FLEITH, Brisa; ZANATTA, Maria de Lourdes Alves Lima. Abandono afetivo: possibilidade indenizatória
por danos morais. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e
Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.1, p. 245-261, 1º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc ISSN 2236-5044
ABANDONO AFEITVO: POSSIBILIDADE INDENIZATÓRIA
POR DANOS MORAIS
Brisa Fleith1
Maria de Lourdes Alves Lima Zanatta2
SUMÁRIO
Introdução; 1 Breve Conceito de Família e sua proteção principiológica na
Constituição Federal de 1988; 1.1. Princípio da dignidade da pessoa humana; 1.2.
Princípio da afetividade; 1.3. Princípio da convivência familiar; 1.4. Princípio da
paternidade responsável; 2 A Responsabilidade Civil Paterna; 3 Dano Moral por
Abandono Afetivo; 4 O abandono afetivo e a nova orientação jurisprudencial;
Considerações finais; Referência das fontes citadas.
RESUMO
Objetiva-se, através do presente trabalho teórico, a discussão da possibilidade de
condenação de indenização por danos morais decorrente do abandono afetivo nas
relações paterno-filiais. A matéria ganhou importância com sua subida ao Superior
Tribunal de Justiça, em um recurso especial interposto contra acórdão proferido pelo
extinto Tribunal de Alçadas de Minas Gerais, o que havia reconhecido a
responsabilidade civil decorrente do abandono afetivo, condenado o pai a indenizar
o filho por danos morais. No entanto, o Supremo Tribunal Federal silenciou a
questão, entendendo pelo não cabimento de indenização em casos de relações
paterno-filiais. Neste estudo, analisa-se a importância da presença paterna para o
desenvolvimento psíquico da criança e do adolescente, bem como as
consequências de sua ausência. Aborda-se a repersonalização das relações
familiares, voltando-as ao afeto. Discute-se ainda, o melhor interesse da criança sob
a ótica constitucional e infraconstitucional. E, por fim, examina-se o conflito
ocasionado a partir da legislação vigente, dos entendimentos doutrinários e
jurisprudenciais, e do estudo das noções gerais da Responsabilidade Civil,
embasando-se, sobretudo, na dignidade da pessoa humana.
Palavras-chave: Abandono Afetivo. Ausência Paterna. Família. Danos Morais.
Indenização. Responsabilidade Civil.
INTRODUÇÃO
A Constituição Federal de 1988 é um marco histórico de precedente ímpar
na história do desenvolvimento dos direitos individuais e coletivos no Brasil. A
1
Acadêmica do 10º período do curso de Direito na Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI. E-mail:
[email protected]
2
Advogada, Mestre em Ciência Jurídica e Relações Econômicas – UNIVALI, Mestre em Relações Internacionais
Econômicas e Sociais - UMINHO Portugal, Professora do Curso de Graduação em Direito da Universidade do
Vale do Itajaí – UNIVALI.
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por danos morais. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e
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proteção aos indivíduos antes desassistidos, como o caso das crianças e dos
adolescentes, e de instituições como a família, revela a face social que teve a
constituinte de 1988. No âmbito familiar, a continuidade dos deveres de paternidade
e maternidade mesmo com o fim da sociedade conjugal entre os genitores, ou
mesmo quando este nunca existiu, além da imposição moral-legal de cumprimentos
dos deveres atinentes à preservação dos direitos das crianças e adolescentes,
através da cogência legal de atribuição de deveres como o afeto, a responsabilidade
e o direito-dever ao convívio familiar entre pais e filhos sinalizam para uma mudança
de paradigma na órbita jurídica pátria.
Neste cenário, o saudável desenvolvimento da personalidade da criança e
do adolescente é bem jurídico indisponível aos pais. Não mais são eles os únicos
responsáveis pelo sucesso da vida da criança. O Estado arca com tal ônus, e sua
parcela contributiva é através de mecanismos jurídicos que balizem as relações
familiares através de parâmetros e mecanismos de proteção geral do indivíduo.
Abordar-se-á aqui, o panorama jurídico e social que permitiu a discussão da
responsabilidade civil por abandono afetivo. Onde, num primeiro momento houve
destacável preocupação em levantar as mudanças de paradigmas conclamados
pela Constituição de 1988, além dos mais destacados princípios com ligação direta
ao tema.
Não se poderia deixar de tratar, como o próprio título já propõe, da teoria da
responsabilidade civil, especialmente em sua aplicação na seara familiar com
especial atenção aos deveres de cuidado, afeto e carinho ao pequeno indivíduo.
