III Fórum Distrital de Educação Profissional e Tecnológica Inclusiva Pensando com Hannah Arendt e Theodor Adorno sobre o papel da educação no enfrentamento das discriminações e das exclusões em sala de aula Professor Hiata Anderson Silva do Nascimento [email protected] Instituto Federal do Espírito Santo Campus Barra de São Francisco Expressões da diversidade humana A diversidade: entre a virtude e o defeito Considerações iniciais • O reconhecimento das diferenças e o respeito à diversidade em sala de aula, firmam-se como pontos centrais no enfrentamento de todas as formas de discriminação no espaço escolar. • A educação em sua versão inclusiva constitui-se num importante suporte para a construção de uma sociedade mais humana, democrática e solidária. • Não há conhecimento neutro. Todo conhecimento é produzido num determinado contexto histórico, no qual forças sociais em disputa agem no sentido de definir as fronteiras entre a ‘normalidade’ e a ‘anormalidade’. • O currículo é um ‘território’ permeado por relações de poder. A partir do pensamento de Hannah Arendt e Theodor Adorno, pretende-se discutir o potencial da educação no enfrentamento e desconstrução dos processos de exclusão presentes no ambiente escolar. Arendt, 1906-1975 A banalidade do mal e autônoma do pensamento. a atividade A barbárie e a autonomia/capacidade individual de reflexão, autodeterminação e não participação. Adorno, 1903-1969 Arendt e sua perspectiva • Compreender as condições que imprimiram à educação um significado público. • Iniciar os ‘novos’ num mundo comum e público de heranças simbólicas e de realizações materiais. • “É por meio da educação que cada comunidade introduz as novas gerações em seu modo específico de existência.” (Almeida, 2011:20). A valorização da singularidade de cada pessoa! • Hannah Arendt nos ajudará a pensar sobre os desafios postos à construção de uma prática educativa que esteja efetivamente comprometida com a formação de um espaço público, marcado pela pluralidade e pela convivência entre as diferentes perspectivas de mundo, todas igualmente visíveis e com direito de exercer a cidadania. • Trata-se de uma educação que estimula o pensamento e o compromisso com a vida em todas as suas formas. Pensar a escola como campo de possibilidades para o convívio com a diferença em condições de acolhimento e de respeito. Liberdade e educação. • A essência da educação para Arendt é a natalidade, o fato de todos os dias novos seres humanos chegam ao mundo. • Um novo ser na vida é um novo ser no mundo. • A natalidade indica a entrada do novo humano no mundo das realizações materiais e simbólicas de uma cultura, bem como a esperança de sua renovação. A educação e o acolhimento. Liberdade e educação • “A potencial liberdade do ser humano, a capacidade de iniciar algo inesperado”; • “A necessidade de acolher os novos num espaço comum que é mais velho do que eles e a urgência em se ‘arrumar’ esse mundo.” “A liberdade depende da singularidade de cada pessoa.” “A educação pode propiciar às crianças e aos jovens a possibilidade de desenvolverem a sua singularidade.” A exclusão social: um impedimento do exercício das potencialidades humanas. Excluir é impedir ou dificultar a inclusão. “A educação é necessária não apenas para preparar as crianças para a vida e suas necessidades, mas principalmente porque temos de fomentar a possibilidade de sua participação no mundo comum.” (Almeida, 2011:27) • O duplo compromisso do professor: Zelar pela durabilidade do mundo formado por suas tradições simbólicas, bem como acolher e iniciar os/as alunos/as nessa herança. Cuidar para que os ‘novos’ possam se inteirar e se integrar a essa herança pública e comum, cujo acesso só é possível por meio da educação. “[...] a sala de aula ratifica a expulsão do pensamento autônomo.” Theodor Adorno. Adorno e sua perspectiva Theodor Adorno, por sua vez, irá nos dar suporte para pensarmos a educação como espaço para a crítica da ideologia vigente e da violência simbólica presentes em diversos espaços da vida. Trata-se de uma concepção de educação conectada com o combate à violência; uma educação formadora de indivíduos autônomos, democráticos e emancipados. Em Adorno podemos vislumbrar as possibilidades de uma educação vista como ação civilizadora, um contraponto à barbárie que caracteriza a nossa sociedade; uma educação que enfrente todas as formas de preconceito e discriminação, ao promover a identificação entre estudantes e professores/as, ‘diferentes’ e ‘iguais’. A educação deve se voltar para a criação de um clima cultural contrário às violências, o que pode ser feito por meio de atividades pedagógicas que não priorizem as necessidades de ascensão social dos/as estudantes e suas famílias, mas a formação para a vida. Pensar a educação a partir de pontos levantados por Adorno é, certamente, algo complexo, mas, sobretudo, desafiador, na medida em que nos faz olhar para o entorno da escola, uma sociedade marcada pelo medo, na qual o diferente é visto como ameaçador, como alguém que subverte valores e o ponto de conforto de muitos; e como tal, esse diferente - visto sob o signo da ameaça e da abjeção - precisa ser eliminado. Uma educação que valorize os afetos, a sensibilidade, a dinâmica da vida em seu cotidiano, que reconheça na diversidade – seja ela religiosa, política, étnica, sexual, de lugares de residência ou nascimento etc – a mais humana de todas as características do ser humano. Uma educação contra a barbárie. Uma educação a favor da