Universidade de Lisboa Faculdade de Medicina de Lisboa Estudos Clínicos e Neurofisiológicos para a Compreensão e a Reabilitação da Fraqueza e da Fadiga Respiratórias na Esclerose Lateral Amiotrófica Susana Cristina da Costa Pinto Tese orientada pelo Professor Doutor Mamede Alves de Carvalho Doutoramento em Medicina Especialidade de Medicina Física e de Reabilitação Todas as afirmações efectuadas no presente documento são da exclusiva responsabilidade do seu autor, não cabendo qualquer responsabilidade à Faculdade de Medicina de Lisboa pelos conteúdos nela apresentados. A impressão desta dissertação foi aprovada pelo Conselho Científico da Faculdade de Medicina de Lisboa em reunião de 23 de Outubro de 2012. A ti, Gui, Luz da minha Vida Na Vida todos procuramos uma só coisa. Mas, de tanto procurarmos, de tanto querermos mais, negligenciamos as coisas simples e belas que Ela diariamente nos dá. É na simplicidade da Vida que reside a Felicidade. É na simplicidade do empenho que reside a Inteligência. É na simplicidade do complexo que reside a Sabedoria. Susana Pinto Índice Índice Lista de abreviaturas utilizadas no texto 11 Prólogo 17 Resumo 23 Summary 27 Capítulo 1. 63 A Esclerose Lateral Amiotrófica – Revisão 1.A. Contextualização histórica 63 1.B. Epidemiologia 66 1.C. Apresentação clínica 72 1.D. O espectro clínico da doença 83 1.E. Diagnóstico clínico e neurofisiológico: alterações electromiográficas, laboratoriais e imagiológicas 1. A neurofisiologia como método de quantificação da 86 93 progressão da doença 1.F. 2. A avaliação laboratorial 96 3. A avaliação imagiológica 97 Etiofisiopatologia 99 1. Factores genéticos 100 2. Excitotoxicidade induzida pelo glutamato e radicais livres de 106 oxigénio 3. Disfunção mitocondrial e apoptose 108 4. Disfunção da junção neuromuscular 109 5. Alterações da transcrição e do transporte axonal 110 6. Alterações do crescimento axonal 112 7. Agregados de neurofilamentos e agregados proteicos 112 8. Disfunção inflamatória e contribuição de células não- 114 neuronais 9. Deficiência em factores neurotróficos e disfunção nas vias de 116 sinalização 7 Susana Pinto 1.G. Histopatologia 117 1.H. Modelos utilizados para estudos na ELA 120 1.I. Terapêutica 122 1. Riluzol e outras drogas anti-glutamatérgicas 125 2. Protecção neuronal 127 3. Modulação mitocondrial 129 4. Agentes anti-oxidantes 131 5. Anti-inflamatórios 132 6. Modulação da expressão genética 134 7. Células estaminais 134 8. Outros fármacos 135 9. Tratamentos não- farmacológicos 136 9.a) Gastrostomia 136 9.b) Exercício físico 137 Capítulo 2. 147 A Insuficiência Respiratória na Esclerose Lateral Amiotrófica 2.A. 2.B. 2.C. 8 A dinâmica ventilatória 147 1. A inspiração 147 2. A expiração 152 3. As vias aéreas superiores 153 4. O controlo da ventilação 154 4.a) Controlo cortical 154 4.b) Controlo metabólico – o centro respiratório 155 5. O sono e a mecânica ventilatória 157 Condicionantes da função respiratória na Esclerose Lateral Amiotrófica – A fraqueza e a fadiga respiratórias Avaliação laboratorial da função respiratória na Esclerose Lateral Amiotrófica 1. Capacidade vital e Capacidade vital forçada 159 2. Pressões inspiratória e expiratória máximas 166 3. Pressão inspiratória nasal máxima durante um sniff (SNIP) 167 4. Ventilação voluntária máxima 168 5. Pressão de oclusão labial 169 6. Gasometria arterial 171 163 164 Índice 7. Estudo do sono 171 8. Oximetria de pulso nocturna (OPN) 173 9. Estudos neurofisiológicos específicos da função respiratória 176 na Esclerose Lateral Amiotrófica 9.a) Estudos de condução nervosa do nervo frénico e 176 do nervo espinhal 2.D. 2.E. 9.b) Métodos utilizados 182 9.c) Estudos neurofisiológicos complementares 184 Escalas de avaliação da função respiratória e de qualidade de vida na ELA 1. Escala de dispneia 186 2. Escala de fadiga: EVA, FSS, Borg 187 3. Escalas de avaliação do estado mental 188 4. Escala de sonolência diurna 189 5. Escalas funcionais 190 6. Escalas de qualidade de vida 192 7. Percepção subjectiva de doença e da função respiratória 296 Tratamento da Insuficiência Respiratória em Doentes com ELA 197 Capítulo 3. 186 207 O interesse do estudo neurofisiológico dos músculos respiratórios: contributo pessoal 3.A. O envolvimento do diafragma e dos músculos inspiratórios acessórios na ELA – relevância do seu estudo 1. Avaliação do envolvimento do diafragma 208 2. Associação entre a perda de unidades motoras do diafragma 212 208 e dos músculos para-espinhais 3. Envolvimento do músculo esternocleidomastoideu (SCM) 3.a) Estudo das respostas motoras do SCM em 216 218 controlos saudáveis 3.b) Estudo das respostas motoras do SCM em 222 doentes com ELA 9 Susana Pinto 3.B. Relevância para a prática clínica do estudo das respostas motoras do nervo frénico e dos parâmetros das provas de função respiratória 1. Haverá um envolvimento respiratório mais precoce nas 230 230 formas de início bulbar? 2. Valor preditivo para a hipoventilação das respostas motoras 235 diafragmáticas 3. Valor preditivo de sobrevida das respostas motoras 243 diafragmáticas na ELA 4. A resposta motora do nervo frénico na progressão da doença Capítulo 4. 251 259 Exercício respiratório na Esclerose Lateral Amiotrófica 4.A. 4.B. 4.C. REALS – Programa de exercício respiratório na ELA 263 1. População e métodos 263 2. Resultados 269 REALS – Sobrevida dos doentes submetidos a programa de exercício respiratório na ELA 1. População e métodos 277 2. Resultados 278 REALS – Discussão 282 Capítulo 5. 277 289 Discussão geral 5.A. Contribuição da presente Tese para a compreensão da fraqueza e da fadiga diafragmáticas assim como de outros músculos respiratórios na ELA 5.B. Contributo da presente Tese para a determinação dos factores de prognóstico respiratório na ELA 5.C. Contributo da presente Tese para a melhoria da função respiratória dos doentes com ELA – exercícios respiratórios 5.D. Ideias para o futuro 290 295 300 303 Referências bibliográficas 305 Agradecimentos 377 Adenda 1 379 Adenda 2 381 10 Lista de abreviaturas utilizadas no texto Lista de abreviaturas utilizadas no texto %Decr: Percentagem de decremento AMPA: Ácido propiónico α-amino-3- %Dips<4%/h: Percentagem de hidroxi-5-metil-4-isoxazole decremento superior a 4% da AMPc: AMP cíclico saturação média de oxigénio por hora Ampl: Amplitude da resposta motora aa: Aminoácidos APM: Área pré-motora AD: Autossómico dominante AR: Autossómico recessivo ADM: Músculo abductor do dedo V Area: Área da resposta motora ADMAmpl: Valor médio da amplitude ASM: Área suplementar motora pico-a-pico da resposta motora do ATS: Sociedade Torácica Americana músculo abductor do dedo V por AUC: Área abaixo da curva estimulação do nervo cubital AVDs: Actividades de vida diária ADT: Anti-depressivos tricíclicos; BB: Músculo bicípede braquial AINEs: Anti-inflamatórios não BDNF: Factor neurotrófico derivado esteroides cerebral ALSAQ-5: ALS Assessment BMAA: Aminoácido β-N- Questionnaire-5 methylamino-L-alanina ALSAQ-40: ALS Assessment C6: Músculos para-espinhais ao nível Questionnaire-40 de C6 ALS-FRS: Escala funcional da Esclerose Lateral Amiotrófica Ca cálcio; CAG: citosina-adenina-guanina ALS-FRSb: Subtotal bulbar da escala CECA: Comunidade Europeia de ALS-FRS Carvão e do Aço ALS-FRS-R: Escala ALS-FRS revista CHMP2B: Gene que codifica a ALS-FRSr: Subtotal respiratório da proteína 2B modificadora da escala ALS-FRS cromatina; ALS-P-D: Complexo ALS-parkinson- CMAPs: Potenciais de acção motora demência compostos ALSSQoL-46: ALS-Specific Quality of CMCT: Tempo de condução motora Life Questionnaire-46 central 2+: 11 Susana Pinto CNTF: Factor neurotrófico ciliar ELA: Esclerose Lateral Amiotrófica Co: Colina EMG: Electromiografia CO2: Dióxido de carbono ENG: Entubação naso-gástrica Cox-2: Ciclo-oxigenase 2 EQ-5D: EuroQol-5D CPK: Creatina-fosfo-quinase Especif: Especificidade CPT: Capacidade pulmonar total Esq: Esquerdo Cr: Creatina ESS: Epworth Daytime Sleepiness CRF: Capacidade de reserva Ev: Endovenoso funcional EVA: Escala visual analógica CSI: Carer Strain Index FALS: Forma familiar de ELA CV: Capacidade vital FC: Frequência cardíaca CVel: Velocidades de condução Fibs: Fibrilhação CVF: Capacidade vital forçada Fibs-sw: Fibrilhação e ondas lentas CVFlay: Avaliação da CVF em positivas; decúbito dorsal FIG4: Fosfoinositido 5-fosfatase CVFsit: Avaliação da CVF na posição FSS: Fatigue Severity Scale de sentado FTD: Demência fronto-temporal DAO: Oxidase da D-aminoácido FUS: Gene que codifica para a DCTN1: Dinactina proteína fundida em sarcomas ou Del: Músculo deltoide translocada em lipossarcomas Dextromet+quinidina: GGUG: Guanina-guanina-uracilo- Dextrometorfano+ quinidina guanina Dir: Direito GH: Hormona do crescimento DM: Diabetes mellitus GNF: Factor neurotrófico glial DNA: Ácido desoxirribonucleico CR: cadeiras de rodas DNM: Doença do Neurónio Motor GWAS: Estudos de associação DP: Desvio padrão genómica generalizada DPOC: Doença pulmonar crónica H2O2 : Peróxido de hidrogénio obstructiva HCO3 : Ião bicarbonato DTI: Imagem de Tensão-Difusão HT: Hipertensão pulmonar Dur: Duração da resposta motora IAPs: Proteínas inibidoras da (pico negativo) apoptose EAAT2: Proteína transportadora do IC: Insuficiência cardíaca aminoácido excitatório Ig: Imunoglobulina 12 - Lista de abreviaturas utilizadas no texto IGF1: factor de crescimento insulina- mTDP-43: TDP-43 mutante like; MUNE: Motor unit number estimation IM: Intra-muscular MUNIX: Índice do número de IMT: Treino muscular inspiratório unidades motoras estimadas IR: Insuficiência respiratória mVAPB: VAPB mutada IT: Intra-tecal NFH: Cadeia pesada dos Kda: Kilo-dalton neurofilamentos Lat: Latência da resposta motora NF-kB- Factor nuclear kappa B LMD: Latência motora distal NG2: Proteoglicano sulfato de LMN: Segundo neurónio motor condroitina Máx: Máximo/a NI: Índice neurofisiológico MCP-1: Proteína quimioatractiva de NMDA: N-metil-D-aspartato monócitos-1 Nr: Número MEP: Pressão expiratória máxima O2 : Ião superóxido MEPlay: Avaliação da MEP em O2: Oxigénio decúbito dorsal OH : Radical hidroxilo MEPsit: Avaliação da MEP na OPN: Oximetria de pulso nocturna posição de sentado OPTN: Optineurina MFR: Medicina Física e de OR: Odds ratio Reabilitação OX: Xantina oxidase MI: Membros inferiores P0.1: Pressão de oclusão bucal aos MIE: Insuflação-exsuflação mecânica 100ms de uma inspiração forçada MIF: Medida de Independência PA: Pressão arterial Funcional PaCO2: Pressão parcial de dióxido de Min: Minuto(s) carbono Mín: Mínimo/a PaO2: Pressão parcial de oxigénio MIP: Pressão inspiratória máxima PBP: Paralisia Bulbar Progressiva MIPlay: Avaliação da MIP em Pdi: Pressão transdiafragmática decúbito dorsal PECF: Fluxo expiratório máximo MIPsit: Avaliação da MIP na posição durante a tosse de sentado Pes: Pressão esofágica MRC: Medical Reseach Council PET: Tomografia de emissão de MS: Membros superiores positrões mSOD1: SOD1 mutante PFasc: Potenciais de fasciculação - - 13 Susana Pinto PFN1: Profilina 1 RNAm: RNA mensageiro PFR: Provas de função respiratória ROC: Receiver operating Phren: Respostas motoras characteristics diafragmáticas por estimulação do RofALS-FRS-R: Subtotal respiratório nervo frénico da escala revista da ALS-FRS PhrenAmpl: Amplitude pico-a-pico ROTs: Reflexos osteotendinosos das respostas motoras diafragmáticas RR: Risco relativo por estimulação do nervo frénico SALS: Forma esporádica de ELA PhrenArea: Área desde a linha de SaO2: Saturação arterial de oxigénio base ao pico negativo das respostas SC: subcutâneo motoras diafragmáticas por SCM: Músculo estimulação do nervo frénico esternocleidomastoideu PhrenLat: Latência das respostas SCMAmpl: Amplitude pico-a-pico das motoras diafragmáticas por respostas motoras do músculo estimulação do nervo frénico esternocleidomastoideu por PLS: Esclerose Lateral Primária estimulação do nervo acessório PMA: Atrofia Muscular Progressiva SCMArea: Área desde a linha de Ppl: Pressão pleural base ao pico negativo das respostas PSG: Polissonografia motoras do músculo PUM: Potencial de unidade motora esternocleidomastoideu por RE: Retículo endoplasmático estimulação do nervo acessório rHCNTF: Factor neurotrófico ciliar SCMLat: Latência das respostas recombinante humano motoras do músculo rHGSF: Factor recombinante humano esternocleidomastoideu por estimulador de colónias de estimulação do nervo acessório granulócitos SD: Desvio padrão rHIGF-1: Factor de crescimento Sens: Sensibilidade insulina-like recombinante humano 1 SF-36: Short Form Health Survey 36 rIFNβ-1a: Interferon recombinante β- SIP: Sick Impact Profile 1a SMA: Atrofia muscular espinhal RMN: Ressonância magnética SMN: Proteína da sobrevida do nuclear neurónio motor RNA: Ácido ribonucleico SNA: Sistema nervoso autónomo 14 Lista de abreviaturas utilizadas no texto SNAPs: Potenciais de acção TDP-43: Proteína de ligação TAR- sensitivos DNA 43 SNC: Sistema nervoso central TMA: Tosse manualmente assistida SNIP: Pressão durante uma TMS: Estimulação magnética inspiração nasal forçada transcraniana SNIPlay: Avaliação da SNIP em TNFα: Factor de necrose tumoral α decúbito dorsal Tox bot: Toxina botulínica SNIPsit: Avaliação da SNIP na Trap: Músculo trapézio posição de sentado UGG: Uracilo-guanina-guanina SNP: Sistema nervoso periférico UM: Unidade motora SNPS: Sistema nervoso UMN: Primeiro neurónio motor parassimpático USA: Estados Unidos da América SNS: Sistema nervoso simpático VAPB: Proteína membranar SOD1: enzima Cobre-Zinco associada a vesículas superóxido dismutase-1 VAI: vias aéreas inferiores Sp02<90%: Percentagem da VAS: vias aéreas superiores saturação da oxihemoglobina abaixo VC: Volume corrente de 90% da saturação média VCP: Valosina SPECT: Tomografia computorizada VEGF: Factor de crescimento de emissão isolada de positrão endotelial vascular SPG11: Espataxina Vit: Vitamina SpO2mean: Saturação média da VNI: Ventilação não-invasiva oxihemoglobina determinada por VPN: Valor preditivo negativo OPN VPP: Valor preditivo positivo SpO2min: Saturação mínima da VR: Volume residual oxihemoglobina determinada por VRE: Volume de reserva expiratória OPN VRI: Volume de reserva inspiratória Sw: Ondas lentas positivas VVM: ventilação voluntária máxima T5: Músculos para-espinhais ao nível wtSOD: SOD wild type de T5 TA: Músculo tibial anterior TAC: Tomografia axial computorizada TARDBP: Gene que codifica a proteína TDP-43 15 Prólogo Prólogo Na procura incessante do conhecimento, característica de todos os que não se contentam com a mediania do quotidiano, deparamo-nos, diariamente, com uma vastidão totalmente desconhecida. Foi o prazer na procura desse conhecimento na área da Saúde que, desde cedo, me fez escolher Medicina como percurso de vida. Foi o prazer no estudo da Neuro-Anatomia e da Neurologia, e as possibilidades da Reabilitação Neurológica oferecidas pela Medicina Física e de Reabilitação (MFR) que me fizeram escolher esta última como Especialidade, com particular interesse no seguimento do doente com patologia do foro neurológico. A MFR aliciou-me e cativou-me. É uma especialidade médica, clínica, abrangente, que reune em si muito do conhecimento de outras especialidades. Desde há muito considerada como lidando com a doença e a deficiência, a incapacidade e a desvantagem do indivíduo doente, a MFR adquire presentemente a positividade que sempre objectivou. Visa a restauração da saúde, da funcionalidade e da participação do indivíduo doente, nas suas vertentes física, psíquica, emocional, familiar e social. Contudo, a par desta prática clínica diária que me preenche por me fazer perceber que “Tudo pode ser reabilitado”, existe um vazio científico desanimador, que penso ser responsável pela desvalorização desta especialidade face às demais, culminando no empirismo das terapêuticas de reabilitação prescritas. Todavia, é surpreendentemente interessante que, nesta especialidade, a Arte continue a par da Ciência. Se a Ciência resulta do estudo, experiência e trabalho metodológico, a Arte nada será sem amor, empenho e dádiva. Na verdade, Arte e Ciência apoiam-se e elevam-se mutuamente. 17 Susana Pinto A realização do Estágio de Neurologia (com a duração de 3 meses) contemplado pelo Programa do Internato Complementar de MFR na Unidade de Neuromusculares do Serviço de Neurologia do Hospital de Santa Maria (Director: Professor Doutor José Ferro) assim como o período de 7 meses de voluntariado na mesma Unidade durante uma licença sem vencimento mostraram-me a potencialidade conjunta da MFR e da Neurologia. Dirigida pelo Professor Doutor Mamede de Carvalho, a Unidade de Neuromusculares é reconhecida nacional e internacionalmente pelo seu valor clínico e científico, especialmente no seguimento de doentes com paramiloidose e Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA). A esse seguimento acresce-se a formação neurofisiológica dos neurologistas que integram a equipa, com trabalhos reconhecidos pela comunidade científica internacional e que muito contribuiram para a melhor compreensão, acompanhamento e tratamento dos doentes com as patologias referidas. Em especial, a ELA tem sido particularmente acarinhada, presentemente pelo Professor Doutor Mamede de Carvalho e anteriormente pela Professora Doutora Maria de Lourdes Sales Luís de que resultaram, respectivamente, as suas Tese de Doutoramento e Lição de Agregação. Apesar dos avanços científicos a que se tem assistido no campo médico, a ELA continua a ser uma doença devastadora, sem cura conhecida ou mesmo terapêutica efectiva capaz de travar a progressão da doença. Os doentes perecem após uma sobrevida média de 3-5 anos, sendo a Insuficiência Respiratória (IR) a principal causa de morte. A melhoria da qualidade de vida dos doentes tem sido conseguida pela terapêutica sintomática, pela melhoria dos cuidados continuados/ paliativos e pela fisioterapia, pela adequada hidratação e nutrição (através da realização de gastrostomia) e pelo suporte ventilatório conseguido pela ventilação não-invasiva (VNI) e drenagem de secreções. Nesta última área destaca-se o papel da Professora Doutora 18 Prólogo Anabela Pinto, fisiatra, que tem colaborado activamente na reabilitação respiratória e neurológica destes doentes. A possibilidade que me foi oferecida pelo Professor Doutor Mamede de Carvalho em seguir doentes com ELA é-me particularmente gratificante e muito me tem feito crescer pessoal e profissionalmente. Sem dúvida que a Vida é um bem tão precioso e efémero, que deve ser diariamente valorizada e apreciada. Sem dúvida que a compreensão de uma patologia como a ELA, que representa um modelo único pelo envolvimento quase exclusivo da via córtico-espinhal (monossináptica), é especialmente aliciante por ainda tão desconhecidas a sua etiologia e a sua fisiopatologia. O cerne da presente Tese de Doutoramento resulta da aplicação a doentes com ELA do conhecimento adquirido em técnicas de reabilitação respiratória durante a realização do Estágio de Reabilitação Cárdio-Respiratória com duração de dois meses no Serviço de Cirurgia Cárdio-Torácica do Hospital de Santa Cruz (Director: Professor Doutor Queiroz e Mello), sob a orientação do fisiatra Dr. Licínio Carneiro. Com a mesma pretendeu-se manter e melhorar as condições respiratórios dos doentes com ELA em fases precoces da doença, visando uma eventual preservação da função respiratória por longos períodos e consequente aumento da sobrevida e da qualidade de vida dos doentes. Da participação na consulta de ELA resultaram, igualmente, vários trabalhos com os quais se pretendeu compreender o envolvimento de importantes músculos respiratórios, como o diafragma, responsáveis pela alteração da dinâmica ventilatória nesta doença. A presente Tese foi estruturada em 5 capítulos, devidamente identificados no Índice, a que se segue o Resumo, as Referências bibliográficas e os Agradecimentos. 19 Susana Pinto No primeiro capítulo faz-se uma revisão sobre a ELA, incluindo contextualização histórica, conceitos fisiopatológicos, semiologia e terapêuticas, sobretudo aquelas que demonstraram efectividade na melhoria da sobrevida e da qualidade de vida dos doentes com ELA, assim como várias intervenções presentemente em estudo. No segundo capítulo introduz-se o tema da IR na ELA, revendose inicialmente a fisiologia da dinâmica ventilatória em indivíduos saudáveis a que se segue um ponto referente à disfunção observada em doentes com ELA (baseado no artigo publicado: Patologia neuromuscular e distúrbios do sono (Pinto S, de Carvalho M) Sinapse 2009, 9:22-31). Decidiu-se descrever neste capítulo os vários testes que visam a avaliação da função respiratória, referindo-se os que foram utilizados na metodologia dos vários trabalhos apresentados nos capítulos seguintes, assim como as escalas de funcionalidade e de qualidade de vida utilizados. Finalmente abordam-se várias terapêuticas respiratórias que têm indicação nos doentes com ELA, fazendo-se referência a alguns trabalhos que permitiram melhor perceber as condicionantes à adaptação e aderência dos doentes à VNI e sua monitorização (os trabalhos referidos são: Is a 4-hour use of noninvasive ventilation enough to define compliance? (Pinto S, de Carvalho M) Amyotr Lat Scler 2010, 11:250-2; Home telemonitoring of non-invasive ventilation decreases healthcare utilization in a prospective controlled trial of ALS patients. (Pinto A, Almeida JP, Pinto S, Pereira J, Oliveira AG, de Carvalho M) J Neurol Neurosurg Psychiatry 2010, 81: 1238-42; Implementation of a wireless device for real-time telemedical assistance of home-ventilated ALS patients - A feasibility study (Almeida JP, Pinto AC, Pereira J, Pinto S, de Carvalho M) Telemed J E Health 2010, 16: 883-8). No terceiro capítulo pretende-se avaliar o interesse da avaliação neurofisiológica para a compreensão do envolvimento dos músculos 20 Prólogo respiratórios na ELA, em particular do diafragma (baseado em vários artigos já publicados: Symmetry of phrenic nerve motor response in amyotrophic lateral sclerosis. (Pinto S; de Carvalho M) Muscle Nerve 2010, 42:882-4; Association between paraspinal muscles and diaphragm denervation in ALS (de Carvalho M, Pinto S, Swash M) Amyotr Lat Scler 2009, 11:63-66; Accessory nerve stimulation: motor responses of the sternomastoid muscle. (Pinto S, de Carvalho M) Neurophysiol Clin 2008, 38:133-6; Motor responses of the sternocleidomastoid muscle in patients with amyotrophic lateral sclerosis. (Pinto S, de Carvalho M) Muscle Nerve 2008, 38:1312-7. Avalia-se ainda a aplicação clínica destes estudos para a compreensão da IR nos doentes com ELA (baseado nos trabalhos publicados: Do bulbar-onset ALS patients have earlier respiratory involvement? (Pinto S, Pinto A, de Carvalho M) Europa Medicophysica 2007, 43:50510; Predictive value of respiratory tests for respiratory insufficiency in amyotrophic lateral sclerosis. (Pinto S, Turkman A, Pinto A, Swash M, de Carvalho M) Clin Neurophysiol 2009, 120:941-6; Changes of the phrenic nerve motor response in amyotrophic lateral sclerosis. (Pinto S, Geraldes R, Vaz, N, Pinto A, de Carvalho M) Clin Neurophysiol 2009, 120:2082-85; Phrenic nerve studies predict survival in Amyotrophic Lateral Sclerosis. (Pinto S, Pinto A, de Carvalho M) Clin Neurophysiol 2012, 123(12):2454-9. O quarto capítulo reporta-se ao contributo pessoal para a elaboração e implementação de um programa de treino respiratório nos doentes com ELA em fases precoces da doença, numa altura em que ainda não se verifica envolvimento respiratório. Este capítulo é baseado nos seguintes trabalhos: Respiratory exercise in amyotrophic lateral sclerosis. (Pinto S, Swash M, de Carvalho M) Amyotr Lat Scler 2012, 13: 33-43 e Can inspiratory muscle training increase survival in early-affected Amyotrophic Lateral Sclerosis patients? (Pinto S, de 21 Susana Pinto Carvalho M) Amyotroph Lateral Scler 2012 (Epub ahead of print). Após se ter revisto no primeiro capítulo o papel do exercício físico na ELA e se ter discutido as controvérsias existentes quanto à sua realização nestes doentes, assim como no modelo animal, neste capítulo descreve-se o programa de treino respiratório que tem como objectivo a preservação e eventual melhoria da dinâmica ventilatória nos doentes com ELA de forma a retardar o aparecimento de IR, visando o aumento da sobrevida e da qualidade de vida dos doentes. No quinto capítulo elabora-se uma Discussão Geral dos vários trabalhos apresentados a que se segue uma súmula da contribuição pessoal. Ao projecto de investigação visando a implementação de um programa de treino respiratório nos doentes com ELA foi atribuído uma Bolsa de Doutoramento pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT – SFRH/BD/30714/2006), tendo sido submetido à Comissão de Ética da Faculdade de Medicina de Lisboa, assim como os restantes trabalhos apresentados. 22 Resumo Resumo A ELA é uma doença neurodegenerativa, rapidamente progressiva, tradicionalmente descrita como envolvendo somente o sistema motor. A disfunção dos primeiro e segundo neurónios motores é responsável pelo envolvimento clínico dos músculos medulares, bulbares e respiratórios. Contudo, alterações sensitivas, autonómicas e extra-motoras podem ser objectiváveis por estudos neurofisiológicos, imagiológicos e neuropatológicos, especialmente nas fases tardias da doença. A observação clínica de um continuum entre a ELA e a demência fronto-temporal (FTD) é realçada pela recente identificação da elevada repetição da sequência “GGGGCC” no gene C9ORF72, presente em doentes com SALS e FALS/FTD. De facto, a última década foi particularmente frutífera para a ELA, dado o desenvolvimento de várias áreas, melhorando o nosso conhecimento sobre a etiopatogénese, a fisiopatologia e o diagnóstico neurofisiológico da ELA. Todavia, e apesar dos avanços verificados, não há qualquer tratamento capaz de interromper o processo degenerativo. As complicações respiratórias em doentes com ELA em Insuficiência Respiratória (IR) são a principal causa de morte destes doentes, consequência da fadiga e fraqueza dos músculos respiratórios. Em casos pouco frequentes, a IR pode ser a forma de apresentação da ELA. A avaliação da função respiratória é essencial para a monitorização da progressão da doença e na determinação da necessidade de adaptação de ventilação não-invasiva (VNI), terapêutica não farmacológica que aumenta a sobrevida e a qualidade de vida destes doentes. Contudo, quando existe envolvimento bulbar, os testes respiratórios são frequentemente pouco precisos pela fraqueza orofacial presente. Vários factores mostraram ser preditivos de sobrevida na 23 Susana Pinto ELA, em particular aqueles que avaliam a função respiratória. Nesta doença, o envolvimento diafragmático e a capacidade dos outros músculos respiratórios manterem a função respiratória na presença de fraqueza e fadiga diafragmáticas não são bem conhecidos. Desta forma, a possibilidade de estudar músculos individuais ou grupos musculares, possibilitada pela neurofisiologia, é fundamental para o conhecimento da dinâmica ventilatória na ELA. De igual forma, apesar do exercício na ELA ter sido pouco estudado e haver resultados controversos, é particularmente tentador estudar o potencial benefício do exercício respiratório nas fases iniciais da doença. Estes temas foram investigados na presente Tese. No primeiro capítulo desta Tese descreve-se o presente conhecimento e os principais avanços científicos na ELA, enquanto que no segundo faz-se uma revisão do sistema respiratório e do seu envolvimento na ELA. Os resultados dos estudos neurofisiológicos realizados são apresentados no terceiro capítulo enquanto que no quarto capítulo apresentamos os resultados do nosso protocolo de exercício respiratório na ELA. Na presente tese vários trabalhos avaliaram as respostas motoras diafragmáticas por estimulação eléctrica do nervo frénico em grandes grupos populacionais de doentes com ELA. Foi evidenciado que esta técnica não-volicional é simples e bem tolerada, fácil de realizar e com resultados consistentes, quando realizada por neurofisiologistas experientes. Existe notável semelhança das respostas entre ambos os lados, provavelmente relacionada como a disposição medial do núcleo do nervo frénico na medula espinhal. O seu envolvimento associa-se à perda de unidades motoras de outros músculos axiais, de acordo com a impressão clínica de mau prognóstico dos doentes que iniciam a doença por marcada parésia axial. Demonstrámos, igualmente, que a eventual compensação da fraqueza 24 Resumo diafragmática por parte de músculos intercostais externos e músculos inspiratórios acessórios, nomeadamente o esternocleidomastoideu (SCM), e, inclusivamente, os músculos para-espinhais, é transitória, dado existir um envolvimento concomitante dos mesmos. Demonstrámos que a SNIP (mais dependente da amplitude de resposta do nervo frénico) e MIP (mais dependente da amplitude da resposta do SCM) podem dar informação complementar quanto à força muscular de diferentes músculos inspiratórios, sendo preferível a utilização da pressão durante a inspiratória nasal forçada (SNIP) em doentes com parésia oro-facial. Relativamente aos parâmetros respiratórios geralmente avaliados em doentes com ELA, verificámos que estes têm baixo valor preditivo positivo (VPP) para a presença de hipercapnia, mas com sensibilidade, especificidade e valor preditivo negativo (VPN) elevados. A amplitude da resposta motora do nervo frénico, para valores de corte de 0.4mV, foi o único parâmetro que mostrou VPP/ VPN satisfatório para a hipoventilação, para ambos os grupos de doentes com forma de início medular e bulbar. A amplitude da resposta motora do nervo frénico mostrou ser um factor independente preditivo negativo de sobrevida para ambas as populações, sendo que valores iguais ou inferiores a 0.4 mV aumentaram o risco de morte 1.657 vezes quando comparativamente com aqueles acima de 0.4 mV. A variação da amplitude de resposta do nervo frénico pode detectar a perda de UM no diafragma em curtos períodos de seguimento (de cerca de 5 meses), correlacionando-se com o decaimento, também significativo, de outros testes respiratórios, nomeadamente da capacidade vital forçada (CVF) e da SNIP. Concluímos que a amplitude de resposta do nervo frénico é um bom biomarcador para a identificação precoce do envolvimento respiratório na ELA, sendo preditivo de hipoventilação e de sobrevida, e sendo adequado para o seguimento do progressivo agravamento 25 Susana Pinto respiratório nestes doentes. Consequentemente, sugerimos que seja incluído na avaliação de rotina da função respiratória dos doentes com ELA, particularmente relevante nos doentes não colaborantes ou com envolvimento bulbar que impeça a adequada realização das provas de função respiratórias convencionais. Nos doentes com forma de início bulbar, demonstrámos, igualmente, não haver evidência que a fraqueza diafragmática seja mais precoce que nos com forma de início medular. Os nossos resultados são relevantes para a determinação da altura ideal de início da VNI, com potencial impacto no prolongamento da sobrevida. Quanto aos nossos resultados do protocolo de exercício respiratório em doentes com ELA nas fases iniciais da doença e sem envolvimento respiratório, há uma clara indicação que o protocolo que estabelecemos não tem riscos, havendo benefícios clínicos como demonstrado pelas melhoria em alguns parâmetros e, sobretudo, pelo provável aumento da sobrevida. Desta forma, sugerimos a realização de um ensaio alargado, multicêntrico, duplamente cego e controlado contra placebo está particularmente indicada. Da clarificação dos pontos referidos surgem novas interrogações que serão certamente objecto de estudo em trabalhos futuros. 