PPGCOM ESPM – ESCOLA SUPERIOR DE PROPAGANDA E MARKETING – SÃO PAULO – 15 E 16 OUTUBRO DE
2012
Escola e Sociedade Contemporânea:
Consumo, Mídia e “Imperativo do Gozo”¹
Roberta Cristina Guedes Michelli
Orientadora Educacional da Fundação de Apoio a Escola Técnica do Estado do Rio de
Janeiro- mestranda do curso de Educação, Comunicação e Cultura em Periferias UrbanasUniversidade do Estado do Rio de Janeiro.
E-mail: [email protected]
Resumo
O trabalho tem como pano de fundo a análise da sociedade atual, e se constitui no contraponto do sujeito
moderno, marcado pelos valores do “Imperativo do Dever” vigentes na chamada “Sociedade de
Produção”; e o contemporâneo, caracterizado pelo “Imperativo do Gozo” da “Sociedade de Consumo”.
Tais características trazem conseqüências para a sociedade como um todo, e ainda, na constituição das
subjetividades contemporâneas. A partir dessas considerações a pesquisa procura entender o lugar da
instituição escolar na atualidade, por entender que essa, por vezes entendida como representante dos
valores modernos da repressão e dever, encontra-se no cenário marcado por uma mudança de ênfases dos
valores sociais. Destaca-se, ainda, a cultura midiática como uma importante ferramenta pedagógica na
disseminação dos valores contemporâneos.
Palavras-chave: Produção; Consumo; Gozo; Mídia; Escola.
1.1-Sociedade de Produção e Sociedade de Consumo
Para iniciarmos a discussão pretendida, cabe aqui uma definição inicial do conceito de
supereu criado por Freud entre os anos de 1914-15, o qual designa uma das instâncias da
personalidade do sujeito cujo papel é similar ao de um juiz ou censor, ou seja, que encarna uma
lei e proíbe a sua transgressão. Segundo o autor, tal função é baseada nas contribuições da
cultura. Nesse caso, os conteúdos que constituem o supereu têm gênese a partir dos processos
sociais, possibilitando a conclusão de que, sendo ele uma manifestação individual ligada às
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Trabalho apresentado no Grupo de Trabalho 7 – Comunicação, Educação e Consumo, do 2º Encontro de GTs Comunicon, realizado nos dias 15 e 16 de outubro de 2012.
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condições sociais, o mesmo não se apresenta de forma única ou fixa, podendo modifica-se a
partir de alterações inseridas no contexto social.
Assim, como aponta Vladimir Safatle, os estudos de Freud, quando tentam designar a
formação da consciência moral (através do conceito de supereu) deparam-se em um processo no
qual socialização e repressão vinham em considerável consonância. Baseado em tais
considerações, podemos entender que, para o segundo, a cultura deve arquitetar-se baseada na
repressão e na renúncia pulsional.
Para Safatle, esse supereu, resultado de uma consciência fundada na repressão e na renúncia
pulsional, teve grande importância (quando se trata das funções sociais do sujeito) no
desenvolvimento do capitalismo, fase essa caracterizada pelo autor, como sociedade de
produção. Aqui, o trabalho (ou a produção) vinha atrelado ao afastamento de todo o gozo
espontâneo da vida. Sua base estava na acumulação dos bens, de maneira que o trabalhador não
retira nada de sua riqueza para si mesmo, mas apenas o sentimento de dever cumprido. Nesse
caso, o sujeito que internaliza esses valores, nega todo o sentimento de gozo ou satisfação
individual, estando esses atrelados um sentimento de culpa:
Sendo assim, se a lei moral que sustenta a disposição dos sujeitos em adotar certos tipos de
conduta econômica é uma figura do supereu, então a economia libidinal do capitalismo como
sociedade de produção seria impensável sem o desenvolvimento de uma civilização neurótica que
só poderia pensar seus processos de socialização através da instrumentalização do sentimento de
culpa. (SAFATLE, Vladimir. Um supereu para a sociedade de consumo: sobre a
instrumentalização de fantasmas como modo de socialização, 2010.)
Nesse sentido, a internalização de valores através da instância do supereu na formação da
consciência moral, podemos considerar, era o motor da economia da época, já que, segundo
Weber (e confirmado por Safatle), não haveria capitalismo sem a internalização de uma ética do
trabalho e da acumulação, possibilitada na sociedade de produção. Isso significa dizer que na
sociedade de produção, a ordem era produzir, estando o trabalho como alimento da economia.
