Oftalmologia - Vol. 36: pp.165-170
Artigo Original
Biomicroscopia Ultrassónica de Alta Frequência
após Esclerectomia Profunda
Maria João Furtado1, Isabel Sampaio2, Maria Antónia Costa2, Maria Eduarda Matos3,
Carlos Aguiar4, Maria João Menéres5
Interna Complementar de Oftalmologia do Serviço de Oftalmologia do Hospital de Santo António, Centro Hospitalar do Porto
2
Assistente Hospitalar Eventual do Serviço de Oftalmologia do Hospital de Santo António, Centro Hospitalar do Porto
3
Técnica superior de Saúde Comunitária do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar. Mestre em Saúde Pública
4
Director do Serviço de Oftalmologia do Hospital de Santo António, Centro Hospitalar do Porto
5
Assistente Hospitalar Graduada. Coordenadora da Secção de Glaucoma do Serviço de Oftalmologia do Hospital de Santo António,
Centro Hospitalar do Porto
1
RESUMO
Objectivo: Análise dos resultados das esclerectomias profundas com viscocanalostomia e implante de colagénio Aquaflow® (Staar Surgical) realizadas no Serviço de Oftalmologia do Hospital de Santo António, Centro Hospitalar do Porto, entre Setembro de 2010 e Abril de 2011, e
caracterização do local da esclerectomia profunda por biomicroscopia ultrassónica de alta frequência, de forma a determinar se algum dos parâmetros ultrassonográficos avaliados tem valor
preditivo do sucesso cirúrgico.
Material e Métodos: Foram estudados 17 olhos de 13 doentes consecutivos com Glaucoma
de Ângulo Aberto refractário à terapêutica médica, submetidos a esclerectomia profunda com
viscocanalostomia e implante de colagénio Aquaflow® (Staar Surgical) entre Setembro de 2010
e Abril de 2011. Todos os doentes foram submetidos a um exame oftalmológico completo no pré
e pós-operatório e a biomicroscopia ultrassónica de alta frequência entre a quarta e a sexta semana do pós-operatório. As imagens foram obtidas com a sonda de 50MHz e foram analisados os
seguintes parâmetros no local da esclerectomia: altura máxima do espaço intraescleral, máxima
dimensão radial e transversa do espaço intra-escleral (a partir das quais foi calculado o volume),
presença e tipo de ampola de filtração subconjuntival, menor espessura da membrana trabeculo-descemética e a presença de espaço hipoecogénico supraciliar.
Resultados: O tempo médio de seguimento no pós-operatório foi de 5,75 meses. No final do
seguimento, a pressão intra-ocular (PIO) média foi de 15,65 mmHg, o que significa uma redução média de 35,3%. 94,1% dos olhos operados apresentaram uma PIO inferior ou igual a
20,00mmHg, sendo que destes 37,5% necessitaram de intervenção terapêutica adicional para
controle da PIO. Relativamente à avaliação por biomicroscopia ultrassónica, obteve-se um volume médio do espaço intrascleral de 4,54mm3 e uma espessura média da MTD de 0.16mm. Em
65% dos olhos detectou-se a presença de um espaço supraciliar hipoecogénico. Nesta série de
doentes não houve nenhum caso de perfuração da MTD.
Conclusão: A esclerectomia profunda com viscocanalostomia e implante de colagénio é uma
técnica segura e eficaz no tratamento do Glaucoma refractário à terapêutica médica. A biomicroscopia ultrassónica de alta frequência é um exame não invasivo que permite fazer o estudo
morfológico do local da esclerectomia, assim como dos mecanismos de drenagem responsáveis
pela redução da PIO, parecendo existir uma correlação importante entre os achados clínicos e
ultrassonográficos no pós-operatório.
Palavras-chave
Esclerectomia Profunda, Biomicroscopia ultrassónica de alta frequência.