26 Summary Summary Amyotrophic Lateral Sclerosis (ELA) is a rapidly progressive neurodegenerative disease, traditionally described as involving the motor system. Upper and lower motor neuron dysfunction is responsible for the clinical involvement of spinal, bulbar and respiratory muscles. Sensory, autonomic and extra-motor cortical involvement can also be detected, especially at late stages of the disease, as confirmed by neurophysiological, imaging and neuropathological studies. The clinical observation of a continuum between ELA and fronto-temporal dementia (FTD) was enlightened by the recent identification of the highly repeated sequence “GGGGCC” in the C9ORF72 gene, present in patients with sporadic and familiar ELA/FTD. In fact, last decade has been particularly fruitful to ELA, as new insights have been made in several different fields, improving our knowledge of the etiopathogenesis, pathophysiology and neurophysiological diagnosis of ELA. Nevertheless, there is still no available treatment to interrupt the degeneration process. Respiratory complications account for the majority of deaths in ELA due to Respiratory Insufficiency (IR), a consequence of the weakness and fatigue of the respiratory muscles. Although usually a late event, IR can be the presenting feature. Respiratory function assessment is essential for monitoring disease progression and determining the time for non-invasive ventilation (VNI), which increases survival and quality of life in ELA. However, in bulbar-onset patients respiratory function tests are not always reliable due to orofacial weakness. Several different factors have been shown to predict survival in ELA, in particular the respiratory function. Involvement of the diaphragm in ELA and the ability of other respiratory muscles to maintain 27 Susana Pinto respiratory function in the presence of diaphragmatic weakness and fatigue are not really well understood. In fact, the possibility to study individual muscles or groups of muscles, as given by the neurophysiology, is critical to understand the respiratory dynamics in ELA. Although exercise in ELA is controversial and the available clinical studies are scarce, it is tempting explore the potential benefit of respiratory exercise in early stages of the disease progression. These issues were investigated in this thesis. In the first chapter of this thesis we reviewed the main advances in ELA. In the second chapter we present a overview of the respiratory system and its involvement in ELA. Chapter III describes the results of our neurophysiological studies. Chapter IV includes the results of our trial on respiratory exercise in ELA. Chapter III – Neurophysiological investigation of the respiratory muscles and its clinical relevance Symmetry of Phrenic Nerve Motor Response in ELA Introduction In this work we aimed to assess symmetry of the motor responses of the diaphragm in a large population of ELA patients grouped by the region of onset, as well as to correlate phrenic nerve responses wth other muscles innervated by different cervical myotomes. Population and Methods Prospective study including 67 consecutive ELA patients, 16 with definite and 51 with probable disease, as defined by the reviewed El Escorial criteria. Patients with other medical conditions, a previous 28 Summary history of severe limb trauma, thoracic surgery, absent unilateral or bilateral responses of the ulnar, axillar or phrenic nerves, and patients unable to clearly identify the region of disease onset were excluded. Patients were grouped in bulbar, right upper limb, left upper limb, right lower-limb or left lower limb onset regions and were assessed with neurophysiological studies of the diaphragm, deltoid (Del) and abductor digiti minimi (ADM) - distal motor latency (ms), peak-to-peak amplitude (mV), negative-peak area (mV.ms) and negative-peak duration (ms). We applied Spearman correlation coefficient to test inter-side correlations and to explore correlations between the pairs of muscles diaphragm-Del, diaphragm-ADM and ADM-Del on the same side of the body. We compared differences between sides for the same muscles applying a non-parametric test (Sign test). A p value≤ 0.01 was considered significant to overcome multiple comparisons. Results Mean age at onset of our total population was 58.3± 12 years (range 28-80) and 39 patients were men. Mean disease duration at study entry was 21.7± 20.5 months (range 3-110). Region of onset was bulbar in 17 patients and spinal in 50 (upper limbs in 27 and lower limbs in 23). Mean age at onset and disease duration were similar between groups (p>0.05). In all groups, phrenic responses showed no inter-side differences and inter-side correlations were very high. In bulbar-onset patients, proximal and distal segments of the upper limbs were affected symmetrically. In upper-limb onset patients, ADM were smaller in the first affected side, but there were no inter-side difference for Del. In patients with lower-limb onset, there were no differences between sides for both upper limb muscles, although inter-side correlations were not significant for ADM. 29 Susana Pinto In bulbar, upper limb and lower limb-onset patients PhrenAmpl did not correlate with DelAmpl or ADMAmpl in both sides (p> 0.05). In bulbar and lower limb-onset patients, right ADMAmpl correlated with DelAmpl (0.75, p=0.001; 0.57, p=0.007, respectively), the same was observed for the left side (0.78, p<0.001; 0.54, p=0.01, respectively). However, in upper limb-onset patient this last correlation was nonsignificant in both sides (p>0.1). Discussion In this study, there is a tendency for equal and symmetrical involvement of both proximal Del muscles. This involvement was only observed in the distal ADM in bulbar-onset patients. In fact, in ELA patients presenting with upper limb weakness there is a predominant distal asymmetrical weakness. In addition, these observations are related to the usual focal onset of ELA and local continuous spread during the progression of the disease. Our results show that phrenic nerve motor responses are symmetric in ELA, independently of the region of onset, as phrenic nerve nuclei are close to midline in cervical spinal cord. However, phrenic nerve nuclei have a particular susceptibility to neuron degeneration as the size of its motor responses was not correlated with motor responses from other cervical myotomes. In conclusion, unilateral phrenic nerve response is sufficient to test diaphragm strength and to monitor its progression. Therefore, there is no need to find the weakest hemidiaphragm when planning diaphragmatic pacemaker implantation in ELA patients, as bilateral implantation increases efficacy. 30 Summary Association of paraspinal and diaphragm denervation in ELA Introduction Lower motor neurons for axial muscles - diaphragm, paraspinal and intercostal muscles, are more medially located in the anterior horn, compared with the larger limb motor neurons innervating more distal muscles. We tested if involvement of paraspinal and intercostal muscles is associated with diaphragm weakness in ELA. Patients and methods We studied prospectively 44 ELA patients with mean age of 62 years (range 36-83), referred for diagnostic neurophysiological evaluation, 6 with definite and the remainder with probable ELA, based on the revised El Escorial criteria. Thirteen were women. Mean disease duration from first symptom was 12 months (range 3-36). The disease was of bulbar-onset in 6 patients, upper limb onset in 21, lower limb onset in 16 and respiratory onset in one. At the time of investigation, all had an ALS-FRS score greater than 20 and ALS-FRSb equal or higher than 8. All had full neurological and neuroradiological, haematological and biochemical investigations. Nerve conduction studies ruled out polyneuropathy. Patients were assessed with: CVF, PhrenAmpl and needle EMG of the diaphragm, internal intercostals, C6 and T5 paraspinal muscles, biceps and tibialis anterior, to search for signs of denervation. The evaluation was done at the right side provided that MRC strength in the studied biceps was >3; otherwise the left sided muscles were studied (10 patients). Tibialis anterior on the same side of the studied biceps was investigated in a subset of 37 patients. EMG activity in diaphragm (recognized by inspiratory bursts) and internal intercostal muscles 31 Susana Pinto (activated by voluntary coughing) was studied at a level inferior to the surface markings of the lung. For comparison of continuous data between patients with and without respiratory impairment we used the unpaired t-test. For discrete variables we used Fisher’s exact test. Statistical significance was considered for p<0.05. The sensitivity, specificity and positive predictive value (VPP) were calculated. ROC analysis was performed to quantify discriminative value of the tested measurements. Results Mean CVF in the 44 ELA patients was 81.6 ± 14.6% (range 30105). In 14 patients CVF was less than 80% of the predicted. In this group, PhrenAmpl and ALS-FRS were significantly lower (p<0.001 and p=0.003, respectively) and fibs-sw were significantly more frequent in C6 (p=0.03) and T5 (p=0.001) paraspinal muscles, intercostal muscles (p=0.002) and diaphragm (p<0.001). The VPP and specificity of these abnormalities in relation to low CVF values was high and ROC analyses confirmed good discriminative strength. There was no relation between fibs-sw and CVF in biceps (p=0.31) or tibialis anterior (p=0.5) muscles. Fibs-sw in the diaphragm were more closely associated with low CVF than paraspinal fibs-sw. EMG of T5 paraspinal muscles of the three patients with the lowest CVF values (range 30-60%) showed bursts of activity coinciding with respiratory effort resembling the bursts of activity characteristic of diaphragmatic recordings. Discussion Our findings support the hypothesis that medially located lower motor neurons supplying diaphragm, internal intercostal muscles and paraspinal muscles are affected concurrently in ELA. In some ELA patients with respiratory involvement EMG of paraspinal muscles at T5, 32 Summary but not C6, revealed bursts of inspiration-related EMG activity suggesting that these mid-thoracic axial muscles have a role as accessory muscles of ventilation. Patients with weak thoracic muscles are at risk of respiratory impairment and should be scrutinized carefully with respiratory function tests. Accessory nerve stimulation: Motor response of the sternocleidomastoid muscle Introduction Sternocleidomastoid muscle (SCM) is essential for neck and head movements, but it has also a relevant postural function. In addition, it is an accessory muscle of respiration, essential when the diaphragm is weak. A consistent technique for recording motor responses in SCM would be a useful tool for investigation in ELA. We aimed to describe a standardized method to stimulate the accessory nerve and to record motor responses from the SCM. Population and methods Fifty-four subjects referred to our laboratory with isolated diplopia and clinical suspicion of ocular myasthenia gravis, in whom repetitive nerve stimulation (including trapezius) and single-fiber EMG of the orbicularis oculi were normal (23 females; mean age±SD 61.9±10.0 years; range 35-80). Clinical follow-up confirmed idiopathic, ophthalmologic, ischemic or an intracranial lesion causing compressive oculomotor nerve paresis as the final diagnosis. Patients with diabetes, polyneuropathy, other medical conditions or a previous history of neck lesion were excluded. 33 Susana Pinto Experiment A: Thirty-nine subjects were included. The right and left spinal accessory nerves were stimulated in each subject. A DantecKeypoint EMG machine (Dantec, Copenhagen, Denmark) was used for the electrophysiological studies. A superficial bipolar stimulating electrode was applied 1cm behind the posterior border of the SCM, a few centimeters above the level of the upper margin of the thyroid cartilage and 7cm above the active recording electrode. Squares pulse of 0.2ms duration were given to obtain supramaximal stimulation. Surface electrodes with a small recording area were used (7×4mm, Medtronic 9013L0202). The active electrode was placed over the midportion of the muscle, just behind the medial border. The reference was placed over the internal clavicle extremity, with an interelectrode distance of 7cm. Ground electrode was placed in the ipsilateral arm. Standard amplifier filter settings of 20 Hz and 10 kHz were used. A gain of 200 µV was used to define motor Lat. We defined peak-to-peak Ampl, negative-peak area and negative-peak Dur. Paired t test was applied to test side-to-side differences. Correlations of all parameters between sides and between age and tested measurements were evaluated with Spearman Rho test. Values of p<0.05 were considered significant. Experiment B: Fifteen subjects were included. Accessory nerves were stimulated in two different sites on the right side. Position 1 (P1): as described above; Position 2 (P2): in front of the anterior border of the SCM and the mastoid process, which is closer to the jugular foramen. We kept the stimulator at the same distance from the active recording electrode (7cm). The recording set was defined in Experiment A. Surface recording electrodes with a larger recording area were used (15×20mm, Medtronic 9013S0241). We analyzed the distal Lat, peak-topeak Ampl, negative-peak area, negative-peak Dur and stimulus intensity required to obtain a supramaximal response. 34 Summary Paired t test was applied to compare measurements obtained from P1 and P2 in the same subjects. Differences between electrodes (Experiment A and stimulation at P1 in Experiment B) were evaluated by Mann—Whitney U test. Values of p <0.01 were considered significant. Results Experiment A: We did not find any significant side-to-side difference for Lat (p = 0.81), Ampl (p= 0.15) or area (p= 0.45). Correlation between sides was p= 0.72 for Lat and Ampl and 0.69 for area (p< 0.001, for all measurements). Age did not correlate with Lat (p = 0.47), Ampl (p= 0.12) or area (p= 0.47). Experiment B: Distal Lat to stimulation at P2 was longer as compared with the Lat at P1. Stimulus intensity was significantly lower at P1 to attain the supramaximal response. No other difference was found. No significant difference was found between different electrode types. Discussion We described a new method for stimulating the spinal accessory nerve to evoke SCM motor responses, which can be relevant to localize the lesion in distal accessory nerve damage as observed in surgical lesion during lymph node biopsy. Consistent and morphologically welldefined SCM CMAP were obtained in every subject and the stimulation was well tolerated in all, without brachial plexus stimulation as it was performed a few centimeters above the Erb’s point. SCM CMAPs were smaller than those from the trapezius, but with a large interindividual size variation. There was no interside difference and age-factor was not significant. Stimulation at P2 needed higher stimulus intensity to attain supramaximal responses. Distal Lats were significantly longer, although with small differences (7%). Stimulation at P2 was more uncomfortable 35 Susana Pinto for the subjects as the stimuli were painful and of sufficient intensity to stimulate the facial nerve. Stimulation at P1 is theoretically distal to the origin of the branch innervating the SCM. Probably, stimulation at P1 depolarizes the branch to SCM by stimulus-spreading. Motor responses of the SCM in ELA patients Introduction In healthy individuals, SCM is progressively recruited during greater respiratory efforts, but not at rest. For maximal inspiratory efforts all individuals use it. However, when the diaphragm is weak, SCM may be recruited earlier, even at rest. Thus, it is particularly important to address the involvement of the SCM on ventilatory dynamics in ELA. We aimed to investigate the involvement of SCM and to understand the roles of the diaphragm and SCM on respiratory tests performed in ELA. Material and methods This is a prospective study including 45 consecutive ELA patients with definite (9) or probable disease (36), as defined by the El Escorial criteria. Patients with other conditions were excluded. All patients were evaluated within an interval of less than 1 month after study entry with: neck flexion strength (on MRC scale and determined with the patient in the supine position), ALS-FRS, ALS-FRSb and RofALS-FRS-R, respiratory function tests (SNIP, CVF, MIP, MEP and P0.1), blood gas analyses, OPN (SpO2mean, SpO2min, SpO2<90%, %Dips/h<4%) and neurophysiological studies (SCMLat and PhrenLat, SCMAmpl and PhrenAmpl, Phren and SCMarea of the negative peak). 36 Summary Patients were divided in two groups: those with normal neck strength (MRC=5) and those with neck weakness (MRC<5). Paired t-test and Mann–Whitney U-test were applied for continuous data. Spearman’s correlation with Bonferroni correction was used for correlations between SCMAmpl and CVF, CV, MIP, MEP, ALSFRS, ALS-FRSb, RofALS-FRS-R and PhrenAmpl. Multiple regression analysis was used to investigate the relationship between SCMAmpl and PhrenAmpl to relevant respiratory measurements. Cut-off values were considered for respiratory measurements, defined by the usual normative range, namely 80% for CVF and P0.1 and 60% for MIP and MEP. Values of p< 0.01 were considered statistically significant. Results Mean age of the ELA population was 60.6± 13 years (range 36– 83), and 30 patients were men. Mean disease duration was 20± 11 months (from 1–54). The disease onset was bulbar in 12 patients and spinal in 33 (in upper limbs in 26). As demonstrated before in controls, we found no inter-side difference for the various neurophysiological measurements in the ELA population (p>0.05), and there was a high inter-side correlation (Spearman’s rank correlation coefficient, PhrenAmpl rs= 0.92; PhrenLat rs= 0.88; Phren area rs= 0.84, SCMAmpl rs= 0.87, SCMLat rs= 0.77, SCM area rs= 0.85, p< 0.01). Due to the significant correlation between negative-peak area and peak-to-peak Ampl for both diaphragm and SCM (rs= 0.7, p< 0.01), we used right-side SCMAmpl and PhrenAmpl for subsequent statistical analysis. Twenty-four ELA patients had normal neck flexion strength, and this group was compared with 21 patients with neck weakness. SCMAmpl was significantly smaller (2.39± 1.08 vs. 4.26± 1.01 mV) and SCMLat significantly longer (2.10± 0.26 vs. 1.86± 0.12 ms) in the second 37 Susana Pinto subgroup (p< 0.001). All measurements were significantly more abnormal in patients with neck weakness, except for OPN data. SCMAmpl was significantly correlated with PhrenAmpl (rs= 0.45, p<0.01), CVF (rs= 0.47, p<0.01), MIP (rs= 0.77, p<0.01), MEP (rs= 0.50, p<0.01), and SNIP (rs= 0.80, p< 0.01). PhrenAmpl also showed a significant positive correlation with CVF, SNIP, and MIP (p< 0.01). By applying linear regression analysis, SCMAmpl can explain 60.5% of SNIP, 59.3% of MIP and 18.2% of CVF. Although PhrenAmpl can explain 78.8% of SNIP it can only explain 15.9% of the MIP and 18.9% of CVF. When considering both SCMAmpl and PhrenAmpl (standard multivariate linear analysis), 83.8% of SNIP values can be explained by them (SNIP=0.327 SCMAmpl + 0.666 PhrenAmpl). Regarding MIP, only 58.1% of its values could be explained by the association of SCMAmpl with PhrenAmpl (MIP= 0.747 SCMAmpl + 0.067 PhrenAmpl). CVF values are explained in 23% by both SCM and PhrenAmpl (CVF= 0.293 SCMAmpl + 0.31 PhrenAmpl). Discussion It is possible to evaluate the function of the SCM in ELA patients by assessing the SCMAmpl, dependent on the estimated number of functional motor units. ELA patients with neck weakness had smaller SCMAmpl and increased SCMLat as compared to those with strong neck flexion, who had mean Ampl and Lat similar to a control population matched for age. ELA patients with weak neck flexion and smaller SCMAmpl had more severely abnormal respiratory function tests and lower ALS-FRS, ALS-FRSb and RofALS-FRS-R. These observations suggest that neck weakness predicts a poor prognosis in ELA. Loss of motor units seems to be symmetrical in SCM and diaphragm, as happens in tongue and axial muscles but opposite to the usual asymmetrical observation in limb muscles. 38 Summary Our data suggest that SCM strength has a more important contribution to MIP values than diaphragm strength, the opposite of what happens with SNIP. Thus, SNIP and MIP can give complementary information concerning inspiratory strength. The progressive loss of motor units in the diaphragm is accompanied by a parallel loss of motor units in SCM, with the consequent loss of its efficacy and limited ability to compensate for diaphragm weakness in ELA. In conclusion, when diaphragm weakness develops the prognosis of ELA patients is poor. We observed smaller mean SCMAmpl in patients with neck weakness and a moderate positive correlation between SCMAmpl and ALS-FRSb (rs= 0.36, p< 0.05). As no other neurophysiological measurement has been proposed as a surrogate marker of progressive bulbar involvement in ELA patients, SCMAmpl can serve that function. However, longitudinal studies are needed. Do bulbar-onset ELA patients have an earlier respiratory involvement than spinal-onset ELA patients? Introduction Bulbar-onset form is associated with shorter survival in ELA. As the main cause of death is IR, we could expect an earlier respiratory involvement in these patients as compared with spinal-onset patients. Lip-seal weakness in bulbar-onset patients disturbs the performance in tests that require a mouthpiece, as the conventional respiratory function tests. Several mechanisms can contribute to the poor prognosis in these patients, apart from respiratory muscle weakness, namely dysfunction of the central respiratory drive, respiratory apraxia, hypotonia of the upper airways, decreased lung compliance and dropped off blood oxygenation, 39 Susana Pinto swallowing problems with malnutrition, frequent aspiration, microatelectasis and pulmonary infection. It is not established if this difference is related to an earlier respiratory dysfunction in bulbar onset patients. The aim of the present study was to assess respiratory function in patients with bulbar and spinal-onset ELA to determine differences by comparing otherwise similar populations of patients. Materials and methods We studied prospectively a large population of ELA patients in our unit, in whom respiratory tests were performed longitudinally. ELA patients with age at onset between 20-70 years and who were evaluated between 6-18 months after disease-onset were enrolled. Exclusion criteria included pulmonary disorders or signs of respiratory distress at evaluation, diabetes, unable to cooperate. Patients were divided into two groups according to the region of onset – spinal-onset (G1) and bulbaronset patients (G2). All patients were evaluated within 1 month interval with ALSFRS, ALS-FRSb and RofALS-FRS-R, pulmonary function tests (CVF, MIP, MEP, P0.1), arterial blood gases, OPN (SpO2mean, SpO2min, SpO2<90% and %Dips/h>4%), bilateral diaphragmatic motor response by phrenic nerve stimulation (PhrenLat and PhrenAmpl), needle EMG of the diaphragm and internal intercostals muscle. Mann-Whitney U test was applied for continuous data and χ2 test for discrete variables. Spearman’s correlation was used to investigate the correlation between MIP and MEP with ALS-FRSb. We accept as significant p<0.01 (with Bonferroni correction). 40 Summary Results From a total population of 238 patients, 82 patients were included, 45 in G1 and 37 in G2. G2 patients were older, otherwise sex distribution and disease duration at study entry were similar. ALS-FRS and RofALS-FRS-R were not different between groups, but ALS-FRSb was lower in G2. All patients were evaluated between 6-18 months after disease-onset, with a mean of 12.2 months and 11.6 months for G1 and G2, respectively (p=0.36). From all the respiratory measurements evaluated, only MIP and MEP were statistically lower (p=0.001 and p=0.006, respectively) in G2 as compared with G1, but no correlation was found between MIP and MEP and ALS-FRSb (p=0.070 and p=0.138, respectively). Discussion In our study, age was higher and ALS-FRSb was significantly lower in G2, as expected from the later disease-onset and marked bulbar involvement in these patients. Mean diagnostic delay and mean time between ELA-onset and evaluation was similar between groups. RofALS-FRS-R was high in both groups, as patients with respiratory distress were excluded. Neurophysiological evaluation of the respiratory muscles did not show differences between groups, indicating that the lost of motor units was comparable. Spirometric values, P0.1, blood gases and OPN were also similar. Only MIP and MEP were statistically lower in G2. As MIP and MEP depend on a good mouth sealing around the mouthpiece, lower values could mirror facial muscle weakness in G2. However, the lack of correlation between MIP and MEP and ALSFRSb casts doubts about this and additional tests using different interfaces could give more information. It is possible that MIP and MEP represent a more sensitive measurement to detect respiratory impairment in ELA. A more severe weakness of the respiratory 41 Susana Pinto accessory muscles in G2 is another possibility. These muscles have not been systematically evaluated in ELA. As diaphragm and intercostals muscles are similarly affected in both groups, we can hypothesize about a central respiratory drive dysfunction in G2. However, P0.1 and OPN did not show differences between them. We speculate that G2 have a functional failure to perform efficient forceful respiratory movements, probably related to a cortical dysfunction. Our recent report of a bulbaronset patient with respiratory apraxia can represent an example of this central perturbation. We conclude that there is no evidence to support that diaphragm weakness develops faster in bulbar-onset ELA patients. Predicting respiratory insufficiency in ELA: The role of phrenic nerve Introduction In order to act more efficiently and rapidly in treating hypoventilation, it is important to be able to detect and, better, to predict its onset, usually by using respiratory function tests. We aimed to evaluate the predictive value of respiratory tests in detecting IR in ELA, as defined by hypercapnia. In particular we studied the value of motor responses to phrenic nerve stimulation and compared it with conventional measurements of respiratory function. Patients and methods For 7 years we followed 350 consecutive patients with definite or probable ELA, as defined by the modified El Escorial criteria. Routine nerve conduction studies ruled out polyneuropathy. Patients were excluded if older than 80 or younger than 25 years, with lung disorders, 42 Summary cardiac insufficiency, diabetes mellitus or other debilitating conditions, in whom the region of onset could not be identified or unwilling to participate. Presence of respiratory symptoms was not an exclusion criterion when due to respiratory muscular weakness. Patients were divided into two groups - Group 1 (G1) included spinal-onset ELA patients; Group 2 (G2) included those with bulbaronset. Patients were assessed with clinical evaluation (ALS-FRS, ALSFRSb, RofALS-FRS-R), pulmonary function tests (CVF, MIP, MEP, P0.1), blood gas evaluation (pO2, pCO2, pH) and neurophysiological studies (PhrenAmpl). For the whole population and for G1 and G2 sensitivity, specificity, VPP and negative predicted value (VPN), as well as discriminative power as determined by ROC analysis were determined. At first, cut-off values were established in accordance with the generally accepted normative limits: CVF– 80%; MIP and MEP– 60% PhrenAmpl0.40 mV. In a second phase, the abnormal test results were related to hypercapnia in both groups in a logistic regression analysis to define a new set of cut-off values which were then reassessed. Results Of the total population of 350 ELA patients, 199 (mean age± SD 61± 11 years, range 28–80) fulfilled the study entry criteria. Of these 52 had definite and 147 had probable El Escorial ELA. Half the patients were women. Mean disease duration at study entry was 17.2± 15.6 months (range 1–72). The disease was bulbar-onset in 68 patients and spinal-onset in 131 (upper limb onset in 63). Twenty-four (12.1%) patients had hypercapnia at study entry. These clinical features showed no statistical differences compared with the remaining patients in our clinic records not included (p> 0.05, for all comparisons). 43 Susana Pinto PhrenAmpl data was merged from the two sides as there were no differences between sides. In addition, no differences in PhrenAmpl were found between G1 patients with initial upper limb and lower limb weakness (p=0.46). Although CVF, MIP and MEP were different between G1 and G2, there were no significant changes in PhrenAmpl, P0.1 and pCO2 levels. These results suggest that, as clinically expected, there were technical problems in measuring air pressures and airflows in G2. CVF sensitivity in G1 was 50% and 90% in G2. However, specificity of CVF in G2 was only 51.7% because many patients had weak facial muscles and a falsely low value was obtained. ROC analysis revealed high discriminative values for CVF and PhrenAmpl in the whole group, and also in G1 and G2. Logistic regression analysis, including all the variables, showed that only PhrenAmpl for G1 and CVF and PhrenAmpl for G2 were significant discriminators related to hypoventilation as defined by hypercapnia. Logistic models using only those variables were developed to derive a new set of cut-off values. Sensitivity of these new cut-off values was lower for CVF in G2, since this new cut-off point (63.4%), identified lower true hypercapnic patients. The new cut-offs for PhrenAmpl were slightly lower in both G1 and G2 (0.37 and 0.25mV, respectively), with increased specificity, sensitivity and VPN, indicating that an abnormal PhrenAmpl is strongly associated with hypercapnia. VPP of PhrenAmpl was not as high (19.6% in G1 and 33% in G2) indicating greater uncertainty regarding hypercapnia when PhrenAmpl was normal. VNI was adapted during follow-up in 102 patients without hypercapnia at presentation. It was adapted in 67 patients with initially normal PhrenAmpl and in 35 patients with abnormal values (respectively 10 ± 10.6 months (range 0–60) and 3.9±4.5 months (range 0–13) after study entry). Regarding CVF, VNI was adapted in 70 patients with 44 Summary normal CVF and in 32 with abnormal values (respectively 10.3 ± 12.7months (range 0-11) and 5.9± 6.7 months (range 0-21) after study entry). These differences were significant, in particular for PhrenAmpl (p<0.001 for PhrenAmpl and p= 0.046 for CVF). Discussion An important conclusion from our work is that PhrenAmpl is a useful measurement of respiratory function. It is objective and nonvolitional, and is highly discriminative for hypoventilation in both bulbar and spinal-onset patients. Small values suggests impending respiratory failure and indicates the need for a more complete respiratory evaluation. The decision to initiate VNI is determined by a combination of clinical symptoms of fatigue, respiratory distress on effort and disturbed sleep with morning headache or confusion, suggestive of hypercapnia, with documentation of hypercapnia at rest, reduced CVF and MIP and abnormalities in OPN. PhrenAmpl is particularly important in bulbar-onset ELA patients in whom classical respiratory function tests may be unreliable due to facial weakness. Reduced PhrenAmpl was strongly associated with the need for VNI in the following months. Changes of phrenic nerve motor response in ELA: longitudinal study Introduction Respiratory function assessment is essential for monitoring disease progression and determining the time for VNI. We demonstrated that the PhrenAmpl is predictive of hypoventilation in bulbar and spinalonset ELA patients. In particular, it has high VPN (95%), meaning that 45 Susana Pinto almost all ELA patients with hypoventilation have small diaphragmatic motor responses by phrenic nerve stimulation. We aimed to evaluate PhrenAmpl rate of change over disease course and to correlate it with other conventional measurements of the respiratory function. Population and methods We prospectively followed 49 consecutive ELA patients. Inclusion criteria were age at entry between 20-75 years, patients with other medical conditions were excluded. Patients were evaluated at study entry (time 0 –T0) and 4–6 months later (time 1 –T1). The following measurements were performed: clinical evaluation (ALS-FRS, RofALS-FRS-R), conventional respiratory tests (CVF, MIP, SNIP), OPN (SpO2mean) and neurophysiology studies (Mean PhrenAmpl and ADMAmpl). Ten patients were submitted to a third evaluation (T2) to assess the linearity of PhrenAmpl progression curve. In this subgroup the interval T2–T1 was identical to T0–T1. To test PhrenAmpl reliability, we investigated PhrenAmpl and ADMAmpl applying the same protocol in a population of 7 PLS patients (6 men, mean disease duration 6.2 years, range 5.5-8), investigated in two sessions separated by 6 months. Mean values from both sides were compared and the percentage of variation was calculated. Wilcoxon signed rank test was applied for assessing differences between T0-T1, and between T1-T2. It was considered as statistically significant a p value< 0.05. Results Forty-nine patients were included, 12 had definite and 37 probable disease according to the revised El Escorial criteria. Mean age was 56.5± 8.9 years (range 34-73) and 35 were men. Mean disease 46 Summary duration was 15.0± 12.2 months (range 3-55) at study entry. The disease-onset was bulbar in 13 patients and spinal in 36 (in upper limbs in 19). In T0-T1 (mean duration of 5.2± 1.0 months) ALS-FRS, RofALSFRS-R, PhrenAmpl, ADMAmpl, CVF, SNIP (p< 0.01) and SpO2mean (p< 0.05) declined significantly. MIP did not (p= 0.203). Percentage of change was marginal for SpO2mean (1.3%), low for RofALS-FRS-R (7.3%), high for ADMAmpl (23.7%) and PhrenAmpl (18.7%) and between 10.5-14% for the other measurements. However, there was no statistically significant difference between PhrenAmpl and CVF or SNIP percentage of change (p> 0.05), and no difference between bulbar and spinal patients or between patients with short disease duration (less than 1 year) as compared with those with longer disease duration at entry (p> 0.05). The coefficient of variation (SD/mean value x 100) of the percentage of change was higher for SNIP (191%) and CVF (125%) and approximately 100% for the remaining measurements. The change of PhrenAmpl between T0–T1 (13.7 ± 17.2%, range 0–60) was compared with T1-T2 (14.8 ± 13.3, range 0–41.9) but no difference was found (p= 0.80). Testing correlations we found significant correlations between respiratory tests (CVF, SNIP and PhrenAmpl), except for CVF and SNIP values that were not correlated. In our population of PLS patients, mean PhrenAmpl and ADMAmp did not change significantly (p> 0.2, Wilcoxon signed rank test). The mean percentage of variation was 7.2± 1.37% (range 5.7–9.4) for ADMAmp and 9.4± 5.4 (range 0–16.7) for PhrenAmpl. Discussion We followed a large group of ELA patients for about 6 months (probably a target time for exploratory clinical trials). Over this period, 47 Susana Pinto ALS-FRS, RofALS-FRS-R, mean PhrenAmpl, ADMAmpl, CVF, SNIP and SpO2mean declined significantly. MIP did not change significantly, possibly related to floor effect since it shows low values at early phases of disease progression. Neurophysiological values tended to decline more than the other measurements. SNIP showed the highest variability, which would diminish its utility as an outcome measurement in trials. SpO2mean change was very marginal over 6 months. PhrenAmpl decrement was not unequal in different sub-population of patients (bulbar vs spinal-onset, short vs longer disease duration) and showed a linear slope in a small group of patients submitted to a third evaluation. Reproducibility was tested in a population of PLS patients and it was good, and similar to ADMAmpl. PhrenAmpl rate of decay correlated to other respiratory function tests such as CVF and SNIP, showing that it is clinically meaningful. However, PhrenAmpl reduction did not correlate to ADMAmpl change suggesting that these muscles follow a different pattern of progression, which in accordance with the different lower motor cell distribution in the cervical spinal cord. In a short period of clinical follow-up, PhrenAmpl can detect loss of motor units in the diaphragm that are correlated with other respiratory tests (CVF and SNIP). Its decline is not related to hand muscle weakness and shows an inter-individual variability similar to ALS-FRS and smaller than SNIP and CVF. This neurophysiological test can be useful to monitor respiratory function in uncooperative patients or in those with marked facial weakness, and can be included in clinical trials to assess respiratory function. 