Na sociedade moderna, a obediência às ordens, a conformidade à regra, a tolerância a
trabalhos pesados, a submissão a uma rotina monótona, a disposição de adiar a satisfação e a
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aceitação resignada da “ética do trabalho” eram os principais padrões comportamentais treinados
e ensaiados por esses membros da “sociedade de produtores”, na expectativa de que fossem
aprendidos e internalizados por estes.
Nesse caso, se a figura do supereu, no desenvolvimento do capitalismo, estava vinculada
a uma ética do trabalho e acumulação dos bens, e a mesma, como dito anteriormente, se forma
através das relações sociais, podemos identificar uma certa mudança advinda de uma alteração
substancial nos conteúdos que constituem a instância do supereu, tal qual ela aparecia na
sociedade de produção. Dessa maneira, cabe apresentar a idéia do declínio da sociedade de
produção, na qual o trabalho era motor fundamental, dando lugar a um modelo de sociedade cujo
fundamental meio de desenvolvimento econômico se faz através do consumo: é a sociedade de
consumidores. Tudo isso porque é o consumo, na contemporaneidade, que acaba por direcionar
todas as formas de interação social e desenvolvimento subjetivo.
Para Vladimir Safatle, a partir do desenvolvimento tecnológico e com o aumento da
produtividade, os sujeitos não precisam estar envolvidos diretamente com processos de
produção, pelo menos como se fazia no contexto da sociedade de produção. Além disso, o autor
sinaliza que na esfera do trabalho as mudanças também ocorreram, já que na sociedade de
consumidores há um desenvolvimento do setor terciário, e não mais industrial. O crescimento
desse setor indica, entre outras coisas, que grande parte dos novos empregos estão relacionados
com o crescimento do consumo, como vendas, publicidade, marketing, etc.
A sociedade contemporânea, denominada “de consumidores”, não se baseia na
obediência às ordens, mas dá ao sujeito a característica de livre para escolher, desde que ele
consuma. O membro individual da sociedade de consumidores é definido como Homo Eligens
(que elege). (BAUMAN, 2008, p. 81)
É importante destacar aqui que o que ocorre é uma mudança de ênfases entre a sociedade
de consumidores e a sociedade de produtores, já que elas não se substituem, mas há uma maior
evidência de uma sobre a outra. É fato que a produção permanece nos dias de hoje, mas as
relações de consumo tendem a ser prioritárias.
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Voltando à questão do supereu, o aparecimento da sociedade de consumidores traz
conseqüências importantes: no contexto da sociedade de produção, o supereu era formado a
partir de valores calcados na ética do trabalho e acumulação, estando toda sensação de gozo
vinculada a um sentimento de culpa, no entanto, na sociedade de consumidores, destaca-se a
ética do direito ao gozo, principalmente evidenciado pelas práticas de consumo, como indica
Safatle.
1.2- Da repressão ao imperativo do gozo.
Como já foi observado, destaca-se no mundo contemporâneo uma mudança de ênfase da
sociedade de produção para a sociedade do consumo. Tal fato trouxe algumas conseqüências na
constituição do supereu do sujeito. Dessa forma, diferentemente dos valores da sociedade de
produção, calcados no ascetismo do trabalho e da repressão à satisfação, a sociedade de
consumidores promove uma busca incessante pelo gozo, entendendo-o como um imperativo.
Criado por Lacan, o conceito de imperativo do gozo, aparece para caracterizar o momento
em que o gozo torna-se uma lei, ordem. Isso ocorre pois hoje não prenominam discursos que
pregam a repressão ao gozo. Atualmente o discurso é mais maternal e pode aparecer em diversas
variantes: “todos têm seu direito ao gozo”, “você deve encontrar a sua forma de gozo”, estando
todas as formas de se encontrar o tão sonhado gozo expresso na liberação da multiplicidade de
formas possíveis que constituem o sujeito. É esse discurso que move todas as formas de
consumo, ao invés dos conteúdos repressivos da sociedade de produtores.
No entanto, a ordem goza!, segundo Lacan, é impossível de ser satisfeita, já que, como o
autor atribui o conceito de gozo a uma satisfação que se encontra além do princípio do prazer
(esse, por sua vez, entendido aqui como a satisfação de uma necessidade), o ato de gozar pode
ser percebido como uma tentativa de encontrar aquilo que falta ao outro, tornando-o completo.
