Faculdade Integração Zona Oeste – FIZO
Alquimy Art
Curso de Especialização em Arteterapia
Pós-Graduação lato sensu
ARTETERAPIA EM SALA DE ESPERA COM
REFUGIADOS
PATRICIA MORAES BARROS PRADO
Osasco, SP
2007
Formatado: À direita: 0,63 cm
PATRICIA MORAES BARROS PRADO
ARTETERAPIA EM SALA DE ESPERA COM REFUGIADOS
Monografia apresentada à FIZO - Faculdade
Integração Zona Oeste, SP e ao Alquimy Art, SP,
como parte dos requisitos para a obtenção do
título de Especialista em Arteterapia.
Orientador: Profa. Dra. CRISTINA DIAS
ALLESSANDRINI
Osasco, SP
2007
Formatado: À direita: 0,63 cm
PRADO, PATRICIA MORAES BARROS
ARTETERAPIA EM SALA DE ESPERA COM
REFUGIADOS
Patricia Moraes Barros Prado – Osasco; [s.n.], 2007.
35p.
Monografia (Especialização em Arteterapia) – FIZO,
Faculdade Integração Zona Oeste. Alquimy Art, SP.
1. Arteterapia 2. Sala de Espera
Faculdade Integração Zona Oeste – FIZO
Formatado: À direita: 0,63 cm
Alquimy Art
ARTETERAPIA EM SALA DE ESPERA COM REFUGIADOS
Monografia apresentada pelo (a) aluno (a) Patrícia Moraes Barros Prado ao curso de
Especialização em Arteterapia em 20 de maio de 2007 e recebendo a avaliação da
Banca Examinadora constituída pelos professores:
__________________________________________________________
Prof. Dra. Cristina Dias Allessandrini, Orientador
__________________________________________________________
Profa. Dra. Deolinda Florim Fabietti, Coordenadora da Especialização
__________________________________________________________
Prof. MsC. Regina Chiesa, Convidada
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Aos meus amores
Flávio e João
Agradecimentos
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Agradeço a todos que direta ou indiretamente participaram desta pesquisa,
Cris,
Deolinda,
Lú,
Carla,
Liége,
meu agradecimento de coração.
RESUMO
ARTETERAPIA EM SALA DE ESPERA COM REFUGIADOS
Formatado: À direita: 0,63 cm
Esta pesquisa estuda a arteterapia em sala de espera com refugiados. Apresenta de
forma prática a arteterapia dentro do referencial da sala de espera. Analisa o
processo arteterapêutico em sala de espera, estudando, por meio de observação, as
ações dos refugiados no desenrolar dos ateliês terapêuticos. Trabalha ao integrar de
maneira coerente a arteterapia com a sala de espera, seja na perspectiva
transpessoal, ou na concepção do ambiente, como algo que permite ao homem
criar, refletir, ressignificar e elaborar o que foi produzido objetivando que sua
essência seja parcialmente desvelada e transformada. Analisa o ambiente da
arteterapia dentro da abordagem de Winnicott e reflete sobre os materiais artísticos
como mediadores do processo arteterapêutico importantes no atendimento de
pessoas refugiadas que buscam a esperança como meio de sobrevivência. Trabalha
a presença do arteterapeuta como sendo uma pessoa acolhedora, flexível e humilde
na relação com o refugiado. Prepara o ambiente para receber e atender as
necessidades daqueles que pedem ajuda. Explora o uso da arte e da produção
literária no contexto arteterapêutico, bem como a simbologia de histórias contadas
verbalmente e/ou plasticamente. Trabalha com sujeitos refugiados, vindos de 46
países diferentes, na grande maioria homens, em torno de 20 a 40 anos de idade.
Apresenta cerca de 30 pessoas por atendimento. Utiliza a metodologia retrodutiva,
que articula a teoria com a prática. O resultado confirma a prática da arteterapia em
sala de espera como importante recurso para resgatar pessoas com tendências antisociais. Confirma a relação de confiabilidade estabelecida entre o arteterapeuta e o
refugiado em sala de espera.
Palavras-chave: Arteterapia – Sala de Espera - Refugiado
ABSTRACT
ARTTHERAPY IN ROOM OF WAIT WITH REFUGEE
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This research studies the arttherapy in room of wait with refugee. It inside presents of
practical form the arttherapy of the referential of the wait room. It analyzes the
artterapeutic process in wait room, studying, by means of comment, the actions of
refugee in uncurling of the therapeutically studios. The arttherapy with the wait room
works when integrating in coherent way, either in the transpersonal perspective, or
the conception surrounding it, as something that the man allows create, to reflect, to
remean and to elaborate what he was produced objectifying that its essence either
partially deviled and transformed. It analyzes the environment of arttherapy inside of
the boarding of Winnicott and reflects on important the artistic materials as mediating
of the arttherapeutic process in the attendance of refugee people who search the
hope as half of survival. The presence of arttherapist works as being a warmhearted, flexible and humble person in the relation with refugee. It prepares the
environment to receive and to take care of necessities of that they ask for aid. It
explores the use of the art and literary production in arttherapeutic context, as well as
the symbology of counted histories verbally and/or plastically. It works with refugee
citizens, come of 46 different countries, in the great majority men, around 20 the 40
years of age. It presents about 30 people for attendance. It uses retroductive
methodology that articulates the theory with the practical one. The results confirm the
practical one of the arttherapy in wait room as important resource to rescue people
with antisocial trends. It confirms the relation of trustworthiness established between
arttherapeustic and refugee in wait room.
Key-Words: Arttherapy – Room of Wait – Refugee
SUMÁRIO
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RESUMO........................................................................................................................ 6
ABSTRACT.................................................................................................................... 7
1. APRESENTAÇÃO...................................................................................................... 10
2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA.................................................................................. 13
2.1. O ATO DE CRIAR.................................................................................................... 13
2.2. O VALOR DA ARTE................................................................................................. 14
2.3. ARTETERAPIA........................................................................................................ 16
2.4. TEORIA DE WINNICOTT........................................................................................ 18
2.5. COMO COMPREENDER O DESENVOLVIMENTO HUMANO E O REFUGIADO
SOB UMA VISÃO WINNICOTTIANA?............................................................................ 22
2.6. CARACTERÍSTICAS FÍSICAS E PSICOLÓGICAS DOS REFUGIADOS............... 25
3. DESCRIÇÃO DA PESQUISA..................................................................................... 26
4. METODOLOGIA E ANÁLISE DE DADOS................................................................. 27
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................................ 32
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.......................................................................... 34
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1. APRESENTAÇÃO
A monografia presente relata a essência de um ser criativo. Uma pitada de
sentimentos, vivências e palavras, que agora escritas, traduzem o arteterapeuta
descoberto num estágio em sala de espera com pessoas refugiadas.
