O papel do tamanho da família na
escolaridade dos jovens*
Letícia J. Marteleto**
Os jovens brasileiros estão dividindo recursos familiares com menos irmãos
e passando mais tempo em famílias intergeracionais. Por exemplo, os jovens de
14 anos nascidos em 1963 tinham, em média, 5.4 irmãos, enquanto que os
nascidos vinte anos depois tinham, em média, 2.3 irmãos. O objetivo deste trabalho
é examinar como o tamanho da família afetou a escolaridade de coortes de
jovens nascidos pré e pós-transição demográfica. A transição demográfica
beneficiou o jovem, contribuindo para aumentar seu nível de educação formal?
Tal impacto ocorreu de forma diferente de acordo com o sexo? Os dados das
PNADs 1977 e 1997 são utilizados com o objetivo de responder a estas questões.
Resultados das análises multivariadas são utilizados para simulações e
decomposições. O trabalho demonstra que o grande número de irmãos dos
jovens da coorte mais velha colaborou para seus baixos níveis de escolaridade.
Em contrapartida, as famílias menores da coorte mais jovem contribuíram para o
aumento dos anos de escolaridade da década de 90. A redistribuição de jovens
em famílias menores explica grande parte da melhora na escolaridade, mesmo
quando determinantes tradicionais da escolaridade são considerados. As jovens
apresentam índices mais altos de escolarização que os jovens, além de serem
menos penalizadas por estarem em famílias grandes. Na seção final do trabalho
são discutidas implicações para políticas que visam ao bem-estar do jovem
brasileiro, além de temas para futuras investigações.
1. Introdução
O objetivo deste trabalho é examinar
como o tamanho da família 1 afetou a
escolaridade de coortes de jovens nascidos
em duas épocas muito diferentes, pré e
pós-transição demográfica. A transição
demográfica beneficiou os jovens brasileiros, contribuindo para aumentar seus
níveis de educação formal? Se tal impacto
existiu, deu-se de forma diferente de acordo
com o sexo do jovem? Além disso, o
aumento da escolaridade das coortes mais
jovens se deve a mudanças na influência
do número de irmãos (associação), ou a
mudanças na proporção de jovens vivendo
em famílias menores (composição)?
Evidências empíricas de estudos em
vários países estabeleceram uma forte
associação negativa entre escolaridade
e medidas de bem-estar da criança e do
jovem, tais como saúde, sobrevivência e
*
Versão preliminar deste trabalho foi apresentada no Encontro Anual da PAA, Population Association of America, 2001 e no
Encontro da IUSSP, International Union for the Scientific Study of Population, 2001. Pesquisa financiada, em suas várias etapas,
pelo CNPQ, Capes, Spencer Foundation e Population Council. Agradeço a David Lam, Heather Branton, John Knodel, Pam Smock
Rachel Lucas, Yu Xie e ao parecerista da RBEP por comentários. Agradeço também a Felipe Almeida Cabral, Raquel Matos e Vítor
Felipe Miranda pelo excelente trabalho de assistência à pesquisa. Erros e omissões são responsabilidade da autora.
**
Professora colaboradora do Departamento de Demografia e pesquisadora do Centro de Desenvolvimento e Planejamento
Regional (CEDEPLAR) da Universidade Federal de Minas Gerais, através do Programa PROFIX/CNPq.
1
Os termos “tamanho da família” e “número de irmãos” são usados como sinônimos, seguindo outros trabalhos na área.
RBEP_19_v2_08fev2003.p65
159
14/02/03, 16:29
Marteleto, L.J.
Revista Brasileira de Estudos de População, v.19, n.2, jul./dez. 2002
educação formal. Um menor número de
filhos pode implicar um aumento da
oportunidade das famílias de oferecerem
melhores níveis educacionais para cada um
de seus filhos. As hipóteses de diluição de
recursos (dilution of resources hypothesis)
e rivalidade entre irmãos (siblings’ rivalry)
têm sido explicações importantes para a
existência da relação inversa entre tamanho
da família e escolaridade dos filhos em
países desenvolvidos (Becker 1981; Blake
1989). De acordo com estas teorias,
recursos familiares para cada filho
diminuem com o aumento do número de
crianças, afetando o desempenho educacional individual (Blake 1989; Becker e
Lewis 1973; Becker 1981). Apesar destas
abordagens, alguns estudos têm gerado
dúvidas na generalização da relação
negativa entre tamanho da família e
escolaridade dos filhos. Alguns trabalhos
apresentam relação inversa ou resultados
mistos, mostrando que crianças e jovens
podem até se beneficiar com grandes
famílias. Entretanto, esta inconsistência na
direção da relação entre tamanho da família
e escolaridade pode também ser uma
conseqüência da inexistência de um único
padrão, dadas as diferenças sociais,
econômicas e demográficas nos contextos
em que as famílias estão inseridas. Ao
mesmo tempo, a variação na relação entre
o tamanho da família e a educação formal
dos jovens pode ser um reflexo da
modificação desta relação em diferentes
estágios da transição demográfica. De
acordo com Caldwell (1980), o convívio e
os hábitos das famílias mudam com a
transição demográfica, o que poderia
provocar mudanças na associação entre
tamanho familiar e escolaridade dos filhos.
Se isto for verdade, a transição demográfica
pode ter alterado a relação entre tamanho
da família e escolaridade das crianças e
jovens, fazendo com que esta relação tenha
variado ao longo do tempo e potencialmente trazendo benefícios para esses
grupos.
Este trabalho é dividido em 5 seções,
contando com esta introdução. Primeiramente, são discutidos importantes pontos
teóricos relacionando o tamanho da família
à educação formal. Na seção seguinte, são
apresentados os dados e metodologia. Por
fim, são discutidos resultados e posteriormente conclusões.
2. Revisão Bibliográfica
Segundo a hipótese de diluição de
recursos — dillution of resources hypothesis
— crianças e jovens com muitos irmãos
estão, geralmente, em piores condições em
relação a vários aspectos como sobrevivência, nutrição e desempenho educacional,
dentre outros (Blake, 1989). Um maior
número de irmãos diminuiria o tempo e os
recursos dos pais investidos em cada filho.
