ROSA, MIRIAM DEBIEUX
RESENHA
Histórias que não se contam:
o não-dito e a psicanálise com
crianças e adolescentes
Taubaté, SP: Cabral Editoria Universitária, 2 0 0 0
Leandro A l v e s Rodrigues dos Santos
Nos dias atuais, há u m a intensa procura
por psicoterapias
crianças, nas m a i s v a r i a d a s l i n h a s e escolas de p e n s a m e n t o .
vezes, o p s i c a n a l i s t a t a m b é m
é i n c l u í d o nesse e x t e n s o rol de e s p e c i a -
l i s t a s " p s i " , a i n d a q u e n ã o a p r e c i e esse l u g a r , j u n t o
que não entendem
a profundidade
que ocupa u m filho no meio
para
Muitas
a
profissionais
da questão do infantil, do
lugar
familiar.
B e m , t a l v e z haja a l g u m f u n d o de v e r d a d e nesse d e s c o n f o r t o ,
a p s i c a n á l i s e , d e s d e seus p r i m ó r d i o s ,
tem-se d e d i c a d o
m a l - e s t a r l i g a d o à i n f â n c i a e às c r i a n ç a s . P o r t a n t o , a p r i m e i r a
nessa e s p e c i f i c i d a d e é: h á u m a p s i c a n á l i s e com
Se a r e s p o s t a
for p o s i t i v a , p o d e m o s
c o n s i d e r a r q u e esse
Helmuth,
cott, por
exemplo, é considerado
entre outras. Na escola inglesa, D o n a l d
tica c o m
c r i a n ç a s , c o m seu j á c l á s s i c o " j o g o d o r a b i s c o " . N a
destacar Robert
to, M a u d M a n n o n n i ,
campo
Hermine
Van Hug
lacaniana, podemos
ao
questão
crianças?
se i n i c i a c o m p i o n e i r a s c o m o A n n a F r e u d , M e l a n i e K l e i n ,
u m expoente
pois
seriamente
Winni-
na prática psicanalí-
e R o s i n e Lefort,
entre outros, cada qual com
escola
Françoise Dol¬
ênfase e m
ângu-
los v a r i a d o s .
•
M e s t r a n d o no D e p a r t a m e n t o de Psicologia da A p r e n d i z a g e m , S a ú d e e
Desenvolvimento H u m a n o ( P S A ) do Instituto de P s i c o l o g i a - U S P ; Psicanalista.
Mas,
p a r a a l g u n s a u t o r e s , espe-
c i a l m e n t e e n t r e os a u t o r e s l a c a n i a n o s ,
há a l g u m a s controvérsias que são importantes
nessa questão e devem
ser
d e s t a c a d a s , c o m o a m a i s clássica delas:
o que
é uma
criança?
Esta p r i m e i r a q u e s t ã o f o r n e c e as
bases para a l g u n s
desdobramentos:
c o m o na questão d o sujeito que interessa à e s c u t a , n ã o i m p o r t a n d o
a ida-
de cronológica; sobre a responsabilidade quanto
ao gozo; no
oferecer-se
c o m o objeto para o gozo do
Outro;
ser o s i n t o m a
família
o u pela
da f a m í l i a , na
família. Enfim, podemos
per-
ceber diversas p r o b l e m a t i z a ç õ e s
que
colaboram para a p r i m o r a r e refinar a
t e o r i z a ç ã o e o fazer p s i c a n a l í t i c o nessa área.
No
Brasil, especialmente
dias atuais, há u m a
área e o livro que M i r i a m
Rosa
produziu
destacado
pode,
não
só
pela
Debieux
ser
qualidade,
também
tema,
como
nos
mostra
que
não
se contam:
dito
nessa
e deve,
como
Histórias
nos
ebulição
pela originalidade do
e a psicanálise
com
o
título:
o
não-
crianças
e
adolescentes.
Este l i v r o , d e r i v a d o d e s u a tese
de doutorado,
defendida
na PUC-SP,
é b o m e x e m p l o de u m a pesquisa que
colabora
para
o avanço
do
campo
o n d e está i n s e r i d a . U l t r a p a s s a a m e r a
obrigação acadêmica, servindo
testemunho
baseado
na
construído
de u m
trabalho
experiência, um
a partir
de
como
próprio,
saber
elaborações
d e s d e o l u g a r d o p s i c a n a l i s t a . Esse
t a l v e z seja u m d o s a s p e c t o s m a i s fecundos
na a p r o x i m a ç ã o e n t r e a psi-
c a n á l i s e e a u n i v e r s i d a d e : a l i a r o rigor da pesquisa ao rico c a m p o
da
p s i c a n á l i s e , q u e se r e - i n v e n t a e se for¬
talece a partir das descobertas surgidas na p r ó p r i a clínica.
E de q u a i s descobertas
Debieux
trata
palmente
neste
Miriam
livro?
Princi-
a q u e l a s d e r i v a d a s de
prática como
adolescentes, mas para além
como
nos
sua
a n a l i s t a de c r i a n ç a s e
mostram
suas
disso,
próprias
p a l a v r a s : "Pode-se d i z e r q u e este trabalho
é efeito
atendimento
da transferência
com
no
crianças e adoles-
centes" (p. 15).
