CORPO INTERMITENTE
2
CORPO
INTERMI
TENTE
OBRAS
DA COLECÇÃO
DA FUNDAÇÃO
LUSO-AMERICANA
PARA O
DESENVOLVIMENTO
CATÁLOGO / CATALOGUE
EXPOSIÇÃO / EXHIBITION
Coordenação / Coordination
JOÃO SILVÉRIO
Director do Museu de Angra do Heroísmo
Director of the Angra do Heroísmo Museum
Textos / Texts
CARLOS CÉSAR
RUI CHANCERELLE DE MACHETE
JORGE A. PAULUS BRUNO
JOÃO SILVÉRIO
NUNO CRESPO
Biografias / Biographies
LÚCIA MARQUES
Tradução e Revisão / Translation and Proof-reading
JOSÉ GABRIEL FLORES
Fotografia / Photography
LAURA CASTRO CALDAS / PAULO CINTRA
Design Gráfico / Graphic Design
VERA VELEZ
Impressão / Print run
TEXTYPE
750 exemplares / copies
ISBN 978-972-8654-35-1
Depósito legal 270 522/08
Edição / Published by
FUNDAÇÃO LUSO-AMERICANA
PARA O DESENVOLVIMENTO
PRESIDÊNCIA DO GOVERNO
Direcção Regional da Cultura
JORGE A. PAULUS BRUNO
Realização / Production
FUNDAÇÃO LUSO-AMERICANA PARA O
DESENVOLVIMENTO / MUSEU DE
ANGRA DO HEROÍSMO
Curador / Curator
JOÃO SILVÉRIO
Coordenação da Exposição /
Exhibition Coordination
FRANCISCO PEDROSO DE LIMA
Divulgação, Dinamização e Serviço
Educativo / Divulgation, Promotion
and Educational Support
DULCE DE ANDRADE
Secretariado / Secretariat
ODÍLIA SILVA
Montagem / Setting-up
AUGUSTO VILAÇA
CARMELO AMARANTE
DENATILDE SILVA
ELEUTÉRIO PIMENTEL
NORBERTO BETTENCOURT
TRISTÃO FREIRE DE ANDRADE
Apoio à Montagem / Setting-up Assistants
IRIA LIMA
JOÃO PRENDA
JOSÉ GABRIEL ROMEIRO
LURDES GONÇALVES
MARIA JOSÉ COSTA
SUSANA OLIVEIRA
Embalagem e Transportes /
Packing and transportation
FEIREXPO
CORPO INTERMITENTE
2
ANGRA DO HEROÍSMO 11.02.2008
A intensificação da acção da Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento na Região Autónoma dos Açores é motivo de satisfação
para o Governo dos Açores.
É, pois, com muito gosto que o Governo Regional acolhe este projecto
expositivo levado a efeito pela Fundação Luso-Americana para o
Desenvolvimento, através do qual se realizam três mostras de Arte
Contemporânea portuguesa, a partir de um acervo de significação
iniludível.
Os museus Carlos Machado, de Angra do Heroísmo e da Horta são as
instituições regionais que, por vocação, as acolhem. Por isso, são
instituições privilegiadas ao poderem oferecer aos seus públicos,
nomeadamente àqueles que as visitam no contexto dos seus
serviços educativos, um conteúdo cultural do melhor nível que
ocorre nos Açores neste domínio.
No caso do Museu de Angra do Heroísmo, esta exposição constituirá um
marco de referência e mais um exemplo de como promover, positivamente, a expressão artística contemporânea num espaço com
significativa tradição histórica como é o Edifício de São Francisco.
Carlos César
Presidente do Governo Regional dos Açores
The increasing intervention of the Luso-American Development Foundation
in the Azores Autonomous Region is a source of great satisfaction for
the Azorean Government.
It is, thus, natural that the Regional Government warmly welcomes the present
exhibitive project of the Luso-American Development Foundation,
which comprises three showings of Portuguese Contemporary Art,
drawn from the Foundation’s unparalleled vaults.
The Carlos Machado, Angra do Heroísmo and Horta Museums are the Azorean
institutions chosen to host them. They are privileged, since that fact
enables them to offer their visitors, namely those who come to them
through their educational departments, the finest selection of Portuguese Contemporary Art available in the Azores.
The present exhibition will prove a landmark in the Angra do Heroísmo
Museum’s history, as well as one further instance of how to positively
promote contemporary artistic expression in a space of such historical
importance as the São Francisco Building.
Carlos César
President of The Azorean Regional Government
Com a exposição de parte significativa das obras de desenho, pintura e
escultura da Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento,
que agora se realiza na bela cidade de Angra do Heroísmo, prossegue o projecto de pôr os Açores em contacto directo com peças
relevantes da arte contemporânea portuguesa.
É verdade que com o progresso da técnica qualquer obra de arte é susceptível de ser reproduzida, até em grandes quantidades, e com
perfeição. Mas nada substitui a emoção estética e o complexo fenómeno intelectual experimentado por quem contemple o original e,
através dele, se põe em relação com a personalidade do seu criador.
O culto do gosto e da sensibilidade perante o belo são aspectos importantes
do desenvolvimento da personalidade humana e das suas capacidades. Existe também uma interdependência entre não apenas a
educação, mas também a cultura e o crescimento económico, e o
desenvolvimento das sociedades. Ao promover a cultura – e
quantas vezes tal é esquecido – contribui-se também para a valorização do capital humano e com ele para o incremento das oportunidades de produção de riqueza. Não é por acaso que os povos
mais cultos são também os mais ricos, sem que seja possível determinar, nessa inter-relação, que elemento é sobretudo a causa e
qual o efeito.
Esta iniciativa representa, também, um marco assinalável na cooperação
frutuosa e in crescendo entre a Fundação e o Governo Regional dos
Açores.
Rui Chancerelle de Machete
Presidente do Conselho Executivo
da Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento
The present exhibition, which brings a significant part of the Luso-American
Development Foundation’s drawing, painting and sculpture collections to the beautiful city of Angra do Heroísmo, continues our project
of bringing the Azores into direct contact with important pieces of
Portuguese contemporary art.
It is true that, thanks to technical advancements, every work of art can now
be perfectly reproduced, even in large numbers. But nothing can
replace the aesthetic thrill and the complex intellectual phenomenon experienced when contemplating an original piece and,
through it, relating to the personality of its creator.
The cultivation of one’s taste and feeling for the beautiful is an important
part of the development of human personality and its capacities. There
is also an interdependence between education, culture, economic
growth and the development of societies. It is often forgotten that the
promotion of culture also contributes towards the valorisation of
human capital and consequently to the increase of opportunities for
creating wealth. It is not by chance that the most cultured peoples
are also the most rich, thanks to the abovementioned inter-relation,
in which it is impossible to determine which elements are causes and
which ones effects.
Finally, the present initiative represents also an important landmark in the
fruitful and ever-growing rapport between the Foundation and the
Azorean Regional Government.
Rui Chancerelle de Machete
President of the Executive Council
of the Luso-American Development Foundation
Numa oportuna iniciativa da Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento em parceria com a Presidência do Governo dos Açores,
através da Direcção Regional da Cultura, concretiza-se um projecto
expositivo tripolar em que o Museu de Angra do Heroísmo muito
se orgulha de participar, ao acolher esta importante mostra de Arte
Contemporânea.
Porque o Museu é um território cultural, nele se cruzam por excelência
expressões diversas: a tradição e a contemporaneidade encontram
nele terreno fértil e, não raro, provocam eco; nele também as dinâmicas ascendente e descendente completam-se e deixam rasto…
Por isso, o Museu deverá ser um território aberto, permeável e
dinâmico, acolhedor e hospitaleiro; um lugar que suscite mais
questões do que respostas; uma ágora que interrogue o presente,
revendo o passado e preparando o futuro.
Neste contexto conceptual de Museu, é da maior relevância a participação
do Museu de Angra do Heroísmo neste projecto expositivo. Apresentando obras de um conjunto de artistas que marcam a criação
artística contemporânea em Portugal, ele oferece ao público visitante uma excepcional oportunidade de estar em contacto com
variadas técnicas e expressões que se impõem ao Homem contemporâneo como reflexão inevitável de um tempo e de um espaço.
São obras de Álvaro Lapa, Ana Jotta, Eduardo Batarda, Jorge Queiroz, José
Loureiro, Miguel Branco, Rui Chafes, Rui Leitão, Rui Moreira e
Rui Sanches que celebram esta festa da arte, sob a designação
Corpo Intermitente, que o Museu de Angra do Heroísmo acolhe
com grande entusiasmo.
Jorge A. Paulus Bruno
Director do Museu de Angra do Heroísmo
The Luso-American Development Foundation, in collaboration with the
Azorean Government’s Cultural Department, is currently carrying
out a tripartite exhibitive project in which the Angra do Heroísmo
Museum is greatly proud to participate, by hosting this important
showing of Contemporary Art.
A Museum is a cultural territory, a privileged location for the crossing
of various expressive forms: tradition and contemporaneity find in it
a fertile ground, across which they often reverberate; in it, too,
ascending and descending dynamics complete each other, leaving
their trace… Given all that, the Museum must be an open, permeable, dynamic, comfortable and welcoming territory; a place that
inspires more questions than answers; an agora on which the present
will be examined, revisiting the past and preparing the future.
Within the above conceptual context, the Angra do Heroísmo Museum’s participation in this exhibitive project takes on the utmost importance.
The present exhibition displays works by a group of leading artists in
Portuguese contemporary art, thus giving its visitors an exceptional
chance to contact with a variety of techniques and expressions that
impose themselves on contemporary Man as the unavoidable reflections of a certain time and space.
Works by Álvaro Lapa, Ana Jotta, Eduardo Batarda, Jorge Queiroz, José
Loureiro, Miguel Branco, Rui Chafes, Rui Leitão, Rui Moreira and
Rui Sanches make up Corpo Intermitente [Intermittent Body], a
celebration of art enthusiastically hosted by the Angra do Heroísmo
Museum.
Jorge A. Paulus Bruno
Director of the Angra do Heroísmo Museum
ÍNDICE / CONTENTS
JOÃO SILVÉRIO
Itinerário
15 A visita do corpo
p. 13
NUNO CRESPO
23
Notas sobre o conceito de figura
Catálogo / Catalogue
32 Eduardo Batarda
42 Miguel Branco
50 Rui Chafes
58 Ana Jotta
68 Álvaro Lapa
78 Ruy Leitão
86 José Loureiro
92 Rui Moreira
98 Jorge Queiroz
106 Rui Sanches
JOÃO SILVÉRIO
Itinerary
119 The visit of the body
117
NUNO CRESPO
125
Notes on the concept of figure
Biografias / Biographies
156 Lista de obras / List of works
142
13
JOÃO SILVÉRIO
Itinerário
A cidade de Angra do Heroísmo acolhe a exposição intitulada Corpo
Intermitente, integrada num projecto, realizado pela Fundação
Luso-Americana para o Desenvolvimento em colaboração com o
Governo Regional dos Açores, que
tem como objectivo dar a ver obras
de arte contemporânea a partir de
um duplo caminho descentralizador. Por um lado, mostrar a
diversidade de propostas artísticas integradas na colecção. Por
outro, estimular um forte empenhamento na descentralização dos
lugares e equipamentos culturais
que trabalham com públicos diferenciados. Acrescente-se, ainda, a
edição e publicação dos catálogos,
que contribuem, com a produção
especializada de textos, para constituir uma maior amplitude na leitura e compreensão dos projectos
expostos.
Em 1999, uma outra exposição de
obras da colecção esteve patente
nesta cidade e contou com a colaboração do Museu de Angra do
Heroísmo para a adaptação da
exposição, de menor dimensão, ao
espaço do Palácio dos CapitãesGenerais. O convite endereçado à
Fundação Luso-Americana constituiu, na época, uma possibilidade
única de integrar uma das mais
importantes manifestações culturais da Ilha Terceira, as Festas
Sanjoaninas.
A presente exposição foi pensada
especificamente para o Museu de
Angra do Heroísmo. A singularidade do seu espaço apresenta-se
como um duplo corpo que se
14
descobre na imponente arquitectura conventual de raiz setecentista e no seu interior renovado,
consequência do restauro que
sofreu no final da década de noventa do século passado. O museu
é como um corpo reconstruído que
resguarda e projecta dentro de si
um outro corpo dinâmico, multifacetado e versátil. Um contentor
que responde não só às necessidades do legado que acolhe, mas
também às solicitações de artistas
e obras contemporâneas que têm
construído a sua identidade, expressa na programação que criteriosamente vem produzindo.
Na sequência da metodologia iniciada com o anterior projecto,
esta exposição prossegue o cruzamento de linguagens e meios de
expressão, conduzindo a uma
(re)leitura de propostas e obras de
arte significativas para o presente
que vivemos.
15
A visita do corpo
É extensa a sombra que se estende
perante nós quando pensamos a
ideia de corpo, seja, para nós, figura (humana ou não), silhueta,
corpo celeste ou algo que nos remeta para a significação de um
objecto corpóreo. É também a sua
representação, desde os primórdios da humanidade, que nos ajuda a compreender uma das formas
do corpo, aquela que nos suporta
e nos confere a realidade e identidade como seres humanos. Mas
em simultâneo toda a corporalidade presente na história da mitologia, na imaginação, na narrativa
ficcional. Linha interminável do
pensamento que une os ideais de
beleza, de fealdade, de temor, de
desejo, e de poder, contributo último para uma possibilidade da ultrapassagem e reconhecimento do
nosso corpo materializado noutras
linhagens de corpos transmutados.
As obras expostas não pretendem
dar a ver a sua evidência como
uma temática constante. E se, por
vezes, é aparente a sua presença,
noutros casos a verosimilhança
com a sua representação histórica
de modo algum pretende recolocar um cânone que possa ou pretenda enquadrar e actualizar um
modelo desse corpo ideal. Assim,
Corpo Intermitente é uma aproximação aos indícios desse corpo
criado e questionado que emerge
na obra dos artistas escolhidos para
esta exposição: Eduardo Batarda,
Miguel Branco, Rui Chafes, Ana
Jotta, Álvaro Lapa, Ruy Leitão,
José Loureiro, Rui Moreira, Jorge
Queiroz e Rui Sanches. É através
da linguagem simbólica e da metáfora que podemos aproximar-nos
da corporalidade que atravessa o
percurso da exposição. Como se
fosse um planisfério, que indica
locais cuja identificação é subtil,
mas que sugerem cada um deles
apontamentos e direcções distintas.
Quando o corpo emerge, ou uma
referência a este é perceptível,
16
este acontecimento pode ocorrer
através de uma entrada distinta
do universo da arte: uma referência a um dispositivo da psicologia.
É o caso das obras da autoria de
1
Ana Jotta , que sobrepôs três
folhas com manchas de Rorschach
sobre três projectos encomendados a artistas para três publicações. Estas obras tomam o lugar
das obras publicadas por outros
autores, apropriando-se do seu
espaço. E ocupar o lugar do outro
é tomar a posse do seu lugar,
conquistar-lhe a propriedade. Esta
é uma das aproximações que podemos fazer, pensando o corpo
como uma ferramenta da acção e
simultaneamente uma metáfora
desta, como uma massa complexa
e inclusiva de uma personalidade
psicológica, traduzida, segundo
esta prova, a interpretação do teste
Rorschach, numa silhueta psicológica de um indivíduo, de um
sujeito. Apologia cínica da contradição platónica entre o inteligível e o sensível, a exposição
idealizada do corpo apolíneo e
universo do pensamento liberto,
mas ainda distante, desligado. Por
outro lado, a forma do corpo interpretada como ideal da perfeição
na escultura clássica encontra em
Rui Sanches uma resposta que
se apresenta como um embuste e
devolve-nos a ideia de objecto
corpóreo. E corpóreo quer dizer
que se refere ao corpo ou que lhe
é relativo, mas que não é ainda,
ou que já não é. Pode ser antropomórfico, de forma semelhante ao
corpo, disforme ou informe, mas
2
de difícil interpretação . Esta obra
Sem título de 1993, pode remeternos para a figura de um torso
humano, um corpo deformado ou
a uma secção de um modelo
inacabado de outro tipo de corpo.
Sob outra forma, os desenhos de
3
Rui Moreira , trabalhados com
uma precisão geométrica e persistente, desorientam-nos na busca
de coordenadas que procuramos
numa tentativa de encontrar a figura de um corpo num universo
1
Ver págs. 60>61.
2
Ver pág. 115.
3
Ver págs. 96>97.
17
próximo da abstracção. Estes desenhos sugerem-nos figuras estranhas, como hierofantes de um
ritual desconhecido, próximas da
monstruosidade, no sentido em que
existe algo de excessivo, visível
nas formas fálicas exacerbadas e
no volume que as vestes de recorte primitivo exibem. Mas esta
aura, de monstruosidade e de excesso, transporta-nos para os três
4
desenhos de José Loureiro . Fragmentos que recuperaram instantaneamente todas as afecções que o
corpo provoca, negando a unidade
de órgãos agregados. Surgem-nos
como elemento simbólico que nos
remete para a existência de um
ser cuja boca é a porta para as
entranhas, para a sua intimidade.
A boca que beija mas também a
boca escarlate que emite sons, rugidos, até palavras como na peça
5
Not I, de Samuel Beckett , em
que a figura principal é a boca de
uma mulher que relata uma sucessão de acontecimentos dramáticos. A boca-mandíbula que, para
4
Ver págs. 89>91.
5
Not I é um monólogo,
escrito por Samuel
Beckett em 1972, no
qual a personagem
principal se chama
Boca.
além do tempo histórico, simboliza a loucura, o medo e o terror, elemento central no quadro pintado
por Goya, Saturno devorando o seu
6
filho , ou, na cinematografia de
Ridley Scott, a imagem da mandí7
bula retráctil de Alien , que se destaca e isola do seu corpo multiforme.
8
Manhã e Madrugada são duas palavras que dão o título às esculturas
de Rui Chafes. Palavras que podem surpreender-nos entre o nascimento e a morte, entre a presença
e a ausência. E é a palavra, que
cada uma sussurra, que indicia
uma determinação do próprio corpo para se integrar numa espécie
de armadura interior que parecem
representar. São corpos que resguardam, ou prendem, a existência corporalizada do espírito e
elevam-se como carcaças aladas
que pairam sobre nós. Escondemnos o ferro e o fogo sob as silhuetas recortadas e negras, deixando
uma dúvida silenciosa sobre a leveza eterna ou a queda que o seu
peso pode anunciar.
6
Francisco de Goya,
Saturno devorando o
seu filho, 1819/23,
146 x 83 cm., óleo
sobre tela, Museo del
Prado, Madrid,
Espanha.
7
Ridley Scott, Alien,
1979.
8
Ver págs. 54>57.
18
A ausência e o silêncio provocam
um reencontro em Álvaro Lapa,
na série Moradas na Mãe Terra e
9
no desenho A voz das pedras . A
voz das pedras da praia de Labruge reproduzida através de um
texto escrito pelo autor, não a voz
humana mas a voz que se pressente na figuração construída pela
10
escrita . O desenho, como prática
silenciosa e solitária, vai revelando nos catorze desenhos das
Moradas na Mãe Terra os objectos
e as paisagens como lugares onde
algures alguém esteve incólume e
anónimo à espera. Até que uma
figura aparece. Apenas uma cabeça, o cabelo espetado e os olhos
que nos enfrentam numa pose
silenciosa, como se nos advertisse
que é possível sentir a respiração
que a terra e as pedras evocam. O
aparecimento/desaparecimento
do corpo e dos seus indícios, a
intermitência, é como um estado
febril, inconstante, impreciso e
tenso que nos encaminha para a
contradição e estranheza na repre-
sentação. E é perante uma aparente contradição que nos defrontamos, nesta exposição, com as
pinturas de Miguel Branco. Os
formatos são semelhantes, de pequena dimensão, quase como se
fossem objectos portáteis, mas a
pintura oferece-nos de imediato a
obrigação de estacar a nossa marcha e olhar. Olhar de frente para
estas figuras procurando o que são
e quem são, porque aqui o corpo é
reconhecível e só o profícuo e atento trabalho do pintor consegue
imolar a tentação de procurarmos
a realidade e a verdade sobre os
retratados. É a pintura que cria e
possui a corporalidade, a identidade dos mascarados e do corpo
jovem e apolíneo, desnudado, que
11
nos indaga sobre o fundo carmim .
