQUISA A presente pesquisa foi desenvolvida com um grupo de pessoas refugiadas em sala de espera situada num centro que atende refugiados, no município de São Paulo. Os dados foram colhidos durante 20 sessões semanais, com duração de 90 minutos cada, perfazendo um total de 30 horas, entre os meses de agosto de 2005 a maio de 2006. Para cada atendimento, foi preparado um relatório de observação. O público alvo foi composto por pessoas refugiadas vindas de 46 países diferentes (principalmente do Continente Africano: Angola, Libéria, Serra Leoa e países de outros continentes como Bósnia, Cuba, Iraque, Irã, Venezuela, Colômbia e Paquistão). Em média transitavam pela sala de espera cerca de 30 pessoas por atendimento, na grande maioria homens em torno de 20 a 40 anos de idade. Os recursos físicos para os atendimentos foram: 13 cadeiras de plástico fixas no chão, luz artificial, 5 mesas e 4 cadeiras de metal (ambas dobráveis), 10 banquinhos de plástico e 10 pranchetas. Nas paredes há produções expostas dos refugiados realizadas em atendimentos em sala de espera anteriores presas em 6 painéis de cortiça. Um banheiro para homens e mulheres com pia e vasos sanitários quebrados e vazamentos de ambos. Os recursos plásticos que foram oferecidos pela Instituição para os atendimentos são: papel sulfite, canson A3 e A4 e colorido, gouache, pincéis, carvão, lápis de cor, giz de cera, lápis preto, borrachas, réguas, tesouras, colas coloridas, cola bastão, aquarelas, revistas e pastas grandes para guardarmos as produções. Formatado: À direita: 0,63 cm 27 Formatado: À direita: 0,63 cm 4. METODOLOGIA E ANÁLISE DE DADOS A metodologia utilizada foi dentro de uma visão construtivista denominada metodologia retrodutiva conforme descrita por Garcia (1999), pois cada relatório foi lido cuidadosamente de modo a se levantarem observáveis relevantes para a compreensão do objeto de estudo dessa pesquisa. A metodologia retrodutiva está baseada no ir e vir, ou seja, na relação do que o pesquisador pensa articulada no que aconteceu com o sujeito da pesquisa. Ou seja, nas observáveis, as quais lhe permitem perceber o fio condutor entre eles. Na metodologia retrodutiva, o pesquisador desenvolve um olhar que articula a teoria com a prática. Portanto, a metodologia retrodutiva possibilita uma pesquisa baseada na lógica do sujeito da pesquisa com a lógica do pesquisador. Para a análise de dados escolheu-se primeiro caracterizar o que é uma sala de espera? Num segundo momento, qual é o papel do arteterapeuta em sala de espera? E por fim, a relação arteterapêtica x ambiente de atendimento? Na visão filosófica de Lalande (1996, p. 326), “a espera é uma ação muito especial, que desempenha um papel considerável em muitos fatos psicológicos, em particular na construção da duração e do tempo”. Na etimologia da palavra esperar, encontra-se: “aguardar, confiar, ter esperanças”. (CUNHA, 1991, p. 322) A sala de espera no gera, é um ambiente frio, desconhecido e depositário de muitas sensações e angústias. A tendência anti-social em sala de espera permite a esperança em busca de um ambiente de segurança. O grande desafio do arteterapeuta é transformar esse ambiente desfavorável em uma ambiente seguro e acolhedor. Como? Oferecendo condições agradáveis e Formatado: À direita: 0,63 cm 28 Formatado: À direita: 0,63 cm convidativas para que este indivíduo possa estar com ele, pois ao criar, uma imagem é realizada, como a do “seio bom” de Winnicott, e algo é mobilizado internamente, permitindo a esperança, a certeza de que ele está vivo. Desde a entrada do prédio, percebe-se um ambiente descuidado, escuro, nada convidativo ou acolhedor. A sala de espera não fugiu disso, cercada de câmaras de segurança... “Percebi o quanto achei a princípio tudo muito esquisito, diferente do que estava acostumada...”. As portas de entrada são duas, uma de cada lado, grandes, de ferro pesado, onde só em uma delas é que tem uma pequena janela de acrílico pelos quais os serviços podem ser solicitados. O porteiro “... é um homem de mais ou menos uns 60 anos, que faz o serviço de mensageiro, de segurança...”, uma figura masculina extremamente imponente que fica atrás da porta da janela e faz o primeiro contato com o refugiado, orientando-o em suas dúvidas. A atitude do arteterapeuta diante do inesperado é manter uma postura acolhedora e segura em um ambiente (sala de espera) preparado e possível de se desenvolver, onde Winnicott fala da mãe suficientemente boa, aquela que dá (arteterapeuta) o que o indivíduo (refugiado) necessita. Realizar algo no ateliê terapêutico em sala de espera significa ter a vontade de fazer, de criar, de se sentir presente, de ser alguém de novo e de expressar aquilo que vem de dentro. É um algo que se