A diminuição destes recursos financeiros e
de apoio pessoal para cada filho influenciaria negativamente o seu desenvolvimento,
incluindo seu desempenho educacional
(Blake, 1985; 1989). Filhos cujos pais
valorizam a educação formal e despendem
tempo para supervisioná-los estão mais
aptos a obter maior capital social do que
aqueles que não têm esse suporte. A
literatura sociológica considera que
socialização, níveis de intimidade e
comunicação variam de acordo com o
tamanho do grupo. Desta forma, recursos
que emergem de algumas relações sociais
como as do núcleo familiar, isto é, de algum
capital social, geram diferentes sistemáticas
no desempenho escolar, levando as
oportunidades educacionais a variar de
acordo com o tamanho da família (Coleman,
1988). Vale ressaltar que, de acordo com a
hipótese de diluição de recursos, não
somente recursos financeiros mas também
pessoais são relevantes para a educação
formal dos filhos e são distribuídos de
maneira uniforme entre eles.
De acordo com o arcabouço da
rivalidade entre irmãos — siblings’ rivalry
—, estes “disputam” recursos entre si, para
que os membros da família maximizem sua
utilidade: os pais investem em seus filhos
de uma maneira eficiente, maximizando o
retorno esperado para toda a família,
incluindo retornos futuros (Becker e Lewis,
1973; Becker, 1981). Isto significa que os
pais investem mais nos filhos que geram
expectativas de produzir maiores retornos
160
RBEP_19_v2_08fev2003.p65
160
14/02/03, 16:29
Marteleto, L.J.
Revista Brasileira de Estudos de População, v.19, n.2, jul./dez. 2002
ao longo do ciclo de vida. A interação entre
quantidade e qualidade de filhos explica
por que o nível de educação formal por
criança tende a ser menor em famílias com
maior número de filhos. Dada a quantidade
fixa de recursos familiares, maior número
de filhos implica menos recursos destinados a cada criança e, conseqüentemente, menos oportunidades (Becker,
1981)2. Vale ressaltar que os pais podem
ou não investir igualmente em seus filhos,
dependendo de um comportamento
altruísta, e que a ênfase é nos recursos
materiais (Becker, 1981; 1993).
A maioria dos trabalhos empíricos
examinando os efeitos do tamanho da
família na educação formal, realizados tanto
em países desenvolvidos quanto em países em desenvolvimento, confirmam as
hipóteses de diluição de recursos e
rivalidade entre irmãos, ou seja, que
crianças e jovens em famílias pequenas
apresentam vantagens educacionais se
comparados àqueles nascidos em famílias
maiores. Vários trabalhos demonstram essa
relação negativa entre o número de irmãos
e o desempenho educacional (Blake, 1985;
1989; Knodel e Wongsith, 1991; Hauser e
Sewell, 1985; Mare e Chen, 1986; Parish e
Willis, 1993 e 1989; Shavit e Pierce, 1991;
Patrinos e Psacharopoulos, 1997). Entretanto, contrariamente a essa evidência de
uma relação negativa, alguns estudos
encontraram uma associação positiva entre
o tamanho da família e a educação
(Chernichovsky, 1985; Mueller, 1984). Além
disso, outros trabalhos não encontraram
efeito significativo do tamanho da família
na escolaridade e matrícula dos filhos
depois que fatores sócio-econômicos foram
considerados (Buchmann 2000; Ahn et al.,
1998), e ainda há estudos que apresentam
resultados mistos (Psacharopoulos e
Arriagada, 1989). Estes últimos trabalhos
demonstram que as hipóteses de diluição
de recursos e rivalidade entre irmãos nem
sempre se encaixam como explicação para
os efeitos do tamanho da família na escolaridade dos filhos. Além de colocar em
dúvida o arcabouço em que se encaixaria
a relação entre tamanho familiar e
educação formal, estes estudos não
investigam como a influência do tamanho
da família na escolaridade ocorre em
regimes pré- e pós-transição demográfica.
As tendências sócio-econômicas e
demográficas definem condições macro nas
quais o processo educacional acontece.
Taxas decrescentes de crescimento
populacional e no tamanho relativo das
coortes, como conseqüência da transição
demográfica, são fatores que podem ter
potencialmente beneficiado os jovens
brasileiros, aumentando seus níveis de
educação formal. A redução do número de
irmãos pode criar condições demográficas
favoráveis dentro da família, representando “uma janela de oportunidade” para
melhorar os níveis educacionais dos jovens
(Carvalho e Wong, 1995). As mudanças
recentes nos padrões demográficos
brasileiros afetaram as condições micro
inerentes ao processo de educação formal
devido à mudança no tamanho e composição da família. Proporções crescentes de
jovens estão vivendo em famílias menores.
Por exemplo, 2% dos jovens de 14 anos
nascidos em 1963 viviam em famílias com
um ou dois filhos, enquanto que 33% viviam
em famílias com sete ou mais filhos. Em
contraste, 5% dos nascidos em 1983 viviam
em famílias com um ou dois filhos, e
somente 12% em famílias com sete ou mais.
A relação negativa entre o número de
irmãos e a escolaridade ainda existe,
mesmo com a diminuição do tamanho da
família, e ocorre de forma similar para ambos
os sexos? Não está claro qual padrão se
ajustaria ao caso brasileiro. Além disso,
como acontece o impacto do tamanho da
família na educação formal antes e depois
da transição demográfica? A transição
demográfica beneficiou a escolaridade dos
jovens brasileiros?
2
A função é definida pela quantidade de crianças, n; o gasto com cada criança, chamada a qualidade das crianças, q; e as
quantidades de produto, a saber U = U (n, q, Z1,…, Zn) (ver Becker e Lewis, 1973; Becker, 1981; 1993).
161
RBEP_19_v2_08fev2003.p65
161
14/02/03, 16:29
Marteleto, L.J.
Revista Brasileira de Estudos de População, v.19, n.2, jul./dez. 2002
3. Metodologia e Dados
3.1 Metodologia
A primeira análise deste trabalho busca
estabelecer se existe uma relação significativa entre o número de irmãos e os anos
de escolaridade completos dos jovens, para
responder se aqueles com menor número
de irmãos têm melhor nível de educação
formal que os com um maior número de
irmãos, e se existem diferenças desta
influência por sexo. Desta forma, os anos
de escolaridade foram estimados através
de regressões por mínimos quadrados
usando a equação (1):
(1)
Yi= a + bFi + cDi + ei
onde yi equivale aos anos de escolaridade
para cada jovem de 14 anos i; Fi é um vetor
de uma série de variáveis “dummy”
indicando o número de irmãos; Di é um
vetor das características demográficas,
domiciliares e sócio-econômicas, e ei é um
termo de erro normalmente distribuído.
