Texto 15 Licitações e compras governamentais Transporte escolar – Condição de acesso à escola Transporte escolar – Condição de acesso à escola A educação, dever do Estado e da Família, ganhou capítulo específico na Constituição da República1, estabelecendo requisitos mínimos a serem atendidos pelo Poder Público (art. 208 e seguintes), como condição de acesso e qualidade de ensino. Dentre esses, destaca-se o fornecimento ao educando, quando necessário, do transporte gratuito. O transporte escolar pode ser prestado em face de duas motivações: a) como condição de acesso ao ensino, que deve ser assegurado pelos Municípios e Estados nos termos do art. 208, VII da Carta Magna2, e Lei de Diretrizes e Bases da Educação3, a ser executado diretamente pelo Poder Público ou por meio da terceirização dos serviços (contrato administrativo de prestação de serviços); serviço este não pode ser delegado a terceiros porque o custo do transporte deverá ser integralmente assumido pelo Poder Público; e b) como forma de auxiliar os alunos dos ensino médio, superior, profissionalizante, etc. da rede privada de ensino. O transporte de escolares do ensino médio, assim entendido na perspectiva daqueles alunos matriculados na rede estadual de ensino, é atribuição da competência dos Governos Estaduais. Com efeito, em relação à competência de cada ente da Federação, assim dispõe a Lei de Diretrizes e Bases da Educação: Art. 10. Os Estados incumbir-se-ão de: (...) VII - assumir o transporte escolar dos alunos da rede estadual. (Incluído pela Lei nº 10.709, de 31.7.2003) (...) Art. 11. Os Municípios incumbir-se-ão de: (...) VI - assumir o transporte escolar dos alunos da rede municipal. (Incluído pela Lei nº 10.709, de 31.7.2003) Estabelecida a competência, destacase que o transporte dos escolares da rede de ensino estadual somente poderá ser efetivada pelo Município se atendidos aos requisitos contidos no art. 62 da Lei de Responsabilidade Fiscal4, que assim dispõe: Art. 62. Os Municípios só contribuirão para o custeio de despesas de competência de outros entes da Federação se houver: 1 Capítulo III Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. 2 Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: I - educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade, assegurada inclusive sua oferta gratuita para todos os que a ela não tiveram acesso na idade própria; (...) VII - atendimento ao educando, em todas as etapas da educação básica, por meio de programas suplementares de material didático escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 59, de 2009) (grifou-se) § 1º - O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo. 3 Abril/2014 I - autorização na lei de diretrizes orçamentárias e na lei orçamentária anual; II - convênio, acordo, ajuste ou congênere, conforme sua legislação. A prestação do serviço de transporte escolar para os alunos portadores de necessidades especiais, por sua vez, está diretamente vinculada ao nível escolar e à instituição que estiver matriculada. O atendimento ao transporte de escolares da rede privada, nos níveis fundamental, médio ou superior, de igual sorte não está contemplado como obrigação constitucional dos Municípios ou dos Estados. Lei Federal nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. 4 Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000. 1 Texto 15 Licitações e compras governamentais Transporte escolar – Condição de acesso à escola Abril/2014 Para que o Município possa prestá-lo, deve ser precedido de autorização legislativa específica. de escolares em número superior à capacidade estabelecida pelo fabricante. No que refere aos veículos a serem empregados no transporte escolar, o tema está plenamente regulamentado no Código de Trânsito Brasileiro5, que possui capítulo dedicado exclusivamente a essa matéria, assim dispondo: No que respeita ao condutor do veículo de transporte escolar, o Código de Trânsito regulamenta nos termos que seguem: Art. 136. Os veículos especialmente destinados à condução coletiva de escolares somente poderão circular nas vias com autorização emitida pelo órgão ou entidade executivos de trânsito dos Estados e do Distrito Federal, exigindo-se, para tanto: I - registro passageiros; como veículo de II inspeção semestral para verificação dos equipamentos obrigatórios e de segurança; III - pintura de faixa horizontal na cor amarela, com quarenta centímetros de largura, à meia altura, em toda a extensão das partes laterais e traseira da carroçaria, com o dístico ESCOLAR, em preto, sendo que, em caso de veículo de carroçaria pintada na cor amarela, as cores aqui indicadas devem ser invertidas; IV equipamento registrador instantâneo inalterável de velocidade e tempo; V - lanternas de luz branca, fosca ou amarela dispostas nas extremidades da parte superior dianteira e lanternas de