Vol. 36 - Nº 2 - Abril-Junho 2012 |
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Maria João Furtado, Isabel Sampaio, Maria Antónia Costa, Maria Eduarda Matos, Carlos Aguiar, Maria João Menéres
INTRODUÇÃO
Actualmente, no tratamento cirúrgico do Glaucoma de
Ângulo Aberto (GAA) assiste-se a uma preocupação crescente em utilizar técnicas não apenas eficazes, como também cada vez mais seguras. A esclerectomia profunda (EP),
enquanto procedimento filtrante, não penetrante, tem sido
cada vez mais usada, em detrimento da trabeculectomia,
gold-standard do tratamento cirúrgico do GAA1. A EP preserva a integridade da câmara anterior e não requer a realização de iridectomia. Deste modo, parece condicionar um
menor grau de inflamação no pós-operatório, assim como
uma menor taxa de complicações relacionadas com a hiperfiltração e hipotonia1,2.
O conceito de cirurgia de glaucoma filtrante, não penetrante, foi lançado por Epstein, na África do Sul, nos anos
50, que realizou, em doentes com Glaucoma, uma esclerectomia profunda a 180 graus ao nível da esclera paralímbica1,3. Posteriormente, no final dos anos 80, Fyodorov e
Koslov introduziram pela primeira vez a técnica da esclerectomia profunda, semelhante à que ainda hoje é realizada.
Em termos teóricos, na EP, a drenagem de humor aquoso é
favorecida pela remoção da parede interna do canal de Schlemm e da rede trabecular justacanalicular, estruturas que
oferecem a maior resistência ao fluxo de humor aquoso no
GAA4. A filtração é facilitada, mas ocorre de forma controlada para um espaço intraescleral, através de uma membrana
fina, a membrana trabeculo-descemética5. Perante uma reduzida taxa de sucesso aos 6 meses, atribuída a mecanismos
complexos de fibrose, Koslov desenvolveu um implante de
colagénio que visava manter a patência do espaço intraescleral criado aquando da esclerectomia, de forma a garantir
a filtração a médio e longo prazo1,6. Desde então, na tentativa
de melhorar a eficácia da cirurgia a longo prazo, foram descritas variantes da EP em que se utilizavam antimetabolitos,
para reduzir a fibrose pós-operatória, ou implantes esclerais,
para manter o espaço ou lago escleral patente5,7.
Nos anos 90, Stegmann introduziu a técnica da viscocanalostomia, na qual se procede à dilatação das extremidades
de corte do canal de Schlemm, reforçando o efeito filtrante
da esclerectomia isolada1,8. Pouco tempo depois, Mermoud e
Chiou começaram a utilizar sistematicamente nas suas EP, o
implante de colagénio Aquaflow® (Staar Surgical), relativamente ao qual publicaram excelentes resultados1,4,9.
A biomicroscopia ultrassónica de alta frequência (UBM)
é um exame não invasivo que permite uma avaliação anatómica detalhada do segmento anterior10. Além da visualização em pormenor de estruturas também observadas pelos
métodos convencionais (ex: lâmpada de fenda), permite a
obtenção de imagens de alta resolução de estruturas como
o ângulo iridocorneano, corpo ciliar e zónula10. Na cirurgia
de glaucoma, em particular na EP, a UBM permite estudar
os mecanismos responsáveis pela redução da PIO no pós-operatório, assim como caracterizar morfologicamente o
local da esclerectomia7.
166
| Revista da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia
Neste estudo, pretende analisar-se os resultados das esclerectomias profundas com viscocanalostomia e implante
de colagénio Aquaflow® (Staar Surgical), realizadas no Serviço de Oftalmologia do Hospital de Santo António, Centro
Hospitalar do Porto, entre Setembro de 2010 e Abril 2011,
assim como caracterizar o local da esclerectomia profunda
por biomicroscopia ultrassónica de alta frequência, de forma
a determinar se algum dos parâmetros analisados tem valor
preditivo do sucesso cirúrgico.
MATERIAL E MÉTODOS
O presente estudo inclui 17 olhos de 13 doentes consecutivos, com GAA refractário à terapêutica médica, submetidos a EP com viscocanalostomia e implante de colagénio
Aquaflow® (Staar Surgical) entre Setembro de 2010 e Abril
de 2011.