48 Summary Phrenic nerve studies predict survival in ELA Introduction Several different factors have been shown to predict survival in ELA. The most consistent negative predictive factors for survival are elderly age, female gender, short diagnostic delay, bulbar and respiratory presentation, rapid clinical (ALS-FRS) and respiratory function. Death in ELA is determined by hypoventilation and thus it would be anticipated that markers of respiratory failure could prove to be the most reliable preditors of survival. Lower CVF at diagnosis, the slope of CVF and CV decline, SNIP and SpO2mean were described as prognostic factors in ELA. We have previously shown that mean PhrenAmpl is predictive of hypoventilation, both in bulbar and in spinal-onset ELA patients, declines significantly over a short-period of time and shows a very high inter-side correlation, as a result of a symmetric degeneration of the phrenic motor neurons in the cervical spinal cord. Phrenic nerve study is non-invasive, reliable when used by experienced neurophysiologists, quick, easily available in all devices and does not depend on patient’s cooperation. In this study, we aimed to evaluate the survival predictive value of phrenic nerve responses in ELA. Patients and methods We included the total population of patients followed in our ELA unit from 1997 to 2006, with definite or probable ELA, as defined by the modified El Escorial criteria. The following patients were excluded: older than 80 or younger than 20 years; with lung disorders, polyneuropathy, cardiac insufficiency, pace-maker, diabetes mellitus and with other debilitating medical conditions; intolerant to the recumbent position; confirmed clinical diagnosis longer than 3 months before study entry and 49 Susana Pinto when the region of onset could not be identified. Inclusion criteria included informed consent, disease progression on follow-up and confirmation of death time. Depending on the region of onset, patients were split into two groups: G1 included patients with spinal-onset ELA; G2 included bulbar-onset patients. All patients were evaluated immediately after diagnosis (gender, age at presentation, onset region and diagnostic delay were recorded) and all tests were carried-out within the one-month interval - ALS-FRS, RofALS-FRS-R (only patients included after August 2000 had this score), mean PhrenAmpl, CVF. Normally distributed variables were compared by Student’s t-test for two groups. Logarithmic transformation allowed normalization of nonnormally distributed variables (total survival time and time from first symptoms to first visit). Non-parametric tests were used if normality was not achieved (ALS-FRS and RofALS-FRS-R). A p value< 0.05 was accepted. Survival analysis was done by Kaplan-Meier log-rank test and the multivariate Cox proportional hazards model. Survival was measured from symptom onset to death or censor date (January 31st, 2012). Continuous variables were dichotomized. Cut-off values were determined by the median value of the variables whenever a normative cut-off value was not possible (age, diagnostic delay, ALS-FRS and respiratory subscore). Otherwise, the lower limit of normal was used as the cut-off value: 80% of the predictive value for CVF; 0.4 mV for Mean PhrenAmpl. Only covariables meaningful for α<0.05 were evaluated in Cox regression. Results From the original population of 494 ELA patients, 254 (51.4%) fulfilled the entry criteria (mean age 61 ± 11.2 years, range 28–80 years), 82 had definite and 172 had probable or probable-laboratory 50 Summary supported ELA, based on the revised El Escorial criteria. About half were men. Mean diagnostic delay was 15.7±13.2 months (range 1–81). Disease had bulbar-onset in 79 patients (31.1%) and spinal-onset in 175. In bulbar-onset patients, women were more frequent (p=0.001), patients were older (p<0.001), CVF values were lower (p=0.006), the diagnostic delay shorter (p=0.004) and survival was shorter (p=0.001). Mean PhrenAmp, ALS-FRS and RofALS-FRS-R were similar between G1 and G2. The proportion of patients alive at censoring date was 5.5% (1 patient in G2 and 13 in G1). Median survival for the 254 ELA patients was 33.5 months (95%, CI 30–38), mean 44.1 months (95%, CI 40–48), range 206.2 months. Median survival for G1 was 39.6 (95% CI 34-44), mean 50.1 months (95% CI 45-56), range 204.7 while for G2 was 28.4 (95% CI 24-31), 30.9 (95% CI 27-34) and 80.6, respectively. Significant prognostic variables in univariate Kaplan-Meier analysis were: region of onset; age at onset and CVF for the total population and G2; diagnostic delay for the total population and G1; and mean PhrenAmpl for total population and for G1 and G2. Gender and ALS-FRS at entry were not significant prognostic factors for survival (p >0.05). RofALS-FRS-R was a significant prognostic factor for the total population and G1. Bulbaronset form, age at entry, short diagnostic delay, small CVF and small mean PhrenAmpl at entry were significant independent preditors of mortality. For both groups, mean PhrenAmpl and diagnostic delay were independent factors, but age at onset and CVF were independent factors for G2 only. PhrenAmpl equal or lower than 0.4 mV increased the hazard by about 1.657-fold compared to those above to 0.4 mV (HR= 1.653, 95%, CI=1.249-2.186; p<0.001, for the total population; HR= 1.574, 95%, CI=1.141-2.172, p=0.006, for G1; HR= 2.161, 95%, CI =1.195-3.909, p=0.011, for G2). 51 Susana Pinto Discussion Phrenic nerve stimulation is an accessible non-invasive test, which is non-volitional and well-tolerated. A few patients with severe orthopnea cannot tolerate the recumbent position, but we did not meet additional technical problems in patients with respiratory impairment. We believe this test has the potential of being universally applied but requires some experience to avoid unreliable results. Standardization of the technique is essential. We showed before that a small PhrenAmpl suggests impending respiratory failure and indicates the need for a more complete respiratory evaluation. The cut-off value of 0.4mV for PhrenAmpl was defined by investigating a large population of controls and validated by testing it in a large population of ELA patients. In our study, survival was negatively affected by the independent factors bulbar-onset, elderly age, short diagnostic delay (rapid progressors), lower CVF and small PhrenAmpl. G2 patients had significantly shorter mean survival time than G1 patients. Therefore, we analyzed the prognostic factors for these two groups. In both, shorter diagnostic delay was a negative prognostic factor. Elderly age was a poor prognostic factor for G2 only. Age is generally not considered as an independent preditor. However, in our experience, older bulbar-patients are not compliant to VNI, an observation possibly related to cognitive dysfunction. CVF determined at entry was an independent preditor of survival, for the total population and for G2. Possible, poorer expiratory function in G1 would influence CVF and its value as a predictive factor. The main contribution of our study is to show the poor prognostic outcome of patients with small PhrenAmpl at entry. When following ELA patients we experience the limitations of volitional respiratory tests to quantify the respiratory function, in particular in bulbar-onset patients. Our results suggest that PhrenAmpl has a supportive role in measuring respiratory function in ELA. 52 Summary Chapter IV – Respiratory exercises in ELA REALS – Respiratory exercise in early affected ELA patients Introduction Although intuitively beneficial, the role of exercise in ELA is controversial. High intensity exercise is deleterious in the transgenic SOD1 mouse model, but exercise of moderate intensity appears beneficial, both in this animal model and for ELA patients. We hypothesized that inspiratory muscle training (IMT) in early affected ELA patients with normal respiratory function could decrease the rate of ventilatory function decline over the initial period of disease progression. We approached this problem applying a delayed-start design to assess the neuroprotective potential of respiratory exercise. Patients and methods In this prospective study, we studied 26 patients with definite (4 patients) or probable ELA (22 patients), as defined by the revised El Escorial criteria. The following inclusion criteria were applied: age at disease onset between 18-75 years; disease duration <24 months at entry; ALS-FRS >24 at entry; informed consent. We excluded familial cases, pregnant women, patients with additional medical problems, subjectswith perioral weakness preventing adequate lip sealing and with upper limb weakness severe enough to prevent respiratory training. We also excluded patients with CVF <70% or MIP and MEP <50% of the predicted value. We applied a parallel, control-group, blinded, randomized, delayed-start design. After informed consent all subjects were independently randomized into two treatment groups: active IMT protocol twice-a-day for 8 months (G1) and placebo training for the first 4 53 Susana Pinto months, followed by an identical active IMT protocol twice-a-day training for 4 months (G2). They were all informed that the trial was devised to determine the best respiratory training protocol. Those included in G2 were not aware of the placebo training during the first half of the study, as the device was set for the minimum load value. IMT consisted in inhaling and exhaling through the Threshold ® IMT device (Respironics ) consisting in a plastic cylinder with a ® mouthpiece and a spring-loaded valve located at the top of the device. Using a nose clip, the patient inhales through the mouthpiece to generate a negative pressure within the plastic cylinder. The internal valve opens once the pressure within the cylinder (i.e. intra-oral pressure) overcomes the compression in the spring. The device is graduated from 9 to 41 cm H2O. All patients were instructed to use the device twice a day, for a 10min-period each, at the same time of the day. In the active exercise period, the threshold load was set to 30-40% of the MIP as determined by respiratory function testing performed by an independent evaluator. The placebo-period exercise (first 4 months for patients in G2) consisted in breathing through the device with the lowest possible load - 9 cmH2O. Each patient was phoned weekly to ensure compliance and completed a weekly chart that noted the duration of the exercise; load; symptoms of dyspnoea (graded 0-10); fatigue (graded 010); well-being (graded 0-10); heart rate before and 1 minute after the exercise. All patients were on riluzole 50mg bid. None were taking bronchodilators. Patients entered the study immediately after diagnosis and were evaluated 3 times: at entry (T0), at the end of the first 4-month period (T1) and at the end (T2) of the study. The first 12 patients included were also evaluated one month after entry to assess their tolerance to IMT. The primary outcome measure was ALS-FRS. We also evaluated ALS-FRSb and RofALS-FRS-R. We recorded CVF, PEF, MIP and MEP, 54 Summary VVM, SNIP and P0.1 in the sitting (CVFsit, PEFsit, MIPsit, MEPsit, VVMsit, SNIPsit, P0.1) and supine positions (CVFlay, PEFlay, MIPlay, MEPlay, VVMlay, SNIPlay). Blood gas analysis was performed in all patients. SpO2mean, SpO2min, SpO2<90%, Dips/h<4% of mean SpO2 and the graphical pattern of SpO2 were obtained from OPN. Instant SpO2 and heart rate were recorded during the respiratory exercise training at each of the three visits. There was neither desaturation nor tachycardia during the exercise protocol. Neurophysiological studies included PhrenAmpl and the NI, calculated in both ulnar nerves. We also analysed EVA for dyspnoea and fatigue, FSS, Borg scale during exertion, HRSD, ESS, FIM and EQ-5D. An analysis of covariance within and between groups was used, with repeated-measures analyses of covariance for the former and the univariate analyses for the latter. significant levels of α=0.05. To determine whether there was a difference in the decline of ALS-FRS we calculated the slope between T0-T1 for G1 and G2. All patients evaluated at T0 and T1 were included. To determine whether the potential benefits observed at T1 in G1 were still present at T2, we compared the slope between T0-T2 in G1 and G2. Moreover, we estimated the rate of change in ALS-FRS between T1-T2. For the last two comparisons we included all patients who finished the 8-month period. Secondary outcomes were evaluated with the same approach. Results The 26 patients studied (8 women; mean age at entry 57± 8.9 years) had a mean disease duration of 12.1± 5.9 months. The disease was bulbar-onset in 4 patients and spinal in 22 (10 in upper limbs and 12 in lower limbs). Thirteen patients were randomized to each group. Three of the 4 patients with bulbar-onset were randomized to G1. There was no significant difference between groups at entry. 55 Susana Pinto Compliance was excellent, as evaluated by weekly contact. At the end of the first four months, all patients could breathe comfortably through the device with a respiratory frequency between 14-16 cycles per minute. returned to basal levels 1 minute after the ending of the IMT training session. One patient in each group dropped-out less than 2 months after study-entry. Both were young and moderately affected at entry (43 and 47 years; ALS-FRS 35 and 33, respectively) and with upper-limb presentation. One (G1) had rapidly progressive spasticity; the other (G2) was lost to follow-up. They were not included in the statistical analysis. Twenty-four patients finished the first 4-months of the study. At T1, for all patients, the load was readjusted to 30%-40% of the MIP as determined at that time. All patients in G2 who started the active training tolerated the inspiratory load, maintaining a respiratory rate of 14-16 per minute during exercise. Four fast-progressing patients with short disease duration at entry (range 3-6 months) one in G1 and three in G2 (one with bulbar-onset), could not tolerate the IMT program in T1-T2. The four developed clinical and laboratory signs of IR. VNI was suggested, but two failed to comply. Eleven patients in G1 and 9 in G2 finished the 8month period of the study and were included in the analysis. For each evaluation period there was no significant difference in ALS-FRS and decline in ALS-FRS subscores and of respiratory tests between groups. However, RofALS-FRS-R showed a non-significant increase after exercise periods of 4 months and 8 months in G1 and G2 respectively. Patients in G1 showed an increase in MIP, SNIPsit, PEFlay and VVM, both sitting and supine in the T0-T1 period, significant for VVMsit (p=0.017) and VVMlay (p=0.042). This improvement did not persist in T1-T2. In G2, between T1-T2, MIPsit, PEF, VVM and SNIP in both positions increased, but did not reach statistical significance; these measures showed a clear decline in the initial period T0-T1. Comparing the whole study period T0-T2 between groups, all respiratory 56 Summary measurements declined less in G1. NI showed a significant decline over the course of the study in both groups. FIM, Epworth scale, EQ-5D, FSS, EVA fatigue and EVA dyspnoea increased slightly in both groups but these differences were not significant. FSS was qualitatively better in G1. HRSD did not reveal significant differences. There were no adverse effects. Discussion We tested a homogenous population of early-affected ELA patients, with no respiratory involvement. IMT was performed for longer periods than described in the literature for other diseases, during 8 months in G1, and 4 months in G2, using a constant inspiratory load of 30 to 40% of the individual MIP. Respiratory rate was spontaneously maintained between 14-16 cycles per minute. The load was readjusted at T1 for patients in G1 and G2, according to their current MIP values. Interestingly, during exercise SpO2 increased slightly, associated with a decrease of 5bpm in heart rate. The delayed-start design applied enabled us to test the potential additional advantage of earlier training. Overall ALS-FRS results did not support a neuroprotective effect of IMT. RofALS-FRS-R did not decline significantly in G1. In G2 it showed a significant decay before the onset of the exercise protocol, but not during the exercise period, suggesting that this exercise protocol is useful in preventing respiratory symptoms in the early stages of ELA. We did not observe a statistically significant difference in CVF and SNIP between groups. However, there was a significant improvement in VVM in T0-T1 in G1 and some non-significant improvement in MIPsit, PEF, VVM and SNIP occurred during T1-T2 in G2. There were no changes in motor unit physiology in the diaphragm during the exercise period. 57 Susana Pinto In conclusion, IMT is safe, well-tolerated and has transitory mild benefits on clinical evaluation and in tests evaluating respiratory fatigue in early-stage ELA patients. VVM studies are likely to be sensitive measures in any future study. The potential role of exercise programmes in the management of ELA has been relatively neglected, but should be reinvestigated. REALS - Can inspiratory muscle training increase survival in early-affected ELA patients? Introduction We have previously implemented an IMT protocol in early affected ELA patients. With the present study we intended to address the impact of our IMT protocol on survival. Patients and methods Eigtheen patients who underwent the previous exercise protocol for ≥ 8 months form group 1 (G1) in this report. Eleven patients are from the early-intervention arm. Seven patients are from the late-intervention arm, but who remained doing the exercise protocol for at least an additional period of 4 months after the end of the study, thus accomplishing a total exercise-period of at least 8 months. Overall, seven patients did the training protocol for 8 months, five did it for 12 months, two for 18 months, three for 24 months and one for 32 months (training duration: mean±SD 18.8±9.6months; quartiles 1 and 3 of 10 and 28 months). Two of them continued the IMT protocol after the initiation of VNI. Threshold load was set as described and adjusted every 4 months according to the MIP values recorded at each evaluation. G1 patients were compared with a historical control group of 58 Summary 16 ELA patients (group 2 – G2), matched for gender, age at presentation, onset form, diagnostic delay, ALS-FRS and respiratory tests, including CVF and Mean PhrenAmpl. Inclusion and exclusion criteria were identical to the previous study. All patients in both groups were on riluzole 50mg bid. Gastrostomy was performed in two patients in G1 and three patients in G2 before the study event. Normally distributed variables were compared between groups by the independent samples Student T-test; otherwise, the nonparametric test Mann-Whitney U test was used. String variables were compared between groups by Pearson χ2. Survival analysis was performed by Kaplan-Meier log-rank test and the multivariate Cox proportional hazards model. Time-to-event was measured from symptom onset to death, VNI or censor date (April 1st, 2012). Categorical variables were included as dummy variables and continuous variables were dichotomized. Cutoff values were determined by the median value of the variables. Variables tested were onset form (bulbar vs spinal), age at onset, diagnostic delay, gender, BMI, ALS-FRS, RofALS-FRS-R, CVF and Mean PhrenAmpl. Results In total, 3 patients (8.8%) were alive with no respiratory support at censoring date, two of them in G1 and one in G2. Disease duration at censoring in those two patients included in G1 was 65.9 and 52.7 months and in the patient included in G2 was 12.7 months. VNI was adapted in 11 patients in G1 and 10 patients in G2. Patients in G1 survived significantly longer than patients in G2 (36.99 ± 13.1 months vs 24.06 ± 11 months, respectively, p<0.001). No differences on survival were found between the two subgroups in G1 (c2= 0.0; p=0.989). Significant prognostic variables in univariate Kaplan-Meier analysis were respiratory exercise and CVF for the total population. CVF was also a 59 Susana Pinto significant prognostic factor for G1 and diagnostic delay was a significant prognostic factor for G2. In a final Cox model including all relevant demographic and clinical covariates, the respiratory exercise, gender and mean PhrenAmpl at entry were significant independent preditors of mortality. Patients in G2 (no exercise) had an increased hazard of 2.284fold (HR=2.284, 95%,CI=1.075-4.85; 0.032). Values of PhrenAmpl ≤0.7 mV increased the hazard by about 3.038-fold compared to those > 0.7 mV (HR= 3.038, 95%, CI=1.245-7.415; 0.015); male gender had an increased hazard by 4.145 (HR= 4.145, 95%, CI=1.567-10.962; 0.004). Discussion Although not being able to stop the progression of the disease or preventing the involvement of the respiratory function, IMT protocol showed to be a significant independent preditor of survival in earlyaffected patients. In addition, the current results confirm the value of PhrenAmpl as prognostic factor for survival in ELA. In our study we had a similar number of men and women with bulbar-onset disease and male gender was an independent negative prognostic factor. Whether there is an hormonal protective role in spinalonset women is yet to be demonstrated. The most critical point of our study is the validity of historical controls as a comparative group. By using a well matched historical control population and a clear event, we probably avoid a significant bias. This exploratory approach supports a larger double-blind study to evaluate the efficacy of this training program for increasing survival in ELA. 60 Summary OVERALL IMPLICATIONS Our results show that phrenic nerve studies are an useful measurement of respiratory function and contribute to the understanding of respiratory disturbances in ELA when used in conjunction with other respiratory tests. We have not encountered people unable to tolerate electrical stimulation of the nerve in the neck. Gross obesity may hamper the recording and current spread to the brachial plexus may induce artefact but it can be overcome by the stimulator from the Erb’s point. In addition, diaphragmatic responses by phrenic nerve stimulation are symmetrical either in controls and in ELA patients, pointing out towards a focal and continuous involvement of phrenic nerve nuclei in the cervical spinal cord. In fact, our results show that other respiratory muscles that also have their nuclei close to midline (namely SCM, midtoracic paraspinal muscles at T5 as well as the internal intercostals muscles) have a concomitant and also symmetrical involvement in ELA. PhrenAmpl depends on the number of excitable motor units in the diaphragm but other factors can influence it, such as body morphology, body mass index and respiratory cycle. Our results show that PhrenAmpl is discriminative in predicting hypoventilation as defined by hypercapnia both in bulbar and in spinal-onset ELA patients. This is particular relevant in bulbar-onset patients as conventional respiratory tests may be unreliable due to facial weakness. PhrenAmpl has high specificity, sensitivity and high negative predictive value (95%), meaning that almost all ELA patients with hypoventilation have small responses by phrenic nerve stimulation. In addition, it can detect loss of motor units in the diaphragm over short periods of clinical follow-up, showing correlation to the decline observed in other respiratory tests (CVF and SNIP). Our results also showed that lower values of PhrenAmpl in the initial assessment of ELA patients have a negative predictive value on 61 Susana Pinto survival and are strongly associated with the need for VNI in the following months. Being IR the usual terminal event in ELA, mainly due to diaphragm weakness, associated with motor unit loss in intercostal and axial muscles, we hypothesized that inspiratory muscle training (IMT) in early affected ELA patients with normal respiratory function could decrease the rate of ventilatory function decline over the initial period of disease progression. Our results showed that the IMT tested is safe, well-tolerated even during the progression of the disease and has transitory mild benefits on clinical evaluation and in tests evaluating respiratory function. Although not being able to stop the progression of the disease or preventing the involvement of the respiratory function, prolonged inspiratory training seems to me a significant independent preditor of survival in these patients. This exploratory approach supports a larger double-blind study to evaluate the efficacy of this training program for increasing survival in ELA. RofALS-FRS-R, MIP, SNIP, VVM and PhrenAmpl are adequate respiratory measures to assess its efficacy. 62 Capítulo 1 -‐‑ A Esclerose Lateral Amiotrófica -‐‑ revisão Capítulo 1 A Esclerose Lateral Amiotrófica - Revisão 1.A. Contextualização histórica A Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA) é uma doença neurodegenerativa, relativamente rara e progressiva, em que, classicamente, ocorre o envolvimento exclusivo dos primeiro e segundo neurónios motores. Foi descrita pela primeira vez em 1868 por Jean-Martin Charcot, neurologista francês considerado como o pai da Neurologia Moderna, apesar de hoje se reconhecer que os cinco primeiros casos descritos correspondem a outra forma de Doença do Neurónio Motor (DNM), a Esclerose Lateral Primária (PLS, ver em O espectro clínico da doença, página 83). Desde Charcot, muitos investigadores têm-se dedicado ao estudo desta doença, mas os desafios iniciais mantêm-se. A ELA continua a não ter cura conhecida, não existindo forma de travar a sua progressão. Anteriormente a Charcot, várias observações importantes sobre a clínica e a patologia das doenças do neurónio motor foram feitas por Sir Charles Bell, François-Amilcar Aran, Amand Duchenne, Jean Cruveiller e Augustus Jacob Lockhart Clarke. Aran, em 1850, introduziu o conceito de atrofia muscular progressiva (PMA) (Aran, 1850), cuja descrição inicial é atribuída a Duchenne em 1849 (Duchenne, 1849), que descreveu igualmente a paralisia bulbar progressiva (Duchenne, 1860). Para estes autores, estas manifestações tinham origem miopática. Bell, em 1824, e Cruveiller, 63 Susana Pinto em 1853 (Cruveiller, 1853), descreveram doentes com fraqueza muscular dos membros superiores (MS) e com evolução fatal, sugerindo, ao contrário dos autores anteriores, o envolvimento das raizes espinhais anteriores. Um dos primeiros doentes descritos pormenorizadamente, em 1853 por Cruveiller, foi um homem de 30 anos com fraqueza muscular progressiva da mão direita, posterior envolvimento espástico dos membros inferiores (MI) e fraqueza da mão esquerda, seguidos de disartria e disfagia, tendo ficado confinado ao leito e falecendo 4,5 anos após o início dos primeiros sintomas (Veltema, 1975). A degenerescência das células motoras nos cornos anteriores da medula foi reconhecida simultaneamente por Jules Bernard Luys em Paris (Luys, 1860) e por Augustus Jacob Lockhart Clarke em Londres, este último referindo o adelgaçamento da medula lombar e cervical, processo que se estendia ao longo do tronco encefálico e mesmo na região pré-frontal. Lockhart Clarke, anteriormente a Charcot, estudou e seguiu dois doentes com sintomatologia e alterações histopatológicas típicas de ELA (Radcliffe e Lockhart Clarke, 1862; Lockhart Clarke e Hughlings Jackson, 1867). Após os casos descritos inicialmente por Charcot em 1868, dois doentes com fraqueza, fadiga e atrofia musculares progressivas e assimétricas dos membros, fasciculações e sinais piramidais foram descritos por este e Joffroy (Charcot e Joffroy, 1869). Acentuando a necessidade da observação meticulosa aos seus alunos, durante as suas célebres Leçons de Mardi no Hôpital de la Salpêtrière, Charcot decide contratar uma empregada doméstica com ELA, observando sistematicamente as suas manifestações clínicas e cuja autópsia lhe permitiu obter conhecimentos histopatológicos sobre a ELA, nomeadamente o envolvimento da via piramidal. Baseado em 20 doentes, Charcot descreveu, há dois séculos, os aspectos clínicos e patológicos mais 64 Capítulo 1 -‐‑ A Esclerose Lateral Amiotrófica -‐‑ revisão relevantes da ELA, assim como o seu prognóstico reservado, acreditando que a origem da ELA poderia estar nas células motoras corticais, tendo a nevróglia um papel essencial na sua propagação. Clinicamente, relatou a existência de fasciculações abundantes, de fraqueza e atrofia musculares generalizadas, de sinais piramidais mais acentuados nos MI e a ausência de envolvimento esfincteriano. Descreveu a apresentação bi-braquial e correlacionou a forma bulbar com a observação histopatológica da perda de neurónios motores ao nível dos núcleos dos pares cranianos. Constatou que a morte ocorria por falência respiratória ou por desnutrição subsequente a disfagia grave. A “Esclerose Lateral Amiotrófica”, designação proposta por Charcot, reporta-se à “perda do trofismo muscular” devida ao “endurecimento” dos “cordões laterais da medula”. Dadas as suas descrições e conhecimentos notáveis, ainda hoje tão actuais, a ELA é igualmente conhecida por “Doença de Charcot”. 