Por outro lado, transpassada a questão da responsabilidade, buscou-se
encontrar a melhor definição para o dano que estaria em voga, além do nexo de
causalidade como outro elemento da teoria da responsabilidade civil. E, promovendo
o desfecho com as observações de cunho jurisprudencial que não poderiam faltar
num trabalho com esta proposta, principalmente quando deparou a sociedade com a
repercussão de um caso de repercussão nacional com o caso do último julgado do
STJ sobre a questão.
1 BREVE CONCEITO DE FAMÍLIA E SUA PROTEÇÃO PRINCIPIOLÓGICA NA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
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Em palavras que alcançam nosso interior, pode-se afirmar que “família é o
porto seguro de qualquer espécie animal, porquanto é imanente em qualquer animal
a necessidade de unir-se aos demais, tendo entre outros motivos, a sexualidade, a
proteção, a afetividade, o instinto de sobrevivência, mas, e, principalmente, o
sentimento do amor.”3
Em seu conceito mais primitivo, a família, era a formação composta, na
acepção restrita, pelo pai, a mãe e os filhos, ligados pela convivência e afeto,
advindos do casamento.
O doutrinador Orlando Gomes conceitua a família como “o grupo fechado de
pessoas, composto por genitores e filhos, e para limitados efeitos outros parentes,
unificados pela convivência e comunhão de afetos, em uma só economia, sob a
mesma direção”. 4
Só que, inegavelmente a família ganha novas acepções com o advento da
Constituição Federal de 1988, as quais, entre as mudanças mais significativas, estão
a instituição do poder familiar em detrimento do pátrio poder, e o reconhecimento de
outros institutos enquanto unidade familiar, como é o caso da união estável e da
família monoparental. A Carta de 1988 também, e acompanhando a tendência do
caráter intrínseco do Poder Constituinte da época, reconhece o dever do Estado na
sua proteção e a implementação de políticas públicas para o seu auxílio5.
Além do mais, é a Constituição de 1988 a responsável pela positivação de
princípios gerais, e particulares, que tem aplicação no bojo do direito de família,
servindo como verdadeiros mecanismos de tutela de proteção geral. A teoria dos
princípios, como ensina Paulo Bonavides6, busca fazer com que eles se
compadeçam com a normatividade e o exercício do poder, de conformidade com as
mais arraigadas exigências da natureza humana, dando, assim legitimidade à ordem
jurídica com fundamento na Constitucional.
A legislação infraconstitucional posteriormente também abarca o estigma de
proteção da família, sendo ainda definida na Lei 8.069/90 (Estatuto da Criança e do
3
D’ANGELO, Suzi e Élcio. Direito de família. Leme: Anhanguera, 2010, p. 101.
4
GOMES, Orlando. Direito de Família. 14 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 37.
5
DA SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. 26 ed. São Paulo: Malheiros
Editores Ltda, 2006, p. 848.
6
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 17 ed. São Paulo: Malheiros Editores Ltda, 2005, p.
293.
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FLEITH, Brisa; ZANATTA, Maria de Lourdes Alves Lima. Abandono afetivo: possibilidade indenizatória
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Adolescente), em seu artigo 25, como: “Entende-se por família natural a comunidade
formada pelos pais ou qualquer deles e seus descendentes.”7
É especialmente nos princípios constitucionais que se encontram a segura
fonte de interpretação dos deveres atinentes ao encargo familiar, especialmente no
que toca aos seus genitores. Tais mudanças, inclusive, como lembra Carlos Roberto
Gonçalves, enfatiza, sobretudo, a função social da família no direito brasileiro, como
célula fundamental do Estado Democrático de Direito8.
O direito de família acaba por ser o direito mais humano de todos os ramos
do direito9, pelo que é fundamental compreender as relações contemporâneas sob a
ótica humana e dos princípios sociais consagrados no texto constitucional recéminaugurado.
1.1 Princípio da dignidade da pessoa humana
No artigo 1°, inciso II da Constituição Federal de 1988, é um dos princípios
fundantes de toda a ordem jurídica do Estado Brasileiro à partir de então. Com forte
influência das teorias humanísticas de defesa aos direitos humanos, o constituinte
brasileiro consagrou-o em seu grau mais elevado, de princípio fundamental de todo
ordenamento jurídico, por tanto, na condição de princípio fundamental, “a dignidade
da pessoa humana constitui valor-guia não apenas dos direitos fundamentais, mas
de toda a ordem constitucional, razão pela qual se justifica como princípio
constitucional de maior hierarquia axiológico-valorativa”10.
A institucionalização deste como princípios, significa a mudança, ao menos
teórica, de paradigma, ao passo em que simboliza a personalização dos institutos
jurídicos, de tal modo a enquadrar o indivíduo humano no centro protetor do direito,
servindo não apenas como parâmetro na relação de limites do Estado, mas
referência para sua atuação positiva, como ensina Maria Berenice Dias11.
