UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS FACULDADE DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO ADRIANA SOARES RALEJO AUTORIA DE LIVROS DIDÁTICOS: desafios e possibilidades da produção do conhecimento histórico escolar RIO DE JANEIRO 2014 ADRIANA SOARES RALEJO AUTORIA DE LIVROS DIDÁTICOS: desafios e possibilidades da produção do conhecimento histórico escolar Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como requisito à obtenção do título de Mestre em Educação. Orientador: Ana Maria Ferreira da Costa Monteiro RIO DE JANEIRO 2014 R163 Ralejo, Adriana Soares Autoria de livros didáticos: desafios e possibilidades na produção do conhecimento histórico escolar / Adriana Soares. 2014. 166f. Orientadora: Ana Maria Ferreira da Costa Monteiro. Dissertação (mestrado) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Faculdade de Educação, 2014. 1. Livro didático. 2. Currículo. 3. Autoria. I. Monteiro, Ana Maria Ferreira da Costa. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Faculdade de Educação. CDD: 371.32 Aos meus pais Genilza e Adhemar, pelo esforço para me oferecer uma educação melhor. Aos meus sobrinhos Caio e Gisela, a quem dedico minha luta por uma educação de qualidade. AGRADECIMENTOS Esta dissertação é uma obra. E como discuto no decorrer deste trabalho, uma obra possui uma autoria. Mas esta autoria não se restringe ao meu nome. Este trabalho consiste em um processo feito no coletivo. Desde já agradeço a todos que fizeram parte desse trajeto e são juntamente comigo autores desta obra. Primeiramente agradeço a Deus por ter me dado forças de ter chegado até aqui com saúde e disposição para enfrentar os desafios postos pela vida. À minha querida orientadora Ana Maria Monteiro, a coautora desta dissertação, pela confiança depositada, apostando em minhas ideias. Por ter me acolhido mais do que uma professora que orienta o trabalho de um aluno, mas como uma amiga e “mãe acadêmica” que deu um sentido a mais em minha vida como pesquisadora e professora. Sempre vou admirar sua luta por uma educação mais democrática e de qualidade. Aos professores do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFRJ, que contribuíram fortemente para minha formação e ajudaram a trilhar esse caminho. À equipe administrativa do PPGE, pela eficiência e simpatia no trabalho realizado, não poupando esforços em oferecer um serviço de qualidade desempenhado com alegria. À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, pela concessão de bolsa de estudo ao longo desses dois anos. Aos queridos amigos do grupo de pesquisa que proporcionaram momentos de alegria e descontração nas tardes de terça-feira. Vocês representam uma das minhas maiores inspirações para continuar investindo no caminho acadêmico. O apoio de vocês foi fundamental para continuar nesta luta. À Érika Frazão, minha irmã de caminhada com quem pude compartilhar desde a Prática de Ensino minhas dúvidas, medos, esperanças e alegrias dessa difícil, porém prazerosa, trajetória. À Marcella Albaine, amiga cujos laços se fortaleceram através do grande apoio mútuo, sempre me incentivando a seguir em frente. A Marcos Tognozzi, querido companheiro que me ajudou não só estando ao meu lado em todos os momentos, mas também pela grande ajuda nas revisões deste trabalho que foi de uma contribuição ímpar. RESUMO RALEJO, Adriana Soares. Autoria de livros didáticos: desafios e possibilidades do conhecimento histórico escolar. Rio de Janeiro, 2014. Dissertação (Mestrado em Educação) – Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2014. A autoria de obras didáticas é tema que instiga discussões sobre a atuação de sujeitos que fazem parte do sistema discursivo na produção do conhecimento escolar. Nesta dissertação apresentamos pesquisa que teve por objetivo analisar como se estabelecem relações de autoria na produção de livros didáticos de História onde saberes são mobilizados, produzidos e ressignificados. Neste trabalho foi necessário compreender concepções de autoria através das contribuições teóricas de estudiosos do campo do discurso e linguagem (ABREU, 2013; BAKHTIN, 1990, 1997; BARTHES, 2004; FOUCAULT, 1995, 2001; GERALDI, 2003; ORLANDI, 1992; POSSENTI, 1988), do campo do currículo e da didática (CHEVALLARD, 1991; COSTA, 1998; GABRIEL, 2001, 2003; LEITE, 2007; MONTEIRO, 2007, 2009; MOREIRA, 2010; SILVA, 1995; TARDIF, 2002) e da teoria da história (CHARTIER, 1994, 2002, 2012). Na realização da análise, foi considerada a complexidade da produção de livros didáticos, envolvida com contingências políticas, econômicas e socio-culturais. Através do arcabouço teórico da retórica (MEYER, 2007; PERELMAN e OLBRETCHTS-TYTECA, 1996; REBOUL, 2004) buscamos compreender como essas demandas são negociadas pelo autor/orador ao construir conhecimentos/argumentos que tornem possível a aceitação/adesão do seu público/auditório. A compreensão dessa mobilização de saberes é feita através da análise de diferentes edições de um livro didático de História do ensino médio com longa trajetória no mercado editorial (1997-2012) e que foi aprovado pelas políticas avaliativas. A pesquisa demonstrou ser possível identificar marcas de autoria no texto didático que evidenciam como e quais mobilizações são realizadas pelo autor no contexto de possibilidades e constrangimentos do sistema educativo em pauta. Palavra-chave: currículo; livro didático; autoria ABSTRACT Autorship of textbooks: challenges and possibilities of the production of History school knowledge The authorship of textbooks is subject that encourages discussions of the characters that are part of the discursive system in the production of school knowledge. In this dissertation we present a research that aimed to analyze how is established authoring relations in the production of History’s textbooks where knowledge are mobilized, produced and redefined. In this essay was necessary to understand concepts of authorship through theoretical contributions of studious of speech and language’s field (ABREU, 2013; BAKHTIN, 1990, 1997; BARTHES, 2004; FOUCAULT, 1995, 2001; GERALDI, 2003; ORLANDI, 1992; POSSENTI, 1988), of the curriculum and teaching’s field (CHEVALLARD, 1991; COSTA, 1998; GABRIEL, 2001, 2003; LEITE, 2007; MONTEIRO, 2007, 2009; MOREIRA, 2010; SILVA, 1995; TARDIF, 2002) and History’s theory (CHARTIER, 1994, 2002, 2012). Conducting the analysis, was considered the complexity of the production of textbooks, involved with political, economic and socio-cultural contingencies. Through the theoretical rhetoric support (MEYER, 2007; PERELMAN e OLBRETCHTS-TYTECA, 1996; REBOUL, 2004) We sought to understand how these demands are negotiated by the author/speaker when they build knowledge/arguments that make possible the acceptance/accession of his public/audience. The understanding of this mobilization of knowledge is done through the analysis of different editions of one History’s textbook from high school with a lifetime record in publishing (1997-2012) and that was approved by the evaluative political. The research proved that is possible to identify mark of authorship on textbook which highlights how and which mobilization are held by the author in the context of possibilities and constraints of the educational system on the agenda. Key-word: curriculum; textbook; autorship LISTA DE SIGLAS ABDE – Associação Brasileira de Escritores ABRALE – Associação Brasileira de Autores de Livros Educativos ANPED – Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação ANPUH – Associação Nacional de História CNLD – Comissão Nacional de Livro Didático ENDIPE – Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino ENEM - Exame Nacional do Ensino Médio FNDE – Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação IHGB – Instituto Histórico Geográfico Brasileiro LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional MEC – Ministério da Educação e Cultura NTIC – Novas Tecnologias da Informação e da Comunicação PCN – Parâmetros Curriculares Nacionais PCNEM – Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio PNLA – Programa Nacional do Livro Didático para a Alfabetização de Jovens e Adultos PNLD – Programa Nacional do Livro Didático PNLEM – Programa Nacional do Livro Didático do Ensino Médio PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento SEB – Secretaria de Educação Básica SEF – Secretaria de Ensino Fundamental UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura UNICEF – Fundo das Nações Unidas para a Infância SUMÁRIO INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 10 1 Autores de livros didáticos: sujeitos da prática educativa ............................................ 25 1.1 Considerações iniciais sobre autoria ................................................................................. 27 1.2 O papel do autor ................................................................................................................ 35 1.2.1 A “morte” do autor ......................................................................................................... 35 1.2.2 A “função autor” ............................................................................................................ 37 1.3 O autor como sujeito da linguagem .................................................................................. 41 1.3.1 O sujeito entre a coletividade e a individualidade ......................................................... 44 1.3.2 A subjetividade do autor ................................................................................................ 47 1.4 Autores de livros didáticos: sujeitos do sistema de ensino ............................................... 49 1.4.1 Potencialidades da perspectiva teórica de Yves Chevallard: a transposição didática e a noosfera .......................................................................... 51 2. Livro didático: contingências na produção do conhecimento histórico escolar .......... 56 2.1 Livro didático: objeto de conhecimento histórico escolar ................................................ 58 2.1.1 Trajetórias ...................................................................................................................... 58 2.1.2 Cultura e Conhecimento escolar .................................................................................... 60 2.1.3 Livro didático: a produção de um conhecimento ........................................................... 63 2.2 Contingências da produção do livro didático .................................................................... 67 2.2.1 Políticas públicas ............................................................................................................ 67 2.2.1.1 Estado .......................................................................................................................... 68 2.2.1.2 Diretrizes curriculares ................................................................................................. 69 2.2.1.3 Programa Nacional do Livro Didático ........................................................................ 70 2.2.1.3.1 Criação do PNLD ..................................................................................................... 72 2.2.1.3.2 Critérios avaliativos do PNLD ................................................................................. 73 2.2.1.3.3 Mudanças e avanços ................................................................................................. 77 2.2.1.3.4 Dificuldades e desafios ............................................................................................ 78 2.2.2 Mercado editorial ........................................................................................................... 78 2.2.2.1 O livro como mercadoria ............................................................................................ 78 2.2.2.2 Atuação das editoras ................................................................................................... 80 2.2.3 Discurso historiográfico ................................................................................................. 83 2.2.4 Movimentos sociais ........................................................................................................ 84 2.2.4.1 A Lei 10.639/03 .......................................................................................................... 86 2.2.4.2 A Lei 11.645/08 .......................................................................................................... 87 2.2.5 Atualidades e tecnologias ............................................................................................... 88 2.2.5.1 A resistência do livro .................................................................................................. 89 2.2.5.2 A internet .................................................................................................................... 90 2.2.5.3 Mudanças .................................................................................................................... 91 2.2.5.4 Autores e tecnologias .................................................................................................. 92 3. A constituição de autorias de livros didáticos de História ............................................ 94 3.1 O autor ............................................................................................................................... 99 3.1.1 Livro Didático: análises e avaliações em debate ........................................................ 101 3.1.2 Manual do Professor .................................................................................................... 105 3.2 O livro didático ............................................................................................................... 111 3.2.1 A repercussão do livro ................................................................................................. 112 3.2.2 Comparação das edições .............................................................................................. 113 3.2.2.1 Diferenças e semelhanças entre a primeira e última edição ...................................... 113 3.3 O conhecimento histórico escolar ................................................................................... 118 3.3.1 Análise de capítulo sobre concepções da História ....................................................... 120 3.3.2 Análise do capítulo sobre independência brasileira ..................................................... 127 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................. 134 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .............................................................................. 141 ANEXOS .............................................................................................................................. 147 10 Introdução O livro didático tem sido um tema bastante abordado nas pesquisas das mais diversas áreas, principalmente nas duas últimas décadas. Ele certamente é objeto que envolve múltiplos interesses, atinge diversos públicos e, consequentemente, desperta um olhar problematizador sobre seu papel em nossa sociedade. Também fui seduzida pelas questões que este material levanta, e busco aprofundar a investigação sobre sua produção e abordar sobre as novas significações sobre sua concepção como instrumento do conhecimento histórico escolar. Este trabalho se insere no campo de estudos do currículo e do ensino de História, área em crescimento no Brasil e tem proporcionado a emergência de diversos debates que visam compreender os desafios enfrentados por esta disciplina. Configurando-se como um “lugar de fronteira” (MONTEIRO, 2007a, 2011), este campo tem se tornado um espaço de encontros e trocas entre a área de História e a de Educação. Pesquisas que estão relacionadas a esse tema no Brasil demonstram que há muitas perspectivas a serem exploradas, constituindo uma potencialidade para o desenvolvimento da pesquisa sobre o ensino. Muitas conquistas foram e estão sendo realizadas neste âmbito, mas ainda há muitos desafios a serem enfrentados. Professores (não só de História, mas de qualquer outra disciplina) no exercício de sua profissão, precisam transmitir os conteúdos a serem ensinados de forma clara e didática para os alunos. Quando o indivíduo se encontra frente aos seus alunos, mais do que simplesmente transmitir conteúdos, ele tem o desafio de ensinar. Monteiro, em sua tese de doutorado, aborda a compreensão do ensino como orientado por uma racionalidade técnica que considera o professor como instrumento de transmissão de saberes produzidos por outros. Questionando essa concepção simplificadora que nega a subjetividade do professor como agente no processo educativo, a autora defende que “professores dominam e produzem saberes, num contexto de autonomia relativa, numa construção que representa uma especificidade decorrente do fato de ser integrante da cultura escolar” (MONTEIRO, 2007a p.13). Nesse momento, o professor faz uso de diversos recursos e conhecimentos que facilitarão o processo de transposição didática1 (CHEVALLARD, 1991), ou seja, reelaborar e reconfigurar os conteúdos de modo que sejam próprios para serem ensinados. Isso acontece porque há uma “distância” entre o conhecimento científico e o conhecimento escolar 2. Como os professores enfrentam esse desafio que se faz presente no cotidiano de seu trabalho, 1 2 Este conceito será mais explorado ao longo deste trabalho. Sobre esse conceito, me baseei nos trabalhos de Monteiro (2007, 2009, 2013) e Gabriel (2003, 2006, 2008). 11 principalmente os profissionais recém-formados que estão saindo da universidade com uma vasta bibliografia e referenciais teóricos, mas que não são de uso prático para o ensino? E como os professores, que estão mais tempo no exercício da profissão, se organizam para planejar suas aulas no apertado tempo que lhes sobra ou mesmo para se atualizarem nos assuntos que vão ensinar? Certamente, as políticas curriculares oficiais como as que estão presentes nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), surgem, dentre outros objetivos, como referência para ajudar na prática docente na definição dos objetivos, conteúdos e didática de ensino. Mas esses documentos normalmente não possuem uma utilidade prática e efetiva para os professores, além das críticas que envolvem esse tipo de orientação. É da necessidade de ter os conteúdos organizados de forma própria para o ensino com uma linguagem já didatizada que o livro didático surge como um dos instrumentos que serve de auxílio aos professores de caráter mais imediato (RALEJO; MONTEIRO, 2010). Este objeto é um dos meios em que está presente e faz parte da transposição didática, recontextualizando os saberes acadêmicos e outros tipos de saberes em uma forma e lógica própria para o contexto escolar. Assim, a formação dos professores também depende do acesso à boas condições materiais para realizar seu trabalho. O livro didático faz parte desses recursos proporcionados a alunos e professores a fim de obter um melhor ensino-aprendizado dentro e fora de sala de aula. O que é um livro didático? São muitas definições que descrevem esse objeto. Adoto a concepção de que eles são objetos de mediação no processo de aquisição do conhecimento, facilitando a apreensão de conceitos e do domínio de informações. Como instrumentos de comunicação do saber escolar, os livros didáticos possuem uma configuração própria destinado à escola através de sua linguagem, vocabulário, extensão, formatação de acordo com os princípios pedagógicos e adaptação que obedece a critérios da idade escolar (BITTENCOURT, 2005 p. 296). Como o livro didático é utilizado na educação escolar? Chevallard (1991) diz que há dois tipos de objetos na educação: o objeto de saber, considerado como fonte do conhecimento a ser transmitido, e o objeto de ensino, aquele que é transmitido. Considero que o livro didático pode fazer parte desses dois lugares de atuação. Ele é objeto de saber quando é utilizado pelo professor como instrumento auxiliar para preparar suas aulas, passando por outras transposições didáticas para se tornar um saber ensinado, e é objeto de ensino, quando é utilizado diretamente pelos alunos. 12 Este instrumento também é concebido como um material que não representa uma verdade, mas um produto cultural, historicamente datado, que resulta de uma forma de pensar e produzir conhecimento (OLIVEIRA, 2013). Dessa forma, é um espaço privilegiado de circulação e difusão de ideologias em que estão presentes aspectos políticos, culturais, científicos, valorativos, de gênero, etnia, dentre muitos outros, que caracterizam determinada sociedade, grupos, classes e os próprios indivíduos (SILVA; CARVALHO, 2004, s/n). São os textos desses livros que frequentemente legitimam um sentido cultural a ser transmitido. O livro didático deve ou não ser condenado? Essa foi uma pergunta levantada por Munakata (2009) que problematiza o papel deste instrumento diante de conclusões que o consideram como um objeto de manipulação política que se afasta cada vez mais do domínio de historiadores e da área de ensino de História. Devido a esse aspecto de “transmissor de ideologias”, este objeto sofreu diversas críticas e por muito tempo foi considerado como um “vilão da história”, um instrumento de manipulação que passou por rejeição no ensino. Por outro lado, também foi criticado pela excessiva dependência do professor no processo de ensino-aprendizagem, ao invés de ser utilizado como mais um instrumento que pode contribuir para o desenvolvimento da autonomia, do senso crítico e da contra-ideologia (SILVA; CARVALHO, 2004). A reprovação do livro didático junto com a idealização de um instrumento capaz de resolver todos os problemas educacionais vem mudando nos últimos anos, passando este objeto a ser valorizado como elemento fundamental na propagação das políticas públicas de educação, das práticas didáticas e da constituição e transmissão de saberes. Essa mudança de perspectiva teve início através das pesquisas de Circe Bittencourt em sua tese de doutorado em 1993, que buscou superar a condenação ideológica dos livros usados na escola apresentando um novo conjunto de temas e abordagens sobre esse objeto. A partir daí, as pesquisas baseadas nessas novas perspectivas começaram a crescer (MUNAKATA, 2012a). Passaram a surgir abordagens que valorizam o livro didático e suas múltiplas formas de apropriação por parte de professores e alunos. Seus limites, vantagens e desvantagens tornam a ser avaliados como os demais materiais de ensino. A difusão de discussões do uso do livro didático de forma crítica permitiu com que professores reconhecessem a contribuição desse instrumento e adquirissem confiança para usá-lo de forma qualificada e eficaz para o ensino (CAIMI, 2013, p. 35). Dessa forma, o livro didático não pode ser considerado como a única forma de comunicação com os alunos, mas também não pode tomar o lado totalmente oposto e ser extinto do meio de ensino por ser transmissor de ideologias. Este instrumento deve se 13 constituir como mais um bom recurso, em meio de outras possibilidades possíveis, que instigue o pensamento crítico dos alunos. O papel do professor e da equipe pedagógica são fundamentais para pensar em como vão utilizar esse objeto de forma que contribua para o desenvolvimento de uma aprendizagem significativa. Um professor sem o devido preparo para lidar com esse tipo de instrumento acaba por reproduzir a concepção do livro como uma mercadoria transmissora de cultura que pode substituí-lo em sala de aula. Por outro lado, um professor devidamente preparado, como um intelectual transformador, é capaz de conduzir um processo de trabalho com o livro didático de forma que proporcione uma apropriação crítica por parte dos alunos, das questões pertinentes a sua realidade, sua identidade social e, notadamente, a aspectos de sua cultura (SILVA; CARVALHO, 2004). É preciso um comprometimento da comunidade escolar com a formação do aluno e tornar a escolha do livro didático como uma questão política e estratégica, demonstrando sua concepção sobre o conhecimento, o tipo de aluno que vai apreendê-lo e o tipo de formação que se está oferecendo (CAIMI, 2013). Tudo isso torna o livro didático um objeto de grande complexidade como foi anunciado por Bittencourt (2008), devido a sua importância no processo de ensinoaprendizagem, mobilizado por relações de poder e diversos tipos de saber. Esse objeto se situa no cruzamento da cultura, da pedagogia, da produção editorial e da sociedade (STRAY, 1993 apud Choppin, 2004), estando condicionado a diversas situações das relações humanas. É um objeto cultural que expressa um sistema de valores de uma ideologia. É um documento histórico que possui visões ligadas à sua época. É uma mercadoria que segue aos interesses do mercado. E é um instrumento pedagógico que traz uma tradição de utilização de estruturas, métodos e condições do ensino de seu tempo (CHOPPIN, 1980 apud BITTENCOURT, 2008). Todos esses fatores demonstram o complexo processo criativo dos livros didáticos como obras que não são produções espontâneas que trazem todas as respostas sobre a elaboração do conhecimento escolar. É preciso, antes de tudo, compreender que por detrás das relações de poder que o autor de livro didático detém, esse poder é relativo, em constante negociação com outros saberes e demandas. Assim, o livro didático é um instrumento particular e próprio de diversas formas: o conteúdo, a linguagem, a natureza de edição, a autoria, as características físicas, o público a que se destina e o espaço em que circula (LUCA, 2009). Segundo Gabriel (2007), essa potencialidade heurística deste instrumento tende a ser explicada pelas suas características inerentes às suas condições específicas de produção, de 14 circulação e de utilização. Porém, de acordo com Alain Choppin (2004), há dificuldades no desenvolvimento dessas pesquisas por diversos problemas, tais como a definição do conceito desse material (o livro didático pode ser designado de diversas maneiras de acordo com o local em que é pesquisado), as poucas pesquisas existentes sobre ele por ser um campo recente (as pesquisas sobre esse assunto se intensificaram nos últimos 20 anos) e a barreira linguística (ainda há poucas traduções de obras estrangeiras e, quando traduzidas, não substituem o original). Por outro lado, vem se configurando um crescimento nas pesquisas históricas devido a diversos fatores: o aumento do interesse de historiadores, do governo e da sociedade em relação às questões da educação; o esforço em criar/recuperar uma identidade cultural; os avanços ocorridos na história do livro didático; o progresso das técnicas de armazenamento, tratamento e difusão de informações; a constituição de equipes de pesquisa dedicadas às questões do livro didático; e as incertezas com relação ao futuro do papel do livro impresso diante do surgimento de novas tecnologias educativas (idem, p.552). Uma das características que desperta pesquisas com esse objeto é seu caráter interdisciplinar que possibilita a multiplicidade de temas e enfoques a ser investigado: produção material e textual, conteúdo, caráter histórico e cultural ligado ao mundo escolar, dentre outros. Há uma ênfase grande em investigações temáticas envolvendo seu conteúdo, pluralidade e discursos (CAIMI, 2013). Outro motivo que leva o uso do livro didático como fonte de pesquisa é o fato desse material se apresentar como um espaço privilegiado onde se encontram conteúdos de cada disciplina, atividades e exercícios. Ele possui elementos que mais se aproximam dos programas curriculares efetivados nas escolas, tornando-se alternativa na impossibilidade de observação direta das situações de ensino (MUNAKATA, 2012a). Devido a crescentes pesquisas, de acordo com Munakata (idem), verificou-se um aumento desse tema em eventos como encontros e simpósios. São dedicadas sessões especiais para discussão sobre esse instrumento nos eventos de grandes áreas como no Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino (ENDIPE), no Perspectivas do Ensino de História, no Encontro Nacional de Pesquisadores de Ensino de História, nos Simpósios nacionais e regionais da Associação Nacional de História (ANPUH) e nos GTs de Currículo e Didática na Reunião Nacional da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPED). O tema também é amplamente discutido em centros, núcleos e projetos de pesquisa de diferentes áreas (letras, educação, história, matemática, etc), inclusive em nível 15 internacional em países como Alemanha, Grã-Bretanha, Noruega, Espanha, Canadá e Argentina. Gabriel (et al., 2007) realizou um levantamento sobre o impacto desse tema em periódicos publicado entre 1996 e 2006, revelando que dos 4.361 artigos levantados de 34 periódicos publicados na área de História e Educação, pouco mais de 1% da totalidade envolviam o livro didático de História e nenhum artigo foi publicado em revistas e/ou periódicos qualis específicos da área de História durante o período pesquisado. Esses dados indicam que ainda há um baixo prestígio da temática do livro didático na comunidade científica nos campos investigados. Gabriel questiona esse tipo de ausência que poderia ser também explicada pela lógica hierárquica que predomina, no âmbito da academia, os saberes produzidos nessas duas áreas e pela qual a pesquisa histórica tende a dialogar pouco ou quase nada com as questões pedagógicas que envolvem o ensino do conhecimento por ela produzido3. Caimi (2013) também faz um levantamento desse tema em pesquisas de teses e dissertações através do Banco da Capes durante o período de 1998 e 2007. Nesse tempo, comparado ao decênio anterior, a autora percebe um crescimento quantitativo de 379% do tema nas pesquisas, a maioria (43%) das pesquisas, ligadas à área de Educação, e envolvendo diversos agrupamentos temáticos como etnias/pluralidade, linguagens, cidadania, usos do livro pelo professor, gênero, análise de conteúdo, historiografia, concepções sobre o livro didático e história do ensino de História. Os trabalhos que envolvem as concepções do livro didático de História (cinco trabalhos identificados por Caimi), temática que mais se aproxima com esta dissertação, apresentam em comum: (...) a intencionalidade de compreender as estratégias de produção do livro, bem como as orientações teórico-metodológicas que definem aspectos como a seleção de conteúdos, narrativa, abordagem metodológica, interdisciplinaridade, interlocução com professores e alunos, atividades, etc. Em geral, adotam como prática metodológica a análise de discurso ou a análise de conteúdo, buscando desvendar os sentidos subjacentes e as intencionalidades não claramente explicitadas pelos autores dos livros. (idem, p.47) O investimento em pesquisa sobre esse tema representa, como aposta Gabriel (2009), em uma potencialidade para pensar em questões relativas ao conhecimento histórico produzido, socializado, ensinado e aprendido nas instâncias onde este saber específico circula. Por isso, é necessário saber o que já foi produzido para definir novas questões de estudo e 3 Embora existam muitas pesquisas monográficas sobre livros didáticos de História, poucas são publicadas em periódicos. 16 avançar nas contribuições sobre o ensino, reduzindo o excesso de trabalhos duplicados e mapear as dificuldades que ainda não foram superadas e precisam ser enfrentadas (CAIMI, 2013). Produção dos livros didáticos: entre autoria e constrangimentos A análise da produção do livro didático revela uma diversidade de sujeitos que estão envolvidos nesse processo: autores, editores, redatores, revisores, leitores críticos, consultores, pessoal de publicidade e marketing, divulgadores, etc. Busco compreender o papel do autor de livro didático como sujeito que mobiliza saberes, expressa ideologias e visões de mundo, implícita ou explicitamente em suas obras, evidenciadas através dessas narrativas, sujeito este que se constitui como autor ao produzir a obra. As explicações que o autor de livro didático produz têm como objetivo possibilitar a atribuição de sentidos aos conteúdos históricos e experiências humanas. Entendo que autores, quando tentam apresentar os conteúdos de forma clara e própria para a linguagem dos alunos, desenvolvem textos “didatizados”, já que os saberes ensinados não são meras reproduções ou simplificações dos conhecimentos científicos, mas sim expressão de um saber histórico escolar, constituídos por saberes docentes, da escola e de outros saberes derivados de experiências múltiplas (MONTEIRO, 2007b). Esses sujeitos, além da consideração dos diversos aspectos políticos, econômicos e sociais na produção didática, possuem uma relativa autonomia que possibilita expressar suas perspectivas sobre o que ensinar e como ensinar. Na tentativa de compreender essa relação que legitima a posição do autor na produção escrita dos livros didáticos, atento para a importância desses sujeitos na elaboração do conhecimento escolar. É preciso considerar o papel do sujeito que elabora os livros didáticos como alguém que produz algo próprio e não somente como um reprodutor e seguidor das normas curriculares. Ele possui poder criativo no desafio de produzir um conhecimento que seja atraente, útil e considerado necessário ao seu público alvo4. Se os textos didáticos fossem uma mera reprodução de um “conhecimento superior” inalterável que emana somente daquilo que vem do conhecimento científico, qual seria o sentido da existência de tantas obras didáticas em circulação e em concorrência no mercado se todas transmitissem a mesma coisa da mesma forma? Então, o que diferencia uma da outra? Esse tipo de investigação contribui 4 O currículo é resultado de uma seleção realizada no âmbito da transposição didática que define os conhecimentos a constituir o currículo. 17 para desenvolver um olhar crítico tão necessário para melhor compreender a produção do conhecimento escolar que está presente nos livros didáticos. Este estudo está envolvido com a relação entre o sujeito e o saber que mobiliza quando ensina. Segundo Monteiro (2007a), o estudo sobre saberes se desenvolveu na segunda metade do século XX, sendo que a repercussão desse assunto expandiu-se no Brasil na década de 1980 e 1990, constituindo uma perspectiva ainda recente e de grande potencial para as pesquisas. Esse tipo de visão valoriza o professor e, acrescento, todo e qualquer sujeito que esteja envolvido com uma produção para o ensino, incluindo os autores de livros didáticos5, que passa a ser reconhecido como profissional dotado de razão, e assim, capaz de tomar decisões em sua prática. Passam a serem considerados os processos cognitivos do professor nos diferentes momentos de sua atuação: planejamento, ação, avaliação, reflexão na e sobre a prática. Mas a produção do livro didático não depende somente das vontades de seu autor. É um processo complexo em que participam diversas demandas externas e internas do espaço escolar, nas ações e experiências coletivas e individuais dos diversos atores que nele trabalham e estudam (GASPARELLO, 2013). Os autores precisam lidar constantemente com exigências do entorno social dos mais diversos tipos. A produção do livro didático acompanha as mudanças no campo educacional e está inserida na especificidade do momento histórico de sua produção, das legislações vigentes, das diretrizes oficiais, dos discursos pedagógicos e de especialistas, das estratégias editorias e mercadológicas (LUCA, 2009). Podemos destacar como algumas dessas demandas envolvidas na produção didática as exigências que provêm das políticas públicas que expressam a interferência do Estado na elaboração dos conteúdos escolares através de artifícios como os PCN, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) e leis de regulamentação curricular como a Lei Federal nº 10.639/03 e nº 11.645/08. Um dos maiores fatores que impactaram de forma atuante e decisiva na produção dos livros didáticos foi a criação do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), uma política avaliativa do governo federal que inaugurou um novo cenário de desafios para o autor continuar a produzir de forma criativa em meio a um contexto de múltiplas regulações e constrangimentos. 5 A partir deste momento passo a referir como educadores sujeitos que não compreendem somente professores, mas todo e qualquer profissional que produz conhecimento escolar, buscando incorporar desta forma os autores de livros didáticos, que não são diretamente referenciados nas considerações dos teóricos com os quais trabalho nesta dissertação. 18 O livro didático também leva marcas da interferência de diversos setores e grupos sociais do meio que o constitui e possui o objetivo de construir identidades através de seu discurso e método de ensino. É um instrumento que veicula valores, ideologias e culturas ligados a uma determinada época e sociedade. Não podem deixar de ser consideradas, como parte do entorno social que influencia na produção didática, as demandas mercadológicas que consideram o livro como um objeto que se produz e vende, inserido no mundo editorial e na indústria cultural. Esses e outros elementos que serão trabalhados ao longo desta dissertação constituem contingências que estão envolvidas na produção do livro didático e fazem com que o autor negocie e dialogue entre elas a fim de poder exercer sua prática de forma que seja aceita no universo educacional e ao mesmo tempo atraente para o seu leitor. Como se constitui uma autoria nessa conjuntura? No campo dos estudos curriculares, o livro didático, na qualidade de um currículo escrito, estabelece um modo de ensino e aprendizagem que está ligado aos padrões de poder e capital cultural existente (GOODSON, 2007). Esse material, que porta intenções educativas, expressa em sua elaboração as influências das políticas públicas curriculares, articuladas com conteúdos em uma organização textual própria para o ensino-aprendizagem, facilitando o trabalho do docente e buscando a compreensão do aluno com uma linguagem já didatizada. A compreensão desses padrões de poder ao qual o livro didático está submetido, tornase um caminho importante para entender o processo de produção, distribuição e apropriação desse objeto. Porém, é necessário ir além da concepção de que há uma forma de poder dominante que apaga outras lutas por significação no currículo. A problematização desse tipo de concepção consiste no que Moreira (2010) chama de crise da teoria crítica. Diante das diversas mudanças e contrastes do mundo atual, valores e crenças considerados como “certos” começam a serem questionados. O livro didático, por exemplo, não pode ser considerado somente como um produto das influências políticas, ou resumir-se a elas. O poder de explicação não se sustenta somente no argumento da existência de um poder determinante sobre o currículo. Sobre isso, Moreira entende essa “crise como se caracterizando por contradições objetivas, decorrentes da perda do poder explicativo do aparato conceitual e/ou da visão de mundo da teoria e vivenciadas intersubjetivamente pelos sujeitos concretos e históricos envolvidos” (idem, 2010 p. 98). Como um produto específico que resulta de disputas de significação, o livro didático é lugar onde são produzidos, recontextualizados e hibridizados sentidos sobre o que se considera legítimo a ser ensinado. Torna-se assim, segundo Gabriel (2009, s/n), um lugar de 19 enunciação em que essas disputas são materializadas, transmitindo sentidos de conhecimento histórico produzidos por diferentes formações discursivas, evidenciando os mecanismos em que se manifestam o processo de produção do conhecimento. Assim, o discurso transmitido pelos livros didáticos representa a união de múltiplos contextos e a negociação de diferentes leituras realizadas no espaço escolar (das políticas públicas, do saber social, do mercado editorial, das concepções sobre educação e da experiência daquele que ensina). Essa transformação do livro que adquire uma forma própria para o ensino é um processo complexo que exige uma reelaboração e recontextualização dos conteúdos para que tomem a forma de um “saber a ser ensinado”. Essa nova significação que o conhecimento transmitido nos livros didáticos passa a adquirir é fruto de um terreno de disputas e negociações por hegemonia e recebe contribuição de diferentes campos do saber. Neste trabalho, o livro didático é visto do lugar de sua produção, distribuição e consumo de saberes/enunciados híbridos que são mobilizados pelo autor do livro didático e ressignificados de forma pessoal de acordo com a concepção e apropriação dos saberes do sujeito que o produz. Uma vez que os autores são diferentes um dos outros, esses sujeitos falam de lugares diferentes, através de um discurso marcado pelas suas subjetividades. Dessa forma, trabalho com a perspectiva crítica do currículo, mas com diálogos e aproximações com os autores pós-críticos quando busco compreender as diversas subjetividades e discursos inseridos num mesmo texto. Compreendo que as condições políticas, econômicas, sociais e culturais estão fortemente envolvidas nesse processo, mas não quero investigar a ação e os impactos de cada uma delas. O objetivo é compreender a posição do autor do livro didático diante dessas influências e como ele age perante isso. Reforço essa concepção com a posição de Silva que defende o currículo como discurso que corporifica narrativas particulares sobre os indivíduos e a sociedade, constituindo-os como sujeitos e sendo constituído por eles. Essas narrativas são cruzadas pelas linhas de poder, transmitindo significados impostos (porém com resistências) dos grupos dominantes, que buscam estabelecer uma hegemonia de identidade que não se estabelece por muito tempo devido a essas lutas. Os significados produzidos e transportados pelas narrativas não são nunca fixos, decididos de uma vez por todas. O terreno do significado é um terreno de luta e contestação. Há, assim, uma luta pelo significado e pela narrativa. Através das narrativas, identidades hegemônicas são fixadas, formadas e moldadas, mas também contestadas, questionadas e disputadas. (SILVA, 2011, p. 199) Considerando as exigências e limites que o autor está submetido, passamos a conceber nesta pesquisa a ideia do livro didático não mais como um instrumento que reproduz 20 ideologias, mas também como objeto que expressa negociações de diversos e diferentes lugares de enunciação. Não basta que as pesquisas identifiquem os erros, mas é preciso compreender o processo de elaboração do livro para responder as opções feitas pelo autor e os significados idealizados por ele. Com o olhar sobre o autor como sujeito de seu tempo, detentor de valores, visões de mundo e experiências que contribuem e diferenciam na produção de suas obras, reforço que não o considero como mero fantoche que somente reproduz as diretrizes, segue as normas políticas, as demandas mercadológicas e sociais. São sujeitos que possuem autonomia, ainda que de forma parcial, e um poder criativo de dar um novo significado sobre o conteúdo a ser ensinado (TARDIF, 2002 p. 234). São produtores de conhecimentos e estão constantemente mobilizando e criando novos saberes. Com base nessa visão, levanto algumas problematizações que guiarão este trabalho: Como se desenvolve o papel do autor na elaboração do texto do livro didático? Quais os objetivos que os autores possuem em relação à sua obra? Como eles trabalham com o surgimento das inovações no campo historiográfico? Quais as opções feitas? Até que ponto este sujeito é um autor e ao mesmo tempo um mediador? Como eles se veem: professores, autores ou professores-autores? Como são encaminhadas as articulações entre o saber a ser ensinado e os saberes dos alunos e professores? Guiando-se por essas questões, este trabalho tem como objetivo analisar como se estabelece a relação de autoria na produção de livros didáticos de História onde saberes são mobilizados e ressignificados. Para isso, é preciso compreender mais detalhadamente o papel dos autores em meio às contingências da produção, identificando as demandas envolvidas nesse processo e como elas são apropriadas pelo autor em seu discurso didático. Até que ponto existe autoria na produção de uma obra didática? Que outras relações de poder estão envolvidas nessa produção? Por quais mudanças esse objeto passou ao longo dos anos de sua publicação? O que leva o autor a realizar tais mudanças: suas opções político pedagógicas e atendimento das demandas do tempo presente? Esta pesquisa originou-se de uma inquietação que foi se revelando desde o processo de elaboração de meu trabalho monográfico para conclusão do curso de bacharelado em História. A monografia intitulada “A narrativa histórica nos livros didáticos de História” teve por objetivo analisar o desenvolvimento da explicação didática através da narrativa em livros didáticos de História de ensino médio. Nesta oportunidade, considerando a importância do livro didático para o ensino, busquei compreender as construções do conhecimento escolar para viabilizar as explicações históricas e o papel da narrativa nesse processo. A narrativa 21 histórica na historiografia foi objeto de discussão por autores especializados no tema, entre eles François Hartog (1998), Hayden White (2006), Paul Ricoeur (1994), e, no Brasil, José Carlos Reis (2003) e foi possível verificar que os autores operaram com a narrativa histórica para possibilitar a atribuição de sentidos pelos alunos aos temas em estudo. O olhar sobre a construção da narrativa e sobre os sentidos transmitidos no texto didático me levou constantemente ao encontro dos sujeitos que fizeram essa opção e que seriam capazes de explicar suas escolhas. Para compreender essas opções, as referências historiográficas utilizadas nos textos, a leitura do que estava sendo valorizado no ensino de História e a análise da narrativa oferecia poucos subsídios para compreender as escolhas e identificar o que era próprio do autor e o que provinha de outras influências. O processo de elaboração de um livro didático revelou-se muito mais complexo e subjetivo do que aparentava ser, envolvendo as diversas esferas de poder e saber. Novos desafios foram postos para dar continuidade a essa pesquisa e responder a novas questões que surgiam: Como se desenvolveu o papel do autor na elaboração do texto do livro didático? O interesse pela área de ensino de História e, mais especificamente sobre os livros didáticos, foi impulsionado através de minha trajetória como bolsista PIBIC/CNPq entre os anos de 2009 e 2012 quando tive a oportunidade de participar da pesquisa “História ensinada: saber escolar e saberes docentes em narrativas da história escolar” e posteriormente através da pesquisa “Tempo Presente no ensino de História: historiografia, cultura e didática em diferentes contextos curriculares”, ambas coordenadas pela Prof.ª Dr.