Dessa forma, o gozo é algo impossível de ser alcançado. Esse seria um estado de satisfação plena
e absoluta, que poria fim ao desejo, ou sua busca. Baseado nisso, toda a busca pelo gozo,
evidenciada na sociedade de consumidores, tende ao fracasso
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Os conteúdos do supereu não se apresentam de maneira pré-determinada ou definida, ou
seja, ele não possui nenhum conteúdo normativo, em que se diga como ou de que forma gozar.
Nesse sentido, toda e qualquer forma de gozar é válida. Característica, essa, perfeita quando se
trata da obsolescência programada de mercadorias que marca a sociedade de consumo,
permitindo um fluxo ininterrupto de possibilidades mais alargadas. Dessa forma como toda a
satisfação se torna provisória e não adequada diante de um supereu que exige o puro gozo, e que
não possui conteúdos normativos, cabe ao sistema de mercadorias a divulgação de determinações
cada vez mais descartáveis, rápidas e variadas.
Mas qual a relação entre o sentimento do imperativo do gozo e a sociedade de
consumidores? A relação é simples, é esse discurso da busca pelo gozo que impulsiona a
plasticidade infinita e anti-normativa da produção das possibilidades de escolha no universo do
consumo. Seria o que Lacan chama de mercado do gozo: o sentimento de gozo disponibilizado a
partir da plasticidade da forma mercadoria.
Na sociedade de consumidores se assiste ao fim da tradição, já que essa deixa muito
pouca coisa a escolha de sues membros. Sua característica principal é a possibilidade do sujeito
fazer uso de todas as escolhas, cabendo ao indivíduo o exercício de criar a si mesmo e construir a
sua identidade.
Essa proposta de fim a conteúdos pré-determinados na busca da satisfação, que tem como
objetivo o desenvolvimento do consumo, ressalta a idéia de liberdades e possibilidades, já que se
não existem valores normativos para a constituição do sujeito, esse é livre, livre para ser quem
quiser e quando quiser. Dessa forma, o imperativo do gozo contribui para a proliferação de uma
variedade de identidades, que podem ser assumidas pelo sujeito.
Tal idéia de liberdade, em que o sujeito deve assumir para ter prazer, vem acompanhada a
noção do imperativo do gozo, em que o ato de gozar torna-se um dever. Dessa forma, instaura-se
um paradoxo: o próprio prazer, cuja busca se torna um dever.
1.3-A mídia na lógica do imperativo do gozo.
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Apoiando-se no pensamento pós-estruturalista, o sujeito é um efeito do discurso e é
produzido sem nenhuma instância passível de ser reprimida, ou mesmo liberada. Dessa forma, o
sujeito não é uma instância a-histórica, mas é dotado de experiências socialmente construídas
que formam sua subjetividade.
Baseado em tudo que foi colocado até aqui, podemos nos direcionar para uma análise a
respeito da mídia, e mais especificamente a publicidade. Isso, pois a mídia e o fenômeno do
consumo (publicidade) podem ser entendidos como o campo de constituição de subjetividades
por excelência, ou seja, são importantes meios que constituem o sujeito contemporâneo.
Compreender esta lógica difundida na publicidade se faz importante à medida em que a
mídia globalizada aparece como fundamental para a caracterização das alterações da retórica
contemporânea do consumo, e logo, suas atribuições na cultura. Tudo isso porque a publicidade
tem uma função de integração dos sujeitos e seus desejos através da criação de sistemas
simbólicos de identidades e diferenças, cabendo ao consumo o meio de integração social
(SAFATLE, Destruição e reconfiguração do corpo na publicidade mundial dos anos 90. p. 35).
Diversos autores fazem uma análise da mídia ressaltando seu caráter normativo e sua função
disciplinar, de maneira que os sujeitos devem adequar-se a posições identitárias fixas. No
entanto, este trabalho visa abordar para um lado diferenciado, pois se acredita que este discurso
não é capaz de contemplar uma característica cada vez mais presente no discurso publicitário
contemporâneo, que o afasta de um lugar explicitamente prescritivo em direção a um discurso
permissivo, em que é proposta a variedade de estilos, a plasticidade de modelos, e
principalmente, a afirmação da idéia de liberdade como subversão de modelos, como aponta
Silvia Pimenta em “Mídia, consumo e subjetividade”.