manifestou no interno e caminhou para o externo, ou seja, “a criatividade é fazer que, gerado a partir do ser, indica que ele está vivo.” (WINNICOTT, 1898, p. 23). Geralmente o indivíduo que produz se encontra aparentemente perturbado e ansioso. Ao esperar criando, ele tem a oportunidade de humildemente chegar perto do arteterapeuta e entregar seu trabalho ao final de sua produção, onde nota-se uma aparência mais calma e viva proporcionada pelo bem-estar. “... sinto-me feliz de poder estar ali com Formatado: À direita: 0,63 cm 29 Formatado: À direita: 0,63 cm eles e perceber como o refugiado entra e sai daquela sala, produzindo ou não, mais calmo e receptivo com a minha presença.” A sala de espera permite o olhar e ser olhado. O respeito ao silêncio. O vínculo arteterapeuta e o refugiado. O sofrimento de alguém que te pede ajuda e um colo protetor. A presença do arteterapeuta neste contato propicia o criar ao esperar num ambiente favorável e o resgate da identidade do refugiado. Após ter preparado o ambiente como de costume, um africano aproximou e “... falou que seu país era maravilhoso e que adorava praia. A nossa conversa foi toda em inglês. Resolvi desenhar uma praia, com sol, areia e mar...”. Um lugar maravilhoso que ambos tivemos sensações boas, “... Ele perguntou se ele podia pegar uma folha e começou a desenhar, desenhando o mapa de seu país. Tive a sensação de que ao ver aquele contorno do mapa, aquela imagem era muito parecida com o rosto dele...”, o que permitiu que ele entrasse em contato com ele mesmo. “... Aos poucos ele foi se revelando...”, em partes distintas e focadas no seu desenho. “... Ao mencionar sobre suas dificuldades e sofrimentos ele ficou emocionado. Seus olhos estavam com lágrimas que se contiveram para sair...”. O vínculo foi estabelecido e no encontro seguinte nos encontramos novamente, “... Este, falou que veio me ver, dando um sorriso para mim e apertando minha mão. Ele me chamou de “Patrícia Kaba”, se referindo a mim como a primeira dama do país dele, indo sentar-se com um amigo dele...”. Observou-se que cada participante reconhece muitas vezes fragmentos da antiga identidade “... Um angolano sentou-se na mesa que eu estava desenhando e disse que era artista plástico lá na Angola e que iria pensar no que iria desenhar...”. Trazendo recortes da nova realidade “... Contou que está aqui no Brasil há 11 anos, gosta daqui e saiu de Angola em busca de melhores condições de vida...”. As dificuldades “... Ele falou que tem muitas saudades da mãe e que ele é a única para Formatado: À direita: 0,63 cm 30 Formatado: À direita: 0,63 cm ele, ficando emocionado, com lágrimas nos olhos. Ele deixa que a natureza escolha o rumo dele, e assim ele vai vivendo...”, os sonhos, as esperanças na produção realizada no ateliê. Desta maneira, clarifica para si mesmo seu jeito de pensar e sentir o mundo. Portanto, o arteterapeuta é aquele que ajuda a pessoa a integrar todas as suas partes e assim, colocar o seu “eu” verdadeiro no mundo; é aquele que facilita o indivíduo trazendo a realidade de quem ele é; e possibilita que a pessoa dialogue naquilo que ela consegue se expressar, ampliando a sua realidade. Ver e ser visto Revelar o escondido Encontrar o esquecido Transformar o conhecido E assim, Penetrar no desconhecido. (PRADO, 2007) O atendimento em um ambiente aberto com a arteterapia possibilita o diálogo criativo, a troca da comunicação verbal pela espontânea, a elaboração da expressão pessoal, onde as palavras aparecem pela ação do criar, de existir segundo a visão winnicottiana. Neste ambiente, algumas pessoas começaram a conversar e puderam se conhecer melhor, se ajudar em suas necessidades, como por exemplo, “... mulheres que sentadas na mesma mesa acabaram se tornando amigas e colaborando com os cuidados do filho de uma ou de outra, convidando para ir até a sua casa, para passeios, etc.”. O objetivo da realização do ateliê terapêutico foi criar um espaço social seguro no qual o refugiado conseguisse abandonar a situação de isolamento decorrente do refúgio, ampliar suas formas de expressão e resgatar uma identidade individual por meio da qual possa continuar a se relacionar com o mundo de maneira saudável. (NETO & SANTANA, 2004, p. 185) E assim, a função do trabalho em sala de espera é a de oferecer condições necessárias de interação que permitirão que “... surja um emergente indivíduo que Formatado: À direita: 0,63 cm 31 Formatado: À direita: 0,63 cm procura valer seus direitos, tornado-se capaz de existir...” (WINNICOTT, 1990, p. 26). A finalidade maior desta atividade não foi o conhecimento da psique deste indivíduo, mas o de oferecer um espaço no qual ele pudesse, de maneira ativa, refletir e aprender a lidar com a difícil situação em