Imagem da Semana: Radiografia de tórax Figura: Radiografia de tórax em PA. Enunciado Paciente masculino, 30 anos, natural e procedente de Belo Horizonte, foi internado no Pronto Atendimento do HC-UFMG com quadro de anasarca. Há 7 meses, cursa com episódios de dispneia aos pequenos esforços e mais recentemente edema de membros inferiores, ambos com piora progressiva. História de tabagismo, uso de drogas ilícitas não injetáveis e etilismo pesado desde os 16 anos. Nega hemotransfusão. Para avaliação, foi solicitada radiografia de tórax. Com base na história clínica e no exame de imagem, o diagnóstico mais provável é: a) b) c) d) Miocardiopatia induzida por estresse Sarcoidose Miocardiopatia alcoólica Miocardiopatia chagásica Análise da imagem Radiografia do tórax em incidência póstero-anterior evidencia aumento importante da área cardíaca (sombra vermelha), confirmado por Índice Cardiotorácico (ICT) muito superior a 50%, dilatação das câmaras cardíacas, sobretudo do ventrículo esquerdo, imagem opaca de marcapasso implantado em porção superior de hemitórax D (sombra amarela), opacidade homogênea em base pulmonar direita (sombra verde) correspondendo a congestão e derrame pleural à direita. Diagnóstico Os aspectos epidemiológicos do caso como história importante de alcoolismo, sexo masculino, diagnóstico entre 30-60 anos de idade, ausência de dados positivos para outra etiologia de miocardiopatia dilatada (chagásica por exemplo), fala a favor da hipótese de miocardiopatia alcoólica. Geralmente, a procura de atendimento é tardia, quando já há comprometimento acentuado da função cardíaca, com manifestações de insuficiência cardíaca congestiva (ICC) – dispneia aos pequenos esforços, ortopneia, dispneia paroxística noturna, edema de membros inferiores, entre outras. A sarcoidose pode apresentar miocardiopatia dilatada dependendo da localização e da extensão da inflamação granulomatosa. No entanto, outras manifestações cardíacas também são esperadas, como anormalidades de condução, arritmias ventriculares e supraventriculares, pericardite e disfunção valvar. Deve-se suspeitar da doença em jovens ou adultos de meia idade, previamente hígidos, apresentando sintomas cardíacos, associados a múltiplos elementos sistêmicos, principalmente o acometimento pulmonar. A miocardiopatia induzida por estresse é incomum, porém apresenta aumento de sua incidência como causa de síndrome coronariana aguda com supra de ST ocorrendo na ausência de doença crítica das artérias coronárias. É geralmente precipitada por estresse psicológico intenso e ocorre principalmente em mulheres após a menopausa. O achado característico é o balonamento apical observado no ventrículo esquerdo. O comprometimento hemodinâmico é frequente, mas a maioria dos pacientes se recupera completamente após 1-4 semanas. Na miocardiopatia chagásica observa-se aumento global do coração e manifestações de ICC. No entanto, a procedência do paciente e a ausência de hemotransfusões diminuem a probabilidade diagnóstica dessa etiologia de miocardiopatia dilatada, uma vez que os dois principais meios de transmissão da doença – vetorial e hemática – são, neste caso, improváveis. De modo bem mais restrito e menos expressivo, há a via oral de transmissão do parasita pela ingestão de alimentos contaminados como produtos derivados do açaí. Discussão do caso O consumo excessivo agudo ou crônico de álcool pode levar à lesão estrutural e funcional do miocárdio. O risco de desenvolver a miocardiopatia alcóolica é documentado tanto para o consumo médio diário de álcool quanto para a duração do hábito. No entanto, a susceptibilidade individual é fundamental como fator causal, ainda que seus fatores determinantes e a patogênese da doença não sejam completamente estabelecidos. Existem diversos possíveis mecanismos através dos quais o consumo de álcool poderia causar direta ou indiretamente danos ao miocárdio, sendo os principais: 1. apoptose induzida por etanol, provocando perda de cardiomiócitos; 2. efeito tóxico agudo e transitório da performance cardíaca, resultando em contração prejudicada do miocárdio; 3. ativação do sistema renina-angiotensina e 4. Deficiência nutricional. Estudos de prevalência mostram que a doença acomete ambos os sexos, porém a mulher é mais susceptível que o homem, necessitando menor consumo e duração do hábito para os efeitos da cardiotoxicidade alcoólica. O paciente com miocardiopatia alcoólica apresenta quadro clínico semelhante aos encontrados em pacientes com miocardiopatia dilatada de qualquer etiologia. Os sintomas podem se desenvolver de maneira insidiosa, embora alguns pacientes possam apresentar sintomas de ICC esquerda de maneira aguda. Dispneia, ortopneia e dispneia paroxística noturna são achados frequentes, enquanto palpitações e síncope são ocasionais. A angina não é comum, a menos que coexista doença de artéria coronária ou estenose aórtica associada. Ao exame físico, observam-se pulsos finos, geralmente com pressão diastólica elevada, secundária a vasoconstrição periférica excessiva. Presença de bulhas acessórias com ritmo de galope e de murmúrio sistólico apical de regurgitação mitral, secundário à dilatação das câmaras esquerdas sobretudo a ventricular, podem ser encontrados à ausculta. Assim como em outras miocardiopatias dilatadas, arritmias e distúrbios da condução do estímulo elétrico podem estar presentes. O diagnóstico é baseado na história de consumo prolongado e importante de álcool, nos sinais e sintomas de insuficiência cardíaca descritos e pode ser confirmado por métodos invasivos e não invasivos, como a biópsia endomiocárdica – raramente utilizada – e ecoDopplercardiograma, cujos achados típicos são dilatação ventricular esquerda e fração de ejeção reduzida. Casos mais avançados têm disfunção biventricular. A recuperação da função cardíaca pode ocorrer, caso a doença seja diagnosticada precocemente e o consumo da bebida seja reduzido ou abolido. Portanto, abstinência do consumo de álcool é o cerne do tratamento. Aspectos relevantes - A Miocardiopatia alcoólica é uma condição cardíaca relativamente incomum e de fisiopatologia pouco conhecida. - É uma condição potencialmente reversível, sendo que a recuperação da função ventricular tem sido observada em pacientes que passaram por privação precoce da ingestão de bebida alcoólica. - História de consumo abusivo de álcool deve ser sempre investigada em pacientes com sintomatologia compatível com ICC sem causa definida. Referências - Brasileiro-Filho G. Bogliolo Patologia. 8a Edição. Rio de Janeiro: Ed. Guanabara Koogan; 2011. - Rafie IM, Colucci WS. Alcoholic cardiomyopathy. UpToDate 2012. Disponível em: http://www.uptodate.com/contents/alcoholic-cardiomyopathy. - Gonçalves AM, Correia AM, Falcão LM, Ravara AL. Miocardiopatia alcoólica – significado clínico e prognóstico. Rev. Soc. Port. Medicina Interna, v. 12, n. 2, Abr/Jun 2005. Responsáveis - André Aguiar Souza Furtado de Toledo, acadêmico do 7o período de Medicina da FMUFMG. E-mail: [email protected] - Stella D’Ávila de Souza Ramos, acadêmica do 7o período de Medicina da FM-UFMG.Email: [email protected] Orientador - Profa. Silvana de Araújo Silva, professora do Departamento de Clínica Médica da FMUFMG. E-mail: silvanadearaujosilva[arroba]hotmail.com Revisores Fernando Henrique Lemos e Juan Santos