Dados clínicos e demográficos
Género
Raça
Caucasiana
Idade média, anos
7 ♂/ 6 ♀
13
66,9 (max 84; min 29)
Cirugias prévias
Trabeculectomia
Esclerectomia profunda
3
1
Follow-up médio, meses
5,75 (max 10, min 3)
PIO pré-operatória
média em mmHg
Nº fármacos (média)
Pré-operatório
Pós-operatório
Diagnóstico
Glaucoma Primário de Ângulo
Aberto (GPAA)
Glaucoma Pseudoexfoliativo (GPEX)
Glaucoma pós silicone endocular
Mitomicina C
(0,33mg/mL subconjuntival)
24,19 (max 30; min 18)
3,10 (max 4, min 2)
0,53 (max 2, min 0)
10
6
1
17
Definiu-se como Glaucoma refractário à terapêutica médica a presença de progressão do dano glaucomatoso nos
campos visuais e/ou na morfologia do disco óptico, em doentes sob terapêutica anti-glaucomatosa tópica (≥ 2 fármacos).
Todas as cirurgias foram realizadas pelo mesmo cirurgião (MJM), que utilizou uma técnica sobreponível em todos os olhos. A EP foi realizada sob bloqueio peribulbar em
13 olhos e sob anestesia geral nos restantes 4 olhos.
Biomicroscopia Ultrassónica de Alta Frequência após Esclerectomia Profunda
Os doentes foram submetidos a um exame oftalmológico
completo (MAVC, biomicroscopia, tonometria de aplanação de Goldmann e fundoscopia) no pré e no pós-operatório
(D1, D7, D30, mensalmente até aos 3 meses e depois de 3
em 3 meses). A gonioscopia foi realizada em todos os doentes pré-operatoriamente.
Após a cirurgia, todos foram medicados com um antibiótico tópico quinze dias, um corticóide tópico durante um mês
e um anti-inflamatório não esteróide (AINE) tópico 6 meses.
Entre a quarta e sexta semanas do pós-operatório, procedeu-se à avaliação do local da EP por UBM, com o biomicroscópio ultrassónico VuMax®II (Escalon sonomed). As
imagens foram obtidas com a sonda de 50MHz e foram analisados os seguintes parâmetros no local da esclerectomia:
altura máxima do espaço intraescleral (EIE), maior dimensão
radial do EIE, maior dimensão transversa do EIE, menor espessura da membrana trabeculo-descemética (MTD), presença de espaço hipoecogénico supraciliar/supracoroideu e,
finalmente, presença e tipo de ampola de filtração subconjuntival, de acordo com a classificação de Yamamoto16. O volume do EIE foi calculado pelo produto das suas dimensões (altura x maior dimensão radial x maior dimensão tranversa)14.
Definiu-se como sucesso cirúrgico a presença de uma
pressão intraocular (PIO) inferior ou igual a 20,00mmHg
durante todo o seguimento, sem necessidade de terapêutica
tópica ou intervenção cirúrgica adicional. Os 17 olhos operados foram divididos em 2 grupos: com sucesso cirúrgico e
sem sucesso cirúrgico, em função do valor da PIO ao longo
do seguimento.
Na análise estatítica dos resultados, utilizou-se o programa SPSS versão PASW Statistics 18.
Tabela 1 |
RESULTADOS
Em 58,8% (n=10) dos olhos operados, obteve-se uma
PIO inferior ou igual a 20,00mmHg ao longo do seguimento, sem necessidade de medicação ou intervenção cirúrgica adicional (grupo com sucesso). Dos 7 olhos que nalgum
momento do seguimento atingiram uma PIO superior a
20,00mmHg (grupo sem sucesso), 5 foram controlados com
terapêutica anti-glaucomatosa tópica [≤ 2 medicamentos;
PIO média final com medicação 16,20 mmHg; max 18,00;
min 14,00], 1 olho foi submetido a goniopunção com LASER Nd: YAG [PIO final 13mmHg, sem medicação] e 1
olho foi proposto para implante de dispositivo de drenagem
(válvula de Ahmed).