Todo indivíduo se desenvolve em uma realidade social, em cujas
necessidades e valorizações culturais se moldam os próprios valores
de vida. No indivíduo confrontam-se, por assim dizer, dois pólos de
uma mesma relação: a sua criatividade que representa as
potencialidades de um ser único, e sua criação que será a realização
dessas potencialidades já dentro do quadro de determinada cultura.
(OSTROWER, 1997, p. 5)
Em outubro de 2005, iniciei um processo arteterapêutico pessoal em grupo que
traduz o envolvimento com a arteterapia. Desde então, venho passando por
inúmeras transformações “em um espaço que antes não era nada, e que de repente
passa a ser uma forma, um contorno, emerge um gesto, enfim, a expressão de um
sentimento presente dentro de nós”. (ALLESSANDRINI, 1999, p. 32)
A arteterapia exalta e liberta as qualidades do indivíduo na práxis da
vida, ajudando-o a sentir-se, pensar-se e a agir de acordo consigo
mesmo, criando um canal de comunicação entre seus conteúdos
conscientes e seus conteúdos inconscientes, ao longo de sua
existência. (ARCURI, 2006, p. 20)
O acompanhamento arteterapêutico possibilita uma comunicação interna para o
externo a partir do criar, sentir, viver, experimentar e moldar aquilo que pertence a
sua essência. Ou seja, “criar é tocar a essência mais profunda do ser humano”.
(ALLESSANDRINI, 1999, p. 32) É deixar se permitir sentir e intuir. “É viver, é fazer
solto e espontâneo; é fazer contato com o mundo e,... em função da necessidade de
seu próprio crescimento... possa se realizar”. (OSTROWER, 1997, p. 75) É o
despertar e o acordar para a vida, ou seja, é perceber as potencialidades de quem
você realmente é.
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Através das linguagens artísticas, o espírito ganha corporeidade e a
matéria plasticidade. O interno, o real, o imaginário, entrelaçam-se
num movimento formador e transformador. Ai reside um dos
principais fatores terapêuticos da arte: poder dar visibilidade às
tramas que permeiam as relações. (BERNARDO apud ARCURI,
2006, p. 226)
Trabalhar a criatividade possibilita dar forma, cor e expressão a sentimentos que se
desenvolvem a partir de uma linguagem própria. “Quando essa porta se abre, o
colorido do mundo se modifica e, ao entrarmos em contato com essa realidade
descobrimos o caminho da cura de nós mesmos e do mundo”. (FERRETTI, 1994, p.
15)
Quando uma pessoa é aberta à vida, sem preconceitos, e receptiva
às novas experiências, quando ela é capaz de diferenciar-se e
reintegrar-se, de amadurecer e crescer espiritualmente, ela terá
condições para criar. [...] o fazer criativo sempre se desdobra numa
simultânea exteriorização e interiorização da experiência de vida,
numa compreensão maior de si próprio e numa constante abertura
de novas perspectivas do ser. Reflete o sentido do desenvolvimento
da personalidade como um todo, da pessoa vivendo mais
plenamente sua vida. (OSTROWER, 1997, p. 251)
Por meio da arteterapia em sala de espera é possível resgatar a determinação e a
coragem de se criar. Essa criação vem resgatada de afeto, medos e escolhas. As
escolhas são compreendidas de acordo com o que se pensa e quer. O pensamento
e o sentimento caminham lado a lado na transformação da consciência criativa.
Então, a criatividade é tocada. O toque possibilita a vida. O belo aparece
novamente. A presença é sentida.
Segundo Ciornai (2000, p. 10): “As pessoas ficam encantadas com aquilo que
criam, sentem prazer ao perceberem a beleza interna,... ao criar o belo, a pessoa
entra em contato com o belo em si”.
A arteterapia em sala de espera possibilita o diálogo com esse mundo interno, por
meio das sensações, dos sentimentos e das imagens que vão surgindo. O revelar-
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se permite o se sentir livre para se expressar e se relacionar do jeito que pode e
consegue.
Vaisberg (apud ARCURI, 2006, p. 117) afirma que:
A partir de uma profunda consciência acerca da importância da arte
na vida humana, intuindo que certas atividades, habitualmente
designadas como artísticas, carregam em seu bojo um potencial de
transformação do viver, que pode favorecer processos de
amadurecimento e crescimento pessoal.
O que faz a arte ser terapêutica é o criativo. Essa profunda motivação humana de
criar possibilita “crescer, saber de si, descobrir seu potencial e realizá-lo: é uma
necessidade interna”. (OSTROWER, 1995, p. 6)
Portanto, em sala de espera o indivíduo ensaia e experimenta diversos materiais e
técnicas, segue determinados caminhos à procura de formas de identificação,
realizando algo de concreto em busca do crescimento em conhecimentos e em sua
individualidade.
Já o arteterapeuta é aquele que possibilita o acolhimento em um ambiente seguro e
estável, contribuindo na estruturação de um padrão de expectativa interna, para que
o indivíduo possa se expressar livremente e se constituir como uma pessoa capaz
de sentir a realidade das coisas reais, tanto externas quanto internas, e de alcançar
a integração da personalidade individual.
O presente texto se baseia em duas fundamentações teóricas. A primeira parte
retrata o Ato de Criar, o Valor da Arte e a Arteterapia. Já a segunda, destina-se para
a teoria de Winnicott propriamente dita.
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2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
2.1. O Ato de Criar
O ato de criar significa dar existência a, gerar, formar. Ou seja, “é poder dar forma a
algo novo... em qualquer que seja o campo da atividade... de novas coerências que
se estabelecem para a mente humana” (OSTROWER, 1997, p. 9), sendo que, o
perceber e o fazer integrados no sentir geram o criar. “A percepção delimita o que
somos capazes de sentir e compreender, pois a percepção é a elaboração mental
das sensações”. (OSTROWER, 1997, p. 13)
A criatividade demonstra as potencialidades de um ser único. Uma das premissas
dessa é a percepção individual do consciente. Portanto, a percepção de si mesmo
dentro do agir representa um aspecto relevante que distingue a capacidade criativa
humana.