65 Susana Pinto 1.B. Epidemiologia Apesar de ser uma doença rara, tem-se verificado uma incidência crescente da ELA nos últimos anos, fruto da melhor assistência médica à população em geral e da melhor acuidade no diagnóstico por parte dos profissionais de saúde. No entanto, não se pode excluir um aumento real da incidência, que se estima actualmente em 2.2/100 000 habitantes/ano na Europa (Logroscino et al., 2009), não havendo um valor exacto determinado a nível mundial (Cronin et al., 2007). A prevalência da ELA tem também vindo a aumentar, em resultado dos melhores cuidados de saúde disponíveis, em especial os suportes ventilatório e alimentar, para além dos cuidados médicos em geral. Contudo, continua baixa, de cerca de 7-8/100.000 habitantes, decorrente da curta sobrevida dos doentes (Chiò et al., 2009a). Recentemente, um estudo da população holandesa utilizando metodologia de captura-recaptura refere uma incidência de 2.6/100 000 habitantes/ano e uma prevalência de 10,3/100.000 habitantes (Huisman et al., 2011). Alguns focos geográficos de maior prevalência a nível mundial estão identificados, sendo a frequência da ELA cerca de 50 a 100 vezes superior à média mundial (Steele e McGeer, 2008). Estes focos incluem populações de três ilhas do Pacífico Ocidental a população de Chamorro nas ilhas de Guam e Rota (da cadeia das ilhas Marianas da Micronésia), as populações japonesas da península de Kii da ilha de Honshu e as populações de Auyu e Jakai na região de Kepi na Nova Guiné Ocidental, Indonésia. Nestas, a ELA está associada a parkinsonismo e a demência (complexo ALS-P-D) (Kimura et al., 1963; Gajdusek, 1963; Reed e Brody, 1975; Plato et al., 2003; Waring, 2004; Kuzuhara e Kokubo, 2005). Argumenta-se recentemente que a elevada prevalência na 66 Capítulo 1 -‐‑ A Esclerose Lateral Amiotrófica -‐‑ revisão população de Chamorro está associada à ingesta de alimentos locais onde se nomeadamente detectou do a género presença Nostoc de (Bell, cianobactérias, 2003). Estas cianobactérias, que vivem em simbiose com as sementes de cica (C. Micronesica) a partir das quais é feita farinha (Kurland, 1988), produzem o aminoácido neurotóxico β-N-methylamino-L-alanina (BMAA, Vega e Bell, 1967). O mesmo aminoácido foi identificado em morcegos (Pteropus mariannus mariannus), que fazem parte da dieta local e que o contêm em concentrações mais elevadas que as sementes (Banack e Cox, 2003). A descoberta do BMAA foi motivada pela identificação do ácido β-N-oxalil-L-α,β– diaminopropiónico (Rao et al., 1964, Murti et al., 1964) nas sementes de leguminosas Lathyrus, especialmente L. sativus mas também L. cicera e L. clymenum, cultivadas no Médio Oriente, China, Etiópia e Índia. O Latirismo, causado pela ingesta de alimentos com a neurotoxina referida (Bell, 1964), caracteriza-se por uma paraparésia espástica progressiva e irreversível. Nos habitantes de Chamorro verificou-se uma diminuição do risco relativo de desenvolver ELA quando estes alteravam o seu regime alimentar, nomeadamente nos que imigraram para os Estados Unidos da América (USA). A identificação deste factor de risco possibilitou a alteração dos hábitos alimentares dos habitantes locais, razão pela qual a incidência e a prevalência têm decrescido, associado a um aumento da idade média de início da doença. (Steele e McGeer, 2008; Plato et al., 2003; Waring, 2004; Kuzuhara e Kokubo, 2005). Desde então, foi possível identificar cianobactérias que produzem BMAA em vários locais no mundo, nomeadamente em reservatórios de água contaminados e utilizados para ingesta e outras actividades de recreio no Reino Unido (Metcalf e Codd, 2009), em algumas águas urbanas holandezas (Faassen et al., 2009), em águas pouco profundas da Florida 67 Susana Pinto (Brand, 2009), em lagos do New Hampshire (Caller et al., 2009), em poços e pântanos no deserto de Gobi na Mongólia (Craighead et al., 2009) e até nas poeiras do deserto do Golfo, sugerindo-se que sejam responsáveis pela maior incidência de ELA nestas populações, incluindo nos veteranos da Guerra do Golfo (Cox et al., 2009). As cianobactérias Nostoc são, inclusivamente, produzidas e comercializadas mundialmente pela China, a preços elevados, embora sendo geralmente consumidas em sopa apenas no Ano Novo (Roney et al., 2009). Anteriormente já tinha sido colocada a hipótese de poder haver um factor etiológico ambiental responsável, dado haver casos descritos de casais nos USA, em Itália e em França a quem foi diagnosticado ELA, assim como nos 3 doentes judeus Ashkenazi que habitavam o mesmo apartamento em Montreal (Melmed e Krieger, 1982; Hochberg et al., 1974). Outros doentes habitavam as mesmas regiões, como perto do Lago Michigan (Sienko et al., 1990) e outros trabalhando nos mesmos locais, como os jogadores de futebol do Norte de Itália (Chiò et al., 2005; Belli e Vanacore, 2005) ou os veteranos americanos da Guerra do Golfo (Weisskopf et al., 2005; Horner et al., 2003; Haley, 2003). Vários mecanismos têm sido propostos para a neurotoxicidade da BMAA, nomeadamente lesão selectiva dos neurónios motores pela sua interacção com os receptores glutamatérgicos AMPA (Ácido propiónico α-amino-3-hidroxi-5-metil4-isoxazole)/cainato (Vyas e Weiss,2009) e pelo aumento do glutamato extracelular e stress oxidativo resultantes do sistema cistina/glutamato (Lobner, 2009). O Konzo, outra forma de DNM, está também relacionada com a ingesta de determinados alimentos, neste caso de mandioca desidratada com baixos níveis proteícos e deficiência em aminoácidos sufurados. Têm ocorrido vários surtos epidémicos em vários locais de África ao longo dos últimos anos, especialmente em 68 Capítulo 1 -‐‑ A Esclerose Lateral Amiotrófica -‐‑ revisão anos de seca intensa. Esta doença é caracterizada pelo início súbito, após algumas horas da ingesta de mandioca, de taquipnea, taquicárdia, cefaleias, confusão mental e convulsões, tonturas, vómitos, dores abdominais e diarreia e, após uma semana, de quadro de paraparésia espástica simétrica e não progressiva, igualmente de instalação súbita. Formas ligeiras apresentam apenas clónus da articulação tíbio-társica e formas graves apresentam tetraparésia (Tylleskar et al., 1993). A lesão do primeiro neurónio motor (UMN) parece ser devida a elevados níveis de cianido que resultam da degradação da linamarina presente na mandioca e que não é excretado por via renal pela ausência de dadores sulfurados que permitam a sua transformação em tiocianato (Tor-Agbidye et al., 1999). Os doentes podem ainda apresentar parestesias e queixas álgicas nos MI, assim como lombalgia (Tylleskar et al., 1993), neuropatia óptica, nistagmo rotatório, hipoacúsia e disartria pseudobulbar (Tor-Agbidye et al., 1999; Rosling e Tylleskar, 1995; Mwanza et al., 2003). Mesmo exceptuando as formas de limitada expressão regional acima mencionadas como o Konzo, o Latirismo e o complexo ALS-P-D, a idade média de início dos primeiros sintomas varia consoante os Centros de Referência. Situa-se geralmente entre os 55-65 anos (Leigh, 2007; Haverkamp et al., 1995), sendo discretamente mais elevada nas mulheres e nas formas de início bulbar. É pouco frequente em idades inferiores a 35 anos, com cerca de 5% dos casos ocorrendo antes dos 30 anos (Haverkamp et al., 1995), apesar de haver um aumento do diagnóstico de formas juvenis esporádicas (Gouveia e de Carvalho, 2007). Há raros casos identificados antes dos 20 anos. É discutível se existe um aumento progressivo da incidência à medida que a idade avança ou se existe um pico de incidência máxima numa determinada faixa etária. No primeiro caso, estaríamos a admitir um expectável aumento com o 69 Susana Pinto envelhecimento devido a ser uma doença neurodegenerativa, enquanto que no segundo caso, estaríamos a admitir uma distribuição que implica outros factores de risco para além do envelhecimento. No estudo de Huisman e colaboradores os picos de incidência e prevalência situam-se entre os 70-74 anos, ocorrendo um rápido declínico após aquele período, o que suporta a segunda hipótese (Huisman et al., 2011). A ELA atinge igualmente ambos os sexos após os 65-70 anos (1: 1), embora sendo mais frequente no sexo masculino em idades mais jovens (1,5: 1) (Worms, 2001; Zoccolella et al., 2008; Logroscino et al., 2008). Em idades mais avançadas, assiste-se a um aumento da incidência no sexo feminino, sendo nestas mais frequente a forma de início bulbar. Tem sido sugerido um possível factor protector hormonal nas mulheres e um aumento da exposição dos homens a factores de risco (Armon, 2003; Nelson et al., 2000). Contudo, outros autores não o confirmam (Huisman et al., 2011) A forma de início bulbar é mais frequente em idades mais avançadas e em mulheres, ocorrendo em 15% dos doentes com idade inferior a 30 anos e de 43% em idades superiores a 70 (Haverkamp et al., 1995; Forbes et al., 2004a). A sobrevida média da ELA está descrita como sendo entre 3 a 5 anos, mais baixa nas formas de início bulbar (de cerca de 3 anos) que na medular, possivelmente pelo início mais tardio da doença. Quando as primeiras queixas são respiratórias, o prognóstico é mais reservado. Contudo, a introdução atempada de VNI resulta numa sobrevida média de cerca de 27 meses, ou seja, similar à sobrevida dos doentes com forma de início bulbar (Shoesmith et al., 2007). Na forma de inicío generalizada, a progressão é particularmente rápida, podendo a morte advir nos primeiros 12 meses. No entanto, cerca de 10% dos doentes com forma de início medular estão vivos após 10 anos do início dos 70 Capítulo 1 -‐‑ A Esclerose Lateral Amiotrófica -‐‑ revisão primeiros sintomas. A sobrevida é maior quando ocorre em indivíduos mais jovens, assim como nas formas com envolvimento predominante do segundo neurónio motor (LMN) (Haverkamp et al., 1995), sobretudo nas apresentações “flail-arm” e “flail-leg” (Hu et al., 1998). A idade média de início dos primeiros sintomas nas formas familiares (FALS) de ELA é cerca de uma década mais cedo que nas formas esporádicas (SALS), apresentando uma distribuição normal, igual incidência entre homens e mulheres e tendo os doentes uma sobrevida média menor que na SALS (Mulder et al., 1986; Li et al., 1988; Veltema et al., 1990; Strong et al., 1991). 71 Susana Pinto 1.C. Apresentação clínica A ELA tem, geralmente, um início insidioso, com diminuição da força muscular num membro, geralmente distal e de forma assimétrica. A progressão da doença verifica-se com o agravamento da parésia na região inicialmente afectada e pelo envolvimento de outros segmentos contíguos, mais proximais, bem como do membro contralateral, igualmente segundo o mesmo padrão disto-proximal. É característico o envolvimento do MS ou MI ipsilateral (consoante os primeiros sintomas tenham ocorrido no MI ou MS, respectivamente) antes do envolvimento do MS ou MI contralateral. Em situações raras poderá haver uma progressão cruzada (envolvimento do MS e MI contralaterais, de Carvalho e Pinto, dados não publicados). Os MS e os MI podem ser igualmente acometidos, sendo que cerca de 70% dos doentes apresenta esta forma de início, dita medular. Com a parésia advém atrofia muscular, mais marcada nos segmentos inicialmente envolvidos. Os doentes apresentam, frequentemente, igualmente, cãibras. Estas fasciculações últimas são e, muito geralmente de localização gemelar, com alguma frequência nos flexores dos dedos, quer nos MS quer nos MI, podendo ser particularmente incapacitantes quando tóraco-abominais, não somente pela dor mas especialmente pela limitação respiratória associada. A par desta semiologia que reflete o envolvimento do LMN, o envolvimento do UMN é responsável pelo quadro de hiperreflexia, incluindo o reflexo masseterino vivo. A espasticidade pode, por vezes, ser particularmente incapacitante e de difícil controlo terapêutico, embora seja geralmente moderada e funcionalmente útil quando envolve os MI. Podem observar-se os sinais de Babinsky e de Hoffman. 72 Capítulo 1 -‐‑ A Esclerose Lateral Amiotrófica -‐‑ revisão Como consequência do frequente atingimento distal, uma das formas típicas de apresentação é a dificuldade nos movimentos finos e destreza das mãos, traduzindo-se funcionalmente na dificuldade em escrever, abotoar a roupa, rodar a chave na ignição e segurar ou manusear objectos que impliquem a realização de pinça fina. Associado à parésia torna-se evidente a atrofia muscular dos músculos da região tenar e do primeiro interósseo dorsal, com relativa preservação dos músculos da região hipotenar. Esta semiologia é típica na ELA, sendo conhecida como split hand. Embora a causa não esteja determinada, alguns autores sustentam ter origem numa diferente representação cortical dos músculos das mãos (Weber e Eisen, 2000; Wilbourn e Sweeney, 1994). O envolvimento mais precoce dos músculos da cintura escapular é menos frequente, mas pode suceder nas formas bi-braquiais de ELA, com maior simetria que no envolvimento distal, geralmente afectando homens com idade mais avançada e tendo a doença um curso mais lento (Couratier et al., 2000; Czaplinski et al., 2004; Vucic e Kiernan 2007a). O envolvimento inicial dos MI é tipicamente caracterizado por fraqueza muscular dos músculos dorsiflexores da articulação tibio-társica (músculo tibial anterior) e extensores dos dedos, especialmente o músculo extensor próprio do dedo I. Funcionalmente, este envolvimento distal assimétrico traduz-se por uma marcha disfuncional, com deficiente ataque do calcanhar ao solo e consequente queda do antepé e mediopé. No domicílio, o doente tropeça frequentemente nos tapetes e, fora de casa, tem dificuldade em caminhar em terrenos irregulares (especialmente na calçada portuguesa). Os reflexos osteotendinosos (ROTs) dos MI, em particular os rotulianos, são vivos e com área particularmente aumentada. O sinal de Babinski pode estar presente. Pelo contrário, quando o envolvimento inicial envolve os músculos da cintura pélvica, em especial os flexores da anca, como o músculo psoas73 Susana Pinto ilíaco, os doentes descrevem dificuldade em subir escadas e adquirir a posição ortostática a partir da posição de sentado, em especial se em planos particulamente baixos. Menos frequentemente, diagnostica-se amiotrofia monomélica, condição benigna em que ocorre o envolvimento exclusivo de um MS ou MI (Kiernan et al., 1999; Gourie-Devi, 2007). Raramente, a ELA apresenta-se com envolvimento relativamente simétrico dos MS e MI, estando apenas presentes sinais do LMN, sendo esta entidade conhecida como PMA. Não sendo presentemente consideradas como formas independentes de DNM, considera-se antes que PMA e PLS são os dois extremos do mesmo espectro de doenças que integram as DNM e representando a ELA cerca de 85% das mesmas. (Ince et al., 2003; Tsuchiya et al., 2004; de Carvalho et al., 2007). Cerca de 20-25% dos doentes apresenta forma de início bulbar, caracterizada por um envolvimento dos músculos na dependência dos núcleos dos pares cranianos, especialmente o V, IX- X, XI e XII pares. Nestes doentes, os primeiros sintomas referidos são disartria e, posteriormente, disfagia de agravamento progressivos, sendo característica a presença de língua espástica, atrófica e com fasciculações, com reflexo masseterino presente ou vivo e, por vezes, com snouting. A disartria é geralmente insidiosa na sua forma de início, geralmente com componente espástica importante. O seu agravamento progressivo alerta os familiares para a dificuldade na articulação verbal, inicialmente apenas para algumas consoantes, mas rapidamente tornando o discurso difícilmente inteligível, especialmente se em locais com ruído considerável. Aquando do envolvimento predominante do LMN, o discurso é ocasionalmente anasalado. A disartria ou mesmo a anartria podem estar presentes durante vários meses sem evidência de envolvimento medular. Em alguns doentes pode 74 Capítulo 1 -‐‑ A Esclerose Lateral Amiotrófica -‐‑ revisão ocorrer hipofonia consequente a IR, sem haver necessariamente envolvimento acentuada bulbar. para A líquidos disfagia do que é característicamente para sólidos, mais levando à necessidade de utilização de espessantes ou de líquidos mais consistentes que a água. Quando a disfagia para sólidos se evidencia, os doentes optam inicialmente por ingerir alimentos fraccionados, evitando outros (como o arroz ou a laranja). A dificuldade centra-se quer na mastigação, quer no controlo do bolo alimentar na boca (especialmente em doentes com língua espástica), quer, e especialmente, na sua deglutição. Esta deve ser feita com flexão da cabeça de forma a evitar a aspiração de alimentos que ocorre se a glote não estiver encerrada. O agravamento da disfagia condiciona a ingestão de dieta pastosa, sendo a água ingerida através de palhinha ou por colher. A desidratação e a malnutrição podem advir, estando esta última associada a diminuição da sobrevida (p<0.01) enquanto que o nível de massa gorda parece associada a prognósticos mais favoráveis (Marin et al., 2011; Limousin et al., 2010). De facto, uma perda de peso superior a 5% do peso inicial está associada a um aumento de 30% do risco de morte (p<0.0001) (Marin et al., 2011). De notar, igualmente, que o hipermetabolismo tem sido descrito em doentes com ELA (Desport et al., 2001), assim como intolerância à glicose (Pradat et al., 2010) e dislipidémia, embora esta esteja associada a um aumento da sobrevida de cerca de 12 meses (Dupuis et al., 2008). A aspiração de secreções e de alimentos torna necessário a opção por formas de alimentação alternativas à ingesta oral, nomeadamente a realização de gastrostomia (endoscópica percutânea ou radioscópica) ou de entubação naso-gástrica (ENG). A maioria dos doentes com envolvimento bulbar apresenta sialorreia, por dificuldade na deglutição da saliva. O excesso de saliva torna-se visível por deficiente encerramento oral, podendo 75 Susana Pinto condicionar o uso frequente do lenço, e que pode ser controlada pela administração de anti-colinérgicos e mesmo pela injecção de toxina botulínica nas glândulas salivares. Sintomas “pseudobulbares”, como a labilidade emocional com riso ou choro incontroláveis e despropositados, e bocejo excessivo são frequentes nos doentes com forma de início bulbar. A maioria dos doentes com início bulbar apresentará hiperreflexia e parésia dos membros no decurso da progressão da doença, assim como cerca de 90% dos doentes com forma de início medular terá envolvimento bulbar. Para além das formas de início medular e bulbar, uma pequena percentagem de doentes pode ter envolvimento respiratório como forma de apresentação inicial da ELA. O agravamento progressivo da dispneia, sucessivamente referida para esforços elevados, moderados e ligeiros, pode mesmo ocorrer durante as actividades de vida diária (AVDs), durante o discurso ou em repouso. Alguns doentes podem apresentar ortopneia, recorrendo à utilização de maior número de almofadas e/ ou de elevação progressiva da cabeceira da cama, havendo doentes que, sem apoio ventilatório, se vêem na contigência de dormir sentados, com o tronco inclinado para diante (posição mais favorável à contracção diafragmática). Em doentes com fraqueza muscular diafragmática acentuada pode observar-se respiração paradoxal e utilização em repouso dos músculos respiratórios acessórios, como forma de compensação. A VNI nos doentes com envolvimento respiratório tem possibilitado não somente um aumento da sobrevida mas, em especial, uma melhoria da qualidade de vida dos mesmos (Pinto et al., 1995a; Bourke et al., 2006). Formas raras de apresentação da doença são a axial e a generalizada. Na axial, os doentes referem particularmente parésia cervical, com queda do pescoço e da cabeça para diante e 76 Capítulo 1 -‐‑ A Esclerose Lateral Amiotrófica -‐‑ revisão desequilíbrio, por envolvimento da musculatura para-vertebral dorso-lombar. Na forma generalizada não é possível definir um segmento corporal mais precocemente envolvido, mas antes queixas difusas, geralmente associadas a uma rápida progressão. Estas formas, conjuntamente com a forma de início respiratória, representam cerca de 5% dos casos de ELA. A presença de fasciculações é típica na ELA, sendo frequente a sua descrição nas fases iniciais da doença, por vezes referidas como o sintoma inicial. Esta contracção isolada e involuntária de fibras musculares é um indicador de hiperexcitabilidade neuronal nas fases iniciais da ELA (de Carvalho e Swash, 1998). As fasciculações podem ser clinicamente observadas, palpadas ou identificadas por electromiografia (Mateen et al., 2007). São frequentes, difusas e, por vezes, tão intensas e sucessivas num mesmo músculo que alguns doentes aparentam movimentos de reptação. A identificação de fasciculações ao nível da musculatura da língua é virtualmente diagnóstica de ELA (Li et al., 1991). O local da sua origem na unidade motora (UM) não é consensual, podendo ser mais distal ou proximal, dependendo do estado funcional das UMs envolvidas (Janko et al., 1989) e podendo mesmo variar com a progressão da ELA (Guiloff e ModarresSadeghi, 1992; de Carvalho e Swash, 1998). Ao contrário das fasciculações benignas, apresentam geralmente morfologia complexa e instável no registo electromiográfico. Contudo, as suas características diferem ao longo da evolução da doença - em músculos sem aparente envolvimento clínico são geralmente estáveis, mas com maior frequência e facilmente recrutáveis (origem proximal à arborização neuronal distal); em músculos moderadamente envolvidos tornam-se complexas e instáveis, não recrutáveis (origem na arborização distal); nas fases finais da doença, em músculos atróficos, são esporádicas e chegam mesmo 77 Susana Pinto a desaparecer (de Carvalho e Swash, 1998). Contudo, a sua frequência e generalização parecem não ter valor prognóstico. Recentemente foram incorporadas nos critérios electromiográficos para o diagnóstico de ELA (ver a seguir, de Carvalho et al., 2008a). A musculatura extrínseca dos olhos tipicamente não é afectada, embora estejam descritos casos do seu envolvimento, em especial dos músculos oculares externos, em doentes ventilados durante vários anos. A par dos neurónios motores que inervam a musculatura extrínseca dos olhos (III, IV e VI pares cranianos), também a inervação dos esfincteres urinário e anal, em conexão com o núcleo de Onuf, é raramente envolvida (e, quando ocorre, é de forma subclínica ou ligeira). Este não envolvimento selectivo parece ser devido a vários factores, nomeadamente a não existência da via monossináptica directa com o cortex motor (Iwatsubo et al., 1990; Eisen et al., 1992) e a manutenção da expressão das proteínas de ligação ao cálcio, calbindina D28K e parvalbumina, diminuída nos outros neurónios motores. Estas proteínas participam no tamponamento do cálcio intra-celular e protegem estes neurónios motores da lesão mediada pelo cálcio após a activação dos receptores glutamatérgicos (Ince et al., 1993; Alexianu et al., 1994). A função urinária é esporadicamente afectada em doentes com espasticidade marcada, que podem apresentar bexiga espástica, com urgência miccional. Dado a maior imobilidade e deficiente ingesta de líquidos e de verduras, os doentes referem frequentemente obstipação. Contudo, geralmente não há envolvimento intestinal directo pela doença, embora possa existir moderada desinervação do esfincter anal externo, especialmente nas fases tardias da doença, mas sem incontinência (de Carvalho et al., 2005). Também a função sexual não é directamente afectada. Contudo, as alterações da auto-estima e da imagem corporal, o aumento das dificuldades na mobilização e, em 78 Capítulo 1 -‐‑ A Esclerose Lateral Amiotrófica -‐‑ revisão alguns doentes, a espasticidade associada a espasmos musculares dolorosos e incapacitantes são factores que contribuem para perturbações na esfera sexual. É característica da ELA a preservação da sensibilidade, embora os doentes possam referir queixas álgicas articulares. Estas são resultantes da imobilidade, da maior compressão tissular nas zonas de pressão em doentes confinados a cadeiras de rodas ou ao leito e da perda de massa muscular condicionando alterações biomecânicas osteo-articulares. Quando existe envolvimento sensitivo, este é ligeiro e não está associado a redução significativa das amplitudes dos potenciais de acção sensitivos (SNAPs). Alterações ligeiras do limiar da sensibilidade vibratória foram descritas, havendo por vezes a descrição de dor tipo neuropática nos MI. Pelo contrário, na doença de Kennedy (atrofia muscular espinobulbar), verifica-se uma dissociação entre a ausência de queixas sensitivas e a típica ausência de SNAPs, associada à perda crónica das células do corno anterior da medula. Nesta patologia, o estudo genético identifica a presença de 40 ou mais repetições do tripleto CAG (normal entre 12 e 36) do receptor androgénico (Gallo e Leigh, 2007). Alguns doentes com ELA ventilados por longos períodos morrem subitamente (Hecht et al., 2003; Shimizu et al., 1994) no período nocturno, o que parece ser devido a alterações do sistema nervoso autónomo (SNA), principalmente por envolvimento do sistema nervoso simpático (SNS) mas também do sistema nervoso parassimpático (SNPS). Nestes, parece haver uma menor redução da pressão arterial (PA) nocturna e perda da correlação entre a PA e a frequência cardíaca (FC) (Murata et al., 1997). A desinervação simpática foi demonstrada estar precocemente presente em doentes com ELA pela utilização de radionuclidos, nomeadamente 123I-MIBG-SPECT (Druschky et al., 1999) tendo sido também 79 Susana Pinto observada degenerescência dos neurónios simpáticos na coluna intermediolateral torácica (Takahashi et al., 1993; Nakajima et al., 1981; Asai et al., 2007). Esta diminuição é significativa e varia inversamente com o aumento do intervalo electrocardiográfico QT e com a dispersão do mesmo, que ocorre nas fases terminais da ELA (Asai et al., 2007). Contudo, outros autores defendem uma hiperactividade simpática, tendo sido identificados níveis elevados de noradrenalina nos doentes com suporte ventilatório (Shimizu et al., 1994; Barbieri et al., 2004) e aumento da FC a par da redução da sensibilidade dos barorreceptores (Linden et al., 1998). Um estudo recente incluindo 55 doentes com ELA comparados com 30 controlos revelou alterações do SNS e SNPS, com predominância do primeiro, ocorrendo diminuição da variabilidade da FC e da sensibilidade do reflexo barorreceptor (Pavlovic et al., 2010). Segundo Oey e colaboradores, outras alterações autonómicas na ELA, caracteristicamente ligeiras, e para além da sensibilidade reduzida do reflexo barorreceptor, incluem aumento tendencial do tónus simpático em repouso, atraso no esvaziamento gástrico e cólico e envolvimento subclínico do esfincter anal externo (Oey et al., 2002). Embora possa haver moderado compromisso funcional dos SNS e SNPS em fases precoces da doença, tal será provavelmente mais frequente em fases muito avançadas. Recentemente, o nosso grupo descreveu que a redução da normal variabilidade da FC durante o sono se associa a maior risco de morte súbita em doentes com ELA bem adaptados a VNI (Pinto et al., 2012c). As funções nervosas superiores estão preservadas nos doentes com ELA. Contudo, em cerca de 5-15% dos casos pode haver associada demência fronto-temporal (FTD), particularmente na FALS e nos doentes com forma de início bulbar (Leigh et al., 2003; Lomen-Hoerth et al., 2002; Phukan et al., 2007; Phukan et al., 80 Capítulo 1 -‐‑ A Esclerose Lateral Amiotrófica -‐‑ revisão 2012). Contudo, os doentes apresentam alterações na função executiva em 20–40% dos casos (Leigh et al., 2003; Phukan et al., 2012), como demonstrado por alterações da fluência verbal (escrita), assim como perturbações na linguagem demonstradas por deficiências na repetição por confrontação (Abrahams et al., 2004). As alterações cognitivas podem mesmo anteceder ou manifestar-se após a presença de sintomas de envolvimento motor, estando associadas a pior prognóstico (Elamin et al., 2011). A disfunção do lobo frontal, mesmo em situações subclínicas, pode ser identificada através de exames de imagem, nomeadamente a ressonância magnética nuclear (RMN) encefálica, a PET (“positron emission tomography”) e a SPECT (“single positron emission computed tomography”). Estes exames permitiram constatar que o subgrupo de doentes com ELA-FTD constituem um espectro contínuo entre os doentes com FTD pura e ELA (Ince et al., 1998, Phukan et al., 2007). Ambas estão igualmente associadas à presença de corpos de inclusão com agregados de ubiquitina e positivos para a proteína TDP-43, identificada recentemente (ver a seguir). Mais recentemente, a descrição da expansão intrónica no local “C9ORF72” do cromossoma 21 como estando na origem de FTD e ELA nos mesmos sujeitos, ou em diferentes indivíduos da mesma família, estaleceu em definitivo o continuum entre aquelas duas entidades (Renton et al., 2011; De Jesus-Hernandez et al., 2011; Gijselinck et al., 2012). Estes avanços apoiam o conceito de que a ELA é uma doença multissistémica. Apesar de definida como doença progressiva, na ELA poderá haver períodos de aparente estabilização clínica que estão relacionados com o facto de os doentes poderem compensar eventuais defices da força muscular de alguns músculos com a utilização de outros para a realização da tarefa pretendida. De igual 81 Susana Pinto modo, um aparente agravamento funcional acentuado, poderá corresponder a uma perda mínima de UMs, quando a realização de determinada actividade é limiarmente conseguida. Por outro lado, é frequente os doentes referirem períodos de oscilações nas limitações sentidas, que estão particularmente relacionadas com a dificuldade biomecânica matinal inicial, com o frio e com alterações do humor, nomeadamente ansiedade e irritabilidade. Dependendo da escala utilizada para avaliar a progressão na ELA, a redução da capacidade funcional foi descrita como linear (Bryan et al., 2003), apesar de existir um “efeito-chão” (Wicks et al., 2009), mas outros autores defendem uma progressão não linear (Gordon et al., 2010a). Desconhecem-se os motivos por que, em alguns doentes, a doença progride de forma fulminante (formas familiares rapidamente progressivas foram descritas em adultos jovens com a mutação “A4V” do gene que codifica a enzima Cobre-Zincosuperóxido dismutase-1, SOD1, Juneja et al., 1997). Por outro lado, em raros doentes a evoução é muito lenta, com sobrevida longa (Grohme et al., 2001). Neste sentido, vários grupos procuram identificar biomarcadores que permitam o diagnóstico precoce, assim como antecipar o tipo de progressão, o que teria óbvias vantangens em ensaios clínicos (Browser et al., 2011). 82 Capítulo 1 -‐‑ A Esclerose Lateral Amiotrófica -‐‑ revisão 1.D. O espectro clínico da doença William Richard Gowers, no decurso das suas observações e estudos, concluíu que as doenças progressivas do sistema motor que envolviam em graus variáveis o primeiro e segundo neurónios motores eram variantes sindromáticas de uma mesma condição, apesar de designar a PLS como paraplegia primária espástica (Gowers, 1893). O termo Doença do Neurónio Motor (DNM), proposto por Lord Russell Brain, engloba o conjunto de doenças que envolvem o UMN, LMN ou ambos (Brain, 1962), tendo em comum o facto de se assistir a degenerescência progressiva dos neurónios motores (Brain e Walton, 1969). Do ponto de vista patológico, este grupo de doenças é caracterizado pela presença de inclusões intraneuronais imunorreactivas à ubiquitina (Leigh et al., 1998; Lowe et al., 1988). Desta forma, embora tradicionalmente vistas como entidades distintas, defende-se actualmente que as várias doenças consideradas neste grupo constituem um espectro contínuo. Destas, a ELA é a forma mais frequente, representando cerca de 85% dos casos, sendo que a PLS e a PMA, mais raras, estabelecem os dois extremos desse espectro. Identificam-se ainda outras patologias no grupo DNM, como a Paralisia Bulbar Progressiva (PBP), que pode ser considerada como uma PMA de expressão bulbar, os síndromas de “flail arm” (síndroma de VulpianBernhardt) e “flail leg” (forma pseudopolineurítica), para além da associação ALS e FTD. A PLS é uma doença neurodegenerativa lentamente progressiva, que representa cerca de 1-3% das formas de DNM, em que se observa envolvimento exclusivo do UMN. Apesar dos cinco primeiros casos de DNM descritos por Charcot serem actualmente reconhecidos como PLS, foi Spiller quem, em 1904, propôs esta 83 Susana Pinto designação e a identificou como uma entidade com características clínicas e patológicas específicas (Spiller, 1904). Os critérios de diagnóstico da PLS foram propostos por Pringle e colaboradores em 1992 (Pringle et al., 1992), pela reavaliação dos apenas 23 casos publicados. Estabeleram a necessidade de exclusão de qualquer causa possível para a espasticidade, geralmente com início nos MI. Pela dificuldade em diferenciar nas fases iniciais da doença a PLS da ELA com predomínio de envolvimento do UMN foi sugerido que o diagnóstico de PLS apenas fosse estabelecido 3 anos após o início dos primeiros sintomas (Pringle et al., 1992), mas recentemente este período foi alargado para 4 anos (Gordon et al., 2006a). Tal como na ELA, os estudos patológicos revelam a presença de inclusões com ubiquitina. O prognóstico da PLS é mais favorável que o da ELA típica (Gordon et al., 2006a; Gordon et al., 2009). A PMA representa cerca de 5 a 10% dos casos de DNM, decorrendo do envolvimento exclusivo do LMN (Norris et al., 1993; de Carvalho et al., 2007), com início nos MS ou nos MI, apesar do envolvimento bulbar poder também ocorrer durante a progressão da doença. Até cerca de 50% dos doentes apresentará sinais de envolvimento do UMN com a evolução da doença, resultando no quadro semiológico de ELA (Traynor et al., 2000; Hu et al., 1998, Salemi et al., 1989; Guidetti et al., 1996; Talman et al., 2008). As variantes “flail arm” e “flail leg” são formas inicialmente localizadas de PMA, respectivamente aos MS e MI. Na variante “flail arm” (ou síndroma de Vulpian-Bernhardt; Vulpian, 1886) ou diplegia amiotrófica braquial (Katz et al., 1999), há envolvimento simétrico predominantemente proximal dos MS, com hipotonia, fraqueza e atrofias musculares marcadas, com presença de MS pendentes. Nos MS os ROTs estão diminuídos ou ausentes. Não há envolvimento dos MI, embora tal venha a suceder mais tarde. Nas 84 Capítulo 1 -‐‑ A Esclerose Lateral Amiotrófica -‐‑ revisão fases finais da doença surge disfagia e fraqueza diafragmática (Hu et al., 1998; Couratier et al., 2000). Na variante “flail leg” (também conhecida como forma pseudopolineurítica) (Patrikios, 1918), o quadro é similar ao acima descrito mas envolvendo os MI, de predomínio distal. Em ambas as variantes, quando se verifica envolvimento assimétrico, poderá constatar-se ROTs vivos no membro contralateral não envolvido (Alema et al., 1967). 85 Susana Pinto 1.E. Diagnóstico clínico e neurofisiológico: alterações electromiográficas, laboratoriais e imagiológicas Os conhecidos critérios de diagnóstico da ELA, os critérios de El Escorial, têm vindo a ser actualizados desde a sua primeira publicação em 1994 (Brooks et al., 1994). Foram revistos em 1998 pela World Federation of Neurology Research Committee on Motor Neuron Diseases (“Airlie Meeting”) (Brooks et al., 2000) e os critérios neurofisiológicos foram actualizados em 2006 em Awaji (“Awaji Meeting”) (de Carvalho et al., 2008a). Na Tabela 1 representa-se esquematicamente a evolução dos critérios clínicos de classificação da ELA. Tabela 1 – Critérios de diagnóstico da ELA Avaliação clínica e laboratorial El Airlie Awaji Escorial (1998) (2006) (1994) Sinais clínicos UMN ou LMN em 1 ELA região SUSPEITA Não considerado Sinais clínicos UMN + LMN em 1 região ELA POSSÍVEL ou sinais clínicos UMN ≥ 2 regiões ou sinais LMN rostrais a sinais UMN Sinais clínicos UMN + LMN em 1 região ELA PROVÁVEL – Não ou sinais clínicos UMN 1 região e sinais SUPORTE conside- LABORATORIAL rado EMG LMN ≥ 2 regiões Sinais clínicos UMN + LMN em 2 ELA PROVÁVEL regiões, com alguns sinais UMN necessariamente rostrais a sinais de LMN Sinais clínicos de UMN + LMN em 3 regiões Para abreviações consultar Lista de abreviações. 