P o r t a n t o , este é u m b o m
aquilo que
exem-
plo
de c o m o
interroga
um
psicanalista na clínica, deveria
ser t a m b é m u m i n d i c a t i v o p a r a
uma
busca particular sobre o que circunscreve a t e m á t i c a q u e c a p t u r a
m o m e n t o seu d e s e j o . N o
naquele
caso
deste
livro, a t e m á t i c a g i r o u e m t o r n o de
u m a p e r c e p ç ã o d a a u t o r a e m u m aspecto sutil, p o r é m certamente significativo,
o peso
influência
do
do
não-dito
na constituição
e
sua
subjetiva
sujeito.
Q u a i s s ã o as i n f l u ê n c i a s
constituição quando
do na produção
familiar, quando
nessa
algo é suprimi-
discursiva do
Outro
a l g o n ã o p o d e ser
d i t o , o u n ã o é d e s e j á v e l q u e se d i g a ?
M i r i a m Debieux, como
presentante
privilegia
da t r a d i ç ã o
a questão
do
b o a re-
lacaniana,
discurso
e
n e s s e c o n c e i t o se a m p a r a p a r a l e v a n tar a h i p ó t e s e d e q u e essas v a r i á v e i s
afetam
a produção
sintomática
do
sujeito. S i n t o m a s que, a l é m de enigm a s em seus discursos, p o d e m
tam-
b é m t r a z e r essas c r i a n ç a s a o p s i c a n a lista, t a l v e z , até, t r a n s f o r m a n d o - s e
em
sintomas analíticos.
E n e s s e p o n t o se d e t é m - a p ó s
apresentar no primeiro capítulo
uma
interessante
não-
descrição sobre
o
dito - investigando como
portantes
o psicanalista poderia tomar
como
im-
elementos diagnósticos certos s i n t o m a s atuais, c o m o
os
p r o b l e m a s de a p r e n d i z a g e m e / o u c o m p o r t a m e n t o n a i d a d e e s c o l a r .
Em sua concepção, a autora parece corroborar
a p o s i ç ã o laca¬
n i a n a d e q u e o p s i c a n a l i s t a deve e s t a r a f i n a d o c o m a s u b j e t i v i d a d e
de s u a época, p o i s e s m i u ç a p a c i e n t e m e n t e v á r i o s â n g u l o s dessa questão, do segredo e do m i t o
O
familiar.
rigor que M i r i a m Debieux apresenta em suas articulações
t e ó r i c a s n ã o t o r n a o texto á r i d o d e m a i s , m a s s i m c a t i v a n t e , desperta o d e s e j o d e s a b e r m a i s s o b r e as q u e s t õ e s l e v a n t a d a s .
Seus fragmentos
de casos clínicos servem m u i t o
mais
para
e x e m p l i f i c a r e c l a r e a r d o q u e p a r a m o s t r a r s u a c a p a c i d a d e de p s i canalista, com
pontuações
e interpretações
p r á t i c a p s i c a n a l í t i c a fosse a l g o d a o r d e m
Um
bom
saúde, quando,
do
gloriosas, como
e x e m p l o foi e x t r a í d o d e s u a p r á t i c a n u m
ao entrevistar u m a
criança, que brincava no canto
mãe que, m e s m o
posto
de
do lado
da
da sala, d i z i a q u e ela h a v i a
adotada e que sua mãe biológica morrera
se a
espetáculo.
sido
louca, após várias inter-
n a ç õ e s p s i q u i á t r i c a s . N a t u r a l m e n t e , a a u t o r a se c h o c a e p e r g u n t a se
a c r i a n ç a n ã o sabia; afinal, ela estava o u v i n d o
a a m b a s n a sala! A
m ã e diz então que ela não entende, que ela não presta
atenção...
E m a t e n d i m e n t o - p o i s n a escola n ã o p r e s t a v a a t e n ç ã o e m n a d a , só
b r i n c a v a - essa c r i a n ç a , a p e s a r de n ã o
falar d i r e t a m e n t e
de
questões sobre a filiação, trouxe por m e i o de d e s e n h o s o que
pôde aparecer na forma
de relato verbal. A l g o m u i t o
suas
não
interessante
nesse c a s o e q u e p e r p a s s a o l i v r o é a c r í t i c a a u m a c e r t a c r e n ç a de
q u e a c r i a n ç a n ã o e n t e n d e certas c o i s a s , p o r q u e , a f i n a l , se n ã o fala
d e l a s , n ã o s a b e . S e r i a u m a p r o v a d e s u a inocência
infantil.
Q u a n d o deparamos com o título do livro, pensamos
tratar-se
de u m t r a b a l h o quase p r a t i c a m e n t e v o l t a d o para a questão da adoç ã o , c o m o n o c a s o c l í n i c o a c i m a r e l a t a d o ; m a s n ã o se t r a t a d i s s o ,
a autora vai além, trata dos possíveis d e s d o b r a m e n t o s
dessas ques-
t õ e s , c h e g a n d o a o p o n t o n e v r á l g i c o : trata-se e n t ã o d e a p e n a s
dizer
o não-dito? Só isso basta?