As regressões são elaboradas separadamente para as coortes de 1963 e 1983
e também por sexo. Os controles usuais
adotados nos modelos de determinantes
educacionais, tais como situação do
domicílio, renda familiar, educação da mãe
e região, são incluídos nos modelos,
juntamente com número de irmãos, que é a
parte central da análise. Os coeficientes e
desvios padrão são mostrados em tabelas,
mas os resultados são interpretados através
de anos de escolaridade estimados, por
terem maior interesse substantivo. Para
estimar esses valores, cada variável
explicativa foi fixada em seu valor médio,
exceto o número de irmãos, que varia de 0
a 7 ou mais irmãos, sendo esta última a
categoria omitida.
O segundo passo da análise é
decompor a diferença de escolaridade
entre as coortes, expressa na equação (2):
–
–
–
(Y 1983 - Y 1963 )= (a 1963 + Σ b j,1963 X j, 1963 ) –
- (a1983 + Σbj,1983 Xj, 1983)
(2)
3
Tal equação pode ser decomposta de
várias formas3. Duas decomposições são
elaboradas neste trabalho. A primeira segue
a linha de Preston (1976) e permite a
separação do ganho educacional atribuído
a cada variável explicativa. Tal procedimento não separa a parte do diferencial
de escolaridade devido a mudanças no
intercepto, porque em regressões com
variáveis dummy, como a apresentada na
equação (1), o intercepto é arbitrário e se
modifica de acordo com a codificação de
tais variáveis. O objetivo é responder em
que medida as mudanças demográficas das
últimas décadas produziram melhores
condições de escolaridade para as coortes
mais jovens. Ou seja, quanto do ganho em
escolaridade da coorte mais jovem se deve
a mudanças no tamanho da família?
A equação (3) calcula a escolaridade
da coorte de 1963 se os jovens tivessem a
distribuição do tamanho familiar dos jovens
da coorte de 1983, enquanto que a equação
(4) demonstra o inverso.
–
–
^
bj,63 Xj,63 + bf,1963 Xf,1983
Y63,f83= a1963+jΣ
(3)
≠f
–
–
^
Y83,f63= a1983+j≠Σf bj,83 Xj,83 + bf,1983 Xf,1963
(4)
As equações (5) e (6) refletem o ganho
em escolaridade devido à mudança no
tamanho familiar, tendo como base as
coortes de 1963 e 1983, respectivamente.
– – –
^
Y63,f83 - Y63 / Y83 - Y63
(5)
– – –
^
(6)
Y
-Y /Y -Y
83,f63
83
83
63
A segunda decomposição é elaborada
como a anterior, mas a partir dos modelos
tendo tamanho familiar como único fator
explicativo da escolaridade. Tal decomposição segue os moldes de uma padronização e procura responder se o papel do
número de irmãos na escolaridade mudou
por uma simples mudança de composição
ou na associação entre tais variáveis.
Um ponto metodológico importante é a
possibilidade de que os pais decidam
conjuntamente o número de filhos e a
“qualidade” de seus filhos com respeito à
educação formal (Becker, 1981). Uma
Para maiores detalhes sobre decomposições e tratamento de resíduos, ver Oaxaca e Ransom, 1994, e Jones, 1984.
162
RBEP_19_v2_08fev2003.p65
162
14/02/03, 16:29
Marteleto, L.J.
Revista Brasileira de Estudos de População, v.19, n.2, jul./dez. 2002
ferramenta metodológica utilizada para se
tentar corrigir um potencial problema de
simultaneidade é o uso de variáveis
instrumentais. Entretanto, a maior parte das
bases de dados não possui variáveis
instrumentais apropriadas, ou seja,
variáveis correlacionadas com o tamanho
da família mas não com a demanda por
escolaridade, fazendo com que este
método tenha sido raramente empregado
para estudos nesta área. A abordagem
predominante encontrada na literatura é
identificar como os efeitos do tamanho
familiar na educação podem ser superestimados se for verdade que os pais decidem
juntamente o número de filhos e sua
educação (Parish e Willis, 1992; Anh
et al., 1998). Entretanto, vale ressaltar que
o problema da simultaneidade surge
somente se for verdade que os pais são
racionais em suas decisões sobre fecundidade e expectativas educacionais para
seus filhos, e se tais decisões não mudam
com o passar do tempo. Argumentando o
contrário, Knodel e colegas sustentam que
em alguns contextos, como Tailândia, a
decisão de fecundidade e desempenho
educacional dos filhos não pode ser
calculada dentro de um arcabouço racional de qualidade-quantidade (Knodel e
Wongshit, 1991).
Os dados utilizados não apresentam
variáveis instrumentais convincentes. Dado
este fato, e considerando a importância de
se examinar como o tamanho da família e a
escolaridade das crianças estão associados em coortes pré e pós-transição
demográfica, a análise é desenvolvida com
a possibilidade de um viés endógeno no
efeito estimado do número de irmãos no
resultado escolar das crianças. É importante então ressaltar que o problema de
simultaneidade poderia exagerar uma
correlação negativa entre o tamanho da
família e a escolaridade mas, devido à
comparação entre coortes, tal superestimação destes efeitos seria provavelmente
cancelada.
3.2 Descrição dos Dados e Amostra
Analítica
Neste trabalho foram usados os dados
de 1977 e 1997 da Pesquisa Nacional por
Amostra de Domicílios/PNAD, levantamento
anual de domicílios nacionalmente representativo conduzido pelo IBGE (Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística). Os
dados da PNAD são apropriados para este
estudo porque contêm variáveis demográficas e sócio-econômicas como sexo,
idade, renda e escolaridade para todos os
membros da família. Outra vantagem da
PNAD é a possibilidade de comparação de
duas coortes da mesma idade4. Em 1977 a
PNAD tem informações de 498.679 indivíduos em 100.039 domicílios, comparados
a 365.870 indivíduos em 89.939 domicílios
em 1997.
A ampla amostra da PNAD permite subamostras de tamanho suficiente para
análises de grupos específicos, como
14 anos de idade. Em 1977, existiam 12.834
jovens de 14 anos na amostra, comparados
a 7.861 em 1997. As experiências educacionais de jovens de idades diversas são
diferentes, sendo necessário analisá-las
separadamente. A escolha de 14 anos é
justificada uma vez que esta é a idade
máxima em que a matrícula escolar é
requerida pela constituição brasileira. Além
disso, é nesta idade que os jovens que
começam a estudar na idade apropriada de
7 anos e não tenham evadido ou repetido
série deveriam estar fazendo a transição do
ensino fundamental para o ensino médio.