ª Ana Maria Monteiro. Em minhas atividades como bolsista, passei a investigar os processos de didatização presentes nos textos didáticos, entrando em contato com autores da Educação que permitiam desenvolver a reflexão sobre o como ensinar. Essas experiências permitiram o desenvolvimento e amadurecimento da questão de pesquisa que resolvi levar para aprofundamento durante o curso de mestrado. Nesse período, a questão sobre a mobilização de saberes que fazem os autores de livros didáticos foi se afunilando e ao mesmo tempo tornando-se mais complexa, fazendo surgir uma nova e promissora questão de pesquisa: qual o papel dos autores de livros didáticos na produção do conhecimento histórico escolar? O foco nos autores se justifica pela perspectiva teórica que valoriza a ação dos sujeitos, inseridos em seu tempo, detentores de valores, de visões de mundo e de experiências e ajudam a dar um novo significado sobre o conteúdo a ser ensinado. É preciso, antes de tudo, compreender as relações de poder envolvidas no processo de produção do livro didático, 22 aonde o autor detém parte desse poder, e está em constante negociação com outros saberes e demandas. Entendo que este trabalho pode contribuir para o desenvolvimento das pesquisas sobre o ensino de História e questões curriculares, buscando ampliar questões sobre a compreensão desse complexo objeto que é o livro didático como instrumento que expressa leituras, posicionamentos políticos, ideológicos, pedagógicos de seus autores e na valorização da ação de sujeitos que produzem conhecimento, “selecionam e produzem saberes, habilidades, valores, visões de mundo, símbolos, significados, portanto culturas, de forma a organizá-los para torná-los possíveis de serem ensinados”. (LOPES, 1999). Apesar de existirem muitas pesquisas que envolvem como temática o livro didático, a grande maioria delas estão voltadas para este objeto como fonte de estudo ou a contribuição deste para a formação de professores6. O ciclo do ensino médio foi escolhido por se tratar de um período escolar em que os desafios enfrentados e as exigências se tornam maiores, visando o fim do ciclo escolar do aluno e sua inserção na sociedade. É necessário considerar as novas demandas que esse tipo de público apresenta, cada vez mais focado em passar nos processos seletivos de ingresso nas universidades, além das próprias exigências dos PCNs que visam a construção de uma visão mais crítica do aluno. Com base no banco de dados de teses e dissertações da Capes 7, foram encontrados, usando como palavras-chave as expressões “autor” e “livro didático”, setenta e sete (77) dissertações de mestrado e sete (07) teses de doutorado como resultado. Grande parte dessas pesquisas envolviam os autores para explicar o contexto histórico de determinada disciplina, fazer críticas de como o autor aborda determinado tema ou o que deixa de abordar, contar histórias de vida e como abordam uma temática específica. Desses trabalhos, somente seis (06) dissertações correspondiam a uma pesquisa que tinha os autores como objeto de investigação: um sobre livros das Séries Iniciais (“O autor do livro didático como interlocutário dos parâmetros curriculares” de Rosimara de Fátima Vianna Lago – UTP, 2002); um sobre os Estudos Sociais (“A Produção de uma disciplina escolar e os escritos em torno dela: os Estudos Sociais do Maranhão” de Odaléia Alves da Costa – UFPI, 2008); dois sobre a Matemática (“As práticas culturais de mobilização de histórias da matemática em livros didáticos destinados ao ensino médio” de Marcos Luis Gomes – UNICAMP, 2008 e 6 Dados obtidos através de levantamento do banco de teses e dissertações da Capes. Dados constam no Portal da Capes. Consulta no site www.capes.gov.br realizada em 09/05/2013. Não foi possível atualizar os dados devido a manutenção do Banco de Teses que se encontra temporariamente indisponível. Consulta em 09/01/2014. 7 23 “Livro didático de matemática: perspectivas de sua criação pelos autores” de Kary Simone Vorpagel – UFPR, 2008) e dois sobre a Língua Inglesa (“O papel do autor de livro didático para o ensino de língua inglesa como uma língua estrangeira: um estudo de identidade autoral” de Mara Lucia Fabiano Soares – PUC-RJ, 2007 e “Autoria, autonomia e algumas intervenções: uma análise intercultural do livro didático "Keep in Mind" a partir das concepções Bakhtinianas de linguagem” de Damaris Fabiane Storck – UFPR, 2011). Não foi encontrado nenhum trabalho que envolvesse a disciplina História, revelando a importância desta pesquisa. É acreditando que conforme crescem as pesquisas, surgem mais tipos de problematizações, que invisto neste trabalho que tem como originalidade a valorização da atuação dos sujeitos nas práticas curriculares e na análise da mobilização dos saberes pelos autores de livros didáticos em sua relação com o conhecimento histórico escolar, materializado através dos textos didáticos, abrindo espaço para duas fontes de investigação: o livro didático e o seu autor. Segundo Oliveira (2013) ainda não há estudos sobre autores/autorias nas novas relações que vêm se estabelecendo com as editoras de livros didáticos, quando, cada vez mais, equipes – e não um indivíduo – são as responsáveis pela elaboração de um livro/coleção. Esta dissertação está organizada em três capítulos pelos quais busquei desenvolver como se estabelece a concepção e relação de autoria de livros didáticos em meio a um contexto de demandas externas e internas que são constantemente mobilizadas e estão presentes na materialização do texto didático. No primeiro capítulo intitulado “Autores de livros didáticos: sujeitos da prática educativa”, busco desenvolver o conceito de autoria, mais especificamente de autores de livros didáticos partindo da contribuição de teóricos do campo do discurso e linguagem (BAKHTIN, 1900, 1997; BARTHES, 2004; FOUCAULT, 1995, 2001; ORLANDI, 1992; POSSENTI, 1988). Nesse quadro conceitual, procuro configurar o autor como um sujeito atuante na linguagem e que possui uma subjetividade que se faz presente nas mobilizações de saberes. Nessa mobilização, o autor realiza uma transposição didática para tornar os conhecimentos “ensináveis” (CHEVALLARD, 1991; GABRIEL, 2003, 2006; LEITE, 2007; MONTEIRO, 2007, 2009, 2012; TARDIF, 2002). O segundo capítulo – “Livro didático: contingências na produção do conhecimento histórico escolar” – trata, a partir da concepção do livro didático como instrumento da produção curricular em que estão articulados cultura e conhecimento, da configuração dos desafios e limites que autores estão submetidos na elaboração de suas obras. A partir dos 24 levantamento de pesquisas publicadas na área de ensino de História, destaco cinco fatores condicionantes na produção de livros didáticos: as políticas públicas, o mercado editorial, o discurso historiográfico, os movimentos sociais e as atualidades. Por fim, no terceiro capítulo “Mobilização de saberes na produção de livros didáticos”, faço uma análise de fontes materiais que contenham o discurso do autor ou falem sobre ele (livro didático, Manual do Professor, matérias publicadas, dados sobre a trajetória do autor) para compreender como este sujeito mobiliza, a partir de sua percepção, as demandas políticas, econômicas e sociais. Para essa discussão me baseio na contribuição da retórica (MEYER, 2007; REBOUL, 2004) que considera no discurso (texto didático) a relação entre o orador (autor) e o auditório (professores, alunos, editoras, Estado, etc). Essa análise é dividida em três momentos de acordo com as fontes utilizadas: o autor, o livro e o conteúdo. A metodologia de análise e critérios de escolha do livro didático e autor escolhido para esta pesquisa estão descritos neste capítulo. 25 1 Autores de livros didáticos: sujeitos da prática educativa Contra a representação [...] do texto ideal, abstrato, estável porque desligado de qualquer materialidade, é necessário recordar vigorosamente que não existe nenhum texto fora do suporte que o dá a ler, que não há compreensão de um escrito, qualquer que ele seja, que não dependa das formas através das quais ele chega ao seu leitor. Daí a necessária separação de dois tipos de dispositivos: os que decorrem do estabelecimento do texto, das estratégias de escrita, das intenções do “autor”; e os dispositivos que resultam da passagem a livro ou a impresso, produzidos pela decisão editorial ou pelo trabalho da oficina, tendo em vista leitores ou leituras que podem não estar de modo nenhum em conformidade com os pretendidos pelo autor. Esta distância, que constitui o espaço no qual se constrói o sentido, foi muitas vezes esquecida pelas abordagens clássicas que pensam a obra em si mesma, como um texto puro cujas formas tipográficas não têm importância, e também pela teoria da recepção que postula uma relação direta, imediata, entre o “texto” e o leitor, entre os “sinais textuais” manejados pelo autor e o “horizonte de expectativa” daqueles a quem se dirige. (CHARTIER, 1990) As palavras de Roger Chartier, historiador que dedica suas investigações sobre a história cultural, história do livro e da leitura, nos leva a uma reflexão sobre o encaminhamento das pesquisas acerca da produção escrita, mais precisamente no universo dos livros. Entre a perspectiva do livro como produção naturalizada, estando sujeito a julgamentos e a idealizações na perspectiva do livro ideal, e as análises sobre as formas de apropriação deste, há, como alerta o autor, uma distância muitas vezes esquecida e ignorada que está relacionada ao processo de produção e aos jogos de poder e disputas que são travados nesse lugar. O que acontece nesse espaço de concepção, produção e significação de um livro? Quem constrói um livro? Quais são seus objetivos e suas escolhas? E quais modificações e negociações que ocorrem desde o projeto inicial de seu idealizador ao seu produto final? E até que ponto seu idealizador está envolvido na produção de uma obra? O levantamento dessas questões nos leva a uma reflexão sobre o papel do autor e sobre os sentidos de autoria que são estabelecidos em diferentes tempos e espaços. É sobre essa questão que busco desenvolver uma reflexão que, em um primeiro momento, se apresenta de forma simples, mas com o desenvolvimento desta investigação, foi verificado tratar-se de questão de grande complexidade e potencial. A aposta sobre esse tema está relacionada com o percurso investigativo que tem sido traçado pela valorização da ação dos sujeitos que produzem um conhecimento histórico escolar e pelo estabelecimento de diferentes significações do conhecimento por diferentes sujeitos. Por que é tão importante falar de sujeito? E mais especificamente, nesta ocasião, me refiro ao sujeito que se posiciona como autor, em um cenário de pesquisas que considera a constituição do conhecimento histórico escolar através de articulações discursivas e contingenciais aonde o autor e obra se constituem mutuamente. É preciso deixar claro que não 26 me desvinculo da perspectiva de análise do sujeito através do discurso, mas procuro compreender, através da esfera discursiva, como se estabelece uma configuração própria do discurso através desses sujeitos, sendo necessária uma reflexão e redefinição sobre como o autor se constitui pelo/no discurso. Seguindo as considerações de Chartier ao longo de suas reflexões, o livro passa a ser considerado como um objeto não-naturalizado. Para chegar ao resultado final que conhecemos e que chega às nossas mãos, aquele instrumento passou por uma série de acordos, negociações e disputas para que se materializasse. Um livro não é o reflexo daquilo que o autor originalmente idealizou, mas consiste em um processo de elaboração em que estão envolvidos diversos interesses. Dessa forma, não basta simplesmente acusar o livro (e esse tipo de acusação recai geralmente sobre o autor) como um recurso bom ou ruim se não compreendermos que esse objeto passou por diversas etapas de significação e escolhas até chegar ao seu resultado final. Mas também é importante ressaltar que o livro não é simplesmente um objeto que reproduz tendências políticas e mercadológicas. Se fosse dessa forma que compreende este objeto como uma reprodução de um “conhecimento superior” inalterável, todos os livros teriam os mesmos conteúdos, significados expressos da mesma forma, não havendo explicação lógica para a existência de tantas obras em circulação e em ampla concorrência no mercado editorial. Há um sujeito individual ou coletivo que tem um poder de decisão, assumindo o desafio de produzir um conhecimento, fazendo escolhas entre essas diversas influências, contingências e constrangimentos. Assim, considero necessário dar uma maior atenção à figura do autor, sujeito cujo papel muitas vezes deixa de ser considerado em pesquisas, mas que o nome ainda consta quando é atribuída a propriedade às obras. Não se pode generalizar esse indivíduo que possui um olhar próprio sobre o conhecimento, cria uma obra “original” 8 e que tem o desafio de ser compreendido pelo seu leitor de maneira sedutora e utilitária. No que se refere aos livros didáticos, busco compreender a posição dos autores que muitas vezes ganham “fama de escrever livros ruins, de ser mercenários por faturar com a educação dos outros e de desenvolver um trabalho intelectual menor, sem importância” (SAMPAIO; CARVALHO, 2010 p. 03). De certo, o ofício dos autores de livros didáticos vem sendo cada vez mais desprezado pelas pesquisas, sendo desconsiderados como escritores, 8 O conceito de originalidade de produção será discutido mais adiante, neste capítulo. 27 no sentido de formuladores de algo próprio, e cujas obras não possuem leitores, e sim usuários. A obra “Com a palavra, o autor” de Francisco Sampaio e Aloma de Carvalho, publicada em 2010, aborda sobre autores de livros didáticos que tiveram suas obras reprovadas pelo PNLD e, a partir desse fato, se manifestam em defesa de seu ofício preocupados com a sua desvalorização e redução a uma atividade meramente comercial. Esse pronunciamento ajudou a compreender os diversos desafios que os autores enfrentam para elaborar suas obras e caminhar, nesta investigação, além da crítica do livro didático, dando “maior importância à historicidade das operações, dos atores, dos lugares que se encontram implicados no processo de composição das obras” (CHARTIER, 2012 p.24). Neste capítulo faço uma discussão sobre concepções de autoria no processo de elaboração dos livros didáticos de História buscando perceber mudanças de significados sobre o conceito de autor e a configuração específica em que se insere um autor de livro didático, em meio ao contexto do universo educacional. A seguir, discuto a presença/ausência do autor através da contribuição de Roland Barthes (2004) e Michel de Foucault (2001) e a configuração de uma “função-autor”, termo utilizado pelo filósofo francês. Em um segundo momento, busco compreender a constituição de uma autoria no texto didático que é entendido como um gênero do discurso através do arcabouço teórico de intelectuais do campo da linguagem (BAKHTIN, 1990, 1997; CHARTIER, 1994, 2012; FOUCAULT, 1995, 2001; ORLANDI, 1992; POSSENTI, 1988; TARDIF, 2002). Para isso, levanto temas como a concepção de sujeito atuante na linguagem através de relações entre individualidade e coletividade e a expressão de subjetividade que possibilita diferentes significações na produção escrita. Por fim, tendo por base a discussão da subjetividade, analiso a relação entre os saberes docentes e os saberes mobilizados pelos autores de livros didáticos com base nas contribuições de Tardif (2002) e Monteiro (2007a). Essa mobilização de saberes se materializa na produção escrita em que o autor realiza uma transposição didática fazendo parte da esfera do sistema educacional (CHEVALLARD, 1991, LEITE, 2007; MONTEIRO, 2007a, 2009, 2012). 1.1 Considerações iniciais sobre autoria O que vem a ser um autor de livro didático? Grande parte dos referenciais teóricos com quem dialogo neste trabalho discute a questão de autoria voltada para a produção científica e literária. Busco aqui estabelecer pontes dessas pesquisas com a concepção de 28 autores de livros didáticos, entendendo que há similaridades nos desafios enfrentados por ambos atores sociais no processo criativo e considerando-os como sujeitos que possuem uma forte relação com sua obra, detentores de relativa autonomia. A primeira afirmação que pode ser feita é que autores de livros de livros didáticos são sujeitos de seu tempo, detentores de valores, visões de mundo e experiências, possuindo uma autonomia, mesmo que de forma parcial, ao fazerem escolhas e atribuírem significados ao conteúdo a ser ensinado. Esses sujeitos estão suscetíveis a constrangimentos decorrentes de normas e avaliações que legitimam ou não suas obras como um conhecimento escolar válido e atualizado. Mas isso não faz deles meros reprodutores do conhecimento científico e outros saberes de referência. No campo dos estudos curriculares, relaciono o papel dos autores com uma posição mais próxima aos objetivos e desafios enfrentados pelos professores, até porque muitos autores de livro didático se utilizam de experiências que tiveram em sala de aula para pensar no tipo de escrita que irão produzir em suas obras, preocupados em traçar um diálogo com o universo do ensino-aprendizagem. Considero-os assim, sob a perspectiva das teorias críticas do currículo, como intelectuais que possuem um caráter político em sua prática pedagógica, uma concepção e um planejamento sobre ela (MOREIRA, 2010 p. 104). Por fim, nesse levantamento inicial sobre concepções de autoria, destaco o embate que esses sujeitos travam pela fixação de determinados sentidos, envolvidos na ousadia de uma produção, cujo resultado final depende da significação atribuída pelo leitor. Nesse sentido, a autoria constitui-se em um processo de arriscar-se e se colocar na posição daquele que está à deriva (ABREU, 2012). O autor não se constitui como um indivíduo que simplesmente escreve, mas pode ser entendido como um princípio de agrupamento do discurso, como uma unidade e origem de significações (FOUCAULT, 1995). Mas em qual lugar da produção escrita e do discurso se situa a autoria? Certamente o entendimento sobre o lugar em que se constitui o autor sofreu e sofre mudanças ao longo dos tempos, podendo ser compreendido como um processo de interpretação em constante movimento. É sobre a mudança da condição do autor que sigo discutindo nos próximos parágrafos. Os primeiros registros que remetem à referência de autor são datados a partir da época medieval, mas isso não significa que essa função não existia antes disso. Nesse contexto em que se iniciou a reflexão sobre a identidade dos autores, ela esteve ligada à censura e à interdição dos textos que eram considerados subversivos pelas autoridades religiosas e políticas. Muitas das obras eram submetidas à aprovação do rei para que pudessem receber o 29 direito de circulação. Autores, inclusive, endereçavam as dedicatórias dos livros às autoridades como estratégia de aprovação (CHARTIER, 1994, 1998). Existem muitos discursos que circulam isentos do sentido de autoria: conversas cotidianas (logo apagadas), decretos ou contratos que precisam de signatários (mas não de autor) e receitas técnicas transmitidas no anonimato são alguns exemplos (FOUCAULT, 1995). A atribuição de autoria ainda se mantém no campo da literatura, filosofia e ciência, mas nem sempre essa função é desempenhada da mesma forma. Em A Ordem do Discurso, Foucault aponta duas trajetórias diferentes entre o discurso científico e o discurso literário: (...) na ordem do discurso científico, a atribuição a um autor era, na Idade Média, indispensável, pois era um indicador de verdade. Uma proposição era considerada como recebendo de seu autor seu valor científico. Desde o século XVII, esta função não cessou de se enfraquecer, no discurso científico: o autor só funciona para dar um nome a um teorema, um efeito, um exemplo, uma síndrome. Em contrapartida, na ordem do discurso literário, e a partir da mesma época, a função autor não cessou de se reforçar: todas as narrativas, todos os poemas, todos os dramas ou comédias que se deixava circular na Idade Média no anonimato ao menos relativo, eis que, agora, se lhes pergunta (e exigem que respondam) de onde vêm, quem os escreveu; pede-se que o autor preste contas da unidade de texto posta sob seu nome; pede-se-lhe que revele, ou ao menos sustente, o sentido oculto que os atravessa; pede-se-lhe que os articule com a vida pessoal e suas experiências vividas, com a história real que os viu nascer. O autor é aquele que dá à inquietante linguagem da ficção duas unidades, seus nós de coerência, sua inserção no real. (FOUCAULT, 1995 pp. 25-26)9 O entendimento da função de autoria modificou-se ainda mais após esse pronunciamento de Foucault. É interessante observar que não existe um sentido fixo ou literário sobre o que é um autor. Se procurarmos o significado da palavra em um dicionário, o sentido de autoria como escritor de uma obra aparece em seu terceiro significado, sendo a primeira descrição como inventor e a segunda como praticante de uma ação 10. Hoje a autoria está além da escrita. É preciso mais do que isso, é preciso fazer circular suas obras entre o público por meio da impressão (CHARTIER, 1994). Chartier (1998, p. 32) também chama a atenção para uma diferenciação entre a denominação de writer e de author na língua inglesa. O writer consiste naquele que escreve alguma coisa enquanto author é aquele cujo nome próprio dá identidade e autoridade ao texto. Assim, a ideia que se tem sobre autoria vai mudando, sobretudo quando a questão mercadológica, de público e de leitor passa a ganhar maior importância. O fundamento da propriedade imprescritível sobre as obras vem sendo colocado em questão. Quando relaciono o assunto sobre autoria ao ensino de História, entendo que nessa relação se insere o papel do autor de livro didático na construção do conhecimento escolar. 9 A publicação da obra de Foucault data de 1995, mas trata-se de uma conferência proferida em 1970. Consulta em www.dicionariodoaurelio.com. Acesso em 10/12/2013. 10 30 Quando produzem um texto didático, autores possuem uma intenção e executam essa tarefa de determinada maneira a fim de caracterizar a obra como didática, e o que se entende como tal em determinado momento. A escolha do autor nos primeiros manuais didáticos no Brasil tinha uma ação estratégica para legitimação da obra11. Bittencourt (2008)12 relata que havia uma preferência no momento da escolha de autores por professores do Colégio de Pedro II e da Academia Militar para que elaborassem os compêndios e cartilhas que fossem utilizados na educação com o fim de facilitar a adoção das obras, já que a aprovação era institucional. Nomes de professores que trabalhavam em renomadas instituições dificilmente seriam vetados pelos conselhos educacionais, assegurando dessa forma, a vendagem das obras. A obra era aprovada pela biografia do autor que era exposta claramente com sua formação, competência técnica, pertinência e agremiações de cunho científico e literário, trajetória profissional e, não raro, política. Exemplo dessa ação estratégica pode ser tomado pela editora de Monteiro Lobato que, quando decide publicar obras destinadas a estudantes, passa a mobilizar relações de amizade e prestígio com autores que ocupavam cargos estratégicos no sistema de ensino (LUCA, 2009). A partir da segunda metade do século XX, os autores em geral passam a se organizar mais como intelectuais e um corpo profissional, fazendo parte como membros fundadores de associações como a ABDE (Associação Brasileira de Escritores), fundada em 1942. Esse tipo de organização representa uma iniciativa de usar o associativismo estimulado pelo Estado Novo a favor dos direitos profissionais, da elaboração de um projeto de reconhecimentos e regulamentação dos direitos autorais, bem como do controle pelo Estado desta produção (GONÇALVES, 2009 p. 113). A organização mais específica de autores de livros didáticos é mais tardia, sendo fundada no ano de 1992 a Associação Brasileira de Autores de Livros Educativos (ABRALE) que possui como finalidade contribuir para a elevação da qualidade do ensino brasileiro, defender a dignidade profissional dos autores/educadores e promover a integração dos autores de livros didáticos e paradidáticos, representando-lhes os interesses junto às editoras, órgãos governamentais e entidades congêneres 13. 11 Esses primeiros livros de História tinham como objetivo prestar serviço à pátria pretendendo-se a contribuir para a formação de uma literatura “propriamente brasileira” para que pudesse ser usado pela “mocidade brasileira” (MATTOS, 2009) 12 Para o desenvolvimento sobre esse histórico de livros didáticos no Brasil, me baseio em Circe Bittencourt, mas há pesquisas em outros países sobre essa temática como o trabalho de Alain Choppin. 13 Fonte: http://www.abrale.com.br/?page_id=724 Acesso em 10/12/2013. 31 Como se pode ver, a perspectiva sobre autoria tem passado por diversas significações. Como último ponto a discutir sobre a constituição sócio-histórica da autoria, destaco ressignificações mais atuais sobre essa categoria. Hoje, o autor busca contemplar cada vez mais o lugar do leitor, posição esta que pode ser compreendida de diferentes maneiras: o autor é também um leitor que utiliza diferentes fontes historiográficas (selecionando e reelaborando) para produzir um conhecimento, mas essa categoria também pode ser compreendida como aquele que se coloca na posição do leitor para perceber os desejos e demandas de seu auditório. A contemplação do lugar do leitor no momento da produção faz com que o texto vá se modificando ao longo das gerações diante da inquietação de seu público. A posição do aluno diante da leitura, seus desejos e anseios, além das novas leituras, encontros, experiências e conversas que o próprio autor vai estabelecendo ao longo de sua trajetória, fazem com que a escrita se renove. Sendo assim, não é uma criação individual, mas também coletiva considerando o outro em sua produção (Bahktin, 1990). Outra questão a ser levantada e levada à reflexão em oportunidades futuras é a configuração da coautoria. O desafio de elaborar uma obra que atenda diversas demandas e fortes exigências para que se tenha o domínio de todo conteúdo vem fazendo com que surjam cada vez mais obras em coautoria. Neste caso, há a discriminação específica de partes feitas por cada autor/membro da produção ou a obra é feita como um conjunto em que todos participam de todas as partes do livro? Nesse universo também tem surgido o conceito de “autor coletivo” que corresponde a um grupo que se reúne em torno de um nome célebre, tomando-o como uma marca legitimadora. Essas questões não serão desenvolvidas neste trabalho, mas ficam como potencial investigativo em estudos futuros. E como se configuram os sentidos de autoria com sujeitos que estão envolvidos no universo específico de produção de livros didáticos? No início deste capítulo, considerei as similaridades das pesquisas sobre os livros científicos e literários com a configuração dos livros didáticos. Há semelhanças na produção desses livros, mas há também diferenças que competem à especificidade de uma obra que está voltada para o ensino. Nas próximas linhas, busco caracterizar as particularidades que envolvem os livros didáticos como currículo. Os autores de livros didáticos estão inseridos em uma complexa estrutura onde estão envolvidos não somente seus saberes, crenças e visões de mundo, mas também diversos tipos de demandas, precisando atender às expectativas de seu público alvo14, buscando estabelecer 14 A dimensão de público alvo para o autor de livro didático se amplia em relação ao universo do professor. Enquanto para o professor sua produção – a aula – é destinada a um público específico (os alunos), o público 32 uma relação de prazer e sentido de utilidade do que está sendo ensinado para ter sua obra aceita. A função do autor não é somente reproduzir dados. Sobre a prática docente, que possui semelhanças, neste caso, com a prática dos autores, Charlot (2012 p. 20) diz que: Mas o mais importante não é isso. O mais importante é que hoje o professor de informação está historicamente morto, mas nunca foi tão necessário um professor de saber. O que é professor de informação? Tipo professor de biologia, quando ensina “Esse bicho anda assim, outro bicho anda assim, outro anda assim”. Ou de Geografia, “No Rio de Janeiro, as indústrias são (...)”, uma lista. Esse é o professor de informação. O professor de saber é um professor que ensina a entender o mundo, porque nenhum professor pode entrar na concorrência com o Google (grifo do autor). Em outra perspectiva de professorado/autoria, entendo que a relação desses sujeitos com seu texto não é de um simples alimentador de informações. De acordo com Roland Barthes (2004), o autor não é anterior ao texto, mas é construído e definido ao mesmo tempo em que o texto é produzido. Como exemplo dessa mudança de posição, podemos afirmar que o autor de um texto didático pode ser autor de um texto científico, mas a posição e postura que ocupa quando vai elaborar o texto, será diferente. Seu objetivo, seu público alvo e até sua escrita se modifica de acordo com a ocasião, o que não desqualifica nenhum dos dois textos. Com isso, pode-se compreender que a escrita é reelaborada e lhe é dada um novo sentido de acordo com os interesses de seu autor. Um texto não fala por si, ele é histórica e culturalmente construído e para decifrá-lo é preciso encontrar seu autor. Só assim é possível dotar um texto de segurança e significado. A linguagem é um lugar de dimensões múltiplas que não transmitem um único sentido. O texto pode ser compreendido como uma colcha de citações em que autor se exprime diante desse dicionário composto (idem). Nessa “colcha”, as múltiplas escritas entram em diálogo ou contestação intermediadas por esse sujeito que “costura” as citações ao mesmo tempo que vai se constituindo como seu produtor. Porém, esse sujeito-autor vem sumindo cada vez mais na escrita didática. Podemos relacionar essa ocultação do autor no texto com a justificativa de Foucault (200115) sobre o fato do autor fazer cada vez mais “papel de morto”. Esse sumiço do texto, que para o autor é algo proposital, está ligado à configuração da escrita que se preocupa em despistar signos de leitor do livro didático é bem mais amplo indo além dos alunos, passando pelo professor, pela direção da escola, pelos pais dos alunos, pelos editores e pelo Estado. 15 Esta data constitui a publicação de um pronunciamento de Foucault em 1969 e será mais explorado ao longo deste capítulo. 33 individualidades, buscando legitimar a produção ao propor um conhecimento que se aproxima cada vez mais de uma verdade “universal” 16. Além da presença/ausência do autor, também é possível perceber uma mudança propriamente desse sujeito que faz parte da produção didática. Antes do PNLD, havia a tradicionalidade de quem produzia o livro didático era o professor que atuava na educação básica e levava para o momento de sua criação a experiência obtida em sala de aula, independente de sua formação (SAMPAIO; CARVALHO, 2010 p. 08). Ou seja, escrever livros didáticos constituía uma atividade secundária que surgiu para reforçar a atividade primária desses sujeitos como professor. Com o desenvolvimento dessa atividade profissional, o ofício de escrever livros didáticos foi se tornando cada vez mais a atividade principal de muitos desses sujeitos. O trabalho em sala de aula foi sendo deixado de lado em prol da exclusividade da dedicação na elaboração de obras cada vez mais qualificadas para entrar no mercado editorial (idem p.12). Outro desafio na produção didática é o domínio teórico que o autor deve ter sobre todos os assuntos que abrangem uma coleção didática. Se levarmos essa questão para o ensino de História, torna-se quase incompreensível como um autor pode dominar todos os conteúdos que abrangem “da história das cavernas ao terceiro milênio 17 ”. Além do domínio conteudístico, o autor precisa lidar com conceitos complexos, utilizando uma linguagem simples e dominando de forma pedagógica. Por isso, vem se configurando nas produções didáticas uma junção entre um educador e um especialista de forma a facilitar esse trabalho (idem). Somado a essa perspectiva do papel do autor ao atribuir sentidos ao texto didático, o processo de autoria é marcado por condições de produção e regulação que se constituem enquanto injunções de diversas ordens e níveis (ABREU, 2012). Esses dispositivos de controle de circulação dos textos expressam apropriação e ressignificação do autor. Apesar da relativa autonomia que os autores possuem na produção, o livro como mercadoria é submetido às regras da indústria cultural e isso implica nos desafios que o autor deve encarar para mobilizar essas demandas e exigências dos órgãos oficiais, com questões econômicas relacionadas ao mercado editorial, às expectativas sobre a recepção da obra por professores e alunos, e articulando com um projeto pedagógico de sua autoria a ser 16 Chevallard se refere a esse processo de “despersonalização”, ou seja, “a dissociação entre o pensamento, enquanto expressão de uma subjetividade, e suas produções discursivas: o sujeito é expulso de suas produções, o saber é submetido a uma transformação no sentido de despersonalização” (CHEVALLARD, 1991, p.71). 17 O termo faz alusão à coleção didática História: das cavernas ao terceiro milênio de Patrícia Ramos Braick e Myriam Brecho Mota da Editora Moderna, 1997 (1ª edição). 34 viabilizado pela obra (MONTEIRO, 2013 p. 210). Essas questões serão trabalhadas minuciosamente no capítulo 2 deste trabalho, mas, desde já, concordando com Monteiro, considero que a análise sobre a apropriação dessas políticas pelos autores ajuda a compreender os processos de produção dos livros didáticos e como os autores reinterpretam essas políticas e mostram diferentes leituras, realizando assim, diferentes projetos. (...) autores de livros didáticos, mesmo quando constrangidos por diretrizes e sistemáticas de avaliação com critérios rígidos, desenvolvem maneiras próprias de interpretar as orientações e são, portanto, não apenas implementadores de políticas oficiais, mas, também, produtores de textos que orientam práticas curriculares agentes de política curricular. (...) os formuladores de políticas também levam em conta as expectativas de seu público, pois precisam ser compreendidos se quiserem que as orientações sejam seguidas. (MONTEIRO, 2013 pp. 213-214) Os livros didáticos também já foram acusados de detentores de suposta ideologia esquerdista, de manipuladores e de doutrinadores de alunos 18 . Quando levantamos essa questão da figura do autor, somos levados a discutir sobre a ideologia. Seria possível um livro estar isento de sentidos ideológicos? Acredito que não. Toda obra, didática ou não, traz consigo o ideário de seu autor. Ao escolher temas e palavras, os autores estão atribuindo sentidos aos processos e fatos em estudo. Os sentidos transmitidos nos livros didáticos são livres, mas marcados por posições discursivas de outros sujeitos. Como pode ser observado, as relações envolvidas no processo de produção de livros didáticos estão imbricadas de relações de poder. Compreendo essas formas de poder de maneira mais ampla, que não está preso somente ao autor e às relações políticas. É uma relação muito mais complexa que envolve os processos de produção, circulação e disseminação dos textos didáticos, pois estão vinculados a inter-relações de discursos de variados sujeitos e grupos sociais de diferentes entidades. Utilizo uma citação de Silva que contempla esse ponto de vista: O currículo é também uma relação social, no sentido que a produção do conhecimento envolvida no currículo se realiza através de uma relação entre pessoas. Mas uma relação social também no sentido de que aquele conhecimento que é visto como uma coisa foi produzido através de relações sociais – e de relações sociais de poder. (SILVA, 1995 p. 188, grifo meu). Percebo que o entendimento sobre o conceito e as práticas de poder é um ponto central para o desenvolvimento deste trabalho. Para isso, a contribuição de Foucault tornou-se importante para a compreensão de que “saber é poder”, esclarecendo os mecanismos pelos quais o poder se inscreve no currículo, na constituição dos saberes pedagógicos e na política 18 A questão da ideologia nos livros didáticos ganhou destaque com a ação da imprensa e revistas de grande circulação no ano de 2007 em que o livro didático Nova História Crítica de Mário Schmidt foi problematizado.Ver KAMEL, Ali. O que ensinam às nossas crianças. Jornal O Globo. 18/09/2007 35 cultural. É necessário fazer um contínuo exame sobre estas relações que estão constantemente em luta e criando novas relações a cada momento. Ou seja, não se trata de um poder centralizado e repressivo, e sim um poder disseminado, circulante e produtivo. Autores, editores, revisores, diagramadores, todos estão envolvidos no controle e produção de sentidos transmitidos pelos livros didáticos a fim de que sejam compreendidos em qualquer variação possível. O escritor cria, apesar de tudo, na dependência em face das regras que definem sua condição. Dependência, mais fundamental ainda, diante das determinações não conhecidas que impregnam a obra e que fazem com que ela seja concebível, comunicável, decifrável. (CHARTIER, 1994 p. 09). O livro didático não é uma criação própria. Ele passa por uma série de técnicos e especialistas que não permite a existência de uma elaboração de um único lado. Darnton (2010) diz que parte da autoridade da obra é atribuída aos autores, mas que essa ação não compete somente a eles. Os livros são produzidos por profissionais que exercem função que vão muito além de manufaturar e difundir um produto. Na produção de um livro estão envolvidos editores como responsáveis por controlar o fluxo do conhecimento. Eles selecionam o que acreditam que irá vender, conforme suas habilidades profissionais e convicções pessoais. Os juízos dos editores, delineados por uma longa experiência no mercado das ideias, determinam aquilo que chega aos leitores. Ao selecionar textos, editá-los, permitir sua legibilidade e trazê-los à atenção dos leitores, os profissionais do livro fornecem serviços que sobreviverão a todas as mudanças tecnológicas. 1.2 O papel do autor 1.2.1 A “morte” do autor Gostaria neste momento de retomar uma questão citada anteriormente que se faz necessária aprofundar nessa discussão: a morte do autor. Este conhecido título que nomeia um texto de Roland Barthes publicado em 2004 faz alusão ao empoderamento da escrita que apaga o sujeito-autor de cena dando lugar a um texto autônomo. O autor, por outro lado, vai perdendo sua identidade como criador de uma obra original e é considerado mais como um mediador que busca dialogar com outros discursos, só que não é capaz de produzir o seu próprio discurso. No caso dessa linha teórica, a escrita passa a falar por si no lugar de seu proprietário. Apesar de o império do Autor ser ainda muito poderoso (a nova crítica não fez muitas vezes senão consolidá-lo), é evidente que certos escritores já há muito tempo que tentaram abalá-lo. Em França, 36 Mallarmé, sem dúvida o primeiro, viu e previu em toda a sua amplitude a necessidade de pôr a própria linguagem no lugar daquele que até então se supunha ser o seu proprietário; para ele, como para nós, é a linguagem que fala, não é o autor; escrever é, através de uma impessoalidade prévia - impossível de alguma vez ser confundida com a objetividade castradora do romancista realista -, atingir aquele ponto em que só a linguagem atua, «performa», e não «eu»: toda a poética de Mallarmé consiste em suprimir (BARTHES, 2004, s/n). Não sigo essa perspectiva teórica que empodera o discurso e dispensa a análise do processo de criação da obra. Mas enxergo neste caso um potencial que permite uma contra argumentação guiada por Foucault em seu pronunciamento de 1969 intitulado Qu’est-ce qu’un auteur?, publicado no Brasil em 2001. Nesta ocasião, Foucault manifesta também sua preocupação com a presença/ausência dos autores quanto à designação de suas obras. Mas o filósofo não acredita em uma morte, e sim numa ausência da autoria ocasionada pelos caminhos que a escrita contemporânea vem tomando. Enquanto Barthes valida a morte do autor, Foucault remonta o seu nascimento e traça regras históricas e culturais de seu funcionamento em nossa sociedade. Na concepção de Foucault, já que o autor está ausente nas análises da escrita, é preciso identificar como é que ele se faz presente no discurso. Sua existência é real, nós é que não conseguimos enxergá-lo em nossas análises pela forma sutil, indireta e perigosa que ele se apresenta. Podemos não ver sua atuação, mas os sentidos estão postos e sendo acolhidos e concebidos como verdade pela sociedade. Os alertas de Barthes e Foucault nos instigam em nossa pesquisa. O autor está morto ou faz papel de morto? Ele consegue despistar signos de sua individualidade para que sua produção seja legitimada como representante do “conhecimento verdadeiro”? É possível identificar as escolhas e interpretações do indivíduo na obra e, mais especificamente, no texto didático? Relacionando essa “morte” com os autores de livros didáticos, percebo que essa questão se aprofunda mais ainda no campo educacional. Autores buscam obter o crédito de estar oferecendo um conhecimento escolar legítimo e indiscutível em sua obra, e procuram apagar signos de sua individualidade e opções feitas. Mas embora os autores busquem não apresentar essas marcas, seriam possíveis elas serem totalmente apagadas? Além dessa busca de apagar signos de sua individualidade no texto, há outros fatores que reforçam a camuflagem desse sujeito no texto. Uma obra é normalmente analisada por sua estrutura, não pela sua relação com o autor e suas subjetividades. As marcas de autoria também são apagadas porque a escrita tem tomado cada vez mais um “caráter sagrado”. Essa 37 dispensa é descrita por Foucault como um “anonimato transcendental” (FOUCAULT, 2001), definido como a atribuição de um estatuto originário que traduz em termos transcendentais a afirmação teológica do seu caráter sagrado e a afirmação crítica de seu caráter criador. As significações ficam implícitas, as determinações silenciadas, os conteúdos obscurecidos 19. Eni Orlandi (1992, 2004) chama esse desaparecimento de “silenciamento” das manifestações autorais para que o arquivo mantenha a falsa aparência de estabilidade quando na verdade são falas desorganizadas. Esse silenciamento acaba provocando a falta de sentidos, perturbando a ordem do discurso e a organização social, além de encurtar sentidos possíveis ao invés de desdobrá-los, diminuindo outras possibilidades de significação (ABREU, 2013). Por isso defendo a importância de pesquisar o papel do autor, especialmente das obras didáticas, buscando caracterizar a relação autor, discurso e público-alvo que implicam novos desafios: Apesar de suas grandes diferenças e até mesmo de suas divergências, todas essas abordagens têm como ponto comum rearticular o texto ao seu autor, a obra às vontades ou às posições de seu produtor. É certo que não se trata de restaurar a figura romântica, magnífica e solitária do autor soberano, cuja intenção (primeira e última) encerra a significação da obra, e cuja biografia dirige a escrita em uma transparente imediatez. O autor, tal como ele faz a sua reaparição, na história e na teoria literária, é, ao mesmo tempo, dependente e reprimido. Dependente: ele não é o mestre do sentido, e suas intenções expressas na produção do texto não se impõem necessariamente nem para aqueles que fazem desse texto um livro (...), nem para aqueles que dele se apropriam para a leitura. Reprimido: ele se submete às múltiplas determinações que organizam o espaço social da produção literária, ou que, mais comumente, delimitam as categorias e as experiências que são as próprias matrizes da escrita. (CHARTIER, 1994 p. 35-36 grifo do autor). 1.2.2 A “função autor” Contra a inexistência do autor, Foucault busca compreender a condição, ou melhor, a função que o autor desempenha na escrita, como peça importante que nos faz compreender a produção do conhecimento. Em um discurso que alerta sobre o olhar crítico sobre quem fala, Foucault denuncia uma postura de indiferença nas pesquisas e pela própria sociedade sobre a participação desse sujeito. 19 Sobre o “anonimato transcendental”, o autor diz que: “Ocorre que se contenta em apagar as marcas demasiadamente visíveis do empirismo do autor utilizando, uma paralelamente a outra, uma contra a outra, duas maneiras de caracterizá-la: a modalidade crítica e a modalidade religiosa. Dar, de fato, à escrita um estatuto originário não seria uma maneira de, por um lado, traduzir novamente em termos transcendentais a afirmação teológica do seu caráter sagrado e, por outro, a afirmação critica do seu caráter criador? Admitir que a escrita está de qualquer maneira, pela própria história que ela tornou possível, submetida a prova do esquecimento e da repressão, isso não seria representar em termos transcendentais o princípio religioso do sentido oculto (com a necessidade de interpretar) e o princípio crítico das significações implícitas, das determinações silenciosas, dos conteúdos obscuros com a necessidade de comentar? Enfim, pensar a escrita como ausência não seria muito simplesmente repetir em termos transcendentais o princípio religioso da tradição simultaneamente inalterável e jamais realizada, e o princípio estético da sobrevivência da obra, de sua manutenção além da morte, e do seu excesso enigmático em relação ao autor?” (FOUCAULT, 2001 s/n) 38 Continuando com as considerações de seu pronunciamento de “O que é um autor”, Foucault apresenta duas questões centrais sobre a autoria: a importância de se fazer uma análise histórico-sociológica da figura do autor (preocupado com o estatuto e o sistema de valorização desses sujeitos) e a construção sobre a “função autor” (considerando o autor como uma função variável e complexa do discurso, e não a partir da evidência de sua existência individual). Assim como o filósofo, quero compreender como se constitui a autoria dentro da complexidade do sistema discursivo. Por ser uma categoria constituída discursivamente, a “função autor” não é universal. Não se pode simplificar esta formulação ou determinar a um único momento ou significado. A “função autor” é definida como uma característica do modo de existência, de circulação e de funcionamento de certos discursos no interior de uma sociedade (CHARTIER, 1994, 2012). Esses discursos se configuram de maneira específica e complexa, sendo atribuída sua unidade e coerência a um dado sujeito. O autor, dessa forma, corresponde a uma função dentro do discurso e seleciona para esse discurso traços da sua existência individual que sejam pertinentes para aquele momento e lugar de sua prática. É isso que vai permitir que o autor seja caracterizado dentro do discurso: a relação entre a sua função como autor e sua existência como indivíduo real, entre sua categoria do discurso e o seu eu subjetivo. A função do autor consiste exatamente nesse processo de levar da pluralidade de posições e da diversidade de vozes a uma individualidade autoral ou mesmo ao contrário, de fazer da identificação individual do discurso atribuições a diferentes indivíduos, concorrente ou colaboradores. (idem, 2012). Compreendemos o autor não somente como um sujeito ou complemento do discurso. Ele exerce um papel sobre o discurso, selecionando e delimitando textos e leituras que são relacionados e estabelecidos em uma relação de homogeneidade. Seu nome é uma ruptura que instaura certo grupo de pronunciamentos e seu modo singular de ser. Foucault aponta quatro locais ou momentos que percebemos quando a “função autor” é exercida, mas considero essas funções interligadas, não se manifestando de forma individualizada. O autor organiza as funções da seguinte forma: 1. Citação: quando o autor é citado ou identificado em algum enunciado científico ou literário, seu papel não é totalmente apagado. No caso de enunciados científicos, a citação de um autor consiste em um argumento de autoridade que valida o conhecimento que está sendo transmitido e o dá credibilidade como valor de verdade devido o reconhecimento do autor no campo. 