que se encontra. (NETO & SANTANA, 2004, p. 186) Portanto, a ambiência e a atitude acolhedora do arteterapeuta possibilitam uma transferência para que o refugiado se sinta melhor e acolhido naquele momento. Formatado: À direita: 0,63 cm 32 Formatado: À direita: 0,63 cm 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS Com base nas experiências das diversas dinâmicas realizadas nos grupos focais, considera-se a arteterapia como um veículo possível para a abordagem terapêutica dos refugiados. Como utiliza predominantemente a linguagem não-verbal, é útil para o diálogo sobre eventos extremamente dolorosos. Além disso, a possibilidade de construção e expressão simbólica facilita o contato e a adaptação à nova realidade de vida, onde o sentimento de pertencimento começa a fazer sentido. O ateliê terapêutico possibilita a produção que pode estar tão perto do emocional ficando difícil transformar em palavras o conteúdo expresso em imagens. Percebe-se que na sala de espera os olhares se interessam por aquele oferecimento de expressão. A paz e a tranqüilidade se instalam no ar durante as atividades. A presença é sentida e dividida pela energia que circula por aquele ambiente cuidado. Uma hora e meia, uma vez por semana, possibilita um olhar acolhido, uma esperança e uma realidade de se sentir vivo. O ser criativo é para aqueles que se aventuram na possibilidade de expressar alguma coisa, contra aqueles que permanecem em silêncio, só observando. Esta é a sala de espera por qual vivi trinta horas de experiências humanas. Estar com essas pessoas significa viver, reviver, aprender e atender a cada olhar, gesto, palavra, angústia e dor. Trazer essas pessoas para o mundo da arteterapia é emocionante e contagiante. Proporcionar um espaço seguro e feliz é experimentar um novo caminho de expressão e quem sabe até de reflexões pessoais. De fato o ambiente é modificado e transformado com a presença do arteterapeuta, que possibilita ao refugiado falar de seus medos, alegrias, tristezas e angústias, sem Formatado: À direita: 0,63 cm 33 Formatado: À direita: 0,63 cm que tenha uma obrigação para tal, um script, um começo ou um fim. O que lhe é oferecido está na capacidade de exercer sua criatividade e espontaneidade. É pertinente ressaltar a relação de confiança e identificação que os refugiados estabeleceram entre si e comigo. Com a narração de histórias pessoais e produções expressadas, o homem entende sua existência no encontro com o outro. Este cenário prima pelo modo como são transmitidas e captadas as experiências afetivas, enriquecendo a vivência pessoal da experiência relacional do aqui e agora. Colabora na percepção e na compreensão da arte como expressões de valores de uma civilização. A utilização da arteterapia como estratégia possibilita o desenvolvimento de reflexões críticas ao que está sendo vivido. O indivíduo ao usar sua espontaneidade, aprende a se colocar no mundo e se desenvolve, definindo seus próprios papéis. A arteterapia neste contexto vem justamente propor uma postura libertadora. As pessoas consideradas refugiadas, na maior parte das vezes, chegam ao novo destino, após fuga de seu país de origem, como vítima de grande violência, ou pelo menos temor que estas situações causam. Esperançosas, estão involuntariamente num ambiente que, quase sempre é totalmente desconhecido, se sentem inseguras e estão desconfiadas, longe de suas referências originárias, como cidade, família, amigos, trabalho, atividades, entre outros. Não é difícil imaginar que a psicodinâmica dessas pessoas também seja afetada de alguma forma. Não de modo generalizado, mas levando em conta e respeitando condições e características de cada indivíduo. Diante desta situação, são necessárias abordagens preventivas e terapêuticas específicas em todas as áreas de saúde. Formatado: À direita: 0,63 cm 34 Formatado: À direita: 0,63 cm 6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALLESSANDRINI, C. D. Tramas Criadoras na Construção do “Ser Si Mesmo”, Casa do Psicólogo, São Paulo, 1999. ABRAM, J. A Linguagem de Winnicott: Dicionário das Palavras e Expressões Utilizadas por Donald. W. Winnicott, Revinter, 2000. AMIRALIAN, M. L. T. M. Compreendendo a Deficiência pela Óptica das Propostas Winnicottianas, In: Estilos da Clínica, Ano 2, pp. 96-102, 1997. ARCURI, I. G. Arteterapia: Um Novo Campo do Conhecimento, Vetor Editora, São Paulo, 2006. CIORNAI, S. Arte terapia: O Resgate da Criatividade na Vida. In. CARVALHO, M. M. J. (coord.) A Arte Cura? Editora Psy, 1995. CUNHA, A. G. Dicionário Etimológico Nova Fronteira da Língua Portuguesa, Editora Nova Fronteira, São Paulo, 4ª impressão, 1991. DIAS, E. A Teoria do Amadurecimento de D. W. 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