Apesar de todas estas vantagens, um
problema metodológico pode surgir em
análises da educação formal em idades
mais jovens, pois as séries completas ao
longo de todo o curso de vida não são
conhecidas. Pode ocorrer que um jovem
que apresente baixos níveis de escolaridade aos 14 anos alcance altos níveis
educacionais mais tarde. A censura à direita
é um problema para análises de jovens e
eventos correntes que deve ser lembrada.
4
Os dados de 1977 e 1997 são comparáveis, com a exceção de pequenas discrepâncias. A PNAD 1977 não contém informações
sobre raça ou cor. Além disso, a PNAD não abrange a área rural da região norte em 1977 ou em 1997. Isto provavelmente superestima os resultados das estatísticas educacionais e sócio-econômicas desta região.
163
RBEP_19_v2_08fev2003.p65
163
14/02/03, 16:29
Marteleto, L.J.
Revista Brasileira de Estudos de População, v.19, n.2, jul./dez. 2002
Entretanto, no caso da educação formal
brasileira, já aos 14 anos existe uma enorme
variação nos níveis de escolaridade. Esta
enorme variação fornece evidência da
existência de fatores específicos exercendo papel importante na determinação da
escolaridade já em idades tão jovens,
sendo importante a distinção dos componentes que definem as grandes desigualdades neste momento de sua carreira
educacional.
Os dados da PNAD permitem a construção de variáveis relativas a todos os
indivíduos que vivem no domicílio —
membros da família ou não —, mas não
oferecem informação sobre familiares que
estão fora do domicilio. É possível que
existam membros da família que não morem
no domicílio, particularmente irmãos, mas
que influenciem a educação formal dos
jovens e que não são incluídos na amostra.
As PNADs de 1977 e 1997 fornecem o
número e sexo de filhos vivos para cada
mulher acima de 15 anos, além de sua
escolaridade, disponibilizando assim as
informações sobre número total de irmãos
e educação da mãe. Por esta razão, a
amostra analítica é limitada aos jovens filhos
do chefe da família, ou seja, aqueles cujas
mães e seus maridos são identificados.
A Tabela 1 mostra as características
sócio-econômicas usadas para a amostra
completa da PNAD e a amostra analítica —
jovens filhos do chefe de família nas duas
coortes. A tabela mostra que 9 em cada 10
crianças em ambas as coortes vivem com
pelo menos um dos pais. Jovens filhos dos
chefes de família não são significativamente
diferentes da amostra completa com
respeito à maioria das características,
embora haja diferença por situação
domiciliar e sexo. Parentes e outras
pessoas da família tendem a ser do sexo
feminino e morar em áreas urbanas,
particularmente na coorte mais jovem. Isto
acontece porque as jovens freqüentemente
trabalham e moram nas residências como
empregadas ou babás. Em termos da
diferença por situação de domicílio, vale
lembrar que os jovens podem mudar para
as áreas urbanas com o objetivo de
freqüentar a escola. É importante ressaltar
que a diferença de distribuição de jovens
entre áreas rurais e urbanas desaparece
na coorte mais jovem, o que pode ser uma
conseqüência do aumento da cobertura de
escolas de ensino fundamental, tanto na
área urbana como na rural, que ocorreu no
Brasil na década de 90.
A Tabela 1 mostra também que, comparados à amostra total, jovens filhos do chefe
de família da coorte de 1963 possuíam meio
ano de escolaridade a mais, diferença que
sobe para dois terços na coorte mais jovem.
Como a maioria dos jovens de 14 anos vive
com pelo menos um dos pais, e não há
diferenças significativas nas principais
características destes dois grupos, não há
indício de um forte viés de seleção.
As colunas 2 e 4 da Tabela 1 mostram
que as condições de vida das coortes de
1963 e 1983 com relação a características
familiares e sócio-econômicas são bastante
diferentes. Quase dois terços dos jovens na
coorte mais velha moravam em áreas
urbanas (67%) enquanto que este valor
passa para quatro quintos (78%) na coorte
mais jovem. Com relação à distribuição
regional, 3 em 4 jovens em ambas as
coortes viviam no Sudeste e Nordeste do
país. A distribuição das crianças de acordo
com a escolaridade da mãe mudou
drasticamente. O número de jovens cujas
mães freqüentaram pelo menos um ano de
universidade aumentou aproximadamente
sete vezes na coorte mais jovem.
A Tabela 2 fornece médias e desvios
padrão para a amostra de cada coorte. A
escolaridade média dos jovens aumentou
significativamente nos últimos vinte
anos, crescendo de 3,43 para 4,75 5. A
repetência escolar contribui de maneira
5
A repetência escolar contribuiu de maneira significativa para os baixos níveis de escolaridade das décadas passadas (GomesNeto e Hanushek 1996; Mello e Souza e Silva, 1996; Lam e Marteleto, 2000). Na segunda metade dos anos 90, foram implementados
programas que acabam com a repetência, como Escola Plural e ciclos. Tais programas certamente contribuíram positivamente
para o fim da repetência e o aumento da escolaridade. Entretanto, por não serem uniformes em todo o país e por terem sido
utilizados dados de 1997, é pouco provável que os efeitos de tais programas tenham impacto significativo para os jovens investigados neste trabalho.
164
RBEP_19_v2_08fev2003.p65
164
14/02/03, 16:29
Marteleto, L.J.
Revista Brasileira de Estudos de População, v.19, n.2, jul./dez. 2002
TABELA 1
Características sócio-econômicas e familiares de jovens de 14 anos [%]
Coortes de 1963 e 1983, Brasil
Fonte: PNADs 1977, 1997.
TABELA 2
Descrição das variáveis dependentes e fatores explicativos
Coortes de 1963 e 1983, Brasil
Fonte: PNADs 1977, 1997.
165
RBEP_19_v2_08fev2003.p65
165
14/02/03, 16:29
Marteleto, L.J.
Revista Brasileira de Estudos de População, v.19, n.2, jul./dez. 2002
Tabela 3
Taxa de matrícula e anos de escolaridade por características sócio-econômicas de jovens de 14 anos filhos do
chefe da família, coortes de 1963 e 1983, Brasil
Fonte: PNADs 1977, 1997.
166
RBEP_19_v2_08fev2003.p65
166
14/02/03, 16:29
Marteleto, L.J.