7
BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA- Lei nº 8.069 de 13 de julho de 1990.
8
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito de família. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p.
35.
9
DA GAMA, Guilherme Calmon Nogueira. Princípios constitucionais de direito de família: guarda
compartilhada à luz da lei n° 11.698/08: família, criança, adolescente e idoso. São Paulo: Atlas, 2008, p. 68.
10
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 6. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado,
2006, p. 124.
11
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 63.
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FLEITH, Brisa; ZANATTA, Maria de Lourdes Alves Lima. Abandono afetivo: possibilidade indenizatória
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A dignidade da pessoa humana significa, não somente instrumento de
proteção individual o ator humano, mas significa a sua condensação no sentido
normativo-constitucional, na medida em que deve exercer influência na construção,
como de fato o faz inclusive como justificador, da gama de direitos sociais e de
garantia das bases de existência humana12.
Então, se tem a dignidade da pessoa humana esse caráter tão humanístico,
é na instituição família que encontra maior amplitude de aplicação, e receptividade,
até mesmo pelo estreitamento entre os elementos que podem caracterizar este
complexo do que seria dignidade com o aparato da família, e na justa medida em
que é nela (família) que se desenvolvem a maior parte dos atributos da espécie
humana. Assim, o princípio da dignidade humana, na família, imbrica no
reconhecimento de igualdade para todas as famílias, e na sua proteção enquanto
seio de afeto, solidariedade, união, respeito, confiança, amor, vida em comum13.
É, sem dúvida, um chamado macroprincípio sob o qual estão contidos
necessariamente outros, como a liberdade, autonomia privada, cidadania, igualdade
e alteridade. E, deve servir como instrumento de interpretação e aplicação do direito,
tendo como grande desafio compatibilizar a dignidade de uma pessoa com a de
outra14. Ainda mais, tratando-se da responsabilidade indenizatória por abandono,
com forte esteio principiológico.
1.2 Princípio da afetividade
É princípio implícito da Carta Constitucional de 1988, pois, não estando
positivado no texto constitucional, surge como corolário ao princípio de família que
optou o constituinte originário.
Apresenta, intrinsecamente, fundamentos essenciais que enaltecem a
afetividade como princípio constitucional, dentro os quais identificados, como lembra
Paulo Lôbo, a) na igualdade de todos os filhos; b) a adoção; c) a comunidade
formada por qualquer dos pais e seus descendentes, incluindo os adotivos, com a
12
DA SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. 26. ed. São Paulo: Malheiros Editores
Ltda, 2006, p. 105.
13
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 63.
14
PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios fundamentais norteadores do direito de família. 2. ed. São Paulo:
Saraiva, 2012, p. 123.
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FLEITH, Brisa; ZANATTA, Maria de Lourdes Alves Lima. Abandono afetivo: possibilidade indenizatória
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mesma dignidade da família; e d) o direito à convivência familiar com absoluta
prioridade da criança e do adolescente15.
Maria Berenice Dias defende a ideia de que a prova da afetividade enquanto
princípio constitucional está no fato de que a própria Constituição desempenha um
papel que demonstra uma relação de afeto entre o Estado e os seus cidadãos, com
reflexo nas garantias individuais, coletivas e sociais deste16.
Como nos revela Rodrigo da Cunha Pereira17, desempenha a afetividade
papel preponderante no processo de formação do indivíduo e que se mostra mais
presente nas relações de parentesco afetivo, reconhecidos pela Constituição, além
de estar a ordem jurídica assimilada com a ideia do afeto como valor jurídico
presente, passível de aplicação e de obrigação paterna.
Não há qualquer relação da afetividade com a consanguinidade, com a
biologia, pois é derivado da convivência familiar, do conjunto de caracteres que
identificam aquela família, são os seus sentimentos depositados reciprocamente,
numa relação especialmente humana por excelência.
1.3 Princípio da convivência familiar
Tal princípio, igualmente decorrente de amadurecimento da doutrina do
Direito de Família, e sob sua pressão, veio consagrada no texto constitucional (art.
227) e, tem como pressuposto o estabelecimento de vínculos entre os indivíduos
que compõem a entidade familiar.
É decorrente também do princípio da dignidade da pessoa humana, já que
este é macroprincípio, e corolário do princípio da afetividade, logo, todos tem uma
ligação estreita na relação entre os indivíduos do grupo familiar. É a convivência
familiar responsável pelo desenvolvimento de relação afetiva diuturna duradoura
entre os indivíduos.
15
LÔBO, Paulo. Direito civil: famílias. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 71.
16
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 70.