Globalmente, 94,1% (n=16) dos olhos apresentaram
uma PIO inferior ou igual a 20,00mmHg no fim do seguimento, sendo que destes 31,25% (n=5) iniciaram medicação
antiglaucomatosa tópica no período pós-peratório e 1 olho
(6,25%) foi submetido a goniopunção Nd:YAG.
No final do seguimento, a PIO média da amostra foi de
15,65 mmHg [max 26,00; min 10,00], o que traduz uma redução média de 35,3%. Não se constatou um impacto significativo da EP na acuidade visual.
No que diz respeito aos resultados da avaliação por biomicroscopia ultrassónica (tabela 2 e 3, figura 1), verificou-se
a existência de uma correlação estatisticamente significativa (p< 0,05) entre o sucesso funcional e a maior dimensão
radial e transversa do EIE, assim como com o seu volume
(gráficos 1, 2 e 3). Não foi encontrada uma correlação estatisticamente significativa entre a altura da EIE e a redução da
PIO, assim como entre a espessura da MTD e a redução da
Valores descritivos da PIO (em mmHg)
Sem sucesso (n=7)
Variável
Com sucesso (n=10)
Média
Mediana
Mínimo
Máximo
Média
Mediana
Mínimo
Máximo
PIO pré-operatória
24,00
25,00
18,00
28,00
24,33
23,00
21,00
30,00
PIO no fim do 1º mês
pós-operatório
18,86
18,00
14,00
24,00
13,33
14,00
8,00
16,00
PIO no fim do seguimento
17,14
16,00
13,00
26,00
14,60
15,00
10,00
20,00
Tabela 2 |
Valores descritivos das variáveis ultrassonográficas em análise (em mm)
Sem sucesso
Com sucesso
Variável
Média
Mediana
Mínimo
Máximo
Média
Mediana
Mínimo
Máximo
MTD
0,18
0,19
0,12
0,25
0,14
0,14
0,12
0,16
Esp IE altura
0,66
0,64
0,39
1,04
0,72
0,78
0,00
0,96
Esp IE radial
2,04
1,95
0,97
2,88
2,83
3,05
0,00
4,35
Esp IE transverso
1,80
1,68
1,32
2,30
2,16
2,33
0,00
2,92
Volume EIE
2,76
2,02
0,69
6,53
6,02
5,95
4,15
7,36
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Maria João Furtado, Isabel Sampaio, Maria Antónia Costa, Maria Eduarda Matos, Carlos Aguiar, Maria João Menéres
Tabela 3 |
Comparação dos dois grupos sem sucesso versus
com sucesso: Teste U de Mann-Whitney
Variável
Z
P
MTD
-1,731
0,08
Esp IE altura
-1,007
0,31
Esp IE radial
-2,197
0,03
Esp IE transverso
-2,099
0,04
Volume E IE
-2,662
0,008
Gráf. 2 | Maior dimensão transversa do espaço intraescleral no
grupo sem sucesso versus com sucesso (em mm).
Fig. 1 | Biomicroscopia ultrassónica do local da esclerectomia
profunda (5ª semana pós-operatória). Seta branca – EIE;
seta azul – MTD; seta vermelha – Espaço supraciliar.
Gráf. 3 | Maior dimensão radial do espaço intraescleral no grupo
sem sucesso versus com sucesso (em mm).
Gráf. 1 | Volume do espaço intraescleral no grupo sem sucesso
versus com sucesso (mm3).
PIO, apesar do valor médio da espessura da MTD no grupo
com sucesso cirúrgico ser inferior [0,14mm vs 0,18mm].
Em 64,7% (n=11) dos olhos encontrou-se um espaço
supraciliar hipoecogénico na UBM, mas não foi possível
estabelecer uma relação com significado estatístico entre a
presença do mesmo e o sucesso funcional.