Revista Brasileira de Estudos de População, v.19, n.2, jul./dez. 2002
significativa para os baixos níveis de
escolaridade das décadas passadas
(Gomes-Neto e Hanushek 1996; Mello e
Souza e Silva, 1996; Lam e Marteleto, 2000).
Na segunda metade da década de 90,
foram implementados programas que
acabam com a repetência, como Escola
Plural e ciclos. Embora não sejam uniformes em todo o país, tais programas
certamente contribuíram positivamente
para o fim da repetência e aumento da
escolaridade.
A Tabela 3 mostra a distribuição das
taxas de matrícula e anos de escolaridade
completos por características sócioeconômicas e familiares para cada coorte.
A tabela evidencia as diferenças com
respeito ao sexo em relação ao desempenho educacional e matrículas escolares
em cada coorte. Esta tabela mostra que,
entre os jovens da coorte mais velha, 78%
dos meninos estão matriculados na escola
contra 72% das meninas. Esta tendência é
revertida na coorte mais jovem, pois
90% das meninas e 87% dos meninos
estão matriculados. É interessante notar
que, na primeira coorte, apesar de terem
menor taxa de matrícula, as jovens possuem
mais anos de escolaridade que os jovens
(3,6 contra 3,2). Isto demonstra que as
jovens apresentam menor repetência e
evasão que os jovens, convertendo matrícula em anos de escolaridade completos
mais rapidamente. Esta tendência de maior
escolarização das jovens continua na coorte
mais jovem, mas agora com ambos os
indicadores apresentando valores mais
altos para as jovens.
A tabela 1 revelou que a proporção de
jovens vivendo em famílias chefiadas por
mulheres dobrou da primeira para a
segunda coorte (9,1% contra 18,4%
respectivamente), uma tendência importante. Não há diferença significativa no nível
de matrícula entre jovens da coorte mais
velha vivendo em famílias chefiadas por
mulheres ou não, mas aqueles em famílias
chefiadas por homens possuem, em média,
escolaridade mais alta. Na coorte mais
jovem a tendência se inverte, pois aqueles
em domicílios chefiados por mulheres
possuem escolaridade mais alta, um
resultado não esperado dadas às evidências sobre pobreza nesses domicílios e suas
conseqüências para o bem-estar da criança
e do jovem (Barros, Fox e Mendonça, 1997).
FIGURA 1
Proporção de Jovens de 14 anos com "x" Irmãos ou Mais - Cumulativo: Brasil, Coortes de 1963 e 1983
167
RBEP_19_v2_08fev2003.p65
167
14/02/03, 16:29
Marteleto, L.J.
Revista Brasileira de Estudos de População, v.19, n.2, jul./dez. 2002
FIGURA 2
Proporção de Jovens de 14 anos com pelo menos "x" irmãos: Brasil, Coortes de 1963 e 1983
As conseqüências da profunda mudança
demográfica pela qual o país passou no
período entre as duas coortes ficam evidentes
ao se investigar o número médio de irmãos e
sua distribuição. O número médio de irmãos
dos jovens de 14 anos caiu de 5.4 para 3.1.
As Figuras 1 e 2 fornecem maior evidência
de que a distribuição dos jovens com respeito
ao tamanho da família mudou consideravelmente entre as duas coortes. Na primeira
coorte, mais de dois terços tinham quatro ou
mais irmãos enquanto que somente um terço
tinha quatro ou mais irmãos na segunda
coorte. Da mesma forma, na primeira coorte,
um terço dos jovens tinha 7 ou mais irmãos
enquanto que, na segunda coorte, este
número passou para 12%.
4. Resultados
4.1 O Impacto do Tamanho da Família
A Figura 3 mostra a escolaridade média
de acordo com o tamanho da família para
FIGURA 3
Escolaridade observada pelo tamanho da família: Brasil, coortes de 1963 e 1983
168
RBEP_19_v2_08fev2003.p65
168
14/02/03, 16:29
RBEP_19_v2_08fev2003.p65
Fonte: PNADs 1977, 1997.
TABELA 4
Coeficientes e desvios padrão de regressões por mínimos quadrados de anos de escolaridade. Jovens de 14 anos filhos do chefe da família, coortes de 1963 e 1983, Brasil
Marteleto, L.J.
Revista Brasileira de Estudos de População, v.19, n.2, jul./dez. 2002
169
169
14/02/03, 16:29
Marteleto, L.J.
Revista Brasileira de Estudos de População, v.19, n.2, jul./dez. 2002
cada coorte. Vale a pena lembrar que, se o
jovem de 14 anos entrou na escola na
idade obrigatória de 7 anos, não saiu da
escola ou repetiu uma série, deveria ter
entre 6 e 7 anos de escolaridade6. A Figura
mostra que a situação do jovem é bastante
diferente deste patamar ideal, pois a
escolaridade média em ambas as coortes
e em todos os tamanhos da família é
defasada. Fica claro também que a
escolaridade média do jovem diminui à
medida que o tamanho da família aumenta,
apontando uma relação inversa entre estes
fatores. A diferença educacional chega a
aproximadamente dois anos de escolaridade. Estes números são comparados
com os valores ajustados da Figura 4. Os
valores ajustados são calculados utilizando
os coeficientes das regressões para todos
os jovens, mostrados na Tabela 4. Os
valores das outras variáveis explicativas são
mantidos na média, apenas variando o
número de irmãos, como discutido na parte
metodológica do trabalho.
A Figura 4 demonstra que a desvantagem escolar de jovens de famílias grandes
é menor quando outros fatores são controlados. Entretanto, esta desvantagem na
escolaridade persiste. A diferença nos anos
de escolaridade ajustados entre jovens que
possuem 7 irmãos ou mais e filhos únicos é
de aproximadamente um ano para ambas
as coortes. Apesar da curva de escolaridade
pelo tamanho de família deslocar para cima
entre as coortes, a desvantagem atribuída a
viver em uma família grande ainda ocorre
entre os jovens da coorte mais jovem, mesmo
quando outros fatores sócio-econômicos e
demográficos são controlados. Tal desvantagem é sensivelmente maior na coorte mais
jovem que na mais velha. Isto demonstra que,
sob regimes de alta e baixa fecundidade, o
efeito do tamanho da família no desempenho
educacional tem se mantido negativo. Em
um cenário pós transição demográfica, os
poucos jovens em famílias grandes apresentam maior desvantagem educacional.