A sensibilidade caminha com a criatividade, onde uma não vive sem a outra.
Ostrower (1997, p. 18) afirma que:
A criatividade poderia ser caracterizada como um potencial de
sensibilidade... É um potencial que aprofunda nosso raciocínio
consciente, ligando-o ao intuitivo, e que permite vivenciarmos nosso
ser e agirmos criativamente.
Criar é aventurar-se no mundo interno, revelando e descobrindo as potencialidades
e sentidos. É deixar-se penetrar em algo que é seu para compartilhar com o mundo.
A criatividade é portanto um potencial em aberto, abrangente, vindo a
manifestar-se nas pessoas através de certas inclinações, interesses
e aptidões. Poderíamos considerá-la também como uma espécie de
receptividade interior. (OSTROWER, 1995, p. 218)
A produção criativa pode ser vista como um sujeito mobilizador da ação de romper o
limite, de se surpreender diante do inesperado que desafia a ação na relação interno
com externo, pois toda forma de expressão é forma de comunicação e realização,
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com espontaneidade e liberdade ao criar. “O homem cria, não apenas porque quer,
ou porque gosta, e sim porque precisa; ele só pode crescer, enquanto ser humano,
coerentemente, ordenando e dando forma, criando”. (OSTROWER, 1997, p. 10)
A criatividade é referida por Winnicott como “a manutenção da vida de algo que
pertence à experiência infantil: a capacidade de criar o mundo” (WINNICOTT, 1989,
p. 28). Ou seja:
Para ser criativa, uma pessoa tem que existir, e ter um sentimento de
existência, não na forma de uma percepção consciente, mas como
uma posição básica a partir da qual operar... A criatividade é o fazer
que, gerado a partir do ser, indica que ele está vivo. (WINNICOTT,
1989, p. 23)
Segundo Ostrower (1995, p. 7): “A fonte da criatividade artística, assim como de
qualquer experiência criativa, é o próprio viver. Todos os conteúdos expressivos na
arte,..., são conteúdos essencialmente vivenciais e existenciais” que acontecem
durante todos os momentos da vida, enquanto o ser estiver vivo no mundo. É uma
liberdade de expressão, com flexibilidade e elaboração no processo criativo, num
instinto inerente do ser humano de ser ele mesmo, de se sentir vivo.
2.2. O Valor da Arte
Arte é cognição, é profissão, é uma forma diferente da palavra para
interpretar o mundo, a realidade, o imaginário, e é conteúdo. Como
conteúdo, arte representa o melhor trabalho humano. Arte é
qualidade e exercita nossa habilidade de julgar e de formular
significados que excedem nossa capacidade de dizer em palavras. E
o limite da nossa consciência excede o limite das palavras.
(BARBOSA, 1994, p. 4)
Através do exercício da arte, o indivíduo tem a possibilidade de se perceber, “de
transformar o real e factual em novas virtualidades, criando novas possibilidades,
expectativas e interesses ainda não atualizados, abrindo-lhe novos horizontes”.
(URRUTIGARAY, 2004, p. 28)
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Por isso que a arte pode expressar as dimensões e descobertas da vida.
O fazer arte permite esse contato com o novo. Para Ciornai (2002, p. 45): “o novo
traz vida e a atividade criativa pode ser muito curativa por apontar novos caminhos,
além de explorar aspectos positivos de qualquer pessoa”.
Quando a arte está presente na vida do ser humano possibilita a sensibilização e
escolha de projetos e dos caminhos a serem percorridos. A arte significa qualquer
expressar, seja no verbal, corporal ou plástica. É pré-verbal e comunicativa. É o
veículo das emoções, das sensações e das intuições da vida social. Ela é a
expressão da alma, uma sensibilidade inata e inerente do ser humano. Toda
expressão humana é uma arte.
Segundo Ostrower (1993, p. 98): “A arte surge sempre como resposta a uma
necessidade formadora, estruturante e de transformação. É ao mesmo tempo um
modo de expressão, comunicação e conhecimento”.
A arte é a representação fiel do psiquismo humano, ou seja, é aquilo que está lá
dentro do seu verdadeiro eu. Além disso, tem uma importante função cartática. A
pessoa coloca a sua marca pessoal na sociedade; assim ela terá a oportunidade de
se mostrar, de expressar e de atuar no mundo, onde desempenha um papel
extremamente vital na evolução humana, pois quando o indivíduo desenha, pinta,
faz uma escultura ou dramatiza uma situação, transmite com isso uma parte de si
mesmo; nos mostra como se sente, como pensa e com vê o mundo a sua volta.
A arte em si pode ter valor terapêutico, o que não é a mesma coisa
que arteterapia. Tanto na arte como nos processos terapêuticos se
manifesta à capacidade humana de perceber, figurar, dimensionar e
redimensionar as relações do sujeito com o mundo e consigo
mesmo. A arte facilita estes processos, pois trabalha literalmente
com figuras, configurações, espaços, movimentos e elementos
sonoros. Além disso, arte oferece uma realidade alternativa na qual o
sujeito pode ser eximido das conseqüências impostas pelo cotidiano
(NETO & SANTANA, 2004, p. 185).
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Portanto, a arte assume o papel de espelho necessário para a formação e
transformação da nova imagem de si mesmo.
Pois uma imagem projetada no papel ou numa escultura, ou num
movimento do corpo, reflete a maneira pessoal de cada um
relacionar-se, posicionar-se, de estar no mundo. Através do uso da
arte, o homem consegue sentir-se “aliviado” de suas atribuições
porque confere a estas um sentido, um significado, isto é, uma razão
de ser. (URRUTIGARAY, 2004, p. 29)
Em arteterapia, o valor da arte revela aquilo que realmente está acontecendo e
permite ao terapeuta uma compreensão simbólica e hipotética da realidade do
indivíduo. A arte facilita o entrar no universo imaginário e simbólico, possibilitando o
desenvolvimento de potencialidades, bem como o conhecimento de si mesmo.
2.3. Arteterapia
O grande valor da arteterapia reside em auxiliar o ser humano a lidar
com relações de modo mais criativo com o mundo, ampliando a
consciência sobre suas potencialidades e possibilidades de atuação
no mundo em que vive. (VALLADARES apud ARCURI, 2006, p. 12)
A arteterapia está vinculada ao processo criativo no fazer arte. Ela possibilita uma
entrada na essência expressiva do ser humano, pois sugere um convite ao toque, a
uma intimidade, que favorece a criatividade.