17
PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios fundamentais norteadores do direito de família. 2. ed. São Paulo:
Saraiva, 2012, p. 216.
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FLEITH, Brisa; ZANATTA, Maria de Lourdes Alves Lima. Abandono afetivo: possibilidade indenizatória
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Não se confunde, como lembra Paulo Lôbo, com o exercício da guarda na
medida em que o princípio é um grande direito de relevância tanto ao pai como ao
filho, por exemplo, mas a convivência familiar é extensão do poder familiar18.
Ressalta-se ainda, que mesmo distantes um do outro, os membros da
família mantem a referência ao ambiente comum familiar, simbolizando o lugar local
seguro, refúgio privado, de identidade entre pais e filhos, por exemplo19.
1.4 Princípio da paternidade responsável
Como verdadeiro coroador dos princípios constitucionais, e gerais, que
norteiam o direito de família, o princípio da paternidade responsável parece
perfeitamente enquadrado na possiblidade de visualização de uma responsabilidade
civil por abandono afetivo dos filhos. É, senão, um desdobramento natural dos
princípios da dignidade humana, da responsabilidade e da afetividade.
Tem arrimo, igualmente na Constituição Federal e 1988, a qual dispõe que:
“Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade
responsável, o planejamento familiar é de livre decisão do casal, competindo ao
Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito,
vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas”
(CF/88, art. 226, §7°).
De igual forma, a paternidade responsável acaba por se tornar obrigação
dos pais, através do dever de assistência, criação, e educação dos filhos (CF/88, art.
229), estando delineados quais os parâmetros do que viria ser a denominada
paternidade
responsável
pelo
próprio
constituinte,
interpretado
de
forma
concomitante aos demais princípios que compõe o sistema constitucional brasileiro
vigente.
Ora, pois se a afetividade é um dever, a paternidade responsável significa a
transformação do primeiro agora em regra, pois se quer exigir uma conduta social e
individual dos pais para com os filhos, com a valorização e priorização dos
18
LÔBO, Paulo. Direito civil: famílias. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 74.
19
DA GAMA, Guilherme Calmon Nogueira. Princípios constitucionais de direito de família: guarda
compartilhada à luz da lei n° 11.698/08: família, criança, adolescente e idoso. São Paulo: Atlas, 2008, p. 85.
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por danos morais. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e
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elementos do bem-estar físico, psíquico e espiritual, além de todos os direitos
fundamentais em favor do filho, criança ou adolescente20.
2 A RESPONSABILIDADE CIVIL PATERNA
No campo da responsabilidade civil, propriamente dita, visualiza-se que
responsabilidade civil subjetiva se dá através do dano, da culpa do autor e do nexo
causal. No âmbito familiar, da mesma forma, faz-se necessária a demonstração da
culpabilidade - dolo ou culpa, que o dano tenha efetivamente ocorrido para que haja
o direito à indenização, quer sendo por ação ou omissão culposa ou dolosa, como
explica o doutrinador Carlos Roberto Gonçalves21.
A responsabilidade civil possui pressupostos, que estão elencados no
Código Civil Brasileiro22, seguindo a regra geral, que pressupõe o ato ilícito como
indenizável, decorrente de ação ou omissão que causa dano a outrem, ainda que
simplesmente moral. Nesta previsão legislativa pode-se perceber que o efeito do
elemento subjetivo é o dever violado derivado da culpa. Para Gonçalves23, a
responsabilidade é uma reação da qual é provocada pela violação de um dever
preexistente, sendo passível de indenização uma vez demonstrado o prejuízo, o
dano.
A paternidade gera efeitos na ordem do direito civil, já que ocasiona o
surgimento de obrigações implícitas e outras explícitas. O dever de cuidados, nem
ao menos necessitava estar positivado em texto normativo, pois assim é do
comportamento dos povos, o cultivo e a afeição dos pais com sua prole. No entanto,
o legislador brasileiro, seguindo uma tendência mundial, cuidou de prestigiar a maior
gama de direitos individuais e coletivos possível numa Constituição, dita cidadã.
A partir daí, decorrem todos os princípios aqui já estudados, além de
inúmeros outros aplicáveis, com especial destaque para o princípio-dever da
20
DA GAMA, Guilherme Calmon Nogueira. Princípios constitucionais de direito de família: guarda
compartilhada à luz da lei n° 11.698/08: família, criança, adolescente e idoso. São Paulo: Atlas, 2008, p. 78.
21
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 2. ed. rev. E atual. São Paulo:
Saraiva, 2007. v.4. p. 30.
22
BRASIL, Código Civil. Brasília: Congresso Nacional, 2012.