E é aqui também que a contradição surge entre o corpo revelado,
o rosto descoberto de expressão
elevada e semblante luminoso, em
confronto com a estranheza das
figuras com o rosto encoberto, por
vezes sem olhar, quase inumanas,
9
Ver pág. 71.
10
"As conversas de Leça
em casa de Álvaro
Lapa (1998-2006)",
entrevista dada a
Jorge Silva Melo,
Álvaro Lapa: Textos,
Catálogo da exposição
Grande Prémio EDP,
2006.
11
Ver pág. 45.
19
como se a máscara (que se estende ao corpo?) fosse uma das qualidades do ser humano. Será? Como
refere Nuno Faria, “estamos perante figuras antropomórficas isoladas, mascaradas ou privadas de
rosto [onde] se manifesta com redobrada vitalidade, uma questão
central que antes era latente: a de
uma animalidade ou monstruosidade aliadas a um ambiente de
12
inquietante estranheza” .
Mas a estranheza é um território em
que a definição dos seus próprios
limites se torna difícil. Como algo
que vem de fora, que nos é estranho e que temos dificuldade em
incorporar ou adicionar ao nosso
universo. Como olhar para a obra
de Eduardo Batarda, Anarquistas em Petrogrado preocupados
13
com Cronstadt, de 1975 , sem
sentir uma surpresa ou um sentimento ambíguo entre o cromatismo sedutor e a violência que
absorve todos os campos da imagem? Referindo-se a um facto
histórico, esta obra não é apenas
12
Cfr. Nuno Faria sobre o
artista Miguel Branco:
http://www.camjap.gu
lbenkian.pt/l1/ar%7B
D2B27546-03B0-4185A5F8-0B5ACC3E203C%
7D/c%7B44bf84ebbace-401d-8af9-7db9d
1804 63d%7D/m1/
T1.aspx
13
Ver pág. 41.
uma ilustração que revela o inquestionável domínio do desenho
da aguarela e da composição que
nos transporta para um campo
próximo da banda desenhada. A
profusão de elementos, de anotações escritas e de figuras bizarras
e deformadas, quase a tocar o
grotesco, é absolutamente provocatória, satírica. O corpo das personagens não é caricatural, mas
transgressivo, no sentido em que
não o é apenas pelo seu carácter
sexualmente explícito e perverso,
mas principalmente pela hibridez
exacerbada que ultrapassa, ou
transgride, o comentário sobre o
real, levando-o para o domínio da
fantasia. Esta noção de transgressão faz-nos regressar à ideia do
corpo como um ente excessivo que
pode transmutar-se no próprio
espaço onde ocorre uma possível
narrativa. É esta dimensão de uma
natureza híbrida que está presente
nas obras de Jorge Queiroz.
Como João Fernandes afirma, no
catálogo da sua recente exposição
20
14
antológica , nos seus desenhos “o
corpo destas figuras pode fragmentar-se: em certos casos podemos encontrar apenas uma perna,
noutros uma cabeça. Noutros casos, o corpo vai transformar-se,
fundir-se com o contexto espacial
que o envolve e que, por vezes, é
gerado por esse mesmo corpo.
Uma cabeça pode abrir-se numa
paisagem, de um torso pode surgir um objecto, um braço ou uma
perna podem surgir amputados ou
15
continuados por um objecto” .
Neste universo, todas as combinações são possíveis e expandem-se
infinitamente para dentro das narrativas que constrói, mas sobre as
quais saberemos apenas fragmentos episódicos. Porque o autor
persiste em procurar sempre mais
fundo como se dilatasse o espaço
– um espaço interior.
Os desenhos de Ruy Leitão revelam uma influência viva das imagens do mundo que rodeiam o
autor. Animais, sapatos, chapéus
e outros objectos do quotidiano
encontram-se, provocando uma
profusão de elementos e cores que
a obsessão do artista impregna na
folha até à exaustão. Há coisas e
corpos que se metamorfoseiam uns
nos outros, e aparecem animais,
figuras humanas com cabeça de
animal, ou animais vestidos como
se fossem as personagens anónimas de uma fábula. No entanto,
dois desenhos aparentemente abstractos fazem pressentir algo de
corpóreo. A forma de uma pegada, uma sola de sapato, na
esteira dos sapatos que desenhou.
16
Estes dois desenhos , mais depurados, são sinalizadores de uma
existência corpórea submersa mas
latente, que não cede de imediato
à revelação mas que deixa pressentir a intermitência do corpo
como uma presença heteróclita
que nos visita, surpreendendo-nos
na fugacidade que só a memória
ou o espelho podem recuperar.
14
João Fernandes,
"Jorge Queiroz: Do
desenho enquanto
twilight zone entre o
real e as suas ficções",
Jorge Queiroz,
Catálogo da exposição
no Museu de Serralves,
Porto, 2007.
15
Ver págs. 102-105.
16
Ver pág. 84.
23
NUNO CRESPO
Notas sobre o conceito de figura
“Toda a figura é um mundo, um retrato cujo modelo surgiu numa visão
sublime, tingido de luz, designado por uma voz interior, apontado,
desnudado por um dedo celeste que mostrou, no passado de toda
uma vida, as fontes da expressão.”
H. Balzac, A obra-prima desconhecida, p. 38
Balzac nunca teve como objectivo descrever qualquer tipo de quadro
metafísico sobre as obras de arte, ainda que resulte do seu texto
uma das mais poderosas apresentações do demónio (no sentido
grego de ‘daimon’) da arte. E este tem, sem dúvida, origem num
plano que não se atém à matéria, aos objectos, às experiências
puramente sensíveis. Trata-se de um plano que extrapola o dado:
a pura experiência sensível não lhe é suficiente e o seu movimento
é o de uma peculiar exorbitação. Ainda que, como Kant tão bem
reconhece, essa seja a tendência ou vocação natural da razão
humana, em termos artísticos corre-se o risco da anulação da
própria obra de arte, da figura, da mancha, do objecto.
24
Neste mesmo texto, Balzac, pela voz do mestre pintor que teima em não
desvendar a sua obra aos amigos, diz: “A obra que tenho lá em
cima aferrolhada é uma excepção na nossa arte; não é uma tela, é
uma mulher!” Esta metamorfose da pintura em carne, da matéria
de arte em matéria de vida, apresenta perigos: zona de suprema
confusão onde aquilo que é não parece e o que parece não é. Uma
desconfiança que se traduz em desconforto estético: a tese é de
que qualquer obra de arte esconde uma espécie de génio maligno
que está sempre a enganar, que continuamente prega partidas perceptivas e impede a visão da superfície. Mas as razões da desconfiança transformam-se nas razões do louvor: coroa de espinhos e
de glória. Parecem ouvir-se ecos de Platão quando, na República,
apresenta as razões da não admissibilidade dos artistas na sua cidade e o seu discurso condenatório se transforma numa das mais
louváveis exortações aos poderes da arte. Ou seja, este génio é
maligno, mas, simultaneamente, criador, portador do poder da
configuração da matéria em símbolo, em signo, em experiência,
em conhecimento.
A formulação balzaquiana é uma exigência, para muitos incompreendida
e injustificada, de que a obra de arte não pode ser só mais um
objecto, mas que tem de ser uma matriz, modelo ou retrato —
um mundo, como escreve Balzac. Além de ser um imperativo
moral, trata-se de uma exigência de relação com o mundo que
encontra no conceito de figura a sua melhor expressão. A relação
entre figura e mundo, e é esta relação que importa explorar,
corresponde ao esforço de tornar visível, um esforço que integra
não só o espanto das coisas existirem, como o espanto de serem
como são. É do prestar contas a este espanto que se alimentam
as artes.
25
A exigência, própria daqueles para quem os objectos esteticamente qualificados são momentos de contemplação, é a da fuga ao gesto desnecessário, fortuito, desenraizado, ao arabesco construído sobre o
acaso. A relação da figura com o mundo é a do reconhecimento do
característico, do próprio, por isso o mundo é o seu lugar de ressonância. Trata-se da transformação do mundo em qualquer coisa
identificável, isto é, uma laboriosa organização do campo visual.
Não é uma relação de estrita representação — o actor representa: está em
vez de…, com uma máscara faz-se passar por… —, mas de um
lugar de descoberta. Tal como os nomes não são mais que chaves
de entrada dentro das coisas, as figuras são gestos que, sob um
fundo indeterminado, informe, delimitam, reconhecem, intuem
zonas de comunidade, de troca.
Diz Jünger: “«Intueor» é um verbo que os Antigos não conheciam senão na
sua forma passiva e através das suas causas. Só depois vem a denominação: as coisas não transportam o seu nome, os nomes são-lhes
conferidos. O mundo dos nomes distingue-se do das imagens: não é
mais que um reflexo.” (Tipo, Nome, Figura, §24)
A figura é, assim, a apresentação ou, se se preferir, a materialização da
intuição: nas tintas de uma tela, nos traços de um desenho, na
madeira ou ferro de uma escultura. E o tal sentido antigo de intuição
— o ser-se afectado por, o deixar-se marcar por — coloca entre
parêntesis a actividade configuradora do espírito humano e
transforma, por momentos, todo o conhecimento em reconhecimento. Este louvor a uma certa passividade do sujeito transformase em relação de descoberta daquilo que emana das próprias
coisas. É como se, deste ponto de vista, o interesse fosse a visão
— e intuir é, de algum modo, uma forma de visão — das coisas elas
mesmas, nas suas formas mais caóticas, informes, desorganizadas,
26
intocadas pela racionalidade ou integradas no espírito sistemático,
isto é, a intuição como contacto com o antes-do-nome, como visão
à luz do meio dia, sem sombras, sem lastro. Seguindo Jünger, os
nomes são reflexos, sombras das coisas, acções humanas; já as imagens estão mais próximas da fonte. E imagem é, aqui, o ser-figura
daquilo que se vê: deixa o teu corpo projectar a luz e as sombras
para que eu te veja, para que eu te reconheça, para que tu sejas.
“A concepção da figura pressupõe o ser humano, como espírito que concebe,
mas também como espírito que engendra. Um elemento novo penetra
no homem, mas para ser por ele denominado e assim conhecido,
mas também reconhecido.” (Jünger, op. cit., §113)
Este espírito que engendra, no caso da construção da figura, o artista,
trabalha no adro da discursividade, ao mesmo tempo que engendra
é engendrado: sou aquilo que vejo e o que vejo sou eu. Deixar-se
penetrar por esse tal elemento novo é não só recuperar a intuição,
como é condição da formação de figuras: simultaneamente cria o
mundo e cria-se a si mesmo e o seu corpo é medium do nascimento
do novo, lugar do inesperado e da revelação. As figuras por si
engendradas correspondem à tensão de diferenciação do indiferenciado: a mancha, primeiro operador da figura, é o seu primeiro
sinal perceptivo, apresenta o esforço de conhecimento e de descriminação do informe. Trata-se de arrancar o nome ao que não tem
nome, a figura ao indistinto: “toda a imagem, todo o fenómeno na
sua linguagem imagética e simbólica, é um caso à parte, uma
delimitação a partir do indiferenciado” (Jünger, op. cit., §108).
Esta acção de delimitação corresponde à descoberta do indivíduo,
do singular, do caso único, ao nascimento da multiplicidade. Só no
contraste com a multiplicidade nasce a unidade do caso singular,
é através do contraste com a heterogeneidade que se dá conta de
si: no limite, a figura é uma variação desse mesmo indiferenciado.
27
Mas a figura é simultaneamente movimento de síntese, por isso é um mundo:
a sua melhor apresentação acontece com o corpo humano, que é
não só o mediador por excelência de todas as figuras, como a sua
origem e destino. Escreve Filomena Molder: “são as obras, elas
mesmas, que solicitam, sugerem e exigem um certo movimento, uma
certa disposição ao contemplador, que aparece unicamente no
sentido mais depurado, relativamente à essência espacial da obra,
isto é, relativamente ao lugar do espaço consequente com a obra
contemplada. Fala-se da exigência da obra, nunca em ponto de
vista” («Notas de leitura sobre um texto de Walter Benjamin»,
Matérias Sensíveis, p. 19). Faz-se aqui uma equivalência entre
obra e figura, por entendermos ser a figura uma obra. O “lugar do
espaço” indicado é consequência da irrupção da figura: ao seu
nascimento corresponde um gesto inaugural, uma suspensão do
tempo e uma demarcação do espaço absoluto. A figura, como a
obra de arte em geral, é a acção de tornar perceptível o espaço e
sensível o tempo. Outro aspecto da proximidade que aqui se desenha, reside na autonomia, expressa sob a forma de exigência, da
figura: a subjectividade do sujeito não é tida em conta, o que há a
honrar são as exigências das figuras. São elas que determinam o
lugar do corpo no espaço, os movimentos, a dança sensível, sob o
risco de, caso não se atenderem os seus pedidos, se afundar numa
profunda mudez e invisibilidade.
Outro aspecto a salientar é que a construção da figura não é regida por uma
escolha, pois é uma resposta directa a uma necessidade de orientação: usando a bela imagem de Jünger (op. cit., §88), as figuras
são como uma espécie de bússola que só serve para o trajecto:
aponta o norte, orienta, mas não determina o caminho.
28
“No caso da figura, não só os contornos se tendem a apagar, mas a própria
consciência que os encara é menos presente. Toca-se num saber mais
profundo, mais próximo do pressentimento — um parentesco que
reside na natureza que configura mais que na natureza configurada”
(Jünger, op. cit., §128).
Esta quase-ausência aqui sublinhada destaca o contacto directo que a
figura estabelece com aquilo que figura, que apresenta ou
representa. Quando comparada com a linguagem sabe-se que a
figura vai mais fundo, por ser construída através dos mesmos
ingredientes daquilo que figura. Por isso se podem fazer transições
e os elementos ajustam-se, não se desdizem ou contradizem.
Jünger afirma que a partir de certo momento os contornos da figura
se tendem a apagar: ao máximo poder da figura corresponde o seu
desvanecimento.
Voltemos a Balzac: “Estais diante de uma mulher e procurais um quadro.
Há tanta profundidade nesta tela, o ar nela é tão verdadeiro, que já
não podeis distingui-lo do ar que nos rodeia. Onde está a arte?
Perdida, desaparecida” (Balzac, op. cit., p. 68).
A situação é paradoxal: a verdade em arte, tal como a profundidade na
figura, corresponde à sua anulação, imiscui-se com os factos do
mundo, faz-se facto do mundo, espaço tornado consciente. Que o
ar possa correr por entre o corpo da figura indica que o poder desta
reside num tipo superior de visão, um poder que se exerce sobre
tudo quanto há: só se conhece um poder próximo deste, que é o da
nomeação. Dado a figura não aparecer no universo, não estar disponível para ser colhida e integrada num discurso unificador, ela é a
primeira manifestação desse mesmo universo: trata-se da transformação do poder cósmico e metafísico numa realidade tangível,
sensível, mensurável, elemento do campo de visão e percepção.
29
“O fundo cósmico e o fundo inesgotável do homem não são senão um:
matéria, espírito, prodígio, mar, floresta, luz, sol, deserto e qualquer
outro nome que se queira. Lá não existem nem diferenças, nem
qualidades. Número, pensador, altura, profundidade, entendimento
já nada significam…” (Jünger, op. cit., §122)
Que entre tudo se possa estabelecer uma relação não significa que tudo
seja igual a tudo: através do engenho humano o novo tem lugar, o
estranho pode acontecer. Mas a correspondência aqui estabelecida
diz respeito às transições possíveis entre os elementos, e o modo
como a diversidade se encontra nesse fundo que o cosmos e o
homem partilham: o múltiplo descobre-se, reconhece-se no UM.
Com as obras de arte acontece o mesmo, percebe-se um “acordo
genético entre a orientação do corpo, os movimentos da mão, a
direcção do olhar do artista e do seu efeito sobre aquele que contempla: o quadro, o desenho, a seda pintada chinesa, a pintura
parietal, o fresco, chamam a si em relações metafísicas, ao longo do
tempo diversas, um modo de olhar, um lugar, que não pode ser
arbitrário” (Maria Filomena Molder, op. cit., p. 20).
BIBLIOGRAFIA
Balzac, Honoré, A obra prima desconhecida, [Le chef-d’oeuvre inconnu, 1831], Lisboa: Ed. Vendaval, 2002
Didi-Hiberman, Georges, La peinture incarnée suivi de Le chef d’oeuvre inconnu par Honoré de Balzac,
Paris: Les éditions de Minuit, 1985
Jünger, Ernst, Type, Nom, Figure [Typus, Name, Gestalt, 1981], Paris: Christian Bourgeois Ed., 1996
Molder, Maria Filomena, Matérias Sensíveis, Lisboa: Relógio D’Água Editores, 1999
Catálogo / Catalogue
EDUARDO BATARDA
MIGUEL BRANCO
RUI CHAFES
ANA JOTTA
ÁLVARO LAPA
RUY LEITÃO
JOSÉ LOUREIRO
RUI MOREIRA
JORGE QUEIROZ
RUI SANCHES
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EDUARDO BATARDA
O imaginário de Eduardo Batarda implica, antes de mais, um salto nas
profundezas da imaginação, no poder
configurador que esta força da inteligência possui de dar forma àquilo que
não domina. Não se trata de uma simples unificação, antes do estabelecimento de relações muitas vezes inesperadas entre corpos, objectos, roupas,
detalhes roubados. O seu interesse é
puramente visual, ou seja, trata-se de
um artista que encontra na prolixidade
das figuras o seu modo de construir
imagens.
Os diferentes elementos pictóricos que
utiliza, sempre variados e a fugir da
repetição, criam entre si um ambiente
familiar. Mas esta família é especial:
quase nunca há parecenças directas, é
preciso aguçar a vista e estar-se preparado para o detalhe, para a fissura
que cada uma das suas figuras sensíveis apresenta como sendo o seu lugar.
São quase sempre corpos que, através
de acções inesperadas, se dão a conhecer enquanto limites: da forma, do
traço, da fisionomia. As situações de
desmedida em que Batarda coloca os
seus personagens não são produto de
uma fantasia sem limites, mas procedem de uma compreensão que é no
limite que melhor se vêem as diferenças, que aí se dão a conhecer as
fisionomias dos corpos que se amam e
dos corpos da náusea, que não se querem ver, cheirar, tocar.
A escala que o artista utiliza deve-se,
antes de mais, à construção de uma
linguagem destinada a poder exprimir
o carácter sempre único do corpo que
concebe, que arrepia, que deseja. O
riso que pode provocar dá conta da
profundidade da sua intuição: feita
mancha, figura, universo. O seu mundo
tão próprio é regido pelas leis do desejo e da viagem: esta empreendida
enquanto gesto de descoberta do eu e
do outro, do encontro e do desencontro. As consequências políticas
são inevitáveis. Está-se aqui a pensar
sobretudo nos seus papéis. Aí, a anarquia da imaginação é total e encontra
33
o seu sentido na capacidade de construir uma espécie de amostra de um
mundo possível.
O carácter exótico com que se pode
classificar estes seus trabalhos não os
afasta de nós, mas transforma-os em
espaços explosivos de relação com o
erotismo que se teima esconder. Os
falos grandes, as bocas abertas e famintas parecem sempre corresponder
a algo daquele fundo inesgotável no
homem de que fala Jünger.
Trata-se de um artista que é, sobretudo, um receptor: tudo o que lhe
interessa faz sua propriedade, transforma a linguagem alheia na sua própria e o seu método reside num olhar
que se constrói na tensão da criação
de um inventário das formas orgânicas
e de tudo que com elas se relaciona.