A finalidade da arteterapia consiste em possibilitar a emergência de
uma imagem transposta em imagem criada, a partir da utilização de
materiais plásticos, que cedem sua flexibilidade e maleabilidade a
quem os utiliza, para expressar seus conteúdos íntimos.
(URRUTIGARAY, 2004, p. 24)
Portanto, criar arte e comunicá-la é um processo que permite a qualquer pessoa
uma ampliação de sua consciência. Para Arcuri (2006, p. 25):
A retomada da criatividade possibilita transformações e atribuições
de novos significados às experiências vividas, frustradas, ou
simplesmente sonhadas. Dessa forma as experiências dolorosas e
suas cicatrizes podem ser integradas numa consciência ampliada.
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Por meio da arteterapia, a criatividade representa a possibilidade de uma
transformação, de uma reestruturação interna para o externo, como uma busca de
uma nova visão de vida, por permitir essa passagem de um conteúdo inconsciente,
não
assimilado,
transformado
em
outro
conscientizado.
No
processo
de
transformações o autor descobre que ele é o próprio dono de sua criação.
A arteterapia exalta e liberta as qualidades do indivíduo na práxis da
vida, ajudando-o a sentir-se, pensar-se e a agir de acordo consigo
mesmo, criando um canal de comunicação entre seus conteúdos
conscientes e seus conteúdos inconscientes, ao longo de sua
existência. (ARCURI, 2006, p. 20)
A construção de um trabalho artístico é um importante recurso terapêutico, pois o
indivíduo expressa o seu mundo interno, de forma a comunicar ao terapeuta, ao
mundo e a si mesmo os seus conflitos. O expressar permite a descoberta,
proporciona uma via de autoconhecimento, facilita o amadurecimento e favorece o
equilíbrio emocional.
Para Arcuri (2006, p. 21):
Arteterapia pode ser considerada como a utilização de recursos
artísticos em contextos terapêuticos, baseando-se na percepção de
que o processo criativo envolvido na atividade artística é terapêutico
e enriquecedor da qualidade de vida das pessoas. Age a serviço das
leis da necessidade interior do Homem e facilita o entrar em contato
com o poder criador de cada um, permitindo transpor o que ocorre,...,
levando assim o paciente a poder observar, refletir, interagir, dialogar
e elaborar.
No processo arteterapêutico o indivíduo se percebe como alguém que está vivo que
consegue se transformar e se encontrar consigo próprio. Ou seja, é na busca de
qualidade de vida, paz e harmonia que o indivíduo vai se constituindo e descobre a
sua verdadeira essência no ato de criar pela arte de ser ele mesmo.
Segundo Bernardo (apud ARCURI, 2006, p. 79):
Trabalhando com recursos vivenciais e expressivos (desenho e
pintura, modelagem, colagem, dança e expressão corporal,
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relaxamento e visualização criativa, dramatização, narração de
histórias, entre outros), a arteterapia aplicada aos diferentes
contextos (escolas, comunidade, psicoterapia, organizações e
instituições, etc.) promove a melhoria da qualidade de vida ao
relacionar significativamente o mundo interno e externo, propiciando
o reconhecimento e desenvolvimento de potenciais, o
autoconhecimento, a aprendizagem criativa e o crescimento
psíquico. Além disso, o caminho da arte nos abre e propõe uma nova
forma de compreender o homem em seu entrelaçamento com o outro
e o meio ambiente, inaugurando uma abordagem ético-estética,
integradora e inclusiva e, portanto, pacífica e respeitosa, da vida e de
todas as nossas relações.
Portanto, a arteterapia veio para libertar as regras, os preconceitos, os padrões préestabelecidos, sendo única, humilde e bastante talentosa na descoberta de um novo
meio de se relacionar e acolher o outro. A comunicação se faz pela troca do
pensamento verbal pela criação espontânea e convidativa. Ela oferece os materiais
necessários para um olhar mais significativo e colorido. O ambiente arteterapêutico
precisa ser preparado e energizado para que o indivíduo possa exercer o seu jeito
criativo de ser. O resgate dos símbolos vem com o tempo, sendo um processo lento
e que exige uma atenção total de ambos os lados, do arteterapeuta e do paciente.
2.4. Teoria de Winnicott
Donald Winnicott, pediatra inglês, sempre se preocupou em compreender o ser
humano: como ele se constitui, se desenvolve, e quais os fatores fundamentais
propiciadores a um crescimento e desenvolvimento sadios. No início da vida o bebê
é alguém não integrado, solitário e dependente para continuar a existir e se
desenvolver.
Segundo Winnicott (1990, p. 21): “Minha tarefa é o estudo da natureza humana... A
natureza humana é quase tudo o que possuímos”. O fundamental é a interação com
o outro ser humano capaz de suprir as necessidades daquele organismo em
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formação, ou seja, exercer a função materna. Winnicott estudou as relações entre
mãe e bebê do ponto de vista físico e psíquico, percebendo como muito importante
o ambiente no qual o bebê foi inserido.
Para Winnicott, existe uma relação direta entre o bebê, o físico e o psíquico. Ou
seja, não basta o bebê nascer em condições normais, é preciso ter uma
AMBIÊNCIA, que favoreça o seu crescimento. A ambiência é aquele ambiente
facilitador e favorável para o desenvolvimento do bebê.
Existe o meio ambiente que não é suficientemente bom e que
distorce o desenvolvimento do bebê, da mesma forma que pode
haver um meio suficientemente bom, aquele que permite ao bebê
alcançar, cada estágio, as satisfações, ansiedades e conflitos inatos
apropriados (WINNICOTT, 1993, p. 491).
O desenvolvimento saudável é aquele que possibilita ao indivíduo crescer e
desenvolver-se de acordo com as sua condições herdadas e congênitas. A função
do ambiente é a de oferecer condições necessárias de interação que permitirão que
“surja um emergente, indivíduo que procura fazer valer seus direitos, tornado-se
capaz de existir...” (WINNICOTT, 1990, p. 26).
Winnicott percebeu que a figura principal é a mãe, em que a mãe precisa ser para o
bebê o que ele precisa. Ele criou o conceito de MÃE SUFICIENTEMENTE BOA, ou
seja, a mãe que não é perfeita, mas que ela faz para o bebê aquilo que ele precisa.
Uma mãe suficientemente boa é aquela que olha o bebê na medida certa para
atender, no tempo e da maneira adequada, as necessidades daquele bebê.