N ã o , a a u t o r a n ã o s u g e r e esse c a m i n h o , e o faz c o m b a s e n a
clássica resposta de Freud
à m u l h e r que lhe escreve p e d i n d o
uma
o r i e n t a ç ã o s o b r e a h o m o s s e x u a l i d a d e q u e p e r c e b i a e m seu f i l h o , ao
q u e F r e u d r e s p o n d e q u e n ã o i m p o r t a r i a o q u e e l a , m ã e , fizesse o u
dissesse, faria m a l , n ã o s u r t i r i a o efeito q u e seria e s p e r a d o .
Ou
seja, n ã o se t r a t a d e i n f o r m a r ,
há u m a diferença entre
o
saber e o c o n h e c i m e n t o , c o m o h á d i f e r e n ç a s e n t r e a p s i c a n á l i s e e a
p e d a g o g i a . O Eu a p a r e n t a r e g i s t r a r o c o n h e c i m e n t o ,
mas o incons-
c i e n t e é q u e m o d e t e r m i n a , e s p e c i a l m e n t e se h o u v e r r e l a ç õ e s c o m a
v e r d a d e i n c o n s c i e n t e d o s u j e i t o . A p e s a r de n ã o ser o o b j e t i v o c e n ¬
tral
deste
num
trabalho,
a autora
p o n t o de a d m i r á v e l
toca
amplitude:
ção
entre
as g e r a ç õ e s . Isso
fundamentalmente,
qual o peso do inconsciente para a
que
pedagogia? Afinal, poderíamos
C a b e ao sujeito, c r i a n ç a ou
traçar
apontam
se
dá,
pelos significantes
para
essas
questões.
adoles-
u m a interessante analogia com o não-
cente, re-posicionar frente
dito,
p o s t a l a c u n a , t a r e f a q u e p o d e ser fa-
não
pois
pode
o inconsciente
ser d i t o ,
também
é melhor
n ã o se d i g a , p o r t a n t o é f á c i l
que
prever
a essa su-
cilitada pela análise.
Com
i s s o , o l i v r o c h e g a a o seu
que, nas a p r e n d i z a g e n s , de
maneira
final, entrando
g e n é r i c a , essa v a r i á v e l estará
presente.
ética, que, pelas próprias palavras da
O q u e fazer c o m ela? O
inconsciente
é i n d o m á v e l , n ã o se s u b o r d i n a ,
pouco
se o p e r a c i o n a l i z a e m
tam-
formas
de estratégias pedagógicas.
Com
Maria
base
Cristina
professor
na
de
que
p o d e se p o s i c i o n a r
a seus a l u n o s c o m o
de
se e s t i v e s s e n a
c o n d i ç ã o de a n a l i s a n d o , m u i t o
falando e tentando
o
frente
responder
mais
às pró-
p r i a s p e r g u n t a s , a a u t o r a t a m b é m est e n d e essa p o s s i b i l i d a d e ao a n a l i s t a
de c r i a n ç a s , que deve criar
gias que não podem
tomadas
como
importantes
mesmas. O princípio
de p r o p i c i a r u m
"estraté-
ser p r i o r i z a d a s ,
em
si
fundamental,
l u g a r de fala e de
escuta, deve ancorar
a direção
p r i m i d a ao a t e n d i m e n t o "
im-
(p. 155).
Esse l u g a r d e f a l a só p o d e
o b t i d o n a a n á l i s e , o n d e o falar
ser
pode
a l c a n ç a r o u t r a d i m e n s ã o , ser d a
or-
d e m d o d i z e r , q u e só p o d e
po-
ser
t e n c i a l i z a d o e x a t a m e n t e pela escuta de
um
analista que tenha
flexibilidade
p a r a a l c a n ç a r as diversas m u d a n ç a s sociais e na cultura, dos novos
modos
de c o n f i g u r a ç õ e s f a m i l i a r e s , d a s possíveis alterações n a o r d e m s i m b ó l i c a , d o
d i s c u r s o de u m O u t r o q u e p r i m a pela
fragilidade, pela inconstância
e por
u m excesso de i m a g i n a r i z a ç ã o .
E essa f r a g i l i d a d e p o d e ser captad a e s p e c i a l m e n t e n o s l a ç o s e n a filia¬
da
a u t o r a , deve ser c o n s i d e r a d a c o m o "...
a é t i c a q u e rege o s u j e i t o é a d e
não
ser a g i d o p e l o O u t r o e, s i m , sustentado pelo e i m p l i c a d o no desejo
proposição
Kupfer,
então no terreno
que
articula filiação com descendência e
i n a u g u r a o u t r a r e l a ç ã o c o m a Lei, o
ideal, a cidade. Desejo
expresso
discurso e no ato que, por
no
sua vez,
e s t a b e l e c e m o l a ç o s o c i a l " (p. 159).
•
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