Se o corpo é o mote destas aguarelas,
é-o no sentido de ser o denominador
comum de todos os objectos, de todas
as cores. É o primeiro termo de comparação e de relação com tudo o que
há. A violência que, aparentemente,
envolve alguns destes seus trabalhos
está relacionada com o modo desinibido como o desejo é apresentado:
força primária configuradora dos gestos, orientador e primeira pedra do
edifício humano dos valores. De algum
modo, Batarda parte de um cliché
visual e histórico (são conhecidas as
suas obras em que se apropria de muitos lugares da história da arte) para
construir um campo visual absolutamente seu: o sítio de onde parte é
destruído e das suas cinzas nascem figuras de surpreendentes poderes encantatórios.
34
Murder in the Gallery, 1972
35
36
Flood (Ligth of the world), 1972
Green Indian, 1972
37
38
Sem título / Untitled (“ Great moments in self-expression, vol. 14”), 1973
Aventuras da Condessa del Rio, 1972
39
40
Anarquistas em Petrogrado preocupados com Cronstadt, 1975
41
42
MIGUEL BRANCO
Que o rosto se pode transformar numa
paisagem é qualquer coisa que todos
os retratistas e alguns fotógrafos sabem, aliás essa é mesmo a sua matéria, o seu mote, a sua razão. Não se
pode com segurança localizar as pinturas que agora se apresentam numa
tradição da pintura ou identificar um
mote que todas em conjunto desenvolvam. O que recriam é um ambiente
cuja espessura é estranha, de difícil
acesso: animais, paisagem, rostos humanos em transformação. O carácter
humano, a confundir-se com o fundo
da pintura, é dado enquanto metamorfose, movimento de aproximação à
sua animalidade, a um carácter bruto
e indistinto.
O homem e a sua máscara é outra das
entradas nestes trabalhos de Miguel
Branco. Mas máscara tem aqui o sentido nietzscheano de ser condição de
expressão, a condição metafísica necessária para que o rosto possa aparecer.
A pintura mais reconhecível enquanto
retrato revela-se, no final da série,
como a mais encenada, mais distante
do elemento primeiro da fisionomia:
reconhece-se no rosto que é máscara
a fundir-se no fundo, a fazer-se parte
do indiferenciado cósmico da pintura,
a apresentação da natureza indistinta
no homem. Se, por um lado, se pode
transformar o rosto em paisagem que
se contempla e onde se descobrem
múltiplos acidentes que contam histórias e expressam vida, por outro, esse
mesmo rosto pode ser visto como máscara funerária. Não que anime estas
pinturas qualquer sentimento nostálgico, aquilo que elas têm como força
configuradora reside na descoberta da
não-forma, da não-figura como lugar
de pertença do humano.
Estas pinturas de Miguel Branco são
lugares inquietantes onde se assiste
ao retorno do corpo à terra, ao leito,
ao lugar indistinto a partir do qual
todas as formas são formadas, esse
imenso oceano cósmico e natural. Que
a figura progressivamente se vá transformando no seu próprio fundo é, para
43
além de uma relação pictórica, indício
da polaridade constitutiva da fisionomia: aparecer/desaparecer, fazer-se/
desfazer-se, diferenciar-se/tornar-se
indistinto. No limite, aquilo que o artista obriga a percepcionar é a anulação
da multiplicidade e a sua transformação em unidade: o muito reconhece-se
no UM e funde-se nele. O UM é o magma
terrestre que tudo absorve, tudo integra, tudo desfaz e integra numa
outra unidade, numa outra espessura
orgânica.
A escala em que trabalha, quase um
miniaturista, serve um duplo propósito: primeiro obriga à concentração,
depois faz com que estes trabalhos
sejam uma espécie de segredo que o
artista nos conta ao ouvido. Os sussurros que emanam destas madeiras e
destes seres atemorizam, mas por mais
que se queira não se pode desviar o
olhar. Está-se sob uma espécie de encantamento ou condenação: qualquer
olhar reconhece nestas figuras o seu
lugar de pertença, neste rosto reco-
nhecem o seu próprio. O elemento
inquietante nestes trabalhos é o eles
não se erguerem enquanto lonjuras,
mas como locais dentro do próprio corpo, novos órgãos que sem antecipação crescem dentro do contemplador.
A posição, anímica e física, que as
pinturas obrigam a assumir metamorfoseia aquele que vê em força, pura
pulsão, energia irracional que irrompe
do interior do rosto e se transforma no
campo magnético que rodeia a fisionomia humana.
44
Sem título / Untitled, 1987/88
Sem título / Untitled, 1997
45
46
Sem título / Untitled, 2000
Sem título / Untitled, 2000
47
48
Sem título / Untitled, 2000
Sem título / Untitled, 2000
49
50
RUI CHAFES
Corpos de fogo, ferro e palavra. Assim
poderia começar uma descrição do
trabalho de Rui Chafes. As suas esculturas são pedaços tirados à terra,
bocados do cosmos terreno e celeste
com os quais o artista realiza uma
minuciosa descrição da ocupação do
espaço. O seu interesse não é puramente humano; trata-se de tornar terrenos seres incorpóreos e criar lugares
onde os corpos não se submetem às
habituais leis da gravidade, criando as
suas próprias condições de existência.
A sua estratégia formal e conceptual
passa por um jogo com o peso e a
leveza, a gravidade e a graça, a opacidade e a transparência.
Independentemente do seu estatuto
de corpos, as suas criaturas — que
são madrugadas e manhãs, luzes e
escuridão, clareiras e campos de escondimento — são sobretudo pontos de
intensidade, topoi poéticos: momentos
de potenciação do campo da acção
humana. A figura matricial é sempre o
corpo humano na sua dimensão múl-
tipla, nos seus aspectos de matéria,
forma e invisibilidade. São locais de
partida através dos quais se toca no
frio que envolve todo o ente vivo. São
gestos que rodeiam, como um halo sagrado, e protegem o coração, ao mesmo
tempo que o expõem ao mundo. São
abrigo e casa materna onde o homem
se pode recolher, lugar sagrado onde
o coração se pode dar a si próprio.
Não se pode pensar o trabalho deste
artista sem ser numa estrita relação
com a camada mais profunda da realidade: as suas esculturas são seres da
profundidade, corpos alados. O local
que habitam inscreve-as em zonas
onde o silêncio é mais forte que a palavra, são como sondas que detectam
os deslocamentos e oscilações do magma terrestre. Mas trata-se de um silêncio que não anula a palavra, a qual
é aqui entendida como esforço humano
de compreensão. Estas esculturas são,
sobretudo, formas de pensamento tornadas sensíveis, tangíveis: é o pensamento a entregar-se na forma de corpo.
51
Dar nome — e todas as esculturas de
Rui Chafes têm nome — significa a
necessidade de compreender o visível,
de identificar a intuição. Mas a nomeação não é sinónimo de um programa de racionalidade, mas sim um
gesto poético. Aliás, só a palavra poética convém a estas formas, porque só
elas podem conter o universo que é
aqui apresentado: fazer poesia com o
fogo, escrever sobre o aço incandescente — esta é a imagem que convém
a estes corpos.
Um esforço que não obedece a critérios puramente formais, mas orgânicos.
Exigências que têm de se cumprir
quando se seguem os vestígios do que
está vivo. O escultor transforma-se
não num demiurgo, mas num caçador
nómada, as suas presas são meio anjos, meio bestas, que só conhecem a
forma quando são presas nas tiras
esvoaçantes e leves do ferro. A sua
solidão é o espaço de silêncio e imobilidade necessários para poder levar a
cabo a sua tarefa. No final dá-se outra
metamorfose: o caçador torna-se na
sua própria presa e faz de si mesmo o
caminho a percorrer. A metáfora da
caça é conveniente a Rui Chafes e é
sob o signo do viajante, solitário e
intenso, a sós com a dor e a morte
que transporta dentro de si, que todo
o seu trabalho se desenvolve. Neste
seu universo, todos os elementos têm
uma localização precisa, geométrica:
a única lei que conhecem é a necessidade orgânica de manter a vida, de
suportar a carne, a voz e o sopro que
é a alma.
52
Depois de para sempre – VII, 1988
53
54
Madrugada XXII, 1992
A Manhã IV, 1992
55
56
A Manhã V, 1992/93
A Manhã VIII, 1992
57
58
ANA JOTTA
O conjunto da obra de Ana Jotta é um
verdadeiro enigma. As suas referências são várias e dificilmente se consegue encontrar um fio condutor que
una as suas diferentes produções. Não
é que seja um trabalho incoerente, mas
cada obra é um ser singular, auto-referencial, autónomo. As suas pinturas, desenhos, esculturas e fotografias têm somente um centro originário,
que é a própria artista. Mas que não é
um corpo convergente: os seus trabalhos usam diferentes gramáticas e têm
destinos diversos. Mas pode assumir-se
que todos têm um ponto comum — a
forma cuidadosa com que são executados. Talvez o desenho seja a sua
matriz, a fonte de onde emanam todas
as outras construções. Por isso o seu
registo é o da inscrição da forma. A
artista é aqui sinónimo de uma posição de escuta: ouve a forma e trata de
lhe dar alimento — tinta, barro, grafite, cartão, tela. São obras cujo projecto são elas mesmas.
Nos desenhos e pinturas aqui apresen-
tados o campo é o do jogo perceptivo, isto é, lidam com o fenómeno da
visão na sua maior amplitude e com
os exercícios que transformam o acto
de ver. A sua ‘cabeça pato-coelho’ é
clara a este propósito: é uma figura
dupla onde ora aparece um coelho,
ora um pato. Que as duas figuras possam coexistir em simultâneo no mesmo
espaço não é só significativo do ponto
de vista da construção da imagem,
mas também da adequação da visão
ao pensamento. Aquilo que a artista
sublinha é que a visão já compreende
uma relação de adequação ao mundo,
isto é, só se vê aquilo que se está
preparado para ver, o que se quer ver.
Este abismo perceptivo que Jotta evidencia também é revelador do modo
como o olhar artístico se constrói: materializa figuras internas, projecta acontecimentos da visão sobre a matéria, cria
zonas de sensibilidade de outro modo
só existentes enquanto tensão interna.
Mas em nenhum dos casos se trata de
um jogo cego ou de enganos. É o
59
esforço de uma certa arqueologia do
visível que tem como resultado mais
imediato uma desmontagem do preconceito da objectividade e geometrização espacial: o campo visual antes
de ser euclidiano é humano, e a primeira relação com as grandezas — e
as manchas de cor são, de certa forma,
grandezas dadas — é estética. Deixar-se
afectar pelo visível é o mote que a
cada momento é desenvolvido nestes
trabalhos, e a cada percepção da figura externa corresponde a identificação de um lugar da interioridade. E,
neste contexto, não se pode falar em
erros, somente em cegueira, e esta é,
deste ponto de vista, a maior condenação. Não se trata de estar cego relativamente à imagem do mundo, mas
sim quanto aos aspectos — pedras de
toque na organização do campo visual
— que o mundo tem.
As intervenções que Jotta executa não
são somente apropriações de trabalhos ou de imagens existentes —
numa espécie de continuidade da sua
estratégia do objet trouvé — , são
sobretudo modos de agir, de interceptar, de tocar no modo efectivo
como se vê, como se sente, como se
pensa. Estes trabalhos colocam o seu
utilizador ou activador perante a certeza que a relação com as obras de
arte é meio ver/meio pensar, e onde
as obras surgem como pontos de concentração e intensificação do corpo
(porque o corpo é a melhor imagem
da alma) daquele que as confronta.
60
Sem título / Untitled, 1990
Sem título / Untitled, 1990
61
62
Sem título / Untitled, 1988
Monoparental Uma, 2002
63
64
Duck-Rabbit?, 1993
65
66
Sem título / Untitled, 1991
Sem título / Untitled, 1979
67
68
ÁLVARO LAPA
Dificilmente se pode ser tão profundo
como o são os desenhos de Álvaro
Lapa. Através de um reduzido léxico
formal, o artista consegue atingir as
camadas mais profundas do sentimento, da percepção, do pensamento.
Não se confunda a simplicidade aparente destes trabalhos com a falta de
recursos; o seu resultado é um enraizamento do olhar nas coisas mais
simples, e por isso mais difíceis. Que
as pedras tenham vozes e que a MãeTerra tenha moradas para todos revela
um mundo que se julga extinto, um
contacto com a fonte de onde emanam todas as coisas que já só sob a
forma de fantasma se julgava possível
pressentir.
Que a beleza é o mais difícil é uma
lição que se aprendeu desde Platão,
mas aqui esta categoria surge como
modo de dizer o lugar terreno onde o
corpo pertence: corpo que é morada,
que é voz, que é forma. A inscrição do
corpo sobre a Mãe-Terra não é um apelo ecologista, mas uma necessidade
de voltar ao pó, ao contacto, às cinzas. Poder-se-á dizer que a cada desenho Álvaro Lapa abre uma fenda na
crosta terrestre através da qual se pode
ver. Aquilo que se vê não é mais que
o ponto de encontro entre a essência
humana e a essência do mundo. A cada
traço o artista redesenha os contornos do planeta, ao mesmo tempo que
se descobre a si mesmo. A cada momento define a essência do desenho.
Tudo se passa como se fosse um poema, onde cada linha só nasce da absoluta necessidade: nada é supérfluo e a
sua economia é perfeita. A cada nova
visão fica-se mais próximo da essência
não só do desenho, como do ritmo do
magma terrestre, do coração, da palavra.
Os campos que abre são verdadeiras
clareiras onde o ser do mundo encontra o lugar do seu acontecer, um espaço em aberto onde se descobre a
pura potência, o poder-ser tudo. Os
desenhos de Lapa não são pontos de
chegada, mas pontos de partida, locais
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de onde se parte para descobrir as
linhas com que as coisas se cosem a
elas mesmas e que depois se unem ao
corpo do homem: tudo está ligado a
tudo, tudo é feito da mesma matéria.
Escutar “a voz das pedras” é uma espécie de oração ao cosmos e ao dia
que encontra nas mãos e no rosto que
se recolhem para pensar em deus a
sua melhor apresentação. Pensar no
sentido do mundo é o outro nome
para este deus que tem morada na
terra e consegue ouvir as pedras. Não
se chega a este local através de deduções e exercícios: ele só se torna presente numa revelação. O sentimento
que atravessa estas paisagens não é
de nostalgia, mas de familiaridade entre todas as coisas, com o homem no
centro delas. Que a Terra seja o lugar
de pertença do corpo é um facto que
de tão primário se tende a esquecer, faz
parte daquelas coisas que de tão presentes se tornam invisíveis e é o resgate desta invisibilidade que o artista
parece estar continuamente a ensaiar.
Na série “Moradas da mãe terra” a sequência de 14 desenhos parece apresentar uma espécie de sequência
cinética, os movimentos são sempre
duplos: interior/exterior, inspiração/
/expiração, dentro/fora. Mas esta diferenciação é provisória, pois são termos de uma mesma relação e que
depois são integrados. O movimento
que se percepciona é sinal do dinamismo interno do que é vivo, do gesto
significativo que todas as criaturas
realizam.
70
A voz das pedras, 1975
71
72
Moradas na mãe terra, 1972
(série de 14 desenhos/series of 14 drawings)
73
74
75
76
77
78
RUY LEITÃO
Composições cuidadas que se revelam
como lugares de espanto. A sua genialidade está no modo como consegue a cada pintura construir um mundo
novo, um universo consequente e autónomo. A estratégia criativa é a de
uma luta permanente contra o anonimato do habitual-habitável, uma espécie de gesto de salvação do esquecimento para que continuamente se atira
o quotidiano. Os motivos na obra de
Ruy Leitão são imensos, tantos quanto
o olhar consegue abranger. Herdeiro da
cidade frenética, fábrica de imagens
rápidas sem tempo para contemplações, os seus trabalhos são uma cuidadosa elaboração de tudo quanto a
vida de todos os homens e de todos
os dias dispõe ante o seu olhar.
Ainda que viva da e na abundância de
cores e formas, o seu gesto é preciso
e exacto no modo como apresenta os
seus objectos, que se transformam em
ponto de desenvolvimento de mais
cores, mais formas, mais composição.
A acumulação de elementos obedece
à necessidade interna de cada coisa:
as coisas saem de dentro umas das
outras, multiplicam-se infinitamente
e há sempre mais vida. As relações
entre as coisas não se podem antecipar, mas nascem de uma consequente ocupação do espaço da folha
ou tela e da atenção aos pequenos
pormenores.
No seu conjunto, a obra de Ruy Leitão
é uma meditação sobre a pintura.
Tudo lhe serve como ponto de partida:
alfinetes, peças de vestuário, corpos,
animais. O seu esquema integrador de
ideias é um poderoso artifício de condensação e síntese que tem como resultado mais imediato um enorme
estímulo das faculdades da visão. A
integração que faz das diferentes famílias de objectos forma uma espécie
de quadro de parentesco onde as parecenças são conseguidas à custa de relações de adequação formal e cromática.
O movimento que se experimenta em
cada trabalho é fruto desse ocultar/desocultar que é a sua linguagem primeira.
79
Mas não só de preocupações estéticas
vivem estes trabalhos, que são simultaneamente campos de afecto e sensibilização. São pequenos pontos concentrados de energia que se prolongam
entre o corpo do desenho e o corpo
do espectador, locais de co-pertença:
o espectador pertence ao desenho e o
desenho ao espectador. Trata-se de
uma relação de conveniência que não
conhece desconforto nem afastamento. A visão transforma-se no lugar
onde acontece a intuição e todos os
mensageiros do sentir se reúnem no
lugar da sensação visual. O animal da
vista conhece um seu igual e com ele
estabelece uma afinidade.
Podem-se retirar muitas consequências dos trabalhos de Ruy Leitão,
aprendizagens perceptivas, gramaticais, pictóricas, composicionais. São,
sobretudo, portas para regiões da vida
humana impregnadas pela intensidade
do estímulo visual, rápido, inclemente,
irreparável. Que o desenho era a sua
forma de vida fica atestado nos blocos
A4 e A5 que deixou e, enquanto tal,
não conhece a imobilidade das fórmulas abstractas, mas está possuído
pelo poder ver tudo, querer ter tudo
ali, à mão. Baudelaire baptizou a imaginação de rainha das faculdades por
poder ser análise e síntese; no caso
de Ruy Leitão, ela é o mundo inteiro:
local onde acontece o próprio acontecer.
80
Sem título / Untitled, 1971
Sem título / Untitled, 1967
81
82
Sem título / Untitled, 1968/69
83
84
85
Sem título / Untitled, n. d.
Sem título / Untitled, n. d.
Sem título / Untitled, 1968
86
JOSÉ LOUREIRO
As “bocas” de José Loureiro são um
momento importante na história do
corpo. Trata-se do momento em que
os órgãos se autonomizam e, logo,
ganham voz própria, vontade, identidade. A sua autonomia é tão inesperada que num primeiro contacto, estas
“bocas” são identificadas como pequenos monstros: que dizer de bocas
que andam por aí, sem dono, autónomas, a reivindicar um lugar no
mundo? Alguém devia informar as bocas, ou o pintor, que os órgãos pertencem ao organismo e que as bocas
só num rosto têm lugar. Lembre-se a
trágica história do pobre Schlemihl
que vendeu a sombra e nunca mais
teve lugar entre os vivos. O outro lado
desta história é pensar-se no que é
um rosto sem boca, um corpo sem
fala: arrepiante.
A vantagem da pintura, bem como de
outras artes, é não conhecer as mesmas leis a que têm de se submeter
todas as outras coisas do mundo dos
homens. As figuras e corpos da ficção,
neste contexto, figuras e formas
pictóricas, resultam de um processo
de abstracção, não têm obrigações de
verosimilhança, de causalidade,
somente conhecem as regras do rigor
estético, do ajustamento artístico: o
seu mundo ajusta-se a este mundo e
é tudo. As pinturas são um mundo
porque são simultaneamente legislador e objecto da legislação.