O bebê vivencia nos três ou quatro primeiros meses de vida, o estágio da primeira
mamada teórica, onde se vê envolvido em três tarefas básicas, interdependentes e
mais ou menos concomitantes, e que são essenciais para o desenvolvimento do
bebê.
A mais básica e fundamental delas é a de realizar experiências que propiciem sua
integração no tempo e no espaço em que passou a habitar (integração - estar); o
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cuidado materno que propicia essa integração é o holding, que significa o segurar:
“O primeiro sentido do tempo, no mundo subjetivo (do bebê) é o da continuidade da
presença, que se instaura pela experiência repetida da presença da mãe... criando
uma memória...” (DIAS, 2003, p. 197) - e o acalentar físico como a segurança afetiva
emocional que a mãe deve proporcionar ao seu filho, ou seja, “[...] tem muita relação
com a capacidade da mãe de identificar-se com seu bebê. Um holding satisfatório é
uma porção básica de cuidado” (WINNICOTT, 1990, p. 26). O holding é o
acolhimento, a continência, o atender ao bebê de forma concreta, o cuidado e o
toque.
Num ambiente que propicia um „segurar‟ satisfatório, o bebê é capaz
de realizar o desenvolvimento pessoal de acordo com suas
tendências herdadas. O resultado é uma continuidade de existência,
que se transforma num senso de existir, num senso de self, e
finalmente resulta em autonomia. (WINNICOTT, 1989, p. 23)
A segunda tarefa, diz respeito ao alojamento da psique no corpo (personalização –
ser). “Bem no início, soma e psique estão indiferenciados. Aos poucos, ocorre a
diferenciação, ao mesmo tempo em que a tendência à integração age no sentido de
reuni-los numa unidade” (DIAS, 2003, p. 208).
O manejo materno ou handling, envolvendo o corpo do bebê e todos os cuidados
físicos em relação a ele estão diretamente ligados a essa tarefa. O que importa é
sentir-se seguro nos braços da mãe.
Segundo Amiralian (1997, p. 101): o handling significa “o manipular e o manusear
físicos, mas também oferecer experiências corporais significativas à personalização”.
O handling acontece quando a mãe prepara um ambiente suficientemente bom,
acolhedor e aconchegante, para que o bebê possa se constituir, se desenvolver e
realmente Ser. “Isso contribui para a formação do sentido do “real”, por oposição a
“irreal””. (WINNICOTT, 1990, p. 27)
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A terceira tarefa relaciona-se com o início das relações objetais (realização – fazer –
criar – existir), não esquecendo que a mãe é o primeiro objeto do bebê. Quando o
bebê deseja o seio e ele está lá, para Dias (2003, p. 168): “a mãe permite que ele
crie o objeto que encontra; ela o provê da ilusão de onipotência”.
Uma vez que a experiência de criar aquilo que encontra foi devidamente permitida
ao bebê, ele gradualmente poderá compreender que sua razão de existência e
realidade no mundo é anterior à sua vontade.
A apresentação de objetos ou “realização” (isto é, o tornar real o
impulso criativo da criança) dá início à capacidade do bebê de
relacionar-se com objetos. As falhas nesse cuidado bloqueiam ainda
mais o desenvolvimento da capacidade da criança de sentir-se real
em sua relação com o mundo dos objetos e fenômenos
(WINNICOTT, 1990, p. 27).
Enfim, a saúde do bebê, depende de uma mãe suficientemente boa. Aquela que
segura e se adapta ao bebê, atendendo-o prontamente e afetivamente; e somente
nessas condições de aceitação, o Ser pode começar a existir. O olhar carinhoso de
uma mãe saudável e um ambiente propiciador garantem a segurança do
desenvolvimento sadio do bebê. “O desenvolvimento, em poucas palavras, é função
da herança de um processo de maturação, e de acumulação de experiências de
vida; mas esse desenvolvimento só pode ocorrer num ambiente propiciador”.
(WINNICOTT, 1990, p. 27) O processo de interação entre o bebê e o ambiente que
o cerca é modificado ao longo da vida de acordo com o amadurecimento, a
capacidade de ser e de viver criativamente.
As condições básicas para um bom desenvolvimento do bebê dependem da
confiabilidade e dependência relativa. “Sem uma confiabilidade ambiental mínima, o
crescimento pessoal da criança não pode se desenrolar, ou desenrola-se com
distorções”. (WINNICOTT, 1990, p. 45) A confiabilidade sugere o sentimento de
segurança, a crença de que algo não seja apenas bom, mas que seja confiável e
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durável, o que vai suscitar a autoconfiança. O desenvolvimento da confiabilidade
depende de condições importantes do ambiente como: o conhecimento; o estar
presente; o lidar com base em uma relação vive e pessoal; o ser coerente; e “é em
relação a isso que o bebê cresce e é isso que ele absorve e copia”. (WINNICOTT,
1990, p. 45). A dependência relativa sugere uma abertura de espaço cada vez maior
para o mundo, onde o indivíduo agarra todas as oportunidades que tem para se
expressar livremente e agir segundo seus impulsos.
2.5. Como Compreender o Desenvolvimento Humano e o Refugiado Sob Uma
Visão Winnicottiana?
O presente capítulo apresenta aspectos básicos da teoria de Winnicott e procura
relacioná-los com a conduta anti-social normal do desenvolvimento humano.
Na etimologia da palavra tendência anti-social, segundo Abran, (2000, p. 39)
encontra-se: “deprivação”. “O ato anti-social constitui-se em um imperativo relativo a
uma falha ambiental estabelecida no período da dependência relativa”. (ABRAN,
2000, p. 39)
De acordo com Winnicott, a tendência anti-social indica que o bebê
pôde experimentar um ambiente suficientemente-bom à época da
dependência absoluta, mas que foi perdido posteriormente. Assim, o
ato anti-social é um sinal de esperança de que o indivíduo venha a
redescobrir aquela experiência boa anterior à perda. (ABRAM, 2000,
p. 39)
A descoberta feita por Winnicott de que a tendência anti-social: “é uma
demonstração de esperança,..., aos temas vinculados à separação e à perda das
coisas da vida cotidiana”. (ABRAN, 2000, p. 40). Portanto, a tendência anti-social
implica na perda da qualidade de um “ambiente vigoroso e amoroso” (ABRAN,
2000, p. 42) destruído. Ou seja, “o ato anti-social é, em essência, um sinal de
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esperança para o indivíduo que o realiza” (ABRAN, 2000, p. 42), em busca de um
ambiente que incentive o sentimento de segurança.