39 2. Apropriação: quando um autor é desapropriado de seu texto, ele não é mais considerado seu dono ou responsável. Na busca de se conservar os direitos do autor sobre sua obra, são elaboradas regras restritas sobre as relações entre autor e editor com relação aos direitos de reprodução. A propriedade literária é uma das formas fundamentais de sustentação da construção de uma “função autor”, mas essa função vem se afirmando atualmente muito mais sobre dos direitos do editor do que do autor. 3. Crítica: um texto é atribuído ao autor normalmente quando lhe é direcionado uma crítica. Neste caso, o autor é quem recebe a crítica por seus erros ou acertos. Ser autor quer dizer que é historicamente construído e que seu gesto é carregado de riscos, logo está sujeito a erros. A atribuição dessa função é o que garante o direito de se vigiar, censurar, julgar e punir, exercido por uma autoridade ou um poder20. 4. Modificação: o autor, como sujeito de seu tempo e espaço pode modificar o seu pronunciamento de acordo com a posição em que ele ocupa no momento em que a fala está sendo proferida. E dizer que ele é construído quer dizer que faz parte de uma operação complexa, situado em seu momento histórico que podem vir a se modificar e transformar. Essas ideias de Foucault foram proferidas no ano de 1969. Desde então ocorreram muitas mudanças nas relações e funções de autoria. Com o tempo, essas ideias receberam muitos questionamentos. Recentemente Roger Chartier fez uma revisão desta conferência que foi publicada em 2012 no livro O que é um autor? Revisão de uma genealogia, onde o historiador buscou superar os limites e retificar algumas das interpretações dos pensamentos do filósofo que foram feitas em um contexto histórico diferente. Podemos considerar que muitos dos apontamentos levantados por Foucault já não possuem tantos motivos de crítica nos dias de hoje devido a uma importância dada cada vez mais à historicidade das operações, dos atores e dos lugares que se encontram implicados no processo de composição das obras, nas modalidades de sua transmissão ou nas formas de sua recepção. Chartier pretende ir além das reflexões proferidas por Foucault. Ele não apenas lhe reconhece o caráter inspirador e amplia seu alcance, como também avalia seus limites com base em sua sólida experiência de historiador e em seu denso conhecimento de história da Cultura Escrita Ocidental, no interior da qual se inscrevem as distintas modalidades históricas 20 Foucault considera em seu pronunciamento a crítica como algo negativo, mas interpretamos que ela também pode ser positiva. 40 de construção da figura do autor. Nesta obra, Chartier rediscute as origens da figura do autor e os dispositivos históricos e culturais que promoveram a conferência de Foucault 21. Apesar dessas contribuições que visam rever a teoria original de Foucault, as discussões sobre a morte do autor e as críticas que renascem sobre ele ainda permanecem muito atuais. Nada disso nega que o autor tenha existido, um autor real, um homem que irrompe em meio a todas as palavras usadas, trazendo nelas seu gênio ou sua desordem. Foucault não nega a existência do indivíduo que escreve e inventa. Mas para ele esse indivíduo retoma para si a função do autor. Ele não nasce autor, sua vida não descreve isso, mas, de acordo com Foucault, esta é uma função tomada no momento em que escreve sua obra, fazendo opções, rascunhando, esboçando e deixando transparecer coisas de seu cotidiano. Todo esse jogo de diferenças é prescrito pela função do autor, tal como a recebe em sua época ou tal como ele, por sua vez, a modifica (FOUCAULT, 1995 p. 27). E como essa função se manifesta na produção do conhecimento escolar? Qual a função autor de livro didático que se estabelece na complexa missão da arte de ensinar? O ensino-aprendizagem envolve uma estrutura em que os saberes são mobilizados e não transmitidos de forma unidirecional. Deve haver uma relação de diálogo e negociação com os alunos para que haja um sentido daquilo que se ensina. Assim, considero a função dos autores de livros didáticos na produção de um conhecimento que chegue ao seu público de uma forma em que sua obra tenha uma aceitabilidade e faça sucesso no mercado. No que se refere ao ensino de História, utilizando uma citação de François Furet que diz que “fazer história é contar história” (FURET, 1975, apud MATTOS, 2006), o papel do autor do livro didático é tão válido quanto o de um historiador, na sua escrita, ou de um professor, na sua prática em sala de aula. A elaboração do conhecimento escolar também é um momento de criação da história, uma história original, diferente (não menor) da história produzida pela historiografia. Os autores, ao contar história, estão produzindo História quando buscam dar sentidos, através da forma narrativa, ao conhecimento que é proposto a ser ensinado. Conhecimento esse que é tão legítimo quanto o conhecimento acadêmico, mas que possui um objetivo diferente, pautado no ensino-aprendizagem. Estar voltado para o ensino quer dizer que há uma preocupação na ampliação do universo do conhecimento fundamentado na relação entre professores e alunos, na contradição entre o velho e o novo, em que o novo 21 Sobre as críticas de Chartier, ver CHARTIER, Roger. O que é um autor? Revisão de uma genealogia. São Carlos: EdUFSCar, 2012. 41 constitui o desconhecido, o objeto a ser desvendado pelo ensino na oportunidade da aprendizagem (MATTOS, 2006 p.08). 1.3 O autor como sujeito da linguagem Até o presente momento, busquei compreender o conceito e o lugar da autoria. Em diversos momentos o autor foi retratado como um sujeito que está inserido no processo de criação discursiva. Agora se faz necessário entender a qual tipo de sujeito, no campo da linguagem, melhor se relaciona com a perspectiva que procuro seguir. As teorias da linguagem abrem várias possibilidades de interpretação sobre a concepção de sujeito. A partir deste momento, busco esclarecer como venho operando com essa categoria de forma que sustente a concepção de autoria que defendo. Vejo que é importante discutir o papel do sujeito na linguagem sabendo que o processo discursivo vem antes dele, e não partindo dele. Segundo a perspectiva teórica de Foucault, essa relação do sujeito com a linguagem é definida como uma apropriação social do discurso. O sistema educacional, por exemplo, é uma maneira política de manter ou de modificar a apropriação dos discursos, com os saberes e os poderes que eles trazem consigo (FOUCAULT, 1995 p. 41). Essas apropriações são feitas por certas categorias de sujeitos de formas distintas, de acordo com seu objetivo. Cada um se apropria das regras de formas diferentes. Primeiramente, cabe defender a visão de um sujeito que está imerso em uma língua, mas que também atua nela. Defender estes dois lados tornou-se uma complexa tarefa. A função essencial da linguagem é a comunicação, porém não é a única. A linguagem permite a reflexão e o pensamento. A enunciação que o sujeito faz é uma operação complexa de exterioridade-interioridade, construída pela coletividade (BAKHTIN, 1990). Concordo com Bakhtin quando defende que a língua possui um caráter coletivo, mas quando ela é apropriada pelo sujeito, configura-se de forma específica e própria, enunciada de forma que tenta apagar as marcas desse coletivo. Possenti também considera a força do sujeito de interferir e permear a enunciação, criando e se apropriando dela. A autoria é o que faz um discurso se diferenciar dos outros. A singularidade da apropriação é o que a caracteriza, trazendo sentidos possíveis e projetando outros. Não existe lugar de criação na língua e sim uma contínua apropriação dela. Por outro lado, como nem todos os que trabalham por uma língua são iguais, é de se esperar que o produto apresente irregularidades, desigualdades, traços, enfim da trajetória de cada um dos elementos constituidores de uma língua não só em relação a um interlocutor, mas também sobre a própria língua. (POSSENTI, 1988 p. 57). 42 A opção de Bakhtin por vincular a linguagem a um processo coletivo está relacionada à necessidade de associação desta ao contexto e situação histórica e política que a envolve. Assim, se integram às teorias as “intenções” do locutor (apesar de parecerem decisões individuais), as expectativas do ouvinte, a compreensão por parte de ambos os objetivos sociais imediatos e mediatos da comunicação, a identificação dos objetos em um mesmo universo de referência, etc. E é por isso que a linguagem se tornaria mais significativa. O locutor está dentro da interação, voltado para o outro que também é locutor. Tudo é produzido dentro desta relação. Dessa forma, o locutor não constitui o primeiro falante, um Adão bíblico perante objetos virgens. Há discursos anteriores que ele carrega em sua fala, referências prévias a ele. Foucault (1995) também considera esses dois procedimentos, apontados por Bakhtin, que envolvem o discurso: os procedimentos externos funcionam como sistemas de exclusão como a interdição (não se pode dizer tudo que se quer), a separação e rejeição (exclusão pela razão) e a oposição entre o verdadeiro e falso (mobilizado pela vontade de verdade). Já os procedimentos internos funcionam com o princípio de que os discursos exercem seu próprio controle a título de princípio de classificação, de ordenação e de distribuição. Os procedimentos internos destacados por Foucault são de comentário (que mudam os primeiros discursos ou discursos originais), autor (aquele que agrupa os discursos anteriores e dá um significado) e disciplina (“sistema anônimo à disposição de quem quer ou pode servir-se dele, sem que seu sentido ou sua validade estejam ligados a quem sucedeu ser o inventor”) (idem p. 29). Para Foucault, a linguagem é concebida como um acontecimento que ele chama de formação discursiva. Nesta formação, o autor é quem detém um lugar de poder e faz o exercício de “dar a voz” a outros discursos por um processo de seleção. A figura do autor é correspondente à função do discurso e que, portanto, faz triagem, dentre todos os traços de todos os fatos que podem constituir uma existência individual, daqueles que são considerados pertinentes a quem faz o enunciado, de modo variável segundo seu tempo e lugar. Em A Ordem do Discurso, Foucault descreve o autor como parte de um processo interno de controle e delimitação do discurso. A figura do autor não é vista como um indivíduo falante que pronunciou ou escreveu um texto, mas como princípio de agrupamento do discurso, como unidade e origem de suas significações, como foco de sua coerência (FOUCAULT, 1995 p. 25). Compreender a ordem do discurso, em que o autor está envolvido, pressupõe na capacidade de decifrar, com todo rigor, os fundamentos dos processos de produção, de comunicação e de recepção dos livros. 43 Na perspectiva foucaultiana, o autor não possui poder pleno sobre a produção do livro concebido como uma forma discursiva. O poder não é apenas centralizado e repressivo, mas disseminado, circulante e produtivo. Trata-se de uma visão não inocente do poder, mas que não é equivalente à desconfiança generalizada e ávida por localizar uma certa força malévola, dissimulada e enganadora que encobriria a “verdadeira realidade”, “boa” e “justa”. O sentido de não-inocência é o de reconhecer a existência de um jogo de correlação de forças que estabelece critérios de validade e legitimidade segundo os quais são produzidas representações, sentidos, e instituídas “realidades”. (COSTA, 1998 p. 41) Utilizarei a contribuição desses dois intelectuais para dissertar sobre a autoria partindo desses dois lados: do ponto de vista mais externo, em que me baseio nas contribuições de Foucault, abordando sobre a relação do sujeito com sua obra e seu lugar da enunciação que está relacionado a outros textos existentes; e do ponto de vista interno, com maior contribuição de Bakhtin para compreender o sujeito em si, em sua subjetividade. Aparentemente estes dois autores não dialogam entre si, mas foi possível perceber indícios da reflexão de Foucault sobre a constituição do sujeito-autor que será um ponto aprofundado por Bakhtin. Essas relações de exterioridade e interioridade do autor se revelam através da produção escrita, tornando esta uma importante fonte de investigação. Quando o autor escreve, ele revela-se tanto para o outro quanto para si quando busca criar sentidos. E é aí que é possível identificar esses elementos externos/internos. O processo de escrita não implica em um saber já pronto que simplesmente será transposto no papel. É somente quando o processo da escrita está em andamento que se configuram os significantes, as palavras e os sentidos oriundos daquele momento. Em um momento posterior, os sentidos atribuídos pelo autor podem mudar. (ABREU, 2013) Um texto criado é constituído de uma heterogeneidade e possui a interpretação de outros dizeres pelo autor. Na intertextualidade, ele se apropria dos bens culturais, inscritos na história, para posicionar-se perante e junto aos outros dizeres, projetando novos sentidos e se responsabilizando por eles. (idem p. 85) Mas esse processo criativo do texto não se estabelece de forma tranquila. Existem jogos de força que mantém confrontos pela regularização discursiva e se acentuam mais devido às mudanças nos modos de construção e circulação de bens culturais. As relações de mediação vão se modificando e diversificando, combatendo um modelo hegemônico da ordem discursiva devido às lacunas que vão surgindo. “Nem os sujeitos, nem os sentidos, logo, nem o discurso, já estão prontos e acabados. Eles estão sempre se fazendo, havendo um 44 trabalho contínuo, um movimento constante do simbólico e da história”. (ORLANDI, 2000 apud ABREU, 2013). É devido à existência da falha, da incompletude, que surgem novos discursos na busca de se alcançar a completude, trazendo novos sentidos, novas interpretações e novas apropriações. O autor jamais realiza um fechamento completo de seu texto. Dentro de sua individualidade, há a atuação do coletivo, e vice-versa, como veremos a seguir. 1.3.1 O sujeito entre a coletividade e a individualidade O que gostaria de destacar a partir deste momento é sobre a concepção do discurso proferido pelos autores de livros didáticos como uma ação coletiva construída pelo ato da individualidade. É neste ponto que busco aproximar algumas considerações de Foucault com as reflexões de Bakhtin. Bakhtin (1990) parte da concepção de que a linguagem é uma construção coletiva. Para ele, esta nunca é individual já que as escolhas do sujeito estão relacionadas à coletividade. O enunciado é determinado por múltiplos fatores, mas é o social que está em jogo, o diálogo entre o eu e o outro. O sujeito faz parte do processo do contexto que fala do objeto e, ao mesmo tempo, tenta olhar de fora sobre ele. Em Estética da Criação Verbal, Bakhtin compara o autor a um artista, uma relação em que é orientado pelo conteúdo ao qual ele dá forma e acabamento por meio de um material determinado que submete ao seu desígnio que consiste em dar acabamento à tensão éticocognitiva do herói. Mas essa relação de autoria é secundária, funcional e condicionada à língua. O sujeito a utiliza para trabalhar o mundo, superando-a de forma imanente, para tornar-se expressão do mundo dos outros e expressão da relação dele com esse mundo. O estilo artístico não trabalha com as palavras, mas com os componentes e os valores do mundo e da vida (BAKHTIN, 1997 pp. 206-209). O autor normalmente é desindividualizado porque herda formas de gêneros, convenções e tradições anteriores a ele. Sua própria linguagem tem um “pensamento de fora”, ou seja, um transbordamento, uma instabilidade, uma pluralidade de significação que é remetida direta, e exclusivamente, ao funcionamento automático e impessoal da linguagem na obra. Estamos constantemente, em nossas falas, internalizando discursos anteriores a nós, tomando a palavra do outro como palavra própria (GERALDI, 2003). O próprio Foucault (1995 p. 21) indica o comentário, um dos processos internos de delimitação e controle do discurso, como a retomada de algo que foi posto anteriormente. Ao redizer um texto criador, o 45 sujeito coloca-se na posição de autor-leitor. Porém há sempre um deslocamento, um desvio do sentido que se faz no momento. Retomar não é envelhecer, é renovar. E é neste ponto que se insere aquilo que chamo de ato individual: a combinação da língua, que é algo exterior e obedece às leis do contrato social reconhecido por todos os membros da comunidade, com a vontade e inteligência própria da fala do autor. Segundo Orlandi (1992) a produção de sentidos é marcada pelo sujeito e sua exterioridade. Os sentidos atribuídos como fixos estão inseridos em seu contexto e significados sob uma interpretação particular, ligados à ideologia do sujeito que a produz. Assim, há uma dimensão externa do trabalho coletivo, histórico e cultural que forma a língua, mas dele emergem conjuntos de recursos expressivos próprios. A língua pode sofrer mudanças quando incorporada pelo sujeito e interagida com os outros. Dessa forma, estou mais voltada, nos fins de minha pesquisa, para a concepção da linguagem como um sistema de prática comunicativa que permite compreender o caráter individual do discurso. Entendo a linguagem menos como código e mais como ação que leva em consideração o outro e seu contexto, uma prática social. Para enfrentar esta questão de análise, parto das considerações de Bakhtin em Marxismo e Filosofia da Linguagem sobre a definição de duas orientações metodológicas sobre a linguagem como objeto de estudo específico: subjetivismo idealista e objetivismo abstrato. Interessa-me, nesta ocasião, a primeira orientação que considera a historicidade na essência da língua22. Esta perspectiva que está mais voltada para o ato da fala, de criação individual, como fundamento da linguagem e menos para sua visão de forma sistematizada. Compreender o fenômeno linguístico significa reduzi-lo a um ato significativo (por vezes mesmo racional) de criação individual (BAKHTIN, 1990 p.71). Sob este ponto de vista, a linguagem é análoga às outras manifestações ideológicas, em particular às do domínio da arte e da estética. Esta posição metodológica compreende a língua como uma atividade, um processo criativo de construção, que se materializa sob a forma de atos individuais de fala de forma histórica e produtiva. O importante deste ato é a realização estilística e a modificação das formas abstratas da linguagem, de caráter individual e que dizem respeito apenas ao momento de sua enunciação (idem p. 75). 22 A orientação filosófica baseada no objetivismo abstrato, por outro lado, considera o ato individual enquanto submisso a um sistema linguístico fixo e imutável. De acordo com esta forma de pensamento, as leis do sistema interno da língua não dependem da consciência individual. A língua é estável e suas leis são específicas e objetivas. O ato individual não passa de uma simples variação, mas explica a mudança histórica do sistema linguístico. 46 Mesmo com a concepção da linguagem como algo construído pela coletividade, Bakhtin possui a visão do autor como portador da visão artística e do ato criador. Ele é o único suscetível de dar peso a uma criação séria, significativa e responsável. O autor ocupa uma posição responsável no acontecimento existencial; ele lida com componentes desse acontecimento, e por isso também sua obra é um componente do acontecimento. A posição do autor e sua obra devem ser avaliados em função de todos os valores do mundo (idem, 1997 p. 204). O ato criador que Bakhtin atribui ao autor é inseparável do contexto de sua criação e não se pode ultrapassar este âmbito que a configura. É aí que o autor nasce, encontra seu acabamento e morre. A inspiração deste indivíduo se insere dentro dos limites de um terreno que oferece material para isso, onde ele realiza novas combinações e formas, sem sair desses limites (BAKHTIN, 1997 pp. 209-210). O indivíduo é constituído pela coletividade, mas os fatores externos são mobilizados e configurados de forma própria que nenhum outro sujeito pode fazer de forma igual. É como uma impressão digital em que cada um possui a sua de forma única, mesmo para irmãos gêmeos univitelinos. Isso quer dizer que mesmo dois sujeitos que possuam a mesma trajetória, tenham passado pelas mesmas experiências, tenham tido os mesmos referenciais de formação, cada um se apropria desses fatores externos de forma própria, significando de forma diferente, mesmo que mínima. No campo do ensino, esse processo de autoria do conhecimento é descrito por Chevallard como “criatividade didática” (LEITE, 2007), sendo capaz de desenvolver produções próprias, que não se restringem a estratégias de ensino. Diante desse quadro, os sujeitos do sistema didático tenderiam a desenvolver o que chama de “fechamento da consciência didática”, supondo um isolamento, uma autonomia que o autor julga limitada. Chevallard questiona tal isolamento, ampliando a representação do sistema didático – também referido como “sistema de ensino stricto sensu” – para evidenciar sua inserção em um contexto social mais amplo. É dessa forma que compreendo o ato de criação dos autores de livros didáticos. Esses sujeitos estão inseridos em um contexto determinante na criação de suas obras. Dentro de um cenário constituído por diversas demandas políticas, regras avaliativas, configurações editoriais e anseios de seus leitores, os autores possuem o poder de criar baseados em sua formação e experiência que permite um olhar próprio sobre este cenário. 47 1.3.2 A subjetividade do autor Entender esse ato de individualidade que se manifesta dentro da coletividade, gerando criações autênticas pelo autor, é possível através da subjetividade do sujeito que é inseparável do seu ato criativo. Torna-se necessário, assim, compreender as representações mentais dos indivíduos que operam com diversos saberes para dar forma e representação aos conhecimentos. Eles fazem parte de processos de negociação de suas representações subjetivas com o contexto de ensino, com as interações com os alunos e também com outras dimensões simbólicas do ensino. Para essa discussão, remeto às contribuições de Maurice Tardif (2002) que defende a capacidade do sujeito de dar significados a partir de suas experiências. Desenvolvo essa discussão da subjetividade dos atores para compreender a natureza do ensino que por muitas vezes é desconsiderada ou esquecida nas pesquisas. Mais uma vez recorro às comparações considerando as semelhanças existentes entre as atividades dos professores com a dos autores de livros didáticos quanto ao processo de construção do conhecimento histórico escolar, uma vez que os referenciais teóricos que abordam sobre as relações de autoria se tornam insuficientes. Quando estamos lidando com sujeitos, não podemos considerá-los como incipientes vazios que são preenchidos pelas demandas externas e é uma simples marionete reprodutora de discursos anteriores. Devemos pensar nesses sujeitos como profissionais que possuem uma história de vida, se relacionam com a cultura escolar e social e que utilizam e produzem saberes específicos para dar um novo significado sobre o conteúdo a ser ensinado (TARDIF, 2002 p. 228). Interessar-se pelos saberes e subjetividade dos sujeitos é tentar compreender o processo concreto de escolarização, tal como ele se realiza a partir do trabalho cotidiano dos professores em interação com os alunos e com os outros atores educacionais. É certo que os autores não são professores, neste momento da produção (porque podem ser em seu cotidiano), mas se aproximam muito dessa realidade como mediadores da cultura e saberes escolares. Fazendo esse esforço de associação com as considerações de Tardif, destaco que “é um sujeito que assume sua prática a partir dos significados que ele mesmo lhe dá, um sujeito que possui conhecimentos e um saber-fazer provenientes de sua própria atividade e a partir dos quais ele a estrutura e a orienta” (TARDIF, 2012 p. 230). Adotar essa visão de que os autores são sujeitos do conhecimento permite superar as ideias que os classificam como sujeitos técnicos que simplesmente aplicam conhecimentos já 48 produzidos por sujeitos anteriores a ele e que sua atividade é socialmente determinada. Esse tipo de perspectiva “desempodera” esses atores sociais e desconsidera seus saberes. Contra essa visão “ventriloquista” do sujeito, considero os autores como sujeitos dotados de racionalidade sobre sua própria prática, possuindo a capacidade de produzir significados dentro de um ambiente de vida que lhes impõe contingências diversificadas. Dentro desse universo de procedimentos e regras ao qual estão submetidos, os atores sociais possuem uma “flexibilidade” de modificar e adaptar-se às numerosas circunstâncias concretas das situações sociais. Os discursos proferidos pelos autores não se explicam por eles mesmos, de forma transparente com a literalidade do significante. Cada palavra ou expressão são determinadas por posições ideológicas que estão em jogo no processo sócio-histórico em que elas são produzidas (ABREU, 2012). Neste capítulo foi comentado sobre a questão da ideologia que aparece como crítica aos livros didáticos. A ideologia é vista como um problema presente nas obras, mas será que a ideologia vem realmente a ser um problema? A ideologia, tomada como teoria, é definida por August Comte como um conjunto de ideias que servem para explicar os fenômenos naturais e humanos. Como então é possível explicar os acontecimentos históricos sem construir uma lógica explicativa? Marilena Chauí explica a ideologia como (CHAUÍ, 2001 apud CATELLI JR, 2008): (...) um conjunto lógico, sistemático e coerente de representações (ideias e valores) e de normas e regras (de conduta) que indicam e prescrevem aos membros da sociedade o que devem pensar e como devem pensar, o que devem valorizar, o que devem sentir e como devem sentir, o que devem fazer e como devem fazer. Ela é, portanto, um corpo explicativo (representações) e prático (normas, regras, preceitos) de caráter prescritivo, normativo, regulador, cuja função é dar aos membros de uma sociedade dividida em classes uma explicação racional para as diferenças sociais, políticas e culturais, sem jamais atribuir tais diferenças à divisão da sociedade em classes a partir das divisões na esfera da produção. Apesar da visão marxista da autora, suas palavras ajudam a compreender a necessidade de dar uma lógica, um significado aos acontecimentos para que gerem sentidos aos alunos. Dessa forma, os autores, quando buscam dar sentidos aos conhecimentos produzidos, não podem se isentar de uma visão de mundo que possuem. O cuidado que se deve ter é de não privilegiar determinada corrente de pensamento, diminuindo outra. O desafio do autor é proporcionar sempre que possível uma pluralidade de pensamentos e não configurar sua obra como uma propaganda política, partidária ou criar artifícios de induzir alguém a se filiar a determinada corrente de pensamento. (CATELLI JR, 2008). 49 1.4 Autores de livros didáticos: sujeitos do sistema de ensino Essa subjetividade dos autores que está presente na produção dos livros didáticos nos remete à discussão dos saberes que esses sujeitos possuem e mobilizam. Todo este trabalho está envolvido na valorização desses sujeitos na produção do conhecimento histórico escolar. Por isso, cabe entrar na discussão dos saberes docentes, objeto de pesquisa de Maurice Tardif e, mais especificamente no ensino de História, é um dos temas motivadores do trabalho de Ana Maria Monteiro, referenciais que utilizarei mais diretamente neste momento. Por que falar de saberes? Acreditamos que compreender a mobilização dos saberes em sua prática contribui para a qualificação do ensino, através da formação e fortalecimento da identidade profissional. Não é simples a tarefa de entender o que o professor faz e como ele faz em sua prática visto que o que ele constitui é de grande complexidade e especificidade. O investimento nos saberes nos faz avançar sobre isso, considerando que sua mobilização implica uma síntese criativa, na qual saberes da formação se mesclam com os saberes a ensinar, recontextualizados pela dimensão educativa, processo este que envolve o antes, o durante e o pós ação. (MONTEIRO, 2007a). Assim, autores de livros didáticos também se configuram como “sujeitos de saber”, ou seja, sujeitos que se posicionam e são posicionados frente aos saberes/enunciados produzidos nas diferentes formações discursivas (GABRIEL, 2009). E como tal, não são simples transmissores de saberes produzidos por outrem. Esse tipo de raciocínio nega a subjetividade do sujeito que foi discutida anteriormente e ignora o campo do currículo como um terreno de criação simbólica e cultural. Partimos do pressuposto que os autores dominam e produzem saberes dentro de um cenário da cultura escolar que limita sua ação, mas não a nega. Dentro desses limites, o profissional se apropria, interpreta, transforma e transmite os diferentes saberes com os quais mantém diferentes relações. Segundo Tardif (2002), são essas múltiplas articulações entre os saberes que os constitui e sua prática, que fazem dos professores, e neste caso estendo para a categoria dos autores de livros didáticos, um grupo social e profissional, cuja existência depende da capacidade de dominar, integrar e mobilizar tais saberes como condição para sua prática. Percebe-se que para o profissional executar bem a sua prática 23, não implica em uma acumulação de saberes no sentido de que quanto mais saberes o sujeito possuir, melhor será sua atuação. Esse tipo de visão leva a prática docente/autoral para um tecnicismo, 23 Não entro na questão aqui de julgar o que vem a ser uma prática boa ou ruim. Mas considero como boa prática aquela em que os resultados alcançados pelos alunos se aproximam dos objetivos do professor. 50 desvalorizando seus saberes e reduzindo os professores/autores a simples transmissores de conteúdos. Trata-se de mobilizar da melhor forma possível esses saberes para se construir o conhecimento. Os professores/autores produzem saberes e ocupam uma posição estratégica no interior dessas relações complexas do processo educativo. Seu papel é tão importante quanto a de um pesquisador do conhecimento de referência ou de formuladores de propostas curriculares oficiais como os PCN (Parâmetros Curriculares Nacionais) ou o currículo mínimo. Cabe então esclarecer o que está se entendendo como saberes docentes. Segundo Monteiro (2007a), baseada em Tardif, os saberes podem ser designados de diversas formas: - plurais e heterogêneos: os saberes provem de diversas fontes e não são oriundos de um mesmo repertório unificado e homogêneo. Tardif classifica esses saberes em quatro tipos, como será visto mais adiante; - estratégicos, porém, desvalorizados: os professores que mobilizam esses saberes possuem uma posição estratégica no sistema educacional em meio a diferentes grupos porque são responsáveis pela sua divulgação e publicização. Porém, sua posição social é desvalorizada, vista como de segunda mão; - temporais: os saberes são adquiridos através do tempo da prática na vida escolar. Eles podem mudar, mas principalmente ajudam a construir crenças e modelos de ação; - ecléticos e sincréticos: professores normalmente usam, para sua prática, diversas teorias, concepções e técnicas, de acordo com sua necessidade, mesmo que possam parecer contraditórias; - personalizados e situados: os saberes são apropriados, incorporados e subjetivados, tomando formas próximas às das pessoas que a mobiliza e sua situação de trabalho. Tardif (2002) classifica quatro diferentes tipos de saberes que aqui são importantes para compreender as relações de exterioridade e interioridade que já trabalhamos anteriormente. Os tipos de saberes são: disciplinar, curricular, pedagógico e experiencial. O saber disciplinar corresponde aos saberes sociais, de diversos campos de conhecimento. O saber curricular está ligado aos programas escolares (discurso, objetivo, método) que apresentam os saberes sociais. O saber pedagógico (ou profissional) corresponde aos saberes transmitidos pelas instituições de formação de professores. Por fim, o saber experiencial está relacionado ao saber específico baseado no cotidiano e trajetória do sujeito. Esses saberes estão reunidos, sendo mobilizados pelo agente que produz os conhecimentos, não só os professores, mas também compreendo que essa mobilização é feita pelos autores de livros didáticos. 51 Seguindo o raciocínio de Tardif e estabelecendo relações com o que já foi discutido, os saberes disciplinares e curriculares situam-se numa posição de exterioridade em relação à prática docente: eles aparecem como produtos que já se encontram consideravelmente determinados em sua forma e conteúdo, produtos oriundos da tradição cultural e dos grupos produtores de saberes sociais e incorporados à prática docente através das disciplinas, programas escolares, matérias e conteúdos a serem transmitidos. Os saberes pedagógicos também se manifestam como saberes de exterioridade: as universidades e os formadores universitários assumem as tarefas de produção e de legitimação dos saberes científicos e pedagógicos, ao passo que aos professores compete apropriar-se desses saberes, no decorrer de sua formação, como normas e elementos de sua competência profissional, competência essa sancionada pela universidade e pelo Estado. O que compete à posição de interioridade do sujeito no discurso pode ser relacionado ao saber experiencial. A experiência é concebida como núcleo vital do saber docente (MONTEIRO, 2007a, TARDIF, 2002). É o lugar onde os outros saberes são mobilizados e ressignificados que permite alcançar cada vez mais uma boa prática docente. Os professores transformam as relações de exterioridade com os saberes em relações de interioridade com sua própria prática. “os saberes da experiência não são como os demais, eles são, ao contrário, formados de todos os demais, porém retraduzidos, “polidos” e submetidos às certezas construídas na prática e no vivido” (MONTEIRO, 2007a). É na experiência que é possível que os professores interpretem, compreendam e orientem sua profissão e sua prática cotidiana em todas as dimensões através de seu próprio discurso. 1.4.1 Potencialidades da perspectiva teórica de Yves Chevallard: a transposição didática e a noosfera Ao mobilizar os saberes docentes para tornar os conteúdos ensináveis, os professores/autores realizam uma transposição didática. Este conceito, oriundo dos trabalhos de Yves Chevallard (1991), servirá de base para a análise realizada no desfecho deste capítulo sobre a atuação dos autores de livros didáticos no sistema de ensino. O uso da contribuição teórica de Chevallard sobre a didática nos faz pensar em uma “dimensão vinculada à preocupação do esvaziamento da sua carga explicativa como instrumento de inteligibilidade de práticas sociais específicas” (GABRIEL, 2001 s/n). Chevallard rompe com a naturalização do saber ensinado para torná-lo um objeto de uma ciência de investigação. O investimento neste campo permite tratar mais diretamente das 52 questões de currículo, o papel do professor no sistema didático e sobre os problemas de sua formação, do cotidiano escolar e de questões gerais da didática (LEITE, 2007). O que se entende por transposição didática? Chevallard (1991) descreve esse fenômeno como um movimento de mudança, uma reelaboração que leva do saber acadêmico (aquele que é produzido por especialistas) ao saber ensinado (aquele que é produzido na prática do ensino), elaborada em conjunto com situações de criações didáticas de objetos (de saber e de ensino) que se fazem necessários pelas exigências do funcionamento didático. Gabriel (2001) descreve esse movimento como uma mudança de tom, não desvinculando dessa forma o saber acadêmico do saber a ser ensinado. O conhecimento é mantido, mas recontextualizado por outra natureza com uma distância eventual que os separa. Apostando na importância deste conceito, Gabriel enumera cinco potencialidades teórico-metodológicas que a transposição didática implica. Primeiro, permite enxergar o saber acadêmico e o saber escolar como saberes não hierarquizados e de natureza distintas. Segundo, o saber escolar é historicamente construído, desnaturalizando assim esse tipo de saber. Terceiro, a transposição didática legitima o saber escolar. No confronto dos saberes, se pode aprender o tratamento didático do plano cognitivo. Quarto, este movimento identifica atores e mecanismos que participam desse processo de transposição, o que Chevallard vai chamar de noosfera. Quinto, reconhece o professor como sujeito que trabalha na transposição já iniciada. Entendo que os livros didáticos não são meros reflexos ou instrumentos de diretrizes curriculares de forma naturalizada. Eles fazem parte de um processo de recontextualização do conhecimento acadêmico junto a outras influências. Os saberes transmitidos pelos livros didáticos não são saberes acadêmicos, são conhecimentos reelaborados para torná-los possíveis de serem ensinados, ou seja, passaram pelo processo de transposição didática. E os autores de livros didáticos fazem parte desse processo, possuindo determinado grau de poder que quando apresentam uma proposta de obra, estão selecionando conteúdos, escolhendo formas de representação de saber que julgam ser mais apropriada para o ensino e recontextualizando as orientações oficiais e outros discursos advindos de esferas não oficiais, demonstrando a visão do que eles pensam sobre o que e como ensinar (MONTEIRO, 2009, 2013). Eles trabalham a partir de leituras, de interpretações, e de objetivos que geram um processo de recontextualização na qual a bricolagem de informações, saberes, valores, habilidades, acaba por criar textos com expressões próprias de conhecimento escolar que buscam ser objeto de compreensão por professores e por alunos. (MONTEIRO, 2013 p. 214) 53 O conceito da transposição didática também nos ajuda a compreender uma questão que foi levantada no início deste capítulo: a ausência do autor em suas obras. Chevallard considera o saber ensinado “como algo que não é de nenhum tempo, nem de nenhum lugar, e não legitimando-se mediante o recurso à autoridade de um autor, qualquer que seja” (CHEVALLARD, 1991 p. 18). Então, essa ausência do autor dos textos didáticos se justifica devido a essa característica do texto didático que parece algo naturalizado. Essa naturalização acontece porque o sistema didático é aberto, ou seja, está constantemente acontecendo e sempre se renovando, e é compatível com seu contexto. Assim, o texto didático passa por processos que permitem a naturalização do saber ensinado como: dessincretização (explicação por uma racionalidade diferente daquela que gerou os saberes, delimitando-os e aparecendo como um discurso autônomo); despersonalização (ausência de referências autorais, dissociando o pensamento das produções discursivas e distanciando o saber do seu criador, recebendo outra autoria que reproduz e desfigura); programabilidade (definição racional de sequências a aquisição progressiva do conhecimento), publicidade (definição explícita, em compreensão e extensão, do saber a transmitir, e que deixa implícitos os pré-requisitos); e o controle social das aprendizagens (controle regulado de acordo com procedimentos de verificação que autorizem a certificação de conhecimentos adquiridos) (CHEVALLARD, 1991 apud MONTEIRO, 2007a p. 86). Destaco para este trabalho o processo de despersonalização citado pelo autor. Embora seu objetivo não seja falar de autoria, Chevallard caracteriza como um dos processos da didatização a ausência de referenciais autorais do saber ensinado. Pode-se relacionar esta característica com o apagamento autoral citado anteriormente por teóricos do campo da linguagem. Mas o termo que Chevallard usa e que aposto em seu potencial para compreender o papel do autor no sistema didático é o conceito de noosfera. A noosfera é definida como lugar em que se viabiliza a manutenção da compatibilidade entre o sistema de ensino (núcleo formado pela interação entre professor, aluno e saber) e o entorno social (lugar de onde vem as demandas políticas e sociais). É nessa esfera de atuação que se pensa o funcionamento didático. Neste lugar de produção, realiza-se um trabalho estratégico que visa criar um texto do saber que tende a diminuir as dificuldades de aprendizagem e será aceito e ressignificado pelos ensinantes. Não é um lugar unidimensional nem hierarquizado e se configura em várias situações. Utilizo a justificativa que Leite sobre a importância da existência da noosfera: 54 Para discutir esse processo, Chevallard propõe o seguinte modelo de interpretação: tal compatibilidade dependeria da sustentação do saber ensinado em um ponto mais ou menos equidistante entre o saber sábio e o saber “banalizado”, acessível às famílias dos estudantes, sem a mediação escolar. Quando o saber ensinado se afasta demais do saber sábio, ocorre o que o autor chama de “envelhecimento biológico”, passando a ter e legitimidade questionada pelo entorno social devido à sua obsolescência. Paralelamente, ocorreria o “envelhecimento moral”, causado pela perigosa aproximação com o “saber banalizado”, que também se dá quando o saber ensinado se distancia em demasia do saber sábio: se o saber já é de amplo domínio público, o que justifica a escola? Nesse caso, a necessária compatibilidade entre o sistema didático e seu entorno social estaria rompida e a escola é denunciada pelas famílias, matemáticos, alunos e professores, como uma instituição arcaica. É o momento em que se imporiam as reformas de ensino, quando “um fluxo de saber, proveniente do saber sábio, torna-se indispensável” (CHEVALLARD, 1991 p. 27; nt 31). A noosfera atuaria, então, na seleção e no trabalho de transposição didática dos conteúdos de saber selecionados, restabelecendo a compatibilidade a que se refere o autor. (LEITE, 2007 p.57) Assim, a noosfera se estabelece como um lugar de controle do saber que geralmente está na política do governo. Entre o entorno social, que estariam incluídos os matemáticos, as famílias dos estudantes e as instâncias políticas de decisão e o sistema didático stricto sensu, onde atuam professores e alunos, a noosfera seria encarregada de realizar a interface entre a sociedade e as esferas de produção dos saberes, dela participando, em posições diferenciadas (LEITE, 2007). O que interessa para os fins deste trabalho é compreender quem faz parte dessa noosfera. Chevallard (1991) diz que são os indivíduos que possuem poder de fazer um trabalho de seleção e estruturação didática como técnicos, representantes de associações e professores militantes que se encontram, direta ou indiretamente, com os representantes da sociedade (pais de alunos, especialistas da disciplina, emissários do órgão público). Chevallard não cita os autores de livros didáticos, mas eles se encaixam nessa descrição, situados em uma posição muito próxima dos professores24 do que dos especialistas. Na noosfera encontram-se aqueles que ocupam postos principais do funcionamento didático, enfrentam os problemas das sociedades e suas exigências, desenrolando conflitos, estabelecendo negociações e propondo soluções. Ou seja, há uma complexidade de posições diferentes dos diversos agentes em sua intervenção, onde as competências estão delimitadas com precisão, os registros estão assinados, as responsabilidades distribuídas e os poderes circunscritos. (idem). Mas nesse local de atuação também estão presentes disputas por significações já que não é um movimento espontâneo e sim uma construção social. Por isso mesmo, o trabalho da noosfera nem sempre terá um sentido de “modernização”, posto que as mudanças que veiculará responderão às múltiplas e contraditórias demandas da sociedade (LEITE, 2007). 24 Às vezes, quando se está lendo um livro didático, tem-se a impressão de que se está no cenário de sala de aula e que aquele que fala – o autor – se confunde com o papel do professor, não havendo aparentemente a necessidade de uma mediação. 55 Tendo visto todas essas considerações sobre a noosfera, defendo que os autores de livros didáticos fazem parte dessa categoria, situada entre a Academia e a experiência escolar, lidando com as demandas sociais e as políticas públicas para a elaboração de uma obra que possa se adaptar ao mercado didático. Diante de todas essas influências, os autores conseguem formular soluções que articulem todos estes fatores através de sua obra. No próximo capítulo, proponho uma análise mais detalhada sobre essas influências. 56 2 Livro didático: contingências na produção do conhecimento histórico escolar O ensino se desenvolve num contexto de múltiplas interações em que estão envolvidos diversos condicionantes desde sua concepção à prática educativa. Essas condições estão relacionadas com situações concretas, mas que não possuem uma definição fixa uma vez que envolvem improvisação e habilidade pessoal, em situações transitórias e variáveis (TARDIF, 2002). Os livros didáticos, como elemento constituinte do saber escolar, também estão envolvidos com esses condicionantes desde o momento de sua produção ao seu uso pelo leitor final (seja aluno, professor, pais). Seu papel deve ser considerado em um contexto mais geral em que aspectos sociais, culturais, políticos e econômicos conferem uma dimensão própria, diferente daquela na qual o saber acadêmico é produzido e publicizado. A produção de livros didáticos está inserida nessas interações entre as demandas e contingências externas com os projetos de seus autores. São produtos de relações entre grupos de pessoas com poderes diferenciados, em uma dada conjuntura (MONTEIRO, 2013). Por isso o livro didático é um objeto tão complexo, desde sua produção, aos papéis que lhe são atribuídos na educação e as funções que podem adquirir. E é devido à essa complexidade que ele se torna um objeto de pesquisa de grande potencial para o entendimento de seu papel como um objeto cultural fundamental nas discussões que se situam no campo da cultura, pedagogia, produção editorial e sociedade (BITTENCOURT, 2008). Tudo isso demonstra a importância do livro didático como ferramenta de caráter pedagógico. Ele é “peça fundamental no lento e constante processo de construção curricular e formação de uma tradição escolar (...) para o conjunto de práticas e representações que marcam o processo de escolarização moderna” (GASPARELLO, 2009 p. 268). Devido a essa importância, ele é alvo de políticas que buscam acompanhar e controlar sua atuação. Alain Choppin (2004) descreve que o livro didático pode possuir múltiplas funções, classificando-as como referencial, instrumental, ideológica e cultural e documental. A função referencial demonstra bem o papel curricular do livro didático ao oferecer um “suporte privilegiado dos conteúdos educativos, o depositário dos conhecimentos, técnicas ou habilidades que um grupo social acredita que seja necessário transmitir às novas gerações” (Choppin, 2004 p. 553). A função instrumental se refere ao livro como um objeto que oferece práticas de aprendizagem, visando facilitar o processo de ensino. A função ideológica e cultural caracteriza o livro como um vetor da língua, cultura e valores das classes dominantes. 