No caso destas pinturas, elas deslocam os seus referentes — as bocas
reais que falam, beijam, comem, dizem
poemas, segregam saliva — para um
contexto novo, autonomizam o fragmento e, assim, criam um plano novo
de vida — aqui o fundo mágico e
absorvente da pintura. Estas “bocas”
são uma fatia de um corpo, fragmentos retirados à unidade. O corpo é
uma totalidade organizada, sistema
de finalidades sem fim, como diz
Kant, e a ambição destes novos seres
é conquistarem essa mesma autonomia orgânica e formal. Não se sabe se
o conseguem do ponto de vista
87
orgânico, mas enquanto formas elas
conquistam um lugar e são celebradas
enquanto instância visível de um
certo tipo de sensibilidade. E é esta
autonomia da figura que a boa
pintura consegue sempre.
O ser-boca é nestas pinturas de
Loureiro levado ao seu limite expressivo: são esticadas, deformadas, geometrizadas. O resultado manifesta-se
enquanto resistência ao gesto destruidor: porque se o pintor é criador,
também é demolidor. Neste levar ao
limite da figura surge a capacidade da
forma, agora autonomizada, conseguir
criar um mundo só seu a que correspondem os diferentes planos e
cortes efectuados pela pintura. Não
se trata unicamente de pôr a figura a
viver, mas da certeza que os ingredientes da pintura possuem uma inteligibilidade própria. A forma é deles
dependente, o seu limite é o deles.
O lugar no espaço da figura pintada é
um lugar que é conquistado no momento do nascimento da forma, da
mancha. Os seus limites são os limites do traço, do papel. Não existe
espaço antes da pintura: ele é formado com o gesto que pinta e reconhecido através da utilização que as
figuras dele fazem. Por isso a estranheza inicial que se sente ao ver
estas “bocas” irónicas transforma-se
em reconhecimento de lugares, espessuras, possibilidades.
88
Sem título / Untitled, 1990
89
90
Sem título / Untitled, 1990
Sem título / Untitled, 1990
91
92
RUI MOREIRA
Pode-se enfrentar os desenhos de Rui
Moreira ou deixar-se levar por eles,
perder-se nos múltiplos detalhes provenientes de um meticuloso registo
de observação, atenção e dedicação.
A experiência mais próxima é a daquele que sozinho percorre uma
paisagem e se deixa levar pelos
diferentes verdes, pelo contraste da
terra com o céu, pelos desenhos que
as montanhas e árvores realizam no
horizonte. Os seres que se vê surgir
nestas enormes folhas de papel nascem de uma espécie de exercício da
memória: do olhar quando percorre um
lugar, da mão quando acaricia uma
superfície, da sensibilidade quando
descobre um novo sentimento.
As figuras são ondulantes, estranhas e
movediças. Não se deixam agarrar e a
cada momento mostram uma nova face,
um novo aspecto, um novo pormenor.
A sua monocromia é um mecanismo de
intensificar a concentração, de adestrar
a atenção para os acontecimentos da
figura. O acontecimento fisionómico é
a categoria central destes desenhos,
mas são acontecimentos criados pelo
artista. O seu ponto de origem está
num treino do olhar em detectar a geração da figura, em perceber como é
que um ponto se desenvolve noutro
ponto e noutro e noutro e noutro.
Qualquer coisa que se manifesta não
só na inscrição do sinal sobre a superfície, mas também no ritmo que imprime e é desejado, ambicionado pelo
palco em que se transforma o desenho.
As figuras que Moreira apresenta lembram corpos ancestrais, aqueles com
quem se aprende o primeiro gesto, com
quem se trava o primeiro combate,
com quem se aprende a primeira lição. As acções que parecem fazer são
exemplares, rituais, míticas: devem
ser repetidas e executadas por aquele
que as observa, esta é a condição da
sua contemplação. A sua expressão
intensa dá conta do contacto com o
mais fundo, com o que corre muito
para lá do que se pode sentir, lugares
a que só se tem acesso através de
93
sofisticadas construções artísticas. A
cada momento nestas figuras acontecem outras coisas: pequenos seres,
quase invisíveis, que preenchem e criam
o contorno das figuras principais.
Num outro desenho, a variedade formal sintetiza-se numa figura redonda,
a qual surge como matriz planetária
que é ao mesmo tempo apresentação
da célula, do átomo, do infinitamente
pequeno que suporta a vida, da mente
como coisa redonda, do olho como
porta de entrada. O modo como são
construídas estas figuras conhece em
Demócrito, que descreve o mundo
como um conjunto de átomos e vazio,
pequenas unidades de preenchimento
e vazio, o seu melhor porta-voz. O
modelo cosmológico dos atomistas
compreende que aquilo que existe
não pode ser imóvel e uno, mas
depende de uma relação íntima entre
o cheio e o vazio, o ser e o não-ser, e
que as diferenças entre os átomos são
a causa das diferentes coisas e que
estas diferenças são três: “forma, dis-
posição e posição; o ser, dizem eles,
difere só em ritmo, contacto e revolução, dos quais o ritmo é a forma, o
contacto é a disposição e a revolução
é a posição” (Aristóteles, Metafísica,
A4, 985b)
Este é um modo possível de compreender os desenhos de Rui Moreira.
Também eles dependem de uma
relação complexa entre o cheio e o
vazio, o ser e o não-ser. E estes são os
princípios que organizam os campos
de visíveis que constrói. A poesia também conhece esta fórmula: enquanto
arte do ritmo, ela depende da relação
entre palavra dita e silêncio. De algum modo, as figuras aqui desenhadas são formas poéticas (não poemas
visuais), porque intensas e preenchidas de ritmo e movimento.
94
Sem título / Untitled, 2003
95
96
Sem título / Untitled, 2004
Sem título / Untitled, 2004
97
98
JORGE QUEIROZ
Jorge Queiroz faz desenhos. Uma
acção que se caracteriza por encontrar os seus fundamentos principais
numa espécie de polaridade básica
originária: sentido e sem sentido,
lógico e ilógico, consciente e inconsciente, cheio e vazio, abstracto e figurativo, narrativa e fragmento. Tudo
parte de um ponto de vista próximo
do da Alice de Lewis Carroll, onde
tudo é e não é ao mesmo tempo porque a lei fundamental é a da metamorfose: permanente transmutação das
coisas umas nas outras, movimentos
contínuos de aproximação à maior
intensidade expressiva possível. Uma
lei que se manifesta em termos das
características formais, materiais e conceptuais de cada um dos desenhos: a
nota dominante é o não haver lugares
habituais (ainda que se possa identificar uma espécie de acção serial), e
o próprio desenho estar continuamente a ser re-inventado, testado, levado aos limites. A luta (e estes desenhos são espaços de um certo tipo de
conflito) não é por uma espécie de
desmedida surreal, mas nasce de uma
tensão constante (muito próxima da
da poesia e de algum tipo de filosofia) entre aquilo que se pode dizer
(desenhar) e aquilo que deve ficar
sempre sem ser dito (aquilo a que
jamais pode corresponder uma forma,
imagem ou traço).
Os habitantes destes universos quase
implausíveis, mas ajustados e logicamente possíveis, são seres mutantes e
explosivos que habitam locais onde a
geometria é invertida e a arquitectura, enquanto memória da ocupação
e organização do espaço, transformase em irracionalidade, imprevisibilidade e acaso. A sua principal resistência é a qualquer tipo de discurso
unificador que ambicione impor sistemas reguladores e ordenadores: a
regra que conhece é a que surge no
interior das suas próprias coordenadas
pictóricas, formais e gráficas. Não
conseguir identificar o fio da história
significa a opção pela descoberta de
99
lugares isolados dentro da própria
possibilidade de sentir e de sentido:
uma espécie de negação da genealogia (todos os elementos que compõem estes desenhos parecem sair,
literalmente, do nada), dada a impossibilidade de proceder a uma regressão fiel até à origem dos acontecimentos do desenho.
Por isso o vazio faz tanto parte das
obras como todas as inscrições no
papel: corresponde à possibilidade do
sujeito se movimentar e percorrer o
espaço. Por um lado, equilibra a lógica de excesso e a abundância que
formalmente caracterizam estes trabalhos, e, por outro, deixa espaço
livre para a imaginação. A este vazio
corresponde, sobretudo, o espaço de
liberdade (que curiosamente é, neste
contexto, ausência e solidão) necessário para que as faculdades humanas
sejam activadas, excitadas, vivificadas.
Surpreendente é o modo como à percepção deste excesso (parente do
caos onírico, simbólico e surreal) se
segue uma experiência de equilíbrio,
harmonia e fusão com aquilo que os
olhos vêem e a sensibilidade experimenta. Por fim, à estranheza sucede-se
a possibilidade (em forma de evidência inegável) de que a ausência de
narrativa é o elemento primeiro da
construção do sentido.
100
12 june 72, 1998
101
102
Sem título / Untitled, 1998
Sem título / Untitled, 1998
Sem título / Untitled, 1998
103
104
Sem título / Untitled, 1998
Sem título / Untitled, 2002
105
106
RUI SANCHES
Marat significa, antes de mais, o
nome que se dá à impossibilidade de
representar a vida sem a morte. A pintura que David faz do corpo assassinado de Marat tem uma dupla função:
primeiro, põe em causa a compreensão
do retrato e depois constitui-se como
uma apresentação do corpo enquanto
ser em metamorfose para a morte.
Neste retrato fúnebre, o leito de morte
é uma banheira em que o corpo delicadamente se separa da vida, onde se
materializa um afastamento e se impõe uma distância. No limite, trata-se
de um retrato impossível, o qual é
considerado por Baudelaire como um
poema visual onde a vida surge na sua
feição mais cruel e no qual Marat
desafia Apolo.
Estas considerações não são estranhas
aos desenhos que Rui Sanches, inspirado por David, dedica “A Marat”. Este
surge como motivo que conhece sucessivas aproximações, enquadramentos, imagens. O elemento central é o
corpo na sua acção de desvanecimento
sobre o qual são construídas as coordenadas de um lugar impossível: o
lugar onde a vida se separa do corpo,
o lugar onde acontece a morte. Em
alguns destes trabalhos surgem sobre
a figura uma espécie de diagramas,
esquemas de integração do peso do
corpo assassinado pelo punhal de uma
mulher. É como se o artista ensaiasse
dar à perda uma figura.
A escultura que convive com estes
desenhos também é sobre a perda.
“Orfeu” é o nome do cantor que com
a sua lira e o seu canto encantava
animais ferozes e desviava o curso
dos rios; um dia perde o seu amor,
Eurídice, e vai às profundezas do Hades
para resgatá-la. A condição imposta
pelos deuses é que Orfeu pode levar
Eurídice desde que não olhe para trás,
se não perderá para sempre o amor.
Quer a escultura quer os desenhos
partilham a experiência da perda, da
morte, do afastamento, da distância.
Mas em ambos os casos as obras estabelecem uma relação erótica com o
107
seu contemplador. Ainda que as estratégias nos desenhos e na escultura
sejam diferentes, ambos conhecem na
pulsão de Eros (irracional, imbatível,
sensível) a sua forma.
Se nos desenhos o corpo parece
desintegrar-se e desmaterializar-se, em
“Orfeu” a lógica é a da acumulação de
finas placas de contraplacado sobre
as quais se ergue um corpo de gesso
branco. As formas antropomórficas que
nascem são fruto da relação que o
corpo escultórico cria com o corpo do
seu utilizador: corpos de matérias diferentes que se reconhecem um no
outro. Este corpo é afirmativo no
modo como se movimenta e ergue
acima do solo. A indistinção entre o
que é corpo e o que suporta o corpo
é um elemento importante e que
afirma a pertença de todos os corpos
ao mesmo fundo, aos mesmos elementos, às mesmas raízes.
As referências históricas não têm no
trabalho de Rui Sanches um papel determinante, mas servem como meto-
dologia de revisitação da história da
memória, dos momentos humanos de
aprendizagem do sentido e da percepção. O seu programa não se funda
num elenco dos clichés visuais da
história da arte, estabelecendo-se
antes sobre a sua destruição ao transformar em seu material uma certa
tradição. O que lhe interessa são os
motivos humanos que ficaram condensados nas histórias, nas pinturas,
nas esculturas e que ecoam em todos
os corpos e em todos os tempos. Este
é o seu âmbito.
108
A Marat – 2, 1989
109
110
A Marat – 4, 1989
A Marat – 9, 1989
111
112
Orfeu, 1989
113
114
Sem título / Untitled, 1993
115
117
JOÃO SILVÉRIO
Itinerary
The city of Angra do Heroísmo hosts
the Corpo Intermitente [Intermittent
Body] exhibition, part of a project
organised by the Luso-American
Development Foundation in collaboration with the Azorean Regional
Government, which aims at showing contemporary works of art by
means of a decentralising double
approach. On the one hand, it intends to display the diversity of the
Foundation’s collection; on the
other, to inspire a strong commitment to the decentralisation of cultural locations and facilities with
varied publics. To this must be added
the preparation and publishing of
catalogues, which contribute, with
their specially commissioned texts,
towards a richer reading and understanding of the exhibited projects.
Already in 1999, another, less extensive exhibition of works from our
collection had come to this city,
and was adapted, with the help of
the Angra do Heroísmo Museum,
to the space of the Palace of the
Captains-Generals. At the time, the
invitation sent to the Luso-American
Foundation offered it a unique
opportunity to take part in one of
the most important cultural events
in Terceira Island, the Festas
Sanjoaninas.
The current exhibition was specifically conceived for the Angra do
Heroísmo Museum, whose singular
space comes across as a double
th
body, revealed in its impressive 16 century conventual architecture
and renovated interiors, consequence
of the restoration work it underwent during the late 1990s. The
museum is like a reconstructed body
118
that keeps and projects inside itself
another dynamic, multifaceted and
versatile body. A container that satisfies not only the needs of its
permanent collection, but also the
requests made by contemporary artists and their works which have
lately enriched its identity, as expressed in its carefully produced
programming.
Pursuing the methodology developed
in the prior project, this exhibition
continues to explore a combination
of languages and expressive means,
allowing for a (re)reading of concepts and works of art that are
important for the present in which
we live.
The visit of the body
A long shadow stretches before us
whenever we consider the idea of the
body, be it for us a figure (human
or otherwise), a silhouette, a celestial body or something that evokes
for us the signification of a corporeal object. Since the beginning of
mankind, representations of this idea
have helped us understand one of
the body’s forms, the one that supports us and gives us reality and
identity as human beings, but also
all the corporeality that is present
in the history of mythology, in imagination, in fictional narratives.
An interminable line of thought
that unites the ideals of beauty,
ugliness, fear, desire and power,
the ultimate contribution towards a
possibility of both overtaking and
recognising our body, materialised
into other lineages of transmuted
bodies. Nonetheless, this subject is
not constantly displayed by the
works exhibited here. If its presence is
sometimes clear, in other instances
119
verisimilitude in terms of its historical representation is in no way intended to propose some canon that
may bring about a model of that
ideal body. Corpo Intermitente is
thus an inquiry into the traces of
that created and questioned body
that emerges from the work of the
artists selected for the present exhibition: Eduardo Batarda, Miguel
Branco, Rui Chafes, Ana Jotta,
Álvaro Lapa, Ruy Leitão, José
Loureiro, Rui Moreira, Jorge Queiroz
and Rui Sanches. It is by means of
symbolic language and metaphor
that we may approach the corporeality that suffuses the exhibition’s itinerary, as if it were a planisphery,
showing places that are hard to
identify, but which suggest various
different remarks and directions.
When the body emerges, or a reference to it becomes perceptible, this
event may occur through an entry
point that is separate from the
artistic universe: a reference to a
psychology device. Such is the case
1
of the pieces by Ana Jotta , who
has overlaid three sheets with
1
See pages 60>61.
Rorschach blots on three projects
that had been originally commissioned by three magazines from
other artists. These works take the
place of the other authors’ works,
taking up their space. And to take
someone’s place implies taking possession of someone else’s property.
This is one of the ways in which we
may approach this work, by thinking the body as both an instrument
of the action and a metaphor of it,
as a complex mass that includes a
psychological personality, translated in terms of the Rorschach
test as the psychological outline of
an individual, of a person. A cynical apology of the Platonic contradiction between the intelligible and
the sensible, the idealised exhibition
of the apollonian body in a universe of free, yet still distant and
disconnected, thought. On the other
hand, the form of the body as the
ideal of perfection in classical
sculpture finds in Rui Sanches a
response that presents itself as a
deception, while bringing us back
to the notion of corporeal object.
120
And “corporeal” means here something that refers to the body or
relates to it, but which is not yet a
body, or is no longer one. It may
be anthropomorphic, similar in
shape to the body, deformed or
2
formless, but always hard to read .
This Untitled piece, from 1993,
may evoke the figuration of a
human torso, a deformed body or
a segment of an unfinished model
of some other kind of body.
Moving to a different form, the draw3
ings by Rui Moreira , created with
geometrical, persistent precision,
disorient us as we try to find coordinates that may lead us to discover a representation of a body in a
universe close to abstraction. These
drawings convey to us strange figures, like the hierophants of an unknown ritual, close to monstrosity,
in the sense that there is something
excessive in their exacerbated phallic
shapes and in the volume of their
primitively cut vestments. This aura
of monstrosity and excess carries
over to the three drawings by José
4
Loureiro , fragments that instan-
taneously evoke all the afflictions
generated by the body, by denying
the unity of aggregated organs.
They come across as a symbolic
element that makes us aware of a
being whose mouth is the door to
the entrails to their intimacy. The
mouth that kisses, but also the
scarlet mouth that emits sounds,
roars and even words as in Samuel
5
Beckett’s play Not I , where the protagonist is the mouth of a woman
who narrates a sequence of dramatic
events, and the mandible-mouth
that, outside historical time, symbolises madness, fear and terror,
appearing as the central element in
Goya’s painting Saturn Devouring
6
7
his Son , or, in Ridley Scott’s Alien ,
as the retractile mandible that projects itself out of its multiform body.
Manhã [Morning] and Madrugada
8
[Dawn] are two words used as titles
for Rui Chafes’ sculptures, words
that may find us between birth and
death, between presence and absence. And it is the word, whispered
by each of them, which indicates a
determination of the body to inte-
2
See page 115.
6
Francisco de Goya,
Saturn devouring his
son, 1819/23, 146 X
83 cm, oil on canvas,
Museo del Prado,
Madrid, Spain.
3
See pages 96>97.
4
See pages 89>91.
5
Not I is a monologue,
written by Samuel
Beckett in 1972, whose
main character is called
Mouth.
7
Ridley Scott, Alien,
1979.
8
See pages 54>57.
121
grate itself into a kind of inner
armour they seem to represent. They
are bodies that protect, or imprison,
the spirit’s embodied existence, as
they hover above us like winged
carcasses. They conceal iron and
fire from us under their sharp, black
silhouettes, leaving behind a silent
doubt concerning whether their
mass is a harbinger of eternal lightness or fall.
Absence and silence meet again in
Álvaro Lapa’s Moradas na Mãe
Terra [Homes of Mother Earth] series and in his drawing A voz das
9
pedras [The voice ot the stones] .
The voice of the stones on Labruge
beach is reproduced in a text
written by Lapa, not as a human
voice but as the voice one can feel
in the figuration constructed by
10
writing . Drawing, as a silent and
solitary labour, gradually reveals
in the fourteen pieces of Moradas
na Mãe Terra objects and landscapes as places where someone
somewhere waited, intact and anonymous. Finally, a figure appears.
Just a head, its hair standing on
9
See page 71.
10
"As conversas de Leça
em casa de Álvaro
Lapa (1998-2006)",
interview by Jorge
Silva Melo, Álvaro
Lapa: Textos, Grande
Prémio EDP exhibition
catalogue, 2006.
end and staring at us in a silent
pose, as if warning us that one can
feel the breath evoked by the earth
and the stones. The appearance/
/disappearance of the body and its
signs, in other words, its intermittence, is like a feverish, inconstant,
imprecise and tense condition that
leads us to the contradiction and
strangeness contained in representation. And, indeed, we now find
ourselves confronted with an apparent contradiction in Miguel
Branco’s paintings. They are all in
a similar small size, almost as if
they were portable objects, but nonetheless they at once force us to stop
on our tracks and look, look straight
at these figures, trying to find out
what and who they are, because
here the body is recognisable and
only the painter’s expert and attentive work can cancel our temptation
of searching for the reality and
truth about the portrayed. It is painting itself that creates and possesses
the identity of those masked people
and the young, Apollonian, nude
body that questions us in front of a
122
11
carmine background . Here, too,
emerges a contradiction, as the
revealed body and uncovered face
of sublime expression and luminous
countenance contrasts with the
strangeness of the figures with concealed faces, in which sometimes
not even the eyes are visible, nearly
inhuman, as if the mask (which
includes the body?) were one of the
qualities of humankind. Is it? In
the words of Nuno Faria, “we are
confronted with isolated, masked
or faceless anthropomorphic figures
[in which] renewed vitality is given
to a formerly latent major issue:
animality or monstrosity combined
with an atmosphere of disturbing
12
strangeness” .