Quando existe a tendência anti-social, é porque houve uma
verdadeira deprivação; ou seja, houve a perda de algo bom e
positivo para a experiência vivida pela criança até uma certa data, e
que algo lhe foi tirado... que é precisamente o ponto em que se deu
o trauma, e a condição traumática...(ABRAN, 2000, p. 48)
Em seguida aponta uma questão presente aqui no Brasil e no mundo: “O
REFUGIADO”, que muitas vezes pela dificuldade de adaptação ao novo país,
observa-se que desenvolve uma conduta anti-social, pois o que ele procura é a
capacidade de se encontrar neste novo contexto, ou seja, a segurança perdida
daquilo que o sustentou anterior ao sofrimento desta busca de esperança.
E quem é o refugiado? São pessoas que deixam seu país forçadamente em busca
de ajuda, proteção, asilo e acolhimento físico e psíquico, para sobreviverem. O
refúgio implica uma situação desconhecida, o temor pelo novo e uma imposição de
novos valores sociais e culturais. O refugiado é um estranho no ninho perdido do
seu verdadeiro eu, inserido em um ambiente desconhecido. “Ao ver destruído o
marco de sua vida, já não pode sentir-se livre. Torna-se ansioso, e se tem
esperança, passa a buscar um marco fora do lar”. (ABRAN, 2000, p. 42)
Homens, mulheres e crianças que chegam em busca de proteção e
condições dignas de sobrevivência. Refugiado não é imigrante
voluntário. É aquele que foi forçado a deixar seu país de origem por
temor de perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade,
grupo social ou opiniões políticas, e por grave e generalizada
violação de direitos humanos (Manual do Refugiado, 2000, p. 3).
Segundo Neto & Santana (2004, p. 166), a palavra “refugiado” é freqüentemente
utilizada para se referir a qualquer pessoa que tenha sido forçada a abandonar o seu
país de origem. Entretanto, no termo internacional, o conceito de refugiado é mais
restrito: descreve pessoas que, em virtude de um temor bem fundado de
perseguição por razões de raça, religião, nacionalidade, participação em
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determinado grupo social ou defesa de determinadas opiniões políticas, estão fora
do país de sua nacionalidade e não podem ou, por causa deste temor, não querem
valer-se da proteção de seu país. É também considerado refugiado aquele que fugiu
do seu país porque sua vida, segurança ou liberdade foram ameaçadas por violência
generalizada, agressão estrangeira, conflitos internos, violação dos direitos humanos
ou outras circunstâncias que tenham perturbado a ordem pública.
Portanto, refugiado é aquele que necessita de cuidados, pelo fato de não possuir na
maioria das vezes uma família, um ponto de referência, um ambiente estável e
contínuo “que contribuem na estruturação de um padrão de expectativa interna”.
(ABRAM, 2000, p. 45)
O governo brasileiro concede aos refugiados o visto de entrada, a proteção e a
documentação necessária: documento de identidade, cadastro de pessoa física
(CPF) e eventualmente passaporte, carteira de trabalho e previdência social.
Uma vez reconhecido como refugiado, “este pode fazer parte dos Programas de
Integração que têm como objetivo inserir o refugiado no mercado de trabalho por
intermédio da capacitação profissional” (NETO & SANTANA, 2004, p. 168).
Porém, se por qualquer razão o refugiado tiver sua solicitação negada, retoma a
condição de refugiado, ficando no país, pois não se há verbas para deportá-lo, o que
acaba por ficar ilegal e sem direito a ajuda, sendo obrigado, por exemplo, a roubar
para sobreviver, tendo assim, uma conduta anti-social. A tendência anti-social é
aquela em que o indivíduo não pode “experimentar um ambiente de holding vigoroso
em um estágio crucial de seu desenvolvimento emocional”. (WINNICOTT, apud
ABRAM, 2000, p. 40) Ou seja, o refúgio implica na perda do ambiente conhecido
pela esperança de sobrevivência. Há uma falha e trauma no desenvolvimento
emocional.
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2.6. Características Físicas e Psicológicas dos Refugiados
De acordo com Neto & Santana (2004, p. 168), os transtornos mais comuns dos
refugiados são:
Temor à tortura, perseguição, assédio sexual; agressão sexual;
depressão; ansiedade; uso de química; sofrimento psicológico;
solidão; medo; raiva; mal estar, insônia, dor no corpo; desamparo;
tristeza; seqüelas físicas; trauma; crise de identidade pessoal;
dificuldade de nomear sentimentos; desorientação no tempo e no
espaço; sensação de impermanência e vulnerabilidade.
Apontam que, os refugiados são confrontados com uma série de problemas após a
chegada em uma nova sociedade: “dificuldade com o idioma, diferenças culturais,
étnicas,
econômicas,
discriminação
religiosa,
perda
das
relações
sociais,
separações familiares, perda de papéis sociais valiosos, identidades e posições
ocupacionais”. (NETO & SANTANA, 2004, p. 168) Além disso, “os refugiados
frequentemente se deparam com uma carga adicional relacionada às circunstâncias
que forçaram sua recolocação”. (NETO & SANTANA, 2004, p. 168) Esta situação
exige “abordagens preventivas e terapêuticas específicas na questão da saúde
mental”. (NETO & SANTANA, 2004, p. 168) Entretanto, “as iniciativas tomadas nos
últimos anos por parte dos países que recebem estes refugiados involuntários são
de natureza experimental, formuladas para responder a necessidades urgentes”.
(NETO & SANTANA, 2004, p. 169)
Portanto, o refugiado que chega ao Brasil possui na sua história de vida, traumas e
aflições que impedem o desenvolvimento da sua saúde mental, sendo de extrema
importância acolhê-lo numa abordagem terapêutica, para que ele não se desvirtue
em tendências anti-sociais e se perca de uma vez por todas, de seu verdadeiro eu.
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3. DESCRIÇÃO DA PESQUISA
A presente pesquisa foi desenvolvida com um grupo de pessoas refugiadas em sala
de espera situada num centro que atende refugiados, no município de São Paulo.
Os dados foram colhidos durante 20 sessões semanais, com duração de 90 minutos
cada, perfazendo um total de 30 horas, entre os meses de agosto de 2005 a maio de
2006. Para cada atendimento, foi preparado um relatório de observação.
O público alvo foi composto por pessoas refugiadas vindas de 46 países diferentes
(principalmente do Continente Africano: Angola, Libéria, Serra Leoa e países de
outros continentes como Bósnia, Cuba, Iraque, Irã, Venezuela, Colômbia e
Paquistão).