86 ELA DEFINITIVA Capítulo 1 -‐‑ A Esclerose Lateral Amiotrófica -‐‑ revisão Clinicamente, o diagnóstico da ELA assenta na presença de dados semiológicos reflectindo o envolvimento simultâneo do UMN e LMN. Como referido anteriormente, a parésia, a plegia e a atrofia musculares, as fasciculações e as cãibras, bem como ROTs diminuídos ou ausentes indicam um envolvimento do LMN, enquanto que a espasticidade, os sinais de Babinsky e de Hoffmann, ROTs vivos e com aumento da área reflexogénea, incluindo o reflexo masseterino, representam envolvimento do UMN. A avaliação neurofisiológica, a par da avaliação clínica, assume um papel fundamental para o diagnóstico da ELA. A electromiografia (EMG) permite a avaliação do envolvimento do LMN. O envolvimento do UMN é passível de avaliação pela estimulação magnética transcraniana (TMS), embora sem valor diagnóstico. Apesar de vários trabalhos na década de 50 referirem a importância do electrodiagnóstico na ELA, é nos Critérios de Lambert (Tabela 2) que assentam os actuais critérios electrofisiológicos (Lambert et al., 1957; Lambert, 1969). Contudo, o próprio autor concluiu que, com base nos mesmos, as alterações encontradas na ELA não eram específicas, podendo ocorrer em polineuropatias crónicas e noutras doenças degenerativas do sistema motor. Por outro lado, sendo particularmente restritivos, apenas doentes em fases avançadas os satisfariam, de tal forma que 38% dos doentes avaliados por Behnia e Kelly (Behnia e Kelly, 1991) não preenchiam os critérios de Lambert. Em 1994 foram publicados os Critérios de El Escorial, elaborados numa tentativa de conseguir um aumento do número de estudos clínicos, ensaios terapêuticos e estudos de investigação de genética molecular (Brooks et al., 1994). Segundo estes critérios, o EMG permitiria a confirmação do diagnóstico clínico de ELA. No intuito de aumentar a sensibilidade destes critérios no diagnóstico desta doença os mesmos foram revistos em Airlie Conference 87 Susana Pinto Center, na Virgínia, em 1998, revisão publicada em 2000 (Brooks et al., 2000). O conceito de “ELA provável com suporte laboratorial” no diagnóstico de ELA, definido pela presença de achados electromiográficos, foi incluído na referida revisão. Segundo os mesmos, os doentes com diagnóstico clínico de ELA deveriam ser avaliados por EMG de forma a confirmar o envolvimento do LMN em regiões clinicamente afectadas, detectar a perda de UM em regiões clinicamente preservadas e excluir outros processos. Os sinais electromiográficos de disfunção do LMN necessários para confirmar o diagnóstico de ELA teriam de ser registados em, pelo menos, duas das quatro regiões do sistema nervoso central (SNC): tronco encefálico (neurónios motores cranianos) e segmentos medulares cervical, torácico e lombossagrado (neurónios motores raquidianos). No caso dos segmentos medulares cervical e lombossagrado as alterações electromiográficas teriam de ser registadas em, pelo menos, dois músculos de diferentes miótomos e inervados por nervos diferentes, sendo suficiente o seu registo em apenas um músculo nos segmentos medular torácico e tronco encefálico (língua, músculos da mímica facial, músculos mastigadores ou mesmo o músculo esternocleidomastoideu, SCM). Mas também os critérios revistos do El Escorial apresentavam algumas limitações. Segundo estes, os segmentos só eram considerados como envolvidos ou clínica ou electromiograficamente e, por outro lado, seria obrigatória (para considerar os músculos como afectados) a presença de sinais de desinervação activa (potenciais de fibrilhação- fibs, e ondas lentas positivas- sw) associada a sinais de reinervação crónica (presença de potencias de unidade motora (PUMs) de grande amplitude (Ampl) e com aumento da duração (Dur), assim como a diminuição do padrão interferencial traduzindo a perda de LMN. Quando não fosse possível observar fibs-sw em vários músculos, o diagnóstico 88 Capítulo 1 -‐‑ A Esclerose Lateral Amiotrófica -‐‑ revisão tornar-se-ia impossível (Behnia e Kelly, 1991; de Carvalho et al., 1999), o que condicionava que um número importante de doentes (cerca de 22%) faleciam sem chegarem a preencher os critérios de diagnóstico de ELA (Traynor et al., 2000). Tabela 2 – Requisitos para o diagnóstico de ELA A. Critérios de Lambert Estudos de condução nervosa SNAPs Normais CVel motoras Dentro da normalidade quando registados em músculos relativamente não afectados e não inferiores a 70% do limite inferior do normal quando registados em músculos gravemente envolvidos EMG agulha Alterações neurogénicas crónicas Fibs-sw a) PUM com aumento da Ampl/ Dur b) Diminuição do número de PUM Registados em músculos dos MS e MI (3 músculos) ou em, pelo menos, 2 músculos dos MS e MI e um dependente de um par craniano B. Critérios revistos de El Escorial (de Airlie House) Evidência de envolvimento do A) electrofisiológica ou neuropatológica) Presença de Evidência de sinais clínicos do UMN LMN (clínica, Progressão na mesma região ou para outras regiões, de acordo com a anamnese, exame objectivo ou electrofisiologia. Evidência electrofisiológica ou patológica de outras doenças B) que possam explicar os sinais clínicos observados Ausência de Evidência neuroimagiológica de outros processos patológicos que possam explicar os sinais clínicos e electrofisiológicos observados Para abreviações consultar Lista de abreviações. 89 Susana Pinto A necessidade de estabelecer um diagnóstico precoce culminou na reavaliação destes critérios electrofisiológicos. De acordo com o Consenso de Awaji, os achados electromiográficos ganham uma importância equivalente aos sinais clínicos de envolvimento do LMN, tornando redundante o diagnóstico clínico de “ELA provável com suporte laboratorial” (ver Tabela 1). Embora devam ser encontrados sinais de desinervação activa em músculos atróficos e paréticos dos membros, os potenciais de fasciculação (Pfasc) (sobretudo se polifásicos e instáveis) identificados num músculo com sinais de reinervação, seriam equivalentes à presença de fibs-sw, especialmente em músculos dos membros com força conservada ou em músculos depedentes de pares cranianos (ver Tabela 3). O registo de PUMs de grande Ampl, instáveis e complexos, embora igualmente não específico de ELA, é útil e informativo por traduzir reinervação recente (de Carvalho et al., 2008a). De notar ainda a necessidade de exclusão de outras alterações do LMN que simulem a ELA, como neuropatias motoras com ou sem bloqueios de condução (de Carvalho et al., 2008a). As normas de Awaji (ver Tabela 3) permitiram aumentar a sensibilidade do diagnóstico sem diminuição da sua especificidade (de Carvalho e Swash, 2009a; Douglass et al., 2010; Boekestein et al., 2010; Chen et al., 2010; Noto et al., 2012; Schrooten et al., 2011), apesar de haver diferenças nos valores dessa sensibilidade entre as diferentes populações reavaliadas. De notar que esta melhoria é particularmente relevante em doentes com forma de início bulbar (melhoria da sensibilidade de 38% para 87% segundo de Carvalho e Swash (2009a), e de 59% para 82% segundo Noto et al., 2012) e nos doentes com ELA possível, de acordo com os critérios revistos do El Escorial (de 50% para 86%) (de Carvalho e Swash, 2009a), contribuindo para o seu diagnóstico mais precoce. 90 Capítulo 1 -‐‑ A Esclerose Lateral Amiotrófica -‐‑ revisão Tabela 3 - Características segundo Awaji electromiográficas na ELA Estudos de condução nervosa Lat e Dur distal do CMAP Não superior a 50% do limite superior do normal CVel motoras Não inferior a 25% do limite inferior do normal Valor mínimo de Lat ondas F <130% do limite superior do normal. SNAP Ampl normal e com CVel sensitivas normais na ausência de neuropatias. É aceitável ligeira alteração na presença de neuropatia de etiologia identificada. Bloqueios de condução Ausentes Dispersão temporal patológica Ausente EMG agulha Alterações neurogénicas crónicas a) PUM com aumento da Ampl/Dur, registados por métodos qualitativos ou quantitativos; b) Diminuição do padrão interferencial, por menor recrutamento de UMs e aumento da frequência de recrutamento, a qual pode não ser observável em membros espásticos; c) PUM instáveis e complexos Fibs Presentes, mas aceita-se que não sejam registadas em músculos dos membros com força conservada ou em músculos dependentes de pares cranianos Pfasc Significado clínico equivalente a fibs-sw, preferencialmente de morfologia complexa, na presença de alterações neurogénicas crónicas, sobretudo em músculos dos membros com força muscular preservada ou em músculos inervados por pares cranianos. Para abreviações consultar Lista de abreviações. Os estudos de condução motora são importantes na ELA, como reforçado no Consenso de Awaji (de Carvalho et al., 2008a). Apesar de serem assumidos como normais na ELA, pequenas alterações são possíveis. A latência (Lat) motora distal (LMD) dos potenciais de acção motora compostos (CMAPs) aumenta nos músculos envolvidos, como consequência da condução nervosa mais lenta através das fibras de reinervação e da perda aleatória das fibras de condução rápida (Stalberg e Sanders 1992; Mills e Nithi, 1998; de Carvalho e Swash, 2000). A diminuição das 91 Susana Pinto velocidades de condução (CVel) resulta, ainda, para além dos factores acima considerados, da desmielinização secundária à severa perda axonal, característica nesta doença. O aumento da Lat e a redução das CVel correlacionam-se com o grau de atrofia dos músculos considerados, apesar de também poderem estar presentes em músculos ligeiramente envolvidos. Por outro lado, a Ampl diminui, por depender do número de UMs funcionais. Quanto às ondas F, observa-se ligeiro aumento da Lat (Argyropoulos et al., 1978; Petajan et al., 1985; Cornblath et al., 1992; Mills e Nithi, 1998), lentificação das CVel com diminuição da frequência (Chroni et al., 1996) e aumento da Ampl (Argyropoulos et al., 1978). Está bem estabelecida a redução da frequência das ondas F com aumento do número de respostas repetidas (Pieroglou-Harmoussi et al., 1987), sendo que a referida redução se correlaciona com o grau de força muscular no músculo abductor do dedo V (ADM) (de Carvalho e Swash, 2000). Por outro lado, a Ampl e a área das respostas motoras (ondas M) reduzem-se notoriamente em músculos atróficos e paréticos, por dependerem do número de UMs funcionais, sendo esta redução também proporcional ao grau de força muscular (de Carvalho e Swash, 2000). Os SNAPs são geralmente normais (Stalberg e Sanders, 1992; Ertekin, 1967; de Carvalho e Swash, 2000) embora possa haver ligeira redução da amplitude (Gregory et al., 1993; Mondeli et al., 1993; Shefner et al., 1991), como admitido no Consenso de Awaji (de Carvalho et al., 2008a). Recentemente, estas discretas alterações dos potenciais sensitivos têm sido objecto de análise cuidada (Pugdahl et al., 2007; Pugdahl et al., 2008). Apesar da perda de UM ser exponencial, a diminuição da força muscular tem um curso linear, resultante da capacidade de reinervação de neurónios sobreviventes. Desta forma, o número de fibras musculares em cada UM aumenta (ou seja, ocorre uma 92 Capítulo 1 -‐‑ A Esclerose Lateral Amiotrófica -‐‑ revisão aumento da densidade de fibra), já presente nas fases iniciais da doença, e que continua até a reinervação ser impossível metabolicamente, que parece ocorrer quando existem apenas 5% das UMs iniciais. De notar que só se objectivará diminuição da força muscular quando já ocorreu uma perda de cerca de 50% de UMs (Hansen e Ballantyne, 1978). 1.E.1. A neurofisiologia como método de quantificação da progressão da doença Várias técnicas neurofisiológicas têm sido propostas como efectivas para quantificar a progressão da ELA. Procuram, em geral, estimar o número de LMN funcionantes por métodos nãoinvasivos sendo, consequentemente, bem toleradas pelos doentes. Das várias técnicas sublinha-se o Índice Neurofisiológico (NI) e a estimativa do número de UMs (motor unit number estimation) – MUNE. Por outro lado, a TMS é um método que permite a avaliação da função do UMN. Na ELA, a avaliação do músculo ADM é interessante como método de quantificação da perda de UMs. Por um lado, a força muscular na ELA está directamente relacionada com a função do LMN e não tanto dependente do envolvimento do UMN (Kelly et al., 1990; Kent-Braun et al., 1998) estando a parésia muscular e a perda do LMN relacionadas (Bromberg et al., 1993b; Kelly et al., 1990; Mills et al., 1997; de Carvalho, 2004). Por outro lado, há um envolvimento precoce na progressão da doença do miotomo C8-D1, responsável pela inervação do músculo referido (Swash, 1980). Contudo, os músculos da eminência hipotenar são geralmente envolvidos mais tardiamente que os músculos da eminência tenar e os músculos interósseos (Kuwabara et al., 1999, Weber et al., 93 Susana Pinto 2000), o que torna o músculo ADM particularmente útil como meio de avaliar a progressão da ELA (de Carvalho et al., 2001). Dada a significativa correlação entre a força isométrica do músculo ADM e a sua amplitude de resposta motora por estimulação do nervo cubital, a sua LMD e a frequência da onda F foi estabelecido o NI (de Carvalho e Swash, 2000; de Carvaho et al., 2001). Este é dado pela equação (Ampl CMAP/ LMD) × percentagem de frequência da onda F, tendo elevada correlação com a força do ADM (de Carvalho et al., 2005). Foi demonstrado que o NI obtido pela estimulação do ADM é sensível na detecção da redução do número de LMN em doentes com ELA, independentemente da forma de início da doença, é reproductível e correlaciona-se com a força muscular isométrica deste músculo assim como com a escala funcional da ELA (ALS-FRS) (de Carvalho et al., 2005). O NI tem sido aplicado em estudos clínicos (Cheah et al., 2011) e em ensaios clínicos (de Carvalho et al., 2010). O MUNE engloba um vasto número de diferentes técnicas (McComas et al., 1993; Shefner et al., 1999; Daube, 2006). A sua aplicação confirma que na ELA assiste-se a uma perda rápida e progressiva de LMN que tende a ser menos acentuada quando apenas restam poucas unidades motoras. Contudo, estes métodos são morosos e algumas técnicas são invasivas (Bromberg, 1993a) ou requerem múltiplos estímulos (McComas, 1995; Doherty e Brown, 1993; Stashuk et al., 1994). No entanto, algumas técnicas, como o método estatístico descrito por Daube (Daube, 2006), têm sido utilizadas em vários ensaios clínicos, em particular em centros americanos. Recentemente, foi proposta uma nova técnica, o MUNIX, cujo índice resulta da determinação da regressão linear entre os logaritmos da contagem ideal das UMs e a área do padrão interferencial determinada durante a contracção voluntária, quando este última é igual a 20 mVms. A contagem ideal das UMs, por sua 94 Capítulo 1 -‐‑ A Esclerose Lateral Amiotrófica -‐‑ revisão vez, resulta da relação entre a potência e área dos CMAPs e da área do padrão interferencial (respectivamente) e a área e a potência dos mesmos (respectivamente). O MUNIX demonstrou ser uma técnica simples e rápida, passível de ser aplicada em músculos distais e proximais, reprodutível e bem tolerada (Nandedkar et al., 2004; Neuwirth et al., 2011). A sensibilidade da TMS na detecção do envolvimento do UMN em doentes com ELA varia com a metodologia utilizada, sobretudo em doentes sem sinais clínicos de envolvimento piramidal, situação em que a potencial utilidade desta técnica seria de maior interesse (Eisen et al., 2000). Uma importante limitação reside na impossibilidade de obter respostas em músculos com total ou quase total perda de LMN. Os sinais neurofisiológicos compatíveis com envolvimento do UMN são o aumento do tempo de condução motora central (CMCT), o aumento do limiar de excitabilidade e a redução da relação entre a amplitude obtida por TMS e a amplitude obtida por estimulação do nervo periférico (Kobayashi et al., 2003; Rossini e Rossi, 2007). Outras técnicas de TMS têm sido desenvolvidas para evidenciar a lesão da via motora, assim como a hiperexcitabiidade cortical, que tem sido identificada mesmo em fases precoces do envolvimento clínico. A estimulação de duplo pulso com um curto intervalo entre o estímulo condicionante e o estímulo teste (1-4ms) revela uma redução da inibição intra-cortical (Ziemann et al., 1997). Este conceito tem sido explorado e desenvolvido pelo grupo de Sidney (cortical threshold technique) (Vucic e Kiernan, 2006; Vucic et al., 2011). A técnica de tripla estimulação tem elevada sensibilidade para detecção de disfunção da via córtico-espinhal quer nas fases precoces quer tardias da ELA (Magistris et al., 1999; Komissarow et al., 2004; Rosler et al., 2004; Kleine et al., 2010), mas tem o incoveniente de ser desconfortável para os doentes. 95 Susana Pinto Recentemente, foi desenvolvida uma técnica de avaliação da conductância muscular (Rutkove et al., 2002), que consiste na medição do campo eléctrico gerado aquando da passagem da corrente através dos músculos sob a zona dos eléctrodos superficiais que se pretende estudar. A progressiva alteração muscular que ocorre na ELA está associada a uma diminuição da conductância muscular. Esta técnica permite avaliar precocemente o envolvimento muscular mesmo na ausência de queixas de fraqueza muscular (Rutkove et al., 2007). Contudo, não deverá ser utilizada no diagnóstico de ELA dado que não permite o diagnóstico diferencial de outras patologias neurológicas que condicionem perda de UMs. 1.E.2. A avaliação laboratorial Na ELA não foram identificados marcadores moleculares. Assim sendo, a avaliação laboratorial é fundamentalmente realizada para a exclusão de outras doenças que possam coexistir ou que impliquem um diagnóstico diferencial. Tipicamente, existe uma elevação ligeira a moderada dos níveis da enzima creatina-fosfoquinase (CPK), que parecem diminuir em fases mais tardias da doença, pela redução da massa muscular (Lima et al., 2003). Esta elevação é, provavelmente, mais notória aquando de um envolvimento predominante do LMN e nas formas de evolução lenta. Deve-se excluir a presença de disfunção tiroideia, uma vez que a miopatia ou mesmo a neuropatia associada à Tiroidite de Hashimoto podem assemelhar-se à ELA (de Carvalho e Swash, 2009c). Em casos raros em que a suspeição seja suportada por fortes razões clínicas, dever-se-á excluir infecção por Borrelia 96 Capítulo 1 -‐‑ A Esclerose Lateral Amiotrófica -‐‑ revisão burgdoferi (Waisbren et al., 1987), Treponema pallidum (el AlaouiFaris et al., 1990), herpes vírus (Ferri-De-Barros et al., 1998) e HIV (Moulignier et al., 2001) e HTLV (Hoffman et al., 1985). Na ELA não existem alterações relevantes no líquor, embora uma ligeira hiperproteinorraquia seja, por vezes, observada. Em presença de história familiar está indicada a realização de estudo genético. 1.E.3. A avaliação imagiológica Tal como a avaliação laboratorial, os estudos de imagem são particularmente importante para exclusão de outras patologias, tal como referido pelos critérios de El Escorial (Brooks et al., 2004). O diagnóstico de exclusão de canal estenótico cervical ou lombar, assim como a existência de siringomielia, patologia da charneira crânio-cervical e de formações tumorais é possível pela realização de estudos de imagem. O envolvimento da via piramidal na ELA pode ser identificado pelo hipersinal na ponderação T2 na RMN encefálica, reconhecível ao nível do seu trajecto através da corona radiata, cápsula interna, pedúnculos cerebrais, ponte e medula oblonga, e mesmo na medula espinhal, com um aspecto característico de “carris de comboio” (Luís et al., 1990). Esta imagem deve-se à degenerescência waaleriana e desmielinização secundária do feixe piramidal. A Imagem de Tensão-Difusão (DTI) por RMN permite interpretrar a orientação dos axónios na substância branca de acordo com as características de difusão da água. Esta difusão é superior ao longo das fibras neuronais que perpendicularmente às mesmas (Chenevert et al., 1990), e pode ser descrita matematicamente por um tensor, cujo índice de anisotropia quantifica a direccionalidade das fibras. Na ELA, este índice está 97 Susana Pinto alterado relacionando-se negativamente com o tempo de condução central (obtido por TMS) e tendo uma maior sensibilidade que outras técnicas para a detecção precoce de envolvimento do UMN (Sach et al., 2004). A perda de densidade das fibras axonais da via piramidal no trajecto referido é evidenciado pela tratografia, que permite a visualização das vias córtico-espinhal e córtico-nuclear (Agosta et al., 2010). A espectroscopia por RMN permite avaliar a perda do UMN pela análise da razão entre o grupo N-acetil (especialmente N-acetil-aspartato ou N-aspartil-glutamato, metabolitos encontrados quase exclusivamente nos neurónios) e a creatina (Cr) ou a colina (Co) presentes na glia. Na ELA, foi descrita a diminuição da concentração de de N-acetil , e das razões Nacetil/Cr, N-acetil/Co e N-acetil/(Co+Cr) na área motora cortical (Pohl et al., 2001). A volumetria é outra técnica promissora, dado permitir a avaliação do volume cortical, que se prevê estar reduzido na área motora em doentes com ELA (Turner et al., 2007). Infelizmente, todas estas técnicas têm várias limitações e a sua investigação não demonstrou, à data, ter aplicação como métodos de rotina (Kassubek et al., 2012). A PET e a SPECT comprovam um menor metabolismo cortical na ELA, quantitativamente no caso da PET, por diminuição do metabolismo glucídico no cortex sensori-motor (Dalakas et al., 1987; Cistaro et al., 2012) e qualitativo no caso da SPECT, pela diminuição da vascularização regional da área motora e menor absorção do isótopo administrado (Udaka et al., 1992; Waragai et al., 2007). 98 Capítulo 1 -‐‑ A Esclerose Lateral Amiotrófica -‐‑ revisão 1.F. Etiofisiopatologia A SALS é uma doença de etiologia desconhecida, sendo factores de risco para o seu desenvolvimento a idade (Chancellor et al., 1993), o sexo masculino, os níveis de testosterona pré-natais (Vivekananda et al., 2011) e a história familiar (Al-Chalabi et al., 2010). Apesar dos múltiplos estudos epidemiológicos envolvendo diferentes populações expostas a diferentes características ambientais, não foi encontrada qualquer relação causal entre os diferentes factores pré-mórbidos e a SALS, à excepção do tabaco. Está estimado um risco relativo de desenvolvimento de ELA de 0.81.67 em fumadores quando comparativamente com não fumadores (Weisskopf et al., 2004; Fang et al., 2006) e odds ratio de 1.6, independente da idade, da escolaridade e da profissão (Sutedja et al., 2007). No entanto, diferentes autores associam diferentes factores exógenos e endógenos à maior predisposição para o desenvolvimento da ELA (ver Tabela 4), sendo que o exercício físico parece ser controverso, especialmente quando realizado em intensidades elevadas. A maioria dos autores defende a existência de uma interacção complexa entre as componentes genética e ambiental para a degenerescência dos neurónios motores, com prováveis múltiplos mecanismos patogénicos celulares, bioquímicos e moleculares (Shaw, 2005; Cozzolino et al., 2008). A cascata sequencial dos eventos patogénicos não é clara, estando muitos intimamente interligados. 99 Susana Pinto Tabela 4 – Factores de risco que têm sido considerados como predisponentes para o desenvolvimento de ALS Deficiências Défices vitamínicos; Disfunção gastro-intestinal nutricionais absortiva Contacto com Alumínio; Cobre; Chumbo; Mercúrio; Manganês metais pesados Contactos com Tinta; Lexívia; Gasolina; Tabaco; Álcool; Toxinas agentes tóxicos endógenas; Pesticidas e herbicidas; Toxinas alimentares; Cianobactérias Traumatismos Cirurgias prévias; Lesões traumáticas; Exercício físico intenso Actividade física Actividade física intensa (profissional ou de laser) Infecções Borreliose; Sífilis; HIV1 e 2; Virus da poliomielite; Outros virus Alterações auto- Tiroidite de Hashimoto; Auto-anticorpos anti-canais imunes de cálcio e anti-células neuronais Alterações Hipotiroidismo; Hiperparatiroidismo; Disfunção do metabólicas metabolismo cálcio-fosfato; Deficiências no ciclo da ureia; Disfunção dos receptores androgénicos 1.F.1. Factores genéticos Existe história familiar positiva em 5-10% dos doentes com ELA (Byrne et al. 2011). Considera-se geralmente como FALS a presença de ELA em doentes com história familiar positiva em familiares de primeiro ou segundo grau (Byrne et al., 2012), embora o consenso seja insuficiente (Byrne et al., 2012). Ao longo dos últimos anos, têm-se identificado diferentes mutações responsáveis pela doença, quer num mesmo gene quer em diferentes genes em cromossomas distintos. Em cerca de 15% de FALS e em 2% dos doentes com SALS foi possível identificar uma mutação no gene 100 Capítulo 1 -‐‑ A Esclerose Lateral Amiotrófica -‐‑ revisão que codifica a enzima SOD1. Em 1993 foi identificada a primeira mutação, estando actualmente identificadas mais de 100 mutações, mas nem todas responsáveis por ELA (Rosen et al., 1993, Chiò et al., 2008). A actividade anormal da SOD1 mutante (mSOD1) está relacionada com a toxidade resultante da sua aglomeração na célula e não por alterações à sua actividade anti-oxidante (Shaw, 2005). Contudo, alguns autores defendem que alterações na bioquímica do cobre são responsáveis pela nitração de resíduos de tirosina com produção de radical hidroxilo (OH-) tóxico (Tu et al., 1997) ou produção do radical peroxinitrito (Barber et al., 2006). Nos doentes com SALS, esta alteração funcional, não resulta da presença de mSOD1, mas tem sido sugerida a possibilidade de aglomeração da molécula quando em presença de ambientes oxidativos lesivos (Ezzi et al., 2007). A maioria das formas familiares tem uma transmissão mendeliana autossómica dominante com elevada penetrância (Mulder et al., 1986; Gros-Louis et al., 2006). Contudo, mesmo numa mesma família com a mesma mutação, o grau de penetrância e as características fenotípicas da doença são frequentemente distintas, desde a idade de início dos primeiros sintomas à forma de início e à sobrevida média. Apesar de geralmente autossómica dominante, há formas autossómicas recessivas. Esta diversificação genética torna difícil a elaboração dos mecanismos fisiopatológicos envolvidos, dado que envolvem o mau funcionamento de diferentes proteínas com funções distintas. Recentemente, foram identificados dois genes que estão envolvidos na FALS e que codificam proteínas que partilham mecanismos de acção. São eles os genes TARDBP (que codifica a proteína de ligação TAR-DNA 43 ou TDP-43) e do FUS/TLS (gene que codifica para a proteína fundida em sarcomas ou translocada em liposarcomas). Ambos ligam-se a ribonucleoproteínas nucleares 101 Susana Pinto heterogéneas assim como a prolongamentos de ácido ribonucleico (RNA), especificamente à sequência “UGG” para o TDP-43 e “GGUG” para o FUS. Na verdade, a acumulação de TDP-43 ubiquitinado está associado à SALS e certas formas de FTD, mas não em controlos ou doentes com Alzheimer, ou com formas FALS ligadas à mSOD1 (Neumann et al., 2006). A administração de TARDBP-RNA mutante em embriões de galinha resultou no desenvolvimento anómalo dos seus membros e prolongamento caudal (Sreedharan et al., 2008). As mutações envolvendo o gene FUS resultam em deficiências nos mecanismos de reparação do ácido desoxirribonucleico (DNA), nomeadamente instabilidade cromossómica e sensibilidade à radiação (Hicks et al., 2000; Kuroda et al., 2000). Foi demonstrado no modelo animal que os receptores glutamatérgicos ajudam na regulação da localização do FUS nos prolongamentos dendríticos (Fujii et al., 2005a), contribuindo este para a organização e estabilização local da actina (Fujii e Takumi, 2005b). Quando ocorre exposição a radiação ionizante, o gene FUS bloqueia a translação proteica (Wang et al., 2008b), postulando-se que mutações neste gene permitam a continuação da translação, com acumulação local de proteínas mutantes e resultante toxicidade e morte neuronal. As mutações no gene TARDBP ocorrem em 1%- 3% dos casos de ELA em ambas as formas SALS e FALS (Yokoseki et al., 2008; Daoud et al., 2009; Conforti et al., 2011), apesar de outros autores referirem incidências superiores, sendo as mutações de TDP-43 e FUS responsáveis por 10% de FALS (Lagier-Tourenne et al., 2010). Esta discrepância parece dever-se, em parte, a estudos em amostragens de diferentes dimensões, sendo superiores em amostragens menores (Conforti et al., 2011). Sem dúvida que haverá grande variação consoante o grupo populacional estudado dado que, na Sardenha a mutação do 102 Capítulo 1 -‐‑ A Esclerose Lateral Amiotrófica -‐‑ revisão gene TARDBP afecta 30% dos doentes com ALS (Chiò et al., 2011). Outros três genes foram identificados como mutados em doentes com FALS, um codificando a valosina (VCP), outro a optineurina (OPTN) e um terceiro a oxidase de D-aminoácido (DAO). Identificaram-se quatro mutações no gene que codifica a VCP ou ATPase do retículo endoplasmático (RE) transicional (Jonhson et al., 2010), em famílias de doentes com ELA, com penetrância completa mas com diferentes fenotipos de penetrância variável, incluindo o FTD, parkinsonismo, miosite de corpos de inclusão e doença de Paget. Estas diferentes condições podem coexistir no mesmo indivíduo ou, pelo contrário, haver apenas uma ou algumas delas, em diferentes associações. A VCP está ligada a múltipos mecanismos fisiológicos em vários tecidos, nomeadamente transcrição, divisão celular, funcionamento do aparelho de Golgi, e autofagia, sendo particularmente importante o seu papel no catabolismo proteossómico de proteínas ubiquitinadas. As mutações da VCP são responsáveis por 1-2% de FALS (Jonhson et al., 2010). Mutações na OPTN, relacionadas anteriormente com o desenvolvimento de glaucoma primário de ângulo aberto (Rezaie et al., 2002), foram identificadas na patogénese da ALS (Maruyama et al., 2010). Em quatro famílias japonesas foram encontradas 3 diferentes mutações da OPTN, que eliminam a activação do factor nuclear kappa B (NF-kB), também podendo ser encontradas inclusões intra-citoplasmáticas. Anticorpos anti-OPTN marcaram inclusões positivas para TDP-43 e mSOD1 em doentes com SALS, assim como nos doentes com FALS por mSOD1 (Maruyama et al., 2010), assim como inclusões basófilas de FUS (Ito et al., 2011), parecendo participar nos mecanismos fisiopatológicos envolvidos. Noutra população japonesa, as mutações na OPTN foram identificadas como correspondendo a 3.8% dos casos de FALS e 103 Susana Pinto 0.29% de SALS (Iida et al., 2012), sendo os casos de FALS na população europeia de 1.2-2% (Belzil et al., 2010; Millecamps et al., 2011; del Bo et al., 2011) e de SALS de 3.5% (del Bo et al., 2011). Dada a elevada incidência em doentes com SALS encontrada por estes últimos autores, os mesmos questionam se se tratariam verdadeiras formas de SALS, ou antes FALS não diagnosticada por factores confundidores (desconhecimento de história familiar, mortes precoces em familiares portadores de mutação e diagnósticos incorrectos, ou baixa penetrância) (del Bo et al., 2011). A DAO controla os níveis de D-serina, a qual se acumula na medula espinhal de doentes com SALS e no ratinho transgénico, indicando que esta alteração pode representar um componente fundamental da patogénese da SALS e FALS. A mutação identificada da DAO está associada à perda total da actividade enzimática da DAO com acumulação de D-aminoácidos, especialmente a D-serina, coagonista da glicina nos receptores glutamatérgicos N-methyl-Daspartate (NMDA), aumentando a actividade glutamatérgica. Ocorre, igualmente, compromisso da viabilidade celular, formação de agregados de ubiquitina e aumento da apoptose nas células neuronais, incluindo neurónios motores e astrocitos (Mitchell et al., 2010). A identificação recente de várias mutações associadas a FALS levanta a hipótese de outros casos identificados como SALS estarem associados a mutações ainda não identificadas e salienta a multiplicidade de mecanismos fisiopatológicos que podem estar na génese da degenerescência dos neurónios motores. Neste sentido, foi identificado no final de 2011, através de uma recente técnica de sequenciação genómica, a repetição da sequência “GGGGCC” perto do gene “C9ORF72”, no cromossoma 9 de doentes escoceses e holandeses com FALS e FTD (Renton et al., 2011; DeJesusHernandez et al., 2011). Esta mesma sequência, repetida entre 2 a 38 vezes em indivíduos saudáveis, estaria repetida de centenas a 104 Capítulo 1 -‐‑ A Esclerose Lateral Amiotrófica -‐‑ revisão milhares de vezes e presente em 46% dos casos de FALS e 21% dos casos de SALS na Finlândia e em cerca de 38% de doentes em Itália, Alemanha e América do Norte (Renton et al., 2011). Em alguns países do norte da Europa esta anormal expansão intrónica estaria presente em cerca de 80% dos doentes com história familiar de ALS-FTD, em 47% daqueles com FALS, em 16% dos casos familiares de FTD e em 5% de SALS (Gijselinck et al., 2011). Mas existe, igualmente, uma grande variação regional, a positividade desta expansão anormal é de 38% nos casos de FALS em Itália mas apenas de 22% na Alemanha (Chiò et al., 2012). Pensa-se que, nestes doentes, haja um eventual mal-funcionamento do gene “C9ORF72”, cuja função se desconhece, ou um funcionamento anormal do ácido ribonucleico mensageiro (RNAm), com presença de inclusões TDP-43 (ver a seguir). Esta descoberta está de acordo com a hipótese de FALS e FTD fazerem parte de um mesmo espectro clínico, com mecanismos fisiopatológicos comuns e abordagens terapêuticas similares. Na Adenda 1 apresentam-se as mutações dos genes identificadas à data, as proteínas disfuncionantes, a forma de transmissão e os fenotipos associados. A possibilidade de estudar milhares de polimorfismos de um único nucleotido em cada amostra tornou atractiva a realização de estudos de associação genómica generalizada (GWAS). Três genes foram propostos como estando associados a ELA - FLJ10986, ITPR2 e DPP6, mas nenhum foi validado suficientemente a nível funcional (Valdmanis et al., 2009). Na SALS, várias outras mutações foram associadas a um aumento da susceptibilidade para o desenvolvimento de ELA. São exemplos as mutações na região de repetição “KSP” no gene da cadeia pesada dos neurofilamentos (NFH) (Figlewicz et al., 1994; Tomkins et al., 1998), o gene que codifica a apolipoproteina E4 (ApoE) (Al-Chalabi et al., 1996), a diminuição da expressão da 105 Susana Pinto proteína transportadora de aminoácido excitatório (EAAT2) humano (Meyer 1999; Trotti, 2001) e o factor de crescimento endotelial vascular (VEGF) (Lambrechts et al., 2003). Este último parece ter um papel neuroprotector e neurorregenerador no SNC, havendo um risco aumentado de SALS na presença de 3 haplotipos do VEGF (Lambrechts et al., 2003) especialmente para a homozigotia “2578A” (Lambrechts et al., 2009). No entanto estes achados não foram confirmados em outras populações (Fernández-Santiago et al.,2006). 