But strangeness is a realm in which
the definition of its very limits
becomes problematic, coming across
as something from outside, which
is alien to us and which we find
hard to incorporate into, or add to,
our universe. How can one look at
Eduardo Batarda’s Anarquistas
em Petrogrado preocupados com
Cronstadt [Anarchists in Petrograd
11
See page 45.
12
Cf. Nuno Faria on
Miguel Branco:
http://www.camjap.gul
benkian.pt/l1/ar%7BD
2B27546-03B0-4185A5F8-0B5ACC3E203C%
7D/c%7B44bf84ebbace-401d-8af9-7db9d
180463d%7D/m1/T1.a
spx
13
worrying about Kronstadt] (1975) ,
without a feeling of surprise or ambiguity, given the way the seductive
colour scheme contrasts with the
violence that suffuses every corner
of the image? Though it refers to
an historical fact, this work is
more than just an illustration
which displays an unquestionable
mastery of watercolour drawing and
composition, close to the universe
of comic books. Its profusion of
elements, written annotations and
bizarre, deformed, almost grotesque
figures is thoroughly provocative
and satirical. The characters’ bodies are not caricatural; they are
transgressive, and not just for their
sexual explicitness and perversity,
but mostly for the exacerbated
hybridity that surpasses or transgresses the limits of a simple
commentary on reality, carrying it
into the realm of fantasy. This
feeling of transgression takes us
back to the idea of the body as an
excessive being, which may transmute itself in the very space where
a possible narrative is unfolding.
13
See page 41.
123
This dimension of a hybrid nature
is present in the works of Jorge
Queiroz. As João Fernandes states,
in the catalogue of a recent antho14
logical exhibition , in Queiroz’s
drawings “these figures’ body may
be fragmented: sometimes we find
only one leg, at other times a head.
In other instances, the body will
transform, meld with its enveloping spatial context, which is sometimes generated by that same body.
A head can open into a landscape,
out a torso an object may emerge,
an arm or a leg may show up am15
putated or prolonged by an object”.
In this universe, all combinations
are possible and infinitely expand
into the narratives it generates, of
which we will know episodic fragments, because the author persists
in searching ever deeper, as if expanding space – an inner space.
Ruy Leitão’s drawings are strongly
influenced by images of the world
surrounding the artist. Animals,
shoes, hats and other everyday
objects combine into a profusion of
elements and colours, which the
14
João Fernandes, "Jorge
Queiroz: Do desenho
enquanto twilight zone
entre o real e as suas
ficções", Jorge
Queiroz, Museu de
Serralves exhibition
catalogue, Porto,
2007.
15
See pages 102-105.
16
See page 84.
artist uses to obsessively fill the
paper. Things and bodies metamorphose into one another, and there
are also animals, human figures
with animal heads, or animals
wearing clothes like anonymous
characters in a fable. Yet, two apparently abstract drawings also give
a somewhat corporeal feeling. The
form of a footprint and a shoe sole,
in the wake of all the shoes he drew.
16
These two drawings are more depurated, and thus point to a corporeal existence that is submerged
but latent, which does not reveal
itself immediately but allows us to
instead the body’s intermittence as
a heteroclite present that visits us,
surprising us with a fugacity which
only the memory or the mirror can
recover.
125
NUNO CRESPO
Notes on the concept of figure
“Every figure is a world, a portrait whose subject appeared in a sublime vision,
bathed in light, revealed by an inner voice, as a celestial finger laid
bare the sources of expression in the past of a whole life.”
H. Balzac, A obra-prima desconhecida [The unknown masterpiece], p. 38
Though Balzac’s intention was never to describe some kind of metaphysical
depiction of works of art, the above text nonetheless contains one of
the most powerful descriptions of art’s demon (in the Greek sense of
daemon), an entity which hails from a plane that does not circumscribe itself to materials, objects, or purely sensitive experiences.
This plane goes beyond mere data: a purely sensitive experience is
not enough for it, and it peculiarly tends to exorbitate. Even though,
as Kant well acknowledges, such is the tendency or natural vocation
of human reason, in artistic terms there is a risk of annulling the
work of art, the figure, the colour patch, the object itself.
In the same text, Balzac tells us the following, through the lips of the master
painter who insists on not revealing his work to his friends: “The
126
picture I keep upstairs under lock and key is an exception in our
art; it is not a canvas, it is a woman!” This metamorphosis of
painting into flesh, of artistic material into the material of life, is
not exempt from danger, being a supremely confusing realm, where
things do not seem what they are and are not what they seem. This
feeling of distrust generates aesthetic discomfort: it is as if every
work of art were concealing a kind of malignant genie who is
constantly trying to delude us with perceptive tricks, keeping us from
taking the things’ apparent nature for granted. But the reasons for
mistrust become reasons for praise: a crown of thorns and of glory.
It is like when Plato, in the Republic, lists the reasons for keeping
artists out of his city and his damning speech becomes one of the
most beautiful exhortations on the powers of art. In other words, this
genius may be indeed malignant, but is also at the same time a
creative entity, which carries the power of configuring matter into
symbol, sign, experience, knowledge.
Balzac’s formulation implies something that many misunderstand and find
unjustified: that the work of art cannot be just another object, that
it must be a mould, a model, a portrait – a world, in Balzac’s words.
Besides being a moral imperative, it demands a kind of relationship
with the world that finds its finest expression in the concept of
figure. The relationship between the figure and the world, which
must be explored here, corresponds to the effort of making something
visible, an effort that incorporates both the amazement at the fact
that things exist and the amazement at their being as they are. The
arts thrive on serving such amazements.
The approach that characterises those who envisage aesthetically qualified
objects as moments of contemplation implies avoiding any unnecessary, fortuitous, ungrounded gestures, any randomly-traced arabes-
127
ques. The relationship of the figure with the world implies the
acknowledgment of something as characteristic and proper; hence,
the world is its place of resonance. It is concerned with turning the
world into something identifiable, or, in other words, with the painstaking organisation of the visual field.
This relationship is not about strict representation – to represent is to play a
part: to be in the place of…, to use a mask to look like… –, being
instead a place of discovery. Just as names are nothing more than
keys for entering into things, figures are gestures that, on a formless,
indeterminate background, are able to delimit, recognise, and intuit
areas for communal exchange.
According to Jünger, “«Intueor» is a verb the Ancients only knew in its passive tense and through its causes. Naming would only come later:
things do not carry their own names, they are conferred upon them.
The world of names is different from the world of images: it is
nothing more than a reflection.” (Typus, Name, Gestalt, §24)
The figure is thus the presentation or, if you prefer, the materialisation of
intuition: on the paints on a canvas, on the lines of a drawing,
on the wood or iron of a sculpture. And the ancient meaning of
intuition – the fact of being affected, impressed by something –
puts the configurative activity of the human mind on hold, briefly
turning all knowledge into acknowledgment. This praise of a
certain passivity of the individual leads to a relationship of discovery
of that which emanates from the things themselves. It is as if,
from this point of view, interest resided in the sight – and to intuit
is, in some way, a form of sighting – of the things themselves, in
their most chaotic, shapeless, disorganised forms, untouched by
rationality or integration into the systematic mind, that is to say,
intuition as a contact with the before-the-name, as something
128
sighted under the midday sun, without shadows, without filler.
Jünger tells us that names are reflections, shadows of things,
human acts; while images are closer to the source. And the image,
here, is the figure-being of what is seen: let your body cast light
and shade so that I may see you, so that I may recognise you, so
that you may be.
“The conception of the figure presupposes the human being, as a spirit that
conceives, but also as a spirit that engenders. A new element enters
man, to be named by him and thus known, but also recognised.”
(Jünger, op. cit., §113)
This spirit that engenders, who is, where the construction of the figure is
concerned, the artist, works on the threshold of discursiveness, that
is to say, as it engenders it is itself engendered: I am what I see and
what I see is me. To allow oneself to be entered by that new element
means not only to recover intuition, but is also the condition for the
formation of figures: it means to simultaneously create the world
and oneself, with one’s body becoming the medium for the birth of
the new, the place of the unexpected, the place of revelation. The
figures thus engendered correspond to the tension of differentiating
the undifferentiated: the patch, the figure’s prime mover and first
perceptive sign, displays the effort of knowing and sorting out the
formless. It has to do with tearing a name out of what is nameless,
tearing a figure out of what is indistinct: “every image, every phenomenon in its imagistic and symbolic language, is a case apart, a
delimitation from the undifferentiated” (Jünger, op. cit., §108).
This delimiting action amounts to the discovery of the individual,
of the singular, of the unique, to the birth of multiplicity. Only out
of confrontation with multiplicity can emerge the unity of the singular case, and only through confrontation with heterogeneity one
129
can become aware of oneself: at the limit, the figure is a variation
of that same undifferentiated.
But the figure is simultaneously a synthesising movement, and hence a
world: its finest presentation is the human body, which is not only
the mediator par excellence of all figures, but also their source and
destination. In the words of Filomena Molder: “the works themselves
ask, suggest and demand a certain movement, a certain mood form
their contemplator, which appears only in the most depurated
sense, in relation to the work’s spatial essence, that is to say, in
relation to the place of the space consistent with the contemplated
work. It is always a matter of the work’s demands, never of point of
view” («Notas de leitura sobre um texto de Walter Benjamin»,
Matérias Sensíveis, p. 19). Work and figure are somewhat equivalent here, because we believe that the figure is a work. The “place
of the space” is a consequence of the figure’s irruption: its birth
corresponds to an inaugural gesture, a suspension of time and a
demarcation in absolute space. The figure, like the work of art in
general, is the action of making space perceptible and time sensitive.
Another aspect of the proximity we are describing here is the autonomy, expressed in the form of demand, of the figure: the individual’s
subjectivity is not taken into consideration; it is the figures’ demands
that matter. It is them that determine the body’s place in space, the
movements, the sensitive dance, on pain of, should their demands
not be satisfied, sinking into profound muteness and invisibility.
Another aspect that must be highlighted is that the construction of the figure
is not directed by a choice, since it is a direct response to a need for
orientation: in Jünger’s fine comparison (op. cit., §88), figures are
like a kind of compass that is only useful during the journey: it shows
where the North is, it orients you, but does not tell which way to take.
130
“In the case of the figure, not only do contours tend to become blurry, but the
very consciousness that faces them is less present. One approaches
a deeper knowledge, closer to presentiment foreboding premonition – a kinship that lies in the nature that configures, rather
than in configured nature.” (Jünger, op. cit., §128).
The abovementioned near-absence stresses the direct contact between the
figure and whatever it figures, presents or represents. In comparison
with language, it is known that the figure runs deeper, since it is
made of the same ingredients as what it represents. That is the
reason it is possible to perform transitions in which the elements fit
together, instead of belying or contradict each other, and that is why
Jünger says that after a while the figure’s contours tend to blur: the
figure’s maximum potency corresponds to its evanescence.
Let us return to Balzac: “You are looking for a picture, and you see a woman
before you. There is such depth in that canvas, the atmosphere is so
true that you can not distinguish it from the air that surrounds us.
Where is art? Art has vanished, it is invisible!” (Balzac, op. cit., p. 68).
It is a paradoxical situation: truth in art, like depth in the figure, amounts
to its annulation: it intrudes into the facts of the world, becomes a
fact of the world, a space turned conscious. The fact that the air can
flow through the figure’s body is an indication that the figure’s
power lies in a superior type of vision, a power that is exerted over
everything that exists: there is only one power similar to this one: the
power of naming. The fact that the figure does not appear in the
universe, that it cannot be taken and integrated into a unifying
discourse, means that the figure is the prime manifestation of that
same universe: it is a matter of transforming cosmic and metaphysical
power into tangible, sensitive, measurable reality, part of the field of
vision and perception.
131
“The cosmic depth and the inexhaustible depth of Man are but one: matter,
spirit, prodigy, sea, forest, light, sun, desert and any other name
you may wish. There are no differences or qualities there. Number,
thinker, height, depth, understanding no longer mean anything…”
(Jünger, op. cit., §122)
The fact that a relationship can be established between all things does not
mean that everything is equal to everything: by means of human
ingenuity the new takes place, the strange may happen. But the
correspondence defined here concerns the possible transitions between
elements, and how diversity is found in this depth shared by man
and the cosmos: the multiple finds and recognises itself in the ONE.
The same applies to works of art: it is possible to perceive a “genetic
agreement between the orientation of the body, the movements of
the hand, the direction of the artist’s eye and its effect on the one
who contemplates: the picture, the drawing, the Chinese painted
silk, the wall painting, the fresco all call to themselves, in metaphysical relationships, a form of looking, a place, which cannot be
arbitrary” (Maria Filomena Molder, op. cit., p. 20).
BIBLIOGRAPHY
Balzac, Honoré, A obra prima desconhecida, [Le chef-d’oeuvre inconnu, 1831], Lisboa: Ed. Vendaval, 2002
Didi-Hiberman, Georges, La peinture incarnée suivi de Le chef d’oeuvre inconnu par Honoré de Balzac,
Paris: Les éditions de Minuit, 1985
Jünger, Ernst, Type, Nom, Figure [Typus, Name, Gestalt, 1981], Paris: Christian Bourgeois Ed., 1996
Molder, Maria Filomena, Matérias Sensíveis, Lisboa: Relógio D’Água Editores, 1999
132
EDUARDO BATARDA
Eduardo Batarda’s imagery involves,
prior to anything else, a leap into the
depths of imagination, into this intellectual force’s shaping powers, which
allow it to give form to something it
does not quite grasp. It is not a simple
unification, but rather the creation of
often unexpected relations between
bodies, objects, clothes, stolen details.
His interests are purely visual, that is
to say, he is an artist that finds his way
of constructing images in the figures’
prolixity.
The pictorial elements he employs, always varying to avoid repetition, nonetheless create a family feeling between
themselves. But this is a special family,
in which direct resemblances are quite
rare: observers must sharpen their gaze,
focusing on the detail, on the fissure
each one of these sensitive figures presents as its place. Most of them are
bodies that, through unexpected actions,
reveal themselves as limits: limits of
form, of the line, of physiognomy. The
disproportionate situations in which
Batarda places his characters are not
the result of some boundless fancy, but
the product of a conviction according
to which it is in situations of limit that
differences become most apparent, that
one becomes aware of the physiognomies of both loved bodies and those
others one does not want to see, smell,
or touch.
The scale employed by the artist is
basically related to the construction of
a language that must be able to express the ever unique character of the
conceiving, shivering, desiring body. The
fact that it may inspire laughter is
illustrative of the depth of its intuition,
here patch of colour, figure, universe.
Its very specific world is ruled by the
laws of desire and journey: journey as
an action of discovery of the self and
the other, of meetings and misses. Political consequences are unavoidable,
especially considering his works on
paper. There, imaginative anarchy is
complete and finds its meaning in the
ability to build a kind of model of a
possible world.
Though these works may be classified
as “exotic”, that does not alienate
them from us; instead, it turns them
into explosive spaces for interacting
with that eroticism we usually try to
conceal. The huge phalluses and gaping,
hungry mouths always seem to evoke
something from Jünger’s inexhaustible
depth of man.
Batarda is basically a receptor: he turns
everything that interests him into his
property, changing alien languages
into his mother tongue; his method
consists in a gaze developed from the
tension that attends the creation of an
inventory of organic forms and everything related to them. The body is the
theme of these watercolours, in the
sense that it is the common denominator of all things, the first term of
comparison and relation with everything that exists. The violence that
apparently envelops some of these
works is due to the fact that desire is
uninhibitedly displayed here as the
primary shaping force of gestures, as
the plan and foundation stone of the
building of human values. Somehow,
Batarda takes a visual and historical
cliché (well-known works of his appropriate many images in Art History) and
uses it to construct a visual field that
is entirely his own: his place of departure is destroyed and out of its ashes
figures of surprising incantatory powers
emerge.
133
MIGUEL BRANCO
The fact that the face may turn into a
landscape is known to all portraitists
and some photographers; that, indeed,
is its subject, its theme, its reason. The
pictures now presented cannot be securely situated in a pictorial tradition,
nor is it possible to identify a common
motif to them. They recreate a strange
and hardly accessible sphere: animals,
landscapes, human faces all undergoing
transformations. Human character, which
blends here with the painting’s background, is presented as a metamorphosis, an approximation to its animality,
to a rough, indistinct character.
Man and his mask is another topic in
these works by Miguel Branco. But
“mask”, here, has the Nietzschean sense
of being a condition for expression,
the necessary metaphysical condition
for the face to appear. The painting
that originally seemed most recognisable as a portrait appears, at the end
of the series, as the most staged of
them all, as the most remote from the
primary element of physiognomy: that
face is recognised as a mask blending
with the background, becoming part of
the cosmic indifferentiation of painting,
revealing indistinct nature in man. If,
on the one hand, a face can be turned
into a landscape one can contemplate,
thus discovering many peculiarities that
tell stories and express life, on the
other that same face can be seen as a
funerary mask. That is not to say that
these paintings are animated by some
nostalgic feeling; their shaping force
resides in the discovery of the nonform, of the non-figure as the realm of
the human.
These paintings by Miguel Branco are
disturbing places where one witnesses
the body’s return to the earth, to its
original bed, to that indistinct place
out of which all forms are formed, that
huge cosmic natural ocean. The fact
that the figure progressively turns into
its own background goes beyond the
terms of pictorial relationship to become a sign of physiognomy’s constitutive polarity: to appear/disappear,
to make/unmake itself, to become
distinct/indistinct. On the most basic
level, the artist forces us to perceive
the annulation of multiplicity and its
transformation into unity: the manifold recognises itself on the ONE and
fuses into it. The ONE is the terrestrial
magma that absorbs and integrates
everything, breaking it up and integrating into another unity, another
organic depth.
The scale he employs, almost like a
miniaturist, serves a double purpose:
first, it demands concentration, then it
turns these works into a kind a secret
the artist whispers in our ear. The
whispers that emanate from these
wooden panels and these beings are
frightening, but no matter how much
you want to look away, it is impossible. You are under a kind of spell or
condemnation: any eye recognises these
figures as its legitimate abode, this
face as its own. The disturbing element
in these works is the fact that they do
not appear as remote, but rather as
places within the body itself, new
organs that unexpectedly grow inside
the contemplator. The inwardly physical
position these paintings force their
viewers to assume metamorphoses the
one who looks at them into power,
pure impulse, irrational energy that
bursts from within the face and becomes the magnetic field that surrounds
human physiognomy.
134
RUI CHAFES
Bodies of fire, iron and words. Thus
could begin a description of Rui
Chafes’ work. His sculptures are chunks
drawn from the earth, pieces from the
earthly and celestial cosmos with
which the artist executes a careful
description of the occupation of space.
Their interest is more than just human;
they are concerned with making
incorporeal beings earthly and the
creation of places where bodies do not
submit to ordinary gravity laws,
creating instead their own conditions
of existence. Their formal and conceptual strategy comprises an interplay
of weight and lightness, gravity and
grace, opaqueness and transparency.
Their status as bodies notwithstanding, his creatures — which combine
dawn and dusk, lights and darkness,
clearings and hideouts — are basically
points of intensity, poetic topoi:
moments that broaden the scope of
human action. The founding figure is
always the human body in its manifold
dimension, in its aspects of matter,
form and invisibility, all starting-points
through which it is possible to touch
the cold that envelops every living
creature. They are gestures that, like a
sacred halo, envelop and protect the
heart, while at the same time exposing
it to the world. They are shelters, maternal houses into which man can
retire, sacred places where the heart
can give itself to itself.