Em média transitavam pela sala de espera cerca de 30 pessoas por atendimento, na
grande maioria homens em torno de 20 a 40 anos de idade.
Os recursos físicos para os atendimentos foram: 13 cadeiras de plástico fixas no
chão, luz artificial, 5 mesas e 4 cadeiras de metal (ambas dobráveis), 10 banquinhos
de plástico e 10 pranchetas. Nas paredes há produções expostas dos refugiados
realizadas em atendimentos em sala de espera anteriores presas em 6 painéis de
cortiça. Um banheiro para homens e mulheres com pia e vasos sanitários quebrados
e vazamentos de ambos.
Os recursos plásticos que foram oferecidos pela Instituição para os atendimentos
são: papel sulfite, canson A3 e A4 e colorido, gouache, pincéis, carvão, lápis de cor,
giz de cera, lápis preto, borrachas, réguas, tesouras, colas coloridas, cola bastão,
aquarelas, revistas e pastas grandes para guardarmos as produções.
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4. METODOLOGIA E ANÁLISE DE DADOS
A metodologia utilizada foi dentro de uma visão construtivista denominada
metodologia retrodutiva conforme descrita por Garcia (1999), pois cada relatório foi
lido cuidadosamente de modo a se levantarem observáveis relevantes para a
compreensão do objeto de estudo dessa pesquisa.
A metodologia retrodutiva está baseada no ir e vir, ou seja, na relação do que o
pesquisador pensa articulada no que aconteceu com o sujeito da pesquisa. Ou seja,
nas observáveis, as quais lhe permitem perceber o fio condutor entre eles.
Na metodologia retrodutiva, o pesquisador desenvolve um olhar que articula a teoria
com a prática. Portanto, a metodologia retrodutiva possibilita uma pesquisa baseada
na lógica do sujeito da pesquisa com a lógica do pesquisador.
Para a análise de dados escolheu-se primeiro caracterizar o que é uma sala de
espera? Num segundo momento, qual é o papel do arteterapeuta em sala de
espera? E por fim, a relação arteterapêtica x ambiente de atendimento?
Na visão filosófica de Lalande (1996, p. 326), “a espera é uma ação muito especial,
que desempenha um papel considerável em muitos fatos psicológicos, em particular
na construção da duração e do tempo”.
Na etimologia da palavra esperar, encontra-se: “aguardar, confiar, ter esperanças”.
(CUNHA, 1991, p. 322)
A sala de espera no gera, é um ambiente frio, desconhecido e depositário de muitas
sensações e angústias. A tendência anti-social em sala de espera permite a
esperança em busca de um ambiente de segurança.
O grande desafio do arteterapeuta é transformar esse ambiente desfavorável em
uma ambiente seguro e acolhedor. Como? Oferecendo condições agradáveis e
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convidativas para que este indivíduo possa estar com ele, pois ao criar, uma imagem
é realizada, como a do “seio bom” de Winnicott, e algo é mobilizado internamente,
permitindo a esperança, a certeza de que ele está vivo.
Desde a entrada do prédio, percebe-se um ambiente descuidado, escuro, nada
convidativo ou acolhedor. A sala de espera não fugiu disso, cercada de câmaras de
segurança... “Percebi o quanto achei a princípio tudo muito esquisito, diferente do
que estava acostumada...”. As portas de entrada são duas, uma de cada lado,
grandes, de ferro pesado, onde só em uma delas é que tem uma pequena janela de
acrílico pelos quais os serviços podem ser solicitados. O porteiro “... é um homem de
mais ou menos uns 60 anos, que faz o serviço de mensageiro, de segurança...”,
uma figura masculina extremamente imponente que fica atrás da porta da janela e
faz o primeiro contato com o refugiado, orientando-o em suas dúvidas.
A atitude do arteterapeuta diante do inesperado é manter uma postura acolhedora e
segura em um ambiente (sala de espera) preparado e possível de se desenvolver,
onde Winnicott fala da mãe suficientemente boa, aquela que dá (arteterapeuta) o
que o indivíduo (refugiado) necessita. Realizar algo no ateliê terapêutico em sala de
espera significa ter a vontade de fazer, de criar, de se sentir presente, de ser alguém
de novo e de expressar aquilo que vem de dentro. É um algo que se manifestou no
interno e caminhou para o externo, ou seja, “a criatividade é fazer que, gerado a
partir do ser, indica que ele está vivo.” (WINNICOTT, 1898, p. 23). Geralmente o
indivíduo que produz se encontra aparentemente perturbado e ansioso. Ao esperar
criando, ele tem a oportunidade de humildemente chegar perto do arteterapeuta e
entregar seu trabalho ao final de sua produção, onde nota-se uma aparência mais
calma e viva proporcionada pelo bem-estar. “... sinto-me feliz de poder estar ali com
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eles e perceber como o refugiado entra e sai daquela sala, produzindo ou não, mais
calmo e receptivo com a minha presença.”
A sala de espera permite o olhar e ser olhado. O respeito ao silêncio. O vínculo
arteterapeuta e o refugiado. O sofrimento de alguém que te pede ajuda e um colo
protetor. A presença do arteterapeuta neste contato propicia o criar ao esperar num
ambiente favorável e o resgate da identidade do refugiado. Após ter preparado o
ambiente como de costume, um africano aproximou e “... falou que seu país era
maravilhoso e que adorava praia. A nossa conversa foi toda em inglês. Resolvi
desenhar uma praia, com sol, areia e mar...”. Um lugar maravilhoso que ambos
tivemos sensações boas, “... Ele perguntou se ele podia pegar uma folha e começou
a desenhar, desenhando o mapa de seu país. Tive a sensação de que ao ver aquele
contorno do mapa, aquela imagem era muito parecida com o rosto dele...”, o que
permitiu que ele entrasse em contato com ele mesmo. “... Aos poucos ele foi se
revelando...”, em partes distintas e focadas no seu desenho. “... Ao mencionar sobre
suas dificuldades e sofrimentos ele ficou emocionado. Seus olhos estavam com
lágrimas que se contiveram para sair...”. O vínculo foi estabelecido e no encontro
seguinte nos encontramos novamente, “... Este, falou que veio me ver, dando um
sorriso para mim e apertando minha mão. Ele me chamou de “Patrícia Kaba”, se
referindo a mim como a primeira dama do país dele, indo sentar-se com um amigo
dele...”. Observou-se que cada participante reconhece muitas vezes fragmentos da
antiga identidade “... Um angolano sentou-se na mesa que eu estava desenhando e
disse que era artista plástico lá na Angola e que iria pensar no que iria desenhar...”.