1.F.2. Excitotoxicidade induzida pelo glutamato e radicais livres de oxigénio Os neurónios motores diferem dos outros grupos celulares do SNC por serem grandes células, com elevada razão entre o seu comprimento axonal e o diâmetro do corpo celular, elevada actividade metabólica e elevado conteúdo em proteínas neurofilamentares e enzimas de anti-oxidantes (Mcllwain, 1991; Lee e Cleveland, 1996; Shaw et al., 1997). São particularmente ricos em receptores glutamatérgicos e são susceptíveis a níveis elevados de cálcio por diminuta capacidade em o tamponar (Alexianu et al., 1994, van den Bosch et al., 2006). O glutamato é um importante neurotransmissor excitatório no SNC e, especificamente, no sistema motor, incluindo vias córtico-espinhal e córtico-nuclear (Young et al., 1983), vias excitatórias interneuronais na medula espinhal (O'Brien e Fischbach, 1986) e vias de associação córtico-corticais (Storm-Mathisen e Otterson, 1988). O excesso de glutamato na fenda sináptica é responsável pela activação excessiva dos seus receptores glutamatérgicos ionotrópicos pós-sinápticos - NMDA, AMPA (ácido propiónico α106 Capítulo 1 -‐‑ A Esclerose Lateral Amiotrófica -‐‑ revisão amino-3-hydroxy-5-methyl-4-isoxazole) e cainato, ou através de despolarização dos canais de cálcio dependentes da voltagem (Miller et al., 1989). Em alguns doentes os níveis de glutamato no líquor estão elevados (Rothstein et al., 1990; Shaw et al., 1995; Fiszman et al., 2010), elevação atribuída à perda do transportador do glutamato EAAT2, de distribuição difusa nos astrócitos e restantes células da glia (Rothstein et al., 1995). De notar que nos neurónios motores há, em geral, há uma expressão diminuída da subunidade GluR2 dos receptores AMPA glutamatérgicos (Williams et al., 1997; Shaw et al., 1999) com eventual expressão atípica dos mesmos. A permeabilidade desses receptores, em particular dos AMPA, parece também estar aumentada nos doentes com ELA (Kawahara et al., 2004). O influxo maciço de cálcio nos neurónios motores associado ao seu tamponamento deficiente por diminuição da expressão de calbindina “D28K” e parvalbumina (Ince et al., 1993; Alexianu et al., 1994) resulta na activação em cascata de eventos bioquímicos citotóxicos incluindo a hiper-activação de vários sistemas enzimáticos (ácido araquidónico e formação de lipases e fosfolipases, endonucleases, calpainas, óxido nítrico sintetase, xantina oxidase (OX) e proteina quinase C), que podem lesar os neurónios motores directa e indirectamente pela produção de radicais livres de oxigénio, com consequente morte celular (Meldrum e Garthwaite 1990; Shaw, 2005; Pasinelli e Brown, 2006). A produção elevada desses radicais, como o peróxido de hidrogénio (H2O2) e os radicais superóxido (O2-), OH- e peroxinitrito, causa lesões e stress oxidativo (Barber et al., 2006). Estes radicais são produtos intermediários da cadeia respiratória mitocondrial mas também de outras enzimas oxidativas como a OX citoplasmática e o citocromo P450 no RE. Ocorre lesão dos constituintes proteicos, lipídicos e, inclusivamente, DNA, com disfunção de organelos e macromoléculas importantes. O potencial de repouso 107 Susana Pinto transmembranar fica igualmente comprometido pelas alterações energéticas consequentes intracelular, cuja e diminuição pela deplecção condiciona do igualmente glutatião menor protecção à lesão oxidativa (Murphy et al., 1989; Meister e Anderson, 1983). Na ELA, têm sido encontradas alterações bioquímicas reflectindo a lesão de radicais livres e metabolismo anormal dos mesmos no liquor e em tecidos pós-morten (Shaw et al., 1995; Ferrante et al., 1997; Ta et al., 1999; Smith et al., 1998). 1.F.3. Disfunção mitocondrial e apoptose Alterações morfológicas e bioquímicas mitocondriais foram inicialmente observadas em autópsias de doentes com SALS. São também observadas em modelos celulares e no ratinho transgénico mSOD1, incluindo no músculo esquelético e nervos intramusculares, em axónios proximais e nos neurónos motores medulares (Afifi et al., 1966; Atsumi, 1981; Hirano et al., 1984; Kong e Xu, 1988; Siklos et al., 1996; Sasaki e Iwata, 1996; Krasnianski et al., 2005; Hirano et al., 2008). Vacuolizações com consequente dilatação mitocondrial são observados em estadios precoces da ELA, formados a partir da expansão da membrana mitocondrial externa e desintegração da interna (Higgins et al., 2003; Xu et al., 2004). Cerca de 1-2% da SOD1 localiza-se a nível mitochondrial (Pasinelli e Brown, 2006) ligando-se à membrana mitochondrial externa (Velde et al., 2008), especificamente ao nível da Bcl-2, proteína associada à formação de poros. Esta proteína permite a manutenção do potencial de membrana e inibe proteínas próapoptósicas. Foi demonstrado que mSOD1 provoca alterações 108 Capítulo 1 -‐‑ A Esclerose Lateral Amiotrófica -‐‑ revisão conformacionais na “Bcl-2”, com exposição do seu domínio tóxico (“BH-3”) e originando um mecanismo de morte celular programada similar à apoptose, para além de causar alteração da conductância mitocondrial (Pedrini et al., 2010). São igualmente locais iniciais da cascata apoptósica intrínseca que pode ser activada pela libertação de factores pró-apoptósicos, como o citocromo c, associados ou não a activação de caspases, enzimas responsáveis por morte celular (Green e Kroemer, 2004 Guegan et al., 2001) e pela activação excessiva da microglia (Burguillos et al. 2011). Na verdade, marcadores bioquímicos de apoptose são detectados em modelos animais de ELA e em doentes (Guegan e Przedborski, 2003; Pasinell et al., 1998; Pasinelli et al., 2000; Li et al., 2000, Vukosavic et al., 1999, Sathasivam et al., 2001). Adicionalmente, as mitocôndrias dos doentes com ELA apresentam elevados níveis de cálcio e diminuição dos complexos I e IV da cadeia respiratória, implicando deficiente metabolismo energético (Siklos et al., 1996; Wiedemann et al., 1998) com formação de radicais livres de oxigénio. Foram igualmente descritas mutações do DNA mitocondrial em doentes com ELA (Dhaliwal e Grewal, 2000; Falk et al. 2002; Ro et al., 2003). 1.F.4. Disfunção da junção neuromuscular A junção neuromuscular é a unidade morfo-functional da contracção muscular. Após a libertação de acetilcolina na fenda sináptica pelos neurónios motores, este potente neurotransmissor liga-se a receptores específicos na membrana sarcoplasmática, sendo responsável pela sua alteração conformacional e 109 Susana Pinto consequente abertura. Do influxo de sódio e de cálcio na célula muscular resulta a despolarização e contracção muscular. A desinervação muscular nos doentes com ELA desencadeia uma cascata de eventos que culmina na regressão muscular. Palma e colaboradores (Palma et al., 2011) observaram em músculos de doentes com SALS (deltoide, quadricípede e tibial anterior) que as subunidades proteicas dos receptores de acetilcolina se alteram e há uma redistribuição dos mesmos por toda a superfície celular e não apenas pela placa neuromuscular. Para controlar estas alterações, foram biopsados músculos doentes com desinervação muscular traumática e utilizaram oocitos de rãs para cultivo dos músculos em estudo. Observou-se haver menor afinidade dos receptors de acetilcolina na placa neuromuscular para este neurotransmissor do que nas biópsias de doentes com desinervação muscular após lesão. Os autores concluem que os músculos dos doentes com ELA não são meramente músculos desinervados, sugerindo-se o envolvimento directo do tecido muscular esquelético na ALS (Palma et al. 2011). Desta forma, poderá assistir-se a um processo de envolvimento primário do músculo esquelético, com degenerescência axonal secundária, disto-proximal, o que estaria de acordo com um processo fisiopatológico de dying-back. 1.F.5. Alterações da transcrição e do transporte axonal Para a transcrição do DNA em RNAm e a formação das proteínas codificadas pelo primeiro é necessário a acetilação das histonas ligadas a este. Por este motivo, a transcrição poderá ser aumentada por inibidores da desacetilação. Eventuais disfunções 110 Capítulo 1 -‐‑ A Esclerose Lateral Amiotrófica -‐‑ revisão da transcrição parecem estar implicadas em vários processos degenerativos (Kanai et al., 2004). O transporte axonal nos neurónios motores, cujos axónios têm comprimentos consideráveis, é crucial e possível pela existência de sistemas de transporte intracelulares, que necessitam, para o seu adequado funcionamento, de uma força motriz e de complexos proteicos. O sistema de transporte anterógrado (rápido e lento) depende do complexo proteico da quinesina e o retrógrado da dineína-dinactina (Grierson e Miller, 2006). No ratinho transgénico para mSOD1 foi demonstrado haver disfunção de ambos os mecanismos de transporte (Williamson e Cleveland, 1999; Borchelt et al., 1988; Murakami et al., 2001; De Vos et al., 2008). Mutações em humanos envolvendo o complexo da dinactina (nomeadamente na subunidade p150) são responsáveis por doença do LMN com parésia das cordas vocais (Puls et al., 2003). A importância destes mecanismos na génese da ELA é suportada pela causalidade entre as delecções da proteína de sobrevida do neurónio motor (SMN) e as atrofias espinhais. A SMN é responsável pela adequada divisão do RNAm imaturo no núcleo dos neurónios motores (Zhang et al., 2008) e pelo seu transporte axonal (cuja presença foi demonstrada nos cones e processos de crescimento dos mesmos, Fallini et al., 2010), assim como de proteínas e de HuD (proteína neuronal que se liga ao RNAm). Quando alterada, a sua inadequada acção impede estes componentes de chegar às terminações axonais, condionando perda de neurónios motores (Fallini et al., 2011). 111 Susana Pinto 1.F.6. Alterações do crescimento axonal Alterações no tamanho e na morfologia do cone de crescimento axonal foram identificadas em duas famílias com FALS, resultantes de alterações no gene da profilina 1 (Wu et al., 2012), estando 4 mutações identificadas nos 7 doentes envolvidos. Estes doentes apresentavam agregados intra-citoplasmáticos ubiquitinados insolúveis com depósitos de TDP-43 e inadequada regulação da actina G pela actina F (com diminuição da relação actina F/G). Estas observações estão em consonância com a importância do envolvimento do citosqueleto na fisiopatologia da ELA. 1.F.7. Agregados de neurofilamentos e agregados proteicos A presença de inclusões intra-citoplasmáticas e axonais nos neurónios motores é típica da SALS e da FALS. Contudo, não é claro se a formação destes agregados é responsável directamente pela toxicidade celular e tem um papel primário na patogénese da doença, ou se é um processo reactivo como mecanismo de defesa para diminuição das concentrações intra-celulares de proteínas tóxicas, ou ainda se os agregados são produtos intercalares inocentes do processo neurodegenerativo (Shaw, 2005; Cozzolino et al., 2008). A produção anormal de neurofilamentos e a sua acumulação é frequente em doenças neurodegenerativas, incluindo SALS e FALS (Hirano et al., 1984; Carpenter, 1968). Em cerca de 1% dos casos de SALS, esta produção anormal pode também resultar de 112 Capítulo 1 -‐‑ A Esclerose Lateral Amiotrófica -‐‑ revisão mutações na região de repetição “KSP” do NFH (Figlewicz et al., 1994; Tomkins et al., 1998, Al-Chalabi et al., 1999). Estas proteínas neurofilamentosas acumulam-se a nível axonal onde é também detectada periferina, proteína de filamento intermediário, cuja isoforma 61 é tóxica mesmo em pequenos níveis, tendo sido detectada na medula espinhal de doentes com ELA mas não em controlos (Corbo e Hays, 1992; Robertson et al., 2003). A degradação destas inclusões intra-celulares é possível através do sistema ubiquitina-proteossoma e da autofagia. O primeiro é o principal sistema proteolítico, responsável pela degradação selectiva da maioria das proteínas com má conformação ou lesadas (Cheroni et al., 2009). A autofagia permite a degradação, menos selectiva, de proteínas e outros organelos envelhecidos (Pasquali et al., 2009), estando activa na medula espinhal do ratinho trangénico para a mSO1 (Morimoto et al., 2007; Li et al., 2008) e levando à sua degradação por macroautofagia (Cheroni et al., 2005). Contudo, a inibição dos sistema ubiquitinaproteossoma pela mSOD1 leva à acumulação desta e morte neuronal (Urushitani et al., 2002; Cheroni et al., 2005). A degradação de proteínas com má conformação acumuladas no lúmen do RE está também alterada. Em condições normais, esta acumulação activa a sua degradação por parte do RE, que funciona conjuntamente com o sistema ubiquitina-proteossoma (Nishitoh et al., 2008). Contudo, no mesmo modelo, não parece haver alteração da redução da síntese proteica e na síntese de “chaperones” (Harding et al. 2002). 113 Susana Pinto 1.F.8. Disfunção inflamatória e contribuição de células não-neuronais A ELA não é uma doença primariamente auto-imune, mas a resposta imunológica pode desempenhar um importante papel na sua patogénese, apesar das terapêuticas imunomodulatórias não terem demonstrado, à data, papel neuroprotector. A hiperactividade da microglia e dendrítica é reconhecida por desencadear inflamação e consequente morte neuronal em doentes com SALS e FALS e no ratinho transgénico (Troost et al., 1989; Troost et al., 1990; Kawamata et al., 1992; Henkel et al., 2004; Turner et al., 2004; Hall et al., 1998). Esta parece ser desencadeada pela acção das caspases 3, 7 e 8 (Burguillos et al., 2011) com consequnte produção de citoquinas inflamatórias como interleucinas, ciclo-oxigenase 2 (Cox-2), factor de necrose tumoral α (TNFα) e proteína quimioatractiva de monócitos 1 (MCP-1), havendo evidência da sua hiper-regulação no liquor e medula espinhal de doentes com ELA, em ratos transgénicos para a SOD1 e modelos in vitro (Almer et al., 2001, Robertson et al., 2001, Sekizawa et al., 1998, Wilms et al., 2003). A caspase 3 é também responsável pela inactivação proteolítica da EAAT2 glial (BostonHowes et al., 2006). De igual forma, os astrócitos, responsáveis pelo crescimento e desenvolvimento neuronal, parecem tornam-se letais quando expressam a mSOD1, por provável activação ou recrutamento da microglia e, deste modo, desencadeando um processo inflamatório. A injecção cervical de percursores astrocíticos com mSOD1 foi responsável pela morte de neurónios motores nas proximidades, não desencadeando ELA nos ratinhos, mas diminuição da força muscular das patas dianteiras destes e do diafragma. Registou-se o dobro da intensidade do marcador microglial Iba-1 nos ratinhos transplantados com mSOD1 que nos 114 Capítulo 1 -‐‑ A Esclerose Lateral Amiotrófica -‐‑ revisão controlos, apesar desse valor corresponder apenas a metade do valor determinado em ratinhos com mSOD1 em todas as células. A administração de minociclina diminuiu esses valores e, apesar de incapaz de salvar os neurónios motores perto dos astrócitos mutados transplantados, pareceu proteger os neurónios motores distantes, verificando-se igualmente redução da perda de força muscular nas patas dianteiras e melhoria dos registos electromiográficos do diafragma por estimulação motora do nervo frénico (Papadeas et al., 2011). Os mesmos autores tinham anteriormente demonstrado que, pela injecção de percursores astrocíticos wild-type em ratinhos com mSOD1, haveria um controlo do processo inflamatório e melhoria da sobrevida (Lepore et al., 2008). De facto, desde Don Cleveland que sugeriu inicialmente este papel dos astrócitos na patogénese da doença (Ilieva et al., 2009), outros autores demonstraram a destruição de neurónios motores por astrócitos mSOD1 em culturas celulares (Nagai et al., 2007; Di Giorgio et al., 2007; Di Giorgio et al., 2008; Marchetto et al., 2008) assim como uma lentificação da doença e diminuição da activação da microglia em ratos quiméricos com mSOD1 humana em todas as células de astrócitos (Yamanaka et al., 2008). A activação de oligodendrócitos foi reconhecida recentemente e, apesar da sua participação na fisiopatologia da ELA ser ainda desconhecida, é sugerido o seu envolvimento precoce na doença. Responsáveis pela mielinização dos neurónios no SNC, a proliferação oligodendrocítica poderá representar um processo secundário protector, ser nefasto (por incorrecta reestruturação em torno dos neurónios lesados) ou poderá não ter qualquer significado na patogénese da ELA (Kang et al., 2010; Tripathi et al., 2010). Estas células proliferam a partir dos percursores NG2 (proteoglicano sulfato de condroitina). Apesar de sugerido que percursores NG2 positivos se diferenciam quase 115 Susana Pinto exclusivamente em oligodendrócitos, alguns estudos referem a sua diferenciação em diferentes linhagens celulares em resposta a processos lesivos (Levine et al., 2001), como microglia (Sellers et al., 2009), células de Schwann (Zawadzka et al., 2010), pericitos (Sellers et al., 2009) e astrocitos (Magnus et al., 2008). 1.F.9. Deficiência em factores neurotróficos e disfunção nas vias de sinalização Em autópsias de doentes com ELA e em modelos in vitro (Anand et al. 1995, Elliott et Snider 1996; Oppenheim, 1996) foi observada diminuição dos níveis de factores neurotróficos rHCNTF (factor neurotrófico ciliar recombinante humano, ALS CNTF Treatment Study Group 1996), BDNF (factor neurotrófico derivado cerebral, BDNF Study Group1999), rHIGF-1 (factor de crescimento insulina-like recombinante humano 1, Sorenson et al. 2008) e GNF (factor neurotrófico glial), e rHGSF (factor recombinante humano estimulador de colónias de granulócitos, igualmente com efeito antiapoptótico, Nefussy et al. 2010). Por outro lado, a delecção do elemento de resposta à hipóxia no gene do VEGF é responsável pela génese da doença no rato (Oosthuyse et al., 2001). 116 Capítulo 1 -‐‑ A Esclerose Lateral Amiotrófica -‐‑ revisão 1.G. Histopatologia Na ELA ocorre degenerescência de neurónios motores no cortex motor, tronco encefálico e medula espinhal, com gliose astrocítica e a presença de corpos de inclusão intraneuronais e gliais. Esta degenerescência envolve quer o UMN, com despovoamento das grandes células piramidais de Betz na área 4 de Broadmann e perda axonal córtico-subcortical e no trajecto da via piramidal, quer o LMN, especialmente ao nível dos cornos anteriores da medula espinhal, mas poupando os núcleos motores da musculatura extrínseca do olho e de Onuf (Iwata e Hirano, 1978). As alterações histopatológicas típicas identificadas na ELA são a má conformação e agregação proteicas com identificação de inclusões intra-celulares nos neurónios motores e células da glia. Estas inclusões podem ser de quatro tipos – os corpos de bunina, as inclusões de ubiquitina, os conglomerados de hialina e inclusões basófilas. Os eosinofílicas, corpos que de coram bunina são positivamente inclusões para a pequenas, cistatina e transferrina (Mizuno et al., 2006; Okamoto e Fujita, 2008), estando presentes em 70–100% dos casos (Bunina, 1962; Piao et al., 2003), incluindo as células de Betz e o núcleo subtalâmico de Lewis, sendo raramente encontradas noutras patologias. As inclusões de ubiquitina são quase universais na SALS ocorrendo em cerca de 95% dos casos (Leigh et al., 1991; Leigh et al., 1988; Lowe et al., 1988) sendo a principal proteína presente a TDP-43 (Neumann et al., 2006; Arai et al., 2006). Incluem igualmente, e para além da ubiquitina (Leigh et al., 1991 Murayama et al., 1989), SOD1 (Shibata et al., 1996; Shibata et al., 1994), periferina (He e Hays, 117 Susana Pinto 2004) e dorfina (uma ligase da ubiquitina E3 em anel) (Niwa et al., 2002). As inclusões de TDP-43 são proteicas, tau e α-sinucleina negativas e foram identificados nos UMN e LMN na ELA, na degenerescência lobar frontotemporal com inclusões de ubiquitina (com ou sem ELA) (Okamoto, 1991; Wightman et al., 1992). São raras na PLS (Konagaya et al., 1998; Tan et al., 2003) sendo negativas nas inclusões de SOD1 da FALS (Dickson et al., 2007; Robertson et al., 2007; Mackenzie et al., 2007). Inclusões de ubiquitina foram também encontradas na PMA (Ince et al., 2003; Sasaki e Iwata, 1999; Ota et al., 2005) e no complexo ELA-P-D de Guam (Matsumoto et al., 1990), sugerindo um mecanismo molecular patológico comum. Inclusões de conglomerados de hialina (neurofilamentos), corando para neurofilamentos fosforilados e não-fosforilados, argirofílicas, estão associadas à FALS e raramente à SALS, estando presentes nos neurónios motores espinhais (Warton e Ince, 2003). Foram descritos noutras doenças neurodegenerativas e em indivíduos saudáveis (Leigh et al., 1989). Inclusões basófilas foram descritas em doentes jovens com DNM (Gouveia e de Carvalho, 2007) em particular em formas familiares. Actualmente, sabe-se positivamente para que FUS. muitos Estas destes inclusões casos contêm coram múltiplas estruturas filamentosas com material amorfo electrodenso, central, de cerca de 15–20 nm de diâmetro (e onde se concentra grande quantidade da FUS) e RE rugoso desorganizado e mitocôndrias, de localização periférica. São encontrados no citoplasma dos neurónios motores espinhais, mas também noutros pontos da via corticomotoneuronal, córtex cerebral e núcleos próprios do tronco encefálico, mas sem perda neuronal nessas localizações (Huang et al., 2010). Apesar de alguns autores defenderem a não colocalização de FUS e TDP-43 nessas inclusões (Huang et al., 2010) outros grupos demonstraram-na, assim como de ubiquitina, quer em 118 Capítulo 1 -‐‑ A Esclerose Lateral Amiotrófica -‐‑ revisão doentes com FALS quer SALS, mas não em FALS com mSOD1, defendendo possíveis mecanismos patogénicos comuns (Deng et al., 2010). As alterações histopatológicas foram igualmente identificadas em localizações extra-motoras como no córtex frontotemporal, hipocampo, tálamo (Brownell et al., 1970), substância nigra (Al-Sarraj et al., 2002), vias cerebelo-espinhais (Swash et al., 1986), colunas posteriores (Lawyer et al., 1953) e nervos periféricos sensitivos (Dyck et al., 1975; Bradley et al., 1983). 119 Susana Pinto 1.H. Modelos utilizados para estudos na ELA Vários modelos in vivo e in vitro têm sido utilizados para a compreensão dos mecanismos moleculares e celulares envolvidos na ELA, assim como para o estudo dos efeitos terapêuticos de diferentes moléculas e fármacos. A maioria dos ensaios clínicos utiliza modelos com mSOD1, com diferentes mutações, especialmente em ratinhos transgénicos, testando os efeitos préclínicos (nomeadamente o tempo até ao aparecimento dos primeiros sintomas), na progressão da doença e na sobrevida. Contudo, tem-se assistido a uma deficiente translacção para os doentes com ELA dos resultados positivos obtidos quer em culturas primárias, quer no modelo animal. Na verdade, a utilização de modelos animais não- primatas é particularmente limitativa na sua representação do sistema motor humano, cujos movimentos altamente sofisticados desenvolvimento e de fraccionados abundantes são possíveis connexões pelo directas, monossinápticas, entre o UMN e o LMN (Porter, 1985; Porter, 1987). Estas são inexistentes no ratinho e, deste modo, a doença induzida é limitada ao envolvimento do LMN (Eisen et al., 1992). Mesmo nos primatas inferiores estas conexões, apesar de presentes, são menos abundantes e estabelecendo-se especialmente para a inervação contralateral dos músculos de localização mais distal e não na região torácica ou abdominal como no Homem (Iwatsubo et al., 1990; Plassman e Gandevia, 1990). Recentemente novos modelos emergiram, com diferentes modelos animais (incluindo usando a mosca (Drosophila melanogaster); o peixe zebra (Dania rerio), a rã (Xenopus Laevis), leveduras (Saccharomyces cerevisiae) e vermes (Caenorhabditis elegans), para além do rato e da ratazana ou mesmo do cão e do macaco). 120 Capítulo 1 -‐‑ A Esclerose Lateral Amiotrófica -‐‑ revisão Nestes, tem havido a criação de modelos animais com mutações não apenas no gene que codifica a SOD1, mas também nos genes TARDBP e o que codifica VAPB, cadeias pesadas 1 da dineina, das cadeias leves dos neurofilamentos e mesmo no C9ORF72. Modelos in vitro recentes incluem estudos em culturas de neurónios motores e neurónios motores e astrócitos e estudos em neurónios motores diferenciados a partir de células estaminais 121 Susana Pinto 1.I. Terapêutica A ELA é uma doença sem cura conhecida e, à data, sem terapêutica efectiva capaz de travar a progressão da doença. Desta forma, o tratamento é essencialmente dirigido ao alívio sintomático e à melhoria da funcionalidade, fundamentais para melhorar a qualidade de vida destes doentes (ver Tabela 5). Deve ser individualizado, centrado no doente e multidisciplinar, envolvendo uma vasta equipa (neurologista, fisiatra, pneumonologista, gastrenterologista, psicólogo, enfermeira, dietista, fisioterapeuta/ terapeuta ocupacional, terapeuta da fala/ deglutição, ortoprotésico, técnico de cardiopneumologia, apoio domiciliário, cuidados paliativos). Apesar dos inúmeros ensaios clínicos efectuados (ver Tabela 6), com diferentes desenhos e testando diferentes fármacos (em número superior a 100), não se conseguiu identificar outros agentes modificadores da progressão natural da ELA para além do riluzol. 122 Capítulo 1 -‐‑ A Esclerose Lateral Amiotrófica -‐‑ revisão Tabela 5 – Tratamento sintomático na ELA Sintomas Sialorreia Farmacoterapia Anti-colinérgicos; Outros tratamentos Aspiração Toxina botulínica Secreções N-acetilcisteína Hidratação (incluindo gelatina e gelo); MIE; Aspiração de secreções; brônquicas Sumo (papaia ou ananás) Labilidade Inibidores selectivos a emocional serotonina; ADT; Apoio psicológico Dextromet+quinidina Disfagia Espessantes de PEG; ENG; Terapia da deglutição líquidos Disartria/ Anartria Anti-espásticos se Terapia da fala; Escrita; Tabelas de predomínio do alfabeto; Comunicação aumentativa envolvimento do UMN e alternativa Pé pendente Ortotese (“tala posterior”, foot-up® ) Alteração da Anti-espásticos se Fisioterapia; Ajudas técnicas (CR, marcha predomínio do UMN bengala, canadiana, tripé, andarilho) Espasticidade Baclofeno; Tizanidina; Hidrocinesiterapia quente; Toxina botulínica Fisioterapia; Terapia ocupacional Paracetamol; Fisioterapia (incluindo Opioides; AINEs posicionamentos e mobilidade Dor articular); Terapia ocupacional Cãibras Magnésio; Fenitoína; Fisioterapia (incluindo massagem e Carbamazepina alongamentos); Hidroterapia Fadiga Creatina; Nandrolona Fisioterapia Insónia Amitriptilina; Zolpidem; Higiene do sono; Conforto Mirtazipina;Trazodone; Analgésicos Depressão Anti-depressivos; Apoio psicológico Emagrecimento Anabolizantes Suplementos alimentares Obstipação Laxantes, enemas Hidratação; Treino intestinal, Ingesta de fibras; Ingesta de fruta (papaia e ameixas); Massagem abdominal Insuficiência Aerossolterapia; VNI; MIE; Aspirador de secreções; respiratória Broncodilatadores Aerossolterapia Para abreviações consultar Lista de abreviações. 123 Susana Pinto Tabela 6 – Tratamentos farmacológicos testados na ELA Anti- Riluzol, memantina, topiramato, talampanel, gabapentina, glutamatérgicos/ pregabalina, naloxona, aa de cadeia ramificada (L-leucina, anti-excitotóxicos L-valina, L-isoleucina, L-treonina, glicina), lamotrigina, dextrometorfano, dextromet+quinidina Anti-apoptóticos/ Arimoclomol, buspirona, neuromoduladores minociclina, pentoxifilina, pramipexole, TCH346, hormona metabólicos do crescimento (GH), testosterona, TRH (oral, ev, IM, IT) Autofagia Lítio Agentes CNTF, GNF, BDNF, IGF1 SC, xaliprodeno oral, aa de neurotróficos cadeia ramificada Moduladores Olexosima (Tro-19622), dexpramipexole (KNS-760704), mitocondriais edaravone (MCI-186) Anti-oxidantes Vit E (oral, ev, IM), Vit C, selénio, β-caroteno, Nacetilcisteína, creatina, L-cisteína, eldepril, selegelina, ácido lecitina, lipoico, melatonina, SOD1, glutationa, edaravone, citocromo c, coenzima Q10, centrofenoxina Ceftriaxone, hidroclorido de tilerone, azul de tripan, Antibióticos vermelho de tripan Zidovudina, indinavir, amantadina, isoprinosina, factor de Antivirais transferência Neostigmina, Colinérgicos fisostigmina, 3,4-diaminopiridina, THA; priscolina Suplementos aa ev, octacosanol, tiamina (Vit B1), piridoxina (Vit B6), Vit nutricionais B12, Vit B preparada com levedura, extracto de fígado cru Anti-inflamatórios/ Celecoxibe, Moduladores do ciclosporina A, prednisolona, hidrocortisona (oral, IT), sistema imunitário talidomida e lenalidomida, tamoxifeno, plasmaferese, nimesulide, azatioprina, ciclofosfamida, interferão (SC, IT), Ig ev, levamisole, celastrol, acetato de glatiramero, dextromet+quinidina, ONO-2506, irradiação corporal Bloqueadores dos 2+ canais de Ca e Verapamil, dantroleno, edetato disódico de cálcio, nimodipina, penicilamina quelantes Células estaminais Da mucosa olfativa, transplante autólogo Outros Anti-histamínicos, bromocriptina, guanidina, gangliosidos bovinos, 5-hidroxitritofano,ftalazinol, propanediol toluloxi Para abreviações consultar Lista de abreviações. 124 Capítulo 1 -‐‑ A Esclerose Lateral Amiotrófica -‐‑ revisão 1.I.1. Riluzol e outras drogas anti-glutamatérgicas O riluzol é o único medicamento aprovada no tratamento da ELA por ter demonstrado, de forma consistente, que aumenta a sobrevida dos doentes. Contudo, este aumento é modesto, sendo provavelmente maior quanto mais precocemente for introduzido (Bensimon et al., 1994; Lacomblez et al., 1996a; Bensimon et al., 2002; Meininger et al., 2000; Mitchell et al., 2006; Turner et al., 2001). Segundo uma meta-análise recente do grupo Cochrane, a sobrevida média conseguida pela administração de 100mg diárias de riluzol é provavelmente de 2–3 meses se tomado durante 18 meses (em doentes com ELA provável ou definitiva, com início dos sintomas inferior a 5 anos, capacidade vital forçada nas provas de função respiratória superior a 60% do predito e idade inferior a 75 anos (Miller et al., 2007b). O mecanismo de acção do riluzol é complexo e não totalmente conhecido, mas pensa-se que iniba a libertação pré-sináptica de glutamato e aumente a sua recaptação, que interfira com os receptores NMDA, iniba os processos dependentes da proteína-G e que estabilize os canais de sódio dependentes da voltagem (Distad et al., 2008). É geralmente bem tolerado, apesar de ter alguns efeitos secundários como astenia e nauseas, assim como alteração das provas de função hepática, nomeadamente aumento das transaminases, razão pela qual devem ser regularmente avaliadas. Outras drogas que visam a diminuição da excitotoxicidade glutamatérgica e que têm merecido especial interesse nos últimos anos são a memantina, o talampanel e o ceftriaxone. A memantina, um derivado da amino-adamantina, é um antagonista dos receptores NMDA, com efeito neuroprotector na doença de Alzheimer. Foi alvo de um estudo fase 2/3 na nossa Unidade, não 125 Susana Pinto tendo demonstrado eficácia estatisticamente significativa como definido pela escala funcional da ELA (ALS-FRS) ou por outras escalas e parâmetros neurofisiológicos e respiratórios (de Carvalho et al., 2010). O talampanel (8-metil-7H-1,3-dioxolo(2,3) benzodiazepina) desenvolvido primariamente como agente antiepilético, é um antagonista não competitivo dos receptores glutamatérgicos AMPA, podendo ter igualmente efeito anti- inflamatório (Greene et al, 2008) e e efeito anti-apoptótico pela sua acção ao nível da caspase 3 (Denes et al., 2006). Num estudo de fase 2 com 59 doentes, 40 dos quais incluídos no grupo activo (150 mg de talampanel, repartidos em três tomas diárias, após o mês inicial de titulação) observou-se uma diminuição de 30% da taxa de declínio da ALS-FRS e menor decaimento na força muscular isométrica, embora a diferença não fosse significativa (Pascuzzi et al., 2010). Em Setembro de 2008 teve início uma extensão do ensaio clínico de fase 2 com o talampanel, incluindo cerca de 450 doentes e cujos resultados se aguardam (ClinicalTrials.gov NCT00982150). O ceftriaxone é um antibiótico β-lactâmico que demonstrou aumentar a expressão do EAAT2, com aumento da captação do glutamato por astrócitos humanos in vitro (Lee et al., 2008). No ratinho transgénico para a SOD1, a sua utilização triplicou a actividade do EAAT2 no cérebro, com aumento da sobrevida neuronal e aumento da força e da sobrevida dos ratinhos (Rothstein et al., 2005). Contudo, desconhece-se se a sua utilização prolongada em humanos é segura. Após um pequeno estudo fase 1, teve início em Maio de 2009 um estudo multicêntrico fase 3, controlado com placebo, incluindo 600 doentes e que visa avaliar, por um lado, os níveis deste fármaco no liquor e, por outro, a segurança e eficácia do mesmo a longo prazo (ClinicalTrials.gov NCT00349622). 126 Capítulo 1 -‐‑ A Esclerose Lateral Amiotrófica -‐‑ revisão AVP-923 (zenvia®) é uma combinação de hidrobromido de dextrometorfano, que suprime a libertação de glutamato, e quinidina (baixa dose), que previne a degradação do primeiro. Num estudo multicêntrico fase 3, a administração bidiária de AVP-923 (associação de 30 mg de dextrometorfano e 30 mg de quinidina) durante 28 dias revelou diminuir os sintomas pseudobulbares de choro e riso inadequados nos doentes com ELA (Brooks et al., 2004). Esta associação froi aprovada pelo FDA em 2010. A acção isolada do dextrometorfano não demonstrou eficácia (Gredal et al., 1997). Os aminoácidos de cadeia ramificada (L-leucina, L-valina, Lisoleucine e L-treonina), testados por reduzirem os níveis de glutamato, não foram efectivos na ELA (Parton et al., 2008). De igual forma os antagonistas dos canais de cálcio, como o verapamil (estudo fase 2) e a nimodipina (estudo fase 3), foram testados na ELA, mas sem resultados positivos (Miller et al., 1996a; Miller et al., 1996b), assim como a gabapentina (Miller et al., 2001), a lamotrigina (Ryberg et al., 2003) e o topiramato (Cudkowicz et al., 2003). 1.I.2. Protecção neuronal Vários estudos têm utilizados factores de crescimento neurotróficos de forma a obter protecção neuronal, como rHCNTF (ALS CNTF Treatment Study Group 1996), BDNF (BDNF Study Group1999), rHIGF-1 (Sorenson et al., 2008) e rHGSF (Nefussy et al., 2010) e GNF, todos sem resultados positivos. A negatividade dos estudos pode ser devida a inadequado desenho dos ensaios clínicos, deficiente dosagem administrada e inadequada escolha da 127 Susana Pinto via de administração. De facto, a administração endovenosa de VEGF não teve resultados positivos, provavelmente pela sua incapacidade de atravessar a barreira hemato-encefálica ou pela sua depuração acelerada (Ruiz de Almodovar et al., 2009), já que aumentou a sobrevida do ratinho transgénico para a mSOD1 aquando da injecção intra-muscular de lentivirus com VEGF humano (com melhoria da função motora, Azzouz et al., 2004) e da sua administração intra-ventricular (retardando igualmente o início dos primeiros sintomas, Storkebaum et al., 2005). Por outro lado, o cruzamento de ratinhos transgénicos para a mSOD1 e com hiperexpressão de VEGF atrasou a perda neuronal (Wang et al., 2007). O arimoclomol é um derivado da hidroxilamina, que induz a formação de proteínas de heat shock com aumento da acção de protectores moleculares (“chaperones”) que ajudam na conformação tridimensional das proteínas e na prevenção da formação de agregados proteicos. No modelo animal, a droga ajuda na regeneração neuronal, acompanhando-se de melhoria da função muscular e sobrevida (Kieran et al., 2004; Lanka et al., 2009), sendo segura em humanos (Cudkowicz et al., 2008). Presentemente decorrem dois estudos fase 2/3 com inclusão de 80 doentes com FALS com mSOD1 e em 15 doentes sem mSOD1. O xaliprodeno é um pequeno péptido com acção neurotrófica e neuroprotectora, com boa penetração no SNC. Contudo, não houve aumento da sobrevida nos doentes com ELA e teve efeitos modestos no decremento da capacidade vital (Meininger et al., 2004). A pentoxifilina foi utilizada num estudo fase 3 tendo por base a sua capacidade de aumentar o AMPc e GMPc, potenciais agentes neuroprotectores neuronais. Contudo, negativos (Meininger et al. 2006). 