The work of this artist can only be
approached in strict connection with
the deepest layer of reality: these
sculptures are creatures from the
depths, winged bodies. The places they
inhabit inscribe them in zones where
silence is stronger than words, where
they are probes that detect the displacements and oscillations of the Earth’s
magma. Yet, this silence does not
annul the word, which is seen here as
a human effort towards understanding.
These sculptures are basically forms of
thought made substantial and tangible: thought yielding itself in the
form of a body. To name something —
and all of Rui Chafes’ sculptures have
names — implies the need to understand the visible, to identify one’s
intuition. But the action of naming is
a poetic gesture, rather than a rational
plan. Indeed, only the poetic word can
apply to these shapes, for only they
can contain the universe presented
here: to make poetry out of fire, to
write on incandescent steel — such is
the image that fits these bodies.
The formal effort visible in the pieces
is not an end in itself, that is to say,
the criteria it follows are organic,
rather than purely formal, as it must
be when following the trails of that
which is living. The sculptor becomes
not a demiurge, but rather a nomadic
hunter; his prey are half-angel, halfbeast creatures that only come to
know their form when caught in the
fluttering, light strips of iron. His loneliness is that space of silence and
immobility necessary to the accomplishment of his task. In the end, another
metamorphosis takes place: the hunter
becomes his own prey, turning himself
into the road he must travel. The
metaphor of hunting fits Rui Chafes
perfectly, and all his work develops
under the sign of the traveller, lonely
and intense, alone with the death and
pain he carries within himself. In his
universe, every element has a precise,
geometric position: the only law they
know is the organic need to sustain
life, to uphold the flesh, along with
the voice and breath that are the soul.
135
ANA JOTTA
Ana Jotta’s oeuvre is a veritable
enigma. Its references are manifold,
and it is extremely difficult to find a
common thread that may unite her
various works. It is not an incoherent
body of work, by any means, but each
piece is a singular, self-referential, autonomous being. Her paintings, drawings, sculptures and photographs come
from a single originating core, the
artist herself. This core, however, is not
a converging body: her works use various languages and fulfil various
objectives. But it may be assumed they
all share a common point — their
careful crafting. Perhaps drawing is their
foundation, the source from which every
other construction springs. The artist is
here synonymous with a listening
stance: she listens to the form and
feeds it – with paint, clay, graphite,
cardboard, canvas. These works are
their own projects.
The drawings and paintings presented
here explore the field of perceptive
games, that is to say, they deal with
the phenomenon of sight in its broadest
terms and with the exercises that
transform the act of seeing. Her ‘duckrabbit head’ is quite illustrative of this,
being a double figure which can be
read now as a rabbit, now as a duck.
The fact that these two figures can
simultaneously co-exist in the same
space is quite meaningful, not only in
terms of the image’s construction, but
also of the harmonising of sight and
thought. Here, the artist shows how
sight already contains an adaptation
to the world, that is to say, one only
sees that which one is prepared to see,
that which one wants to see. This
perceptive gap evidenced by Jotta is
also illustrative of the way the artistic
gaze constructs itself: by materialising
internal figures, projecting sight-related
events onto material elements, creating
areas of sensitivity that only exist otherwise as internal tensions.
But this game is in no event an end in
itself or a simple trickery. It is, rather,
the manifestation of a certain archaeology of the visible, whose most immediate result is a dismantling of preconceptions concerning spatial geometrics
and objectivity: the visual field is
human before it is Euclidian, and our
first rapport with magnitudes — and
colour areas are, in a certain way,
given magnitudes — is of an aesthetic
nature. To let oneself be affected by
the visible is the theme constantly
being developed by these works, and to
each perception of the external figure
corresponds the identification of an
inner place. Within this context, there
can be no talk of mistakes, only of
blindness, which is, from this point of
view, the greatest condemnation of all.
It is not a matter of being blind to the
image of the world, but to the aspects
– those touchstones in the organisation
of the visual field – the world displays.
Ana Jotta’s artistic interventions are
more than simple appropriations of
pre-existing works or images — somehow prolonging her objet trouvé
approach —, being especially ways of
acting upon, intercepting, touching
the effective way one sees, one feels,
one thinks. These works give their user,
or activator, the certainty that one’s
relationship with works of art is half
seeing, half thinking, and that the works
act as points for the concentration and
intensification of the body (the body
being the finest image of the soul) of
the one confronting them.
136
ÁLVARO LAPA
One can hardly be as profound as
Álvaro Lapa’s drawings. Using a small
formal lexicon, the artist is able to
attain the deepest layers of feeling,
perception and thought. The apparent
simplicity of these works must not be
confused with lack of resources: they
are the outcome of a rooting of the
gaze in the simplest, and hence most
difficult, things. The fact that stones
have voices and Mother Earth has dwellings for all reveals a world thought
extinct, allowing us to contact with the
source from which emanate all the
things we thought could only, at the
present moment, be perceived as ghosts.
The fact that beauty is the hardest
thing to attain is known at least since
Plato, but here this category appears
as a way of saying the terrestrial place
where the body belongs: the body as
abode, as voice, as form. The inscription
of the body on Mother Earth is not an
ecological statement, rather a need to
return to the dust, to contact, to
ashes. It could be said that, with each
drawing, Álvaro Lapa opens a crack on
the Earth’s crust through which one
can look. And that which is seen is
nothing more than the meeting-point
of the human essence and the essence
of the world. With each line, the artist
re-draws the planet’s contours, while
discovering himself. At every moment,
he defines the essence of the drawing.
Everything happens as if in a poem,
where each line is born of pure necessity: nothing is superfluous, in perfect
economy. At each new viewing, one
comes closer not only to the essence of
the drawing, but also of the cadence of
the Earth’s magma, of the heart, of
the word.
The fields he opens are clearings where
the world’s being finds the place for its
manifestation, an open space where
one may discover pure potency, the
possibility of becoming everything.
Rather than points of arrival, Lapa’s
drawings are points of departure,
places from which one departs to
discover the threads with which things
sew themselves and which then connect to the body of Man: everything is
connected to everything, everything is
made of the same matter.
To listen to “the voice of the stones” is
a kind of prayer to the cosmos and the
day that finds in the hands and face
that retire to think about god its finest
incarnation. To think the meaning of
the world is the other name for this
god whose dwelling is on Earth and
who can listen to the stones. One does
not reach this place by means of deduction and exercise: it can only make
itself present as a revelation. The feeling
that traverses these landscapes is not
one of nostalgia, but rather of familiarity between all things, with Man at
their centre. The fact that the Earth is
the place where the body belongs is so
primary one tends to forget it; it is one
of those things that are so present as
to become invisible, and this artist seems
continuously occupied in attempting
to rescue it from that invisibility.
The 14 drawings that make up the
“Moradas da mãe terra” [Dwellings of
Mother Earth] series apparently form a
kind of kinetic sequence, where every
movement is of a double nature: inner/
/outer, breathing in/breathing out,
inside/outside. Yet, this differentiation
is only provisory, since they are terms
from the same relation, to be later
integrated. The perceived movement is
a sign of the inner dynamism of what
is alive, of the meaningful gesture all
creatures perform.
137
RUY LEITÃO
These carefully worked out compositions reveal themselves as places of
amazement. Leitão’s genius lies in the
way he can, with each new painting,
create a new world, a consistent and
autonomous universe. His creative strategy is one of permanent struggle
against the anonymity of the usual/
/inhabitable, a kind of rescue of the
everyday from the oblivion into which
it constantly falls. Subjects in Ruy
Leitão’s oeuvre are countless, as many
as the eye can encompass. The works
of this native of the frantic city, that
pitiless factory of fast images,
carefully elaborate on everything the
daily lives of men set before his eye.
Even though it lives off and in that
wealth of colours and forms, his
gesture is precise and exact in the way
it presents its objects, which become
centres for the development of more
colours, more forms, more compositions. The accumulation of elements
obeys the internal needs of each thing:
things come out of one another; they
multiply infinitely, and there is always
more life. Relations between things are
unpredictable, being the consequences
of the way the canvas or paper leaf is
filled in and of the attention given to
tiny details.
As a whole, Ruy Leitão’s work is a
meditation on painting. Anything can
act as a starting-point for it: pins, articles of clothing, human bodies, animals. His system for integrating ideas
is a powerful device of condensation
and synthesis, whose most immediate
result is an enormous stimulation of
the faculties of sight. Its integration
of the various families of objects creates a kind of chart of kinships, where
resemblances are attained by means of
formal and chromatic harmonising.
The movement one experiences in each
work is the product of that concealing/
/revealing that is his founding language.
But there is more than just aesthetic
concerns to these works, which are
also fields of affection and feeling,
tiny concentrated points of energy that
prolong themselves between the body
of the drawing and the body of the
viewer, places of co-belonging: the
viewer belongs to the drawing, and the
drawing to the viewer. It is a mutually
convenient relationship in which discomfort or distance take no part.
Vision is where intuition takes place,
and all the messengers of feeling
gather together in the place of visual
sensation. The animal of sight meets
one of its equals, and an affinity is
established between the two.
There is much to learn from Ruy Leitão’s
drawings, in perceptive, grammatical,
pictorial, and compositional terms. They
are, basically, doors that open onto
regions of human life suffused by the
intensity of a quick, pitiless, irredeemable visual stimulus. That drawing
was his way of life can be clearly
understood from the A4 and A5
sketchbooks he left us. His drawings
know not the immobility of abstract
formulas, but are possessed by the
ability of seeing everything, of wanting everything there, within his grasp.
Baudelaire called imagination the
sovereign faculty, because it can
encompass both analysis and synthesis; for Ruy Leitão, imagination is
the whole world: the place where
happening itself materialises.
138
JOSÉ LOUREIRO
These ‘mouths’ by José Loureiro mark
an important moment in the history of
the body, the moment in which organs
become autonomous, thus gaining a
voice, a will, an identity of their own.
That autonomy is so unexpected that,
on a first impression, these mouths are
seen as tiny monsters: what can be
said of mouths that walk about, autonomous, claiming a place of their own
in the world? Somebody should tell the
mouths, or their painter, that organs
belong to the organism and that the
only place for a mouth is on a face.
Remember the tragic story of poor
Schlemihl, who sold his shadow and
forever lost his place among the living.
The other side of this story leads to
think about what is a face without a
mouth, a body devoid of speech: something frightening.
The advantage of painting is that, like
other arts, it does not acknowledge the
same laws to which all other things in
the realm of men must subject themselves. Fictional figures and bodies, or,
in this context, pictorial figures and
bodies, being the result of an abstraction process, have no obligations
of verisimilitude or causality; the only
rules they obey are those of aesthetic
rigour, of artistic accord: their world
adjusts itself to this world, and that is
all. Paintings are a world because they
create the laws they themselves obey.
These paintings, for instance, dislocate
their references — the real mouths
that talk, kiss, eat, say poems, salivate
— into a new context, by freeing the
fragment and thus creating a new
plane of life for it — here, the magic,
enthralling environment of painting.
The body is an organised totality, an
endless system of finalities, as Kant
says, and the ambition of these new
beings is to attain that same organic
and formal autonomy. It is unsure
whether they achieve it from the
organic point of view, but as forms
they find a place and are celebrated as
visible instances of a certain type of
sensitivity. And it is this autonomy of
the figure that good painting always
achieves.
The mouth-being is taken to its expressive limits in these paintings by Loureiro – mouths are stretched, deformed,
geometricized. The final result comes
as a resistance to the destructive gesture: for, if the painter is a creator, he
can also be a destroyer. This taking the
figure to its limits also includes the
capacity of the now autonomised figure to create a world exclusively its
own, which corresponds to the various
planes and cuts generated by the
painting. More than just getting the
figure to live, this is also about the
certainty that the painting’s components possess an intelligibility of their
own. Their form depends on them; its
limit is their own.
The painted figure’s place in space is
conquered at the birth of its form, of
its patch. Its limits are those of the
line, of the paper leaf. There is no
space prior to the painting: it is formed by the gesture that paints and
recognised through the use the figures
make of it. That is why the initial
strangeness one feels on looking at
these ironic ‘mouths’ eventually turns
into a recognition of places, depths,
possibilities.
139
RUI MOREIRA
One can either confront Rui Moreira’s
drawings or let oneself be carried away
by them, becoming lost in the manifold details yielded by a meticulous
work of observation, attention and dedication, which can be better compared
to the experience of someone who strolls
alone in a landscape, fascinated by the
many different shades of green, by the
contrast between earth and sky, by the
patterns of mountains and trees on the
horizon. The beings one sees emerge on
these huge sheets of paper are born from
a kind of mnemonic exercise: of the
eye as it roams over one place, of the
hand as it caresses a surface, of sensitivity when it discovers a new feeling.
Moreira’s figures are wavering, strange
and wobbly. They do not allow themselves to be grasped, but show at every
moment a new face, a new aspect, a
new detail. Their monochromatic quality
is a device for intensifying concentration, for training one’s attention to
deal with the events of the figure. The
physiognomic event is the central category of these drawings, but these are
events created by the artist. Their
origin lies in a training of the eye
towards detecting the emergence of
the figure, towards understanding how
a point develops into another, and
another and another. Something that
manifests itself not only in the inscription of the sign upon the surface,
but also in the rhythm it brings, which
is the greatest desire of the stage
which the drawing becomes.
These figures are evocative of ancestral
bodies, those with which one learns
one’s first gesture, engages in one’s
first combat, and learns one’s first lesson. They seem to accomplish a series of
exemplary, ritualistic, mythical actions,
which must be repeated and performed
by those observing them: such is the
condition of their contemplation. Their
intense expressiveness tells of the contact with what is deepest, with what
runs quite beyond what can be felt,
places that can only be reached through
sophisticated artistic constructions. At
every moment, other things manifest
in these figures: small, almost invisible
beings, which fill in and create the contour of the main figures.
In another drawing, formal variety becomes synthesised in a round figure, which
comes across as a planet-like element
that suggests at the same time a cell,
an atom, the infinitely small that sustains life, the mind as a round thing,
the eye as an entrance door. The way
these figures are constructed has in
Democritus, who describes the world as
a combination of atoms and voids, small
units of filled space and emptiness, its
best spokesman. The Atomists’ cosmological model understands that whatever exists cannot be immovable and
single, depending instead on an intimate relationship between full and
empty, being and non-being, that differences between atoms are the cause of
differences between things, and that
these differences are three: “shape,
arrangement and position; because
they hold that what is differs only in
rhythm, inter-contact and turning;
and of these rhythm is the shape,
inter-contact the arrangement and turning is position” (Aristotle, Metaphysics,
A4, 985b)
This is a possible way of understanding
Rui Moreira’s drawings. They, too, rely
on a complex relationship between full
and empty, being and non-being. And
these are the principles that organise
the fields of visible elements he constructs. Poetry is also familiar with this
formula: being an art of rhythm, it
depends on the relationship between
spoken word and silence. These figures
are, in some way, poetic forms (though
not visual poems), given the fact that
they are intense and full of rhythm
and movement.
140
JORGE QUEIROZ
Jorge Queiroz makes drawings, an
action that finds it main foundations
in a kind of originary, basic polarity:
meaning and meaningless, logical and
illogical, conscious and unconscious,
full and empty, abstract and figurative,
narrative and fragment. Everything
starts from a point of view similar to
the one of Lewis Carroll’s Alice, where
everything is and is not at the same
time, because the basic law is metamorphosis: a permanent transmutation
of things into one another, in continuous approximations to the highest
possible expressive intensity. This law
manifests itself in terms of each drawing’s formal, material and conceptual
characteristics of each drawing: the
dominant note is the fact that there
are no usual places (even though a
kind of serial action may be identified), while drawing itself is always
on the process of being reinvented, put
to the test, taken to its limits. The
struggle, here (and these drawings are,
indeed, the field of a certain kind of
conflict), is not over some kind of
surreal excess, being born instead of a
constant tension (quite close to the
one in poetry and some forms of philosophy) between what can be said
(drawn) and what must forever remain
unsaid (that which can never be made
to correspond to a form, image or line).
These near-implausible but appropriate
and logically possible universes are
peopled by mutant, explosive beings
that inhabit places where geometry is
inverted and architecture, as the memory of spatial occupation and organisation, becomes irrational, unpredictable
and random. Most of all, it refuses any
kind of unifying system that may wish
to impose any rules or order: the only
rules it accepts are those which emerge
from within its own pictorial, formal
and graphic coordinates. To not be able
to isolate an historical thread implies
the search for isolated places within
the very possibility of feeling and
meaning: a kind of denial of genealogy
(all the elements that make up these
drawings seem to come out of literally
nothing), since it is impossible to faithfully recede until the origin of the
drawing’s events.
That is why the void is as much a part
of the works as all the inscriptions on
paper: it corresponds to the individual’s possibility of moving around and
across the space. On the one hand, it
compensates for the excess and abundance that formally characterise these
works and, on the other, it gives imagination free rein. This void mostly
corresponds to the space of freedom
(which curiously is synonymous, within
this space, with absence and loneliness) that activates, excites and vivifies the human faculties. Surprisingly,
perception of this excess (akin to
oneiric, symbolic and surreal chaos) is
followed by a feeling of balance, harmony and fusion with what our eyes
see and our sensibility experiences.
Finally, strangeness gives way to the
possibility (in the form of undeniable
evidence) that the absence of narrative
may be the basic element in the construction of meaning.
141
RUI SANCHES
Marat means, before anything else, the
name that is given to the impossibility
of representing life without death.
David’s painted representation of
Marat’s murdered corpse fulfils a double
function: first, it puts into question our
reading of the portrait, and then presents itself as a presentation of the
body as a being metamorphosing into
death. In this funereal portrait, the
death-bed is a bath-tub in which the
body delicately separates itself from
life, in which an estrangement materialises and a distance is imposed. At the
limit, it is an impossible portrait, described by Baudelaire as a visual poem
in which life appears in its most cruel
aspect and Marat challenges Apollo.
Such considerations are not foreign to
these drawings, which Rui Sanches, following David’s inspiration, dedicates “To
Marat”. Marat appears as a motif that
undergoes many different approaches,
framings, depictions. The central element, here, is the body in the process
of fading away, over which are written
the coordinates of an impossible place:
the place where life separates from the
body, the place where death happens.
In some of these works, the figure is
overlapped by a kind of diagrams, which
try to integrate the weight of that body
killed by a woman’s dagger. It is as if
the artist were trying to depict loss.
The sculpture which accompanies these
drawings also deals with loss. “Orpheus”
is the name of the singer who, with his
lyre and his singing, could charm ferocious animals and change the course
of the rivers; one day he lost his love,
Eurydice, and descended to Hades to
bring her back. The gods had told him
he could take Eurydice as long as he
did not look back, for then he would
forever lose his love.
Both the sculpture and the drawings
share the experience of loss, of death,
of estrangement, of distance. But both
of them also create an erotic relationship with their viewer. Even though the
approaches in the drawings and the
sculpture are different, both of them
find their form in the irrational, invincible, sensuous urge of Eros.
While the body seems to disintegrate
and dematerialise in the drawings, the
sculpture consists of an accumulation
of thin plywood boards, out of which a
white plaster body rises. Such anthropomorphic forms as emerge are the
fruit of the relationship between the
sculpture’s body and the body of its
viewer: bodies of different materials
that recognise themselves in one another. This body is assertive in the way
it moves and rises above the floor.
Lack of distinction between what is the
body and what is holding it up is an
important element, which shows how
all bodies belong to the same depth,
the same elements, the same roots.
Historical references play no determinant role in Rui Sanches’ work, but
are nonetheless useful as a methodology for the revisitation of the history
of memory, of the various stages in the
human study of meaning and perception. His approach is not based on
a list of visual clichés from Art History,
establishing itself instead on their destruction, by turning a certain tradition
into its material. Sanches’ concern is
the human motivations that have been
condensed into stories, paintings and
sculptures, and thus echo across all
bodies and all times. Such is his context.