23
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 2. ed. rev. E atual. São Paulo:
Saraiva, 2007. v.4. p. 36.
252
FLEITH, Brisa; ZANATTA, Maria de Lourdes Alves Lima. Abandono afetivo: possibilidade indenizatória
por danos morais. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e
Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.1, p. 245-261, 1º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc ISSN 2236-5044
paternidade responsável que tem por primado a fixação do ponto de partida para o
desenvolvimento para a teorização do melhor interesse da criança24.
O legislador ordinário, como de forma diferente não poderia dispor, fixou a
obrigação do dever de convivência e da educação (CC, art. 1634, inciso I e II). O
Diploma Protetivo da Criança e do Adolescente, consagra nos artigos 3°, 4° e 5°, o
dever da família de assegurar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e
social do menor, com condições dignas, referindo-se novamente ao direito de
convivência como direito do infante, além da margem para sanções em caso de
omissão da preservação de seus direitos de personalidade25.
Neste diapasão, nota-se, portanto, que os deveres legais, conjugados com
os deveres principiológicos-constitucionais do afeto, da paternidade responsável, do
melhor interesse da criança/adolescente e especialmente da dignidade da pessoa
humana, despontam como verdadeiros deveres que sinalizam para a obrigação
paterna ao cuidado e a observância do zelo e desenvolvimento pleno e sadio dos
filhos. A responsabilidade civil muito bem pode decorrer da mora do genitor, que por
expressa disposição legal o tinha, recaindo ao seu campo o dever de reparação,
material ou mesmo moral26.
3 DANO MORAL POR ABANDONO AFETIVO
O dano moral, por sua vez, é aquele que decorre de ofensa aos direitos de
personalidade, guiados pelo princípio de proteção a dignidade humana (CF, art. 1°,
inciso III), e consubstanciados nos direitos personalíssimos da imagem, honra,
nome, privacidade, intimidade, conforme consagrou a própria Constituição como
direitos fundamentais (CF, art. 5°, inciso X) e manteve o Código Civil Brasileiro (CC,
art. 11 e s.).
Sempre pontual, Yussef Said Cahali, esclarece que o dano moral tem
elementos próprios, os quais são a afronta, a privação ou diminuição daqueles bens
24
DA ROSA, Conrado Paulino et al. Dano moral & direito das famílias. Florianópolis: Voxlagem, 2012, p. 193.
25
ISHIDA, Válter Kenji. Estatuto da criança e do adolescente: doutrina e jurisprudência. 12. ed. São Paulo:
Atlas, 2012, p. 5-10.
26
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 19. ed. São Paulo: Saraiva,
2005. v. 7. p. 40.
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FLEITH, Brisa; ZANATTA, Maria de Lourdes Alves Lima. Abandono afetivo: possibilidade indenizatória
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que tem um valor precípuo, único, e indispensável na vida do homem, como a paz, a
tranquilidade, a liberdade, honra27.
Do ponto de vista civilista, existentes tais deveres, mais que consagrados
em legislação constitucional e ordinária, a sua inobservância é vetor de
concretização de possível dano causado pelo abandono afetivo paterno, que
configura-se pela negligência do pai ao omitir-se de deveres morais e legais, em
relação ao seu filho, configurando assim o ilícito civil indenizável.
É que não há como dissimilar as duas coisas (família e afeto), pois como
defende a doutrinadora Maria Berenice Dias28 “o conceito atual de família, está
centrada no afeto como elemento agregador, exige dos pais o dever de criar e
educar os filhos sem lhes omitir o carinho necessário para a formação plena de sua
personalidade.”
O rompimento e a falta de convívio do pai com o filho pode gerar na criança
sérios problemas em seu desenvolvimento, trazendo-lhe sequelas emocionais e
psicológicas que refletirão por toda a sua vida adulta. Os reflexos no íntimo da
criança, futuro adulto, traduzem-se em casos de dificuldade de aprendizado e não
raras vezes em quadros psicossomáticos, os quais merecem atenção redobrada29.
A figura paterna também é importante no tocante ao desenvolvimento da
autoestima do filho, sendo o papel do pai diretamente ligado à disciplina e formação
moral do filho, criando-lhes limites e defesas, como explica o psicólogo Edson de
Assis30 que “trabalhos clínicos mostram que o pai é mais propenso que a mãe a
encorajar a criança a explorar os níveis mais externos de sua competência e
suportar a frustração.”
Visualiza-se indiscutivelmente os elementos para a caracterização da
responsabilidade civil por abandono afetivo, conjugados na existência de dano, à ser
apurado em cada caso sub judice, a responsabilidade de conduta comissiva
contrária a que teria ocasionado o dano, consubstanciado no cumprimentos dos
27
CAHALI, Yussef Said. Dano moral. 3. ed. São Paulo: Editora dos Tribunais, 2005, p. 22.