128 os resultados foram Capítulo 1 -‐‑ A Esclerose Lateral Amiotrófica -‐‑ revisão Para supressão da activação imune, está planeado um estudo fase 2 com ALSTDI-00846, anticorpo monoclonal que bloqueia o receptor de células T, o CD40L. A sua administração aumenta o peso corporal, diminui a deteriorização neurológica e aumenta a sobrevida do ratinho transgénico. 1.I.3. Modulação mitocondrial Como referido anteriormente, mutações na SOD1 parecem ser responsáveis por disfunção mitocondrial (Pasinelli et al. 2004; Liu et al. 2004). A utilização de moduladores mitocondriais capazes de proteger a mitocôndria da mSOD1 demonstrou, à data, ser seguro e tolerável no caso da KNS-760704 (enantiómero do pramipexole ou dexpramipexole; Wang et al. 2008a; Cudkowicz et al., 2011), da Tro-19622 (olexosima; Bordet et al, 2007) e do MCI186 (edaravone; Yoshino e Kimura, 2006), decorrendo para todos estudos fase 3. Estas drogas interagem com a permeabilidade mitocondrial ao nível dos seus poros de transição, possivelmente impedindo a sua abertura e, desta forma, possivelmente prevenindo a apoptose na ELA. A olexosima é igualmente um antagonista não competitivo do glutamato e o edaravone regula positivamente a expressão do bcl-2. No ratinho transgénico mSOD1, ocorreu um atraso no início dos primeiros sintomas e um aumento da sobrevida. Contudo, a companhia farmacêutica Trophos, responsável pelos ensaios da olexosima, publicou a 13 de Dezembro de 2011, na sua página da internet (www.trophos.com/news/pr20111213.htm), que o ensaio fase 3 que decorria não atingiu os objectivos pretendidos, nomeadamente na supremacia face ao riluzol na sobrevida. No estudo referido, randomizado, duplamente cego, paralelo e 129 Susana Pinto controlado contra placebo, com a duração de 18 meses, demonstrou-se haver uma tendência superior na medida secundária, o declínio do ALS-FRS-R. De momento, não existem planos futuros do seu estudo na ELA (apesar de se salientar a continuação dos estudos na SMA e MS). O dexpramipexole demonstrou nos 71 doentes que terminaram o estudo fase 2 de 40 semanas (dos 102 incluídos), ser seguro, tolerável e com diminuição tendencial do declínio da ALS-FRS-R e da mortalidade nos doentes a quem foram administrados doses mais elevadas (300mg/d vs doses mais baixas vs placebo) (Cudkowicz et al., 2011), decorrendo presentemente um estudo fase 3 (www.clinicaltrials.gov NCT01281189). A minociclina é uma tetraciclina de segunda geração que previne a activação microglial (Kriz et al., 2002), inibe a libertação pró-apoptótica do citocromo c e reduz a actividade enzimática da família das caspases e do mitogeno p-38 da proteína quinase (Zhu et al., 2002). No ratinho transgénico houve um aumento da sobrevida média entre 6.4-16% (Kriz et al., 2002; Zhu et al., 2002, Zhang et al., 2003; Van Den et al., 2002) e dois estudos fase 2 em doentes com ELA (incluindo 19 e 23 doentes) demonstraram que é segura e tolerada (Gordon et al., 2004). Os efeitos secundários típicos incluíram desconforto gastro-intestinal, vertigem e fotosensibilidade cumulativa, dose-dependente. Contudo, o estudo fase 3 que incluíu 400 doentes foi negativo (Gordon et al., 2007). A molécula TCH346 bloqueia a reacção enzimática catalizada pela desidrogenase gliceraldeído-3-fosfato. Este efeito anti-apoptótico contudo não conseguiu alterar a progressão da ELA num estudo fase 2/3 (Miller et al., 2007a). 130 Capítulo 1 -‐‑ A Esclerose Lateral Amiotrófica -‐‑ revisão 1.I.4. Agentes anti-oxidantes A acetilcisteína protege os neurónios motores da lesão causada pelos radicais livres de oxigénio mas um pequeno estudo fase 3 foi negativo (Louwerse et al., 1995). A vit E retardou o início e progressão da fraqueza muscular no ratinho trangénico mSOD1, mas estudos fase 3 foram negativos em doentes (Desnuelle, 2001; Graf, 2005). A selegilina, que inibe a monoaminoxidase (MAO)–B, não teve resultados positivos num estudo fase 3 (Lange, 1998). Um estudo utilizando coenzima Q10 em altas doses (componente da cadeia de transporte electrónico mitocondrial) foi negativo (Kaufmann, 2009). A creatina aumenta a função mitocondrial e actua como antioxidante, aumentando a sobrevida no ratinho transgénico mSOD1 quando administrada antes dos primeiros sintomas, contudo os ensaios em doentes foram negativos (Groeneveld et al., 2003; Rosenfeld 2008). A associação de creatina em altas doses (20 gr/dia) e celecoxibe ou minociclina vs controlos históricos foi favorável à realização de estudos fase 3 com a primeira associação (Gordon, 2008). AEOL-10150 é uma manganoporfirina anti-oxidante, análoga ao local catalítico da SOD, que neutraliza o ião superóxido, H2O2 e peroxinitrito, inibindo igualmente a peroxidação lípídica. Demonstrou ser segura e bem tolerada no modelo animal, com aumento da sobrevida (Crow et al., 2005) sendo igualmente bem tolerada em doentes (Orrell, 2006). 131 Susana Pinto 1.I.5. Anti-inflamatórios Dada a hipótese de envolvimento inflamatório na ELA, vários fármacos foram testados com o objectivo de retardar a progressão da ELA actuando ao nível de vários dos possíveis mecanismos envolvidos. O nimesulide é um inibidor preferencial da COX-2 com propriedades anti-oxidantes. A sua administração diminui os níveis de prostaglandinas (Pg)-E2 na medula espinhal do ratinho transgénico com preservação da integridade motora (Pompl et al., 2003). Contudo, a administração conjunta de celecoxibe, inibidor selectivo da COX-2, e riluzol não apresentou benefício quanto à função motora dos MS (Cudkowicz et al., 2006). O celastrol é um triterpeno com potente acção anti- inflamatória e anti-oxidante, que suprime a acção do TNF-α e IL-1β, com indução da produção de óxido nítrico (Allison et al., 2001) e da resposta às poteínas heat shock (Westerheide et al., 2004). Demonstrou diminuir o decaimento da perda ponderal, com aumento da sobrevida no ratinho transgénico (Kipiani et al., 2004). O tamoxifeno pode exercer o seu efeito neuroprotector pela inibição da acção da proteina quinase C, que medeia a inflamação na medula espinhal do ratinho transgénico (Hu et al., 2003). A sua administração demonstrou aumentar a sobrevida no ratinho transgénico (Brooks et al., 2005) e num estudo de fase 2, em 60 doentes, a sua associação com o riluzol condicionou aumento da sobrevida em doentes sob dosagens maiores (Clinicaltrials.gov NCT00214110). Decorre presentemente um estudo multicêntrico fase 2 nos USA visando testar a eficácia do taxomifeno e da creatina em dosagens de 40 e 80mg/d para o tamoxifeno e 30mg/d para a creatina (Clinicaltrials.gov NCT01257581). 132 Capítulo 1 -‐‑ A Esclerose Lateral Amiotrófica -‐‑ revisão A talidomida, após a sua retirada do mercado mundial em 1961 devido aos seus efeitos teratogénicos, tem sido selectivamente reintroduzida em determinadas patologias, tendo actividade anti-angiogénica e imunomoduladora (Mujagic et al., 2002). Suprime o TNF-α, reduz a perda ponderal e aumenta a sobrevida no ratinho transgénico (Kiaei et al., 2006), mas está associada a toxicidade cardíaca (Meyer et al., 2008). A lenalidomida, um análogo da 4 amino-glutarimida, parece ter similar eficácia no modelo animal, sem os efeitos neurotóxico e teratogénico (Kiaei et al., 2006), decorrendo um estudo fase 2. O ONO-2506, um homólogo enantiomérico do ácido valproico, restabelece a função astrocítica normal após uma lesão cerebral, pela prevenção da astrocitose reactiva, activação dos receptores GABA astrocíticos e supressão da transferase GABA (Nilsson et al., 1992). Tem, igualmente, acção anti-glutamatérgica (Katsumata et al., 1999) e anti-inflamatória por inibição da COX-2 (Shimoda et al., 1998). O estudo multicêntrico fase 2 na dosagem diária oral de 1200mg (associado ao riluzol) foi continuado aguardando-se os resultados no final de 2013 (ClinicalTrials.gov NCT00694941). Contudo, num estudo fase 3 (ClinicalTrials.gov NCT00136110), incluindo 163 doentes a quem foi administrado 1500mg de valproato de sódio ou placebo, não foi demonstrado haver benefício deste fármaco na sobrevida e na progressão da doença (Piepers et al., 2009). O acetato de glamitero tem efeitos anti-inflamatórios e antiglutamatérgicos, para além de acção de factor de crescimento. Contudo, os resultados do estudo fase 3 realizado foram negativos (Meininger et al., 2009). Não houve igualmente benefício na inibição de mecanismos imunes pelo interferon recombinante (rIFN) β- 1a (Beghi et al., 2000). 133 Susana Pinto 1.I.6. Modulação da expressão genética A possibilidade de utilizar drogas dirigidas especificamente para a SOD1 está actualmente a ser testada (fase 1) com ISIS 333611, um oligómero. Com este, pretende-se diminuir a expressão genética da mSOD1, conseguida no ratinho transgénico, lentificando a progressão da doença na FALS com mSOD1. Está planeada a inclusão de 32 doentes. Ainda só com resultados no modelo animal, a utilização da terapia génica com adenovirus-like modificados geneticamente modificados, permite fazer chegar os factores neurotróficos (nomeadamente IGF-1) directamente aos neurónios motores (Kaspar et al., 2003). 1.I.7. Células estaminais Foi recentemente possível, no ratinho transgénico, a diferenciação de células estaminais em neurónios motores, com formação de sinapses e traduzindo-se no atraso do início dos primeiros sintomas e na progressão da doença (Xu et al., 2006). Decorrem já ensaios pretendendo testar a sua eficácia em humanos pela administração medular de células estaminais neurais, depois da realização positiva de ensaio fase 1, que incluiu 12 doentes submetidos à sua administração a nível lombar (Glass et al., 2012; Riley et al., 2012). A administração medular torácica alta de células estaminais autólogas de origem mesenquimatosa mostrou igualmente ser segura em ensaio fase 1, que incluíu 10 doentes (Mazzini et al., 2010). 134 Capítulo 1 -‐‑ A Esclerose Lateral Amiotrófica -‐‑ revisão Outros ensaios clínicos têm utilizado células estaminais, de origens várias, como do sangue (Martinez et al., 2009) e da pele, sem resultados concludentes. 1.I.8. Outros fármacos Recentemente, houve grande agitação na comunidade científica e nos doentes com ELA relativamente ao potencial efeito benéfico do lítio. Este fármaco, aprovado para o tratamento da psicose maníaco-depressiva, poderia ter efeitos neuroprotectores por estimular a autofagia, nomeadamente acelerando o processo de eliminação de inclusões intraneuronais, incluindo agregados proteicos, mitocôndrias anormais assim como supressão da proliferação glial. A publicação de resultados positivos obtidos no ratinho transgénico para SOD1 (aumento da sobrevida) e em 16 doentes com ELA (sem mortes no período de 15 meses e com diminuição do agravamento clínico) (Fornai et al., 2008) levou à auto-medicação de muitos doentes com ELA e ao planeamento e execução de vários ensaios clínicos duplamente cegos, randomizados e com maior número de doentes incluídos. Estes foram, no entanto, negativos (Aggarwal et al., 2010; Chiò et al., 2010; Miller et al., 2011; Verstraete et al., 2012). Contudo, os estudos revelaram o grande poder que os doentes presentemente têm, por maior acesso e partilha de informação, assim como na sua decisão e exigências face às terapêuticas instituídas. Revelaram, igualmente, a facilidade com que a aceitação de estudos com falhas pode condicionar elevadas expectativas, associando-se a elevando consumo de tempo e de meios económicos e humanos (de Carvalho e Pinto, 2011a). 135 Susana Pinto 1.I.9. Tratamentos não- farmacológicos A ventilação não-invasiva (ver Capítulo 2) e a alimentação entérica (por gastrostomia) demonstraram ser tratamentos não farmacológicos capazes de melhoria da qualidade de vida e da sobrevida dos doentes com ELA (Andersen et al., 2012). Controvérsias existem quanto aos benefícios da realização de exercício físico na ELA. 9.a) Gastrostomia A gastrostomia permite a administração, em segurança, de nutrientes e de líquidos, com consequente manutenção do peso e a sua hidratação. Contudo, não é consensual quando a alimentação por gastrostomia deve ser iniciada. Segundo o algoritmo proposto pela Academia Americana de Neurologia (Miller et al., 2009), deve proceder-se a educação nutricional após a detecção de disfagia devendo a colocação de PEG ser discutida para estabilização do peso e provavelmente prolongar a sobrevida se houver progressão dos sintomas e perda de peso. A progressão da disfagia é avaliada pelo aumento do tempo das refeições, termino prematuro das refeições por fadiga, perda de peso acelerada por deficiente ingesta calórica, preocupação dos familiares face às dificuldades de alimentação. Os riscos do procedimento são particularmente elevados quando a capacidade vital forçada é inferior a 30% do predito e incluem espasmo laríngeo, infecção localizada, hemorragia gástrica, falência na colocação da PEG por dificuldades técnicas e morte por paragem respiratória. Apesar da realização de gastrostomia, é possível a ingesta de determinados alimentos oralmente, desde que em segurança, até a alimentação ser exclusiva por esta via. É estética e psicologicamente mais 136 Capítulo 1 -‐‑ A Esclerose Lateral Amiotrófica -‐‑ revisão agradável que a entubação naso-gástrica (Park et al., 1992), por estar encoberta pelo vestuário, podendo ser substituída por um botão definitivo após alguns meses. A sua colocação está provavelmente associada a uma melhoria da sobrevida dos doentes com ELA (Mazzini et al. 1995; Del Piano et al., 1999; Sparato et al., 2011; Chiò et al., 1999), embora não haja evidência consensual (Desport et al., 2000; Mitsumoto et al., 2003; Mathus-Vliegen et al., 1994; Shaw et al., 2006; Forbes et al., 2004b). A nossa experiência de 151 doentes submetidos a PEG nos últimos 16 anos demonstrou serem os doentes jovens com forma de início bulbar os que mais beneficiaram da sua colocação, embora não tendo havido diferenças de sobrevida entre os doentes com formas de início bulbar e medular, já que estes últimos tinham elevada progressão da doença aquando da sua colocação (Pena et al., 2012). 9.b) Exercício físico “Exercício físico” e “actividade física” são expressões frequente e indiscriminadamente utilizadas como sinónimos. Contudo, “actividade física” é um conceito mais generalista, definido como qualquer movimento corporal produzido pelos músculos estriados esqueléticos com gasto energético inerente. Consequentemente, engloba o sono e as actividades ocupacionais e as recreativas, quaisquer que estas sejam. O “exercício físico”, por sua vez, é uma forma planeada, estruturada e repetitiva de “actividade física” realizada no intuito de exprimir, manter ou melhorar um ou mais componentes da “forma física” (Caspersen et al., 1985). Estes foram englobados em dois conjuntos de aspectos, aqueles relacionados com a saúde em si, nomeadamente a força e a resistência musculares, a resistência cardio-respiratória, a flexibilidade e a composição corporal, e os aspectos relacionados com a perícia ou habilidade, que englobam a agilidade, o equilíbrio, 137 Susana Pinto a coordenação, a velocidade, a potência e o tempo de reacção (Pate, 1983). De forma a condicionar respostas adaptativas, consistentes, e não apenas respostas fisiológicas agudas, o exercício, na sua concepção geral, deve obedecer a determinados princípios relacionados com o estímulo de treino, como a especificidade, a intensidade, a frequência e a duração, assim como a reversibilidade (Holloszy, 1976; Faulkner, 1985). A resposta ao treino muscular é especifica de algumas características do músculo – o treino de força aumentará o número e, sobretudo, o volume das fibras musculares (hipertrofia muscular) enquanto que o treino de resistência aumentará o número de fibras oxidativas e a densidade capilar. Por outro lado, um determinado músculo ou grupo muscular será capaz de melhorar a sua condição específica e de melhor realizar um exercício para o qual foi treinado, mas será incapaz de responder de igual forma a uma exigência distinta, conceito que é a base do treino do gesto desportivo. A intensidade refere-se ao facto de que o músculo ou grupo muscular a ser treinado deverá ser submetido a uma carga superior à usual para que o treino seja eficaz. Ao longo do protocolo de treino, é necessário um aumento progressivo da intensidade do estímulo de treino de forma a que os músculos continuem a ser exercitados (princípio de sobrecarga). A duração e a frequência das sessões de treino determinam o tempo e a magnitude da resposta conseguida. Se o treino cessar, os benefícios adquiridos serão progressivamente esbatidos até se perderem (princípio do descondicionamento). O exercício físico afigura-se como uma modalidade terapêutica relevante na ELA, na qual, a par da fraqueza muscular resultante da doença em si, ocorre diminuição marcada da actividade física com consequente descondicionamento físico. O exercício visaria minorar o declínio e talvez mesmo melhorar a força 138 Capítulo 1 -‐‑ A Esclerose Lateral Amiotrófica -‐‑ revisão muscular, minorar a fadiga muscular, prevenir a atrofia de desuso, evitar encurtamentos tendinosos, rigidez articular, osteoporose e dor, assim como prevenir os descondicionamentos cardiovascular e respiratório. Estas seriam importantes repercussões quer a nível funcional quer a nível da qualidade de vida dos doentes com ELA. Contudo, ainda hoje não existe resposta consensual à pergunta “Can exercise be harmful?”, formulada em 1998 por Lund-Olesen (1998) neurologista acometido pela doença e que reconhecia a sua progressão com o exercício realizado pelo fisioterapeuta. Na verdade, um músculo enfraquecido está mais susceptível a lesões de sobrecarga por se encontrar nos seus limites máximos (Coble e Maloney, 1985) parecendo que exercícios de grande resistência ou elevadas repetições poderão provocar diminuição da força muscular em músculos lesados ou desinervados (Bennett e Knowlton, 1958; Johnson e Braddom, 1971). O papel do exercício na ELA tem sido questionado desde 1962 (Critchley, 1962) questão de particular relevância face a algumas hipóteses fisiopatológicas para o desenvolvimento da doença. Estas incluem excitotoxicidade glutamatérgica, “stress oxidativo”, produção excessiva de radicais livres de oxigénio e elevação das concentrações sarcoplasmáticas de cálcio (Rothstein et al., 1992; Curti, 1996; Siklos, 1996; Kim et al., 2002; Simpson et al., 2002; Siciliano et al., 2002; Kiernan 2009). É, pois, lícito pensar-se que a actividade física poderá ser potenciadora destes mecanismos. Na verdade, na ELA existe um aumento dos valores séricos de lactato quer em repouso quer motivados pelo exercício físico (Siciliano et al., 2002) e aumento do “turnover” de cálcio (Ca2+) pela acção excitatória glutamatérgica. A disfunção da bomba de sódio (Na+)-potássio (K+) demonstrada no modelo animal (Ellis et al., 2003), pode ser igualmente um factor integrante da perda neuronal na ELA (Vucic et al., 2007b). Esta regula o potencial de membrana em repouso e restaura os 139 Susana Pinto gradientes de Na+ e K+ após uma actividade de alta frequência. Se disfuncional, o exercício pode motivar uma acumulação elevada de sódio intracelular com alteração do potencial de repouso. A acumulação de cálcio intra-celular é uma consequência secundária, pela activação da bomba Na+-Ca2+. O conceito de que a actividade física intensa é um factor de risco para o desenvolvimento de ELA baseia-se igualmente em várias referências. Inicialmente, Macdonald Critchley refere que movimento físico desnecessário pode ser causa do desenvolvimento de DNM num número significativo de casos (Critchley, 1962). Sinaki e Mulder (1978) afirmam que o fortalecimento muscular só deverá ser realizado em doentes com doença lentamente progressiva e recomendam para a maioria dos doentes a restrição da actividade às AVDs, por ocorrer agravamento da fraqueza muscular pelo sobreuso. Para além de vários casos publicitados de jovens atletas de alta competição acometidos pela doença, dos quais se destaca Lou Gehrig, basebolista dos New York Yankees, nome pelo qual a doença é também conhecida nos USA, vários estudos epidemiológicos referem que a actividade física intensa, quer ocupacional quer recreacional, poderá estar relacionada com um aumento da incidência da ELA, assim como com o aparecimento dos primeiros sintomas em idades mais precoces (Kurtzke, 1991; Strickland, 1996; Scarmeas et al., 2002; Chiò et al., 2009b). Outros estudos, apesar de constatarem esta precocidade, não encontraram relação entre o exercício físico e a ELA (Veldink et al., 2005) enquanto que alguns grupos reportam a relação entre a duração da prática do exercício físico e o desenvolvimento de ELA (Beghi et al., 2010). O interesse pelo exercício físico na ELA foi estimulado pela referência a 8 mortes por ELA em 24000 jogadores de futebol de equipas italianas (Beretta et al., 2003). Vários estudos subsequentes 140 Capítulo 1 -‐‑ A Esclerose Lateral Amiotrófica -‐‑ revisão confirmaram o risco acrescido do desenvolvimento de ELA em praticantes de futebol (Chiò et al., 2005; Belli e Vanacore, 2005; Vanacore et al., 2006; Wicks et al., 2007b; Abel et al., 2007; Taioli, 2007; Chiò et al., 2009b). Num estudo retrospectivo incluindo 7325 futebolistas da liga professional italiana esse risco, acrescido, estava associado ao surgimento mais precoce dos primeiros sintomas e sendo mais predominante a forma de início bulbar. O risco era particularmente elevado nos profissionais com idade inferior a 49 anos, com actividade desportiva intensa superior a 5 anos e nos meio-campistas (Chiò et al., 2005). Contudo, o mesmo grupo concluiu, num estudo posterior, que o exercício intenso, por si só, não deveria ser considerado como factor de risco, dado não haver qualquer ciclista ou jogador de basquetebol a desenvolver a doença (Chiò et al., 2009b). Proposeram a existência de factores ambientais que poderiam contribuir para um eventual aumento da predisposição destes atletas de alta competição em associação ao exercício físico intenso, nomeadamente consumo de suplementos alimentares e substâncias ergogénicas, contacto com os pesticidas e herbicidas com que os campos de futebol eram tratados e traumatismos desportivos cefálicos repetidos. O mesmo é defendido por outros autores (Vanacore et al., 2006; Wicks et al., 2007b). Apesar do elevado número de futebolistas italianos que desenvolveram a doença, existe referência a futebolistas de outras nacionalidades jogando noutros países (Wicks et al., 2007b; Abel et al., 2007) assim como observado por nós na nossa Unidade (dados não publicados). Ao contrário do referido por Chiò e colaboradores (2009b) outros grupos encontraram um risco acrescido em desportistas praticantes de outras modalidades (Scarmeas et al., 2002; Beghi et al., 2010). Contudo, Valenti e colaboradores (2005) não encontraram associação entre a realização de desporto ou a existência de traumatismos desportivos com o desenvolvimento de 141 Susana Pinto DNM (Valenti et al., 2005). Mattsson e colaboradores (2012), num estudo epidemiológico recente envolvendo 680000 indivíduos suecos, relatam que o risco de desenvolver ELA está relacionado com a boa “forma física” na fase de adulto jovem e não com a “forma física” em si, a força muscular ou a frequência cardíaca em repouso, sugerindo haver um fenótipo comum, caracterizado pela presença de fibras musculares predominantemente de tipo I, típicas dos atletas de resistência. A ELA estaria relacionada não com a pratica desportiva mas com boa “forma física” que, por sua vez, possibilita determinado tipo de actividade física desportiva. Contudo, no estudo de Mattsson e colaboradores (2012) não foi investigado a participação específica em competições desportivas. Dado que a boa “forma física” e a “forma física” em si parecerem estar relacionadas, parcialmente pelo menos, com componentes genéticos, estão presentemente a decorrer estudos “GWAS” em doentes com SALS e com bos “forma física” (Chiò e Mora, 2012). Também no modelo animal, no ratinho transgénico para a doença (Cu-ZnSOD1 G93A) o exercício intenso de resistência em passadeira, de 9 a 22 m/min, durante 45min por dia, 5 dias por semana, apesar de não ter repercussões no início dos primeiros sintomas, parece acelerar o declínio do desempenho motor e a morte nos ratos machos (Mahoney et al. 2004). Os ratinhos transgénicos parecem ser igualmente mais activos na fase présintomática que os controlos (percorrendo distâncias de 15–20 km/dia vs 7–9 km/dia, respectivamente), verificando-se um declínio do percurso médio percorrido seguido de diminuição da velocidade antes dos primeiros sintomas, contudo sem repercussões na progressão da doença neste segundo estudo que replicou o primeiro (Bruestle et al., 2009). Alguns trabalhos são contraditórios, referindo que, pelo contrário, o treino intenso poderá ser benéfico, com uma tendência positiva para aumento da sobrevida nos 142 Capítulo 1 -‐‑ A Esclerose Lateral Amiotrófica -‐‑ revisão ratinhos sujeitos a treino de 10h diárias em roda motriz e sem diferença significativa entre sexos para o início e tempo de sobrevida quando comparado com controlos e com o grupo sedentário (Liebetanz et al., 2004). Alguns autores referem ainda que o encorajamento activo da actividade física vigorosa parece ter sido benéfica na maioria dos casos (Norris, 1978) e que não será um factor de risco para o desenvolvimento de ELA (Longstreth et al., 1998a; Longstreth et al., 1998b; Veldink et al., 2005; Qureshi et al., 2006; Armon., 2007). Ao contrário dos efeitos prejudiciais do exercício físico intenso, os benefícios da realização de exercício físico moderado são referidos em vários trabalhos, quer em doentes com ELA quer no ratinho transgénico. No modelo animal, o exercício em passadeira a 13m/min, durante 30min e realizado 5 dias por semana, atrasou o início dos primeiros sintomas e aumentou a sobrevida dos ratinhos, significativo em machos e mostrando uma tendência nas fêmeas (Kirkinezos et al., 2003). Os mesmos resultados foram demonstrados em outro estudo, com exercício em passadeira a 16m/min, mas somente significativo nas fêmeas (Veldink et al., 2003). Também o exercício em roda livre durante 6h/dia demonstrou aumentar a sobrevida dos ratinhos, sinérgico com a administração de IGF-1, com atenuação do declínio funcional e melhores resultados quando iniciado em fase pré-sintomática (Kaspar et al., 2005). A comparação entre um grupo de ratinhos sedentários com dois tipos de intensidade de exercício em passadeira (com período de treino de 20 minutos de corrida, 3 dias/semana a 5 e 10 m/min durante a primeira e segunda semanas, respectivamente, seguido de protocolo de exercício 60min/dia, 5 dias/semana a 20 m/min (1.25 Km/h) e 30 min/dia, 3 vezes/semana a 10m/min (0.62 Km/h) para o exercício de alta e moderada intensidade, respectivamente) demonstrou um atraso no 143 Susana Pinto desenvolvimento dos primeiros sintomas, uma maior densidade neuronal na medula espinhal lombar e uma tendência para uma maior sobrevida dos ratinhos submetidos a esforço moderado (Carreras et al., 2010). Recentemente, um programa de treino de ratinhos em água foi superior a um programa de corrida, com aumento da sobrevida, atraso na morte neuronal, preservação de astrócitos e de oligodendrócitos na medula espinhal e preservação da unidades motoras de tipo II (Deforges et al., 2009), no entanto contestado por outros, que interpretam os resultados como conversão de fibras rápidas em lentas (ElBasiouny e Schuster, 2011), como observado durante o exercício isométrico máximo funcional (Gordon et al., 2010b). Nos doentes com ELA os estudos sobre exercício são escassos e envolvem um número limitado de doentes. Um dos primeiros estudos clínicos descreve a superioridade da facilitação neuromuscular proprioceptiva (PNF) em comparação com o fortalecimento muscular manual no aumento da força muscular num doente (Bohannon, 2003). A cicloergometria realizada durante 30min diários (ciclos de 5 min de exercício e 5 minutos de repouso), 4 dias/ semana durante 6 semanas, com uma intensidade de trabalho de 50% da capacidade máxima obteve resultados positivos nos membros de um doente que tinha apenas sinais de envolvimento do UMN, mas não nos membros com sinais clínicos de lesão concomitante do LMN (Sanjak, 1987a). Por outro lado, existe um aumento significativo do consumo de O2 durante o exercício em doentes com ELA com capacidade de trabalho diminuída, e cuja redução paralela se correlaciona com o declínio da ALS-FRS, como demonstrado em 35 doentes com ELA submetidos igualmente a treino submáximo em cicloergómetro (Sanjak, 1987b). Contudo, o exercício em passadeira segundo os protocolos de Bruce ou Naughton associado a VNI em 8 doentes 144 Capítulo 1 -‐‑ A Esclerose Lateral Amiotrófica -‐‑ revisão com IR total ou parcial, treinados até ao limiar anaeróbio, foi responsável por melhoria significativa da escala de medida de independência funcional (MIF) e atraso do declínio do total da escala de Norris, assim como dos subtotais relativos à função medular e bulbar e da CVF (Pinto et al., 1995b). Recentemente, o treino rítmico repetitivo em passadeira com suporte parcial em 40% do peso corporal (utilizando equipamento Biodex ) distribuído por ® sessões de 60 minutos trissemanais (períodos alternados de 5min de exercício e 5min de pausa) durante oito semanas demonstrou ser seguro e bem tolerado, com melhoria funcional na escala ALSFRS-R e melhoria da capacidade de trabalho e da marcha em doentes com ELA que utilizam ortóteses para a marcha (Sanjak et al., 2010). Também o exercício de resistência, domiciliário, bi-diário de 15min, individualizado (apesar de não especificado) para o tronco, MS e MI (nas fases iniciais e intermédias da ELA) diminuiu significativamente o declínio das escalas de ALS-FRS e Ashworth ao fim de 3 meses, com uma tendência aos 6 meses (Drory et al., 2001). O exercício de resistência moderado no domicílio associado a alongamentos diários dos MS e MI quando comparado com um programa de apenas alongamentos diários dos MS e MI trisemanal reporta que aos 6 meses houve um aumento significativo da ALSFRS e melhoria da qualidade de vida (avaliada pelos subtotais físicos funcionais da escala SF-36) e um menor declínio da força dos MI, não tendo havido efeitos secundários (avaliado pela CVF e contracção voluntária máxima isométrica) (Dal Bello-Hass et al., 2007). Uma revisão recente Cochrane cita a falta de estudos clínicos randomizados que possibilitem uma discussão adequada dos potenciais benefícios e riscos do exercício aeróbio na ELA (Dal Bello-Haas et al., 2008). Contudo, parece ser consensual na prática clínica que quanto mais precoce, menos grave e de progressão 145 Susana Pinto mais lenta fôr a doença, melhor a resposta provável ao treino muscular. Apesar de inicialmente ter sido dada particular atenção ao exercício isométrico (pela diminuição da força muscular verificada) progressivamente passou a valorizar-se a realização de exercício de resistência. Este deve ser isotónico (dinâmico), aeróbio, de resistências inicialmente baixas e com aumento progressivo, de intensidade moderada e limitada pela dispneia, pela fadiga e pela dor, procurando atingir valores próximos do limiar anaeróbio e envolvendo o maior número de grupos musculares. Parece ter benefícios superiores quando iniciado precocemente. Uma vez mais o modelo do ratinho transgénico utilizado parece não ser o mais adequado e não somente por corresponder apenas à mutação SOD1. Pelo contrário, o desenvolvimento neuromuscular do ratinho é muito dispar do do Homem e os programas de treino não são passíveis de ser reproductíveis em voluntários saudáveis ou em doentes, quer relativamente ao tipo de exercício prescrito, quer relativamente à intensidades e durações de treino, quer ao seu início em fases pré-sintomáticas, pré-diagnóstico. Apesar de logisticamente mais complicado, talvez fosse mais adequado o seu estudo em outros modelos animais mais próximos do Homem, nomeadamente no macaco. 146 Capítulo 2 -‐‑ A Insuficiência Respirtória na Esclerose Lateral Amiotrófica Capítulo 2 A Insuficiência Respiratória na Esclerose Lateral Amiotrófica 2.A. A dinâmica ventilatória A ventilação é o processo fisiológico mediante o qual o ar entra e sai dos pulmões permitindo as trocas gasosas a nível alveolar e, em última análise, assegurando a respiração celular. Enquanto que a respiração celular (interna) se reporta ao conjunto de mecanismos que envolvem a perfusão, a difusão e o metabolismo celulares, a respiração pulmonar (externa) é um complexo conjunto de mecanismos que envolvem a ventilação, a difusão e a perfusão pulmonares, visando a oxigenação sanguínea e a homeostasia ácido-base. É possível pelo funcionamento coordenado das vias aéreas superiores (VAS), da caixa torácica e dos músculos respiratórios, na dependência de um controlo central, e com características específicas em situações particularmente exigentes como o sono e o exercício. 