Encontro com a poesia de Max Martins
Tr a v e s s i a – I ( 1 9 2 6 / 1 9 6 6 )
“Existe é homem humano. Travessia”.
João Guimarães Rosa
Nasci no mar, dans le bateau
ivre, drapeau d’Arthur, de la nuit;
batel fazendo o mapa e o mapa
estas suas águas mágoas,
vagas lembranças, lenços e quebrantos.
– Eu era o mar ovante sobre os ombros,
ardendo nas virilhas.
Ou o mar aberto, pulcro de silêncios,
enxame de vidrilhos .
Um bem cevado mar, galhardo moço,
as vezes calmo e desportivo.
Canto esta viagem donde trouxe
astros e asas pelos mastros
(e aos seus lamentos eis-me chegado
-piapitum (*) no rio defunto
impaludado).
(*) piapitum: de pia (jovem) + pitum (noite) da língua tupi
II
Parti do amor mais que perfeito
e aqui cheguei em junho –
Gêmeos governavam Caim e Abel ainda jovens.
O lema era a manhã dessa partida,
berço da memória, ventre bem amado,
terra!
de meus deuses e visagens.
Palavras famintas pediam bis, e o X
de Hamlet e Henry Miller me visava;
velhas rezavam, se revezavam
em cantos, panos, palinódias.
Himens eram muitos, mas um hímem só
me foi bastante para partir, gerar,
gorar talvez não fosse a dor
mais que perfeita no seu suor e espasmo.
III
É preciso navegar, abrir os túmulos
do sol, em sangue marear.
E abrirmos velas
e descobrirmos ilhas, os oásis,
o mar em sua pré-missa
de asas e rebrilhos.
Comunico abril às coisas do horizonte:
nuvens, pássaros, lágrimas,
faces amadas, montes de azulejo
intuindo espelhos, lagos.
E vinha a noite: entravam estrelas
nestas águas, farras, brincadeiras.
Ali Endimião libava, cachimbávamos
as ilusões do Amor m berço esplêndido.
IV
A cabo da esperança
fomos ao Equador
e na aqua-dor banhar
Janaína, Rainha e Mãe
e Noiva
amarear.
Dali parti para Babilônias,
a seus chamados Ecos; Eros irradiava
postais de Circe pornográficos.
E veio Amor, este amazonas
fibras
febres
e mênstruo verde
este rio enorme, paul de cobras
onde afinal boiei e enverdeci
amei
e apodreci.
Tr a v e s s i a 2
Dados os laços
lançam-se os dedos
os dedos-dons, suas lanças
à travessia.
– Todavia as traças
devoraram a infância
os traços d’anos, troços
de Lá
de lã
(silêncios)
sobre a mesa. A mesa é verde, ex-ver de trilhas e
veredas, o rio indo
e vindo ilhas
Ilhas
Ilhas
Chuvas e raízes.
Rijas as coisas caem
afundam
Tr a v e s s i a 2
rolam
renhidos os dados
fundam este naufrágio – Um número
amarra lasso os lances
de Adão. E o Demo solta seus cavalos, sopra seus verbos
– SER, ESTAR, mas turbar-se,
a noite sendo em vão e em vícios de
neblinas,
o sêmen da linguagem se aguando.
– Todavia
(toda via é verso inacabado?)
Lançam-se os dados
(Risco a travessia
Wien, Westbahnhof
Real perfeito, o ato
a cerimônia de um poema
teve-me
Estranho
Não entenderás o meu dialeto
nem compreenderás os meus costumes.
Mas ouvirei sempre as tuas canções
e todas as noites procurarás meu corpo.
Terei as carícias dos teus seios brancos.
Iremos amiúde ver o mar
Muito te beijarei
e não me amarás como estrangeiro.
A pá nas minhas mãos vazias
Não a pá de ser
mas a de estar, sendo pá
lavra no vento
nuvem-poema
arco
busco-te-em-mim dentro dum lago
max
eKOÃdo
e a face ex-garça-se verdemusgo
muda
(Quem com ferro fere
o canto-chão
infere o
silen
cioso
poço?)
pá!
Cavo esta terra - busco num fosso
FODO-A
agudo osso
oco
flauta de barro
sôo?
Silentes os sulcos se fecham
espelhos turvam-se
e cavo sou
a pá nas minhas mãos vazias
O tempo o homem
A Roberto La Roque Soares
O tempo faz o homem que faz o tempo
Faz tempo
O homem que constrói o tempo
Que destrói o homem
Só a Era faz-se
Heras destruindo o tempo o homem
a casa
velhas paredes
azulejos
limo
A ampulheta: o testemunho, a arte
Os ciclos, os séculos
A hera decora o muro
O tempo decora o homem
que colora o tempo
descolora
Só o artista faz a Hora
A Sylvia e Benedito
E verde eras - fomos
hera num muro
cantochorado pelo vento
que envolvia tudo - o verde embora o verde às vezes de haver se ressentisse
no olhar de quem
além
a gente amava ave.