28
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 6.ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010.
p. 452.
29
DA ROSA, Conrado Paulino et al. Dano moral & direito das famílias. Florianópolis: Voxlagem, 2012, p. 199.
30
ASSIS, Edson de. A importância da figura paterna. Disponível em: http://www.edsondeassis.com.br/pais-efilhos/a-importancia-da-figura-paterna. Acesso em: 23.10.2012.
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FLEITH, Brisa; ZANATTA, Maria de Lourdes Alves Lima. Abandono afetivo: possibilidade indenizatória
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deveres atinentes à paternidade, e o nexo de causalidade, que constitui o verdadeiro
liame entre a conduta e o dano, deveras, presumível em muitos casos.
4 O ABANDONO AFETIVO E A NOVA ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL
O Direito é algo dinâmico, que transcende o patamar de ciência puramente
jurídica e tem status de ciência humana supra elevada. Está em constante
transformação. O que lhe torna complexo, mas ao mesmo tempo fascinante, do
ponto de vista histórico-social, pois, enquanto fruto de comportamentos sociais, é
tensionado à mudanças, que desta sociedade lhe dá as condições subjetivas e
objetivas de ocorrerem.
Temas outrora impossíveis de serem reconhecidos na esfera do direito, já o
são, o que demonstra a capacidade que tem o direito de se adequar com novas
temáticas e paradigmas sociais que se colocam como barreira (in) transponível a
todo tempo.
É no direito de família que essa característica tem seus traços mais
marcantes. Nenhum outro ramo do direito parece se encontrar tão pressionado à
dinamização e renovação do que o direito de família. A velocidade da mudança nas
relações sociais exige reestruturação de categorias jurídicas em tempo quase real.
Não se concebia, por exemplo, no âmbito do Superior Tribunal de Justiça a
possibilidade de indenização por danos morais decorrentes de abandono afetivo.
Realidade ultrapassada.
O recente julgamento do STJ através da Terceira Turma no Recurso
Especial n° 1.159.242 – SP condenou um pai a indenizar a sua filha por abandono
afetivo, no importe de R$ 200.000,00, em acórdão de lavra da Ministra Relatora
Nancy Andrighi. Decisão inédita, pois, veja-se que em 2005 a Quarta Turma daquele
órgão já havia rejeitado idêntico pedido31.
31
RESPONSABILIDADE CIVIL. ABANDONO MORAL. REPARAÇÃO. DANOS MORAIS. IMPOSSIBILIDADE. 1.
A indenização por dano moral pressupõe a prática de ato ilícito, não rendendo ensejo à aplicabilidade da
norma do art. 159 do Código Civil de 1916 o abandono afetivo, incapaz de reparação pecuniária. 2. Recurso
especial conhecido e provido. BRASIL, Superior Tribunal de Justiça, Quarta Turma. Recurso Especial n° Nº
757.411 – MG, Brasília, DF, 29 de novembro de 2005. Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/jurisprudencia.
Acesso em: 18.10.2012.
255
FLEITH, Brisa; ZANATTA, Maria de Lourdes Alves Lima. Abandono afetivo: possibilidade indenizatória
por danos morais. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e
Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.1, p. 245-261, 1º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc ISSN 2236-5044
É bem verdade que não se pode comparar casos, pois cada qual com suas
peculiaridades. Mas o que se quer mostrar é a mudança considerável do
entendimento do STJ que, reflete igualmente um amadurecimento ...
Pioneiro mesmo parece ter sido o do Tribunal de Justiça do Estado de Minas
Gerais32, o qual já havia resguardado direito de filho que sofrera abandono afetivo,
cuja decisão foi posteriormente cassada, pelo próprio STJ, no posicionamento que
demonstrou aquele entendimento ao caso na época.
Antes ainda o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, fazendo jus à sua
fama, sob o prisma da necessidade de apoio afetivo e o cumprimento do dever de
paternidade responsável, condenando um pai ao pagamento de quarenta e oito mil
reais por abandono afetivo de sua filha, em decisão proferida pelo juiz de primeiro
grau da Comarca de Canoas, naquele estado, como bem lembra Rodrigo da Cunha
Pereira33.
Na mesma linha de jurisprudência já vinha se posicionando outros Tribunais
de Justiça de todo o país, como foi o Tribunal Gaúcho34, o de São Paulo35 e o de
Santa Catarina36. Ali, embora a decisão mais marcante tenha se dado no âmbito do
STJ, até mesmo pela importância de referência jurisprudencial, já se podia notar
para uma mudança da jurisprudência tradicional, com forte arrimo nos princípios
constitucionais e nos valores explicitados na Carta Constitucional no que tange às
famílias e aos direitos da criança e do adolescente.