57 É um meio de construção de identidade, assumindo um papel político. E a função documental refere-se ao conteúdo de documentos, textos e imagens que o livro didático possui e podem levar ao desenvolvimento do espírito crítico do aluno. Um objeto de tão grande importância faz parte de um cenário de julgamentos quanto à sua forma, conteúdo, utilidade para o aluno e professor, interesses mercadológicos, ideologização, etc. Considerado por muito tempo como um “vilão da história”, o livro didático se tornou alvo de críticas da Academia, da área de ensino e da mídia. Esse olhar sobre o texto didático por ele mesmo não permite que se compreenda o contexto específico em que surgiu aquele objeto, como ele é usado, as ações governamentais ou a existência da influência de uma bibliografia nacional e internacional que consolidam o campo. Quando pensamos sobre um livro didático e olhamos para suas imagens, fotografias, informações e diagramações, normalmente não pensamos na série de negociações que foram estabelecidas para que aquelas palavras e imagens estivessem ali. Não pensamos no por quê daquelas opções. Ou julgamos o livro como errôneo ou atribuímos a culpa ao autor. O objetivo deste capítulo é investigar e aprofundar o conhecimento sobre as contingências que estão envolvidas no processo de elaboração dos livros didáticos a partir da articulação das considerações de diversas pesquisas que tratam sobre o assunto. Em um primeiro momento, apresento um breve relato sobre a trajetória da produção dos livros didáticos e configuro seu papel como instrumento curricular articulando com a questão da cultura e do conhecimento. Realizo uma maior discussão sobre este último aspecto de análise pela importância teórica da valorização do conhecimento como uma produção de seu tempo e espaço que deve ser compreendida e que é ressignificada por professores e alunos. Na segunda parte do capítulo, busco levantar e compreender os condicionantes que fazem parte da produção do livro didático através de pesquisas do campo do currículo, principalmente por especialistas no ensino de História (BITTENCOURT, 2005, 2008; CAIMI, 2013; CATELLI JR, 2008; FERREIRA, 2008; GABRIEL, 2001, 2003, 2007, 2009; GASPARELLO, 2009, 2012, 2013; GONÇALVES, 2009; KNAUSS, 2009, MATTOS, 2006; MONTEIRO, 2007, 2009, 2011, 2013; MUNAKATA, 2009, 2012; OLIVEIRA, 2013; ROCHA, 2008, 2009, 2012). Busquei dividir essa discussão em cinco momentos: políticas públicas (com maior ênfase no PNLD), mercado editorial, diálogo com a historiografia, influência dos movimentos sociais e impactos da atualidade. 58 2.1. Livro didático: objeto de conhecimento histórico escolar 2.1.1 Trajetórias O livro didático, como objeto de cultura histórica, possui uma trajetória ligada ao seu tempo e espaço. É cultural porque possui um valor histórico, como qualquer outra obra literária, imerso em um contexto de influências que se originam da política da sociedade (GASPARELLO, 2009). A cultura histórica é compreendida como uma cultura datada e relacionada por interesses e condições de cada tempo. Ainda deve-se destacar que o livro, como objeto cultural, faz parte de uma simbologia da civilização ocidental: Passando por etapas lentas, o livro foi o motor de uma verdadeira revolução que consagrou o divórcio entre o escrito e o falado pelas “maneiras de ler introduzidas no texto”. A escrita, e com ela a cultura livresca, passou a predominar como forma de comunicação, fazendo com que se renunciasse à transmissão oral, “à magia do verbo”. O livro foi se tornando um objeto sacralizado, acabando por se transformar em “modelo da cultura ocidental (BITTENCOURT, 2008 p. 94). Em seus primórdios, o livro didático era mais direcionado a atender às demandas do professor. Ele nasce como compêndio, livro caracterizado como uma compilação de textos de vários autores, devido à necessidade de preparação dos docentes das lições que seriam lecionadas. Mais tarde, editores buscam que a obra se torne mais acessível aos alunos, adquirindo características técnicas para maior facilidade de mobilidade e uso como a diminuição do número de volumes, documentos e citações, barateando seu custo e, consequentemente, aumentando seu público de leitores (MATTOS, 2009). A partir do século XIX, o livro didático passa a ser usado por crianças e adolescentes, caracterizando-se como objeto escolar, apesar de manter o caráter intrínseco em sua elaboração. Bittencourt (2008), em trabalho que se originou de sua tese de doutorado, realizou uma análise sobre a produção e o papel dos livros didáticos entre as décadas de 1810-1910, destacando a política do livro escolar feita por “grupos dominantes” que procuravam manter uma visão de sociedade hierarquizada e aristocrática de modo que a educação, através do livro didático (expressão de uma política curricular), não modificasse a ordem vigente. Porém adverte que a leitura do livro didático nunca é única, podendo gerar ideias diferentes do proposto que visavam “cimentar a uniformidade de pensamento, divulgar determinadas crenças, inculcar normas, regras de procedimentos e valores” (BITTENCOURT, 2008 p. 15). A constituição dos livros didáticos acompanhava as mudanças dos estudos de ensino de História. Gasparello (2009) delimita em seus estudos três fases que caracterizam uma política de ensino desta disciplina: a história patriótica (1831-1861) que caracterizava a disciplina 59 História como um meio de formação de cidadãos patriotas, exaltando-se, nos conteúdos desse material, a terra e o indígena e criticando-se a colonização. Os textos didáticos eram mais livres, sem uma padronização oficial. Uma das obras que se destacou nessa época é o Compêndio, de Abreu e Lima. A segunda fase é chamada de história imperial (1861-1900), quando a visão sobre o colonizador muda e ganha maior destaque o branco e a classe senhorial, passando a receber um papel de representante da “nacionalidade”. O terceiro momento estudado pela autora é chamado de história republicana (1900-1920) e consiste numa fase de renovação dos símbolos nacionais: o índio passa a ser o guerreiro do período colonial, a Coroa é a representação do Brasil imperial e as Forças Armadas são exaltadas como heróis da República. Sobre uma obra que expressa a simbologia republicana, Gaparello (idem) destaca o livro História do Brasil de João Ribeiro que possui um gênero crítico quanto aos aspectos coloniais e imperiais em favor da República como forma de governo mais evoluída e democrática que o Brasil viveu até o momento. Este é um momento em que o governo busca se consolidar como uma república e, estrategicamente, precisa difamar as formas de governo anteriores. As políticas de controle, de forma direta ou indireta, continuaram ao longo dos tempos. Na ditadura militar houve maior controle e censura, em detrimento das liberdades democráticas. Em compensação, devido ao aumento da demanda escolar, houve uma massificação do consumo dos livros didáticos (MONTEIRO, 2009). Os conteúdos dos livros apresentavam uma perspectiva de civismo e estímulo de uma determinada forma de conduta do indivíduo na esfera coletiva. Já no processo de redemocratização, surgem movimentos que vão problematizar o livro didático como reação à política oficial. Devido a esse caráter “manipulador”, os livros didáticos passam a ser vistos como “inimigos” de uma educação democrática, uma vez que eram instrumentos da reprodução das desigualdades e hierarquias sociais, além de apresentarem resultados de pesquisas ultrapassadas. Em lugar disso, foi defendido o uso de textos recentes ligados às pesquisas mais atualizadas. Nesse novo momento em que se prezavam as liberdades, o uso de livros didáticos foi condenado, dando lugar às apostilas e textos produzidos às vezes pelos próprios professores das instituições. Isso provocou uma maior aproximação com as produções científicas, estimulando uma aproximação com o conhecimento acadêmico, mas, em contrapartida, o estilo de linguagem se afastava cada vez mais do que se adequava ao público alvo. 60 2.1.2 Cultura e Conhecimento escolar O livro didático pode ser concebido de diversas formas: objeto ideológico, instrumento iniciático na leitura, vetor linguístico, suporte do conteúdo educativo e instrumento de ensinoaprendizagem comum à maioria das disciplinas (BITTENCOURT, 2008). Quando levantamos a questão sobre cultura dos livros didáticos, essa discussão remete às disputas de significação deste instrumento na cultura escolar. Baseada pelas considerações teóricas de Stephen Ball (1997), compreendo as diferenças existentes e em disputa na produção curricular, mas problematizo como, apesar dessas diferenças, os textos didáticos buscam homogeneizar os diversos discursos culturais para apresentar um conhecimento fixo, definido e mais distante de questionamentos de seus conteúdos. Parto da hipótese de que o livro didático, objeto que representa normas e práticas do que deveria ser ensinado, tende a produzir uma homogeneização do conhecimento seguindo uma tendência “universalizante”, não apresentando uma problematização da diversidade cultural e sim uma preocupação com a construção de um conhecimento para todos. O que é ensinado para um, passa a ser ensinado para todos sem considerar suas diferenças regionais e identitárias. Sabemos que esse efeito unificador não se realiza de forma simples e fácil. A busca dessa universalização revela as ações de força que, na luta política pelo seu reconhecimento, se sobrepõem a outras expressões culturais que ficam, por sua vez, marginalizadas. E isso acaba gerando uma reação de tendências opostas que procuram impedir essa aparente homogeneização, lutando pelo reconhecimento da diferença. O que podemos reconhecer é que não existe uma “verdade única” transmitida pelos livros didáticos, mas que os conhecimentos que estão presentes neles constituem diálogos e definições de discursos que desejam ser empregados como representações de cultura e de formação de identidades pessoais e sociais. Esses discursos, cheios de subjetividades, fazem parte de uma política de regulação da esfera cultural. Diversos fatores são determinantes no controle cultural: a política, a economia, o Estado, o mercado e outras e novas formas de regulação que vem surgindo ao longo dos tempos (regulações privadas e sociais), coexistem e são determinantes para a definição do que vai ser ensinado. Mesmo de forma não consciente ou explícita, todos esses fatores estão presentes, de diferentes formas, em diálogos ou disputas, no momento de escolhas e opções que o autor de livro didático precisa tomar para elaborar sua obra. 61 (...) não há liberdade total ou “pura”, portanto não é de surpreender que a regulação tenha diferentes modos de aplicação, em diferentes esferas da vida, ou que as conseqüências do modo de regulação em uma esfera possam ser retomadas, atualizadas, “corrigidas” em outra esfera. Se aceitássemos isso, entretanto, tal explicação nos afastaria de uma concepção simplista, unitária de regulação, ideologicamente unificada em torno de um conjunto de discursos, práticas, significados e valores, ou de uma “visão de mundo”, na direção de uma perspectiva mais complexa, diferenciada e articulada de regulação, que consiste em um sistema moral, numa estrutura ou conjunto de práticas internamente diferenciados. (HALL, 1997 s/n) Então, os discursos presentes nos livros didáticos são constituídos pelas diferentes práticas configuradas pelo seu cenário externo, estando assim, passíveis de mudanças através de relações de poder e pelo seu momento histórico em que o discurso é proferido. Sírio Possenti (1988) preocupado com as análises críticas que observavam as obras literárias apenas como textos (excluindo qualquer dado sócio-histórico, inclusive o de autoria) ou como conjuntos estruturados de oposições, ressalta esta importância de se trazer o exterior para a ordem de significação. Sobre a modificação da linguística por solicitação exterior, o autor diz que: A linguística, não sendo suficiente para os cientistas de outros campos, teve que procurar alterações em seu objeto, para poder incorporar elementos que outros campos de conhecimento consideram, por seus critérios, merecedores de um enfoque científico do ponto de vista da linguística. Por isso, deveu incorporar, pelo menos, noções como o lugar do falante e do ouvinte como pertinentes para a significação de determinados elementos (...) Sem a consideração desses e de outros elementos das condições de produção não se poderia explicar por que determinados elementos são equivalentes. (POSSENTI, 1988 p. 18). Ao afirmar que os autores são produtores de conhecimento, isso nos leva a discutir a natureza do próprio conhecimento. A relação entre poder e conhecimento produzido como texto didático se manifesta em diferentes níveis (desde o micro ao macro, ou seja, do nível local, familiar ao alcance do Estado) e em vários espaços, ou “lugares” do conhecimento. Isso quer dizer que a produção do conhecimento escolar não se realiza somente através do texto didático. É importante deixar claro que a elaboração desse conhecimento se manifesta também em diversos níveis, desde as políticas estatais ao conhecimento produzido pelo professor em sua prática na sala de aula. Mas o que é o conhecimento? Certamente não é algo fácil de ser definido. Guio-me pelas contribuições de Peter Burke nessa discussão. O primeiro ponto que destaco é que conhecimento é diferente de informação. Informação é algo específico e prático enquanto o conhecimento seria algo processado e sistematizado. O autor distingue como o que é “cru” e “cozido” (BURKE, 2003, p. 19). O conhecimento é uma construção social que possui uma intencionalidade. Não é uma ciência que busca uma verdade, mas se relaciona com a ciência na luta por uma hegemonia. 62 O conhecimento também é algo limitado e incompleto, em constante renovação por processos de acumulação e reflexão, situados em seu tempo cronológico, espaço geográfico e social. Exemplo disso são as novas edições que os livros didáticos possuem ao longo dos tempos. O autor sente a necessidade de modificar conceitos e acrescentar novas informações, atualizar dados, cumprir regras, etc. Os livros didáticos sofrem esse processo de reelaboração do conhecimento. Periodicamente o autor modifica uma forma de explicação, compreendendo que algo pode ser melhorado, revendo resultados e posicionamentos, incluindo novas informações que surjam no campo historiográfico, mudando ou retirando imagens, e outras possíveis mudanças que tenha percebido em tempo posterior à elaboração da obra ou que tenham sido apontados pela sociedade. Atento para essa última característica: a participação da sociedade que pode trazer mudanças em edições posteriores na obra. Chartier (2002) aponta essa característica da recepção do texto como algo importante no processo de elaboração da escrita. Usando como exemplo as modificações que a obra Dom Quixote de Cervantes sofreu em edições posteriores, o autor demonstra a existência de intermediários entre o autor e o leitor como tipógrafos, editores e revisores. A produção do texto possui diferentes etapas, técnicas e operações humanas. Essas interferências indicam que há instabilidades nos textos. Suas variantes, estranhezas ou extravagâncias resultam da pluralidade das decisões ou dos erros crassos espalhados pelos diferentes estágios de suas publicações. Os descuidos do autor, os erros dos tipógrafos, as inadvertências dos revisores, tudo contribuiu para a construção dos sucessivos textos do “mesmo” trabalho. (CHARTIER, 2002 p. 40) Outra questão que abordo, seguindo o pensamento foucaultiano, é a relação do conhecimento com a verdade. Seguindo esse tipo de pensamento, Veiga-Netto (2012) faz uma metáfora que ajuda a compreender o conhecimento não como algo naturalizado, mas como construções ou invenções históricas, tanto na educação escolar como no espaço social mais amplo. É preciso problematizar, ir aos porões de uma casa que representa o conhecimento propriamente dito para que não vivamos alienados do mundo. Sobre isso, o autor explica que: Isso será assim se não soubermos ocupar toda a casa, se nos mantivermos confinados apenas no espaço intermediário, nesse espaço das experiências imediatas em que se desenrola o que chamamos de vida concreta e de realidade. Se nos deixarmos prender nos andares intermediários, sem habitar o sótão e o porão, perderemos boa parte de nossa própria condição humana, pois, enquanto lá no sótão se dão as experiências da imaginação e da sublimação, é lá no porão que estão as raízes e a sustentação racional da própria casa. (VEIGA-NETO, 2012 p. 269). Ir aos porões é o caminho para que possamos compreender as origens, desdobramentos e consequências daquilo que consideramos como um conhecimento social e educacional. É preciso conhecer as raízes, a sustentação racional para entender com que 63 discursos e opções se está trabalhando. Observe o uso do plural para demonstrar que não há a construção de um único conhecimento que provém de uma única fonte. As idas aos porões nos mostram que o mundo social tem história e é bem mais complexo do que nos fizeram supor as metanarrativas iluministas da totalidade, da continuidade e do progresso meliorista, bem como da onipresença da dialética e da sua onipotência para tudo explicar e resolver. (idem, p.274). O porão, que é considerado a parte escura da casa, precisa ser explorado para que possamos reconhecer arquétipos, preconceitos e estereótipos que possuímos e projetamos em nossas visões de mundo. Porém, nem sempre a percepção do conhecimento ocorre dessa forma. Ainda se toma como verdadeiro certas afirmações sem criticá-las ou desconstruí-las. Poucos descem às raízes de suas opções epistemológicas e conhecem daquilo que alimenta suas convicções. Se isso não acontece, o conhecimento torna-se uma verdade natural e não problematizável. Não é necessário se especializar naquilo que existe nesses porões, mas é importante saber que ele existe e compreender que as atitudes tomadas são resultados de opções em que se acredita e não uma verdade inquestionável. Não há um pensamento único e hegemônico, mas discursos que estão constantemente em negociação e modificação em decorrência de seus tempos e das relações de poder envolvidas. Os conhecimentos representados nos textos didáticos dão a impressão de que transmitem o valor de “verdades únicas”, já que o próprio autor de livro didático não os problematiza e aparenta estar ausente do discurso. À primeira vista, parece que o autor desenvolve seus próprios argumentos e chega sozinho à conclusão que achar mais correta. Mas será que não é possível constatar marcas do processo de construção e negociação que o texto estava envolvido? Será que a produção do livro didático não deixa transparecer as relações de poder a que está submetida nesse processo? Enquanto certos conhecimentos são legitimados, outros são marginalizados. Os autores de livros didáticos fazem constantemente escolhas sobre qual conhecimento deve estar presente em suas obras, selecionando uns enquanto descartam outros tipos de conhecimento. O currículo é constituído de seleções, resultado de um processo que reflete os interesses particulares de classes e grupos em disputa. (SILVA, 2011). 2.1.3 Livro didático: a produção de um conhecimento O livro didático é constituído de forma a instaurar uma ordem, seja a ordem de sua decifração, a ordem no interior da qual ele deve ser compreendido, ou, ainda, a ordem desejada pela autoridade que encomendou ou permitiu sua publicação. Os livros impõem um 64 sentido ao texto que carregam e buscam comandar os usos que podem ser investidos e as apropriações aos quais estão suscetíveis. Essas ordens só se tornam realidades quando tomam a forma física em seus textos, transmitidas por uma voz (CHARTIER, 1994). Como currículo, o livro didático constitui uma representação política como forma de conhecimento dependente das identidades sociais dos grupos que a produzem. Essa “representação” não equivale somente a uma concepção da linguagem que se manifesta no campo expressivo e reflexivo, como Silva (2011) afirma, mas passa a constituir o “real” no sentido de que é um sistema discursivo constituído por relações de poder que dão seu caráter de verdade ao que está sendo transmitido. A representação que o livro didático manifesta é um processo de produção de significados pelos discursos aos conteúdos que constroem uma realidade de acordo com critérios de validade e legitimidade estabelecidos segundo relações de poder (SILVA, 2011; COSTA, 1998; GEERTZ, 1989). O livro didático produz significados através de um jogo de correlação de forças nos quais grupos “mais poderosos” atribuem e buscam impor significados aos seus leitores. Essas narrativas “vencedoras” acabam tornando o conhecimento imposto como normal, o verdadeiro, “científico”, “universal”, enquanto o outro se torna o diferente, o exótico. Também que não podemos ir para o lado totalmente oposto que privilegia o “outro”, negando, desta vez, as concepções dominantes. Esse tipo de postura não será a solução para a definição do que deve ser ensinado. Não existe um verdadeiro ou falso, mas uma luta diária de cada um de todos nós para que nos aproximemos cada vez mais daquilo que seria um ideal (COSTA, 1998). Monteiro (2009) não considera o livro didático somente como um produto de uma relação dicotômica entre “dominados” e “dominantes”. Para a autora, este instrumento incorpora sentidos e significados de diferentes contextos: das práticas docentes, dos textos oficiais e de uma influência internacional. Essas diferentes visões, valores e significados são partilhados por grupos sociais que estabelecem relações de negociação de modo a incorporar diferentes sentidos e significados. Assim, não existe um conhecimento que seja “verdadeiro” ou que possua uma essência dessa verdade. Tudo faz parte de uma mediação e negociação de sentidos estabelecidos pelo discurso e linguagem. O que se torna mais desafiador nas pesquisas é tentar compreender a subjetividade de uma obra para que se tenha uma visibilidade dos direitos dos grupos que são constantemente reivindicados para contarem sua versão da história e o lugar que ocupam expressos nessas obras (COSTA, 1998 p. 50). 65 Nas políticas de representação de sentidos de conhecimento nas condições de elaboração, usos e finalidades do livro didático há a participação de diversos sujeitos que atuam com uma mesma meta – publicar um livro – mas que possuem objetivos imediatos distintos. Perceber o papel desses sujeitos que participam da elaboração e consumo do livro didático tornou-se fundamental para compreender as formas de constituição dos saberes e das práticas escolares, dos diversos modos de escrita, leitura, organização do texto, edição e impressão. Assim, a produção do conhecimento passa muito além da relação direta do autor com sua obra. A significação sobre o conhecimento depende de uma série de outros fatores: como o professor vai se apropriar dos livros, como ele vai utilizar esse instrumento com os alunos, as atividades selecionadas apresentadas a eles, a ordenação do texto de forma coerente e como os alunos, por sua vez, vão apreender os conteúdos transmitidos. (BITTENCOURT, 2005). Apesar do jogo de interesses em disputa por diferentes atores na busca por significação do conhecimento, tem que se levar em conta que este conhecimento receberá diferentes apropriações pelo público alvo dos livros didáticos, sendo recebidos e ressignificados, como defende Certeau, produzindo, afirmando e negando identidades: “A presença e a circulação de uma representação (...) não indicam de modo algum o que ela é para seus usuários” (CERTEAU, 2009 p. 39). É preciso compreender como o livro didático chega nas mãos de professores e alunos e por eles é ressignificado. De nada vale todo o processo de negociação e disputas que ocorre na esfera da produção do livro didático se ele não for apropriado pelos alunos. Chartier (1990 apud MUNAKATA, 2012b), diz que uma coisa é a ortodoxia que o autor e o editor pretendem impor à leitura da obra, outra coisa é a liberdade que o leitor possui para se apropriar do texto. A relação entre o professor e o livro didático se estabelece por motivos dos mais diversos. O livro didático pode servir como referência, fonte e inspiração para o professor desenvolver suas aulas uma vez que é fonte com textos e atividades já didatizados, e que passarão por modificações e adaptações no contexto da prática. Um livro didático bem utilizado pode ajudar o professor a evitar erros, induzir metodologias inovadoras, processos de ensino-aprendizagem, atualização de conteúdos, sistematizar os conteúdos escolares, ou seja, seu uso não se restringe somente na sala de aula. Muitas vezes é atribuído ao livro didático o papel de “inimigo” do professor, chegando a momentos em que o docente não faz uso desse instrumento em sala de aula, demonstrando uma disputa existente entre os dois. Essa negação se deve pelo caráter “completo” do livro 66 que transmite a sensação de que ele pode vir a substituir o professor, dispensando mediadores para seu uso. O livro sozinho oferece explicações de conceitos, problematizações, exercícios, sugere filmes, prepara para o vestibular, etc. Além disso, em muitos casos, os professores não participam do processo de escolha do livro, sendo obrigados a trabalharem com obras de baixa qualidade ou mesmo que não seguem o perfil desejado pelo professor. Medidas foram e estão sendo tomadas que tendem a favorecer uma maior liberdade do professor na realização de suas tarefas, na escolha dos textos e documentos que serão utilizados e na reconstrução dos conteúdos apresentados. As políticas avaliativas, por exemplo, surgem buscando adequar os livros às necessidades da realidade escolar. Além disso, escolas e professores tem conquistado o direito de participar do processo seletivo da obra em nosso país, como veremos mais adiante. No caso do modelo francês de materiais didáticos, houve uma restrição dos conteúdos específicos, reservando ao livro o papel de um instrumento para uso pedagógico, apresentando ilustrações, esquemas, gráficos explicativos, documentos e exercícios. Tudo para que o professor tivesse uma maior atuação como intermediário entre o livro e o aluno e para que o aluno tivesse uma maior autonomia intelectual. Neste caso, o livro não substitui o professor em sala de aula (KNAUSS, 2009). Quanto à relação que se pretende estabelecer entre livros didáticos e alunos, pode-se perceber que os livros adotam cada vez mais características que buscam se aproximar do corpo discente através de uma linguagem mais simples, estabelecendo relações com o tempo presente, usando charges, letras de música, noticiários de jornais, tudo que estimule um exercício de aproximação do aluno com o conhecimento de maneira crítica. Levar em consideração a opinião, o uso, a apropriação e a ressignificação do leitor sobre a obra fez com que os textos didáticos se modificassem ao longo das gerações diante da inquietação de seu público alvo. A posição do aluno diante da leitura, seus desejos e anseios, além das novas leituras, encontros, experiências e conversas que o próprio autor vai fazendo, ao longo dos tempos, com que a escrita se renove. “Além disso, a composição da narrativa que multiplica digressões, observações entre parênteses, frouxas associações de palavras, idéias ou temas, é moldada não por coações retóricas eruditas, mas pela liberdade de trocas orais e de conversação” (CHARTIER, 2002 p. 43). O crescente interesse do público alvo e das demandas sociais por uma escola democrática e de inclusão social, fez com que não só os professores, mas também os autores trabalhassem de forma a atender uma expectativa de vencer o crescente desinteresse dos alunos para que eles possam aprender e atingir seus objetivos. Os livros didáticos vêm adotando diferentes recursos e estratégias para promover uma aprendizagem histórica 67 contextualizada e significativa, relacionados às experiências sociais e aos conhecimentos escolares dos alunos. Inaugura-se assim, novas funções que os livros didáticos passam a desempenhar, acompanhando os variados meios de ensino e utilizando novas narrativas e discursos, com outras abordagens que buscam trabalhar questões atuais de forma crítica e utilizando-se de uma linguagem mais atual e conforme a realidade em que os alunos vivem, sem assumir uma concepção ingênua a respeito do caráter ideológico do livro didático (SILVA; CARVALHO, 2004). 2.2 Contingências da produção do livro didático No quadro teórico da concepção curricular com a qual estou trabalhando, busco analisar o cenário de contingências que se formam no contexto de produção dos livros didáticos e que nos auxiliarão a compreender no próximo capítulo como estão sendo negociados seus sentidos pelo autor de livro didático através de sua obra. A caracterização desse cenário de influências foi feita a partir dos principais temas que as pesquisas sobre a produção dos livros didáticos apontam. Tratarei do cenário das políticas públicas dando maior destaque para o PNLD, considerando sua importância na modificação das obras didáticas nos últimos vinte anos. Em seguida abordo a intervenção do mercado editorial cada vez mais crescente. Considero também necessário entender como as demandas do campo da historiografia estão envolvidas nesse processo. Com um olhar sobre questões mais atuais, discuto ao final sobre a influência dos movimentos sociais e os impactos da tecnologia no ensino 25. 2.2.1 Políticas públicas Um dos fatores que estão envolvidos nesse processo de elaboração do livro didático são as políticas públicas e avaliativas. Devido à sua grande importância de induzir valores e modelar condutas, o livro didático passa a receber atenção sobre seu papel no ensino, atenção essa que recai sobre as políticas de regulação e controle das práticas escolares. O manual didático é um dos meios que pode mudar a política educacional mais efetivamente que as propostas curriculares, já que os professores se baseiam normalmente nesse instrumento como uma de suas principais referências para planejar sua prática de ensino (MONTEIRO, 2009). 25 A delimitação desse número de temas não quer dizer que o processo de produção dos livros didáticos envolvam somente essas contingências. Considero haver um universo de demandas muito maior, mas não foi possível destacar neste trabalho. 68 No Brasil, desde a década de 1930, o Estado vem desenvolvendo políticas intervencionistas que visam a regulação do meio de ensino, o que atinge também a produção e circulação de livros didáticos. Veremos detalhes dessas ações mais adiante. Mas cabe dizer que ainda existem muitas dificuldades dessas políticas de alcançarem sucesso de implementação na ordem prática e de acordo com Monteiro (2013), os resultados tem se mostrado pouco alentadores para a educação. Os motivos dessa falta de sucesso podem estar ligados a entendimentos equivocados que consideram as políticas como correias transmissoras de propostas e de práticas que se implementam de imediato entre professores nas escolas. Os processos de apropriação dessas políticas são complexos e implicam leituras e atribuições de sentidos por aqueles responsáveis por sua prática. Como parte dessas políticas públicas de influência na produção dos livros didáticos, destaco o papel do Estado, das políticas curriculares oficiais e, por fim, da ação do PNLD. 2.2.1.1 Estado O sistema literário pode ser compreendido por uma tríade formada pelo autor, livro e público. A historicidade desse triângulo não possui atributos fixos, e seus sujeitos não atuam e interagem da mesma forma. Assim, a produção de um livro se estabelece em diferentes configurações e situações sociais específicas, dependendo da condição do seu escritor, da função do livro e da apropriação de seu leitor. Mas Luca (2009) configura o sistema literário superando essa tríade. No contexto específico no qual se constituiu o livro didático, há a atuação do Estado com a competência de definir contornos do aparato escolar, formular propostas pedagógicas, impor conteúdos, programas escolares e normas para profissionais do sistema educativo. Segundo a autora, o triângulo vira um quadrilátero, mas, em minha concepção, ainda há muitos vértices envolvidos nesse sistema literário educacional como veremos mais adiante, formando uma figura poligonal. Então é importante sinalizar a participação do poder público como mediador do ensino. Para que uma obra entre em circulação nas escolas públicas, é preciso a aprovação do Estado. Muitos estudos sobre os livros didáticos procuram analisar a subordinação dos manuais escolares às normas do Estado. Bittencourt (2008) vai além, dizendo que os livros didáticos foram concebidos para que o Estado pudesse controlar o saber a ser divulgado pela escola. O livro didático vem sendo regulado em diversas etapas, desde sua elaboração até sua utilização. Destaco como exemplo da ação do Estado as transformações que o aparelho institucional educacional sofreu durante o período do Estado Novo no governo de Getúlio 69 Vargas, que inaugurou um patamar de intervenção de livros didáticos, incentivando a produção, organização e controle, além de se tornar um importante comprador, reforçando a forte dependência do setor editorial-didático (idem). Em 1938 foi criada a Comissão Nacional do Livro Didático (CNLD) que passou a analisar e autorizar a publicação de manuais escolares velando o cumprimento dos programas oficiais. Com a Reforma Capanema em 1942, os manuais didáticos passaram a obedecer determinações curriculares oficiais (GONÇALVES, 2009). Atualmente a intervenção forte do Estado foi dando lugar às leis que regem o mercado editorial. O Estado se relaciona com o mercado do livro didático de forma variável e complexa. Entre o controle total do Estado sobre os livros didáticos e o mercado inteiramente livre, há diferentes graus de intervenção. As editoras produzem livros atendendo aos critérios de aprovação governamental e acabam por abastecer o mercado nacional com esses produtos, mesmo em lugares em que prevalecem outros padrões ideológicos (MUNAKATA, 2012b). 2.2.1.2 Diretrizes curriculares nacionais As diretrizes curriculares, como parâmetros gerais sobre o que, como e quando ensinar e avaliar na educação básica tiveram grande impacto na produção dos livros didáticos. Editoras passavam a informar nas capas das obras a informação que o livro seguia os PCNs que foram publicados pelo Ministério da Educação e Cultura (MEC) entre os anos de 1997 e 1999, apesar de não ser uma obrigação ou imposição como documento normativo. Durante mais de uma década, os PCNs representaram o principal documento oficial no qual era possível encontrar os fundamentos para as decisões curriculares da escola pública (e também particular) e, inclusive, para as decisões de conteúdo dos livros didáticos feitas por autores e editoras. (SAMPAIO; CARVALHO, 2010). Na década de 1990, foram produzidas e divulgadas pelo governo brasileiro, sob a forma de diretrizes e parâmetros curriculares, orientações que veiculavam saberes e valores sobre o que deveria ser ensinado e aprendido nas escolas de educação básica através de determinação da LDB. Essas políticas expressavam uma centralidade do currículo como base para o sistema educacional. Entendia-se que para mudar as práticas educacionais era necessário começar pela mudança do currículo, solucionando-se, desse modo, os problemas relacionados à qualidade do ensino desenvolvido nas escolas brasileiras (MONTEIRO, 2013). Atualmente tem ganhado destaque as políticas definidas como “Currículo Mínimo” prevista pela LDB. Podemos destacar como exemplo o trabalho publicado pela Secretaria de Estado de Educação do Rio de Janeiro nos anos de 2011 e 2012. Este documento tem por 70 finalidade apresentar as competências e habilidades que devem estar nos planos de curso e nas aulas, orientando os itens que não podem faltar no processo de ensino-aprendizagem, garantindo uma essência básica comum a todos e alinhada com as necessidades básicas do ensino (RIO DE JANEIRO, 2012). Problematizo aqui o termo “essência” utilizado no documento e que nos remete a algo natural, que não muda. Ora, até o presente momento, a discussão deste trabalho buscou demonstrar uma concepção curricular não naturalizada, em que o currículo representa o resultado de uma construção estabelecida através de relações de poder de diferentes instâncias em que cada um luta por legitimar por aquilo que considera verdadeiro. Quem estabelece o que deve e o que não deve ser ensinado? Neste caso, os agentes do Estado elaboraram e apresentaram suas opções sobre o que seve ser ensinado. 26. O “Currículo Mínimo” não está relacionado diretamente à produção dos livros didáticos, mas nos leva à questão sobre quem decide os conteúdos do ensino. Assim, autores procuram atender a diversas expectativas que estabelecem concepções sobre o ensino: os PCNs, o PNLD, o MEC, a Secretaria de Educação Básica (SEB), o Plano Decenal, a LDB, a Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO), o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), o Banco Mundial e as universidades responsáveis pelas avaliações dos livros (SAMPAIO; CARVALHO, 2010). 2.2.1.3 Programa Nacional do Livro Didático Os programas de controle sobre a produção e usos de textos didáticos impressos tiveram início na década de 1930, implementados pelo Governo Federal durante o Estado Novo, conferindo maior ou menor liberdade de definição dos conteúdos e propostas de ensino. Após os anos da ditadura, ressurgiram os valores de um Estado democrático, representando avanços na educação, incluindo o livro didático como meio pelo o qual os alunos podem desenvolver suas capacidades que permitam produzir e usufruir dos bens culturais, sociais e econômicos (MEC, 1997 apud SAMPAIO; CARVALHO, 2010). O PNLD é uma política do Governo Federal que apresenta o resultado avaliativo das obras aprovadas habilitadas a serem distribuídas nas escolas públicas do país. Os professores das escolas possuem acesso a esse guia que apresenta uma resenha dos livros, apontando suas 26 Levanto esse questionamento que aqui não desenvolvo baseada na mesa redonda “Currículo de História em Pauta - Currículo de História: quem decide o mínimo”, evento promovido e organizado pelo Núcleo de Estudos de Currículo – UFRJ, Laboratório de Pesquisa em Ensino de História – UFRJ e CEFET no dia 28 de junho de 2011 com a participação de Carmen Teresa Gabriel, Érika Frazão e Gracilda Alves. 71 características e seus aspectos positivos e limitações. A partir desses dados, os professores e as instituições escolares fazem a escolha de qual obra “gostariam” de trabalhar durante os próximos três anos letivos (BRASIL, 2011). O atual modelo dessa política avaliativa foi consolidado pelo Decreto nº 7.084/2010, mas começou a ser implementado em 1996 durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, e seu primeiro edital (PNLD 1997) determinava (SAMPAIO; CARVALHO, 2010): a universalização do acesso ao livro didático no Brasil, com a distribuição para todos os alunos das séries iniciais do Ensino Fundamental; implantação de uma avaliação pedagógica que passou a excluir do Guia de Livros Didáticos aqueles livros que, julgados pela Comissão de Avaliação composta por pesquisadores das universidades sob a coordenação da Secretaria de Ensino Fundamental (SEF) – atual SEB, apresentavam erros conceituais, informações desatualizadas, abordagens pedagógicas ultrapassadas, preconceito ou discriminação de qualquer tipo, falhas no projeto gráfico ou na impressão; classificação das obras aprovadas como: Recomendadas com Distinção (RD), Recomendadas (R); Recomendadas com Ressalvas (RR) e Não Recomendadas (NR); abrangência dos principais componentes curriculares (Alfabetização, Língua Portuguesa, Matemática, Historia, Geografia e Ciências); distribuição continuada de obras em ciclos de três anos, sendo os livros destinados às primeiras séries como consumíveis, com reposição integral todos os anos; e os demais livros não consumíveis, com reposição apenas parcial a cada ano (geralmente em torno de 13% da compra inicial). Embora esse Programa tenha se concentrado inicialmente em regulamentar e padronizar aspectos administrativos e logísticos relacionados à compra e distribuição dos livros, logo passou a gerir sobre sua forma e conteúdos. O PNLD deixa de se caracterizar como um programa assistencialista e vai se efetivando cada vez mais como um instrumento de políticas públicas voltadas para a melhoria da educação (idem). O PNLD representou um avanço na universalização da educação para todos os alunos das escolas públicas brasileiras. Passou a se distribuir livros de qualidade igual ou superior daqueles utilizados pelas escolas particulares, desempenhando um papel eficaz de importância social e cidadã. É claro que isso não é o suficiente para erradicar as desigualdades na 72 educação e alcançar sucesso na aprendizagem dos alunos, mas se torna um grande passo ao proporcionar ao professor propostas de ensino de qualidade. 2.2.1.3.1 Criação do PNLD Devido ao grande poder de controle que os livros didáticos poderiam oferecer e afim de evitar “desvios” do projeto estatal, foram criados ao longo do século XX e início do século XXI políticas de manutenção dos ideais educacionais, demonstrando uma ligação da produção dos livros didáticos com o controle das políticas vigentes. Essas iniciativas surgem porque a educação é vista como lugar privilegiado na formação da nacionalidade, indução de novos valores e que modelam condutas através dos mecanismos do campo do currículo. A partir da década de 1930 começaram a surgir práticas avaliativas associadas ao papel regulador/intervencionista do Estado junto ao mercado e as circunstâncias políticas contemporâneas (MIRANDA; LUCA, 2004). Durante o Estado Novo, surgiram políticas de intervenção do Estado com a criação da Comissão Nacional do Livro Infantil em 1936 e a Comissão Nacional do Ensino Primário em 1938. Neste mesmo ano também foi criada a Comissão Nacional do Livro Didático (CNLD), instituída pelo Decreto-Lei nº 1.006, que tinham como função estabelecer regras de controle sobre a produção e circulação do livro didático, responsabilizando a comissão pela avaliação, autorização e veto. Autores e editoras submetiam os materiais à análise da comissão que emitia uma relação oficial para servir de orientação à escolha dos professores. A comissão também estimulava e orientava a produção de livros didáticos, sugeria a abertura de concursos para a produção de obras inexistentes e organizava exposições nacionais de livros didáticos autorizados (LUCA, 2009). A intervenção do Estado foi se tornando cada vez mais direta. Com a Reforma Capanema em 1942, aumentou o incentivo, organização e controle da produção ao público escolar. Em 1966, anos da Ditadura Militar, foi criada a Comissão do Livro Técnico e Livro Didático que tinha a função de coordenar a produção, edição e distribuição das obras. Seguindo, em 1971, criou-se outro órgão de controle, o Instituto Nacional do Livro Didático que administrava e gerenciava os recursos financeiros destinados à política educacional e desenvolveu o Programa do Livro Didático para o Ensino Fundamental. Em 1976 foi criada a Fundação Nacional do Material Escolar, responsável por executar os programas voltados para o livro didático, que foi sucedida pela Fundação de Assistência ao Estudante (1983), que assumiu responsabilidades para com o livro didático (idem). 73 No processo de redemocratização, foram realizadas reformas no currículo em diferentes estados do Brasil que visavam sua atualização. Essas propostas eram reimplantadas nas secretarias estaduais e municipais de Educação. Através do Decreto 91.542, de 19/8/85, foi criado o PNLD que seguia a onda de atualização curricular, trazendo diversas mudanças: indicação dos livros pelos professores, reutilização dos livros, abolição dos livros descartáveis e aperfeiçoamento das especificações técnicas para a produção, dentre outros (MONTEIRO, 2009). Essas medidas buscavam melhorar a escolha dos materiais e legitimar, através da ação estatal, os direcionamentos dados ao PNLD (FERREIRA; FRANCO, 2008). As políticas de aperfeiçoamento continuaram. Desenvolveu-se na década de 90 um processo de reforma que buscava regulamentar e induzir mudanças no currículo e na avaliação. A Lei 9394/96 (Lei Darcy Ribeiro) tinha como um dos objetivos instituir um sistema de avaliação dos livros didáticos preocupados com a qualidade destes. A partir desse momento, para que as obras fossem distribuídas nas escolas, era necessário que fossem aprovadas. Passaram assim a existir três programas de avaliação do livro didático: PNLD, Programa Nacional do Livro Didático do Ensino Médio (PNLEM) e Programa Nacional do Livro Didático para a Alfabetização de Jovens e Adultos (PNLA). No ano de 2004 foi implementado o PNLEM através da Resolução nº 38/2003 do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), expandindo a universalização do livro didático para os alunos do Ensino Médio. Atendendo em 2005 as disciplinas de Língua Portuguesa e Matemática, seu atendimento foi sendo gradualmente ampliado para outros componentes curriculares (Biologia, Física, Química, Geografia, Historia, Filosofia e Sociologia). Recentemente, a nomenclatura PNLEM, deixou de existir. Sendo assim, as obras de Ensino Médio passaram a ser incorporadas pelo PNLD, de acordo com o Decreto nº 7.084 de 27/01/2010, regulamentando a avaliação e distribuição de livros didáticos para toda a educação básica27. 