Éramos
e perdurávamos
avos do ser estando em dia a carne
para o pacto-pasto das raízes,
um rio-sim manando milhas
de sonhos-ervas, grãos
de sêmen solto amanhecente - o sol
a sombra
a relva.
E se era inverno, o verde sido,
um não-sim, um eco
ainda assim se condizia
no próprio coração dos que no leito amando
agora se desamam
ou se desdizem - h'era
amor tecido contra um muro.
Na praia o crepúsculo
Os seios não são como as ondas,
colo de pedra lisa, espuma e sal;
mas o corpo todo um pasto branco para o canto
e os cabelos e os olhos , sombras
desligadas do verde das montanhas.
No beijo morno bóiam as dobras do sono
e entre as coxas abandonadas, o eco dum suspiro.
um jardim zen
Um coração de pedra e de silêncio entre palavras
Neste espelho
neste jardim fechado-imóvel
um tigre
é que nos vê
(puro-feroz)
- não vemos
E assim nos é/nos há/não somos
nem penetramos e sumimos
na sombra desse olhar
da areia
anelam
num halo
violáceos
m
ela
&
ele
a
l
num elo de hélice
a
violam
o espaço / o templo
do tempo / sua cúpula
de gelo
se abraçam/se abrasam
Deserdam-se da morte
E aquecidos
entre-se-esquecem
calados
no ar
um no outro
no topo
dos topos
vertigem
e//es
espelhos
se anulam
ardem e se apagam
na luz
os amantes
ele
&
ela
Contemplação
palavras-pássaros no horizonte de página
voam
vão
e voltam
voltam vozes
(ouves?)
vão
e voltam
(vês?)
A Ronaldo Moraes Rego
Tateio
Ateio o abismo dessa pele. Toco
a flor do orgasmo, o ânus sinuoso da beleza
e é falso
o ouro, o lume destes dedos eu te escrevem: Ouro
desmoronando:
gozo
agora de não ser
senão ruína, urina solitária
Gozo
como outrora o gozo
tenso na sua glória, casto
desmaiava
(o próprio gozo da palavra dita
da palavra lida: Vida
o câncer
no seu gozo
consumia)
É negro o branco deste campo da batalha
nua contra o medo
contra os teus lábios, noite
sepultada inábil, inúbil, sob o gelo
Negra a bandeira lúbrica em que te exclamo
e busco
conquistando o nada
- o vôo sem gume
atravessando inútil os termos, ermos do poema
Tateio
Ateio o abism desse olhar poroso-teia
que me enleia, l
silencia
Poema sem norte
É sempre quando se fecha a porta que desejo voltar
E a saudade já é esta hoje que desprezo
Ante o beijo brotando da memória
Frio, mas vivo.
Caminho sem horizontes
Ao passado infalível.
Nunca prosseguir. Venho apenas,
Ferindo troncos, plantando marcos.
Ser como o mar, voltando sempre
Sempre na praia.
Rasuras
Um buraco sem fundo cheio de palavras
Hakuin
Meu nome é um rio
Meu nome é um rio que perdeu seu nome
Um rio
nem sim
nem não
Nenhum
Somenos correnteza
Água masturbada em vaus
peraus
em pó
luído orgasmo entre varizes
Sêmen sem mim
Mesmice
Onde está meu nome Lá neste rio de lama sem memória e
rumo?
Neste amarfanhado leito de inchada falha?
Meu nome é um rio cotoco – um Ícone
De barro
barroco
Um rio que só se-diz
Seduz-se
Se afaga e afoga
em ego e água: Aquário
Meu nome é um rio tapado
(poço)
E aqui se quebrantou meu nome
sua viagem e osso
É esta a sua fissura? E seu rosto é este
escuro
atrás da porta
espelho
exposto à febre
à fera de si mesmo?
Ensimesmado
meu nome é um rio que não tem cura
Entrelinhas
Caço a palavra caço-me
na palavra ato-me
à palavra
E me desato suniato-me sumo
na sombra do silêncio
da palavra?
Outro sim
Para que não se vá a vida ainda
e a amada volte
pede à palavra
outra palavra
outra
sob palavra
A força do repuxo
catapulta expulsa
alcança a ilha: Terra!
- teu país-paul
lá onde
a tua ora
ereção
deságua
Jaculatório és
Jaculatório és
meu verso: pênis
ponta do olho atinge o olho
o olho
que te pariu meu verso
reverso
atrás da seta
que te conduz
(condiz)
à queda
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III Simpósio olhares sobre o poético