É importante destacar a mídia como uma instância pedagógica, já que, mesmo quando
essa não tem o objetivo de ensinar (de maneira explícita), ainda ensinam algo e transmitem
formas de conhecimento que constituem a formação de identidades e subjetividades, como
aponta Tomaz Tadeu da Silva: “Tanto a educação quanto a cultura em geral estão envolvidas nos
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processos de transformação de identidade e da subjetividade.” (SILVA, Tomas T. Documentos
de identidade. P.139)
Nesse sentido, apoiando-se nos valores contemporâneos, ganham expressão os discursos da
emancipação e liberação, vinculados na própria mídia: “a publicidade, acima de tudo, nos ensina
que o importante é saber o que se quer, ter a sua própria identidade, expressar a si mesmo e
assim por diante” (ROCHA, Silvia P. V. p.4). Ou seja, para além de impor padrões de beleza ou
modelos de conduta, o discurso publicitário incita o consumidor a exercer a sua liberdade,
expressar a si mesmo, a partir de um estilo ou atitude próprios.
Esta característica da publicidade remete ao valor do imperativo do gozo, já que sem
conteúdo normativo, o sujeito deve viver a sua liberdade, gozar de suas possibilidades, visando à
satisfação, independente da forma que assumir. Dessa forma, os valores do imperativo do gozo e
da sociedade de consumo constituem o ideário de liberdades e possibilidades veiculado pelo
discurso publicitário, sendo esse um importante modo de subjetivação calcado daqueles valores.
Esta injunção identitária, que não pressupõe nenhum conteúdo a priori, corresponde à
multiplicação e proliferação das identidades, pois ao liberar o indivíduo, a publicidade maximiza
os modos de renovação e proliferação da sociedade de consumo.
As definições que atribuem à publicidade os valores de informar a um público e convencê-lo
a comprar um determinado produto não fazem mais sentido, pois elas não compreendem que a
venda estilos ou atitudes tornou-se a mola do discurso publicitário, já que esses (quando
desvinculados de valores definidos) constituem a procura do consumidor na busca de apresentar
a sua verdade, construir sua identidade, e buscar o gozo.
Na busca da construção identitária do sujeito, em que estão atreladas as promessas de
gozo, iniciam-se alguns conflitos que aparecem na gênese da imagem do corpo próprio, levando
em consideração que sua imagem ou constituição nunca é resultado de um projeto individual e
exclusivo do sujeito. A partir daí, pode-se utilizar da perspectiva Lacaniana, de maneira bem
sintética, a qual indica que a gênese do eu tem relação com o processo de formação do próprio
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corpo. Sendo esse último submetido à introjeção de imagens ideais desejadas socialmente. Dessa
forma “nada separa o eu das formas ideais absorvidas no seio da vida social” (SAFATLE, 2008).
Ou seja, as primeiras imagens do próprio corpo são captações da imagem do corpo do outro,
vindas do exterior. No desenvolvimento da subjetividade do sujeito, essa lógica vai orientar a
constituição do eu. Dessa forma, a constituição da imagem corporal é uma alienação de si, já que
há uma submissão da referência a si e ao outro.
A partir daí, se a imagem do corpo é sempre constituída por meio de imagens socialmente
desejáveis, logo, não existe nada de próprio na imagem do corpo (SAFATLE, 2008). Lacan diz
que o próprio corpo é o corpo de outro: “O corpo é, desde sua origem, este lugar do outro
enquanto espaço onde está, desde a origem inscrita a marca como significante” (LACAN,
Jacques, apud Vladimir Safatle, 2008. p. 40). Ou seja, o corpo é o lugar em que o eu coloca-se
para ser objeto de desejo do Outro. Esse outro, por sua vez, deve ser entendido como um símbolo
dado socialmente que configura a integralidade dos vínculos sociais. Dessa forma, a mídia pode
ser entendida como o Outro, pois a mesma se apresenta como um importante espaço de
mediação social na contemporaneidade (SAFATLE, 2008).
Dessa forma, os valores da sociedade contemporânea não estão pautados na quebra da
relação entre alienação e corpo, já que esse último se mantém dependente da imagem do Outro,
mas sua peculiaridade se apresenta quando se trata da ausência de conteúdos normativos de
identificação, apresentados pela cultura de consumo. Essa, agora, fornece apenas a forma fazia
de reconfiguração contínua, que passa por todos os conteúdos. Tal característica pode sinalizar o
porquê dos sujeitos terem padrões cada vez menos definitivos de constituição do corpo.