2.2.1.3.2 Critérios avaliativos do PNLD A preocupação com a qualidade dos livros levou a um maior cuidado na avaliação sobre diversos critérios eliminatórios e qualitativos. No edital estão prescritos os critérios eliminatórios e os critérios qualitativos das obras, divulgados já no Guia do Livro Didático 27 Fonte: Portal FNDE – www.fnde.gov.br 74 quando julgados por uma equipe organizada por uma universidade responsável a cada ano e patrocinado pelo MEC. O Edital passa a ser o principal documento de guia de elaboração dos livros que estabelece os procedimentos de cadastro das editoras (são as editoras que inscrevem as coleções didáticas, não o autor diretamente), inscrição das obras, triagem, avaliação pedagógica e entrega das obras aprovadas. Embora os editais sejam regidos por instrumentos legais, não há necessariamente uma relação entre si, podendo incluir novas exigências que os autores e editoras não estejam preparados. O edital do PNLD 2012, por exemplo, destinado às obras do ensino médio, estabeleceu como regra de caracterização das obras didáticas a organização por série e em coleção, sendo que na avaliação anterior as obras eram submetidas como volume único. Isso ocasionou um impacto nas editoras e em autores, com o curto prazo de cinco meses para adaptação à nova regra, foram levados a modificar a forma de organização das obras de um modo lógico correspondente a uma divisão seriada. Talvez por esse motivo, muitos livros didáticos de História com tradição e sucesso no mercado editorial, não foram aprovados na última avaliação28. Outro caso de imprevisibilidade de exigência foi a cobrança do uso da nova ortografia da Língua Portuguesa e as mudanças decorrentes da implantação do ensino fundamental em nove anos no PNLD 2010, medidas que foram definidas pouco antes da publicação do edital (SAMPAIO; CARVALHO, 2010 p.25). Os critérios eliminatórios do edital não possuem um caráter definitivo. As obras que são reprovadas podem ser submetidas novamente à avaliação no próximo edital, desde que comprovem que tenham cumprido as exigências que as reprovaram. Durante esse período as edições ficam fora de circulação nas escolas públicas (podem continuar sendo comercializada a versão comercial para escolas particulares, mas como o Estado é o principal comprador de livros didáticos, perdem o faturamento desse período), além do comprometimento moral e intelectual do autor e da editora que passam a conviver com o status de reprovado. Outra exigência que levou a uma maior preparação dos autores é a obrigatoriedade de submeter junto ao livro do aluno o manual do professor que não pode ser uma cópia da versão do aluno com as respostas dos exercícios propostos ou caderno de atividades como costumava ser antes da exigência do edital. O manual do professor deve oferecer uma orientação teóricometodológica e articular os conteúdos do livro entre si e com outras áreas de conhecimento; 28 Esta é uma hipótese que formulo sem comprovação já que não são divulgadas as obras que se inscreveram e foram excluídas do PNLD ao público, sendo assim, não sabemos se os conhecidos livros didáticos chegaram a se inscrever e foram reprovados ou não, a não ser que o autor revele isso. 75 oferecer uma discussão sobre proposta de avaliação de aprendizagem com leituras e informações adicionais, além de leituras que contribuam para a formação e atualização do professor (BRASIL, 2009 p.02). A primeira etapa da avaliação corresponde à exclusão na triagem. Neste momento são verificados se as obras seguem as especificações técnicas informadas no edital correspondente à estrutura editorial. Os conteúdos dos livros são analisados a partir dos princípios e critérios de avaliação. Utilizo, para descrever esses critérios, o Edital do PNLD 2012 que corresponde ao programa vigente das obras de ensino médio de História utilizadas nas escolas públicas do país. O documento cita na descrição dos princípios sobre a educação no ensino médio as considerações previstas na LDB (Lei 9394/96), no Programa Ensino Médio Inovador: Documento Orientador (elaborado pela SEB) e o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), o que, apesar de não exigir o cumprimento dessas políticas curriculares específicas, se tornam bases para a construção do conhecimento presente no livro didático. Há dois critérios eliminatórios: critérios comuns a todas as obras submetidas à avaliação com parâmetros gerais que devem atender e critérios do componente curricular. Nos critérios comuns estão previstos (idem pp. 20-21): o respeito à legislação, às diretrizes e às normas oficiais relativas ao ensino médio como a Constituição Federal, LDB e suas respectivas alterações, Estatuto da Criança e do Adolescente, e Diretrizes Curriculares Nacionais; a observância de princípios éticos para a construção da cidadania observando se há a veiculação de estereótipos, preconceitos, doutrinação religiosa e/ou política e publicidade ou difusão de marcas; a coerência e adequação da obra com a abordagem teórico-metodológica e a proposta didático-pedagógica explicitada e aos objetivos visados com os textos, atividades, exercícios, etc ; a correção e atualização de conceitos, informações e procedimentos, atento para desatualizações; observância das características e finalidades específicas do manual do professor que devem orientar os docentes do uso adequado da obra didática oferecendo instrumento de complementação didático-pedagógica e atualização; 76 adequação da estrutura editorial e do projeto gráfico aos objetivos didáticopedagógicos da obra, principalmente quanto ao uso de imagens adequadas às suas finalidade. Quanto aos critérios específicos, passaram a ser representados no PNLD 2012 em áreas. A área de Ciências Humanas e suas Tecnologias segue os princípios e critérios das disciplinas de Filosofia, Geografia, História e Sociologia que possuem em comum os estudos das sociedades humanas em suas múltiplas relações. Mais uma vez, o documento recorre aos Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio (PCNEM) para definir as competências dessa área. Sobre o componente curricular História, são definidos dezoito critérios a serem observados, mais quatro critérios específicos sobre o manual do professor. Dentre esses critérios estão previstos (idem pp. 30-31): uso da produção recente de conhecimento da História e Pedagogia; operação dos conhecimentos historiográfico-pedagógicos de forma condizente com o desenvolvimento etário, intelectual e cognitivo dos estudantes do ensino médio; compreensão dos conhecimentos da história como um processo de produção; orientação dos alunos de pensarem historicamente, permitindo compreender as situações reais da sua vida cotidiana e do seu tempo; coesão entre os textos, imagens e atividades; aprofundamento de conceitos estruturantes da disciplina; estímulo ao convívio social e reconhecimento da diferença; desenvolvimento da autonomia do pensamento, raciocínio crítico e capacidade de apresentar os argumentos historicamente fundamentados; apresentar recursos variados que possibilitem a significação histórica como textos, depoimentos, charges, fotografias, pinturas, etc; oferecer imagens acompanhadas de atividades de leituras, interpretação e interação; isenção de situações como anacronismo, voluntarismo, estereótipos, caricaturas e simplificações explicativas; isenção de erros de informação; transcender a abordagem histórica associada a uma verdade absoluta ou ao extremo relativismo. Os critérios exigidos para o manual do professor consistem em possuir informações e orientações complementares, orientação sobre as possibilidades oferecidas para a implantação do ensino de história da África, da história e cultura afro-brasileira e das nações indígenas, 77 orientação ao professor para considerar o seu local de atuação como fonte de análise histórica e para percepção e compreensão do espaço construído e vivido pelos cidadãos. 2.2.1.3.3 Mudanças e avanços Devido aos seus critérios cada vez mais rígidos, o PNLD causou grande impacto na produção dos livros didáticos a começar pelos próprios autores. Houve uma mudança dos autores que atuavam como professores no final da década de 1990 e foram ganhando espaço novos tipos autores que estivessem preparados a cumprir as diretrizes oficiais. A preocupação maior com a abordagem pedagógica dos conhecimentos exigiu do mercado editorial a contratação de autores especialistas sobre o tema, trazendo discussões modernas do campo e a produção de livros menos ortodoxos, com maior cuidado na produção (SAMPAIO; CARVALHO, 2010). A compra e distribuição de livros didáticos também aumentaram significativamente para atingir a meta da universalização do ensino, principalmente após o PNLEM que passou a contemplar os alunos de ensino médio. Esse aumento de circulação de livros é sinal de melhoria na qualidade de ensino, apesar de não resolver a questão. E o avanço não está só no aumento quantitativo de livros, mas também na diversidade que se torna disponível no mercado para adoção para cada área do conhecimento. Isso significa que professores e o sistema público de ensino tem a opção de escolher uma dentre várias opções de abordagem curricular e didática, permitindo uma maior autonomia pedagógica aos estabelecimentos de ensino e a construção de sociedades democráticas e plurais no lugar de um sistema que impõe um modelo único de material didático. Seguindo também a expansão do sistema educacional do ensino médio e as influências dos PCNEM, a discussão da interdisciplinaridade vem aumentando e isso também se reflete nas propostas dos livros didáticos. Algumas coleções estão sendo produzidas seguindo essa linha de pensamento, apesar de que não alcançarem sucesso. Torna-se uma questão de tempo e adaptação do sistema de ensino. A avaliação também veio a promover uma diminuição de erros que eram comumente encontrados nos livros didáticos. Houve uma renovação editorial de forma e conteúdo dos livros. Miranda e Luca (2004) apontam que na área de História, por exemplo, os conteúdos deixaram de apresentar estereótipos e preconceitos. Os autores e as editoras passam a tomar mais cuidado com esses tipos de erros para que não sejam fatores que os levem a uma má avaliação. 78 2.2.1.3.4 Dificuldades e desafios Apesar dos impactos que o PNLD proporcionou para a educação, ainda há muitas dificuldades a serem enfrentadas pelo sistema de avaliações. Knauss (2009) afirma que a maior dificuldade está na articulação entre a avaliação, a escolha pelo professor/escola e o uso do livro em sala de aula. Ainda há professores que não participam do processo de escolha do livro e quando escolhem, não levam em conta o processo de avaliação. Há controvérsias no próprio sistema de avaliação que não é totalmente legitimado pelos professores, autores e editores que possuem outros olhares sobre a avaliação e discordam com o sistema adotado. A própria distribuição dos livros também é uma questão a ser resolvida pelos atrasos sistemáticos das edições, que dificultam o andamento do ano letivo nas escolas que começam muitas vezes sem a posse do material. E quando chegam, as obras enviadas pelo FNDE muitas vezes não correspondem à escolha dos professores. Além disso, há casos em que a própria escola atrasa na distribuição das obras aos seus alunos, prejudicando o processo de ensino-aprendizagem. Esses e outros problemas abrem espaço para novos desafios que devem ser enfrentados. As dificuldades impostas pelo PNLD é alvo de críticas por autores e editoras que ficam submetidos a prazos de entrega muito curtos e o surgimento de exigências imprevistas. O edital do PNLD de 2010, por exemplo, apresentou várias inovações aos quais autores e editoras tiveram que se adaptar, como a exigência de conformidade com o novo acordo ortográfico da Língua Portuguesa, mesmo antes da consolidação da nova ortografia, e a apresentação de livros não consumíveis para alunos do 2º ano do ensino fundamental nos componentes de Ciências, Geografia e História. E a cada ano novos desafios vão surgindo, gerais ou específicos da área de conhecimentos, mas esses desafios devem ser enfrentados e superados caminhando cada vez mais em direção à uma educação de qualidade que nossas escolas públicas tanto precisam. 2.2.2 Mercado editorial 2.2.2.1 O livro como mercadoria A história das políticas públicas sobre o livro didático se relaciona com a política editorial no Brasil. Isso acontece porque o livro didático é um objeto de consumo que envolve mercados específicos (a escola) , destinados ao professor (que aparentemente decide sobre sua compra e suas formas de utilização) e consumidos pelos alunos de forma compulsória. Logo, há uma demanda que requer uma oferta a ser suprida pelas editoras didáticas. Forma-se assim um vínculo entre o ensino e a indústria cultural, sustentado pelo livro como instrumento que 79 faz parte de nossa cultura ocidental e que se manifesta também no sistema de ensino de diferentes formas, o que faz com que esse objeto ainda não tenha caído em desuso, apesar das novas oportunidades tecnológicas emergentes. Não se pode deixar de relacionar esse mercado que se configura de forma específica com a mediação do Estado. O livro didático não é um produto que fica nas prateleiras à espera da compra de seu consumidor, no caso das escolas públicas. Sua produção e distribuição são reguladas pelo Estado no processo de escolha, compra e distribuição dos livros. Em alguns países, o Estado assume a própria função de produzir um livro didático único (MUNAKATA, 2012a). A apropriação do livro didático como objeto manufaturado faz com que os autores e as editoras se mobilizem para atender expectativas do seu público que se configura como consumidor. Os produtos são cada vez mais inovadores, com páginas mais coloridas, folhas de textura acetinada, além do investimento nas questões voltadas para o vestibular e a adaptação das obras aos PCN. Outra estratégia usada pelos editores foi o cuidado com os títulos. “A introdução do termo “novo” nos títulos das obras escolares foi, e tem sido, uma das táticas mais usuais para facilitar a comercialização de textos aparentemente inovadores, mas que, na realidade, são meras repetições dos mesmos livros” (BITTENCOURT, 2008 pp. 83). Os livros didáticos estão se adequando cada vez mais às exigências da atualidade, tudo isso para agradar seu público alvo, pois, caso a obra não faça sucesso de vendas, pode cair no esquecimento e até levar editoras à falência. No Brasil, o mercado de livros didáticos se tornou muito promissor, atraindo grupos internacionais, em particular de origem espanhola que produziu diagnósticos dos mercados potenciais no mundo, induzindo um maciço investimento em países da América Latina, inclusive no Brasil (MUNAKATA, 2012a). O setor escolar tem grande peso na economia editorial. Segundo os dados da Câmara Brasileira do Livro para 2009, foram produzidos no Brasil 386.367.136 exemplares de livros (incluindo primeira edição e reedições), dos quais 183.723.605 exemplares (47,55%) correspondiam a 19.721 títulos de obras didáticas da Educação Básica. No mesmo ano, do total de 371 milhões de exemplares vendidos, os livros didáticos corresponderam a 207 milhões de exemplares (55,79%); para o faturamento total de quase 3,38 bilhões de reais, o livro didático contribuiu com mais da metade (1,73 bilhões de reais) (CÂMARA BRASIELIRA DO LIVRO, 2010 apud MUNAKATA, 2012b). 80 A relação do livro didático como mercadoria se estabelece de forma perigosa, pois leva a olhar sobre esse objeto cada vez mais como um produto capitalista, deixando-se de considerar, por outro lado, o seu papel pedagógico. Mas já se pode reconhecer como os programas avaliativos começam a interferir na ação deliberativa do mercado. As editoras estão levando os programas cada vez mais a sério para não correr risco da reprovação das obras. 2.2.2.2 Atuação das editoras Ao falar em produção de livros didáticos, principalmente relacionando com as políticas de autoria, torna-se quase que inevitável abordar sobre a ação das editoras que se torna cada vez mais necessária para levar o livro à esfera pública literária. Por outro lado, ao mesmo tempo que permite a circulação dos livros, as editoras submetem as obras a coerções e finalidades que não correspondem aos objetivos originais da escrita (CHARTIER, 2002). A atuação das editoras passou por uma série de mudanças ao longo dos tempos. A partir do século XVIII, a rigidez para submissão e publicação de obras foi diminuindo cada vez mais com o aumento da popularização do livro, permitindo a circulação de uma variedade de gêneros literários e o surgimento de novos tipos de impressos já no século XIX, desfazendo elos estreitos que uniam antes uma fórmula editorial, um corpus de textos e um público popular (idem). O editor, tal como concebemos hoje em dia, originou-se das revoluções industriais do século XIX. As editoras passaram a adquirir uma marca individual, aventurando-se por publicações que identificasse a política da empresa. Seu sucesso passou a depender da criação pessoal e da invenção de novos mercados. Os editores deixaram de ser somente publicadores para se tornarem empreendedores que se vêem também como intelectuais que passaram a atuar junto com os autores, com relações difíceis e tensas (idem, 1998). O mercado editorial foi se expandindo cada vez mais, principalmente com a publicação de obras didáticas, favorecendo o aumento do letramento, das reformas no ensino secundário e da ampliação do segmento superior, além da própria conjuntura econômica interna e externa, pouco propícia para a importação de livros (LUCA, 2009). Buscando garantir mais lucros, as editoras estão cada vez mais empenhadas em divulgar suas obras por todo território nacional. Na área da educação, sua ação estende-se até o professor e nas escolas, procurando influenciar na escolha do livro didático. Devido a esse grande potencial lucrativo e ao risco desse negócio levar à falência, tem se observado a formação de grandes conglomerados editoriais que lançam mais de um título para resguardar- 81 se, caso uma das obras venha a ser reprovada (FERREIRA e FRANCO, 2008). Há uma tendência cada vez maior de monopolização de algumas empresas. Além do papel mercadológico, não podemos desconsiderar o papel editorial no campo da mediação cultural, otimizando a produção dos livros com objetos que resistem cada vez mais as ações do tempo, multiplicados e difundidos. Ao mesmo tempo que é um fator positivo, também representa um perigo quanto à dificuldade de dominação do excesso produzido através da multiplicação da imprensa, tornando-se necessário selecionar, classificar e hierarquizar obras (CHARTIER, 2002). O aumento de publicações levou a mudanças na produção das obras. Houve uma pluralidade de espaços, de técnicas, de máquinas e de indivíduos. Configuraram-se novas formas de intervenções e decisões, dando ao texto impresso diferentes formas de materiais (idem). E como fica o papel do autor diante dessas mudanças? Chartier (1998) descreve a relação do autor com as editoras basicamente como uma dependência para obtenção de gratificações e assim, tendo os autores seus direitos garantidos, não promoveriam uma luta contra os editores que passaram a comprar os manuscritos e os direitos sobre a obra. Diversos agentes passaram a participar da elaboração do livro, basta verificar nas primeiras páginas da obra a quantidade de pessoas e funções envolvidas. Essas interferências passam a influenciar na própria leitura e sentidos que os textos transmitem, incluindo a forma pela qual a página apresenta a informação (caixas de texto, uso de itálicos e/ou negrito para termos e conceitos básicos – as variadas ilustrações, coloridas ou não) (BITTENCOURT, 2005). É preciso considerar essa materialidade do discurso para compreender as justificativas de propriedade existentes nele (CHARTIER, 2002). As intervenções acontecem em todos os textos. Para as editoras, o bom livro não é apenas aquele que apresenta um bom conteúdo, mas que seja feito com exatidão de informações, ortografia, coerência de estilo e normalização, escolhas feitas em razão dos públicos visados, estilo do papel com qualidade, determinado número de caracteres, presença ou não de ilustrações, etc. A atividade editorial está presente na escrita, revisão e preparação do texto, sendo impossível assim que seja feita por uma única pessoa – o autor (CHARTIER, 2002; MUNAKATA, 2012b). Chartier (idem) destaca como transformações realizadas pelos editores a mudança da apresentação do texto, multiplicação de capítulos (mesmo que não tenha uma divisão narrativa ou lógica) e aumento do número de parágrafos a fim de atrair seu leitor com uma leitura mais pausada, breve e fechada sobre si mesma. Também encurtam os textos, retiram fragmentos que consideram inúteis, comprimem frases e suprimem adjetivos e advérbios. 82 Às vezes esse trabalho de adaptação torna a leitura mais difícil, ao invés de facilitar para seu leitor. As mudanças provocam uma distância entre o que o autor escreve e o que é publicado. As intervenções implicam num trabalho de diminuição, simplificação e ilustração dos textos a fim de adaptá-lo de acordo com as competências e expectativas de seus compradores. Assim, as próprias estruturas do livro são dirigidas pelo modo de leitura que os editores pensam ser o da clientela almejada, buscando configurá-la com o caráter “popular” (CHARTIER, 1994). É importante também destacar a relação existente entre o Estado e as editoras. Mesmo percebendo a importância fundamental do livro didático na transmissão do saber escolar, o Estado liberal cedeu à iniciativa particular o direito de reprodução. Bittencourt (2008) explica que essa atitude, aparentemente paradoxal, se dá pela lógica capitalista. O livro didático insere-se na indústria cultural como objeto de consumo de larga escala e comercializado por editores. Para essa circulação no mercado, editores associam-se ao Estado realizando ações conjuntas. Assim, a ação do Estado, nesta ocasião, se estabelece de maneira não-direta para contornar as condicionantes da sociedade de mercado como os programas para o livro didático (KNAUSS, 2009). Vale lembrar que o Estado é o principal comprador, gastando na aquisição e distribuição de livros didáticos, sendo ele um mediador entre o mercado e as comunidades escolares. Ao mesmo tempo em que as editoras buscam atender os interesses do Estado, também visam o atendimento de interesses dos professores, seus principais usuários. Não basta que o livro seja aprovado na avaliação, ele precisa ser escolhido para entrar em circulação. Para isso, editoras contam com uma equipe de divulgadores que visam sensibilizar os professores para fazer a opção pelos produtos que representam. Surgem daí diversas denúncias de irregularidades na divulgação, como oferecimento de vantagens aos professores e à escola. Devido a esses desvios, o governo federal passou a proibir a ação das editoras no interior das escolas por meio da Portaria nº 2.963/2005, estabelecendo regras para evitar interferências indevidas na escolha dos livros adquiridos pelo FNDE. Já que estão impedidas de entrar nas escolas, editoras de grande porte formaram as chamadas “Casas do Professor”, onde professores podem receber exemplares do livro e outros materiais de divulgação mediante cadastro (MUNAKATA, 2012b). Outro mecanismo de sedução que as editoras tem praticado é o oferecimento de cursos e a criação de materiais anexos (que não pode ser oferecido junto ao livro pelas regras do edital). 83 2.2.3 Discurso historiográfico Para abordar sobre a apropriação da matriz historiográfica pelo discurso do texto didático, conduzo essa discussão baseada no trabalho de Gabriel (2009) que realiza uma análise de como os documentos historiográficos são trabalhados nos livros didáticos de História, negociando sentidos entre a historiografia e a História ensinada. Considero esse tema importante para compreender como os autores buscam inovar suas obras através da incorporação dos discursos recentes da historiografia, mobilizando suas práticas e saberes para superar o status de um discurso ultrapassado, defasado ou até mesmo de uma matriz histórica tradicional. Esses discursos históricos são apropriados e recontextualizados de forma própria para o ensino para significar uma mudança e inovação curricular. Pesquisas recentes da história ensinada tende a favorecer o emprego de discursos plurais das matrizes historiográficas para a percepção da construção do conhecimento e o desenvolvimento do pensamento crítico do aluno. Embora essa forma pluralista de conduzir a explicação seja o ideal, os livros didáticos tendem a privilegiar uma forma de pensamento em detrimento de outra. Nos livros didáticos torna-se ainda mais difícil a percepção de uma concepção de história do autor ou autores devido à característica do texto didático que passa pelo processo de transposição didática, como foi explicado no capítulo anterior, e adquire uma forma descaracterizada dos discursos anteriores a ele, mas que mesmo assim fazem parte de sua construção. A análise da bibliografia e seleção de documentos correspondem a indícios para a percepção da tendência histórica predominante na obra. A bibliografia indica o nível de atualização do autor do livro ao passo que a indicação de leituras complementares para professores e alunos é outro elemento importante para verificação. (BITTENCOURT, 2005). Como os livros didáticos apresentam indícios da incorporação das inovações historiográficas? Normalmente os autores têm optado por utilizar adjetivos como “nova história”, “história problema” ou “história crítica” em seus títulos e textos tentando desvincular-se da perspectiva da história “tradicional”, mas quando se analisa as obras, elas continuam a apresentar o mesmo teor de tradicionalista de ensino pautado na memorização de datas e acontecimentos. Como exemplo da incorporação das matrizes historiográficas, Gabriel (2009) faz uma análise sobre os usos de documentos nos exercícios presentes nos livros didáticos de História. Cada vez mais as obras tem se esmerado para a inclusão de documentos de natureza diversa como notícias de jornal, gráficos, mapas, trechos de obras literárias, letras de música, ilustrações e dados estatísticos. O uso desses tipos de documentos se justifica pela atribuição 84 didática que se faz dele, por corresponderem a fontes de análise que contribuem para o desenvolvimento da explicação historiográfica, além de serem materiais atrativos e estimulantes, saindo do monótono método de ensino através somente do texto didático explicativo. Porém nem sempre o uso desses documentos se estabelece de forma correta. Muitas vezes o documento é apresentado como uma ilustração sem o incentivo de análise, interpretação e trabalho com o aluno. Além disso, muitos documentos continuam sem as referências apropriadas (autoria, data, local de produção e preservação), o que se tornou uma exigência do PNLD. Mesmo assim, esses investimentos do uso da historiografia trazem potencialidades para o ensino permitindo a desconstrução ou pelo menos a problematização de mitos do campo pedagógico e historiográfico. 2.2.4 Movimentos Sociais Buscando superar a dicotomia entre dominantes e dominados ou de vencedores e marginalizados das políticas de produção do conhecimento escolar, destaco a participação e influências que partem dos movimentos sociais que vem aos poucos fazendo a diferença na conquista em direção a uma educação democrática. Mas se existem essas lutas por representações de verdades de diferentes grupos sociais, por que eles não são tão aparentes nos discursos didáticos? Talvez essa questão possa ser respondida pelo que Bergamaschi e Zamboni (2013) descrevem como um esforço de silenciamento dos grupos sociais nas políticas públicas por uma homogeneização de um modelo civilizatório da sociedade europeia que predomina em nossos currículos. Em trabalho publicado em co-autoria com Frazão (2012), busquei compreender como o “outro” vem sendo representado nos livros didáticos de História. Nesta oportunidade, aprofundei sobre os estudos culturais sobre currículo, compreendendo essas novas demandas nos tempos pós, quando a cultura vem assumindo lugar central nos processos sociais e epistemológicos (HALL, 1997). Como afirma Gabriel (2011), o currículo é inter/multicultural, entendendo a existência de diversos sentidos de cultura nos discursos que estão em disputa para marcar posições sobre o que será produzido e praticado nas escolas. Para a autora, ao assumirmos a perspectiva do significante cultura, o próprio sentido de intercultural deixa de ser uma escolha para ser visto como própria condição em nossa contemporaneidade, o que nos leva a procurar como se dão 85 esses processos de significação que estão sendo constantemente produzidos, negociados e disputados. No campo das teorias pós-críticas, essa discussão se insere nos estudos sobre construção de identidades, em que o currículo é percebido como discurso que “ao corporificar narrativas particulares sobre o individuo e a sociedade, nos constitui como sujeitos” (SILVA, 2010 p.156). Os autores de livros didáticos, ao escolher o que deve ou não estar presente na obra, estão construindo sentidos de identidades, não só através das semelhanças, mas também construindo pelas diferenças. Para falar da trajetória e contribuição dos movimentos sociais nas lutas por significação no currículo, utilizo da contribuição que provém das pesquisas em andamento de Érika Frazão29 sobre significantes de povo brasileiro no ensino de História. A autora destaca a importância dos movimentos sociais a partir da década de 1960 quando surge uma forte mobilização ligada aos movimentos estudantis, feministas, pacifistas, entre outros. Esses movimentos estão ligados às demandas de diferença que se apresentam ao espaço público mediante ações coletivas que afirmam no tempo e que implicam processos identitários (RETAMOZO, 2009). Entende-se que a sociedade contém uma pluralidade de diferenças e posições de sujeitos, mas que nem todos esses lados fazem parte dos lugares dominantes, ficando subordinados aos significantes hegemônicos (mulher/homem, homossexual/heterossexual, negro/branco). Mas estar dominado não significa que se é oprimido. De acordo com Laclau e Mouffe (apud RETAMOZO, 2009), a opressão leva ao movimento de resistência à situação de subordinação, de onde surgem as demandas por um lugar de representação no poder. Esses movimentos sociais da década de 1960 permitiram que, na luta pela diferença, a situação de subordinação se deslocasse para o surgimento de demandas antagônicas na busca de ganhar espaço nas lutas por hegemonia de formulação política, inclusive no currículo. A emergência desses movimentos proporcionaram uma mudança de horizonte e novos desafios para o ensino de História. Essa luta se expande para a dimensão do ensino, entendendo esse campo como um aliado importantíssimo nos processos de identificação e pelos direitos sociais, desde que essa história tenha como referência a memória construída pelo grupo (BERGAMASCHI e ZAMBONI, 2013). 29 Estas pesquisas correspondem ao trabalho dissertativo da autora em produção intitulado “Quem é o povo que habita os livros didáticos de História? Uma abordagem a partir do campo do currículo”, desenvolvido no Programa de Pós-Graduação em Educação da UFRJ entre os anos de 2012 e 2014. 86 No ensino de História, foi privilegiado como lugar hegemônico uma perspectiva eurocêntrica. A imagem sobre a África, a Ásia e a América, antes da chegada dos europeus, eram negligenciadas, excetuando-se alguns exemplos que eram vistos como sociedades fundadoras da “civilização” ocidental, como é o caso de Egito e Mesopotâmia. Com o processo de redemocratização, vimos emergir correntes que lutam pela significação do conteúdo histórico, inclusive com ganhos importantes como a inclusão da Lei 10.639/03 que estabelece a obrigatoriedade do ensino de História e cultura afro-brasileira e africana na educação básica e a Lei 11.645/08 que inclui a História e cultura indígena no currículo oficial de ensino, como veremos a seguir. 2.2.4.1 A Lei 10.639/03 A lei que estabelece a obrigatoriedade do ensino de História e cultura afro-brasileira e africana no ensino fundamental e médio tornou-se uma nova exigência que mobilizou autores, editoras e avaliadores a incorporar esta questão em suas atividades, além do incentivo do desenvolvimento de pesquisas sobre essa temática. O surgimento dessa lei, além de representar uma vitória dos movimentos sociais, nos leva a questionar como essa política cultural está sendo operada por meio dos livros didáticos. Apesar da lei constituir um avanço nas políticas curriculares, há pesquisas que apontam a persistência de problemas da produção didática como defasagem historiográfica, estereótipos, racismo, preconceito, discriminação, mito da democracia racial, etnocentrismo e omissões (CAIMI, 2013). Por outro lado, a lei representa a importância dos movimentos sociais nas políticas e práticas educativas, no esforço de superação de tais problemas e na construção de práticas escolares e sociais pautadas no respeito à diversidade racial e a pluralidade cultural da sociedade brasileira (idem). Surgem críticas sobre essa naturalização das características raciais e denúncias sobre os conflitos ideológicos travados nos livros didáticos de História, deixando a etnicidade de lado. Tornou-se uma questão de como os currículos sustentam as relações dominantes de poder através das narrativas históricas (COSTA, 1998). Quais representações de negros são consideradas verdadeiras e legítimas? Levando em consideração a concepção teórica de Foucault sobre discurso, não há o verdadeiro ou falso nos discursos, mas sim significações que buscam ser legitimadas. Ou seja, incluir representações raciais nos livros didáticos não significa que se está resolvendo a questão imposta pela lei. Por quem são feitas essas significações? Colocar o negro para narrar a história de seu povo não significa que esta história seja mais legítima do que a história formulada por um historiador 87 branco. Dentro do próprio movimento negro, há lutas interculturais pelo direito de narrar-se. Esta é uma luta diária de cada um e todos nós (idem). 2.2.4.2 A Lei 11.645/08 A Lei 11.645, de 10 de março de 2008, que inclui a obrigatoriedade do estudo da História e cultura indígena no currículo oficial de ensino fundamental e médio, públicos e privados, em especial nas áreas de educação artística e de literatura e histórias brasileiras, nos leva a pensar como a temática indígena está sendo abordada na formação de identidades nacionais no ensino de História. Se por um lado, assim como na Lei 10.639/03 problematizamos como esta questão está sendo incorporada pelo ensino, também não se pode deixar de considerá-la como um avanço na tentativa de estabelecer diálogos étnico-culturais que reconhece a legitimidade dos povos indígenas na constituição de nosso país, considerando sua história, cultura e modos próprios de viver (BERGAMASCHI e ZAMBONI, 2013). Mas os desafios ainda se mantêm presentes. Como os autores se preparam para conduzir uma discussão que não faz parte da tradição do ensino de História? De onde vêm esses conhecimentos que narram sobre memórias e tradições dos povos indígenas? Para ensinar algo, é preciso dominar o objeto de conhecimento previamente. O surgimento dessas leis levou a um esforço e comprometimento do educador para formar uma geração mais esclarecida e menos preconceituosa. Além disso, estão presentes nesse meio de discussões, lutas pela autonomia dos indígenas de narrarem a própria história, produzindo um novo tipo de conhecimento. Mais uma vez volto ao questionamento que elaborei anteriormente quando tratava sobre os povos afro-brasileiros e africanos. As ideias que se transmitem sobre o índio no ensino de História ainda predominam nos parâmetros civilizatórios europeus. Bergamaschi e Zamboni (idem) definem as abordagens didáticas dos povos indígenas da seguinte forma: concepção genérica em que a pluralidade cultural desses povos fica apagada; concepção exótica do indígena que os descontextualiza culturalmente; concepção romântica do índio como o bom selvagem; concepção do índio fugaz que terá um fim inexorável; e, com menor frequência, a concepção histórica das sociedades indígenas. De todas essas concepções, a imagem genérica do índio ainda é predominante no ensino de História. Seu papel se restringe ao período colonial da história brasileira, durante os 88 primeiros contatos com os colonizadores portugueses e comparando seus costumes com os modos “civilizado” de viver. Após esse momento, sua participação se torna silenciada, dando ao aluno a impressão de que esses povos entraram em extinção. Em alguns casos a figura do índio volta a aparecer, ainda de maneira passiva, no movimento de construção de uma identidade nacional no final do século XIX através da atuação do Instituto Histórico Geográfico Brasileiro (IHGB) e nas lutas por reconhecimento a partir da Constituição de 1988. Entre esse período, quase quinhentos anos de história, a historicidade e dinâmica cultural dos indígenas é “esquecida”. Ainda há muito o que progredir para alcançarmos uma educação por nós idealizada, mas é preciso começar não deixando mais que esses povos sejam silenciados porque o passo seguinte do silêncio é o extermínio. Usando as palavras de Orlandi (2008 apud BERGAMASCHI e ZAMBONI, 2013): “o silêncio, uma vez estabelecido, volta sobre o mundo com toda a sua violência”. 2.2.5 Atualidades e tecnologias Como parte das demandas externas que influenciam na produção curricular também estão inseridas questões que se referem à atualidade e às necessidades que se originam dos alunos como forma de aproximação maior com o público alvo dos livros didáticos. Por isso é importante discutir como as renovações do mundo contemporâneo vem se relacionando efetivamente com o conhecimento histórico escolar. Levei esta questão para um trabalho que produzi em coautoria com Marcella Costa (2013) na tentativa de ampliar meus horizontes sobre os alcances da tecnologia no ensino. Apresento essa discussão com os estudos que se originaram neste trabalho. Como pensamos a relação das demandas da atualidade com o currículo de História? Como elas vêm sendo (ou não) incorporadas em um sistema de tradição como os livros didáticos? Tendo como panorama contextual os estudos da chamada pós-modernidade, compreendo os impactos das novas tecnologias no campo do ensino-aprendizagem inaugurando tempos de incertezas e mudanças em ritmo exponencial. Tecnologias e ensino estabelecem cada vez mais diálogos entre dois universos diferentes (mas não opostos) que envolvem a tradição e a contemporaneidade, entre os livros didáticos e as novas tecnologias. Autores, editoras e políticas públicas oficiais buscam formas de dialogar com essas demandas e criar mecanismos de aceitabilidade com seu público alvo. As editoras são um dos meios através do qual o diálogo entre tecnologia e ensino vem sendo estabelecido. Elas têm desenvolvido um movimento constante de renovação através do 89 uso de recursos diversificados, mas isso não significa, segundo Knauss (2009) que haja também uma renovação curricular. O uso desses recursos, segundo o autor, significam mais como tentativas de disfarçar a abordagem tradicional e linear dos conteúdos didáticos. Ou seja, apesar dos livros inovarem cada vez mais com design arrojado, mais colorido e atrativo para o aluno, a abordagem historicizante do conhecimento se mantém tradicional, cronológica, acontecimental e pautado na evolução das civilizações. As características gerais dos livros didáticos permanecem, o que mudou foram as formas de apresentação de informações e das atividades didáticas, revelando mudanças nas concepções sobre alunos e professores. Alguns livros surgem visando romper com esse tradicionalismo, trazendo documentos de época, gráficos, imagens, tudo para um maior aproveitamento com a participação do professor. Mas pode-se perceber que ainda existe um descompasso entre a história e o ensinoaprendizagem, além de uma incoerência entre uma proposta e a realização da obra. 2.2.5.1 A resistência do livro Estabeleço a relação dos livros didáticos com as tecnologias como negociações e diálogos realizados entre os agentes que fazem parte desses universos. O livro, ao contrário do que algumas análises vem apontando, não encontrarão seu fim diante da realidade saturada pelas novas tecnologias. Apoio-me nas contribuições de Chartier (1994, 2002) e Darnton (2010) que sustentam essa visão da continuidade da cultura escrita e livresca. O livro não encontrará um fim perante as tecnologias, assim como o rádio não entrou em extinção com o surgimento da televisão. Mas suas funções passam a ser ressignificadas ao longo dos tempos, o que muda é a relação da sociedade com este objeto. Chartier (1994) aponta as constantes revoluções que o livro passa quanto suas formas de disseminação e apropriação de acordo com seu tempo e espaço. Sobre isso, o autor diz que: Fazer coincidir, como sonhavam os bibliógrafos do Renascimento, a particularidade do lugar onde se encontra o leitor e a universalidade do saber, do qual o primeiro podia se apropriar, pressupõe inevitavelmente uma nova definição do conceito de texto, deslocada da imediata evidência que a associa para nós uma forma particular do livro (o códex) substituída a dezessete ou dezoito séculos por outra, o volumen ou livro em cilindro (CHARTIER, 1994 p. 92, grifo do autor). O livro é uma das maiores invenções humanas que resiste à extinção de forma extraordinária. É uma eficiente máquina de transportar informações, cômodo por ser folheado, que pode ser lido em qualquer lugar, resiste ao tempo e danos. O próprio Bill Gates, criador da Microsoft, afirmou que a tecnologia teria que melhorar de forma muito radical antes que 90 tudo tome a forma eletrônica. Não perdemos o livro impresso diante do grande fenômeno que é a internet, mas não podemos deixar de questionar como será o futuro deste objeto diante de uma sociedade em que os padrões comportamentais mudaram. Hoje, as crianças já crescem mexendo em computadores, tablets, celulares, etc. A tecnologia tem ocupado todos os espaços da vida de uma nova geração (DARNTON, 2010). É claro que o livro didático sozinho não é suficiente para educar. Sua existência não é independente, tornando-se um elemento constitutivo de um conjunto multimídia. Existem outros instrumentos que vem auxiliar no processo de ensino-aprendizagem e que não fazem uma relação de concorrência com o livro, mas sim de complementaridade como mapas, enciclopédias, equipamentos audiovisuais, internet e softwares didáticos. Normalmente no final de cada capítulo ou unidade de um livro didático há um espaço com sugestões de leituras de outros livros, de filmes, além das consultas na mídia eletrônica. Isso indica, de certa maneira, que o livro didático não pode (e nem deve) ser o único material a ser utilizado pelos alunos. 2.2.5.2 A internet Conforme alertado pelo historiador Carlo Ginzburg, a internet é um instrumento potencialmente democrático: “para fazer uma pesquisa na internet nós precisamos saber como dominar os instrumentos de conhecimento; em outras palavras, precisamos ter a disposição um privilégio cultural, atrelado ao privilégio social” 30. Mas que conhecimento é este que está sendo transmitido? Ele pode se configurar como um conhecimento escolar? Darnton (2010) defende que o conteúdo virtual representa mais uma informação do que um conhecimento acadêmico ou escolar desenvolvido de forma integral. Há uma diferença entre os conteúdos que são transmitidos pela internet e o conhecimento presente nos livros didáticos. Ao digitarmos em um site de busca algum tema, certamente surgirão um número grande de trabalhos que abordam sobre o assunto, mas neste contexto este conteúdo não passa de informações que não estão desenvolvidas. São universos diferentes de conhecimento. Para que a informação se torne conhecimento, é preciso que ela seja reorganizada e ressignificada, perdendo alguns trechos, ganhando outros, e seja adaptada ao seu leitor específico. Mas isso não deslegitima a importância do conhecimento transmitido pelo meio eletrônico. É preciso digitalizar esse conhecimento e regulamentar o ciberespaço para que se 30 http://www.youtube.com/watch?v=wSSHNqAbd7E. Acesso em: 20/04/2013 91 estabeleçam padrões de controle e qualidade, pensando no interesse do público mais ampliado. A internet é um espaço em potencial que abre novas possibilidades de compreensão e o desenvolvimento de uma nova consciência das complexidades envolvidas na construção do passado. São versões expandidas de diferentes aspectos do mesmo argumento, permitindo um novo tipo de leitura e o desenvolvimento de um olhar crítico e ativo do leitor (DARNTON, 2010 p. 94). 2.2.5.3 Mudanças O caminho a ser trilhado entre ensino de História e tecnologias ainda está no início de suas discussões, mas já podem ser percebidos alguns avanços nesse diálogo. O último PNLD para ensino médio (2012) continha em seu Guia um espaço com análise sobre “usos didáticos da internet no ensino da História”, como fruto de uma preocupação com o movimento maior de apropriação da internet por jovens e o esforço de modernização das escolas, que contam cada vez mais com a presença do computador dentro deste ambiente. Nessa seção, levando em conta a crescente inserção de referências a endereços eletrônicos nos livros didáticos, os avaliadores identificaram as características dos sites e analisaram sua coerência com o conteúdo trabalhado (BRASIL, 2011p. 24)31. Alves e Fonseca (2012) tecem algumas críticas sobre os conteúdos presentes em sites. Comumente utilizados por alunos da educação básica através do buscador Google, a autora nota a ausência da bibliografia consultada, o formato enciclopédico e sem reflexão interativa com o aluno, o hiato entre as transformações pelas quais a escrita da história sofreu nos últimos anos e a abordagem da história presente nos sites pesquisados, apontando que “a História neles encontrada ainda é tradicional, linear, privilegiando a política e a economia, presa a fontes escritas e avessas a tratar da cultura e do imaginário” (ALVES e FONSECA, 2012 p. 09). Percebemos, então, que a utilização dos meios digitais nem sempre é garantia de uma atualização crítica de práticas e conhecimentos. Essa relação das tecnologias dentro do sistema de ensino não é um movimento fácil. Tudo deve estar bem fundamentado para que se cumpra o objetivo de promover um ensinoaprendizagem de qualidade que permita aos alunos aprenderem o conteúdo a ser ensinado. Os sites que são fortemente indicados nos livros devem não só complementar a abordagem dos conteúdos, mas também proporcionar uma orientação de como podem auxiliar o professor em 31 Para mais informações sobre esta análise, consultar RALEJO, Adriana Soares; COSTA, Marcela Albaine Farias da. Pensando a interface entre os livros didáticos de História e as demandas tecnológicas: negociações possíveis. In: Anais do VII Seminário Internacional As redes educativas e as tecnologias: transformações e subversões na atualidade. Rio de Janeiro: Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 2013. 92 sua prática em sala de aula (e além dela) e oferecer reflexões de qual seja o papel daquele recurso que está sendo utilizado ali naquele momento. Em que medida ele pode efetivamente ajudar no ensino daquele conteúdo? Outro exemplo dessa relação entre tecnologia e ensino pode verificado no Edital do PNLD 2015 para ensino médio. O documento abre processo para inscrição e avaliação para livros digitais como obras multimídia que, junto aos conteúdos dos livros impressos, passam a apresentar objetos educacionais digitais, disponibilizados a alunos e professores de forma gratuita no domínio virtual. Esse recurso passará pelo mesmo processo de avaliação dos livros impressos, além de contar com uma equipe especializada e treinada sobre o assunto do uso pedagógico das tecnologias. (BRASIL, 2013). Ao mesmo tempo que a publicação eletrônica pode apresentar complicações, ela também pode valorizar o processo de ensino-aprendizagem, contando com um número ilimitado de apêndices e bancos de dados. Pode ligar a outras discussões, permitindo levar o leitor a outros caminhos de compreensão. É também uma forma econômica de distribuição, com diminuição dos custos de produção para o editor e resolvendo problemas de espaço nas estantes das bibliotecas e peso que os alunos são obrigados a levar todos os dias para a escola (DARNTON, 2010). Assim, o ensino não se encerra no livro didático, mas pode ir além dele, abrindo novas maneiras de compreender as evidências, formar novas narrativas e uma nova consciência da complexidade da formação do passado. Isso não é simplesmente um acúmulo de dados, mas a construção de novas possibilidades de conhecimento. 