A Tabela 5 mostra resultados de
decomposições das variáveis incluídas no
modelo completo. A mudança a ser explicada é o aumento de 1.32 anos de escolaridade entre as coortes. Os resultados da
Tabela 6 mostram que tal ganho de escolaridade da coorte mais jovem deve-se
principalmente e quase que na mesma
proporção ao aumento da escolaridade da
FIGURA 4
Escolaridade ajustada pelo tamanho da família: Brasil, coortes de 1963 e 1983
6
Por não ser objetivo deste trabalho e por uma questão de simplificação, não está sendo considerada a data de nascimento do
aluno para um cálculo mais refinado da escolaridade correta para cada jovem.
170
RBEP_19_v2_08fev2003.p65
170
14/02/03, 16:29
Marteleto, L.J.
Revista Brasileira de Estudos de População, v.19, n.2, jul./dez. 2002
TABELA 5
Anos de escolaridade estimados.
Jovens de 14 anos filhos do chefe da família, coortes de 1963 e 1983, Brasil
Fonte: PNADs 1977, 1997.
mãe e à diminuição do tamanho da família.
A educação formal materna é responsável
por 33% do aumento da escolaridade
enquanto que o tamanho da família explica
quase 30% da diferença em escolaridade,
confirmando que a transição demográfica
beneficiou a escolaridade dos jovens
brasileiros. É importante notar que o papel
da escolaridade materna na determinação
da educação formal dos filhos é extensamente documentado, o que não acontece
com o tamanho familiar. Esse resultado
chama a atenção para a importância de
outras características familiares para a
escolaridade de crianças e jovens.
Como esperado, o sexo do jovem não
explica ganhos em escolaridade da coorte
mais jovem, assim como a região de
residência. Por outro lado, o fato de o jovem
da coorte mais jovem residir em áreas
urbanas em maiores proporções explica
aproximadamente 14% do ganho de
escolaridade. Essa diferença reflete o
processo de urbanização pelo qual o país
passou nas últimas décadas.
Tendo estabelecido que o tamanho da
família exerceu papel importante nos
ganhos de escolaridade do jovem brasileiro
nascido pós-transição demográfica, os
próximos resultados abordam a parte do
ganho de escolaridade relacionada com
uma mudança da relação tamanho da
família (associação) e escolaridade e a parte
relacionada à diminuição no tamanho da
família (composição). A Tabela 7 mostra as
estimativas da decomposição da diferença
na educação, tendo o tamanho da família
como único fator explicativo. As estimativas
apresentadas na primeira linha da tabela
são as médias de escolaridade calculadas
através do coeficiente da coorte de 1963. A
primeira estimativa usa o coeficiente e a
TABELA 6
Decomposições da diferença na escolaridade de jovens de 14 anos
Coortes de 1963 e 1983, Brasil (modelo completo)
Fonte: PNADs 1977 e 1997.
Nota: Escolaridade estimada baseada nos resultados para ambos os sexos apresentados na Tabela 4.
171
RBEP_19_v2_08fev2003.p65
171
14/02/03, 16:29
Marteleto, L.J.
Revista Brasileira de Estudos de População, v.19, n.2, jul./dez. 2002
TABELA 7
Decomposições da diferença na escolaridade de jovens de 14 anos
Coortes de 1963 e 1983, Brasil (tamanho da família como único fator explicativo)
média de escolaridade das crianças da
primeira coorte, resultando em 3,43 anos
de escolaridade. Repetindo o procedimento, mas agora utilizando o tamanho
médio da família da coorte de 1983, a
segunda estimativa indica o grau de
escolaridade que as crianças da coorte de
1963 teriam se o tamanho da família fosse
o da coorte de 1983. A queda verificada no
tamanho da família teria gerado um
resultado de 4,10 anos de escolaridade. A
diferença de 0,67 nas duas estimativas da
primeira linha indica a redução das
diferenças entre as duas coortes, como
resultado do fato de atribuir à primeira
coorte a mesma distribuição do tamanho
da família existente na coorte mais jovem.
As médias de escolaridade apresentadas
na segunda linha da Tabela 7 são calculadas da mesma forma que as apresentadas
na primeira linha, com a exceção de se usar
o coeficiente de regressão da coorte de
1983. A primeira média da segunda linha é
o produto do coeficiente da coorte de 1983
pelo tamanho da família médio da coorte
de 1963. A segunda média da segunda linha
é o verdadeiro tamanho médio da família
para a coorte de 1983, 4,75 anos de
escolaridade. Subtraindo estas duas médias
chega-se a uma diferença de 0,79 por ano.
A média 0,73 representa quanto as crianças
da coorte mais velha ganhariam em anos
de escolaridade se tivessem o tamanho
médio da família da coorte mais jovem. Este
valor mostra que mudanças no tamanho da
família explicam 55% dos ganhos de
escolaridade entre uma coorte e a outra.
Para estimar as variações nos coeficientes, o procedimento descrito acima é
repetido, agora subtraindo as médias na
mesma coluna. Este exercício mostra que
mudanças na curva e em fatores externos
ao tamanho da família são responsáveis por
45% do aumento da escolaridade entre as
coortes. Os ganhos de escolaridade são
explicados principalmente pelo aumento da
proporção de crianças provenientes de
famílias menores. Estes resultados confirmam que a transição demográfica teve um
impacto direto no aumento da escolaridade
das crianças em um nível micro, ou seja,
através da redistribuição de jovens em
famílias menores.
4.2 Diferenças por Sexo
As Figuras 5 e 6 apresentam os anos
de escolaridade observados para jovens
das coortes de 1963 e 1983, para cada
sexo. As Figuras indicam que as jovens
172
RBEP_19_v2_08fev2003.p65
172
14/02/03, 16:29
Marteleto, L.J.
Revista Brasileira de Estudos de População, v.19, n.2, jul./dez. 2002
FIGURA 5
Escolaridade observada pelo tamanho de família por sexo: Brasil, coorte de 1963
FIGURA 6
Escolaridade observada pelo tamanho de família por sexo: Brasil, coorte de 1983
ganham escolaridade mais rapidamente
que os jovens. Os resultados demonstram
que a escolaridade das jovens é mais alta
que a dos jovens em ambas as coortes e
em todos os tamanhos da família. Os jovens
são mais penalizados que as jovens por
viverem em famílias maiores. A vantagem
educacional das jovens aumenta na coorte
pós-transição demográfica. Em famílias
grandes e pequenas, as jovens apresentam
significativa vantagem na educação formal
em relação aos jovens. Entre aqueles da
coorte mais jovem, essa vantagem chega a
um ano a mais de escolaridade em favor
das filhas únicas.