luz vermelha dispostas na extremidade superior da parte traseira; VI - cintos de segurança em número igual à lotação; VII - outros requisitos e equipamentos obrigatórios estabelecidos pelo CONTRAN. Art. 137. A autorização a que se refere o artigo anterior deverá ser afixada na parte interna do veículo, em local visível, com inscrição da lotação permitida, sendo vedada a condução 5 Lei Federal nº 9.503, de 23 de setembro de 1997. Art. 138. O condutor de veículo destinado à condução de escolares deve satisfazer os seguintes requisitos: I - ter idade superior a vinte e um anos; II - ser habilitado na categoria D; III - (VETADO) IV - não ter cometido nenhuma infração grave ou gravíssima, ou ser reincidente em infrações médias durante os doze últimos meses; V - ser aprovado em curso especializado, nos termos da regulamentação do CONTRAN. Art. 139. O disposto neste Capítulo não exclui a competência municipal de aplicar as exigências previstas em seus regulamentos, para o transporte de escolares. (...) Art. 329. Os condutores dos veículos de que tratam os arts. 135 e 136, para exercerem suas atividades, deverão apresentar, previamente, certidão negativa do registro de distribuição criminal relativamente aos crimes de homicídio, roubo, estupro e corrupção de menores, renovável a cada cinco anos, junto ao órgão responsável pela respectiva concessão ou autorização. O zelo que a legislação de trânsito inseriu o transporte escolar no ordenamento jurídico não admite exceção. Uma das consequências da observância dos dispositivos transcritos resulta na impossibilidade de o transporte escolar obrigatório (constitucional) ser ofertado no sistema de transporte coletivo regular. A par da regulamentação contida no Código de Trânsito Brasileiro, compete aos Municípios e aos Estados normatizar o 2 Texto 15 Licitações e compras governamentais Transporte escolar – Condição de acesso à escola Abril/2014 transporte de escolares no âmbito local de seu campo de atuação. Isso é relevante, porque as condições de acesso à educação é dever do Estado e da família, podendo o Poder público estabelecer condições (limites) para a oferta do transporte escolar. Entretanto, não é razoável estabelecer limites absolutos para a prestação do serviço, devendo, cada caso em concreto ser analisado, posto que o acesso à escola é garantia constitucional. Veja-se a seguinte decisão: Se o Município oferece vaga em escola nas proximidades da residência do educando, por exemplo, não está obrigado a conduzi-lo, se não for necessário. Por vezes os pais, por opção pessoal, resolvem matricular o filho em escola mais distante. Neste caso, não estará o Poder Público obrigado a ofertar o transporte escolar. A jurisprudência tem essa orientação: Ementa: AÇÃO ORDINÁRIA Transporte escolar gratuito negado pela Municipalidade a pretexto de que os alunos residem a 1,9 quilômetro da escola Aplicação da regra do artigo 208, VII, da Constituição Federal, cuja eficácia não pode ser limitada por Resoluções da Secretaria da Educação do Estado Educação Básica que, nos termos da Res. Nº 4 do Conselho Nacional da Educação, compreende tanto o Ensino Fundamental e o Ensino Médio, quanto a Creche e a Pré-Escola Sentença mantida Recurso não provido. Processo 188989220128260664 7ª Câmara de Direito Público Tribunal de Justiça de São Paulo Julgamento: 02/12/2013 Ementa: APELAÇÕES CÍVEIS. REEXAME NECESSÁRIO. ECA. MUNICÍPIO DE GARIBALDI. GARANTIA CONSTITUCIONAL DE ACESSO À EDUCAÇÃO INFANTIL. VAGA EM CRECHE OU PRÉESCOLA. DIREITO FUNDAMENTAL SOCIAL. TRANSPORTE ESCOLAR GRATUITO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. FADEP. 1. Segundo a Súmula n.º 490 do STJ, é obrigatório o reexame da sentença ilíquida proferida contra entes públicos. 2. O direito à educação infantil constitui direito fundamental social, que deve ser assegurado pelo ente público municipal, garantindo-se o atendimento em creche ou pré-escola às crianças de zero a cinco anos de idade, com absoluta prioridade, incluindo neste conceito, ainda, o transporte escolar gratuito, desde que não seja assegurado ao infante o acesso à escola pública em local próximo de sua residência (limite máximo de 2 km de distância entre a residência do infante e a escola). 3. (...) APELAÇÃO DO MUNICÍPIO DESPROVIDA E APELO DA PARTE AUTORA PROVIDO. SENTENÇA CONFIRMADA NOS DEMAIS PONTOS, EM REEXAME NECESSÁRIO. (Apelação e Reexame Necessário Nº 70057124091, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ricardo Moreira Lins Pastl, Julgado em 14/11/2013) De um modo geral, os Municípios e Estados têm normatizado o transporte escolar apenas no que refere à limitação do ano de fabricação dos veículos a serem utilizados no serviço; critérios e períodos para a vistoria mecânica; fixação de normas de natureza tributária para a concessão do alvará para a instalação e funcionamento da empresa, no caso dessa espécie de serviço (privado). No caso do transporte privado, comumente denominado “porta a porta”, por se tratar de contrato de direito privado, muito pouco pode ser normatizado, exceto, e respeitadas as competências dos entes federados, quanto às normas de circulação e quanto ao exercício da atividade econômica. Destaca-se o seguinte Acórdão: Ementa: TRANSPORTE ESCOLAR. ATIVIDADE ECONÔMICA. LIVRE CONCORRÊNCIA. SERVIÇO PÚBLICO. AUSÊNCIA DE CARÁTER EXISTENCIAL. 