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Dado o tamanho reduzido da amostra, não foi possível
relacionar o tipo de ampola subconjuntival com o sucesso
funcional. Nove olhos apresentavam uma ampola do tipo L
(low reflective), 3 olhos do tipo H (high reflective), 2 olhos
do tipo E (encapsulated), 1 olho do tipo F (flattened) e em
2 olhos não se encontrou uma ampola subconjuntival individualizada .
Nesta série de doentes não se registou nenhum caso de
perfuração da MTD no per-operatório, assim como de hipotonia pós-operatória. Em 2 doentes, constatou-se a presença de um tyndall hemático no 1º dia do pós-operatório que
veio a resolver sem intervenções adicionais.
Biomicroscopia Ultrassónica de Alta Frequência após Esclerectomia Profunda
DISCUSSÃO
A taxa de sucesso da EP descrita na literatura é variável. Parece melhorar significativamente quando associada à
utilização de dispositivos, como os implantes de colagénio,
que visam manter a patência do espaço intra-escleral11,12,13, e
à viscocanalostomia8. A importância da “patência do espaço intra-escleral” foi comprovada por Roters que descreveu
uma correlação positiva, estatisticamente significativa, entre o controle da PIO e a presença de espaço intra-escleral,
independentemente das suas dimensões14.
Na nossa amostra, a taxa de sucesso da EP com implante
de colagénio e viscocanalostomia foi de 58,8% , valor em
concordância com os resultados publicados, nomeadamente por Shaarawy e Khairy que obtiveram taxas de sucesso
completo (isto é, sem medicação antiglaucomatosa) respectivamente de 57 e 59%, ainda que a longo prazo. Se considerarmos os olhos com PIO ≤20,00mmHg, submetidos ou
não a terapêutica anti-glaucomatosa tópica/goniopunção
pós-operatória, a taxa de sucesso na nossa amostra aumenta
para 94,1% (na literatura superior a 90%)11,13,15. A redução
média da PIO de 35,3% também está de acordo com os resultados publicados15.
A ausência de impacto da EP na acuidade visual parece
estar relacionada com a ausência de penetração na câmara
anterior, com consequente menor inflamação e menor tendência para a formação de catarata4.
A EP é uma técnica com uma curva de aprendizagem longa. As microperfurações da MTD representam a complicação
intra-operatória mais frequente e numa fase inicial podem
ocorrer em 30% dos casos. Nas mãos de um cirurgião experiente esta é uma situação rara que ocorre em menos de 3%
das cirurgias11. Não se registaram microperfurações da MTD
no presente estudo. O facto de não terem igualmente ocorrido
situações de atalamia, câmara anterior baixa ou hipotonia no
pós-operatório vem dar ênfase ao excelente perfil de segurança desta técnica cirúrgica, já relatado por diferentes autores,
resultante da filtração controlada de humor aquoso1,7,8,11,13,14,16.
O grupo de Sharaawy reportou uma taxa de tyndall hemático
de 8,5% no pós-operatório imediato, atribuido ao refluxo de
sangue do leito escleral, via trabéculo, para a câmara anterior
ou a microperfurações da MTD não detectadas11. Na nossa
série, esta complicação ocorreu em 11,8 % (n=2) dos olhos.
Na literatura, estão descritos vários mecanismos responsáveis pelo aumento da filtração de humor aquoso após EP
com implante de colagénio e viscocanalostomia. Entre eles,
destaca-se7,17:
1. a criação de uma ampola de filtração subconjuntival
2. a remoção segmentar de tecido trabecular justacanalicular e do canal de Schlemm (com dilatação das
respectivas extremidades na viscocanalostomia), local de maior resistência à drenagem do humor aquoso no GAA
3. a filtração para o espaço supracoroideu/supraciliar
com aumento do fluxo uveoscleral
4. o crescimento de novos vasos no EIE que vão “absorver” humor aquoso
5. a projecção do trabéculo residual para o espaço intra-escleral com consequente alargamento dos espaço
cribiformes trabeculares (mecanismo semelhante ao
da trabeculoplastia selectiva)
A combinação dos vários mecanismos pode assegurar
uma redução da PIO mais acentuada, comparativamente à
trabeculectomia standard4.