As diferenças na escolaridade pelo
tamanho familiar permanecem mesmo
quando características sócio-econômicas e
173
RBEP_19_v2_08fev2003.p65
173
14/02/03, 16:29
Marteleto, L.J.
Revista Brasileira de Estudos de População, v.19, n.2, jul./dez. 2002
demográficas dos jovens são levadas em
conta. A escolaridade estimada é apresentada nas Figuras 7 e 8. A Figura 7 mostra
que a vantagem educacional das meninas
da coorte pré-transição demográfica é nula
entre os jovens com dois ou menos irmãos,
mas aumenta com o tamanho da família.
Na coorte mais jovem, a vantagem educacional feminina é observada em todos os
tamanhos familiares, indicando que os
meninos, principalmente aqueles em
famílias maiores, devem ser alvo de políticas que visem à promoção educacional
do jovem.
FIGURA 7
Escolaridade estimada pelo tamanho de família por sexo: Brasil, coorte de 1963
FIGURA 8
Escolaridade estimada pelo tamanho da família por sexo: Brasil, coorte de 1983
174
RBEP_19_v2_08fev2003.p65
174
14/02/03, 16:29
Marteleto, L.J.
Revista Brasileira de Estudos de População, v.19, n.2, jul./dez. 2002
5. Conclusões e Discussão
Este trabalho demonstra a importância
do numero de irmãos na escolaridade dos
jovens brasileiros. Jovens em famílias
grandes das coortes pré e pós-transição
demográfica estão em desvantagem se
comparados àqueles em famílias pequenas, confirmando as hipóteses de diluição
de recursos e rivalidade entre irmãos. Este
impacto negativo do tamanho da família
na escolaridade não apenas persiste, mas
aumenta sensivelmente na coorte póstransição demográfica, sugerindo a importância de políticas privilegiarem a educação
formal dos jovens em famílias maiores.
Decomposições demonstram que a
transição demográfica beneficiou a escolaridade dos jovens ao diminuir o tamanho
das famílias na mesma magnitude que
fatores tradicionalmente estudados, como
a educação materna. Este resultado demonstra um efeito “janela de oportunidade”
em relação à escolarização dos jovens no
nível da família: o menor número de irmãos
após a transição demográfica beneficiou a
escolaridade dos jovens brasileiros,
explicando uma significativa proporção do
ganho educacional entre as coortes.
Os resultados demonstram ainda que
os jovens se beneficiaram em relação ao
tamanho da família mais por uma questão
de composição, isto é, uma proporção maior
vive em famílias menores. Mudanças na
curva relacionando o tamanho da família e
a escolaridade também contribuíram para
o ganho de escolaridade, porém em menor
magnitude.
A investigação das diferenças por sexo
mostra que garotos na coorte mais jovem
não só possuem menores níveis de matrí-
cula e escolaridade, mas também são mais
penalizados por pertencerem a famílias
maiores. Na coorte pós-transição demográfica, as jovens estão à frente dos jovens
em todos os tamanhos familiares. Estas
evidências indicam que pode estar
ocorrendo algum nível de especialização
nas famílias, em que as jovens, que antes
cuidavam do grande número de irmãos das
coortes mais velhas, são agora “escolhidas”
para estudar. Na coorte mais jovem, as
meninas apresentam maior escolaridade e
matrícula, além de não serem tão penalizadas por famílias maiores como os
meninos. A desvantagem educacional
brasileira é em favor das meninas,
chamando a atenção para a situação do
jovem. Esse resultado, entretanto, não
significa que não exista defasagem na
escolarização das jovens, e sim que ela é
maior para os jovens. Estudos futuros sobre
trabalho e escolaridade do jovem devem
observar as características dos irmãos e
suas atividades, incluindo o trabalho
doméstico, com o objetivo de expandir as
descobertas deste trabalho com relação a
como as decisões educacionais são
tomadas dentro da família.
A persistência do efeito negativo do
tamanho da família indica que jovens em
famílias grandes na coorte pós-transição
demográfica, embora em menor prevalência, estão em maior desvantagem em
relação à educação formal. Os jovens de
hoje que estão em famílias grandes são os
mais penalizados, devendo ser visados por
políticas de promoção da escolaridade.
Este trabalho demonstra a importância de
políticas que visem ao bem-estar do jovem
levarem em conta fatores familiares menos
estudados como o tamanho da família.
Referências Bibliográficas
ANH, T. S., KNODEL, J., LAM, D., FRIEDMAN,
J. Family Size and Children’s Education in
Vietnam. Demography, v. 35, p. 57-70, 1998.
BARROS, R., LAM, D. Income and education
inequality and children’s schooling
attainment in Brazil. In: BIRDSALL, N.,
SABOT, R. (eds.). Oportunity Foregone:
Education in Brazil. Washington: InterAmerican Development Bank, 1996.
BARROS, R., FOX, L., MENDONÇA, R.
Female-Headed Households, Poverty, and
the Welfare of Children in Brazil. The
Journal of Human Resources, p. 57-231,
1997.
175
RBEP_19_v2_08fev2003.p65
175
14/02/03, 16:29
Marteleto, L.J.
Revista Brasileira de Estudos de População, v.19, n.2, jul./dez. 2002
BECKER, G. S., LEWIS, H. G. On the
Interaction between the Quantity and Quality
of Children. The Journal of Political
Economy, v. 81(2), Part 2: New Economic
Approaches to Fertility, S279-S288, 1973.
BECKER, G. S. A Treatise on the Family.
Cambridge: Harvard University Press, 1981.
BECKER, G. S. Human capital: a theoretical
and empirical analysis, with special
reference to education. Chicago: The
University of Chicago Press, 1993.
BIRDSALL, N., SABOT, R. Opportunity
Foregone: Education in Brazil. Washington, D.
C.: Inter-American Development Bank, 1996.
BLAKE, J. Number of siblings and
educational mobility. American Sociological
Review, v. 50, p.84-94, 1985.
BLAKE, J. Family Size and Achievement.
1989.
BLEDSOE, C., CASTERLINE, J., JOHNSONKUHN, J. HAAGA, J. (eds.). Critical
Perspectives on Schooling and Fertility in
the Developing World. Washington, D.C.:
National Academy Press, 1999.
CALDWELL, J. Theory of Fertility Decline.
London: Academic Press, 1980.