2.2.5.4 Autores e tecnologias E como os autores vêm enfrentando mais esse desafio no fazer curricular? As novas tecnologias exigem a configuração de novos tipos de sujeitos que estejam preparados para enfrentar esses desafios. Os autores precisam enxergar além do seu próprio objeto de produção. Eles devem ter a consciência que sua obra não pode dominar todo tipo de conhecimento histórico escolar, mas partindo de sua criação, ele pode abrir portas que leve os alunos a uma pluralidade de formas de explicação que o suporte eletrônico permite. É a percepção do autor e da equipe editorial sobre seu tempo e espaço que permitirá que novas possibilidades de formação sejam abertas. Tradição e inovação não devem ser colocadas de lados opostos, mas aliados. Os livros didáticos devem ser estruturados de uma forma que permita conter expansões de diferentes aspectos do mesmo argumento. Esses esforços já vêm acontecendo em diferentes instâncias. 93 Há autores incluindo sites para consulta como uma expansão do texto didático, diagramadores desenvolvendo um design mais arrojado, colorido e contendo caixas com explicações, curiosidades e vocabulário que lembram as diversas janelas de diferentes textos que podemos abrir na tela do computador que complementam o texto didático e os documentos oficiais que passam a utilizar a tecnologia como um de seus critérios de avaliação. As novas tecnologias da informação e da comunicação (NTICs) podem (a depender da intenção e da postura de cada autor) gerar novas formas de pensar e de agir nas escolas, servindo para dinamizar o ensino. Segundo Perrenoud (2000 p. 139) “as novas tecnologias podem reforçar a contribuição dos trabalhos pedagógicos e didáticos contemporâneos, pois permitem que sejam criadas situações de aprendizagem ricas, complexas, diversificadas (...)”. 94 3. Constituição de autorias de livros didáticos de História A produção do conhecimento histórico escolar é realizada em um cenário que não depende somente da vontade do autor, mas está submetida a limitações e contingências políticas, econômicas e socioculturais. Neste capítulo, busco compreender como se estabelece essa relação de produção e mobilização de saberes pelos autores de livros didáticos através da análise de diversas fontes que podem expressar marcas de autoria. Nesta pesquisa vou além do reconhecimento das questões de poder em que os autores estão envolvidos quando produzem obras didáticas. Busco compreender como um autor de livro didático estabelece diálogos com as diversas demandas para produzir o que ele considera uma boa obra destinada à educação. Para que seu produto entre no mercado editorial e seja aprovado pelas políticas avaliativas, é necessário seguir normas e exigências e, além disso, estabelecer laços atrativos com o público alvo. O livro didático é produto de um processo de negociação para construir consensos entre sujeitos e grupos sociais que disputam pela hegemonia de seu projeto (ALVES, 2011). Para compreender essas negociações estabelecidas na produção do livro, recorro à contribuição teórica do campo da retórica que me permite articular os dois aspectos sobre os quais dissertei nos capítulos anteriores: os interesses e as concepções de um autor com as demandas de seu público. Considero a retórica um campo de estudos que oferece possibilidades de decodificação e desmistificação do discurso. Acompanhando a visão de Michel Meyer (2007), a retórica não é só entendida como uma arte de manipulação, mas também pode ser concebida como uma forma de promover a adesão da boa fé quando nos permite problematizar e buscar compreender a dimensão metafórica do discurso. “A retórica se inscreve, então, nesse vazio entre o literal e o metafórico, entre a presença imediata e aquilo que existe atrás” (MEYER, 2007 p.21). Os estudos dessa nova concepção da retórica 32 inaugurados por Perelman (1996) com uma perspectiva mais racional sobre o indivíduo em que se buscou compreender como os argumentos são estruturados, passam a ser aprofundados por Meyer (2007) e Reboul (2004) considerando a subjetividade desse indivíduo. Reboul defende que a persuasão não pode ser analisada somente com base nos argumentos, mas também precisa que se considere a 32 Meyer (2007) estabelece um histórico sobre a concepção da retórica criticada por Platão como arte de manipulação aos estudos atuais, em que sua concepção foi redefinida e legitimada como metodologia de pesquisa. Para ver mais, consultar MEYER, Michel. A retórica. São Paulo: Ática, 2007. 95 dimensão da oratória, que implica as relações de afetividade e a empatia entre o orador e o público. Ou seja, a retórica consiste em estudos de técnicas de persuasão, mas para compreendê-la, é preciso considerar o acordo estabelecido entre o auditório e o orador, e os argumentos moldados com base nesta relação. Qual o objetivo de um livro didático? Dentre as várias respostas possíveis a essa pergunta, podemos considerar a tentativa de estabelecer uma comunicação com os alunos sobre o conhecimento escolar proposto. Mesmo que de forma provisória, devido às constantes incertezas e mudanças provocadas pelo tempo, a retórica representa a busca da construção de um consenso a favor da comunicação. Comunicar significa se fazer compreender pelo outro. E, para isso, é preciso renunciar a alguns de seus interesses e formas de pensamento em favor do outro para lhe fornecer meios de alcançar os pensamentos do autor de forma eficaz (MEYER, 2007). Nos estudos da retórica são consideradas três dimensões que configuram o discurso persuasivo: éthos, páthos e lógos. O éthos corresponde ao orador, o páthos, ao auditório e o lógos, associado ao discurso. As três dimensões se articulam na significação do discurso, mas, nas pesquisas, o foco pode ser enfatizado em cada uma, de acordo com os interesses investigativos. Observemos que o desenvolvimento do edifício retórico, da introdução à conclusão, recobre três grandes momentos: o éthos se apresenta ao auditório e visa captar sua atenção a respeito de uma questão, em seguida ele expõe o lógos próprio dessa questão, eventualmente apresentando o pró e o contra. E o orador conclui pelo páthos, pois dessa vez se trata de atuar no coração e no corpo do auditório, se possível agindo sobre suas paixões, em todo caso sobre seus sentimentos, e mesmo sobre suas emoções (idem p. 48 grifo do autor). O lógos é o meio que permite estabelecer a comunicação que expressa a diferença existente entre o orador e seu auditório, na busca de sua persuasão pela força de seus argumentos ou pela beleza de seu estilo, comovendo a quem se dirige. (...) o lógos é tudo aquilo que está em questão. Todo julgamento é uma resposta a uma questão que se coloca e é composto de termos que são formados como aderidos a questões que não mais se colocam e graças às quais é possível comunicar. (idem p. 45 grifo do autor). O páthos é qualificado como o auditório que se quer seduzir, convencer ou encantar. Na perspectiva de Aristóteles, o auditório era considerado como submisso e passivo ao orador, mas essa concepção veio sendo mudada, pois é justamente em função desse auditório que o discurso é moldado pelo orador, comandando assim o jogo da linguagem e a postura do autor. Se o auditório muda, o discurso também muda, levando o orador a se adaptar à nova configuração. 96 O orador deve levar em consideração as paixões do auditório, pois, se elas exprimem o aspecto subjetivo de um problema, respondem a ele também em função dos valores da subjetividade implicada. O páthos é o conjunto de valores implícitos das respostas fora de questão, que alimentam as indagações que um indivíduo considera como pertinentes. (idem, p. 39 grifo do autor). Como esse auditório se constitui no caso do discurso presente nos textos didáticos? Para quem é dirigido o livro? Neste caso, o auditório ao qual o livro didático é destinado, se diferencia daquele relacionado ao professor em sala de aula. O autor de livro didático está preocupado com um auditório múltiplo que inclui outros sujeitos além dos alunos. A persuasão envolve também os professores que poderão adotar o livro, os editores que irão publicá-lo, os avaliadores do PNLD que irão analisá-lo e os pais dos alunos, que também têm contato ou compram o material que seus filhos estão estudando, podendo aprová-los ou não. O auditório não é específico. Nenhum autor elabora uma obra pensando que se destinará especificamente a um aluno que vive em meio a um cenário de desigualdade e falta de oportunidades, por exemplo. Esse auditório é construído pelo seu orador. Não corresponde ao que o aluno é, mas àquilo que o autor pensa sobre o que ele é. O foco deste trabalho se volta para o lugar que expressa o éthos e como ele se constitui na relação ao seu auditório (páthos) através de seu discurso (lógos). O éthos é um domínio, um nível, uma estrutura – em resumo, uma dimensão –, mas isso não se limita àquele que fala pessoalmente a um auditório, nem mesmo a um autor que se esconde atrás de um texto e cuja “presença”, por esse motivo, afinal, pouco importa. (idem p. 35 grifo do autor) Dessa forma, a enunciação não corresponde necessariamente ao autor como indivíduo, mas ao conjunto de sujeitos que estão envolvidos na produção do livro didático: editora, revisores, diagramadores, ou seja, aqueles que se mobilizam para concretizar a obra. O éthos corresponde ao domínio daquele que tem autoridade e legitimidade para produzir um discurso que se constitui na busca de que o auditório imaginado se identifique com o texto e o aceite. Meyer (idem pp. 35-36) distingue dois tipos de éthos: o imanente – aquele cuja imagem se tem aos olhos do páthos – e o não-imanente – que não aparece quanto à atribuição do texto, mas que é efetivo. Em minha concepção, aqueles que produzem o livro didático, na maioria dos casos, configuram-se como o éthos não-imanente, já que seus textos são cada vez mais dotados de autonomia e entendidos por si mesmos, ou seja, a legitimidade da informação é dada ao texto em si, e não àquele que o compôs. Mas percebo também que os autores podem se configurar como éthos imanente quando a obra é atribuída ao nome próprio de um autor, aquele cujo nome está impresso e em 97 destaque na capa do livro, mas não é percebida a participação outros atores que estiveram envolvidos na produção da obra e que possuem responsabilidade por ela. Oliver Reboul, preocupado com essa concepção de discurso como um enunciado puro, sem a presença do “eu”, reforça a importância de saber quem é que fala. Sobre isso, o autor diz que: Primeira pergunta: quem fala? Ao contrário de certas análises estruturais, a leitura retórica assume a responsabilidade dessa pergunta, considerando úteis quaisquer informações referentes à vida do autor e à sua doutrina. Mas essas informações raramente são indispensáveis. E, assim, a leitura retórica postula que o texto tem autonomia e é entendido por si mesmo. (REBOUL, 2004, p. 140). E acrescenta: Finalmente, como o autor se manifesta em seu discurso? Esse é o problema da enunciação. (...) Cumpre mencionar dois casos notáveis. O primeiro é aquele em que o eu do discurso não é o de seu autor: isso se observa na citação ou na prosopopeia. O segundo é o caso em que não há eu algum, em que o discurso se apresenta como puro enunciado, assim como os textos escritos por juristas ou geógrafos. Mas a ausência de marcas de enunciação não significa ausência de enunciação: os textos mais objetivos na forma às vezes são os mais tendenciosos. (idem, p. 141 grifo meu) Destaquei em negrito o trecho que nos leva a relacionar a análise da retórica com a posição de atuação dos autores de livros didáticos. Em um discurso que, a princípio, aparenta não possuir marcas pessoais de autoria, dando autonomia ao texto para ser entendido por ele mesmo, Reboul indica que essa aparente ausência do “eu” não significa que não haja escolhas por quem produziu o texto e alerta sobre o quão tendenciosas podem parecer essas mensagens “sem autor”. Entre éthos e páthos existe uma distância definida por múltiplas diferenças (social, política, ética, ideológica, intelectual). A comunicação (lógos) surge como forma de resolver essa diferença, negociando e formando novas significações. É através do conceito de negociação à distância (MEYER, 2007) que encontro um instrumento teórico potente para entender as relações que o autor de livro didático estabelece para produzir uma obra para um público amplo, desconhecido e diferente entre si, mediante várias exigências do meio em que ele se encontra. Essa negociação se estabelece como um acordo entre sujeitos através da linguagem. Essa distância pode ser reduzida, aumentada ou mantida consoante o caso (MEYER, 1998 apud MONTEIRO & PENNA, 2011). O que negociamos pela retórica? A identidade e a diferença, a própria, a dos outros; o social que as enrijece, o político que as legitima e por vezes as sacode; o psicológico e o moral em que elas flutuam. (...) Negociar a distância não é acertado antecipadamente, na maioria dos casos, e a relação interpessoal é então marcada por uma problematicidade que não é destituída de autoridade. (MEYER, 2007 p. 26, grifo do autor). 98 É considerando essas negociações que os autores de livros didáticos estabelecem uma relação para produzir uma obra que seja aceita por seu público (que é imaginado e não real), que realizo, neste capítulo, a análise de uma obra didática. Para a realização desta pesquisa, foi selecionado um livro didático de História destinado ao ensino médio, que está mais tempo publicado no mercado editorial e que foi aprovado pelo PNLD. A opção por uma coleção de ensino médio se justifica pelas demandas e exigências que esse nível de ensino está submetido e que possibilita uma discussão mais crítica. Além disso, podemos relacionar com os interesses de seu público em se preparar para as provas de ingresso às universidades públicas, o que se configura como um desafio a mais para o autor que pretende elaborar uma obra para o ensino médio. A condição de que a obra selecionada tenha sido aprovada nos dois últimos PNLD (2007 e 2011) foi determinada não pela valorização desse tipo de avaliação em si, mas porque, sob o argumento de que a obra fosse aprovada e entrasse em circulação no grande mercado das escolas públicas, o autor teve que seguir regras dessa avaliação ao qual está submetido e obteve sucesso ao ser aprovado. A opção por uma obra que, dentro das condições anteriormente especificadas, tenha sido publicada continuamente por mais tempo se deve pelo sucesso que a obra obteve ao conseguir permanecer no concorrido mercado editorial por tanto tempo, sobrevivendo às mudanças e exigências que enfrentou ao longo de suas publicações. Duas obras se estabeleceram dentro dessas especificações: História Global: Brasil e Geral de Gilberto Cotrim, publicado pela Editora Saraiva e História: das cavernas ao terceiro milênio de Patrícia Ramos Braick e Myriam Brecho Mota, publicado pela Editora Moderna. As duas obras possuem a primeira edição publicada em 1997, mas optei pela primeira devido ao número superior de edições (a primeira possui dez edições publicadas enquanto a segunda, quatro), o que nos permite pressupor que tenha passado por mais adaptações ao longo desse período, e pelo seu maior volume de vendas no conjunto de títulos33 negociados pelo Estado, e de tiragens por editora34 de obras do ensino médio, como pode ser observado na tabela no Anexo 135. A análise dessa obra foi dividida em três momentos: primeiramente apresento os resultados de uma investigação sobre a visão do autor fora do texto didático através de fontes 33 O documento utilizado que possui as informações que foram trabalhadas usa o termo “título” como sinônimo de “exemplares” de um mesmo livro. O número de títulos negociados pelo Estado quer dizer o número de exemplares de uma mesma obra que foram vendidos para o Estado. 34 O número de tiragem por editora corresponde ao número de exemplares de todas as obras vendidas pela editora ao Estado. Isso inclui os livros de outras disciplinas. 35 Fonte: www.fnde.gov.br. Acesso em 02/01/2014. 99 que possuem suas considerações como no Manual do Professor 36 do livro e em texto publicado pelo próprio autor em portal de internet. Em seguida, faço uma análise da obra, comparando sua primeira edição (1997), edição submetida à avaliação do PNLD (2010), em três volumes, e última edição comercial (2012) 37 . Por fim, analiso os conteúdos de dois capítulos dos livros, buscando identificar as mudanças pelas quais a obra passou nos últimos quinze anos. Quais foram os desafios que o autor enfrentou ao longo desse tempo? O que ele considerou necessário modificar no livro? Como foram realizadas as negociações para obter a adesão do seu auditório? Que indícios de sua autoria podem ser encontrados na obra? Quais os movimentos realizados no processo de sua constituição como autor/éthos?38 Realizo esta análise considerando que toda atividade social, como a produção de um livro didático, comporta dois aspectos indissociáveis: um aspecto intencional, que pode ser estudado levando-se em conta os motivos do autor, seu discurso, seus objetivos, os significados que atribui à sua atividade etc, e um aspecto não intencional, quando se considera as regularidades resultantes dessa ação, através, por exemplo, de estudos descritivos ou estatísticos, quando se trata da ação de um grupo como o dos professores (HABERMAS, 1987 apud TARDIF, 2002). Considero neste trabalho esses dois aspectos de análise ao analisar a produção do autor no Manual do Professor e no texto didático, onde são expressas suas concepções sobre a obra, e a repercussão e aceitação da obra no mercado editorial. 3.1 O autor Ao investigar sobre a autoria da obra selecionada através de sites de busca na internet, no portal da Editora Saraiva e em pesquisa na Biblioteca Nacional, nos deparamos com um sujeito que possui uma longa trajetória de publicações no mercado editorial, o que instigou mais ainda esta pesquisa acerca do papel da autoria como uma atividade profissional, um éthos, em que há uma grande dedicação – no caso específico, a elaboração de obras didáticas, e não apenas a idealização de uma vocação para autor. Gilberto Vieira Cotrim nasceu em São Paulo no dia 5 de março de 1955. Na breve biografia fornecida pela editora e no portal de internet do autor39, perfil descrito também na primeira página de suas obras, é destacada a atuação do autor como professor de História, 36 COTRIM, G. História Global: Brasil e Geral – Manual do Professor. São Paulo: Saraiva, 2012. Cabe esclarecer que a edição submetida ao PNLD circula somente pelas escola públicas do país em paralelo com a edição comercial, vendidas para instituições particulares e o público em geral. Não é possível obter a edição PNLD nas livrarias. 38 Mais detalhes sobre a metodologia de análise serão especificados ao longo deste capítulo. 39 http://gilbertocotrim.com.br Acesso em 02/01/2014. O conteúdo tanto no portal de internet da editora quanto do autor são iguais. 37 100 formado pela Universidade de São Paulo 40 , mas, curiosamente, a descrição sempre vem acompanhada da informação adicional de que o autor é também advogado inscrito na OABSP41 . Que efeito produz esta enunciação ao expor tal informação? Informar que o autor é advogado valoriza esse sujeito, insinuando que sua formação é ampla e especializada em outra área, dando valor de autoridade do sujeito sobre a produção de um conhecimento. Perelman (1996) explora o uso da autoridade do éthos como um tipo de argumento que valoriza o saber do orador como um poder persuasivo que indica que aquele que fala possui um maior conhecimento que o auditório a que é direcionado o discurso. Na edição comercial mais recente do livro didático (2012), além de informar que o autor é professor atuante na rede particular de ensino, é atribuído a ele o título de licenciado em História, ou seja, sua formação possui enfoque na área de ensino de História, valorizando sua formação na área de educação, e não como um pesquisador científico, caso fosse atribuído o título de bacharel. Também lhe é atribuída nesta nova edição a titulação de mestre em Educação, Arte e História da Cultura pela Universidade Mackenzie e de filósofo formado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Percebe-se, nesta breve apresentação, que o autor vem realizando um investimento em estudos na área de Educação e do Ensino de História. Qual a origem desse movimento? As injunções do PNLD e exigências políticas? A análise da trajetória de Cotrim permite perceber que o autor é especializado na produção de livros voltados para a educação, não só na área de História, mas também na área de Direito, Filosofia, Ciências Sociais e, inclusive, Educação Artística e Musical. Em levantamento realizado por consulta no Acervo da Biblioteca Nacional e por meio digital, foram identificados 28 (vinte e oito) obras publicadas com o nome do autor, alguns em coautoria, e todos publicados pela mesma editora Saraiva, como pode ser visto no Anexo II. Seu envolvimento no meio didático é grande: ele fez parte da diretoria da ABRALE entre 1992 e 2004, sendo presidente da Associação nos anos de 1996 e 199742. Para compreender os objetivos e saberes que o autor mobiliza, realizei uma análise problematizadora, com base na negociação da distância conforme definida por Meyer, de duas fontes onde estão expressas as idéias do autor: um texto de sua autoria publicado em 05 de março de 2013 em seu portal de internet 43 intitulado Livro Didático: Análises e Avaliações 40 Não foram encontradas informações sobre o ano de formação do autor. Não é fornecido seu local de formação em Direito. 42 Fonte: www.abrale.com.br Acesso em 02/01/2014 43 Para acesso ao artigo, ver htttp://gilbertocotrim.com.br/livro-didatico-analises-e-avaliacoes-em-debate/ Acesso em 02/01/2014. 41 101 em Debate, e o Manual do Professor da última edição comercial de sua obra por nós consultada. 3.1.1 Livro Didático: Análises e Avaliações em Debate O exercício ler o texto “Livro Didático: Análises e Avaliações em Debate”, publicado pelo autor em seu portal de internet, foi feito com uma lógica diferente. A leitura realizada não teve como objetivo buscar referenciais para desenvolver uma discussão sobre o livro didático, mas perceber quais os sentidos que o autor atribui a esse instrumento. O portal de internet tem como objetivo usar esse espaço como um meio de comunicação educacional entre o autor e seus leitores (professores e estudantes). Nele estão presentes outros textos publicados pelo autor relacionados ao conhecimento histórico escolar, e envolvendo também curiosidades e aspectos culturais, informações sobre o autor, a listagem dos seus livros mais recentes e publicados no mercado editorial, vídeos de propaganda de suas obras e sugestões de espaços culturais para visitação em diversas localidades do país. O próprio portal que leva o nome do autor e a forma como ele se apresenta para o público leitor revelam indícios de como esse indivíduo se posiciona frente à comunidade de leitores: como um autor. Ele poderia se apresentar como um professor compartilhando com a comunidade escolar suas experiências, ou um especialista na área de sua formação. Mas ele opta por se apresentar como autor, reconhecendo essa posição social como algo que confere legitimidade a quem produz uma obra que expressa uma versão do conhecimento histórico escolar. Ao discutir sobre o papel dos livros didáticos, o texto analisado apresenta uma estrutura diferente da narrativa dos textos didáticos. Com citações e referências teóricas fortemente ancoradas na área de ensino de História, aparenta ser direcionado a pesquisadores e avaliadores, apresentando características de um texto científico. Ao longo do texto são citados pesquisadores normalmente utilizados nas pesquisas sobre livros didáticos e ensino de História, inclusive referenciais presentes nesta dissertação, como Circe Bittencourt, Kazumi Munakata, Katia Maria Abud e Maria de Lourdes Nosella. São também utilizados pelo autor referenciais da teoria da História (Marc Ferro, Edward Carr) e da produção escrita (Roger Chartier, Eco e Bonazzi) 44 . A estruturação dos argumentos 44 As datas de publicação dos referenciais que o autor utilizou no texto que serão citados a partir deste momento não constam nas referências bibliográficas deste trabalho e também não podem ser fornecidas as obras consultadas pelo autor porque não há referências bibliográficas no final do texto analisado. 102 pautada nas discussões das pesquisas sobre o assunto, busca demonstrar que o autor está preparado para abordar questões e responder a críticas sobre o livro didático. Essa preparação teórica do autor permite que ele desenvolva argumentos sobre os livros didáticos: a importância desse objeto pedagógico para professores e alunos, as influências das políticas oficiais, do mercado editorial, das atualidades e das críticas sobre os conteúdos. Destaco e analiso trechos do texto que evidenciam esses aspectos. Importância do livro didático para professores e alunos O livro é destacado por Cotrim45 como um recurso educativo que é referencial pedagógico para professores e alunos. Baseado em Bittencourt (1997), o autor assume a complexidade da análise do livro didático em todos seus aspectos e contradições. É apontado em diversos momentos que o uso do livro depende da apropriação que o professor faz em sala de aula, sendo que a autoria se estende para além do que está escrito na obra: Assim, o livro didático é diferente de si e de outro não apenas pela mudança de seu conteúdo, mas pela modificação de suas formas de uso. O livro muda quando mudam leitores e leituras. E a autoria do livro inscreve-se na autoria das aulas – esse momento de interlocução entre professores, alunos e materiais pedagógicos. (COTRIM, 2013, s/n; 2012, p.05 grifo meu). O trecho acima também está presente no Manual do Professor do livro didático e possui uma concepção do autor sobre a autoria do conhecimento escolar. De acordo com o fragmento acima, o que dá ao livro uma forma singular não é o conteúdo em si, mas a apropriação que se faz dele. Faço um paralelo com o que Chevallard (1991) chama de transposição didática externa, que é o exercício feito por aqueles que decidem sobre as políticas curriculares, e a transposição didática interna, que depende da apropriação que o professor faz dessas políticas na sua prática em sala de aula. Em outros momentos o autor enfatiza a importância do papel do professor na autoria do conhecimento, ou seja, ele se isenta da obrigação de que um livro didático tenha um caráter “completo” e que seu discurso pode ser desconstruído, reconstruído e ressignificado por seus leitores (alunos e professores). O autor diz que “vale lembrar que nenhum livro didático substitui o trabalho do professor” (COTRIM, 2013, s/n). A importância do livro ganha significado em sala de aula sendo mais um instrumento que contribui para a melhoria da educação no país: 45 Atribuo a autoria ao nome de Cotrim neste capítulo, mas isso não quer dizer que desconsidero a autoria coletiva. Mas a análise dessa questão requer maior discussão e aprofundamento. 103 Enfim, o livro didático pode ter sua importância na sala de aula. Mas está bem aquém da bipolaridade herói ou vilão. No fundo, é instrumento modesto no espaço amplo desta escola brasileira que, maltratada, só ganhará relevância quando integrar o contexto da valorização social da educação no país. Afinal, a educação precede a escola. (idem). As políticas oficiais O autor constrói sua argumentação tanto neste texto quanto no Manual do Professor, sempre pautado nos PCNs, reforçando a importância das políticas oficiais e demonstrando que está buscando adequar sua obra às essas exigências. O livro didático tem sido, desde o século XIX, o principal instrumento de trabalho para professores e alunos, sendo utilizado nas mais variadas salas de aula e condições pedagógicas, servindo como mediador entre a proposta oficial do poder expressa nos programas curriculares e o conhecimento escolar ensinado pelo professor. (idem). Mercado editorial A discussão sobre as diversas facetas do livro didático é conduzida através dos estudos que o autor realizou sobre o tema, dentre eles, aqueles que reconhecem o livro didático como obra editorial e mercadológica. A presença desses e dos outros elementos já citados não significa que o autor pense de tal forma. Não se pode esquecer que este é um texto escrito com o intuito de tornar-se público e disponível para leitura de qualquer leitor e o sujeito que vai buscar um texto desse tipo através da internet, provavelmente está envolvido e atento sobre as questões educacionais. Porém, não se pode negar que ao escrever tais conteúdos, o autor ao menos está ciente dessas problematizações. Quando o autor aborda sobre a questão editorial, ele não atribui o trabalho que gera como fruto que veio totalmente de si. (o livro didático) é obra editorial que, além do trabalho do autor, somente se materializa em função de diversos atores envolvidos no processo de publicação (editores, pareceristas, pesquisadores iconográficos, ilustradores, copidesques, gráficos). (...) Desse modo, este trabalho de publicação não se restringe à produção formal do livro, pois comparece ativamente no espaço da produção de sentidos. (idem, grifo meu). Quanto à concepção do livro como obra mercadológica, o autor designa como clientela escolar as escolas particulares e as instituições educacionais do Estado, que faz a intermediação da compra para alunos da escola pública. Como mercadoria, a obra didática está sujeita a uma série de injunções e condicionamentos: seu conteúdo está relacionado a currículos e programas oficiais, elaborados pelas próprias Secretarias de Ensino; avaliação de entidades governamentais; práticas de ensino utilizada por professores. (idem). 104 Ao considerar que seguir as especificações das políticas públicas é um critério que torna o livro uma mercadoria, o autor valoriza o Estado como seu maior comprador e atribui aos conteúdos oficiais curriculares como algo que é mais de valor mercadológico do que considerando a sua importância dessas políticas para a melhoria da educação. Considero que ao seguir os PCNs e PNLD tornou-se muito mais um critério para o livro conquiste maior número de vendas e aprovações do que a consciência da produção dessas políticas públicas em prol de uma educação de qualidade. Uso de outras fontes e recursos Ao considerar o livro didático como um dos recursos utilizados em prol da educação, o autor considera também o uso de outros tipos de recursos que ajudam no processo de ensino aprendizagem: “Para garantir aos alunos a aprendizagem de habilidades e apropriação de conteúdos significativos, a escola contemporânea precisa lançar mão de múltiplos recursos educativos, incluindo jornais, revistas, filmes, hipermídia” (idem). Críticas sobre os conteúdos O autor também demonstra estar a par das críticas sobre os conteúdos, se preparando dessa forma para não cometer tais erros em sua obra. Nessas análises de conteúdo, as críticas frequentemente encontradas em relação aos livros de História referem-se a: “simplificações”, “lacunas”, distorções”, “desatualização em relação à pesquisa tal”, “omissão sobre a participação do grupo social tal”, “inculcação de noções ideológicas que mascaram as contradições sociais” etc. (idem). Sobre as críticas que acusam o livro didático como objeto de manipulação da história, Cotrim adota uma visão marxista dos conteúdos citando as pesquisas de Marc Ferro (1999), que denuncia os poderes dominantes de Estados, Igrejas, partidos políticos ou interesses privados no financiamento de livros didáticos dentre outros meios em prol de uma história “universal”; e a pesquisa de Kátia Abud (1984) que aponta o livro didático como instrumento de veiculação da ideologia da classe dominante, transmitindo uma história factual e conservadora. 105 Concepções de autoria Cotrim se contrapõe a visão de transmissão dos conteúdos de forma única adotando a perspectiva da interpretação dos fatos. Baseado em Eni Orlandi (2001), o autor considera que o ato de narrar, inclusive a narrativa didática, não constitui na descrição dos fatos tal como eles foram. Mas essa narrativa parte de um autor, que adota uma perspectiva sobre os fatos, de uma determinada maneira, direcionado a um certo público. Podemos comparar a atribuição que o autor dá ao historiador como um sujeito do conhecimento que produz uma interpretação sobre o fato com o ofício de um autor de livro didático. “Assim, toda narração de fatos traz consigo atos de interpretação, que demandam pesquisar, selecionar, ordenar, valorizar e atribuir significados ao processo histórico investigado” (idem). Ao analisar o texto publicado pelo autor, pode-se perceber tentativas de negociação através de argumentação que busca demonstrar seus conhecimentos teóricos atualizados e que fundamentam a elaboração de sua obra. Apesar da apresentação do portal de internet indicar que é destinado à professores e estudantes, o texto produzido apresenta características, como o tipo de linguagem e argumentos utilizados, que revelam estar direcionado também a um auditório mais específico que possui conhecimento de questões de educação (avaliadores do PNLD). O texto foi publicado em 2013, dois anos depois da publicação do Guia de Livros Didáticos do PNLD 2012, onde consta a crítica ao Manual do Professor da edição de 2010: “A abordagem sobre os processos de ensinar e aprender a História escolar é desenvolvida no tópico Saber histórico escolar, sem aprofundar as discussões nos campos do ensino de História e da Educação” (BRASIL, 2011, p. 89). Ou seja, após os avaliadores do PNLD acusarem a falta de discussão envolvendo o campo de ensino de História e Educação, pode-se considerar que o autor buscou investigar pesquisas nessas áreas e publicar um texto em seu portal como resposta a essas críticas. 3.1.2 Manual do Professor Outra fonte que permitiu a análise do discurso do autor sobre a obra foi o Manual do Professor das edições recentes (2010 e 1012) que apresentam uma explicação detalhada sobre a proposta do autor para a obra. Esse novo modelo de manual do professor com especificações estabelecidas edital do PNLD aboliu o modelo de manual que continha somente respostas dos exercícios propostos no livro. O novo manual do professor: 106 (...) não pode ser apensas cópia do livro do aluno com os exercícios resolvidos. É necessário que ofereça orientação teórico-metodológica e de articulação dos conteúdos do livro entre si e com outras áreas do conhecimento; ofereça, também, discussão sobre a proposta de avaliação da aprendizagem, leituras e informações adicionais ao livro do aluno, bibliografia, bem como sugestões de leituras que contribuam para a formação e atualização do professor. (BRASIL, 2009). Seguindo essas exigências, o autor apresenta no manual do livro uma discussão que aponta os seguintes itens: orientação teórico-metodológica; avaliação pedagógica; interdisciplinaridade; sobre os afro-descendentes e os indígenas; bibliografia; orientações, sugestões e respostas; leituras complementares e atividades complementares. Os dois últimos itens não estão presentes na edição comercial do livro (2012), sendo então especificações cumpridas somente para a coleção submetida ao PNLD (2010). Quanto ao restante do conteúdo, há poucas alterações entre uma edição e outra, modificando-se pequenos detalhes como o uso de palavras mais apropriadas na redação do texto. No campo de orientações teórico-metodológicas, o autor esclarece a concepção de História que orienta seu trabalho; a relação entre educação, professor e livro didático; a concepção e estrutura da obra. Seguindo a linha das pesquisas sobre teoria da História, o autor demonstra compreendê-la como uma ciência em construção que se configura de acordo com o contexto em que o historiador vive. O conhecimento histórico se desenvolve como processo de contínuas visões e revisões de outros trabalhos e apresentação de novas perspectivas. (...) o historiador constrói um conhecimento limitado e seletivo, baseado em escolhas, filtros, esquecimentos e intencionalidades (COTRIM, 2012 p. 04). Cotrim aproxima a característica da produção da obra didática do ofício do historiador, considerando a autoria como um processo de escolhas e interpretações e que depende dos alunos e professores para que seus conteúdos sejam discutidos, questionados, ampliados e aprofundados. Assim, os conteúdos dos livros precisam ser desenvolvidos em sala de aula, não representando uma suposta completude do conhecimento histórico escolar. Esta obra didática também compartilha características do ofício do historiador. Por isso, está permeada de escolhas que se manifestam, por exemplo, nas formas de tratamento dos textos e da iconografia, na ênfase sobre determinadas questões e, também, nas ausências. Ao lado das intencionalidades existem, é claro, critérios teóricos, metodológicos e pedagógicos. (idem). A educação é compreendida pelo autor, baseado em Walter Garcia 46, como um processo de transmissão de saberes – educare – e de desenvolvimento das potencialidades do educando, instigando-o a produzir novos saberes – educere. O desafio do professor, e também do autor, é acompanhar esse duplo jogo do processo educacional. 46 GARCIA, Walter E. Educação: visão teórica e prática pedagógica. São Paulo: McGraw-Hill, 1977. 107 Há momentos, por exemplo, em que é preciso selecionar os conteúdos a serem estudados pelos alunos, o que, inevitavelmente, implica promover escolhas de temas e interpretações históricas. (...) Há outros momentos em que é necessário empenhar-se para que os alunos desenvolvam o senso crítico em relação aos conteúdos estudados, ressignifiquem o que lhes foi ensinado e construam seu próprio saber. (idem p. 05) O livro didático, no meio desse processo, é um instrumento que pode contribuir para o processo de ensino-aprendizagem. O autor alerta que “o livro didático não é – nem deve ser tomado como – uma coletânea de aulas” (idem). A aula, para Cotrim, possui uma característica singular estabelecida no contato entre professores e alunos. O livro didático pode ser utilizado de múltiplas maneiras e na ordem que o professor acha que faça maior lógica para aquele momento próprio da sala de aula. Compreendendo o livro didático como uma produção e não representação do conhecimento original e verdadeiro, o autor explica que a obra foi feita a partir de muitas escolhas: sobre a concepção de temporalidade, sobre a disposição dos conteúdos na obra, sobre o enfoque historiográfico, sobre o saber histórico escolar e sobre a noção de história como representação (COTRIM, 2014, pp. 5-7). Sobre a temporalidade, o autor adota a sequência do passado para o presente, estimulando a percepção do aluno sobre mudanças e permanências comparado aos dias atuais. Dessa forma, Cotrim busca dialogar com um de seus auditórios – os alunos – através do uso de comparações com o tempo presente como meio que facilita a atribuição de sentidos sobre os conteúdos. Apesar de seguir a temporalidade cronológica, o autor aponta que há outras formas de se compreender o passado, indicando a outro tipo de auditório –avaliadores e pesquisadores – o conhecimento sobre outras perspectivas de abordagem historiográfica, não sendo a escolha feita pelo autor a única possível de ser desenvolvida. A seleção dos conteúdos realizada para a explicação histórica, diante da multiplicidade de abordagens possíveis, seguiu a lógica de temas considerados pertinentes por ele à vida publica, focalizando diversas sociedades. Essas escolhas consistem em marcas da autonomia de Cotrim. O autor ainda diz que: Não tivemos como proposta promover constante “integração” dos conteúdos, para não forçar as especificidades de cada processo. As ligações são feitas ao longo da obra de diferentes maneiras: nos textos de abertura das unidades e dos capítulos, na interpretação proposta à iconografia, nos boxes, nas atividades da Oficina de história etc. (idem). Novamente o autor reconhece a possibilidade e a necessidade do professor participar desse processo de mobilização de saberes: “no entanto, esta forma de apresentação dos 108 conteúdos não exclui nem inibe abordagens que podem ser assumidas pelo professor” (idem p. 06). No enfoque historiográfico, o autor assume conduzir uma história centrada na política e na economia – outra marca da autoria de Cotrim. Ciente dos questionamentos que esse tipo de enfoque recebe, o autor aposta na legitimidade da reflexão política e econômica como esferas fundamentais da investigação histórica. Sobre o saber histórico escolar, Cotrim conduz uma discussão baseado nos PCNs, considerando que o livro didático reconstrói esse saber. Os assuntos que compõem esse saber transitam entre uma tradição da área de ensino e as inovações produzidas pelos novos estudos. Dessa forma, os conteúdos dos livros didáticos, ao mesmo tempo que representam um saber tradicional do ensino de História, também precisam se renovar. Este saber é constituído pelo autor com fontes de natureza variada além das documentais escritas como documentos iconográficos, públicos e privados. Por fim, a história como representação é defendida pelo autor como: (...) fundamental para uma história cultural que, na concepção do historiador Roger Chartier, “tem por principal objeto identificar o modo como em diferentes lugares e momentos uma realidade social é construída, pensada, dada a ler”. (CHARTIER, 1990, pp. 16-17) Essa concepção pode ser bem aplicada à necessidade de se identificar o modo como o livro didático apresenta suas formas e seus conteúdos, que são pensados, construídos e dados à leitura (idem p. 07). Cotrim afirma sua concepção de autoria do historiador no que diz respeito à produção do conhecimento histórico: o autor é um sujeito que, inserido em um contexto, interpreta realidades, expressa percepções e interpretações. Ao defender que a História é uma representação, ele faz uma analogia com o livro didático cuja elaboração implica a produção de representações na constituição do conhecimento histórico escolar, logo, ele também se encaixa na posição de autor-sujeito. No campo dedicado à discussão sobre a avaliação pedagógica, o autor expressa seu olhar sobre o aluno e passa a dialogar mais diretamente com o professor, a quem este material se destina. Até o momento então, a redação do Manual tinha um aspecto mais científico do que um diálogo do autor com seu público – o professor. O processo de avaliação, para Cotrim, implica responder a três questões: o que, como e quando avaliar. A avaliação é pautada no objetivo geral que o autor propõe para o trabalho com os alunos: “ampliação da consciência do que fomos para transformar o que somos” (COTRIM, 2012, p.8). O autor desdobra essa consciência em duas dimensões: a consciência de si, para que possamos nos perceber como criaturas e criadores da sociedade, e a consciência do outro, levando ao reconhecimento da alteridade. 109 É preciso ressaltar aqui que o autor reconhece a existência do “outro” para uma “convivência democrática, fazendo-nos promover, por exemplo, escuta social, tolerância com as diferenças, respeito pelas minorias.” (idem). Podemos perceber que o “outro” existe, mas não faz parte da história do “eu”, estabelecendo uma relação de aceitação e não de integração com a realidade do aluno. À pergunta “O que avaliamos?”, respondemos em termos: o desenvolvimento da consciência histórica, que implica reflexão sobre si, atenção para o mundo, superação do isolamento narcísico e do alheamento social. (...) devemos avaliar tanto os aspectos voltados à aprendizagem dos conteúdos da heteronomia da alteridade, quanto os aspectos voltados ao desenvolvimento do senso crítico sobre os conteúdos, da autonomia, da criatividade e da singularidade pessoal. (idem). Respondendo à pergunta de como avaliar, o autor considera que o livro promove uma avaliação ampla e contínua através de atividades ao longo do texto, não só ao final de cada capítulo, como Conversando, Treinando o olhar, Observando e Organizando e Oficina de História. Porém, mais uma vez, o autor considera que o livro não contempla todas as possibilidades de avaliação, atribuindo ao professor a responsabilidade de conduzir, atribuir valor e propor novas formas de avaliação. Inclusive, o autor sugere outras atividades não presentes no livro como: Organização de discussões e debates entre os alunos; Seminários, individuais ou em grupo, para a apresentação de temas históricos; Relatórios de pesquisas em diferentes fontes (museus, exposições, locais históricos etc.); Redação de artigos para um jornal a ser elaborado pelos alunos; Crítica de filmes, livros, exposições, etc. (idem). Além disso, a avaliação não se restringe somente aos conteúdos do livro, mas sugere que vá além dele: “A avaliação requer a observação e a valorização dos avanços dos alunos nas discussões em salas de aula, o esforço de argumentação, o companheirismo e o respeito aos outros, o empenho participativo” (idem). Quanto ao quando avaliar, o autor considera que é um processo contínuo com diferentes graus de complexidade. Mas nega a especialização exagerada do aluno sobre o assunto historiográfico, incentivando a busca da interdisciplinaridade 47 , guiado novamente pelos PCNs. A disciplina de História tem muito a contribuir em projetos interdisciplinares desenvolvidos pelos professores em suas escolas. Nesse sentido, o trabalho pedagógico utilizando mapas, iconografia, 47 Reconhecemos que a concepção sobre a interdisciplinaridade é tema de grande discussão nas pesquisas educacionais, mas nesta ocasião apenas demonstramos a concepção do autor sobre o assunto que não apresenta especificamente como compreende o termo. 110 literatura ficcional, entrevistas e filmes é um importante recurso para as atividades interdisciplinares. (idem p. 09) Cotrim dá destaque à questão da interdisciplinaridade ao dedicar um espaço no Manual para discutir os recursos pedagógicos que permitem essa troca. O autor cita recursos da cartografia, iconografia, literatura, filmes, estudos do espaço social e o local de atuação do professor com uso de entrevistas e da memória oral. Sobre todos esses recursos o autor descreve diversas formas de uso, o cuidado que o professor deve ter e a necessidade de se ter um olhar crítico sobre cada um deles. Ao final de cada discussão são sugeridas leituras complementares para o professor. A maioria delas é constituída de indicações de revistas científicas e coletâneas de autores especializados no assunto. Nas edições do PNLD (2010), há ainda um quadro com a transcrição de um artigo 48 de José Manuel Moram que traz a proposta de uso de vídeos em sala de aula. Por fim, como influência dos movimentos sociais e da legislação que tornou obrigatória o ensino da cultura e história afro-brasileiras e História da África e dos africanos e dos indígenas, o autor dedica um espaço para falar da implementação das leis nº 10.639/03 e nº 11.645/08. Cotrim demonstra conhecer as críticas de pesquisas que apontam perspectivas de abordagem que destacavam aspectos negativos da escravidão e acabavam por reforçar os preconceitos e discriminações, e valoriza a promulgação dessas leis: De certa forma, temas de história e cultura afro-brasileiras vinham sendo estudados nos livros didáticos há muito tempo. Mas é preciso verificar como esses temas eram estudados, muitas vezes carregados de negatividade e limitados à escravidão e ao domínio sofrido pelos africanos e seus descendentes, no Brasil e em outros lugares da América. (...) À primeira vista, instituir conteúdos obrigatórios por meio da legislação parece um pouco arbitrário. Todavia, as leis – como tudo o mais – têm história, e o processo que levou à promulgação da lei nº 10.639 foi fruto de pressões democráticas da sociedade, particularmente do movimento negro no Brasil que, legitimamente, exigia um tratamento à altura da importância dos negros brasileiros para a sociedade aqui construída ao longo de cinco séculos. (idem p. 12). Mas o autor assume que somente com a legislação imposta a questão não fica resolvida e insere sua obra como parte do movimento que busca superar esses desafios: Mas uma lei não resolve por si os problemas. (...) E ainda será preciso fazer muito mais para construir a igualdade no que se refere à apropriação da própria história dos brasileiros. Esse livro é resultado desse esforço. (...) O livro didático é um instrumento desse processo e, neste caso, houve um esforço para incorporar posturas apropriadas no que se refere à valorização da diversidade da população brasileira e à recusa do etnocentrismo e dos preconceitos em todo o processo histórico mundial aqui trabalhado. Ao longo deste Manual, o professor encontrará sugestões de trabalho a partir de conteúdos tratados nas unidades e nos capítulos do livro. Em todas as sugestões, os objetivos são o combate ao preconceito e a valorização da diversidade, na certeza de que a raça humana é uma só e de que a história é por nós construída. (idem). 