inserção. Pensar numa proposta pedagógica centrada na inclusão de todos/as aqueles/as que foram classificados pela lógica do sistema como ‘imprestáveis’, ‘fracassados’, ‘obsoletos’, ‘problemáticos’, ‘doentes’, ‘anormais’, ‘degenerados’, ‘estéreis’, ‘improdutivos’ etc. Pela formação de sujeitos capazes de resistir aos processos de dominação. A educação como resistência à dominação • “[...] seu desafio para que a educação possa ser capaz de criar as bases para a construção de uma sociedade livre da barbárie continua como um imperativo para a sociedade atual.” (Vilela, 2006). • Adorno prenuncia a defesa de um conhecimento que leve em consideração a cultura de todos os grupos sociais e que se oriente pela vida digna no planeta. • Falar em educação inclusiva implica em se assumir publicamente a função de denúncia que tal perspectiva deve ser portadora; denúncia das relações de poder presentes no espaço da escola e que, em continuidade à lógica social mais ampla, exclui e inferioriza segmentos sociais inteiros, atribuindo-lhes uma subjetividade/identidade inferior e subalterna, cujo reconhecimento de sua plena humanidade fica comprometido. • À luz do pensamento de Adorno, a exclusão do ‘diverso’, típica dos modelos mais tradicionais de educação, representa uma espécie de violência que se perpetua no espaço da escola. Daí a necessidade de pensarmos a inclusão com base nessa proposta teórica. • A exclusão é uma forma de opressão. Uma necessidade: que os/as educadores/as compreendem as conexões entre a escola e o que é produzido fora dela. A ‘justiça curricular’ como prática pedagógica: a) Ver e entender os interesses dos que são menos favorecidos; b) Criar experiências e condições para que tais interesses tenham espaço na escola; c) Mais do que tolerância, reconhecimento de tais interesses; d) Direito a uma escolarização comum e de qualidade igual e com significado social; e) A escola deve ter como meta a construção da equidade social. A escola deve perseguir como meta o desvendamento dos mecanismos de dominação e de como são produzidos os processos de segregação, de racismo e de xenofobia, de como eles operam dentro das escolas, de como eles conduzem à banalização dos problemas decorrentes da injustiça social e como esses processos continuam a produzir segregação e seleção, apesar da propagação do discurso próinclusão. Essa é a condição necessária para mudar a escola de hoje. Vilela (2006) “Para Adorno, esclarecimento é capacidade de ‘sem medo, poder ser e agir diferente’ (do estabelecido como norma, sem reflexão).” “Nessa dimensão, a escola inclusiva deve ser o universo de igualdade, de respeito e de trocas mútuas.” (Vilela, 2006). Reconsiderar o sentido das diferenças, para que elas não se tornem desigualdades. Os/As educadores/as devem reconhecer que não se forma consciência emancipada sem a vivência do projeto de resistência e sem entender as raízes históricas da alienação. Valorização da subjetividade/individualidade, sem as quais o desenvolvimento de relações de respeito e tolerância ficam comprometidos. • Os perigos da burocratização do trabalho do/a professor/a. • O/A professor/a possui uma missão social de extrema relevância no processo de construção de uma escola inclusiva. • Devemos nos lembrar que a racionalidade que tornou possível o Holocausto, não desapareceu. Devemos considerar o aparecimento de novos ódios e novas discriminações. Apontamentos finais e provisórios • O conhecimento é uma atividade humana. Ele não é neutro. Há uma forte relação entre conhecimento e poder. • “A educação é uma prática social, em que são expressos os mais diversos valores, crenças e atitudes. [...], ou seja, o que se ensina, e como se ensina, pode reforçar ou desestabilizar hierarquias e formas de dominação, discriminação, exclusão.” (Carrara, 2010). • Dar voz aos sem direito à palavra. • Estar atento aos processos educativos, que ocorrem no espaço da escola, além do que é ensinado pela transmissão do conteúdo programático. “Se a escola tem uma antiga trajetória normatizadora e homogeneizadora, reproduzindo as desigualdades, tal trajetória precisa ser revista.” (Carrara, 2010). “[...] a promoção da equidade, por meio da educação, só terá condições de se concretizar se, no espaço da escola, houver aceitação do novo. E também, a reflexão crítica sobre a prática, pesquisa e curiosidade; a disponibilidade para o diálogo e o comprometimento; a compreensão de que a educação é uma forma de intervenção no mundo.” (Carrara, 2010) Referências ALMEIDA, Vanessa Sievers de. Educação em Hannah Arendt: entre o mundo deserto e o amor ao mundo. S. Paulo : Cortez, 2011. ARENDT, H. As origens do totalitarismo. São Paulo: Cia. das Letras, 1989. ARENDT, Hannah. A crise na educação. In: Entre o passado e o futuro. São Paulo: Perspectiva, 2001, p. 238-9. CARRARA et al. Curso de especialização em gênero e sexualidade [Disciplina 1]. Rio de Janeiro : Cepesc; Brasília : Secretaria Especial de Políticas para Mulheres, 2010. ESCOREL, Sarah. Exclusão social: fenômeno totalitário na democracia brasileira. In: Saúde e sociedade. São Paulo, 2(1), 41-57, 1993. Revista de Educação: Hannah Arendt pensa a educação. São Paulo: Segmento, n.4, 2006, pp.46-55. Revista de Educação: Adorno pensa a educação. São Paulo : Segmento, n. 10, 2006. VILELA, Rita Amélia Teixeira. A teoria crítica da educação de Theodor Adorno e sua apropriação para análise das questões atuais sobre currículo e práticas escolares [Relatório Final de pesquisa]. Belo Horizonte : PUC, 2006.