CARVALHO, J. A., WONG, L. A window of
opportunity: Some demographic and
socioeconomic implications of the rapid
fertility decline in Brazil. CEDEPLAR/
Universidade Federal de Minas Gerais,
n. 91, 1995.
CHERNICHOVSKY D. Socioeconomic and
demographic aspects of school enrollment
and attendance in Botswana. Economic
Development & Cultural Change,33(2)
319-32 1987.
COLEMAN, J. Social capital in the creation
of human capital. American Journal of
Sociology, 94, supplement, S95-S120,
1988.
FILMER, D., PRICHETT, L. The effect of
household wealth on educational
attainment: evidence from 35 countries.
Population and Development Review, v.25
(1) p.85-120 1999.
GOMES-NETO, J. B., HANUSHEK, E. The
causes and effects of grade repetition. In:
BIRDSALL, N., SABOT, R. (eds). Opportunity
Foregone: Education in Brazil. Washington,
D.C.: Inter-American Developmental Bank,
1996.
HAUSER, R. M. Review of Blake, Family
Size and Achievement. Population and
Development Review, v. 15(1), p. 67-561,
1989.
HAUSER, R. M., SEWELL, W. H. Birth Order
and Educational Attainment in Full Sibships.
American Educational Research Journal,
v. 22 (3), p.1-23, 1981.
HERMALIN, A., SELTZER, J. A., CHINGHSIANG, L. Transitions in the Effect of Family
Size on female Educational Attainment: The
Case of Taiwan. Comparative Education
Review, v. 26 (2), 1982.
JONES, K. Decomposing Differences
Between Groups. Sociological Methods
and Research, v. 12 (13), p.323-343, 1984.
KNODEL, J., WONGSITH, M. Family size and
children’s education in Thailand: evidence
from a national sample. Demography, n. 28,
p. 131-119, 1991.
KNODEL, J. The closing of the gender gap
in schooling: the case of Thailand.
Comparative Education, n. 33, p.61-86,
1997.
KNODEL, J., JONES, G. Post-Cairo
population policy: does promoting girls’
schooling miss the mark? Population and
Development Review, n. 22, p. 683-702,
1996.
LAM, D., MARTELETO, L. Grade repetition,
school enrollment, and economic shocks in
Brazil. Trabalho apresentado no 2000 PAA
Meeting, Los Angeles, 23-25 Março, 2000.
LAM, D., DURYEA, S. Effects of schooling on
fertility, labor supply, and investments in
children, with evidence from Brazil. Journal
of Human Resources, 1999.
LEVISON, D., DURYEA, S., HOEK, J., LAM, D.
In and Out: Child Forays into the Labor
Force in Brazil. Ann Arbor: Population
Studies Center, University of Michigan, 2000.
176
RBEP_19_v2_08fev2003.p65
176
14/02/03, 16:29
Marteleto, L.J.
Revista Brasileira de Estudos de População, v.19, n.2, jul./dez. 2002
LLOYD, C. Investing in the Next Generation:
The Implication of High Fertility at the Level
of the Family. Population Council Working
Paper, n. 63, 1994.
OAXACA, R.L., RANSOM, M.R. On
discrimination and the decomposition of
wage differentials. Journal of Econometrics,
n. 61, p. 5-21, 1994.
MARE, R.P., CHEN, M.D. Further evidence
on sibship size and educational stratification.
American Sociological Review, v. 51, p.
403-412, 1986.
PATRINOS, H., PSACHAROPOULOS, G.
Family size, schooling and child labor in Peru:
an empirical analysis. Journal of Population
Economics, v.10 (4), p.387-405, 1997.
MARTELETO, L. A cohort analysis of
children’s schooling in Brazil: Do number
and composition of siblings matter?
Trabalho apresentado no encontro anual da
Population Association of America, 2001.
PSACHAROPOULOS, G., ARRIAGADA, A.
The determinants of early age human
capital formation: Evidence from Brazil.
Economic Development and Cultural
Change, v.37, p. 683-708, 1989.
MCLANAHAN, S. Family Structure and the
Reproduction of Poverty. American Journal
of Sociology, n. 90, p. 873-901, 1985.
PARISH, W.L., WILLIS, R.J. Daughters,
education, and family budgets: Taiwan
experiences. The Journal of Human
Resources, v.28, p.98-863, 1993.
MELLO e SOUZA, A., SILVA, N.V. Family
Background, Quality of Education and Public
and Private Schools: Effects of School
Transitions. In: BURNS, B., SABOT, R.,
BIRDSALL, N. (eds.). Opportunity Foregone:
Education in Brazil. Washington, D.C.: InterAmerican Developmental Bank, 1996.
MENDES, M., DIAS, V. Implicações Da
Dinâmica Demográfica Sobre o Sistema
Educacional. Indicadores Sociais: Uma
Análise da Década de 80. Rio de Janeiro:
IBGE, 1995.
PRESTON, S.H. The Changing Relation
between Mortality and Level of Economic
Development. Population Studies, v. 29 (2),
1979.
SHAVIT, Y., PIERCE, J. Sibship size and
educational attainment in nuclear and
extended families: Arabs and Jews in Israel.
American Sociological Review, v.56,
p.321-30, 1991.
Abstract
Brazilian youth now share family resources with fewer siblings and spend more time in
intergenerational families. For example, the 1963 cohort of 14 year-olds had an average of 5.4
siblings, while the 1983 cohort had 2.3 siblings. The purpose of this paper is to examine how
family size affected schooling for cohorts of children born pre- and post-demographic transition.
Did the demographic transition benefit young people and contribute to an increase of the
formal educational level? Did any such impact occur differently for male and female youth? The
data from the 1977 and 1997 PNADs were used in order to answer these questions. Results
from multivariate analyses were used for simulations and decompositions. The study shows
that the number of siblings of young people in the older cohort contributed to their lower levels
of schooling. In contrast, the smaller families of the younger cohort contributed to increase of
the number of years in school in the 1990s. The redistribution of young people in small families
explains in large part the improved schooling, even when traditional determinants of schooling
are considered. The young women show higher rates of schooling than their male counterparts
and are less prejudiced by belonging to large families. The final section of the article discusses
implications for policies aimed at the well-being of Brazilian youth, as well as themes for future
research.
Enviado para publicação em 14/11/2002.
177
RBEP_19_v2_08fev2003.p65
177
14/02/03, 16:29
RBEP_19_v2_08fev2003.p65
178
14/02/03, 16:29
Download

O papel do tamanho da família na escolaridade