142
Biografias / Biographies
EDUARDO BATARDA
Nasceu em Coimbra, em 1943, onde começou por estudar Medicina, envolvendo-se
depois nas turbulentas “crises académicas”. Muda-se então para a capital lisboeta e, a partir de 1963, passa a frequentar a ESBAL. Logo na sua primeira
individual, na antiga Galeria Quadrante (Lisboa), destaca-se pelo modo como
trabalha a desarticulação entre imagem e narrativa, praticando uma figuração
genericamente referenciada na cultura pop, com métodos e técnicas vindos da
banda desenhada e da ilustração. No início dos anos 70 frequentou o Royal College
of Art, em Londres, regressou a Portugal e, no final da década, muda-se para o
Porto, tornando-se professor na ESBAP. A sua obra torna-se cada vez mais eclética, incorporando comentários à actualidade artística e política, à literatura e à
sexualidade, e distinguindo-se ainda hoje pela capacidade provocatória e ambivalente das suas pinturas.
Das exposições mais recentes destacam-se a retrospectiva que o CAMJAP da
Fundação Calouste Gulbenkian realizou em 1998 e a individual com que inaugurou as novas instalações da Galeria 111 em Lisboa (2000), bem como a participação em importantes colectivas como The POP’60s: A Transatlantic Journey,
no Centro Cultural de Belém (Lisboa, 1997), Circa 1968 (em 1999) e Porto 6070: Os Artistas e a Cidade (em 2001) – ambas no Museu de Arte Contemporânea
de Serralves, no Porto. Em 2007 foi-lhe atribuído o Grande Prémio EDP.
Born in Coimbra, 1943; in that same city, he began studying Medicine, and eventually became involved in the turbulent “academic crises”. Then, he moved to Lisbon,
where, in 1963, he started attending ESBAL. Right from his very first solo show,
which took place at Galeria Quadrante (Lisboa), he stood out by virtue of his work
on a disarticulation between image and narrative, resorting to a kind of figuration
143
mostly based on Pop culture, with methods and techniques taken from comics and
illustration. In the early 1970s, Batarda attended the Royal College of Art, in London,
after which he returned to Portugal and, at the end of the decade, moved to Porto,
where he began teaching at ESBAP. His work became increasingly more eclectic, incorporating comments on artistic and political current affairs, literature and sexuality;
even his more recent paintings retain a provocative and ambivalent quality.
His most important recent exhibitions include a retrospective organised by CAMJAP
– Fundação Calouste Gulbenkian (1998) and the solo show that opened the new
premises of Lisbon’s Galeria 111 (2000), besides being featured in important solo
shows, like The POP’60s: A Transatlantic Journey, at Centro Cultural de Belém
(Lisbon, 1997), Circa 1968 (1999) and Porto 60-70: Os Artistas e a Cidade (2001),
of which the latter two were held at Museu de Arte Contemporânea de Serralves,
in Porto. In 2007, he received the EDP Grand Prize.
MIGUEL BRANCO
Nascido em Castelo Branco, em 1963, estudou pintura na Escola Superior de
Belas-Artes de Lisboa e participou na paradigmática exposição Novos, Novos que
teve lugar na Sociedade Nacional de Belas-Artes (SNBA, Lisboa) em 1984. Teve
a sua primeira individual em 1988, altura em que mostrou um conjunto de pequenas esculturas antropomórficas feitas em terracota (Objectos Discretos, Galeria
Monumental, Lisboa). Mas até meados da década seguinte a sua obra passaria a ser
reconhecida sobretudo pelas pinturas a óleo de pequenas dimensões, que realizou sempre segundo uma estratégia serial ou temática, centrando a representação
num animal em particular (galinhas, cães, etc.) ou em objectos que podemos
associar às naturezas-mortas (tigelas, caveiras). A ligação com alguma pintura de
género é igualmente reforçada pelo modo como trabalhou a luz nessas composições.
Já no final dos anos 90, as suas pinturas diminuem ainda mais de tamanho e
têm por protagonistas estranhas figuras humanas com máscaras ou privadas de
rosto. Votadas a situações de isolamento, essas personagens anónimas ganham
depois corpo em projectos novamente mais próximos da prática escultórica,
atestando a sua capacidade de reinventar o seu próprio universo de referências.
144
Para além das exposições individuais que realizou na Galeria Lisboa 20 (2002 e
2005), em Lisboa, destaca-se ainda a recente itinerância da mostra Esculturas
(Gallery Paule Anglim, San Francisco, EUA; e Salão Nobre do Teatro Aveirense,
Portugal), e a participação em Jardim Aberto: Escultura nos Jardins do Palácio de
Belém (Lisboa), também em 2007.
Born in Castelo Branco, 1963. In Lisbon, he studied painting at ESBAL, and took
part in the paradigmatic Novos, Novos group exhibition, which was held at SNBA.
His first solo show took place in 1988. In it, he presented a set of small anthropomorphic terracotta sculptures (Objectos Discretos, Galeria Monumental, Lisbon).
However, by the mid-1990s his work was especially recognisable as small oil paintings, which he always produced in accordance with a serial or thematic strategy,
dealing with the representation of one particular animal (chickens, dogs, etc.) or
of objects possibly associated with still lives (bowls, skulls). This connection with
certain genre paintings is further enhanced by the way he handles light in those
compositions.
In the late 1990s, the size of his paintings decreased even more, and they were now
peopled by strange human figures, either wearing masks or faceless. In situations
of isolation, these anonymous characters would later reappear in projects that
once again return to sculpture, thus attesting to this artist’s capacity for reinventing
his own universe of references.
Some of his most important exhibitions are the solo shows he presented at Lisbon’s
Galeria Lisboa 20 (2002 and 2005), the recent touring exhibition Esculturas (Gallery
Paule Anglim, San Francisco, USA; Salão Nobre do Teatro Aveirense, Portugal), and
his participation at Jardim Aberto: Escultura nos Jardins do Palácio de Belém
(Lisbon), both in 2007.
RUI CHAFES
Nasceu em Lisboa, em 1966, onde concluiu o curso de Escultura (na ESBAL,
1989), prosseguindo depois os seus estudos na Kunstakademie de Düsseldorf, na
Alemanha, através da frequência das aulas de Gerard Merz (1990-92). Essa estadia
145
desenvolveria o suporte reflexivo que, quer em textos seus, quer em textos
escritos por outros autores, desde cedo acompanhou a sua obra, ancorando-a
numa perspectiva crítica profundamente inspirada no Romantismo alemão.
É também na viragem para a década de 90 que abandona a diversidade de materiais das suas primeiras apresentações individuais, privilegiando a partir desta
altura o uso de ferro pintado. As suas peças continuam a explorar a sugestão de
leveza e a elaboração de figuras orgânicas, mas com uma eficácia cada vez mais
sofisticada, dado o contraste entre essa deriva formal e o material utilizado.
Surgem ainda trabalhos que radicalizam a relação corporal das suas propostas,
assemelhando-se a armaduras de vestir, objectos de tortura ou mesmo a máquinas
de guerra, alusivas a situações de violência e morte. O seu percurso continua
assim a redefinir as próprias possibilidades disciplinares da escultura na sua
relação demiúrgica com o mundo visível.
Destacam-se, das suas exposições mais recentes, as realizadas com Fernando Calhau
no Museu da Cidade de Lisboa (Um Passo no Escuro, 2002), com Vera Mantero na
26.ª Bienal de Artes Visuais de São Paulo (Comer o Coração, 2004) e com Pedro
Costa no MACS, no Porto (Fora!, 2005). Têm ainda particular relevância as individuais apresentadas em vários locais de Sintra, no ano 2000 (Durante o Fim), e,
já em 2007, em Lisboa (Eu sou os outros, na Galeria Graça Brandão), para além
de outras mostras a solo realizadas nos últimos anos em Espanha, Alemanha,
Dinamarca, Bélgica, Itália e Brasil. Algumas das suas obras estão permanentemente instaladas em espaços públicos e está representado em numerosas
colecções públicas e privadas internacionais.
Born in 1966, in Lisbon, where he graduated in Sculpture from ESBAL (1989),
before going to Germany to continue his studies at Kunstakademie Düsseldorf
(1990-92), where he attended classes by Gerard Merz. During that stay, he would
develop the intellectual background that, either in the form of texts written by
himself or by other authors, accompanied his oeuvre from very early on, inscribing
it into a critical outlook profoundly inspired by German Romanticism.
Also during the early 1990s, he relinquished the variety of materials that characterised his first solo shows, henceforth employing basically painted iron. His works
kept exploring such topics as the suggestion of lightness and the construction of
146
organic figures, but with increasingly sophisticated efficacy, given the contrast
between their formal variance and stable material. Other pieces radicalise their
bodily associations by taking forms suggestive of armours, torture implements and
even machines of war, alluding to situations of violence and death. Thus his work
continues to redefine the very possibilities of sculpture in its demiurgic relationship with the visible world.
Some of his most important exhibitions in recent times are collaborations with
other artists, such as Fernando Calhau, at Museu da Cidade de Lisboa (Um Passo
no Escuro, 2002), Vera Mantero, at the 26th São Paulo Biennale (Comer o Coração,
2004) and Pedro Costa, at MACS, in Porto (Fora!, 2005). Also of major importance
were the solo shows he presented on several locations in Sintra (Durante o Fim,
2000), and in Lisbon, at Galeria Graça Brandão (Eu sou os outros, 2007), with
others taking place over the last few years in Spain, Germany, Danemark, Belgium,
Italy and Brazil. Certain of his pieces are permanently displayed in public spaces,
and his work is represented in many international public and private collections.
ANA JOTTA
Nascida em Lisboa, em 1946, começou por frequentar a ESBAL mas foi em Bruxelas (na École de Arts Visuels et d’Architecture de l’Abbeye de la Cambre) que
se formou ainda antes de terminada a década de 60. Depois de um período significativo como actriz (1969-1980), Ana Jotta reorientou a sua actividade para
o domínio das artes visuais, dedicando-se sobretudo à prática do desenho, e
realizou a sua primeira exposição individual em 1987, na (entretanto extinta)
Galeria EMI-Valentim de Carvalho, em Lisboa.
Reconhecida pelo modo como atravessa as fronteiras entre disciplinas, técnicas
e suportes – cruzando as possibilidades do desenho, da pintura, da fotografia e
da escultura, mas também do bordado e da utilização de objectos encontrados
–, a sua obra parte de fontes muito diversas, desde referências eruditas a populares, sendo especialmente importante o papel do Acaso enquanto contingência
criativa. Os seus trabalhos procuram escapar assim, deliberadamente, a um “estilo
único”, embora se caracterizem habitualmente pela estruturação de narrativas
meta-artísticas, onde o desenho permanece como sistema privilegiado.
147
Destacam-se, das suas exposições mais recentes, a retrospectiva que o Museu de
Arte Contemporânea de Serralves, no Porto, lhe dedicou em 2005 (Rua Ana Jotta)
e a individual que realizou, já em 2006, na galeria que representa a artista (Luna
Park, na Galeria Lisboa 20-Arte Contemporânea).
Born in Lisbon, 1946. She began attending classes at ESBAL, but would only finish
her art studies during the late 1960s, in Brussels (at École de Arts Visuels et
d’Architecture de l’Abbeye de la Cambre). After a significant career as an actress
(1969-1980), Ana Jotta returned to the visual arts; her first solo show took place
in 1987 at Galeria EMI-Valentim de Carvalho, in Lisbon.
Characterised by its blurring of the borders between genres, techniques and
materials – combining the possibilities of drawing, painting, photography and
sculpture with needlework and found objects –, her work resorts to many different
sources, from erudite to popular culture, with Chance playing an especially
important role as creative contingency. Thus her pieces try to avoid a “unified style”,
though they are usually defined by the structuring of meta-artistic narratives, with
drawing as their favoured system.
Some of her most recent exhibitions include the 2005 retrospective at Porto’s
Museu de Arte Contemporânea de Serralves (Rua Ana Jotta) and the solo show she
presented, in 2006, at the gallery currently representing her work (Luna Park,
Galeria Lisboa 20-Arte Contemporânea).
ÁLVARO LAPA
Nasceu em Évora, em 1939, onde nos anos 50 teve aulas com o pintor Charrua
e com o escritor Vergílio Ferreira. Muda-se depois para Lisboa e inicia o curso de
Direito, que depois troca pelo de Filosofia, terminando apenas este último já a
residir no Porto, em 1975. Artista autodidacta, foi no arranque da década de 60
que começou a pintar, entusiasmado pelas primeiras experiências plásticas do
seu amigo Joaquim Bravo e sob influência tutelar de António Areal, que conheceu por essa altura e de quem se sentiria sempre próximo. Desde então a obra
de Lapa desenvolveu-se em sucessivas séries de sugestão narrativa e em torno
148
de um conjunto restrito de formas e temas que cruzam o domínio da pintura com
o universo das suas leituras e produções literárias, tanto sobre arte, como no
campo da ficção e da poesia.
A sua primeira individual teve lugar na Galeria 111 de Lisboa, em 1964, destacando-se ainda a “exposição-instalação” Escuro como a cova onde o meu amigo
se não move (1971) e a “exposição de literatura” Os criminosos e as suas propriedades (1975), ambas na Galeria Buchholz. Mais recentemente, a Fundação de
Serralves e o CAMJAP da Fundação Gulbenkian dedicaram-lhe uma importante
Retrospectiva (1994); e, em Janeiro de 2006, Lapa ainda assiste à sua derradeira
exposição – intitulada Reunião – no novo espaço da Galeria Fernando Santos em
Lisboa, vindo a falecer pouco tempo depois. No final desse ano realiza-se finalmente a exposição que assinala a atribuição do Grande Prémio EDP de 2004: Álvaro
Lapa: Obras-Com-Palavras e Paisagísticas (no Museu da Cidade de Lisboa, 2006).
Born in 1939, in the city of Évora, where, during the 1950s, he studied under
painter António Charrua and writer Vergílio Ferreira. Then, he moved to Lisbon to
study Law, switching later to Philosophy, a course he would only finish in 1975,
while already living in Porto. A self-taught artist, he began painting in the early
1960s, encouraged by the first experiments of his friend Joaquim Bravo and under
the tutelary influence of António Areal, whom he met around that time and would
remain a very close connection. Since then, Lapa’s oeuvre has developed in series
after series of narrative suggestiveness around a limited number of forms and
subjects, combining the realm of painting with the universe of his reading and
literary production, which includes art criticism, fiction and poetry.
His first solo show took place in 1964, at Lisbon’s Galeria 111. Equally important
during those early years were his “exhibition-installation” Escuro como a cova
onde o meu amigo se não move (1971) and “literature exhibition” Os criminosos
e as suas propriedades (1975), both held at Galeria Buchholz. More recently,
Fundação de Serralves and CAMJAP – Fundação Gulbenkian presented an important
retrospective of his work (1994); in January 2006, Lapa attended the opening of
his last exhibition – Reunião – at the new premises of Galeria Fernando Santos,
in Lisbon, dying shortly afterwards. At the end of the same year, the exhibition
that marked his awarding of the 2004 EDP Grand Prize, Álvaro Lapa: Obras-ComPalavras e Paisagísticas, finally took place (Museu da Cidade de Lisboa, 2006).
149
RUY LEITÃO
Nascido em Washington DC (em 1949), filho da pintora Menez, começou por se
inscrever na Central School of Art, estudando depois na Chelsea School of Art,
também em Londres, onde teve como professor o emblemático Patrick Caulfield.
A influência anglo-saxónica que a sua obra revela desde cedo está assim intimamente relacionada com a efervescente cena artística britânica vivida na década
de 60, destacando-se, inclusive, a própria participação de Ruy Leitão na edição
de 1969 da colectiva Young Contemporaries. Essa seria a sua primeira exposição,
às quais se seguiram inúmeras individuais, realizadas maioritariamente em
Portugal e já depois da sua morte prematura, em 1976.
As suas vastas séries de desenhos podem ser filiadas na chamada Nova Figuração
Pop pelo modo como tornam simbólicos os objectos mais banais do quotidiano
(chapéus, lenços, lápis, pentes, canetas, botões, etc.). Desdobrados com extrema
eficácia plástica em composições de planos sobrepostos, transcrevem graficamente todo um conjunto de formas reconhecíveis mas esvaziadas de qualquer
sentido narrativo. Também o corpo surge desprovido de qualquer enredo, afirmando-se
em jogos expressivos que exploram as múltiplas possibilidades de transfigurar
em imagens o que nos é familiar.
Para além da exposição com que se estreou em Portugal (colectiva 17 Novos Autores,
na entretanto extinta Galeria Judite da Cruz, em Lisboa, 1970), destacam-se
ainda as exposições individuais realizadas entre 1971 e 1994 e que tiveram lugar
na Galeria 111 (Lisboa e Porto) e na Fundação Calouste Gulbenkian (com uma
mostra retrospectiva que reuniu os desenhos produzidos entre 1961 e 1972).
Born in Washington DC (1949) to painter Menez, Leitão began his artistic education
at London’s Central School of Art, and later at the Chelsea School of Art, where he
studied under Patrick Caulfield. The Anglo-Saxon strain that characterised his
oeuvre from very early on is thus intimately related to the effervescent British
artistic scene of the 1960s: Ruy Leitão’s first exhibition was actually part of the
1969 edition of the Young Contemporaries group show. Since then, his oeuvre has
been the subject of many solo shows, most of which in Portugal and after his
premature death, in 1976.
150
His vast series of drawings can be described as New Pop Figuration, given the way
they imbue with symbolic value the most banal of everyday objects (hats, handkerchiefs, pencils, combs, pens, buttons, etc.). Unfolding with great plastic efficiency
into compositions of overlapping planes, they graphically transcribe a whole set of
forms that, though recognisable, are entirely devoid of any narrative sense. The
body, too, appears free from any plot, presented in expressive games that explore
the countless ways of turning into images something that is familiar to us.
Following his first presentation in Portugal (as part of the 17 Novos Autores group
show, at Lisbon’s Galeria Judite da Cruz, 1970), several solo shows took place between
1971 and 1994, at Galeria 111 (Lisbon and Porto) and Fundação Calouste Gulbenkian
(a retrospective that gathered together drawings made from 1961 to 1972).
JOSÉ LOUREIRO
Nascido em Mangualde, em 1961, concluiu o curso de pintura na ESBAL no final
da década de 80, altura em que começa a sua actividade expositiva. Os trabalhos
então apresentados partem de pesquisas pessoais no território da própria pintura
e são desde logo dominados por uma aparência abstracta, reavaliando constantemente a relação cromática e espacial entre fundo e figura.
Já em meados dos anos 90 assistimos ao isolamento de determinados segmentos
que prolongam o efeito vibrátil de pinturas anteriores e estruturam densas malhas
de tons, densidades e texturas, para formular, em última instância, uma complexa rede de experimentações pictóricas. A figura humana surge depois evocada
ora em linhas que se desmultiplicam, ora através da sobreposição de sucessivos
movimentos de um corpo, anunciando, na viragem da década seguinte, outros
desdobramentos possíveis da representação pictórica. Trata-se, até hoje, de uma
pintura que se dedica à sua matéria e materiais, e que acontece na permanente
tensão entre o que é orgânico ou da ordem do geométrico, manual ou reprodutível, disperso ou estrutural.
Para além da sua participação na colectiva que assinalou a 1.ª edição do Prémio
EDP de Pintura/Desenho (Palácio da Ajuda, Lisboa, 2000), destacam-se as exposi-
151
ções individuais que realizou recentemente no MACS do Porto (2002), no Centro
Cultural Emmerico Nunes (em Sines, 2005), na Galeria Cristina Guerra (2006) e
no espaço Chiado 8-Arte Contemporânea (2007), estas duas últimas em Lisboa.
Born in Mangualde, 1961, Loureiro graduated in painting from ESBAL in the late
1980s, and began exhibiting around that same time. These early works draw from
personal inquiries into the territory of painting itself, being defined by an abstract
appearance and constant revaluation of the chromatic and spatial relationship
between background and figure.