A partir disso, pode-se destacar essa característica da publicidade (e da cultura midiática
em geral) de constituição de subjetividades plásticas e incessantes, entendendo-a como um modo
de subjetivação menos tradicional (que geria a sociedade de produção) e mais plástico, que visa
o gozo do sujeito (correspondendo aos valores da sociedade de consumo). Dessa forma, se o
sujeito se liberta das narrativas pré-estabelecidas que o definiam, ao mesmo tempo, deve buscar
o gozo e constituir narrativas que o tornem um consumidor plástico. Ou seja, o sujeito moderno,
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com suas regras e leis específicas (como foi visto acima), agora, dá lugar a outro, que tem a
necessidade de constituir diversas narrativas que proporcionem sua satisfação (e ao mesmo
tempo, movimentem os modos de consumo), sendo esses meios sua nova forma de
assujeitamento.
1.4- A instituição escolar na Sociedade de Consumo.
Na contemporaneidade destaca-se uma mudança de ênfases de valores, já que as
subjetividades são constituídas de maneira incessante. A partir daí, as instituições, anteriormente
mais “fechadas”, apresentam-se, agora, cada vez mais flexíveis, com suas fronteiras borradas.
Tais características se estendem por todo o campo social e constituem a sociedade de consumo,
estando às subjetividades espalhadas por todo o campo social, e não mais limitadas em tempos e
lugares definidos.
As grandes instituições modernas são, agora, flexíveis, fragmentadas, passando de uma
forma rígida de produção de subjetividades para processos difusos e múltiplos, que tem como
pressuposto a busca incessante do gozo, como já citado anteriormente.
Atualmente a “escola moderna” tem apresentado um abrandamento de suas práticas. Tal
questão pode ser vista, por exemplo, no professor, que deixa de ser uma figura que contém a
verdade absoluta dos fatos e a autoridade inquestionável, para tornar-se um profissional flexível.
Outro ponto é a relação professor-aluno, que deixa de se basear, prioritariamente, na coerção
para o adestramento, voltando-se à comunicação para a adaptação. As regras não são mais
inquestionáveis.
Estas contínuas transformações no quadro da instituição escolar podem ser lidas como
resposta da mudança de ênfase da sociedade de produção (calcada na repressão) para a sociedade
de consumo (baseada no imperativo do gozo). Ou seja, a escola, instituição viva (já que é
constituída por sujeitos, e logo subjetividades cambiantes), acompanha essas transformações.
Dessa forma, como a sociedade deixa de estar vinculada diretamente aos valores da repressão e
subordina o sujeito ao já referido imperativo do gozo, a escola tende aos mesmos caminhos.
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Dito de outra forma, ao se analisar as formas contemporâneas de subjetivação do sujeito,
se deve inserir a escola nesse contexto, já que a mesma é marcada pela configuração social, e
tem como função a constituição do sujeito, através das relações de poder nesse campo, e, ainda,
pela forma que se entende aprendizagem e conduz o saber.
Como estratégia utilizada por diversos autores, as relações de poder que circulam na
escola e a formação de subjetividade nesse espaço serão analisadas aqui, inicialmente, calcandose no que Foucault chama de poder disciplinar. A partir dessa discussão, pode-se seguir para
uma problematização desse modelo na atualidade. Então se tem a pergunta: “É possível uma
escola sem disciplina?”. Não se pretende, aqui, respondê-la, mas identificar como o valor que
pauta o imperativo do gozo aparece na instituição escolar.
Vale ressaltar que, na sociedade contemporânea, com a mudança de ênfase da repressão
para o imperativo do gozo, destacam-se práticas com ênfase maior nos mecanismos que exaltam
o imperativo do gozo. Nesse sentido as formas de poder continuam se mantendo presentes na
sociedade, no entanto essas, agora, ao invés de estarem calcadas na repressão e na formação do
sujeito dócil, como é no poder disciplinar, estão marcadas para a constituição de um sujeito
flexível, que tenha como dever a busca pelo prazer.
A instituição escolar em uma versão moderna é marcada, em sua maioria, pelos
mecanismos disciplinares. Ela é uma das responsáveis por construir alunos dóceis e
trabalhadores disciplinados. Atualmente, a escola, como vista na sociedade moderna, perde
muito de sua influência (MORAES, 2008. p.93). O aluno dócil de outrora, apresenta-se, hoje de
forma flexível, produzido em diferentes contextos, sendo a escola mais um deles. Dessa forma,
alunos e professores devem desenvolver competências e habilidades que os façam indivíduos
solucionadores de problemas, autônomos e flexíveis.