1. O transporte escolar, em caráter privado, prestado a alunos e a professores, sem itinerário e contraprestação fixados pelo Poder Público, 3 Texto 15 Licitações e compras governamentais Transporte escolar – Condição de acesso à escola constitui-se em atividade de caráter econômico submetida ao princípio da livre concorrência. Trata-se de atividade que visa a atender ao interesse privado dos interessados, tanto que o itinerário e o preço são livres, não se revestindo de natureza essencial à sociedade. É ilegal e inconstitucional lei municipal que subordina sua exploração à outorga de permissão em caráter precário e limita o número de prestadores. 2. É dever constitucional do Município prestar o serviço público de transporte coletivo diretamente ou sob regime de concessão ou permissão. Art. 30, inciso V, da Constituição da República. Recurso provido. Relator vencido. (Agravo de Instrumento Nº 70035191014, Vigésima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Maria Isabel de Azevedo Souza, Julgado em 29/04/2010) (grifou-se) Do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, colaciona-se: CONCESSÃO DE TRANSPORTE PÚBLICO URBANO. INDEPENDÊNCIA DE TRANSPORTE ESCOLAR E FRETAMENTO. NORMAS DE DIREITO PRIVADO O contrato de fretamento como também o transporte de escolares, servindo ao deslocamento de pessoas certas e determinadas, com origem e destino prefixados, detém natureza de direito privado, uma vez que não envolve essencialmente interesse público, embora esteja sujeito à autorização e fiscalização do Poder Público. Processo: 2008.012846-7 (Acórdão) Origem: Brusque Orgão Julgador: Terceira Câmara de Direito Público Julgado em: 18/05/2010 Do Acórdão, destaca-se: Há, portanto, se distinguir o transporte coletivo urbano do especial, que engloba o escolar, fretamento e extraordinário. Enquanto aquele corresponde ao serviço prestado Abril/2014 indistintamente à coletividade, este reflete o serviço realizado para atender sujeitos certos e determinados (ut singuli), sem itinerário definido, em caráter eventual, diferentemente do transporte público, prestado à coletividade (ut universi) e com horários e destinos estabelecidos em contrato administrativo. Para Maria Sylvia Zanella Di Pietro, serviço público é "[...] toda atividade material que a lei atribui ao Estado para que exerça diretamente ou por meio de seus delegados, com o objetivo de satisfazer concretamente às necessidades coletivas, sob regime jurídico total ou parcialmente público" (Direito Administrativo. 16. ed. São Paulo: Atlas, 2003. p. 99). Nesses contornos é que está inserido o transporte coletivo, tido como serviço público essencial (art. 30, V, c/c art. 175 da CRFB/88), para servir ao deslocamento da população, organizado e estruturado racionalmente, em forma de rede, e dimensionado conforme o quantificativo de usuários. Quanto mais organizado e eficiente maior será a demanda de passageiros e proporcionalmente inversa a poluição e o entravamento do fluxo de veículos particulares. Já o transporte especial, em que se inclui o escolar, fretamento e extraordinário, não se enquadra na espécie serviços públicos, pois obedece instituto de direito privado, cabendo às partes eleger as condições que melhor lhes favorecer, atendendo a reciprocidade de obrigações, não havendo intervenção do Ente Público em sua formação, senão no exercício do poder de polícia. (...) Por essa razão, é admissível que particulares desenvolvam atividade empresarial de exploração do setor de transporte coletivo, em caráter suplementar e de acordo com a regulamentação municipal no interesse local (art. 30, I, da CRFB e 4 Texto 15 Licitações e compras governamentais Transporte escolar – Condição de acesso à escola Abril/2014 arts. 730 a 756 do CC/2002), em paralelo ao serviço de transporte coletivo mínimo e essencial que a municipalidade concedeu à demandante com exclusividade mediante prévia licitação (arts. 30, V, e 175 da CRFB). Ante as considerações até aqui expendidas, conclui-se que o transporte escolar, como condição de acesso à educação e direito constitucional, deve ser oportunizado pelos Municípios e pelos Estados, na exata medida de suas competências, podendo, mediante lei autorizativa, ampliar a prestação do serviço para além de suas redes de ensino. Texto produzido por: Volnei Moreira dos Santos Consultor do IGAM. 5