32
“A dor sofrida pelo filho, em virtude do abandono paterno, que o privou do direito à convivência, ao amparo
afetivo, moral e psíquico, deve ser indenizável, com fulcro no princípio da dignidade da pessoa
humana”. BRASIL, Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais. Apelação Cível n° 2.0000.00.408550-5/000,
Belo Horizonte, MG, 01 de abril de 2004. Disponível em: http://www5.tjmg.jus.br/jurisprudencia. Acesso em:
19.10.2012.
33
PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Responsabilidade civil por abandono afetivo. In: Revista Brasileira de Direito
das Famílias e Sucessões. v. 29 (ago/set. 2012). Porto Alegre: Magister ; Belo Horizonte: IBDFAM, 2012, p.
16.
34
BRASIL, Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Oitava Câmara Cível. Apelação Cível nº
70021427695, da Comarca de São Gabriel, Porto Alegre, RS, 29 de novembro de 2011. Disponível em:
http://www3.tjrs.jus.br/versao_impressao/imprimirjurisprudencia.php. Acesso em: 13.10.2012, às 15:00 horas.
35
BRASIL, Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, Oitava Câmara de Direito Privado. Apelação Cível n°
511.903-4/7-00, da Comarca de Marília, São Paulo, SP, 12 de março de 2008. Disponível em:
https://esaj.tjsp.jus.br/cjsg/getArquivo.do?cdAcordao=2513926&vlCaptcha=nMuMk. Acesso em: 10.10.2012, às
01:02 horas.
36
BRASIL, Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, Segunda Câmara de Direito Civil. Apelação Cível n°
2006.015053-0, da Comarca de São José, Florianópolis, SC, 10 de dezembro de 2012. Disponível em:
http://app6.tjsc.jus.br/jurisprucencia. Acesso em: 10.09.2012, às 22:38 horas.
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FLEITH, Brisa; ZANATTA, Maria de Lourdes Alves Lima. Abandono afetivo: possibilidade indenizatória
por danos morais. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e
Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.1, p. 245-261, 1º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc ISSN 2236-5044
Os novos valores e paradigmas lançados nas últimas duas décadas
parecem ter sido finalmente contemplados pela jurisprudência pretoriana, destoando
do antigo entendimento da perda familiar como única sanção cabível ao pai que
pratica o abandono afetivo. Agora, o norte é outro, plasmado na persecução dos
deveres constitucionais e nos princípios regentes do direito de família, o STJ parece
ter assimilado a ideia, o que se denota do recente e festejado julgado:
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. FAMÍLIA. ABANDONO AFETIVO.
COMPENSAÇÃO POR DANO MORAL. POSSIBILIDADE.
1. Inexistem restrições legais à aplicação das regras concernentes
à responsabilidade
civil
e
o
consequente
dever
de
indenizar/compensar no Direito de Família.
2. O cuidado como valor jurídico objetivo está incorporado no
ordenamento jurídico brasileiro não com essa expressão, mas com
locuções e termos que manifestam suas diversas desinências,
como se observa do art. 227 da CF/88.
3. Comprovar que a imposição legal de cuidar da prole foi
descumprida implica em se reconhecer a ocorrência de ilicitude
civil, sob a forma de omissão. Isso porque o non facere, que
atinge um bem juridicamente tutelado, leia-se, o necessário dever
de criação, educação e companhia – de cuidado – importa em
vulneração da imposição legal, exsurgindo, daí, a possibilidade
de se pleitear compensação por danos morais por abandono
psicológico.
4. Apesar das inúmeras hipóteses que minimizam a possibilidade de
pleno cuidado de um dos genitores em relação à sua prole,
existe um núcleo mínimo de cuidados parentais que, para além do
mero cumprimento da lei, garantam aos filhos, ao menos quanto à
afetividade, condições para uma adequada formação psicológica e
inserção social.
5. A caracterização do abandono afetivo, a existência de
excludentes ou, ainda, fatores atenuantes – por demandarem
revolvimento de matéria fática – não podem ser objeto de reavaliação
na estreita via do recurso especial.
6. A alteração do valor fixado a título de compensação por danos
morais é possível, em recurso especial, nas hipóteses em que a
quantia estipulada pelo Tribunal de origem revela-se irrisória ou
exagerada.
7. Recurso especial parcialmente provido.37
A necessária distinção entre o amor e o dever de cuidado é alvo de
argumentação da Ministra Relatora do STJ, Nancy Andrighi, rebatendo, inclusive,
37
BRASIL, Superior Tribunal de Justiça, Terceira Turma. Recurso Especial n º 1.159.242 – SP, Brasília, DF, 24
de
abril
de
2012.