Neste estudo a avaliação por biomicroscopia ultrassónica,
revelou a presença de um EIE hipoecogénico em todos os olhos
operados, patente entre a quarta e sexta semana do pós-operatório. Foi encontrada uma relação inversamente proporcional
entre a PIO pós-operatória e o volume e dimensões radial e
transversa do EIE, com significado estatístico; ou seja, quanto
maior o valor destas variáveis, menor a PIO pós-operatória.
Este espaço hipoecogénico intraescleral, também designado
por lago intrascleral, é referido por alguns autores como uma
área de descompressão do humor aquoso15 e a sua presença,
por si só, parece condicionar o controle da PIO. Segundo Marchini poderá haver uma tendência ao longo do tempo para a redução das suas dimensões que poderá conduzir a um controle
da PIO menos eficaz15. Mavrakanas e co-autores encontraram
uma relação inversa entre a altura do espaço intra-escleral avaliada com o visante OCT e a PIO pós-operatória17 que não foi
possível comprovar no nosso trabalho.
Até à data actual não há muita informação publicada
relativamente à correlação entre a espessura da MTD e a
PIO pós-operatória. Khairy não encontrou uma relação com
significado estatístico entre a menor espessura da MTD e
a PIO pós-operatória, mas deve salientar-se que este facto
pode dever-se a uma dissecção subóptima da MTD, uma vez
que a espessura média relatada é de 0,26mm, bastante acima da média dos valores referidos noutros trabalhos7. Por
exemplo, Sanchez e também Chiou obtiveram espessuras
médias da MTD de cerca de 0,13mm4,12,13. No nosso trabalho, a espessura média da MTD foi de 0,18mm no grupo sem
sucesso e 0,14mm no grupo com sucesso; no entanto, não foi
possível estabelecer uma relação estatisticamente significativa entre a menor espessura da MTD e o sucesso cirúrgico.
De acordo com Kasakova et al, a presença de um espaço
hipoecogénico supraciliar/ supracoroideu representa um sinal
indirecto de filtração supra-coroideia que, por sua vez, potencia a redução da PIO pós-operatória4,18. O humor aquoso no
espaço supracoroideu é direccionado para o fluxo uveoscleral,
favorecendo esta via de drenagem. Além disso poderá induzir
um descolamento crónico do corpo ciliar e deste modo uma
diminuição da produção do humor aquoso18,19. Neste estudo,
foi detectado um espaço hipoecogénico supra-coroideu em
64,7% dos olhos, mas não foi encontrada uma relação estatisticamente significativa com a redução da PIO.
De acordo com a classificação de Yamamoto, as ampolas de filtração subconjuntival podem classificar-se em 4
tipos: tipo L (“Low reflective”), tipo H (“High reflective”),
tipo E (“encapsulated”) e tipo F (“flattened”)20. Apesar dos
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resultados contraditórios, o tipo L parece estar associado a
uma redução mais significativa da PIO, enquanto os tipos E
e F parecem estar mais associados ao insucesso cirúrgico20.
Tal como na maioria dos estudos, o tipo L foi o mais frequente na nossa série( 52,9%)4,14,18.
Apesar do tempo de seguimento relativamente curto e do
tamanho reduzido da nossa amostra, os resultados apresentados neste trabalho mostram que a avaliação ultrassonográfica pós-operatória pode ser útil na determinação dos olhos
com maior risco de insucesso cirúrgico.
CONCLUSÃO
A esclerectomia profunda com viscocanalostomia e implante de colagénio é uma técnica segura e eficaz no tratamento do Glaucoma refractário à terapêutica médica. A biomicroscopia ultrassónica de alta frequência é um exame não
invasivo que permite fazer o estudo morfológico do local
da esclerectomia. O volume e as maiores dimensões radial
e tranversa do EIE, obtidos na avaliação ultrassonográfica
entre a quarta e sexta semana do pós-operatório, parecem
condicionar o sucesso cirúrgico a médio prazo.
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