48 Comunicação e Educação, (2): 27 a 35, jan/abr. 1995. 111 Sobre os povos indígenas, o autor pouco desenvolve sua argumentação, valorizando a legislação como uma vitória contra a negação aos índios de seus direitos à diferença e à identidade cultural. Sobre a contribuição da obra sobre essa questão, o autor diz somente que: Nesse contexto, esta obra de História do Ensino Médio engaja-se no esforço de contribuir para a inserção de conteúdos pertinentes à história e à cultura dos povos indígenas. Além dos conteúdos que a obra já traz, incluímos neste Manual do Professor sugestões de textos e de atividades que contemplam essas novas exigências (idem p. 13). Apesar do objetivo do Manual do Professor proposto pelo Edital PNLD ser um instrumento de orientação teórico-metodológica para o professor no uso do livro didático de melhor forma para conduzir sua prática, o texto de Cotrim neste documento apresenta mais uma vez uma forma que parece voltada para avaliadores do PNLD e críticos acadêmicos, configurando sua negociação mais fortemente com um dos auditórios ao qual o livro se destina. Sua argumentação está estruturada muito mais de forma a justificar suas escolhas do que oferecer meios de articulação dos conteúdos do livro com outras áreas do conhecimento. Em diversos momentos no texto, Cotrim defende que somente o livro não basta para oferecer uma educação de qualidade e que a continuidade desta tarefa depende da apropriação do professor em sua prática. Há momentos em que o manual oferece ao professor sugestões de outras ferramentas para o ensino, mas são discussões pouco desenvolvidas e parecem apenas buscar atender as exigências das políticas públicas. Ilustrando isso, podemos destacar que as sugestões de leituras complementares para o professor estão presentes somente na edição PNLD de 2010, o que não ocorre na edição comercial de 2012. Além de evidenciar os múltiplos auditórios aos quais ele se dirige, este exemplo demonstra a negociação do autor face aos constrangimentos institucionais que está submetido. Caberia questionar por que o autor não incluiu essas sugestões na edição comercial. 3.2 O livro didático A obra História Global: Brasil e Geral é um dos livros que mais se destaca no mercado editorial, tornando-se referência para professores e alunos por quase duas décadas. A análise das mudanças e da repercussão dessa obra tem uma importância na tentativa de compreender como um livro continua sendo publicado por um longo período de tempo, sendo um dos mais adotados nas escolas públicas no Brasil. Quais mudanças o autor realizou e o que permaneceu ao longo das edições? Para essa discussão, utilizo duas fontes de análise: dados oficiais fornecidos pelo governo federal sobre a venda e avaliação do livro e a 112 comparação, nesse primeiro momento, estrutural da primeira edição de 1997 e da última edição de 2012, destacando as mudanças editoriais. 3.2.1 A repercussão do livro Como já foi citada anteriormente neste capítulo, a Saraiva é a editora que possui o maior número de tiragens de livros para o ensino médio no PNLD 2013 com o número de 10.766.292 exemplares, como pode ser observado no Anexo III. E a obra História Global: Brasil e Geral contribui para esse número sendo o título da disciplina História com maior número de vendas para o Estado, totalizando o número de 508.571 exemplares vendidos (vide Anexo IV). O que faz com que essa obra, que poderia ser julgada como ultrapassada pelo tempo de sua criação, ser a mais vendida no mercado editorial, superando obras com propostas inovadoras e com autoria atribuída a nomes reconhecidos no meio acadêmico? Analisando o Guia PNLD 2012, verifica-se que os avaliadores destacam como aspectos característicos da obra a opção do autor por uma historiografia clássica, pautada na cronologia, como o próprio autor defende no Manual do Professor, e a articulação dos temas históricos com o cotidiano dos alunos, favorecendo a interdisciplinaridade (BRASIL, 2011 p. 87). Mas estas características não fazem o livro melhor ou diferente das outras obras aprovadas pela avaliação. Ao contrário, como pode ser observado no Anexo V, a avaliação da obra é uma das mais fracas nos critérios estabelecidos pelo PNLD. Também são destacados no Guia os textos complementares com a temática africana e indígena, textos estes que estão presentes somente na coleção do PNLD. Perguntamos-nos o porquê dessas contribuições não estarem presentes também na edição comercial do livro (2012). Penso que isso se justifica, dentre outros prováveis motivos, pelo caráter mercadológico em que a edição comercial, por ser um único volume e utilizada nas três etapas do ensino médio, leva o autor a “deixar de fora” alguns recursos para diminuir seu volume (o exemplar do aluno possui 720 páginas). Abordaremos essa comparação das obras mais adiante. Os pontos negativos destacados pela avaliação são: pouco aprofundamento com as discussões nos campos de ensino de História e Educação (sobre essa questão, o autor demonstra ter se aprofundado nesse campo de pesquisa no texto publicado no seu portal de internet analisada anteriormente); pouca relação das propostas de trabalhos interdisciplinares presentes no Manual do Professor com os recursos presentes no Livro do Aluno; priorização da narrativa linear ao longo do texto com poucas problematizações; pouca integração da renovação historiográfica (presente em caixas de texto, textos complementares e atividades) 113 com o texto principal; pouca contextualização do conhecimento histórico com sua autoria e processo de produção das fontes; pouco trabalho de problematização dos documentos iconográficos ao longo do texto, ficando a maioria deles como ilustrações; e pouca relação das atividades com o texto principal, não se desenvolvendo a reflexão crítica sobre o conteúdo estudado com potencialidade. (idem pp. 89-90). O que se pode concluir a partir dessa avaliação é que, apesar do autor estar ciente dos cuidados que deve ter ao elaborar um livro didático e se esforçar para negociar com as demandas políticas e sociais na produção do conhecimento histórico escolar, como Cotrim explicita bem no Manual do Professor, não é fácil o exercício da transposição didática ao tentar dialogar com as exigências que provém do entorno social. Como a avaliação expôs em diversos momentos, o texto principal, aparentemente, permanece o mesmo, sendo incorporadas as inovações historiográficas em textos à parte na forma de caixas de texto, glossários, textos complementares e exercícios propostos. Esse indício da falta de diálogo do texto principal com os textos auxiliares podem indicar que a criação do livro didático se estabelece em caráter coletivo, podendo não ser aquele que escreveu o texto principal o mesmo que escreveu os textos adicionais. Neste caso, as marcas de autoria não se restringem à imagem de Cotrim como indivíduo, mas revelam a participação de outros atores na produção didática. Porém essa é uma questão só pode ser resolvida mediante maior investigação e entrevista com o autor e sua equipe editorial. 3.2.2 Comparação das edições Para verificar os avanços e permanências nas obras publicadas, realizei comparações entre a primeira edição (1997), a edição submetida ao PNLD (2010) e a última edição (2012). 3.2.2.1 Diferenças e semelhanças entre a primeira e última edição Em um período de quinze anos, a obra História Global: Brasil e Geral foi publicada em dez edições, chegando a ter duas delas publicadas em um mesmo ano (terceira e quarta edição), como pode ser observado no Anexo VI49. Apesar do grande número de edições, foi realizada uma comparação da primeira e quarta edição e não foi observado nenhum tipo de alteração entre elas quanto à estrutura, número de páginas e capítulos, imagens e exercícios. As mudanças mais visíveis foram percebidas na sexta, nona e décima edição com alteração na 49 Os dados foram obtidos através de consulta na base de dados da Biblioteca Nacional. 114 arte da capa e no número total de páginas. Analisei a primeira e a última edição e foram identificadas as seguintes modificações estruturais: Capa50 Primeira edição: imagem de fundo é de um mapa histórico do Brasil na época das explorações coloniais. Na figura de primeiro plano é destacada uma roda e dentro dela há imagens de pinturas e fotos que retratam diferentes épocas como Idade Antiga (foto de pirâmides), Idade Média (foto de armadura medieval), Grandes Navegações (pintura de caravelas), escravidão no Brasil (pintura um negro de Rugendas), Revolução Francesa (pintura A liberdade guiando o povo de Eugène Delacroix), construção de Brasília (foto da Catedral Metropolitana de Brasília), movimento dos Caras Pintadas (foto de jovens protestanto) e manifestações contra testes nucleares (foto de protesto do Greenpeace). Não há referências na obra sobre as imagens da capa. Última edição: imagem de uma mulher negra sorrindo mostrando um celular com foto dela junto a uma criança registrada momentos antes. O que essas duas imagens têm a dizer sobre a concepção de História? A capa de um livro é um dos principais recursos de atração do público, logo, um dos argumentos para adesão do seu auditório. Na primeira edição, ao mostrar imagens que remetem a diversos acontecimentos históricos dentro de uma roda, objeto que marca a evolução do homem, transmite uma mensagem de progresso do tempo e da história em movimento. Mas, pelas imagens não estarem dispostas em ordem cronológica, não há indicação de um início e fim dessa história. Já na última edição, o livro trata de temas atuais como a tecnologia e as questões étnico-raciais, demonstrando um contraste entre a pobreza, representado pelo cenário da mulher negra, sem luxos, e o avanço, representado pelo celular moderno que exibe com surpresa e alegria. Percebe-se que o enfoque da capa deixa de ser a valorização do passado para destacar uma relação da história com o tempo presente. As cores também demonstram ser um recurso atrativo, passando do uso de cores neutras da primeira edição para cores vivas na última edição. 50 As imagens das capas aqui descritas podem ser conferidas no Anexo XI. 115 A mudança por uma imagem que remete a questões evidenciadas como importantes de serem abordadas pela legislação atual (questões raciais e da modernidade) mostra como o autor busca mais uma vez negociar com a comunidade epistêmica 51 e atender demandas do tempo presente. O autor atualiza os conteúdos na última edição. Qual o motivo desta opção? Já nos livros que fazem parte da edição submetida ao PNLD (2010), as imagens de cada volume fazem uma alusão geral à temática correspondente ao período de tempo que cada um deles contempla. No volume 1, que compreende aos temas da origem da humanidade ao século XVI, a imagem representada na capa é a foto de uma pirâmide, em referência às primeiras civilizações. No volume 2, que aborda temas do século XVI ao século XIX, apresenta uma foto do prédio do Parlamento em Londres, fazendo alusão ao período da Idade Moderna e formação dos Estados Nacionais. Já no volume 3, a capa possui a foto do Palácio Itamaraty, se referindo ao período que predominaram as questões internacionais durante a Idade Contemporânea. A análise das capas dos livros, considerando-as expressões de argumentação construída a partir da seleção de imagens que representam edificações relacionadas aos poderes instituídos, nos leva a refletir sobre os motivos da escolha. Parece expressar uma concepção de história mais tradicional que ressalta a dimensão política de “lugares de memória” (NORA, 1993) de grupos dominantes. Isso pode ser confirmado pelo enfoque tradicional da história ensinada no texto didático através da narrativa que privilegia os grupos dominantes. Equipe editorial A equipe editorial descrita na contracapa do livro não é a mesma entre a primeira e última edição, como pode ser observado no Anexo VII. Destaca-se na última edição o maior número e tipo de funções dentro da equipe, principalmente funções que dizem respeito aos recursos imagéticos da obra, demonstrando dessa forma uma maior preocupação com a qualidade, referências e uso de imagens apropriadas na obra que não sejam meramente ilustrativas. O crescimento e destaque desse tipo de função também se justifica pelas exigências do PNLD que reprovou obras que não tinham referências apropriadas nas imagens 51 Na dissertação de mestrado de Alves (2011), a autora define o conceito de “comunidade epistêmica”, baseada em Lopes e Dias (2009), como sujeitos ou grupos de interesse, no interior da comunidade acadêmica, que atuam na produção de políticas de currículo com maior ou menor grau de influência. (ALVES, 2011 p. 19). 116 e que não fossem de boa qualidade. Isso demonstra a mobilização na produção da obra para cumprir as exigências políticas. Entre a edição submetida ao PNLD de 2010 com a última edição de 2012, há a repetição de alguns membros da equipe editorial de produção, revisão, iconografia e cartografia. Nota-se a designação às empresas especializadas a função de cuidar da parte de diagramação, impressão e acabamento, demonstrando a amplitude da indústria editorial ao contratar serviços terceirizados para elaboração da obra. Organização do livro Entre a primeira e última edição houve um aumento significativo do número de páginas do livro: de 528 para 720, um acréscimo com certa de 200 páginas de exercícios, imagens e leituras complementares. Observando a tabela no Anexo IX, podemos identificar as seguintes mudanças: Aumento do número de unidades de acordo com a especificidade do tema (de 5 para 14 unidades); O conteúdo referente à História do Brasil passou a compor uma unidade específica e não mais junto com os capítulos referentes à História Geral de forma integrada; Apesar desse aumento do número de unidades, as divisões permaneceram com a denominação clássica de Idade Antiga, Idade Média, Idade Moderna e Idade Contemporânea. Na última edição essas classificações são divididas de acordo com os séculos; Inovação na última edição na determinação de uma unidade específica denominada “Bizâncio, Islã e Povos Africanos”; Substituição do termo “pré-história” por “origem humana”; Inserção de um capítulo sobre povos da China e Índia, povos africanos, não presente na 1ª edição; Substituição do termo “invasões bárbaras” por “reinos germânicos”; Substituição do termo “República Velha” por “Primeira República”. As mudanças de conceitos refletem a incorporação das discussões historiográficas, evitando termos que eram considerados polêmicos que diminuem o fato que está sendo discutido algo ultrapassado ou não civilizado: “pré-história”, “bárbaro” e “velha”. Também pode ser considerado como reflexo das discussões historiográficas o lugar que se situa o tema 117 da Revolução Francesa. Na primeira edição, o acontecimento está localizado na unidade de Idade Contemporânea enquanto que na última edição corresponde ao fim da Idade Moderna. A inserção de capítulos com temas que se referem a povos africanos e asiáticos, expressa um diálogo com o discurso historiográfico escolar, incorporação a discussão do “outro”. A inserção desse tema também demonstra a preocupação em seguir as exigências políticas do PNLD e da Lei Federal nº 10.639 de 2003. Apesar dessas mudanças, não houve uma revisão temática dos capítulos ou de organização cronológica. Os temas permaneceram, em sua maioria, os mesmos, recebendo aumento de discussão em cada um deles com justificativas do autor do uso de suas perspectivas historiográficas. Esta é uma marca da autoria de Cotrim que, apesar das mudanças provocadas pelos diálogos com o entorno social, o autor mantém seus princípios sobre a história ensinada baseada na perspectiva tradicional. Já a edição submetida ao PNLD (2010) apresenta basicamente a mesma estrutura de capítulos da última edição (2012). Somando o número de páginas dos três volumes do exemplar do aluno, dá um total de 880 páginas, 160 páginas a mais do que a versão comercial da obra. Através de contato realizado por meio de correio eletrônico, a editora Saraiva informou que a diferença entre a edição submetida ao PNLD e a última edição está no aprofundamento de alguns temas. Em uma primeira análise, pode-se observar que a edição do PNLD possui um maior número de exercícios propostos, principalmente com questões de seleção para as universidades. Observando a tabela no Anexo X, destacam-se outras alterações: Na edição PNLD ainda há o uso do termo “pré-história”; Mudança do título do capítulo 6 de “Egípcios” da edição PNLD para “África: Egito e reino Cuxe” na última; Não há o capítulo “Povos da China e da Índia” na edição PNLD; Nos livros do PNLD há a sessão “Cronologia” ao final de cada unidade, o que não está presente na última edição; Divisão em dois capítulos os temas de “Antigo Regime” e “Revolução Inglesa” na edição PNLD; Como pode ser observado, as principais negociações que as diferentes edições do livro evidenciam são as incorporações das renovações do campo da historiografia, exemplificado pela substituição de termos historiográficos que passaram a ser questionados pelo valor simplificador que provoca aos conteúdos. Também foi possível identificar a preocupação em 118 seguir as normas estabelecidas pela avaliação do PNLD que já traz consigo influências de movimentos de outras instâncias, como os movimentos sociais e as legislações vigentes, exemplificado pela inserção de capítulos e unidades que evidenciem a existência do “outro” no discurso historiográfico escolar. 3.3 O conhecimento histórico escolar Ao analisar os conteúdos das obras, busco identificar as mudanças e permanências entre as edições de 1997 (primeira edição), 2010 (edição PNLD) e 2012 (última edição). Para isso, realizo uma comparação de dois capítulos presentes em todas as edições: um capítulo de discussão sobre a História como ciência e um capítulo sobre a independência do Brasil. A escolha se justifica devido às mudanças de concepções sobre objeto de estudo e objetivos que essa área de conhecimento sofre constantemente e por ser um tema clássico, porém polêmico de interpretações do conhecimento histórico escolar. Inicialmente cabe chamar atenção para o título da obra: “História Global: Brasil e Geral” que remete a uma abordagem universalista da história. Mesmo que o livro não contemple todos os conteúdos do conhecimento escolar, Cotrim mantém uma organização cronológica linear para apresentação desses conteúdos, o que pode expressar uma característica tradicional de sua concepção da história a ser ensinada. Mesmo assim, ele busca atualizar seu trabalho atendendo às discussões da área de ensino de História mas, muitas vezes, elas se limitam a inserção dos novos conteúdos sobre África e Oriente dentro da periodização clássica. A análise da mensagem do autor na apresentação de cada livro nos permite compreender algumas mudanças de perspectivas sobre o objetivo da obra didática. Destaco os seguintes trechos da primeira edição: “Este livro apresenta uma visão global, clara e concisa, dos principais tópicos que marcaram a história ocidental, desde a Pré-História até nossos dias, incluindo a História do Brasil” (COTRIM, 1997 p. 03 grifo meu). Já na última edição (que é idêntica à edição PNLD), o autor afirma que: “Este livro apresenta uma visão global de alguns conteúdos históricos gerais incluindo aqueles sobre a história do Brasil” (idem, 2012 p. 03 grifo meu). Percebe-se que o autor muda seu discurso sobre a seleção dos conteúdos como principais, passando a dizer que só abordará alguns desses conteúdos, não os qualificando de acordo com a sua importância. No Manual do Professor, o autor justifica dizendo que não é possível uma obra contemplar todo o conhecimento histórico escolar. 119 O autor também modifica a perspectiva de uma história que privilegia a visão ocidental para um ponto de vista mais geral, buscando contemplar povos não ocidentais – o que pode ser exemplificado pela inclusão do capítulo “Povos da China e da Índia”. Isso demonstra como a autoria é uma prática que vai se constituindo junto com a produção didática, em que o autor passa a se preservar de possíveis polêmicas, substituindo termos que poderiam receber críticas. Na primeira edição, o autor anuncia contemplar uma discussão atualizada sobre o ensino: O livro foi elaborado para proporcionar um ensino dinâmico, moderno e atualizado. Com um enfoque abrangente dos fatos econômicos, sociais e políticos e com atenção aos novos setores dos estudos históricos: o cotidiano, a vida privada, a situação da mulher, a visão dos vencidos. (idem, 1997 p. 03) Note-se que, no momento da escrita deste texto, as discussões consideradas como atualizadas e relevantes nos estudos históricos são aquelas referentes ao cotidiano (aproximação com as discussões sobre o tempo presente), vida privada (realidade do aluno), situação da mulher (luta de movimentos sociais feministas) e a visão dos vencidos (perspectiva pautada no viés marxista). Já na última edição, o autor não especifica com quais questões atuais ele trabalha: Ao longo do trabalho incorporamos, tanto quanto possível, contribuições mais recentes da historiografia e exigências do ensino de História. Esperamos desse modo oferecer-lhe um referencial de estudos que o estimule a refletir sobre o fazer histórico e dele participar ativamente. (idem, 2012 p. 03). Esta edição demonstra a preocupação do autor em seguir não somente as orientações curriculares oficiais, mas as discussões envolvidas nas pesquisas historiográficas e de ensino de História, sendo a menção deste último aspecto uma inovação e valorização das discussões oriundas do campo educacional. O objetivo do autor quanto ao uso da História também está explícito nesse trecho ao dizer que pretende que a obra ajude na reflexão do fazer histórico e coloca seu leitor como parte ativa da História. A preocupação com o aprendizado do aluno também está presente nas duas edições: No plano didático, a preocupação principal foi a de despertar a participação dos alunos nas aulas de História, Nesse sentido, o texto foi enriquecido com mapas, documentos e uma atraente iconografia. Além disso, o livro conta com diversificadas atividades destinadas a monitorar a aprendizagem, desenvolver a reflexão e preparar o aluno para os exames vestibulares. (idem, 1997 p. 03) A visão que o autor expressa sobre o aluno é aquele que precisa ser seduzido a participar das aulas. Para isso, faz o uso de estratégias atrativas que buscam persuadir os 120 alunos sobre a importância do estudo e da qualidade deste livro, tais como: uso de mapas, documentos e imagens para atrair seu leitor. A presença de exercícios destinados à preparação dos alunos aos exames vestibulares também são destacados como um fator que atende aos interesses de seu público. Já na última edição, o autor diz que “outros caminhos podem ser trilhados. Por isso, o conteúdo deste livro deve ser debatido, questionado e ampliado” (idem, 2012 p. 03), demonstrando a perspectiva mais problematizadora sobre os conteúdos e o papel do professor na mediação para a aprendizagem. Ainda pode ser destacado mais dois aspectos da apresentação. Na primeira edição o autor profere um discurso mais voltado a falar diretamente com o professor, eliminando as possibilidade do aluno ser o leitor: “Esperamos que o estudante, por meio da reflexão histórica, amplie a consciência histórica” (idem, 1997 p. 03 grifo meu). Já na última edição, o autor diz que: “esperamos que você, por meio da reflexão histórica sobre outras sociedades e culturas, possa ampliar a consciência do que fomos para transformas o que somos” (idem, 2012 p. 03 grifo meu). Ao tratar o leitor como “você”, o autor não só estabelece laços mais diretos com seu auditório por meio de um discurso mais informal como também amplia esse público, podendo considerar-se como leitor qualquer sujeito que lesse a obra. 3.3.1 Análise de capítulo sobre concepções da História A escolha por um capítulo que abordasse o tema de introdução à História se justifica pela pertinência do assunto para que o aluno possa compreender o conhecimento histórico escolar. Um dos maiores desafios para o aprendizado em História está relacionado à pergunta: “O que é História?” ou “Para que aprendê-la?”. Para que os alunos possam ressignificar os conteúdos que estão sendo ensinados, é necessário que ele compreenda o contexto em que estes conteúdos estão inseridos. Inicialmente, farei uma comparação da edição PNLD coma última edição comercial e logo em seguida passo a compará-las com a primeira edição da obra. Capítulo 1: Tempo e História (edição PNLD e última edição) Estrutura do capítulo A estrutura do capítulo é a mesma nas duas edições: inicia com uma proposta de análise sobre a imagem Tempo de Pieter Cornelis Wonder de 1810, pedindo ao leitor para 121 localizar elementos que simbolizam o tempo na pintura seguido de uma questão pessoal sobre o que é realidade e o que é ficção na pintura. O texto didático começa com discussão sobre a polissemia da palavra história, determinando três possíveis significados: ficção, o processo vivido (que na última edição o termo foi substituído por “Vivência e memória”) e área de conhecimento. O autor diz que esses são alguns dos possíveis significados da palavra história, dando abertura para outras interpretações. Em seguida é desenvolvida uma explicação sobre fontes históricas que, segundo o autor, podem ser classificadas de diversas maneiras. Cotrim faz a opção por classificá-las como fontes escritas e fontes não escritas. O autor finaliza a primeira parte intitulada História e historiadores abordando sobre os limites e possibilidades do saber histórico, momento em que alerta sobre o fazer historiográfico como uma ação em que estão presentes as subjetividades do historiador, o tempo em que vive, suas visões e objetivos. Assim, a história não é uma verdade absoluta, mas uma atividade contínua de pesquisa. A segunda parte do capítulo é direcionada a abordar sobre o tempo e as diferentes concepções sobre ele. O autor exemplifica variadas formas de se medir o tempo e relaciona a necessidade da medição do tempo com os costumes da sociedade, criados assim de acordo com seus critérios. Há a indicação de outros sistemas de contagem do tempo, mas não os explica, aprofundando o assunto sobre o calendário cristão por ser o mais utilizado no mundo e explicando as regras de como calcular os séculos através da leitura dos anos. Por fim, o autor demonstra a divisão da periodização histórica tradicional (Préhistória, Idade Antiga, Idade Média, Idade Moderna e Idade Contemporânea) que é uma classificação atribuída à importância que os europeus dão às fontes escritas e os fatos políticos, desnaturalizando, dessa forma, como única forma possível de se classificar o tempo de longa duração. É possível fazer distintas periodizações da história, com base em diferentes enfoques ou critérios – econômico, político, tecnológico, ideológico-cultural etc. Assim, como as periodizações são concebidas pelos historiadores, elas expressam o ponto de vista interpretativo de quem as elaborou. (COTRIM, 2012 p. 17). Para demonstrar estar ciente dos perigos que envolvem a opção por se adotar a periodização tradicional, o autor aponta três críticas que essa concepção historiográfica recebe e apresenta sua defesa: 1. O uso do termo “pré-história” como um período que faz parte da História, assim, o autor continua usando o termo por ser mundialmente conhecido e ciente de 122 seus perigos; 2. A periodização tradicional foi elaborada com base no estudo apenas de algumas regiões da Europa, do Oriente Médio e do norte da África, não podendo ser aplicada a todas as sociedades do mundo. Apesar disso, ainda serve como base de muitas disciplinas históricas lecionadas no Brasil; 3. Esse tipo de periodização causa a impressão de mudança repentina de um período para o outro, mas o autor explica que as mudanças históricas fazem parte de um processo longo de gradativo. Ao final do texto didático, há a sessão “Oficina de História” com exercícios de cunho interpretativo, investigativo e reflexivo. A edição PNLD possui um número maior de questões, principalmente questões recentes do ENEM e de outras universidades nas sessões “De olho no Enem” e “Questões de seleção para as universidades”. No quadro intitulado “Para saber mais”, há a indicação de livros e filmes (em maior quantidade de indicações na edição PNLD) e também de sites de museus relacionados ao assunto do capítulo com uma breve explicação de seu conteúdo (recurso somente presente na última edição). Imagens No capítulo analisado, assim como no resto do livro, há uma variedade de imagens (fotos, pinturas, mapas, documentos), mas o texto didático não faz nenhuma referência a elas. Algumas estão dispostas meramente como ilustrações e outras, em minoria, são trabalhadas com propostas de análise através da sessão Observando. Na edição PNLD há a pintura A morte de Marat de Jacques Louis David de 1783 que não está presente na última edição, mas não há nenhuma referência ou trabalho de análise a ela. Por outro lado, não há uma fotografia de pinturas rupestres na edição PNLD, que está disposta também como ilustração na última edição. Há imagens de diversos tipos: pinturas, reprodução de recibos de compra e venda de escravos (exemplificando como fonte histórica), vitral do século XIII, comparação de representações de um mesmo tema em diferentes épocas e técnicas (o autor coloca, lado a lado, uma imagem da pintura de 1870 que representa Romeu e Julieta e uma foto da cena de um filme de 1996 representando o mesmo casal). Citações Diferentemente de muitos livros didáticos, o autor usa muitas citações de historiadores dentro e fora do texto didático principal, com proposta de interpretação de texto (proposta de exercício presente somente na última edição). Como ilustração disso, há em caixa de texto um 123 trecho do livro Que é História? de Edward Carr que discute o ofício do historiador com uma questão que propõe ao aluno interpretação sobre o texto. Também estão presentes ao longo do corpo do texto didático referências em notas de rodapé que atribuem o discurso que está sendo produzido a algum historiador. Neste capítulo foram feitas referências a Eduardo D’Oliveira França, Jacques Le Goff, G. Whithrow, Lucien Febvre, Sandra Jatahy Pesavento, Bertília Leite e Othon Winter. A presença dessas citações descaracteriza o texto didático como uma criação original do autor do livro e sim como um diálogo que o autor estabelece a partir de diversas fontes, legitimando a cientificidade do texto. Complementação da explicação Ao longo do texto, há uma série de modificações sem grande impacto de mudança no sentido geral das frases. Mas há alguns trechos que foram acrescentados na edição do PNLD que enriquecem mais o texto didático. Na explicação sobre o sentido da palavra história, o autor diz que: (...) as lutas e os sonhos, as alegrias e as tristezas de uma pessoa ou de um grupo social fazem parte de sua história, de suas vivências. Assim, o conjunto dos acontecimentos e das experiências que ocorrem no dia a dia, tanto de uma pessoa quanto de um grupo, pode ser chamado de história vivida. Essa história pode integrar a memória (recordações) das pessoas e dos grupos que a viveram. São as vivências lembradas e comemoradas. Mas existem outras vivências que podem ser esquecidas. A memória constitui, então, um “campo de disputa histórico” entre as lembranças e os esquecimentos. (COTRIM, 2010 p. 11; 2012 p. 11 grifo meu)52. Pode-se perceber que o autor desenvolveu o conceito de memória que ficara generalizado no texto submetido ao PNLD. Essa busca de explicar conceitos e demonstrar suas diversas perspectivas tem se tornado um recurso recorrente no ensino de História e uma preocupação que Cotrim passa a aperfeiçoar a cada edição. A explicação sobre fonte histórica também recebeu acréscimos. Na edição do PNLD, o autor diz que: “Os historiadores trabalham, portanto, com variadas fontes em suas pesquisas. A partir delas, buscam obter informações ou indícios sobre ideias e realizações humanas no decorrer do tempo” (idem, 2010 p. 12). Na última edição (2012), o trecho introdutório sobre as fontes históricas recebe outro desenvolvimento, buscando desconstruir imagens que podem ser naturalizadas pelos alunos: Os historiadores trabalham com variadas fontes em suas pesquisas. No entanto, essas fontes não são “lugares”, “documentos” ou “objetos” de onde a história possa surgir, nascer ou jorrar de forma cristalina. 52 A parte destacada em negrito corresponde ao que foi acrescentado no texto da última edição de 2012. 124 Essas fontes sugerem indícios, pistas, indicações sobre o assunto pesquisado. Por isso, devem ser interpretadas pelo historiador. (idem, 2012 p. 12 grifo do autor). Houve também acréscimos que vieram a reforçar o argumento do autor sobre suas opções de visão historiográfica. Ao adotar a periodização tradicional, o autor diz que há críticas sobre ela dizendo que: Outra crítica à periodização tradicional da história é o fato de ter sido elaborada com base no estudo de apenas algumas regiões da Europa, do Oriente Médio e do norte da África. Portanto, não pode ser aplicada a todas as sociedades do mundo. No entanto, essa periodização ainda serve de base para denominar muitas disciplinas históricas lecionadas em várias universidades do Brasil e do mundo. (idem, 2010 p. 18; 2012 p. 18 grifo meu)53. Na edição do PNLD, o argumento do autor fica incompleto já que, ciente das problematizações que a adoção da periodização tradicional da História possa ter, o objetivo seria de legitimar sua opção mesmo com as críticas que possa receber. Sem a parte que foi acrescentada posteriormente, dá a impressão de que a periodização tradicional não serve para se falar de História porque não contempla a sociedade de todo o mundo. Quando o autor acrescenta que mesmo assim, esse tipo de perspectiva ainda é usado em lugares que possui autoridade de conhecimento – as universidades – ele legitima sua escolha por estar acompanhando as produções científicas. Além das complementações no corpo de texto, o autor também utiliza do glossário como ferramenta explicativa, destacando palavras que possam ser desconhecidas por seu leitor como etimologia e inteligibilidade. Este é um recurso importante que vem sendo empregado cada vez mais nos livros didáticos. O uso do glossário é um indício do olhar do autor para seu público, fazendo imagens sobre o público daquilo que ele conhece e do que desconhece, ou seja, um auditório que é construído pelo seu orador. Podemos perceber que as modificações nessas duas edições revelam a preocupação do autor em mais uma vez demonstrar que possui domínio do conhecimento histórico, pois cita vários autores e com isso reforça seu argumento de autoridade como autor de livro didático. Expressa também a concepção de que o conhecimento escolar fica melhor qualificado ao apresentar com clareza a relação com a ciência de referência. 53 A parte destacada em negrito se refere ao acréscimo recebido na edição última de 2012. 125 Capítulo 1: Reflexão sobre a História (primeira edição) e Tempo e História (última edição) Em 15 anos de publicação, muita coisa mudou não somente do projeto gráfico da obra, mas também do corpo do texto didático, principalmente quanto ao assunto da teoria da História. Na primeira edição, o capítulo correspondente a esse tema é curto, com três páginas de texto escrito e uma página de exercícios. Já na última edição, há oito páginas de texto didático, mais duas de exercícios de interpretação. Porém, algumas ideias centrais permaneceram, não necessariamente usando-se as mesmas palavras. Destaco primeiramente as semelhanças para depois ressaltar as diferenças entre os textos. Semelhanças Começando pelo objetivo geral do capítulo, a compreensão da História como relação entre o passado e o presente permanece. Em ambas as edições, a História é descrita como estudo da vivência humana em épocas distintas (a última edição incorpora também “lugares distintos”). Ela serve para investigar como que homens (e “mulheres” que é acrescido posteriormente) viveram e pensaram em suas vidas (COTRIM, 1997 p. 08; 2012 p. 11). Ambas edições possuem citações de referências da historiografia. São citados em notas de rodapé os nomes de Fernand Braudel, Peter Burke e Eduardo. Há também caixas de texto em glossário próximo à palavra destacada que buscam no texto didático definir alguns conceitos. Na primeira edição são destacadas as palavras “prova incontroversa” e “historiografia”. Já na última edição, são destacados os conceitos de “etimologia” e “inteligibilidade”. Nota-se que foram destacadas palavras diferentes entre as edições, modificando-se aquilo que o autor constrói como possíveis dúvidas de seu auditório. As duas únicas imagens semelhantes entre as edições são a pintura O jantar no Brasil de Jean-Baptiste Debret e uma obra sem título de uma miniatura flamenga do século XV que mostra os primeiros relógios mecânicos. Porém as imagens na 1ª edição não possuem referência de origem da pintura e o texto da legenda não faz alusão direta à elas. Ao lado da pintura de Debret está inscrita a seguinte legenda: Com os olhos de hoje, o historiador pesquisa o passado. Seu objetivo é entender as ações dos homens através do tempo. Estudar a escravidão no Brasil, por exemplo, é uma forma de entender o porquê, de ainda hoje, sermos obrigados a conviver com a discriminação racial (COTRIM, 1997 p. 09). Já na última edição, a imagem é acompanhada da seguinte legenda: 126 Uma pintura pode constituir uma fonte histórica não escrita. Reprodução da obra O jantar no Brasil, produzida pelo pintor francês Jean-Baptiste Debret, que retratou cenas da sociedade e das paisagens brasileiras na primeira metade do século XIX. (idem, 2012 p. 12). Esta pintura no livro de 2012 tem um objetivo: ela está disposta abaixo da discussão sobre fontes históricas em que o autor destaca a existência de fontes não escritas e atribui a pintura à visão de um pintor em um determinado momento. A legenda presente na edição de 1997 induz o leitor a pensar que aquela é uma representação real da escravidão no Brasil. No texto didático também há semelhanças em que se pode perceber que o autor utilizou do texto original e o reformulou como segue no exemplo a seguir: Os fatos do passado podem ser definitivos, mas as conclusões dos historiadores nunca são definitivas. O historiador trabalha para seu tempo, e não para a eternidade (FRANÇA, 1951). Por isso, cada historiografia não deve ter a pretensão de fixar verdades absolutas, interpretações eternas, pois a História, mesmo como ciência, é uma atividade contínua de pesquisa. (idem, 1997 p. 09, grifos do autor; a referência de FRANÇA, 1951 está em nota de rodapé no original). Na última edição, o trecho com mesmo sentido sobre a história como verdades absolutas e definitivas, está estruturado da seguinte forma: Em consequência, as conclusões a que chegam os historiadores nunca podem ser consideradas absolutas e definitivas. O historiador trabalha para seu tempo, e não para a eternidade. (FRANÇA, 1951). Por isso, a historiografia não deve ter a pretensão de fixar verdades absolutas, prontas e acabadas, pois a História, como forma de conhecimento, é uma atividade contínua de pesquisa. (idem, 2012 p. 13, a referência de FRANÇA, 1951 está em nota de rodapé no original). Outra parte que permanece desde a primeira edição é o uso da periodização histórica tradicional, com a divisão do tempo em “Idades”, porém, sem a problematização do conceito de “pré-história”, que passa a ser feita na última edição, indiciando mais uma vez as reformulações que o autor faz sobre seu discurso já proferido, demonstrando que o sujeito está em outro tempo, com outro tipo de pensamento sobre o conhecimento histórico. Diferenças O capítulo sobre teoria da História foi um dos que mais sofreu modificações conteudísticas ao longo das edições. O que mais se destaca no capítulo da última edição e que não está presente na primeira edição são as problematizações de conceitos e imagens. Não há nenhum trabalho com imagens no capítulo da primeira edição. Outros aspectos que não estão presentes na edição de 1997 são: A polissemia da palavra “história” como ficção, vivência, memória e conhecimento; Consideração da existência de fontes não escritas; Trabalho de interpretação com trechos de historiadores; 127 Diferentes percepções e medições de tempo; Organização do calendário; Explicação do calendário cristão; Explicação da contagem de séculos; Problematização sobre as opções por uma periodização tradicional; Exercícios de interpretação; Indicação de leituras e filmes. Mas há também elementos que foram usados na primeira edição e não estão presentes na última edição, mas que consistem em bons recursos pedagógicos como a representação da periodização tradicional da História em uma linha de tempo. Apesar dos problemas que a linha de tempo apresenta como desproporcionalidade de distância dos períodos em relação ao número de anos, este é um recurso que, se bem utilizado, ajuda o aluno a compreender a ordem dos acontecimentos históricos. Na primeira edição também há uma caixa de texto ao final do capítulo que traça um roteiro de como analisar filmes de forma que ajude a compreender o tema estudado. Esse tipo de roteiro normalmente está presente em manuais para o professor, mas sugerir isso ao aluno permite que ele tenha autonomia de procurar outros meios de aprendizagem de forma que faça uma análise crítica. Este recurso também não se encontra na última edição. Podemos observar que uma edição mais recente não implica necessariamente um melhoramento na qualidade dos recursos de ensino-aprendizagem. Em alguns momentos, o autor se vê na necessidade de abandonar boas ideias para adotar outras que interessem ao seu público alvo, como foi este caso em que foi abandonado uma boa atividade de análise crítica de filmes para inserir questões de vestibular. Essas modificações realizadas pelo autor expressam as negociações e a busca em atender as regulamentações oficiais e as mudanças na historiografia e na área de ensino de História. 3.3.2 Análise do capítulo sobre independência brasileira Assim como foi realizado com o capítulo sobre a teoria da História, realizo uma análise comparativa dos capítulos que correspondem ao tema de independência do Brasil para fins de verificar se os resultados obtidos reforçam ou não o que foi constatado na análise do capítulo sobre história. Primeiramente foi realizada uma análise comparativa entre a edição submetida ao PNLD e a última edição, considerando aspectos como a estruturação do 128 capítulo, o uso de imagens, a menção de historiadores e o que foi adicionado na edição mais recente. Também faço o mesmo exercício de comparação entre a primeira e última edição, destacando semelhanças e diferenças que os quinze anos de publicação trouxeram. Capítulo: Independência política do Brasil (edição PNLD e última edição) Ao contrário do que ocorreu na comparação dos capítulos sobre a teoria da História, o capítulo sobre independência do Brasil sofreu poucas modificações expressivas, se destacando uma maior presença de imagens e exercícios na edição submetida ao PNLD. Como a coleção de 2010 é dividida em três volumes, isso permite que o tamanho do livro seja menor e mais prático para uso do aluno a cada ano de sua formação escolar. Assim, o autor pode utilizar um maior número de recursos que ajudem no ensino-apredizagem por disponibilizar maior espaço para isso. Vejamos mais detalhadamente como essas modificações se apresentam: Estrutura do capítulo O capítulo nas duas edições é estruturado da mesma forma. Inicia-se com um exercício de reflexão sobre uma imagem, e diferente do que vem ocorrendo com frequência nas obras didáticas, quando vão tratar sobre o assunto da independência, o autor não abre a discussão com a tradicional pintura Independência ou Morte de Pedro Américo. Esta imagem é um dos recursos mais utilizados para análise como representação do momento da independência ou, para autores que estejam familiarizados com as discussões de anacronismo no ensino, para problematizar a construção da imagem desse momento político. Mas Cotrim inicia o capítulo com a pintura Independência de Aldemir Martins, de 1969. Apesar disso, as questões propostas no quadro “Treinando o olhar” remete o aluno ao quadro de Pedro Américo localizado ao final do capítulo, sugerindo que se faça uma comparação entre as obras. Não é feito nenhum tipo de problematização quanto ao lugar e tempo de produção das obras para evitar erros de anacronismo. Porém, como o autor defende no Manual do Professor, há uma responsabilização do docente em desenvolver esse tipo de discussão em sala de aula. A discussão que se desenvolve inicialmente no texto principal tem o intuito de contextualizar o cenário de crise que ia se instituindo na América portuguesa. A narrativa histórica neste capítulo é bem característica: localiza o leitor no tempo (“meados do século XVIII”); descreve o lugar através de sua situação econômica marcada pela expansão do capitalismo industrial e o desenvolvimento das colônias; identifica os personagens envolvidos, não valorizando os heróis, mas marcado por grupos socioeconômicos compostos 129 por colonizadores, colonizados e colonos (uma visão com traços marxistas que transmite a imagem de dominantes e dominados); e uma trama que começa com a insatisfação dos colonos, resultando em rebeliões, inclusive de cunho separatista; passando pela mudança da situação da colônia ocasionada pela vinda da Família Real e desfecha com o rompimento com Portugal. Ao longo do texto há perguntas de interpretação e identificação de elementos a partir do que foi explicado. Na sessão intitulada “Organizando” e no fim do capítulo, em “Oficina de História”, há questões de reflexão (as mesmas questões nas duas edições) e questões de seleção para as universidades (a edição PNLD possui um maior número de questões e diferentes das presentes na última edição). Imagens e outros recursos O capítulo apresenta algumas imagens ao longo do texto, mas que estão dispostas em sua maioria como ilustrações do texto principal. A pintura Mestiço de Cândido Portinari, está localizada junto à explicação sobre a sociedade colonial, reforçando a atribuição de personagens que fazem parte da narrativa histórica. Na legenda da imagem, o autor permite compreender que a pintura é uma representação feita a partir da visão de um artista, dizendo que “nessa época, o artista optou por retratar o povo brasileiro redirecionando os rumos do seu trabalho” (COTRIM, 2010 p. 224; 2012 p. 446). O capítulo utiliza também outros recursos além do uso de imagens. Logo no início da narrativa há uma tabela com a estimativa da população do Brasil colonial (1798), em que se pode perceber uma maioria de negros. Porém, o texto didático não faz nenhuma referência ao gráfico e não há nenhum tipo de exercício que ajude o aluno a interpretar os dados que estão sendo informados. Além da tabela, há o trabalho com um mapa do Brasil indicando os conflitos no período colonial, acompanhado de uma proposta de análise que exige o conhecimento prévio do aluno sobre as atividades econômicas desenvolvida nas áreas de conflito. Esse tipo de informação não está presente no texto desse capítulo, levando o aluno a recorrer a outros capítulos sobre a economia colonial. Também são utilizados caixas de texto com fragmentos de obras de historiadores que problematizam o assunto retratado como o quadro intitulado “As faces da inconfidência mineira” que possui uma problematização sobre a criação da imagem de Tiradentes como um “herói nacional”. Há também o quadro intitulado “Versão consagrada da independência” com trecho da historiadora Iara Souza que aborda sobre como a pintura de Pedro Américo tornou- 130 se uma visão consagrada do evento, chamando a atenção para a não participação do povo na obra. Citações Neste capítulo há menos citações e a maioria delas não são de publicações recentes, mas mesmo assim o texto continua caracterizando-se como uma produção baseada em informação obtidas de vozes anteriores a do autor. São citados no corpo do texto as contribuições de Boris Fausto (1985, 1995), Silvia Lara (1992), Gilberto Freire (1977), Iara Lis Souza (2000) e Emília Viotti da Costa (1978). Complementação da explicação Uma das poucas modificações textuais localiza-se logo no início do texto, no parágrafo introdutório do capítulo. Segue o trecho com o acréscimo na última edição destacado em negrito: “Os dias 21 de abril e 7 de setembro, feriados nacionais, são marcos instituídos da “memória nacional” que lembram dois momentos do processo histórico que levou à independência política do Brasil” (COTRIM, 2010 p. 223; 2012 p.444, grifo meu). O uso de datas comemorativas representa uma tentativa de aproximação do aluno com aquilo que ele já conhece: dias de feriado nacional. O autor inicia o capítulo buscando atrair a atenção do leitor com a relação das datas com o tema que será trabalhado no capítulo. O trecho destacado em negrito, apesar das poucas palavras, remetem à discussão da História como memória, ou seja, atribui a instituição dos dias 21 de abril e 7 de setembro como construções, desnaturalizando-as como algo que foi desde o momento do acontecimento um dia a se comemorar. Mas a última edição não teve somente acréscimo de trechos ao texto principal, mas também sofreu perda de informações. Sobre a repressão à Conjuração Baiana, após a descrição dos presos e processados pela revolta, na edição PNLD há uma justificativa para as penalidades aplicadas dizendo que: “Tais métodos violentos de repressão tinham o objetivo de espalhar o pânico entre possíveis opositores do sistema colonial” (idem, 2010 p. 228). Este comentário não está presente na última edição. Sobre a expansão napoleônica que desencadeou a “fuga” da corte portuguesa para o Brasil, o autor diz que “a única força capaz de resistir aos franceses era a poderosa marinha de guerra inglesa” (idem). Ao retirar este trecho da última edição, o autor evita uma narrativa que tem um tom de trama ficcional e uma interpretação que poderia ser equivocada. 