Disponível
em:
https://ww2.stj.jus.br/processo/jsp/revista/abreDocumento.jsp?componente=ATC&sequencial=15890657&num_
registro=200901937019&data=20120510&tipo=5&formato=PDF. Acesso em 22. 10.2012, às 22:00 horas.
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FLEITH, Brisa; ZANATTA, Maria de Lourdes Alves Lima. Abandono afetivo: possibilidade indenizatória
por danos morais. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e
Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.1, p. 245-261, 1º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc ISSN 2236-5044
argumentos que tendiam pelo não reconhecimento desta espécie de reparação, pois
não haveria como impor o dever de amar ao pai, assim replicada pela magistrada:
O cuidado, distintamente [do amor], é tisnado por elementos
objetivos, distinguindo-se o amar pela possibilidade de verificação e
comprovação de seu cumprimento, que exsurge da avaliação de
ações
concretas:
presença;
contatos, mesmo
que
não
presenciais; ações voluntárias em favor da prole; comparações
entre o tratamento dado aos demais filhos – quando existirem
–, entre outras fórmulas possíveis que serão trazidas à apreciação
do julgador, pelas partes.
Em suma, amar é faculdade, cuidar é dever.
O argumento final, na qual a faculdade de cuidar, na sua mais
completa definição, não existe, mas sim é obrigação imposta, serve como luva ao
que
se
pretende
responder.
A
monetarização,
conforme
termo
utilizado
opostamente, em nada guarda relação com o fim das relações de afeto em favor das
relações familiares monetárias, pois, ao contrário, por meio da criação de categorias
jurídicas, como a responsabilidade civil, que imponham as sanções não fixadas pelo
legislador ordinário, são forma jurídica legítima de um Estado Democrático de Direito
fazer valer os direitos e garantias asseguradas à minorias desprotegidas, como as
crianças e adolescentes, sob pena de esta padecer de efetividade.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Não se pode, nem se tentaria exaurir a discussão em campo tão fértil como
o direito de família aliado a teoria da responsabilidade civil em sua órbita mais
complexa: nas relações familiares.
Impende, no entanto, destacar e considerar, à guisa de um desfecho que
demonstre o amor à práxis jurídica quando o tema em pauta é a responsabilidade
civil paterna, efetivamente considerada e afetivamente ocasionada. Por isso, é de se
destacar a importância que da evolução na doutrina familiarista, a mesma a qual
provocou o interesse pela pesquisa. Não existem, portanto, limites que atendam por
satisfatoriamente a demanda de agendas acadêmicas que prestigiem com destaque
o direito de família.
Mas aqui, em sede de considerações finais, tornou-se inegável o papel da
Constituição de 1988 na concluinte positiva para a pergunta inicial da presente
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FLEITH, Brisa; ZANATTA, Maria de Lourdes Alves Lima. Abandono afetivo: possibilidade indenizatória
por danos morais. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e
Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.1, p. 245-261, 1º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc ISSN 2236-5044
pesquisa. Sendo sim possível a indenização por danos morais no caso de abandono
afetivo, não menos destacável é que a Constituição Federal, sagrando a vitória dos
princípios da dignidade da pessoa humana e outros decorrentes de sua existência,
atuam como verdadeiros renovadores da ordem jurídica até então existente, mas
com resquícios jurídicos e sociais ainda sentidos.
Os deveres da paternidade responsável, aliado aos princípios da
convivência familiar como direito da criança, a festejada inserção do melhor
interesse da criança, são elementos que propiciaram a mudança de posicionamento
jurisprudencial em todo país, e que culminou com a recente decisão do STJ, como
verdadeiro coroamento na luta pela desmistificação de algumas questões, e a
derrocada da “paternidade voluntária”, até então em vigor, legal e moralmente.
Portanto, o descumprimento dos deveres relativos à paternidade dá azo, de
cunho do caso concreto, ao reclamo pela tutela jurisdicional no sentido de ver
reparados eventuais danos ocasionados de um abandono afetivo, em inobservância
aos deveres impostos ao pai. É que, ao contrário do que se pode pensar, não se
busca forçar o amor onde este inexiste, mas tratar de impor o dever do cuidado, na
aplicação do dever de afeto enquanto sentido que se engendra de um significado
mais abrangente, que tem como destinatário final a criança, e objetivo fundante, a
dignidade humana deste enquanto sujeito de direitos.
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BRASIL, Superior Tribunal de Justiça, Terceira Turma. Recurso Especial n º
1.159.242 – SP, Brasília, DF, 24 de abril de 2012. Disponível em:
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por danos morais. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e
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