In the mid-1990s, certain segments of his work began taking pride of place, prolonging the vibratile felling of previous paintings and creating dense networks of
hues, depths and textures, to finally formulate a complex arrangement of pictorial
experiments. Then, the human figure started appearing, either in the form of proliferating lines or as the superimposition of the successive motions of a body,
announcing the following decade’s possible new decompositions of pictorial
representation. Even today, this is a painting deeply concerned with its matter and
materials, taking place in a permanent tension between organic and geometric,
handmade and reproducible, scattered and structured.
Apart from his participation in the collective exhibition of the 1st Painting/Drawing
EDP Prize (Palácio da Ajuda, Lisbon, 2000), he also presented several important
recent solo shows at MACS (Porto, 2002), Centro Cultural Emmerico Nunes (Sines,
2005), Galeria Cristina Guerra (Lisbon, 2006) and Chiado 8-Arte Contemporânea
(Lisbon, 2007).
RUI MOREIRA
Nascido no Porto, em 1971, formou-se no Ar.Co em plena década de 90, altura
em que também começou a expor. Mais tarde viria também a frequentar o Art
Institute of Chicago. O seu trabalho assentou desde cedo na prática do desenho,
sobretudo partindo da observação de paisagens e assumindo a notação de um
registo pessoal do que é visto. A utilização de tinta-da-china deu então lugar,
152
progressivamente, ao uso da grafite e do guache, passando mesmo a recorrer à
esferográfica e à ponta de feltro, ao mesmo tempo que o traço decidido e vigoroso se tornou mais subtil ou sinuoso. Também a fotografia e a escultura se
cruzam no seu percurso artístico, questionando as fronteiras entre géneros.
Nos últimos anos, a obra que desenvolveu apontou ainda para outro caminho
possível, nomeadamente em desenhos de cariz geométrico que surgiram na
sequência de viagens a Marrocos, sobretudo ao Deserto do Sara. A paisagem de
outrora tornou-se mais abstracta e absorta em interpretações geometrizantes,
indicando novas possibilidades de revisitação do real.
Mais recentemente, merecem especial atenção as individuais realizadas na Galeria
Lisboa 20 (em 2003 e 2005), para além da participação nas colectivas Os Últimos
Dias (CAMJAP da Fundação Gulbenkian, Lisboa, 2000), Zoom – Colecção de Arte
Contemporânea Portuguesa da Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento:
uma selecção (Museu de Arte Contemporânea de Serralves, Porto, 2002) e Entre
Linhas – Desenho na Colecção da Fundação Luso-Americana (Culturgest, Lisboa,
2005). Foi um dos artistas pré-seleccionados para a edição de 2002 do Prémio
CELPA/Vieira da Silva.
Born in Porto, 1971, Moreira graduated from Lisbon’s Ar.Co in the mid-1990s, and
began exhibiting around the same time. Later, he studied at the Art Institute of
Chicago. From very early on, his work has centred itself on drawing, mostly based
on the observation of landscapes and exploring a personal approach to what is
seen. India ink has progressively given way to graphite and gouache, and even
ball-point and felt-tip pens, while the lines, originally resolute and vigorous, have
become more subtle or sinuous. Photography and sculpture also feature in his artistic
career, questioning genre separations.
His work of recent years has opened another avenue, namely geometric-flavoured
drawings done in the wake of journeys to Morocco, especially to the Sahara desert.
The approach to landscape is now more abstract and absorbed in geometrical
readings, bringing about new ways of revisiting reality.
His more important recent solo shows took place at Galeria Lisboa 20 (2003 and
2005), and he also participated in the following group exhibitions: Os Últimos
Dias (CAMJAP – Fundação Gulbenkian, Lisbon, 2000), Zoom – Colecção de Arte
153
Contemporânea Portuguesa da Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento:
uma selecção (Museu de Arte Contemporânea de Serralves, Porto, 2002) and Entre
Linhas – Desenho na Colecção da Fundação Luso-Americana (Culturgest, Lisbon,
2005). He was one of the nominees for the 2002 CELPA/Vieira da Silva Prize.
JORGE QUEIROZ
Nascido em Lisboa, em 1966, iniciou a sua formação no Ar.Co, complementando
depois os seus estudos na School of Visual Arts, em Nova Iorque, e no Künstlerhaus
Bethanien, em Berlim (cidade onde passou a residir).
A sua obra tem privilegiado a prática do desenho, movendo-se num território de
referências dificilmente categorizável, mas onde sobressai claramente a
experimentação de técnicas, formatos e até figuras cuja hibridez combina com
uma resistência incondicional à leitura unívoca dos seus trabalhos. São trabalhos
desenvolvidos em séries que aludem ao universo do fantástico e do grotesco sem
se prenderem nas narrativas ou referências de onde partem e que habitualmente
assumem um registo trágico-cómico profundamente irónico. Mesmo quando
utiliza o vídeo, são desenhos que vemos em movimento, tirando partido da sua
aparente simplicidade e imediatismo visual para recriar cenários teatrais que
partem do real para o transgredir com um humor mordaz.
Participou nas mostras estruturais da 50.ª Bienal Internacional de Artes Visuais
de Veneza (Sogni e Conflitti: La Dittatura dello Spettatore, 2003), da 26.ª Bienal
Internacional de Artes Visuais de São Paulo (Território Livre, 2004), e da 4.ª
Bienal de Arte Contemporânea de Berlim (Von Mäusen und Menschen, 2006),
sempre através de convite directo dos respectivos curadores internacionais.
Das suas exposições individuais mais recentes destaca-se a realizada no final da
residência na capital alemã (Künstlerhaus Bethanien, 2004) e a primeira que fez
em Portugal, no Museu de Arte Contemporânea de Serralves (Porto, 2007).
Born in Lisbon, 1966. Began his art studies at Ar.Co, and continued them at the
School of Visual Arts, in New York, and at the Künstlerhaus Bethanien, in Berlin
(the city where he currently lives).
154
Queiroz’s oeuvre, which basically focuses on drawing, explores a territory of
references that are hard to categorise, but clearly characterised by experimentation
with techniques, formats, and even figures whose hybridity is combined with unconditional resistance to all univocal readings. While alluding to the realm of the
fantastic and grotesque, his series of drawings do not restrict themselves to the
narratives or references which originally inspired them, usually adopting a deeply
ironic tragicomic tone. Even when video is being employed, what we see are
drawings in motion: the author takes advantage of their apparent simplicity and
visual immediacy to recreate theatrical scenarios that start from reality and then
transgress it with biting humour.
He took part at the structural showings of the 50th Venice Biennale (Sogni e Conflitti:
La Dittatura dello Spettatore, 2003), of the 26th São Paulo Biennale (Território
Livre, 2004), and of the 4th Berlin Biennial for Contemporary Art (Von Mäusen und
Menschen, 2006), always by direct invitation from their international curators.
Two of his most important recent solo shows are the one that took place at the
end of his artistic residence at the German capital (Künstlerhaus Bethanien, 2004)
and his first exhibition in Portugal, at Museu de Arte Contemporânea de Serralves
(Porto, 2007).
RUI SANCHES
Nasceu em Lisboa, em 1954, onde começou por estudar na escola Ar.Co. Frequentou
depois o Goldsmith’s College, em Londres, e a Universidade de Yale, em New
Haven. A sua formação em Inglaterra e nos EUA durante os anos 70 permitiu-lhe
assim acompanhar de perto a produção artística mostrada nesses contextos,
influenciando decisivamente a sua obra, nomeadamente na passagem dos trabalhos iniciais, em pintura, para a experimentação no campo da escultura.
Em 1984 realiza a sua primeira individual, com trabalhos escultóricos que exercitam a desconstrução de pinturas neoclássicas (Galeria Diferença, Lisboa). Na
década seguinte assiste-se a uma viragem significativa no seu corpo de trabalho,
que então se distancia de ícones da História da Arte para explorar a expansão
das formas. Os seus módulos geométricos de madeira darão então lugar, progres-
155
sivamente, ao empilhamento de finas camadas de contraplacado, com contornos
orgânicos (por vezes, antropomórficos), que também testam a fronteira entre
objecto e monumento. A prática do desenho, que acompanha desde sempre a sua
obra, é afirmada de modo autónomo, mas nasce das questões da escultura para
afirmar a ideia de movimento no espaço e no tempo.
Das suas exposições mais recentes destacam-se ainda: a realizada no Museu da
Cidade de Lisboa (2000), a primeira retrospectiva feita sobre a sua obra pelo
CAMJAP da Fundação Gulbenkian (2001), e a mostra itinerante As Margens da
Linha (apresentada em diversos equipamentos municipais entre 2006 e 2007),
para além de outras exposições em Roma, Paris, São Paulo, Ghent e Tóquio.
Born in 1954, in Lisbon, where he began his art studies at Ar.Co, prior to pursuing
them at Goldsmith’s College, London, and Yale University, New Haven. These stays
in England and the USA during the 1970s allowed him to follow closely the artistic
production within these contexts, which exerted a decisive influence on his work,
namely leading him to forsake painting (which characterised his early production)
for experiments in the field of sculpture.
In 1984, he presented his first solo show, featuring sculptural works that deconstruct
neoclassical paintings (Galeria Diferença, Lisbon). Over the next decade, his oeuvre
underwent a major transformation, abandoning Art History icons to explore the
expansion of forms. His geometric wooden modules were progressively replaced by
stacks of thin plywood planks, with organic (sometimes anthropomorphic) contours,
which defy the distinction between object and monument. Drawing, a constant
part of his oeuvre, evolves separately, though it draws inspiration from sculpturerelated issues to illustrate the idea of movement across space and time.
Some of his more important solo shows are the one at Museu da Cidade de Lisboa
(2000), his first retrospective, organised by CAMJAP – Fundação Gulbenkian (2001),
and the touring exhibition As Margens da Linha (presented in various municipal
facilities from 2006 to 2007), besides other shows in Rome, Paris, São Paulo,
Ghent and Tokyo.
156
Lista de obras / List of works
EDUARDO BATARDA
[p. 41]
Anarquistas em
Petrogrado preocupados com Cronstadt
1975
Aguarela sobre papel /
Watercolour on paper
58 x 78 cm
[p. 39]
Aventuras da Condessa
del Rio
1972
Aguarela sobre papel /
Watercolour on paper
77,6 x 59 cm
[p. 37]
Green Indian
1972
Aguarela sobre papel /
Watercolour on paper
77,5 x 58 cm
[p. 36]
Flood (Ligth of the
world)
1972
Aguarela sobre papel /
Watercolour on paper
77 x 58 cm
Anarquistas em
Petrogrado (Sweet
Inspiration)
1975
Aguarela sobre papel /
Watercolour on paper
77,6 x 59 cm
[p. 38]
Sem título / Untitled
(Great moments in
self-expression, Vol. 14)
1973
Aguarela sobre papel /
Watercolour on paper
77,5 x 58,5 cm
[p. 35]
Murder in the Gallery
1972
Aguarela sobre papel /
Watercolour on paper
58,5 x 39 cm
The Raid (Life-Boat
Launderette)
1972
Aguarela sobre papel /
Watercolour on paper
58,5 x 39 cm
MIGUEL BRANCO
[p. 44]
Sem título / Untitled
1987/88
Óleo sobre madeira /
Oil on panel
58,5 x 50 cm
[p. 45]
Sem título / Untitled
1997
Óleo sobre madeira /
Oil on panel
17 x 14,2 cm
[p. 49]
Sem título / Untitled
2000
Óleo sobre madeira /
Oil on panel
9,5 x 10,5 cm
[p. 47]
Sem título / Untitled
2000
Óleo sobre madeira /
Oil on panel
10,5 x 14 cm
[p. 47]
Sem título / Untitled
2000
Óleo sobre madeira /
Oil on panel
10,5 x 14 cm
[p. 48]
Sem título / Untitled
2000
Óleo sobre madeira /
Oil on panel
10,5 x 9,5 cm
RUI CHAFES
[p. 53]
Depois de para
sempre – VII
1988
Ferro pintado /
Painted iron
81 x 82 x 2 cm
Depois de para
sempre – VIII
1988
Ferro pintado /
Painted iron
126 x 12 x 2,5 cm
[p. 54]
Madrugada XXII
1992
Ferro pintado /
Painted iron
66 x 30 x 26cm
Madrugada XXI
1992
Ferro pintado /
Painted iron
66 x 26 x 30 cm
157
[p. 55]
A Manhã IV
1992
Ferro pintado /
Painted iron
75 x 37 x 39 cm
[p. 56]
A Manhã V
1992/93
Ferro pintado /
Painted iron
64 x 30 x 20 cm
[p. 57]
A Manhã VIII
1992
Ferro pintado /
Painted iron
70 x 42 x 37 cm
ANA JOTTA
[p. 61]
Sem título / Untitled
1990
Guache e tinta-da-china
sobre página de
revista Artes & Leilões
n.º 6 / Gouache and
Indian ink on page
from issue 6 of Artes &
Leilões magazine
28,5 x 42,2 cm
[p. 62]
Sem título / Untitled
1988
Grafite e esferográfica
sobre caixa de cartão
com restos de gordura
/ Graphite and ballpoint
pen on cardboard box
with grease stains
55 x 75 cm
[p. 66]
Sem título / Untitled
1991
Tinta e colagem sobre
papel / Ink and collage
on paper
44 x 32 cm
[p. 61]
Sem título / Untitled
1990
Guache e tinta-da-china
sobre página da
revista Expresso de 3
de Novembro de 1990
/ Gouache and Indian
ink on page from November 3rd, 1990 issue
of Expresso magazine
33,2 x 48,1 cm
Sem título / Untitled
1990
Guache e tinta-da-china
sobre páginas da
revista Artes & Leilões
/ Gouache and Indian
ink on pages of Artes
& Leilões magazine
28,5 x 43,2 cm
[p. 67]
Sem título / Untitled
1979
Lápis de cor sobre
papel / Coloured pencil
on paper
85,5 x 59,5 cm
Sem título / Untitled
1979
Tinta dourada sobre
papel / Golden ink on
paper
63 x 59,5 cm
[p. 65]
Duck-Rabbit?
1993
Esferográfica sobre
papel / Ballpoint pen
on paper
71 x 101 cm
[p. 63]
Monoparental Uma
2002
Feltro recortado e
entretela / Felt cut-out
and buckram
156 x 153 cm
ÁLVARO LAPA
[pp. 72-77]
Moradas na mãe terra
(série de 14 desenhos
/ a series of 14
drawings)
1972
Grafite e lápis de cor
sobre papel / Graphite
and colour pencil on
paper
16 x 12 cm
[p. 71]
A voz das pedras
1975
Grafite, colagem e
flow-master sobre
papel / Graphite,
collage and flow-master
on paper
43 x 61 cm
RUY LEITÃO
Sem título / Untitled
n.d.
Caneta de feltro sobre
papel / Felt pen on
paper
25,5 x 36 cm
[p. 84]
Sem título / Untitled
n.d.
Guache sobre papel /
Gouache on paper
40,5 x 50,5 cm
[p. 84]
Sem título / Untitled
n.d.
Guache sobre papel /
Gouache on paper
40,5 x 50,5 cm
Sem título / Untitled
n.d.
Guache, esferográfica
e caneta de feltro
sobre papel / Gouache,
ballpoint and felt pens
on paper
37,2 x 28 cm
158
[p. 48]
Sem título / Untitled
1974-75
Guache sobre papel /
Gouache on paper
48,5 x 60 cm
[p. 80]
Sem título / Untitled
1971
Grafite e lápis de cor
sobre papel / Graphite
and coloured pencil on
paper
30 x 41,5 cm
[p. 83]
Sem título / Untitled
1968/69
Guache sobre papel /
Gouache on paper
60 x 86,5 cm
Sem título / Untitled
1968
Caneta de feltro sobre
papel / Felt pen on
paper
35,5 x 40 cm
[p. 81]
Sem título / Untitled
1967
Esferográfica e lápis
de cor sobre papel /
Ballpoint pen and
coloured pencil on paper
28 x 20,5 cm
Sem título / Untitled
1967
Caneta de feltro e lápis
de cor sobre papel /
Felt pen and coloured
pencil on paper
37,5 x 24 cm
[p. 85]
Sem título / Untitled
1968
Caneta de feltro sobre
papel / Felt pen on
paper
25 x 35,5 cm
RUI MOREIRA
[p. 95]
Sem título / Untitled
2003
Tinta de caneta sobre
papel / Pen ink on
paper
122 x 160 cm
[p. 96]
Sem título / Untitled
2004
Tinta de caneta sobre
papel / Pen ink on
paper
121 x 160 cm
JOSÉ LOUREIRO
[p. 91]
Sem título / Untitled
1990
Guache sobre papel /
Gouache on paper
28 x 38 cm
[p. 90]
Sem título / Untitled
1990
Guache sobre papel /
Gouache on paper
28 x 38 cm
[p. 89]
Sem título / Untitled
1990
Guache sobre papel /
Gouache on paper
28 x 38 cm
[p. 97]
Sem título / Untitled
2004
Tinta de caneta sobre
papel / Pen ink on
paper
121 x 160 cm
JORGE QUEIROZ
Sem título / Untitled
1998
Grafite sobre papel /
Graphite on paper
21 x 14,6 cm
Sem título / Untitled
1999
Grafite sobre papel /
Graphite on paper
21 x 14,6 cm
Sem título / Untitled
1999
Grafite sobre papel /
Graphite on paper
21 x 14,6 cm
Sem título / Untitled
1999
Grafite sobre papel /
Graphite on paper
21 x 14,6 cm
Sem título / Untitled
1999
Grafite sobre papel /
Graphite on paper
21 x 14,6 cm
Sem título / Untitled
1999
Grafite sobre papel /
Graphite on paper
21 x 14,6 cm
[p. 102]
Sem título / Untitled
1998
Grafite sobre papel /
Graphite on paper
21 x 14,6 cm
Sem título / Untitled
1998
Grafite sobre papel /
Graphite on paper
21 x 14,6 cm
[p. 104]
Sem título / Untitled
1998
Grafite sobre papel /
Graphite on paper
21 x 14,6 cm
159
[p. 103]
Sem título / Untitled
1998
Grafite sobre papel /
Graphite on paper
21 x 14,6 cm
Sem título / Untitled
1998
Grafite sobre papel /
Graphite on paper
21 x 14,6 cm
[p. 103]
Sem título / Untitled
1998
Grafite sobre papel /
Graphite on paper
21 x 14,6 cm
Sem título / Untitled
1999
Grafite sobre papel /
Graphite on paper
21 x 14,6 cm
[p. 105]
Sem título / Untitled
2002
Técnica mista sobre
papel / Mixed
technique on paper
151,5 x 103 cm
[p. 111]
A Marat – 9
1989
Tinta-da-china sobre
prova serigráfica em
papel / Indian ink
over silk-screen proof
on paper
75 x 55 cm
RUI SANCHES
A Marat – 1
1989
Tinta de esmalte
industrial sobre prova
serigráfica em papel /
Industrial enamel
paint over silk-screen
proof on paper
75 x 55 cm
Sem título / Untitled
1999
Grafite sobre papel /
Graphite on paper
21 x 14,6 cm
[p. 109]
A Marat – 2
1989
Tinta-da-china e barra
de óleo sobre prova
serigráfica em papel /
Indian ink and oil bar
over silk-screen proof
on paper
75 x 55 cm
[pp. 100-101]
12 june 72
1998
Vídeo (Cor PAL) –
som; condições de
projecção variáveis /
Video (PAL Colour) –
sound; variable
projection conditions
[p. 110]
A Marat – 4
1989
Tinta-da-china e guache
sobre prova serigráfica
em papel / Indian ink
and gouache over silkscreen proof on paper
75 x 55 cm
[p. 113]
Orfeu
1989
Aglomerado de madeira,
bronze pintado e tubo
de bronze patinado /
Chipboard, painted
bronze and patinated
bronze tube
148 x 93 x 38 cm
[p. 115]
Sem título / Untitled
1993
Aglomerado de madeira
e aço galvanizado /
Chipboard and
galvanised steel
98 x 70 x 50 cm
CORPO INTERMITENTE
2
CORPO
INTERMI
TENTE
OBRAS
DA COLECÇÃO
DA FUNDAÇÃO
LUSO-AMERICANA
PARA O
DESENVOLVIMENTO
Download

CORPO INTERMITENTE 2