Trazendo recortes da nova realidade “... Contou que está aqui no Brasil há 11 anos,
gosta daqui e saiu de Angola em busca de melhores condições de vida...”. As
dificuldades “... Ele falou que tem muitas saudades da mãe e que ele é a única para
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ele, ficando emocionado, com lágrimas nos olhos. Ele deixa que a natureza escolha
o rumo dele, e assim ele vai vivendo...”, os sonhos, as esperanças na produção
realizada no ateliê. Desta maneira, clarifica para si mesmo seu jeito de pensar e
sentir o mundo. Portanto, o arteterapeuta é aquele que ajuda a pessoa a integrar
todas as suas partes e assim, colocar o seu “eu” verdadeiro no mundo; é aquele que
facilita o indivíduo trazendo a realidade de quem ele é; e possibilita que a pessoa
dialogue naquilo que ela consegue se expressar, ampliando a sua realidade.
Ver e ser visto
Revelar o escondido
Encontrar o esquecido
Transformar o conhecido
E assim,
Penetrar no desconhecido.
(PRADO, 2007)
O atendimento em um ambiente aberto com a arteterapia possibilita o diálogo
criativo, a troca da comunicação verbal pela espontânea, a elaboração da expressão
pessoal, onde as palavras aparecem pela ação do criar, de existir segundo a visão
winnicottiana. Neste ambiente, algumas pessoas começaram a conversar e puderam
se conhecer melhor, se ajudar em suas necessidades, como por exemplo, “...
mulheres que sentadas na mesma mesa acabaram se tornando amigas e
colaborando com os cuidados do filho de uma ou de outra, convidando para ir até a
sua casa, para passeios, etc.”.
O objetivo da realização do ateliê terapêutico foi criar um espaço
social seguro no qual o refugiado conseguisse abandonar a situação
de isolamento decorrente do refúgio, ampliar suas formas de
expressão e resgatar uma identidade individual por meio da qual
possa continuar a se relacionar com o mundo de maneira saudável.
(NETO & SANTANA, 2004, p. 185)
E assim, a função do trabalho em sala de espera é a de oferecer condições
necessárias de interação que permitirão que “... surja um emergente indivíduo que
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procura valer seus direitos, tornado-se capaz de existir...” (WINNICOTT, 1990, p.
26).
A finalidade maior desta atividade não foi o conhecimento da psique
deste indivíduo, mas o de oferecer um espaço no qual ele pudesse,
de maneira ativa, refletir e aprender a lidar com a difícil situação em
que se encontra. (NETO & SANTANA, 2004, p. 186)
Portanto, a ambiência e a atitude acolhedora do arteterapeuta possibilitam uma
transferência para que o refugiado se sinta melhor e acolhido naquele momento.
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5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com base nas experiências das diversas dinâmicas realizadas nos grupos focais,
considera-se a arteterapia como um veículo possível para a abordagem terapêutica
dos refugiados. Como utiliza predominantemente a linguagem não-verbal, é útil para
o diálogo sobre eventos extremamente dolorosos. Além disso, a possibilidade de
construção e expressão simbólica facilita o contato e a adaptação à nova realidade
de vida, onde o sentimento de pertencimento começa a fazer sentido. O ateliê
terapêutico possibilita a produção que pode estar tão perto do emocional ficando
difícil transformar em palavras o conteúdo expresso em imagens.
Percebe-se que na sala de espera os olhares se interessam por aquele oferecimento
de expressão. A paz e a tranqüilidade se instalam no ar durante as atividades. A
presença é sentida e dividida pela energia que circula por aquele ambiente cuidado.
Uma hora e meia, uma vez por semana, possibilita um olhar acolhido, uma
esperança e uma realidade de se sentir vivo. O ser criativo é para aqueles que se
aventuram na possibilidade de expressar alguma coisa, contra aqueles que
permanecem em silêncio, só observando. Esta é a sala de espera por qual vivi trinta
horas de experiências humanas. Estar com essas pessoas significa viver, reviver,
aprender e atender a cada olhar, gesto, palavra, angústia e dor. Trazer essas
pessoas para o mundo da arteterapia é emocionante e contagiante. Proporcionar um
espaço seguro e feliz é experimentar um novo caminho de expressão e quem sabe
até de reflexões pessoais.
De fato o ambiente é modificado e transformado com a presença do arteterapeuta,
que possibilita ao refugiado falar de seus medos, alegrias, tristezas e angústias, sem
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que tenha uma obrigação para tal, um script, um começo ou um fim. O que lhe é
oferecido está na capacidade de exercer sua criatividade e espontaneidade.
É pertinente ressaltar a relação de confiança e identificação que os refugiados
estabeleceram entre si e comigo. Com a narração de histórias pessoais e produções
expressadas, o homem entende sua existência no encontro com o outro. Este
cenário prima pelo modo como são transmitidas e captadas as experiências afetivas,
enriquecendo a vivência pessoal da experiência relacional do aqui e agora. Colabora
na percepção e na compreensão da arte como expressões de valores de uma
civilização. A utilização da arteterapia como estratégia possibilita o desenvolvimento
de reflexões críticas ao que está sendo vivido. O indivíduo ao usar sua
espontaneidade, aprende a se colocar no mundo e se desenvolve, definindo seus
próprios papéis. A arteterapia neste contexto vem justamente propor uma postura
libertadora.
As pessoas consideradas refugiadas, na maior parte das vezes, chegam ao novo
destino, após fuga de seu país de origem, como vítima de grande violência, ou pelo
menos temor que estas situações causam. Esperançosas, estão involuntariamente
num ambiente que, quase sempre é totalmente desconhecido, se sentem inseguras
e estão desconfiadas, longe de suas referências originárias, como cidade, família,
amigos, trabalho, atividades, entre outros.
Não é difícil imaginar que a psicodinâmica dessas pessoas também seja afetada de
alguma forma. Não de modo generalizado, mas levando em conta e respeitando
condições e características de cada indivíduo. Diante desta situação, são
necessárias abordagens preventivas e terapêuticas específicas em todas as áreas
de saúde.
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