131 Capítulos Brasil - Crise do Sistema Colonial e A Independência do Brasil e Países da América Latina (primeira edição) e Independência Política do Brasil (última edição) As diferenças sobre o tema de independência do Brasil entre a primeira e última edição não se apresentaram de forma radical. Mas para fazer essa análise, foi preciso considerar dois capítulos da primeira edição – “Brasil: crise do sistema colonial” e “Independência do Brasil e países da América Latina” que correspondem a um só capítulo na última edição – “Independência política do Brasil”, com exceção do pequena trecho que corresponde à América espanhola que passou a ser abordado em um capítulo à parte – “Independência das colônias da América espanhola e do Haiti”. Pode-se perceber uma mudança de interpretação historiográfica sobre a independência do Brasil em que o processo que desencadeou na crise do sistema colonial (revoltas regionais) passa a ser entendidos como parte do processo de independência brasileira. Cotrim uniu os capítulos, sintetizando alguns aspectos na última edição e incluindo as revoltas da Inconfidência Mineira e Conjuração Baiana como parte do processo que levou à independência do Brasil. Apresentarei, como foi feito na análise do tema analisado anteriormente, as semelhanças e em seguida as diferenças existentes entre as duas edições. Semelhanças Os textos são estruturados na mesma lógica: apresenta a expansão do capitalismo industrial como contexto que vai desencadear na crise do sistema colonial. Porém, as implicações econômicas na crise são mais desenvolvidas na primeira edição, explicando como características da economia colonial o sistema capitalista ia de encontro como o monopólio comercial e o trabalho escravo. O desenvolvimento do argumento continua com a descrição da insatisfação dos colonos com as medidas de controle da metrópole como a proibição do ofício de ourives em 1751, a proibição de manter as manufaturas têxteis em 1785 e a proibição da instalação de indústrias de ferro até 1795. O que é acrescido na última edição é uma conclusão sobre essas medidas: Por essas e outras normas e medidas, havia muito descontentamento na colônia, provocando, ao longo do tempo, o acúmulo de tensões e conflitos entre colonos e colonizadores. No final do século XVIII, um colono português, professor de grego e latim em Salvador, Luís dos Santos Vilhena, manifestou assim sua insatisfação: “não é das menores desgraças o viver em colônias”. (COTRIM, 2012 p. 446) 132 Apesar de parecerem poucas as semelhanças entre as edições, a lógica da narrativa explicativa do autor permanece a mesma: privilégio da perspectiva política e econômica, como o autor defende em sua proposta no Manual do Professor. Diferenças A primeira marca que diferencia os capítulos pode ser percebida já em seu título. Enquanto na edição de 1997 o capítulo é intitulado de “Independência do Brasil e países da América Latina”, na edição de 2012 o tema recebe o nome de “Independência política do Brasil”, ressaltando a característica de que houve uma mudança política, mas permaneceu o antigo sistema econômico e social. Na última edição, muitas discussões são mais aprodundadas e pode ser percebida uma maior preocupação em caracterizar o cenário do Brasil colonial não só economicamente, mas também socialmente. O autor passa a descrever a sociedade colonial, caracterizando-a através de classificações (colonizadores, colonizados e colonos) e tabelas numéricas com o contingente populacional da época. Há outras pequenas mudanças que, em um primeiro momento, aparenta ser de pouca importância, mas que expressam grandes mudanças de interpretação historiográfica. Quando o autor aborda na primeira edição sobre as rebeliões coloniais, ele cita a Conjuração Mineira, a Conjuração Baiana e a Revolução Pernambucana como revoltas que tinham por objetivo a independência política do Brasil (COTRIM, 1997 p. 272), já na última edição, o autor passa a descrever como um movimento pela independência política das regiões rebeladas, ou seja, tira-se a concepção de uma luta pelo Brasil como uma nação e ganha um sentido de interesses locais. Esse tipo de correção é feito em outras partes do texto substituindo a ideia de luta pelo país para luta pela região. Este tipo de equívoco tornou-se recorrente no ensino de História e Cotrim atualizou-se sobre isso. Quando o autor vai falar sobre os planos dos inconfidentes da Conjuração Mineira na última edição, ele explica as dificuldades e de onde surgiram os dados sobre a revolta: São poucas as fontes de que os historiadores dispõem para analisar os planos e os objetivos dos inconfidentes mineiros. A maior parte dos dados provém do depoimento dos réus e das testemunhas no processo judicial (Autos da devassa da Inconfidência Mineira) que o governo português moveu contra eles. Assim, esse é um tema sobre o qual há poucas certezas. (idem, 2012 p. 448). A primeira edição finaliza o capítulo reforçando a permanência do Brasil no estado de dependência internacional, trecho esse que não está presente na última edição: “O Brasil “independente” também não conquistou uma verdadeira libertação nacional, pois saiu dos 133 laços coloniais portugueses para cair na dominação capitalista da Inglaterra” (idem, 1997 p. 284). Outras diferenças presentes são: Explicação do conceito de “conjuração” e “inconfidência” na última edição; Texto problematizador sobre a construção da imagem de Tiradentes como um “herói nacional” na última edição; Retirada de trechos da primeira edição que glorificam a imagem de Tiradentes como herói e mártir: “Era justamente o mais pobre e aquele que assumiu até o fim o ideal de libertar o Brasil” (idem, 1997 p. 274). Foi retirada também a narração sobre a execução de Tiradentes. Na primeira edição há um quadro explicativo do choque cultural sofrido no cotidiano das pessoas que habitavam o Rio de Janeiro com a chegada da Família Real; Retirada de “falas” dos personagens históricos como o conselho de D.João VI a seu filho que declarasse a independência antes do povo e a declaração do Dia do Fico de D.Pedro; Retirada da primeira edição de termos que transmitem juízo de valor como a volta de D.João VI à Portugal “contrariado” ou a declaração “orgulhosa” de D. Pedro que ficaria no Brasil; Retirada da primeira edição de relato de que houve uma festa de políticos brasileiros e líderes da maçonaria para dar a D. Pedro o título de Defensor Perpétuo do Brasil; Sugestão do filme Carlota Joaquina na primeira edição; Presença de exercícios de seleção das universidades na última edição. Também podemos perceber nesse tema, assim como no capítulo sobre teorias da história, que o autor incorporou modificações a partir de contribuições mais recentes da historiografia, o que confirma que sua produção autoral é um processo em movimento onde ele negocia e através do qual ele se constitui como autor. 134 CONSIDERAÇÕES FINAIS A crítica consiste em desentocar o pensamento e em ensaiar a mudança; mostrar que as coisas não são tão evidentes quanto se crê; fazer de forma que isso que se aceita como vigente em si não o seja mais em si. Fazer a crítica é tornar difíceis os gestos fáceis demais. Nessas condições, a crítica – e a crítica radical – é absolutamente indispensável para qualquer transformação. (FOUCAULT, 2004, p. 180) Este trabalho buscou problematizar a produção dos livros didáticos, mais precisamente como se constitui a autoria no sistema discursivo educativo. O papel do autor, que à primeira vista pode parecer objeto de simples definição – aquele que elabora uma obra literária, científica ou artística – tornou-se nesta pesquisa uma problemática. Como nos fala Foucault, é preciso ter um olhar crítico do qual busquei manter sobre a autoria de livros didáticos na produção do conhecimento histórico escolar. Retomo algumas problematizações que busquei responder ao longo deste trabalho: Como se desenvolve o papel do autor na elaboração do livro didático? Como eles negociam com as demandas externas e internas do sistema escolar? Quais são suas escolhas e defesas sobre o que deve ser ensinado? Como o sujeito se vê na produção do conhecimento: mediador ou autor? Considero que os resultados obtidos nesta investigação nos oferecem pistas para compreender a relação entre o autor e sua obra. O primeiro desafio enfrentado foi definir o que é um autor. A compreensão deste conceito e, além disso, entender como se constitui esse lugar no sistema discursivo exigiu a articulação de pesquisas de diversas áreas, já que não foram encontrados muitos trabalhos que abordem especificamente sobre a atuação de autores de livros didáticos. No capítulo 1, iniciei esta discussão através da contribuição de Chartier (1994) e, no Brasil, Bittencourt (2008) e Gonçalves (2009), destacando diferentes formas de atuação desse sujeito na história. Em um segundo momento, foram exploradas as concepções sobre a existência (ou não) do autor e como ela se manifesta na prática discursiva através das contribuições de Foucault (1995, 2001) e Chartier (2012). O diálogo teórico foi estabelecido com esses autores e não entre eles. Num terceiro momento desse capítulo, discuti o lugar do autor especificamente como sujeito da linguagem que atua entre relações de exterioridade e interioridade. Foi possível compreender que, dentro da coletividade que constitui o discurso, há marcas de individualidade quanto à apropriação e ressignificação de vozes realizadas pelo sujeito. Para essa discussão dialoguei com os trabalhos de Bakhtin (1990, 1997) e Foucault (1995). 135 Na quarta e última parte do capítulo 1, busquei configurar com mais detalhes a especificidade da atuação de autores de livros didáticos com base na potencialidade do uso do conceito de saberes docentes. Partindo da contribuição de Monteiro (2007a) e Tardif (2002), considera-se que os autores também mobilizam diversos tipos de saberes, inclusive os saberes da experiência. Ao mobilizar esses saberes, autores realizam uma transposição didática (Chevallard, 1991), atuando na produção do conhecimento escolar no lugar da noosfera. O uso deste último referencial teórico, através do conceito de transposição didática, na perspectiva utilizada por Monteiro (2007a), serviu de ponte que possibilitou relacionar as concepções sobre autoria desenvolvidas por pesquisadores do campo da linguagem com práticas características da produção didática. O segundo passo desta pesquisa foi configurar o cenário de condicionamentos que faz parte do processo de produção do conhecimento escolar. Diante do conjunto de pesquisas sobre concepções de livros didáticos no campo do ensino de História, foi possível articulá-los e agrupá-los em cinco categorias que estão relacionadas entre si, nas quais esse processo está envolvido: políticas públicas, mercado editorial, discurso historiográfico, movimentos sociais e atualidades/tecnologias. A configuração deste cenário foi desenvolvida no capítulo 2 e, nesta ocasião, apresentei algumas considerações sobre os resultados da análise realizada com base nessas categorias sobre o livro didático e seu autor – aqueles selecionados para esta pesquisa. No último capítulo, foi realizada uma análise do discurso do autor de livro didático em pauta buscando compreender as mobilizações realizadas, no âmbito de contingências internas e externas à obra didática, como forma de “negociação da distância” entre os interesses do autor e as demandas geradas pelo sistema escolar. Dessa forma, foi possível concluir que a autoria de uma obra não está ligada somente aos desejos de um autor, mas é um processo complexo que depende da articulação entre o que o autor/orador pretende quanto aos objetivos da obra didática que elabora com demandas de seu público/auditório. Percebemos que a noção de público-alvo de um livro didático é muito ampla. Um autor produz uma obra visando aceitação das editoras para que publiquem o livro, do Estado para que aprove e compre o livro, dos professores para que escolham o livro para ser adotado nas escolas, dos alunos para que aceitem e gostem do livro como uma forma eficiente de aprendizado e dos pais para que aprovem e/ou comprem o livro. O autor, ao produzir sua obra, procura atender aos interesses desse auditório amplo, diverso e diferente. Mas esse público, usando o referencial teórico da retórica, é um auditório que não é real e fixo. Ele é 136 imaginado pelo seu orador, que possui papel no momento criativo do texto, ou seja, é uma criação, mas ao mesmo tempo faz parte da produção do livro. Diante desse cenário, nos indagamos se é possível existir autoria nos livros didáticos. Penso que essa mobilização de saberes feita pelo autor, levando em consideração os desejos de seu público, expressa marcas de autoria quando o sujeito tem que selecionar, interpretar e ressignificar os conteúdos dando a eles uma nova forma, ou seja, há um processo criativo na produção de livros didáticos a partir de vozes anteriores e interiorizadas por esse sujeito, tornando a autoria, dessa forma, um processo coletivo, mesmo que a possa da obra seja atribuída a um nome, um sujeito. Assim, a autoria de um livro didático é definida pelas escolhas que seus criadores fazem. Foi possível identificar as marcas de autoria de Gilberto Cotrim em diversos momentos. Essas “marcas” demonstram não somente as opções de um sujeito, mas as relações estabelecidas que foram marcantes para a definição da obra. No Manual do Professor e no texto didático, o autor expressa suas opções através de propostas de como vai conduzir sua explicação e das justificativas de suas escolhas, mesmo ciente das questões que a adoção de uma forma de periodização tradicional da História, por exemplo, pode acarretar. Podemos considerar esta característica como uma marca de Cotrim e o coletivo que o forma: permanecer com algumas opções historiográficas que fez desde a primeira edição e fundamentá-las frente outros discursos historiográficos emergentes. Seu maior argumento é se isentar da responsabilidade de que sua obra possa contemplar tudo ao que se refere ao conhecimento histórico escolar, o que não é possível por ser um tipo de conhecimento que está constantemente em produção. Para isso, o autor, que conhece os discursos da inovação historiográfica e as demandas pedagógicas, alerta que há outros caminhos possíveis que podem ser traçados para a explicação em sala de aula, e isso compete ao professor. A análise das contingências que envolvem a produção do livro didático realizada no capítulo 2, possibilitou identificar algumas escolhas do autor no momento da análise da obra. Mas é preciso ressaltar que há outros aspectos da produção didática que não foram explorados neste trabalho por envolver uma discussão de maior amplitude, como a tradição disciplinar. Sobre as políticas públicas, Cotrim busca cumprir o máximo possível os critérios estabelecidos no Edital PNLD 2012 e dos PCNs. Pode-se destacar como evidências do cumprimento dessas exigências, observados no texto didático: a correção e atualização de conceitos, informações e procedimentos, buscando superar desatualizações; a elaboração de um Manual do Professor que orienta os docentes sobre o uso adequado da obra oferecendo instrumento de complementação didático-pedagógica e atualização; compreensão dos 137 conhecimentos da história como processo de produção; aprofundamento de conceitos estruturantes da disciplina; apresentação de recursos variados que possibilitem a significação histórica (textos complementares, fotografias e pinturas); uma abordagem histórica que oscila da pretensão de uma verdade absoluta ao extremo relativismo; e um maior cuidado para não cometer erros de anacronismo. O Manual do Professor expressa um discurso que aparenta ser direcionado para os avaliadores, cumprindo exigências tais como: oferecer informações e orientações complementares, orientar sobre as possibilidades oferecidas para a implantação do ensino de história da África, da história e cultura afro-brasileira e das nações indígenas, orientar o professor a considerar o seu local de atuação como fonte de análise histórica e para percepção e compreensão do espaço construído e vivido pelos cidadãos. Porém, apesar do esforço do autor em cumprir essas exigências, Cotrim não consegue contemplar todas elas de maneira eficiente, recebendo críticas, inclusive no parecer da avaliação do PNLD como a falta de coerência e adequação da obra com a abordagem teóricometodológica e a proposta didático-pedagógica explicitada no Manual do Professor. Apesar da grande variedade de imagens, estas são mais ilustrativas do que relacionadas aos objetivos didático-pedagógicos da obra, havendo pouca coesão entre textos e imagens; pouco uso explícito da produção recente de conhecimento da História e Pedagogia, apesar de transparecer esse conhecimento em seu discurso no Manual do Professor; e poucas inovações no texto didático principal da obras, ficando estas reservadas às leituras complementares e exercícios. A comparação entre a primeira e última edição evidenciou a influência do mercado editorial em que houve uma busca de melhoria da qualidade da produção do livro, com material e imagens de maior qualidade, inovações de recursos oferecidos pelo livro além do texto principal como caixas de textos, mapas, gráficos e maior número de exercícios. A mudança e especialização da equipe editorial também mostra o investimento empregado na produção da obra, configurando-se novas formas de intervenção e decisões. De acordo com Chartier (1998) a relação entre o autor e editores se configura como uma dependência, assim, pode-se considerar as editoras não só um dos auditórios a quem se destina a obra do autor/orador, mas também fazem parte a autoria da obra. O número de atores que fazem parte da elaboração do livro aumenta cada vez mais, influenciando e intervindo no significado dos textos transmitidos, muitas vezes reconfigurando as idéias iniciais do autor que idealizou a obra. O próprio Cotrim afirma em seu texto publicado na 138 internet que o livro didático “é uma obra que está além do trabalho do autor” (Cotrim, 2013 s/n). Pode-se considerar que a influência da editora Saraiva na obra de Cotrim contribuiu para o seu sucesso? Seria a editora uma das responsáveis por tornar o livro História Global: Brasil e Geral o mais vendido do último PNLD? Como a editora interveio na produção da obra? Infelizmente, as respostas a essas perguntas exige um maior movimento investigativo que não foi possível ser realizado no prazo de pesquisa desta dissertação. Uma das maiores influências que pode ser identificada no discurso e texto didático de Cotrim são aquelas das discussões da historiografia. A bibliografia indicada no final do livro e ao longo do texto indica o uso predominante de referenciais da década de 1980 e 1990, porém seu discurso no texto publicado e no Manual do Professor revela o conhecimento do autor de discussões mais recentes referentes à teoria da História e ao ensino de História. A problematização do autor sobre o conhecimento histórico constitui um dos maiores indícios da incorporação das inovações historiográficas e isso se reflete no texto didático que, apesar de optar pela narração historiográfica tradicional e cronológica, adota outros tipos de recursos explicativos como trechos de obras de outros historiadores que problematizam versões tradicionais da história, ilustrações e dados estatísticos. Apesar das tentativas de utilizar esses outros recursos, ainda há pouco incentivo para a análise deles. Apropriando-se das discussões da historiografia, o autor faz analogia da produção do conhecimento científico com a produção do conhecimento escolar, atribuindo a característica de construção, seleção e interpretação, configurada de acordo com o contexto e visão daquele que enuncia. Essa produção pode passar por revisões, assim como ficou evidente que a obra de Cotrim passou entre sua primeira e última edição. E mesmo com as atualizações que o autor realiza, ele afirma que isto não é suficiente para a constituição plena do conhecimento escolar. Este conhecimento é uma produção que vai além do livro didático e, nesse sentido, ele responsabiliza o professor a dar essa continuidade em sua prática – mais um sujeito a constituir a autoria. A substituição de termos historiográficos ultrapassados também nos ajudou a perceber negociações que o autor estabelece com as contribuições historiográficas. Foi necessário mudar o uso de alguns termos que são objeto de críticas de interpretação historiográfica, tais como: como “pré-história” para “origem humana”, “invasões bárbaras” para “reinos germânicos” e “República Velha” para “Primeira República”. 139 Apesar das influências desse campo expressas pelas escolhas de Cotrim, as marcas de autoria estão presentes, por exemplo, pela opção de manter o enfoque historiográfico tradicional e centrado na história política e econômica. As mudanças provocadas por influência dos movimentos sociais misturam-se com as exigências da legislação que incorporaram algumas das demandas desses movimentos. O autor discute no Manual do Professor o impacto da obrigatoriedade do ensino da cultura e história afro-brasileiras e História da África e dos africanos e dos indígenas, mas não destaca nenhuma outra incorporação do “outro” no discurso didático. Ao que parece, essa questão é valorizada no discurso do autor não por influência dos movimentos sociais, mas por obrigatoriedade das políticas públicas. Porém, não se pode negar as mudanças e desafios que essas questões, mesmo que sendo de forma obrigatória, surtem no ensino de História. Apesar de ressaltar a importância de se discutir esses temas, o conteúdo é mais acrescentado do que incorporado à narrativa que permanece com o enfoque tradicional. A incorporação das demandas da atualidade pode ser feita de diversas formas, desde a materialidade do livro até o uso de outros recursos e fontes. Apesar desses recursos, como diz Knauss (2009) representarem mais uma tentativa de disfarçar a abordagem tradicional, não se pode negar o esforço de superar o uso dos recursos explicativos tradicionais característicos do texto didático de história. Exemplo disso são os novos critérios de análise que os avaliadores do PNLD vêm adotando como o uso didático de sites e, mais recentemente, a submissão de livros digitais à avaliação. A tradição caracterizada pelo livro didático como recurso didático vem dialogando cada vez mais com as inovações multimídias. Começaram de forma tímida com a sugestão de sites junto a livros e filmes no final de cada capítulo ou unidade e estão desafiando cada vez mais com os softwares educativos. Isso abre porta para novas possibilidades explicativas do conhecimento escolar. Acreditamos ser uma questão de tempo e adaptação. Cotrim apresenta no final de cada unidade da obra um quadro intitulado Para saber mais que consiste na indicação de portais na internet, livros e filmes relacionados ao tema da unidade. Os endereços virtuais são acompanhados de uma breve descrição do seu conteúdo e os tipos de fontes que podem ser exploradas. Foi possível nesta pesquisa identificar tentativas de diálogo entre o autor e as contingências da produção do conhecimento escolar. A função de autoria vai além dos 140 interesses do autor e com isso buscamos responder o que é ser autor. Ele é um professor ou profissional do campo científico? Pode-se constatar que a autoria existe e é uma prática que vai se constituindo conforme a obra vai sendo elaborada. E isso exige dedicação e conhecimento de diversas dimensões do sistema educacional. O sucesso, o grande número de publicações e a longa trajetória de Gilberto Cotrim revelam que a autoria não nasce com o indivíduo, mas se constitui e vai mudando ao longo de sua prática. Ele vai se constituindo como autor através das publicações ao escrever e negociar com os constrangimentos ao mesmo tempo que mantém seus traços autorais. E também que a autoria é um “lugar” que se constitui na ação e que, no caso do livro didático, envolve múltiplos sujeitos e vozes interiorizadas na pessoa do autor. A pesquisa desenvolvida que resultou nesta dissertação permitiu aprofundar os estudos sobre a produção do conhecimento histórico escolar articulando os campos do currículo e ensino de História. A discussão sobre autoria nos ajudou a compreender e valorizar o livro didático como instrumento que resulta de escolhas, leituras de mundo, posicionamentos políticos, ideológicos e pedagógicos de seus autores. O uso do arcabouço teórico da retórica através do conceito de “negociação da distância” (Meyer, 2007) nos permitiu compreender como se estabelece na produção do livro didático a relação entre as concepções e interesses do autor/orador com as diversas demandas externas de seu público-alvo/auditório. A análise da obra de Cotrim contribuiu para identificar as negociações que o autor realiza com as políticas públicas, o mercado editorial e as necessidades e interesses de professores e alunos. E, em meio a esse diálogo com essas instâncias de poder para a elaboração do livro didático, a especificidade do discurso de Cotrim se faz presente por suas escolhas e mobilização e ressignificação das demandas de forma própria. 141 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABREU, Ana Silvia Couto de. Políticas de Autoria. São Carlos:EdUFSCar, 2013 _______________________. Autoria - no risco daquilo que escapa à estabilidade. Organon (UFRGS), v. 27, p. 15-25, 2012 ALVES, Irene de Barcelos. 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(Org.) Pesquisas em Educação – diferentes enfoques. Niterói: Editora UFF, 2008, p. 39-76. SAMPAIO, Francisco Azevedo de Arruda; CARVALHO, Aloma Fernandes de. Com a palavra, o autor: em nossa defesa: um elogio à importância e uma crítica às limitações do Programa Nacional do Livro Didático. São Paulo: Editora Sarandi, 2010. SAUSURRE, F. Curso de Linguística Geral. São Paulo: Cultrix, 2012 SILVA, Robson Carlos; CARVALHO, Marlene de Araújo. O livro didático como instrumento de difusão de ideologias e o papel do professor intelectual transformador. In: III Encontro de Pesquisa em Educação e II Congresso Internacional em Educação: Educação – práticas pedagógicas e políticas de inclusão. Teresina: EDUFPI, 2004. p. 6768. SILVA, Tomaz Tadeu da. Currículo e Identidade Social: Territórios Contestados. In: Alienígenas em Sala de Aula. 9ª edição. Petrópolis: Vozes, 2011. (1ª edição, 1995). _____________________. Documentos de identidade: uma introdução às teorias do currículo. 3ª ed. 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Número correspondente a todas as obras vendidas pela Editora, não só a obra aqui analisada. 148 Anexo II Obras publicadas de Gilberto Cotrim Título Nível Ano da 1ª coautoria Editora edição Acorda Brasil: o que você deve saber Público geral 1989 --- Saraiva Ensino Médio 2011 Mirna Saraiva sobre a Constituição Conecte Filosofar Gracinda Fernandes Direito e Legislação: introdução ao ----- 1982 ----- Saraiva 2009 ---- Saraiva 1977 ----- Saraiva 1983 (3ª ----- Saraiva direito Direito Fundamental: Instituições de ----Direito Político e Privado Educação Artística Corporal: ----- expressão musical plástica Educação Moral e Cívica: para uma 1º grau geração consciente edição) Educação Musical Educação: para uma escola 1º grau 1975 ----- Saraiva ----- 1987 ----- Saraiva 1º grau 1983 Neusa Saraiva democrática Encontro com a expressão artística Telles Filosofar Ensino Médio 2010 Mirna Saraiva Fernandes Filosofia Temática ----- 2008 ----- Saraiva Fundamentos da Educação: História ---- 1979 Mario Saraiva e Filosofia da Educação Fundamentos da Filosofia para uma Parisi ----- 1986 ----- Saraiva Fundamentos da Filosofia: História e ----- 2000 ----- Saraiva ----- 1993 ----- Saraiva História (Brasil e Geral): Nova Ensino 2001 ----- Saraiva Consciência Fundamental geração consciente Grandes Temas Fundamentos da Filosofia: ser, saber e fazer 149 História do Brasil: um olhar crítico Ensino Médio História e Consciência (Brasil e 2º grau 1999 ----- Saraiva 1994 ---- Saraiva 1992 ---- Saraiva Mundo) História e Consciência (Brasil e 1º grau Mundo) História e Reflexão 1º grau 1995 ---- Saraiva História (Brasil e Geral) para uma 1º grau 1983 Alvaro Saraiva geração consciente Duarte Alencar História Global: Brasil e Geral Ensino Médio 1997 ----- Saraiva História para o Ensino Médio Ensino Médio 2002 ----- Saraiva 1984 ----- Saraiva Organização Social e Política do 2º grau Brasil Passeio pelo mundo de estudos 1º grau sociais Saber e Fazer História Ensino 1982 edição) Parisi 1999 Jaime Fundamental Trabalho dirigido de educação 1º grau (4ª Mario Rodrigues ----- Saraiva 56 1975 ----- Saraiva 1977 Mario Saraiva musical Trabalho dirigido de filosofia 2º grau Parisi Fonte: Biblioteca Nacional e Estante Virtual 56 Só participa como coautor a partir da edição de 2007. 150 Anexo III Lista de editoras e valores negociados – PNLD 2013 Fonte: Portal FNDE 151 Anexo IV Número de títulos negociados História: das cavernas ao terceiro milênio Moderna 351.436 A escrita da História Escala Educacional 68.096 Conexões com a História Moderna 195.646 Estudos de História FTD 72.703 História: cultura e sociedade Positivo 39.377 História Saraiva 224.518 História em debate Editora do Brasil 12.580 História em foco Ática 37.101 História em movimento Ática 170.868 História Geral e Brasil Saraiva 31.961 História Geral e do Brasil Scipione 200.433 História Global: Brasil e Geral Saraiva 508.571 História Sempre Presente FTD 38.683 História Texto e Contexto Scipione 9.228 Nova História Integrada: história para o ensino médio Terra Sul 14.639 Novo olhar – História FTD 154.414 Por dentro da História Escala Educacional 26.104 Ser protagonista História Edições SM 171.999 Caminhos do homem Base Editorial 44.402 Fonte: Portal FNDE 152 Anexo V (BRASIL, 2011:23) 153 Anexo VI Edições 1ª 2ª 3ª 4ª 5ª 6ª 7ª 8ª 9ª Ano 1997 1998 1999 1999 2001 2002 2003 2005 2008 1ª 10ª 2010 2012 Edições publicadas de “História Global: Brasil e Geral” Observação Número de páginas 528 528 528 528 528 608 608 608 688 1º volume: 320; 2º volume: 304; 3º volume: 256 720 Mudança de capa Mudança de capa Mudança de capa Fonte: Biblioteca Nacional e Estante Virtual 154 Anexo VII Comparação da equipe editorial das edições de "História Global - Brasil e Geral" (1ª e 10ª edição) Edição 1ª edição 10ª edição Ano 1997 2012 ISBN 85-02-02449-3 978-85-02-17980-6 Supervisão/ José Lino Fruet M. Esther Nejm Gerente Editorial Editor Otacília Rodrigues de Freitas Kelen L. Giordano Amro Assistente de Não consta Rachel Lopes Corradini produção editorial Assistente Cintia Regina Takeuchi Luciana Martinez editorial Coordenador de Não consta Camila Christi Gazzani revisão Coordenador de Não consta Cristina Akisino iconografia Pesquisa Cecília C. M. G. Ramaciotti Cesar Atti, Alessandra Fernandes iconográfica Revisão Fernanda Almeida Umile (supervisão), Lucia Scoss Nicolai (enc.), Ana M. Cortazzo Silva, Cecília B.A. Fausto Barreira, Lilian Miyoko Teixeira, Mônica R. de Lima e Kumai e Sueli Bossi Rosemeire Carbonari Gerente/Edição Nair de Medeiros Barbosa Ricardo Borges de artes Supervisor de Não consta Fernando Jesus Claro artes Produtor de Não consta Narjara Lara artes Projeto gráfico e Selma Caparrós Não consta produção Capa Wilson Bekesas Narjara Lara Design Não consta Megalo Design Licenciamento Não consta Marina Murphy Diniz de textos Diagramação Não consta Aga Estúdio Cartografia Não consta Selma Caparroz Tratamento de Não consta Bernard Fuzetti imagens Impressão e Não consta Prol Editora Gráfica acabamento 155 Anexo VIII Comparação da equipe editorial das edições de "História Global - Brasil e Geral" (10ª edição e Edição PNLD) Edição 10ª edição Edição PNLD Ano 2012 2010 ISBN 978-85-02-17980-6 vol.1: 978-85-02-09418-5/ vol.2: 978-85-02-09420-8/ vol.3: 978-85-02-09422-2 Supervisão/ M. Esther Nejm Marcelo Arantes Gerente Editorial Editor Kelen L. Giordano Amro Dolores Pérez Vasconcellos Assistente de Rachel Lopes Corradini Rachel Lopes Corradini produção editorial Assistente editorial Luciana Martinez Francisca Edilania B. Rodrigues, Roberta Oliveira Stracieri Coordenador de Camila Christi Gazzani Camila Christi Gazzani revisão Copidesque Não consta Edison Mendes de Rosa Coordenador de Cristina Akisino Cristina Akisino iconografia Pesquisa Cesar Atti, Alessandra Fernandes Angelita Cardoso, Iron iconográfica Mantovanello Revisão Lucia Scoss Nicolai (enc.), Fausto Barreira, Lucia Scoss Nicolai (enc.), Lilian Miyoko Kumai e Sueli Bossi Cárita Negromonte, Renata Palermo e Sueli Bossi Gerente de artes Ricardo Borges Nair de Medeiros Barbosa Supervisor de artes Fernando Jesus Claro José Maria de Oliveira Produtor de artes Narjara Lara Não consta Assistente de Não consta Grace Alves Produção e arte Projeto gráfico e Não consta Tereza Yamashita produção Capa Narjara Lara Tereza Yamashita Design Megalo Design Não consta Licenciamento de Marina Murphy Diniz Não consta textos Diagramação Aga Estúdio Vol.1: Ulhôa Cintra Com. Visual e Arq./ Vol.2: Edsel Guimarães/ Vol.3: Cristina Nogueira da Silva, Hamilton Olivieri Jr. Diagramação do Não consta Vol.1: Matéria-Prima manual Editorial/ Vol. 2 e 3: Valdir Zacarias da Silva Cartografia Selma Caparroz Vol. 1 e 3: Sidnei Moura/ Vol.2: Selma Caparroz e Sidnei Moura 156 Tratamento de imagens Impressão e acabamento Bernard Fuzetti Não consta Prol Editora Gráfica Vol. 1: São Francisco Gráfica e Editora/ Vol. 2: Grafica Ideal 157 Anexo IX Estrutura dos capítulos 1ª edição Unidade Capítulo Introdução e PréHistória 1. Reflexão sobre a História 2. Pré-história Geral 3. Pré-história brasileira Vestibulares Idade Antiga Idade Média Idade Moderna 10ª edição Nº de páginas 4 6 Unidade Capítulo Refletindo sobre História Origens e culturas 1. Tempo e história 2. Origem humana 3. As primeiras sociedades 4. Primeiros povos da América 5. Povos da Mesopotâmia 6. África: Egito e Reino Cuxe 7. Hebreus, Fenícios e Persas 8. Povos da China e da Índia 9. Gregos 3 1 4. Mesopotâmia 5 5. Egito 7 6. Hebreus, Fenícios e Persas 7. Grécia 8 8. Herança cultural grega 9. Roma 5 10. Herança cultural romana Vestibulares 5 11. Bizâncio 6 12. Islão 6 13. Invasões Bárbaras e Império Carolíngeo 14. Sistema Feudal 7 15. A Igreja Medieval 16. Fim da Idade Média 17. Cultura Medieval Vestibulares 5 18. Estado Moderno 6 19. Expansão Européia e Consquista da América 20. O Impacto da 10 As Primeiras Civilizações 12 Antiguidade Clássica 12 Bizâncio, Islã e Povos Africanos 2 Idade Média Ocidental 6 6 4 Idade Moderna: O Mundo nos Séculos XV e XVI 3 8 Brasil Colônia Nº de páginas 10 8 10 8 10 13 9 12 19 10. Romanos 17 11. Império Bizantino 12. Mundo Islâmico 13. Povos Africanos 14. Reinos Germânicos e Império Carolíngio 15. Feudalismo 9 16. Igreja e cultura medieval 17. Séculos finais da Idade Média 18. Renascimento cultural 19. Reformas religiosas 20. Expansão europeia e conquista da América 21. O impacto da conquista da América 22. Mercantilismo e sistema colonial 13 23. Início da 7 11 8 10 6 9 11 13 13 13 5 158 Conquista Idade Contemporânea colonização 21. Renascimento 8 24. Administração portuguesa e Igreja Católica 25. Economia colonial: o açúcar 26. Escravidão e resistência 27. Domínio espanhol e Brasil holandês 28. Expansão territorial da Colônia 29. Economia colonial: mineração 30. Antigo Regime e Revolução Inglesa 31. Iluminismo e Despotismo 32. Revolução Industrial 9 22. Reforma e Contra-Reforma 23. Mercantilismo e Sistema Colonial 24. Brasil Administração Colonial 25. Brasil Economia Colonial 7 26. Domínio Espanhol e Brasil Holandês 27. Brasil Expansão Territorial 28. Brasil Mineração 29. Brasil Sociedade Colonial 30. Revolução Inglesa 6 33. Estados Unidos: da colonização à independência 34. Revolução Francesa 35. Era napoleônica e Congresso de Viena 36. Independência das colônias da América espanhola e do Haiti 37. Rebeliões liberais, nacionalismo e unificações 38. Expansão do imperialismo 39. América no século XIX 8 31. Iluminismo 7 32. Revolução Industrial 9 33. A Independência dos Estados Unidos 6 Vestibulares 6 34. Revolução Francesa 35. Era Napoleônica e Congresso de Viena 36. Brasil - Crise do Sistema Colonial 37. A Independência do Brasil e Países da América Latina 38. Revoluções Européias - 9 40. Independência política do Brasil 12 10 41. Primeiro Reinado (18221831) 10 9 42. Período Regencial (1831- 13 4 10 8 9 Idade Moderna: O Mundo nos Séculos XVII e XVIII 6 12 6 Idade Contemporânea: O Mundo no século XIX 6 5 Idade Contemporânea: O Brasil no Século XIX 8 12 10 13 11 10 11 11 10 10 9 12 12 13 159 Nacionalismo e Unificação 39. Desenvolvimento dos Estados Unidos 40. Expansão Imperialista 1840) 5 43. Segundo Reinado (18401889) 11 8 44. Segundo Reinado: últimas décadas 45. Primeira Guerra Mundial 46. Revolução Russa 47. Crise do capitalismo e regimes totalitários 48. Segunda Guerra Mundial 49. A instituição da República 50. Sociedade e Economia na Primeira República 51. Revoltas na Primeira República 52. Era Vargas (1930-1945) 14 53. Pós-guerra e novos confrontos 9 54. Independências afro-asiáticas e conflitos árabeisraelenses 55. Socialismo: da revolução à crise 56. Desigualdades e globalização 13 57. Período democrático (1946-1964) 14 58. Governos militares 59. Período democrático atual 17 41. Brasil Primeiro Reinado 42. Brasil Período Regencial 43. Brasil Segundo Reinado 10 44. Brasil República 45. Primeira Guerra Mundial 46. Revolução Russa 6 47. Brasil República Velha 12 48. Brasil Revoltas na República Velha 49. Crise do Capitalismo e Regimes Totalitários 50. Segunda Guerra Mundial 10 51. Brasil - Era Vargas 52. Brasil Período Democrático 53. Descolonização e Conflitos Regionais 54. Terceiro Mundo 55. Crise do Socialismo Autoritário 56. Primeiro Mundo e Globalização Econômica 57. Brasil - 12 10 17 9 7 8 Idade Contemporânea: O Mundo na Primeira Metade do Século XX Idade Contemporânea: O Brasil na Primeira Metade do Século XX Idade Contemporânea: O Mundo até os dias atuais 14 14 12 Idade Contemporânea: O Brasil nos dias atuais 4 9 12 12 10 12 14 14 8 14 13 17 14 20 16 Bibliografia 4 160 Ditadura Militar 58. Brasil Contemporâneo Vestibulares 8 14 Cronologia 20 Siglas dos vestibulares 1 161 Anexo X Estrutura dos capítulos 10ª edição Unidade Capítulo Refletindo sobre História Origens e culturas 1. Tempo e história 2. Origem humana 3. As primeiras sociedades 4. Primeiros povos da América 5. Povos da Mesopotâmia 6. África: Egito e Reino Cuxe 7. Hebreus, Fenícios e Persas 8. Povos da China e da Índia 9. Gregos As Primeiras Civilizações Antiguidade Clássica Bizâncio, Islâ e Povos Africanos Idade Média Ocidental Idade Moderna: O Mundo nos Séculos XV e XVI Edição PNLD Nº de páginas 10 8 Unidade Capítulo Refletindo sobre História Pré-História 1. Tempo e história 2. Origem humana 3. As primeiras sociedades 4. Primeiros povos da América 5. Povos da Mesopotâmia 6. Egípcios 10 8 10 As Primeiras Civilizações 13 9 12 Antiguidade Clássica 19 10. Romanos 17 11. Império Bizantino 12. Mundo Islâmico 13. Povos Africanos 9 14. Reinos Germânicos e Império Carolíngio 15. Feudalismo 10 16. Igreja e cultura medieval 17. Séculos finais da Idade Média 18. Renascimento cultural 19. Reformas religiosas 13 20. Expansão europeia e conquista da América 21. O impacto da conquista da 13 Bizâncio, Islâ e Povos Africanos 11 8 Idade Média Ocidental 6 9 11 13 13 Idade Moderna: O Mundo nos Séculos XV e XVI Nº de páginas 16 10 11 9 12 13 7. Hebreus, fenícios e persas 8. Gregos 11 9. Romanos 19 10. Império Bizantino 11. Mundo Islâmico 12. Povos africanos 13. Reinos Germânicos e Império Carolíngio 14. Feudalismo 11 15. Igreja e cultura medieval 16. Séculos finais da idade Média 17. Renascimento cultural 18. Reformas religiosas 18 19. Expansão europeia e conquista da América 20. O impacto da conquista da América 19 21. Mercantilismo e 10 21 14 9 13 10 9 16 16 20 162 América Brasil Colônia Idade Moderna: O Mundo nos Séculos XVII e XVIII Idade Contemporânea: O Mundo no século XIX sistema colonial 22. Mercantilismo e sistema colonial 23. Início da colonização 24. Administração portuguesa e Igreja Católica 25. Economia colonial: o açúcar 26. Escravidão e resistência 5 Cronologia 6 7 Bibliografia 2 9 Brasil Colônia 27. Domínio espanhol e Brasil holandês 28. Expansão territorial da Colônia 29. Economia colonial: mineração 30. Antigo Regime e Revolução Inglesa 31. Iluminismo e Despotismo 32. Revolução Industrial 33. Estados Unidos: da colonização à independência 34. Revolução Francesa 35. Era napoleônica e Congresso de Viena 36. Independência das colônias da América espanhola e do Haiti 37. Rebeliões liberais, nacionalismo e unificações 38. Expansão do imperialismo 10 8 12 13 11 10 11 11 Idade Moderna: O Mundo nos Séculos XVII e XVIII 8 10 10 9 12 12 Idade Contemporânea: O Mundo no século XIX 1. Início da colonização 10 2. Administração portuguesa e Igreja Católica 3. Economia colonial: o açúcar 4. Escravidão e resistência 11 5. Domínio espanhol e Brasil holandês 6. Expansão territorial da colônia 7. Economia colonial: mineração 11 8. Antigo Regime 9. A Revolução Inglesa 10. Iluminismo e despotismo 8 11. Revolução Industrial 12. Estados Unidos: da colonização à independência 13. Revolução Francesa 14 14. Era Napoleônica e Congresso de Viena 15. Independência das colônias da América espanhola e do Haiti 10 8 13 16 13 7 13 9 13 8 163 Idade Contemporânea: O Brasil no Século XIX Idade Contemporânea: O Mundo na Primeira Metade do Século XX Idade Contemporânea: O Brasil na Primeira Metade do Século XX Idade Contemporânea: O Mundo até os dias atuais Idade Contemporânea: O Brasil nos dias 39. América no século XIX 13 40. Independência política do Brasil 41. Primeiro Reinado (18221831) 42. Período Regencial (18311840) 43. Segundo Reinado (18401889) 44. Segundo Reinado: últimas décadas 45. Primeira Guerra Mundial 12 46. Revolução Russa 12 47. Crise do capitalismo e regimes totalitários 48. Segunda Guerra Mundial 49. A instituição da República 50. Sociedade e Economia na Primeira República 51. Revoltas na Primeira República 14 Cronologia 7 14 Bibliografia 3 8 Idade Contemporânea: O Mundo na Primeira Metade do Século XX 52. Era Vargas (1930-1945) 53. Pós-guerra e novos confrontos 54. Independências afro-asiáticas e conflitos árabeisraelenses 55. Socialismo: da revolução à crise 56. Desigualdades e globalização 57. Período democrático (1946-1964) 17 10 13 Idade Contemporânea: O Brasil no Século XIX 11 14 10 14 13 9 13 Idade Contemporânea: O Brasil na Primeira Metade do Século XX 14 20 14 Idade Contemporânea: O Mundo até os dias 16. Rebeliões liberais, nacionalismo e unificações 17. Expansão do imperialismo 12 18. América no século XIX 13 19. Independência política do Brasil 20. Primeiro Reinado (18221831) 21. Período Regencial (18311840) 22. Segundo Reinado (18401889) 23. Segundo Reinado: últimas décadas 13 15 12 14 15 15 1. Primeira Guerra Mundial 2. Revolução Russa 12 3. Crise do capitalismo e regimes totalitários 4. Segunda Guerra Mundial 5. A instituição da República 6. Sociedade e economia na Primeira República 16 7. Revoltas na Primeira República 8. Era Vargas (1930-1945) 15 9. Pós-guerra e novos confrontos 10 12 18 8 17 17 164 atuais Bibliografia 58. Governos militares 17 59. Período democrático atual 16 atuais 4 Idade Contemporânea: O Brasil até os dias atuais 10. Independências afro-asiáticas e conflitos árabeisraelenses 11. Socialismo: da revolução à crise 12. Desigualdades e globalização 13. Período democrático (1946-1964) 14. Governos militares 15. Período democrático atual 16 13 21 18 18 19 Cronologia 4 Bibliografia 2 165 Anexo XI IMAGEM DAS CAPAS DAS OBRAS 1ª edição (1997) 1ª edição (2010) – PNLD Volume 1 Volume 2 Volume 3 166 10ª edição (2012)