Os valores calcados no imperativo do gozo pairam sobre a instituição escolar,
anteriormente marcada pela vigilância e disciplina, e promovem zonas de conflito (MORAES,
2008. p.93). Dessa forma, a escola calcada no poder disciplinar acaba por deixar algumas
práticas, ao mesmo tempo em que se vê conflitada por legitimar outras. Ou seja, de fato a escola
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mantém técnicas disciplinares, no entanto, estratégias que visam a realização do sujeito
(imperativo do gozo), agora, também se fazem presentes nessa instituição.
Para ilustrar essa situação, cabe uma pequena atribuição às pedagogias de projetos, como
afirma Alfredo Veiga Neto (2008). Tudo isso, pois o ponto de partida para a execução de
projetos são os interesses dos alunos, devidamente direcionados. Ou seja, os alunos podem
escolher os temas dos projetos, dentro dos limites que a escola determina como aceitáveis.
Os projetos visam alterar o longo prazo para o recebimento das recompensas em curto
prazo, de maneira a inserir a noção de satisfação imediata na escola. O tempo, dessa forma, fazse marcado pela sucessão de projetos (NETO, 2009. p.198).
Outra atribuição do autor é quanto à concepção do papel de educação escolar hoje. É a
visão de que mais importante do que aprender um determinado conteúdo específico, na escola
atual, o interessante é o aprender a aprender. Dessa forma, o sujeito deve estar em contínuo
processo de aprendizagem, e permanente configuração de si.
Tal questão se complementa com a noção de aprender com prazer. Ou seja, o processo de
aprendizagem, além de se fazer de forma contínua, visando a reconfiguração do sujeito deve ser
feita com prazer. É o imperativo do gozo na escola.
Nesse sentido, a escola de hoje, mesmo sendo uma instituição moderna, está sitiada por
processos calcados nos valores da sociedade contemporânea, da efemeridade. No entanto, essa
instituição, por ser tradicionalmente um investimento em longo prazo, promove a noção de
continuidade do tempo, como caracteriza o poder disciplinar. Dessa forma, a escola entra em um
conflito com os valores de curto prazo, da sociedade contemporânea, e por conta disso, necessita
rever suas posições.
Dessa forma, o trabalho pretende realizar uma análise de como a educação escolarizada é
vista em um contexto marcado pela busca do gozo imediato e descartável, tal como é
evidenciado acima, levando em consideração que a instituição escolar tenha sido concebida a
partir dos valores de longa duração, e apoiada em estruturas duráveis e pré-definidas que
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constituíam a idéia de “educação para toda a vida” (ALMEIDA, Felipe; GOMES, Marcelo;
BRACHT, Valter. Bauman e a Educação;2009). A idéia de educação valorizada na sociedade de
consumo, segundo as idéias de Bauman, está relacionada a uma formação eternamente
inconclusa, contrária a idéia de durabilidade e permanência evidenciada nos tempos da
“produção”.
De acordo com essa temática, podem-se associar as idéias levantadas de forma a
desenvolver uma análise que busca observar como a educação escolarizada é vista por jovens
estudantes e como esses relacionam suas experiências escolares quando comparadas aos valores
da Sociedade de consumo. A pesquisa terá como base a análise dos valores da sociedade atual
em relação aos conteúdos subjetivos promovidos pela instituição escolar, tal qual ela se
apresenta atualmente.
A análise realizada é fruto de pesquisas que versam sobre as conseqüências de uma
alteração de valores a nível social e apresenta um embasamento teórico proposto a partir disso.
Busca-se, ainda, realizar uma análise de campo, que será desenvolvida a partir de observações e
entrevistas realizadas em uma instituição de Ensino de Ensino Médio e abordará outros
questionamentos apoiados a temática apresentada.
Trata-se de pesquisa inicial e, por ser de âmbito exploratório, busca realizar uma análise
do material colhido em campo associado ao aporte teórico que está sendo constituído. Por isso,
busca-se compreender a relação contemporaneidade e escola dada pelos alunos participantes.
É importante destacar que todos os aspectos colocados até aqui não se fazem por meio de
verdades absolutas, ou ainda práticas definidas em todo o campo social (e seus diversos
aspectos). O que foi levantado corresponde a uma tendência que tem se tornado presente nos
discursos pedagógicos e em algumas práticas na instituição escolar, como um todo.
Em cada um dos capítulos deste trabalho encontram-se hipóteses e comentários que
podem ser desdobrados e combinados entre si. Entender como o mundo está se constituindo
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parece de grande importância para se pensar práticas escolares e teorizações educacionais para as
quais essas se destinam.
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Consumo, Mídia e “Imperativo do Gozo”