2.A.1. A inspiração A inspiração é um processo sempre activo, na dependência dos músculos inspiratórios, especialmente do diafragma. Este extenso músculo estriado esquelético tem a forma de duas hemi147 Susana Pinto abóbadas, sendo constituído pelo centro frénico, fibroso, de localização central e por duas cúpulas musculares. Estas são formadas por características uma porção particularmente crural, pouco insercionais extensa, (sobre os com corpos vertebrais de L1-L2/3), enquanto que a sua extensa porção costal tem importantes características funcionais (Celli, 1969). O diafragma é inervado pelo nervo frénico, cujo núcleo medular, motor, de localização interna e extendendo-se de C3 a C5, se dispõe imediatamente para fora dos núcleos motores responsáveis pela inervação da musculatura axial (Routal e Pal, 1999a; Routal e Pal, 1999b). A contracção do diafragma pode ser tónica (relevante para a postura), ou fásica (responsável pela eficácia inspiratória). Contudo, a força de contracção diafragmática não é constante, adequando-se à intensidade da actividade requerida, segundo uma norma de economia muscular. A pressão transdiafragmática máxima (Pdi máx) registada durante a respiração espontânea corresponde apenas a 12% da força de contracção diafragmática máxima (pelo recurso apenas a fibras musculares de tipo I), mas assegurando cerca de 75% da alteração do volume torácico ocorrido. Os valores de Pdi máx sobem para 50% durante a oclusão total das VAS, como acontece durante a realização das provas de função respiratória (PFR). Apenas durante a tosse e o vómito é que a Pdi máx corresponde a 100% da capacidade contráctil do diafragma (Corne e Bshouty, 2005; Krimsky e Leiter, 2005; Lumb, 2000). A contracção dos feixes costais e crurais do diafragma é responsável pelo abaixamento do centro frénico, condicionando o achatamento do diafragma, com consequente aumento do diâmetro vertical da caixa torácica. Num segundo tempo, a contracção dos feixes costais, tomando como ponto fixo o centro frénico apoiado sobre as vísceras abdominais, é responsável pela rotação, afastamento e elevação das costelas inferiores e com consequente 148 Capítulo 2 -‐‑ A Insuficiência Respirtória na Esclerose Lateral Amiotrófica aumento dos diâmetros ântero-posterior e transversal da caixa torácica. O aumento progressivo da pressão intra-abdominal, transmitida pela zona de aposição do diafragma, permite igualmente a expansão torácica inferior, especialmente lateral. Pelo relaxamento progressivo da musculatura ântero-lateral da sua parede, o abdómen faz procidência, actuando sinergicamente com o diafragma. Desta forma, ocorre uma diminuição da pressão pleural (Ppl) e da pressão intratorácica, com consequente insuflação pulmonar. Durante a respiração espontânea, o diafragma desloca-se cerca de 1,5 cm, valor que pode atingir os 6-10 cm para esforços máximos. (Corne e Bshouty, 2005; Lumb, 2000; Celli, 1969). Estudos de reconstituição tridimensional computacional do diafragma (Figura 1) a partir do modelo do cadáver permitiram determinar a variação do posicionamento do diafragma durante a respiração espontânea assim como o volume mobilizado, quer em indivíduos saudáveis, quer em doentes com patologia. Na ELA, em que a perda de inervação é randomizada em ambas as hemicúpulas, haveria uma diminuição de 306cm3 se houvesse uma perda de 50% de unidades motoras (UM), que seria de apenas 196cm3 no caso da parésia unilateral total de uma das hemicúpulas diafragmáticas, com perda respectiva do deslocamento axial máximo do diafragma de 5.55mm e 5.74mm (em situação normal de 564cm3 e 1.06cm) (Pato et al., 2010). 149 Susana Pinto A B C D Figura 1. Representação tridimensional computacional do diafragma. A: No final da expiração; B: Na inspiração máxima; C: Na inspiração máxima no modelo da ELA; D: Na inspiração máxima no modelo da lesão completa unilateral do nervo frénico direito. (in Pato et al., 2010) 150 Capítulo 2 -‐‑ A Insuficiência Respirtória na Esclerose Lateral Amiotrófica Os músculos intercostais externos são, tal como o diafragma, músculos inspiratórios (Taylor, 1960). Apresentam uma disposição característica, com direcção oblíqua para cima, para trás e para fora. A contracção destes músculos durante a inspiração é responsável pela ascenção das costelas e do esterno contribuindo para o aumento do volume torácico e diminuição da pressão intratorácica. De notar ainda o papel sinérgico da porção intercartilagínea dos músculos intercostais internos, com orientação oblíqua para cima, para diante e para dentro que, para além de contribuir para a ascenção das costelas e consequente aumento do volume torácico, permite a estabilização das cartilagens costais (de Troyer e Sampson, 1982). Os músculos inspiratórios acessórios são responsáveis pela elevação das costelas superiores (respiração costal superior) com aumento do volume torácico. Estabilizam as costelas superiores e o esterno. É provável que, durante a respiração em repouso, na posição de sentado ou ortostática, os músculos escalenos (anterior, médio e posterior) sejam também activados. (Corne e Bshouty, 2005; Lumb, 2000). Para esforços inspiratórios mais intensos assiste-se ainda ao recrutamento de outros músculos inspiratórios acessórios, nomeadamente dos músculos SCM, trapézio (Trap) e grande peitoral (Corne e Bshouty, 2005; Lumb, 2000). Estes músculos, assim como os escalenos, são capazes de manter uma ventilação adequada em repouso em patologias que condicionem parésia diafragmática. O gradiente de pressão entre o interior da caixa torácica, negativa, e o ar ambiente (pressão atmosférica) possibilita o fluxo de ar desde o ambiente até aos pulmões (alvéolos pulmonares), ou seja, a inspiração. 151 Susana Pinto 2.A.2. A expiração Tal como na inspiração, a expiração consiste num fluxo de ar, mas de sentido oposto, entre os alvéolos pulmonares e o meio ambiente. É gerado pelo gradiente de pressões entre a pressão intra-torácica (positiva) e a pressão atmosférica e permite a eliminação de CO2 por via respiratória. A expiração é geralmente um fenómeno passivo que resulta do relaxamento da musculatura inspiratória, da retracção da grelha costal e da diminuição da compliance pulmonar. Ao contrário da expiração expontânea, a expiração forçada é um fenómeno activo, possível pelo recrutamento dos músculos expiratórios, nomeadamente dos músculos intercostais internos, da musculatura da parede ânterolateral do abdómen e também do músculo intertransversário do esterno (Ewing et al., 1996). Os músculos intercostais internos, localizados entre as costelas, têm uma direcção obliqua para cima, para diante e para dentro. São responsáveis pelo abaixamento das costelas e sua estabilização, com diminuição do volume torácico e aumento da pressão intra-torácica. O músculo inter-transversário do esterno, ao contrair, é responsável pelo abaixamento da porção anterior das 2ª a 6ª costelas (onde se insere e tomando como ponto fixo a sua inserção na porção inferior da face posterior do esterno) e tem um papel importante na tosse. Os músculos da parede ânterolateral do abdómen (grande recto do abdómen, grande oblíquo, pequeno oblíquo e transverso do abdómen), têm importantes funções postural, expiratória e, inclusivamente, inspiratória. Durante a expiração activa, permitem a tosse e o espirro, em que é necessário um fluxo expiratório de 40 L/ min. A geração deste fluxo é possível pelo aumento da pressão intra-abdominal resultante da contracção dos músculos referidos associada ao encerramento da 152 Capítulo 2 -‐‑ A Insuficiência Respirtória na Esclerose Lateral Amiotrófica glote, com consequente subida do diafragma e aumento da pressão intra-torácica. Quanto ao seu contributo inspiratório, os músculos da parede ântero-lateral do abdómen asseguram, como referido no ponto anterior, a tonicidade da parede abdominal, necessária para a eficácia do segundo tempo da contracção diafragmática. São ainda responsáveis pela elevação da posição de repouso do diafragma, que adquire uma curvatura mais fisiológica e funcionalmente mais eficaz. Ao diminuir o volume pulmonar abaixo da capacidade funcional residual (CFR) condicionam ainda um movimento inspiratório passivo. 2.A.3. As vias aéreas superiores As VAS intervêm em quatro importantes funções que se repercutem na ventilação - a humidificação, o aquecimento, a filtração do ar inspirado e a condução do fluxo respiratório de e para os pulmões. De forma a que esta se processe com normalidade e, especialmente, para que não haja passagem do bolo alimentar quer no sentido rostral para a cavidade nasal quer no sentido caudal para a traqueia (pela partilha de orgãos pelos sistemas respiratório e digestivo), é fundamental o bom funcionamento da musculatura das VAS, nomeadamente da faringe e da laringe. O véu do paladar é uma estrutura basculante muscular, que encerra a comunicação entre a oro e a nasofaringe nos movimentos de deglutição e fonação, evitando a regurgitação nasal e a normalidade da ressonância vocal. A faringe é uma estrutura tubular, cujas paredes são constituídas por um conjunto de músculos estriados, num arranjo complexo. Estes músculos evitam o colapso da faringe, em particular durante o sono, quando a hipotonia muscular é um fenómeno indissociável e responsável pelo aumento fisiológico da 153 Susana Pinto resistência das VAS. O colapso resultante da fraqueza destes músculos origina apneias ou hipopneias obstrutivas durante o sono (van Lunteren e Strohl, 1986). A laringe prolonga a faringe no sentido caudal, sendo constituída por estruturas cartilagíneas, músculos e ligamentos, que protegem as vias aéreas inferiores (VAI) durante a respiração e a deglutição. É no seu interior que se encontram as cordas vocais. Durante a deglutição, a epiglote e as cordas vocais encerram as VAI, impedindo a aspiração de alimento. Durante a respiração, assiste-se à abdução das cordas vocais, possibilitando a passagem do fluxo de ar. De referir ainda que a produção do som, que ocorre durante a expiração, é possível pela tensão gerada nas cordas vocais. 2.A.4. O controlo da ventilação 4.a) Controlo Cortical A ventilação é um acto automático, não-voluntário. Contudo, a frequência e a amplitude dos movimentos respiratórios podem ser voluntariamente alteradas em actividades como o falar e o cantar. Este controlo está dependente de um centro respiratório, que recebe aferências corticais das áreas pré-motora (APM) e suplementar motora (ASM) (Corne e Bshouty, 2005; Krimsky e Leiter, 2005). Trata-se de uma via monossináptica de condução rápida, constituída por um primeiro e um segundo neurónios motores, o que facilmente pode ser confirmado por estudos de TMS (Lissens, 1994). Este método estimula de forma preferencial, transsinapticamente, a via córtico-espinhal monossináptica. Através dele é possível obter uma resposta motora do diafragma, pela excitação dos neurónios motores localizados na sua área de representação 154 Capítulo 2 -‐‑ A Insuficiência Respirtória na Esclerose Lateral Amiotrófica cortical. Outros métodos evidenciam a existência de uma via voluntária do controlo ventilatório nomeadamente os métodos de neuro-imagem, como a PET (Fink et al. 1996) e a RMN funcional (Evans et al. 1999). Em vários destes estudos confirma-se a presença de hiperactivação de áreas como o córtex motor primário, as áreas pré-motora (APM) e suplementar motora (ASM), assim como de outras regiões, nomeadamente a nível do lobo parietal. 4.b) Controlo Metabólico – O centro respiratório Quando o controlo volicional do indivíduo diminui ou desaparece, como acontece durante o sono, a respiração fica totalmente assegurada por um sistema de controlo involuntário, automático, cuja resposta se adequa a estímulos periféricos, principalmente metabólicos mas também mecânicos. Localizados nos seios carotídeos e no arco aórtico, os quimioreceptores periféricos são particularmente sensíveis a alterações da pressão parcial de oxigénio no sangue (PaO2), mas também a alterações da pressão parcial de dióxido de carbono (PaCO2), de pH e de perfusão (Corne e Bshouty, 2005; Krimsky e Leiter, 2005). Os quimioreceptores centrais, localizados ao nível do bulbo raquidiano, são especialmente sensíveis a alterações da PaCO2 e do pH. Deste modo, a diminuição da PaO2, o aumento da PaCO2, a diminuição do pH e a hipoperfusão constituem os estímulos geradores da necessidade de uma adequação do ritmo ventilatório (Berger et al, 1977; Duffin, 2004). O mesmo sucede relativamente a alterações da distensibilidade torácica (nomeadamente a sua expansão excessiva), detectadas pelos mecanorreceptores localizados ao nível da caixa torácica. (Krimsky e Leiter, 2005; Manning e Schwartzstein, 1995). O centro respiratório que assegura, de forma automática, a ritmicidade ventilatória localiza-se no bulbo raquidiano e recebe as aferências provenientes dos quimioreceptores 155 Susana Pinto periféricos e centrais. (Corne e Bshouty; Duffin, 2004). É constituído por duas porções – uma anterior e lateral e a outra posterior e mediana. A porção ântero-lateral constitui o núcleo respiratório anterior. Este núcleo está na proximidade do núcleo ambíguo e recebe as aferências deste provenientes dos nervos glosso-faríngeo e pneumogástrico, que conduzem a informação periférica dos corpúsculos localizados, respectivamente, nos seios carotídeos e no arco aórtico. Na realidade, o núcleo respiratório anterior tem uma organização complexa em sub-núcleos (Botzinger, Pré-Botzinger, superior, intermédio e inferior), dos quais o Pré-Botzinger assume um papel de destaque. Assume-se que possa ser o gerador do ritmo respiratório, possível pelas características da membrana destes neurónios, em particular pela evolução do potencial de membrana ao longo do tempo. Tem, igualmente, células especializadas na interpretação dos valores de PaCO2 e de pH do líquor que contacta com aquelas células. Deste núcleo partem fibras eferentes que influenciam os neurónios do núcleo respiratório posterior, também em conexão com o núcleo do feixe solitário. O feixe motor retículo-espinhal tem origem no núcleo posterior, ou neste e no núcleo anterior. Trata-se de uma via oligossináptica, de condução mais lenta, com trajecto no cordão anterior da medula, que termina ao nível do núcleo do nervo frénico, responsável pela contracção do diafragma. (Corne e Bshouty, 2005; Krimsky e Leiter, 2005; Duffin, 2004; Lumb, 2000). De notar ainda a existência de um centro pôntico a que chegam as aferências provenientes dos mecanorreceptores torácicos mas cuja importância é, provavelmente, diminuta. Acredita-se que este centro tenha um papel de “refinamento” do ritmo respiratório. (Krimsky e Leiter, 2005; Lumb, 2000). 156 Capítulo 2 -‐‑ A Insuficiência Respirtória na Esclerose Lateral Amiotrófica 2.A.5. O sono e a mecânica ventilatória O sono, assim como o exercício, é particularmente exigente para a função respiratória. Mesmo em indivíduos saudáveis, observa-se um ligeiro aumento da PaCO2 (3-7 mmHg) e uma diminuição da SaO2 (cerca de 2%) durante este período (Perrin et al., 2007). Vários mecanismos parecem estar envolvidos, como o aumento da resistência das VAS, a menor eficácia da contracção diafragmática em decúbito dorsal pela pressão das visceras abdominais sobre o diafragma e a perda do factor adjuvante da gravidade, a hipotonia dos músculos intercostais externos e acessórios da inspiração, a redução das necessidades metabólicas e a redução dos estímuos centrais, a menor sensibilidade central à hipercapnia, à hipoxemia e a estímulos aferentes mecânicos (Perrin et al., 2007; Piper, 2002). Na fase REM do sono ocorre atonia muscular da quase totalidade dos músculos estriados esqueléticos, pela hiperpolarização tónica dos neurónios motores espinhais. Contudo, alguns músculos mantêm a capacidade de contracção (como os músculos extra-oculares), o que caracteriza esta fase. Também as unidades motoras fásicas do diafragma continuam activas, enquanto que as unidades tónicas são inibidas. Desta forma, a respiração na fase REM fica completamente dependente do esforço diafragmático, sem o auxílio dos músculos inspiratórios acessórios (Perrin et al., 2007). Doenças que afectem a força muscular do diafragma podem cursar com hipóxia na fase REM, por parésia e fadiga diafragmáticas. Movimentos paradoxais da caixa torácica ocorrem se houver parésia dos músculos da caixa torácica com preservação diafragmática, deformidades da parede torácica ou orofaciais acompanham-se de aumento da resistência das VAS enquanto que a hipotonia muscular pode condicionar eventos 157 Susana Pinto obstrutivos no caso de envolvimento predominante dos músculos da orofaringe (Perrin et al., 2007; Mezon et al., 1980). O ciclo torna-se vicioso quando a descompensação respiratória resultante condiciona maior fadiga muscular. Finalmente a hipóxia alveolar crónica conduz a hipertensão pulmonar (HT) e a cor pulmonale. Adicionalmente, secreções, cãibras, queixas álgicas, dificuldade na mobilização, ansiedade e depressão associam-se àqueles factores para perturbar o sono. O estudo do sono consiste no registo poligráfico durante o sono, no período nocturno, de vários sinais fisiológicos, daí a designação de polissonografia (PSG). Os sinais registados permitem a avaliação dos estadios do sono, a identificação de alterações ventilatórias durante o sono (apneias/ hipopneias) e documentação de alterações do sono secundária a essas alterações ventilatórias, assim como a avaliação da repercussão cardíaca de eventuais apneias/ hipopneias. A monitorização inclui a realização de electroencefalografia (EEG), electro-oculografia (EOG), electrocardiografia (ECG) e EMG com registo mentoniano, a avaliação do fluxo aéreo (ao nível do nariz e boca) e do esforço ventilatório, o registo da SpO2 por OPN e a avaliação da posição corporal e de movimentos dos membros (com possibilidade de registo por EMG). Utilizam-se ainda câmeras de vídeo de baixa luminosidade ou de infra-vermelhos para registo visual (AARC, 1995). 158 Capítulo 2 -‐‑ A Insuficiência Respirtória na Esclerose Lateral Amiotrófica 2.B. Condicionantes da função respiratória na Esclerose Lateral Amiotrófica – A fraqueza e a fadiga respiratórias Na ELA, a fraqueza muscular é particularmente evidente nos grupos musculares dos membros. Contudo, também os grupos musculares bulbares, axiais e respiratórios podem ser envolvidos. A fraqueza dos músculos respiratórios é responsável pela génese da IR, a principal causa de morte dos doentes com ELA (Braun, 1987). Apesar desta ocorrer geralmente em consequência da evolução da doença, a sua instalação é muitas vezes precoce podendo, inclusivamente, ser a sua forma de apresentação (Braun, 1987; de Carvalho et al, 1996; Chen et al, 1997). A sua presença é um factor decisivo no prognóstico da doença (Fallat et al, 1979; Walling, 1999). Esta falência depende fundamentalmente da desinervação do diafragma, como indicado em estudos electromiográficos (Braun, 1987; de Carvalho et al., 1996; Chen et al., 1997), com consequente incapacidade de gerar pressões negativas inspiratórias adequadas à manutenção da ventilação pulmonar. Pode também haver um envolvimento de músculos inspiratórios acessórios, incluindo os músculos intercostais e paravertebrais (Miller et al., 1999). A fraqueza dos músculos expiratórios traduz-se numa tosse ineficiente, com incapacidade de eliminar secreções e consequente acumulação de expectoração, e aumento da susceptibilidade a infecções respiratórias (Haverkamp et al., 1995). A aspiração de secreções (incluindo saliva) e/ou alimentos, decorrente de alterações do reflexo da tosse e disfagia ou por diminuição da compliance pulmonar, contribuem igualmente para o agravamento clínico (Braun, 1987; Kaplan e Hollander, 1994). A IR pode ser também condicionada pela disfunção do centro respiratório, se não como factor desencadeante, pelo menos como factor resultante do 159 Susana Pinto ciclo vicioso instalado pela hipóxia, hipoventilação e hipercapnia. Após a hiperactividade inicial, provável compensação central da deficiência ventilatória periférica, advém depressão do centro respiratório aquando da instalação de hipercapnia, ocorrendo as primeiras manifestações da mesma no período nocturno com desaturações durante o período REM (Braun, 1987; Kaplan e Hollander, 1994; Pinto et al., 1999). Para além da fraqueza, verifica-se igualmente um aumento da fatigabilidade muscular (Sharma et al., 1995; Sanjak et al., 2001), assunto pouco estudado nas doenças neuromusculares em geral, e na ELA em particular. A fadiga muscular esquelética é definida como a diminuição da capacidade das fibras musculares esqueléticas em gerar força e/ ou velocidade mantidas, reversível pelo repouso (Haverkamp et al., 1990). A noção de que a fadiga muscular pode ter uma origem central ou periférica já existia nos finais do séc.XIX ocorrendo, respectivamente, por falência central ou periférica (Edwards et al, 1995). Pode ocorrer a vários níveis: impulsos excitatórios para e no cortex motor, comando motor excitatório, condução neuronal e influências sinápticas, transmissão neuromuscular, excitabilidade excitação-contracção, sarcoplasmática, mecanismos contrácteis acoplamento e suprimento energético metabólico (Bigland-Ritchie, 1981). Operacionalmente, para além da fadiga central, consideram-se dois tipos de fadiga periférica – a verificada para altas frequências (50-100Hz), por limitação da transmissão neuromuscular (Aldrich 1987; Aldrich 1988), e a para baixas frequências (1-20Hz), por limitação da excitação–contracção muscular (Bazzy e Donelly, 1993). Na ELA, é importante a consideração quer da fadiga central quer da periférica (Thomas e Zijdewind, 2006). A presença de alterações dos padrões de activação motora nas áreas motoras corticais (Konrad et al., 2002), do comando voluntário (Sharma et al, 1995, Kent-Braun et al, 160 Capítulo 2 -‐‑ A Insuficiência Respirtória na Esclerose Lateral Amiotrófica 1998; Kent-Braun e Miller, 2000; Nardone et al, 2005) e da velocidade de condução centrais (Attarian et al., 2005; Kaufmann et al., 2004; Komissarow et al, 2004; Mills e Nithi, 1998; Sanjak et al., 2004) são factores potenciadores de uma eventual fadiga central nesta doença, em especial aquando da realização de contracções repetidas ou mantidas. A nível periférico, a desinervação muscular parcial presente e a reinervação colateral (Buchthal et al, 1950; Buchthal et al, 1953; Sobue et al, 1983; Terao et al, 1994; Sharma et al, 1996) são factores predisponentes da fadiga. Na verdade, grandes UM remanescentes são incapazes de gerar força proporcional ao seu tamanho (Dengler et al, 1990). Como factor favorável à maior resistência à fadiga observa-se marcada perda de fibras musculares tipo II (não somente pela sua desinervação, como pela reinervação proveniente dos pequenos neurónios motores que inervam fibras de tipo I), do que resulta predomínio das fibras de tipo I, aeróbias e resistentes à fadiga (Sanjak et al, 2004). Uma hipótese recente para a maior fadiga face à esperada é a inexistência de recrutamento selectivo das fibras musculares, segundo o princípio de Henneman, sendo as fibras musculares tipo II remanescentes recrutadas desde o início, conjuntamente com as de tipo I (Sanjak et al, 2004; Schmied et al, 1999). Por outro lado, a alteração na condução eléctrica pela membrana sarcoplasmática e pelas tríades T poderá ser favorável à resistência à fadiga (Buchthal et al, 1953), com alteração ao nível da excitação-contracção musculares (Thomas et al, 2006, Sharma et al. 1996) e da regulação do cálcio (Lenman et al, AJR 1989). A fraqueza e a fadiga musculares respiratórias contribuem para a hipoventilação, dispneia e maior susceptibilidade a infecções respiratórias, para o descondicionamento muscular e a atrofia de desuso. Estas alterações não se limitam aos músculos respiratórios mas atingem os restantes grupos musculares, cuja fadiga e 161 Susana Pinto fraqueza são agravadas pelas primeiras (por menor aporte de oxigénio e menor tolerância ao esforço). Consequentemente, ocorre diminuição da funcionalidade e da qualidade de vida dos doentes com ELA. 162 Capítulo 2 -‐‑ A Insuficiência Respirtória na Esclerose Lateral Amiotrófica 2.C. Avaliação laboratorial da função respiratória na Esclerose Lateral Amiotrófica No intuito de melhor compreender a dinâmica ventilatória na ELA, foram realizados vários estudos descritos nos Capítulos 3 e 4. Nestes trabalhos, foi avaliado o envolvimento de músculos respiratórios em doentes com ELA, através da realização dos testes respiratórios convencionais e de técnicas neurofisiológicas especifícas. De forma a simplificar a descrição dos trabalhos efectuados, decidiu-se detalhar, no presente capítulo, a metodologia empregue para a avaliação da função respiratória na população de doentes com ELA estudada, fazendo-se igualmente referência aos conhecimentos científicos que suportam a sua realização. As Provas de Função Respiratória (PFR) são o exame complementar de diagnóstico mais frequentemente requisitado para avaliação da função respiratória, existindo critérios padronizados para a sua realização. Consistem na realização espirométrica e pletismográfica no intuito de determinar volumes e débitos respiratórios, bem como das pressões respiratórias. Outras provas podem ser realizadas, como as provas de provocação (broncoconstrição, pela utilização de agentes irritantes), ou as de broncodilatação (geralmente pela inalação de salbutamol), bem como de estudos da difusão (pelo recurso a gases inertes). Dos vários parâmetros determinados, destacam-se na avaliação respiratória de doentes com patologia neuromuscular a Capacidade Vital (CV) e a Capacidade Vital Forçada (CVF), a Pressão Inspiratória Máxima (MIP) a Pressão Expiratória Máxima (MEP), a pressão de encerramento labial aos primeiros 100 ms (P0.1) e a Ventilação Voluntária Máxima (VVM). Para além das PFR, outros exames são importantes nos doentes com ELA, nomeadamente a pressão inspiratória nasal máxima durante um sniff (SNIP), a 163 Susana Pinto gasometria arterial, a OPN e a PSG, assim como os estudos neurofisiológicos dos músculos respiratórios. 2.C.1. Capacidade vital e Capacidade vital forçada A CV é o parâmetro funcional respiratório mais antigo, definido por Hutchinson em 1986 (Lumb, 2000) como o volume de ar que pode ser mobilizado entre uma inspiração e uma expiração máximas. Pode ser também calculado parcelarmente, quando existe dificuldade na colaboração do indivíduo, já que é igual ao somatório do Volume Corrente (VC), do Volume de Reserva Inspiratória (VRI) e Volume de Reserva Expiratória (VRE). Representa cerca de 65-75% da Capacidade Pulmonar Total (CPT), sendo o seu valor normal quando superior a 75-80% do valor predito (valor calculado de acordo com a idade, o sexo e a altura, segundo a Comissão Europeia do Carvão e do Aço- CECA, Quanjer et al. 1993) e correspondendo a cerca de 4800 ml. É usado como índice da capacidade de distensão pulmonar, estando dependente da colaboração do indivíduo e variando com a idade e o sexo, a altura, o peso e a posição corporal (menor em decúbito). Valores normais não excluem a presença de patologia mas se diminuído é patológico (desde que com boa colaboração do doente). A CV e a CVF são os parâmetros mais frequentemente avaliados em doentes com fraqueza da musculatura respiratória (Gibson et al, 2002). Ambas avaliam o volume de ar expirado durante uma expiração realizada a partir do volume residual (VR), diferindo quanto à velocidade atingida pelo fluxo de ar expirado (a CV é realizada de forma lenta, enquanto que a CVF é realizada de forma forçada). Quer a CV quer a CVF são técnicas acessíveis, fáceis de realizar e com elevada reprodutibilidade (Gibson et al, 2002). Nos doentes 164 Capítulo 2 -‐‑ A Insuficiência Respirtória na Esclerose Lateral Amiotrófica com fraqueza muscular respiratória são limitadas não somente pela fraqueza dos músculos inspiratórios (que impede a insuflação máxima) e expiratórios (que limita a expiração máxima), mas também pela redução das compliances pulmonar (Gibson et al, 1977) e da caixa torácica (Estenne et al, 1983). Comparativamente com a determinação das pressões respiratórias máximas, a CV e a CVF são menos sensíveis nas fases iniciais da ELA. No entanto, durante a progressão da doença, dada a relação curvilínea com a MIP, ocorrem variações mais acentuadas na CV e CVF para pequenas variações da MIP (de Troyer et al, 1980). Ambos os parâmetros são sensíveis na avaliação da progressão da fraqueza respiratória moderada a grave em doentes com fraqueza muscular progressiva (Gibson et al, 2002), sendo a taxa do seu declínio preditiva da sobrevivência em doentes com distrofia muscular de Duchenne (Phillips et al, 1997). Na ELA, a CVF é considerada como o teste que melhor se relaciona com os sintomas respiratórios. Valores preditos de CVF mais elevados foram associados a sobrevidas mais longas, sendo um factor preditor independente de sobrevida (Bensimon et al 1994; Cudkowicz et al, 2003; Lacomblez et al, 1996b; Moore et al, 2003; Stambler et al, 1998; Traynor et al, 2004). Num estudo observacional de uma grande série de doentes (1034 doentes com ELA), a sobrevida média dos doentes com valores à entrada de CVF<75% foi inferior à dos com CVF>75%, independentemente do tratamento médico, apoiando a hipótese que um valor isolado à entrada de CVF é preditivo de sobrevida (Czalinspzy et al. 2006). Outros estudos confirmam que o valor da redução da CVF por unidade de tempo é um factor preditor de sobrevida (Fallat et al, 1970; Chiò et al, 2002; Magnus et al, 2002). De referir ainda que a redução superior a 25% da CV predita quando determinada em posição de decúbito relativamente à posição de sentado indica fraqueza diafragmática (Lechtzin, 2002). 165 Susana Pinto 2.C.2. Pressões inspiratória e expiratória máximas A avaliação da força muscular diafragmática era tradicionalmente realizada de forma invasiva, envolvendo a determinação da pressão transdiafragmática (Pdi) (Miller et al, 1985), sendo a pressão esofágica (Pes) uma medida da força inspiratória global correlacionada com a Pdi (Laroche et al, 1988). Contudo, estas medidas são invasivas, morosas e apenas realizadas em alguns centros, sendo pouco adequadas para o seguimento dos doentes. Desta forma, e a par da CVF, a avaliação da força muscular respiratória é geralmente feita pela medição da MIP e da MEP, determinadas ao nível da boca, contra uma oclusão quase completa (Black e Hyatt, 1969). Realiza-se, respectivamente, esforço inspiratório máximo (manobra de Mueller) próximo do volume residual (VR) e esforço expiratório máximo (manobra de Valsalva) próximo da CPT (Green et al, 2002). Nos doentes com patologia neuromuscular, a fraqueza dos músculos respiratórios é a principal condicionante da restrição respiratória existente, podendo ser proeminente mesmo quando os volumes pulmonares ainda são praticamente normais (Black e Hyatt, 1971). O declínio progressivo da MIP permite a avaliação da fraqueza e fadiga respiratórias (Supinski et al, 2002), tendo sido referenciado pela primeira vez por Cohen et al. (Gross et al, 1979), em doentes com IR e naqueles em que o desmame ventilatório não era conseguido. Também já foi documentado pelo recurso à aplicação de cargas externas à respiração (Aldrich, 1988), durante a hiperpneia voluntária máxima (Bai et al, 1984), durante a maratona (Loke et al, 1982) e o parto (Nava et al, 1992). Contudo, a interpretação dos valores de MIP e de MEP é difícil, não quando normais mas quando inferiores a 60% do valor predito (Hautmann et al, 2000), especialmente a valorização da sua diminuição progressiva no percurso natural 166 Capítulo 2 -‐‑ A Insuficiência Respirtória na Esclerose Lateral Amiotrófica destas patologias (Polkey et al, 1995). Podem resultar de um recrutamento muscular incompleto (ultrapassável pelas técnicas de interpolação “twich”) e de fugas de ar em torno do bucal se houver fraqueza da musculatura orofacial, para além de estarem dependentes da motivação, cooperação e coordenação dos doentes (Polkey et al, 1995; Syabbalo, 1998). 2.C.3. A pressão inspiratória máxima nasal durante um sniff (SNIP) Em 1994, Héritier et al. (1994) descreveram uma técnica não-invasiva para a determinação da força muscular inspiratória, em que a pressão nasal é medida numa narina ocluída durante uma inspiração máxima pela narina contralateral, a partir da capacidade residual funcional (CRF). Em indivíduos saudáveis esta técnica, denominada de SNIP, é de fácil realização, com valores geralmente mais elevados do que os obtidos para a MIP (Uldry et al. 1995), mas de reprodutibilidade sobreponível (Maillard et al. 1999) (com coeficiente de variação de 6%). É sensível na confirmação de fraqueza muscular inspiratória em patologias várias (Huges et al. 1998), incluindo para as doenças neuromusculares (Stefanutti et al. 2000). Nestas, é sempre possível de realizar, tendo valores absolutos superiores aos obtidos para a MIP, apesar de não apresentar diferenças significativas. Contudo, as duas técnicas, apesar da correlação existente, são complementares e não intersubstituíveis (Stefanutti et al., 2000). Durante a SNIP, o esforço gerado é balístico enquanto que na MIP é mantido e, por outro lado, o padrão de recrutamento muscular diafragmático é superior no caso da SNIP (Nava et al., 1993; Pinto et al., 2009a), resultando em Pdi superiores. Para alguns autores, a sensibilidade da SNIP é 167 Susana Pinto superior à da MIP na avaliação da progressão da fraqueza muscular inspiratória na ELA, e de realização mais fácil (Fitting et al., 1999). Quando há envolvimento bulbar, a correlação entre os valores da SNIP e da CV é menor, atribuído a dificuldades no encerramento da cavidade oral, ao colapso das vias aéreas superiores e a dispraxia das musculaturas das vias aéreas superiores e inferiores, que condicionam anteriormente. também Quando os valores não houver da MIP, como envolvimento referido bulbar, a correlação é elevada, podendo haver, no entanto, alterações da SNIP para valores de CV normais (Chaudry et al., 2000). Enquanto que na descrição inicial (Héritier et al., 1994) se preconiza a realização de 10 determinações, 5 em cada narina, cada uma intervalada da anterior em 30s, um estudo recente aconselha a realização de 10 determinações adicionais quando os valores obtidos estiverem diminuídos ou se se pretender o seguimento da fraqueza da musculatura inspiratória, considerando-se sempre o valor mais elevado (Lofaso et al., 2006). Apesar de ter valor na determinação da fraqueza muscular, ainda não foi estabelecida a sua utilidade na avaliação da fadiga (Supinski et al., 2002). A SNIP mostrou ser um parâmetro sensível como preditor de sobrevida em doentes com ELA (Morgan et al., 2005), embora na nossa experiência tenha uma menor variação em estudos longitudinais na ELA, quando comparado com outros testes da função respiratória como a CVF ou a amplitude de resposta do nervo frénico (Pinto et al., 2009b). 2.C.4. Ventilação voluntária máxima (VVM) A ventilação voluntária máxima (VVM) avalia o volume de ar mobilizado durante inspirações e expirações máximas, realizadas 168 Capítulo 2 -‐‑ A Insuficiência Respirtória na Esclerose Lateral Amiotrófica durante 12 segundos, com correcção posterior para um minuto. Tecnicamente, é pedido ao doente que respire o mais rápido e profundamente possível durante o período referido, sem carga extrínseca. É o teste mais fácil para avaliação da resistência dos músculos respiratórios, dependendo do funcionamento do centro respiratório voluntário, da resistência das vias aéreas e da força dos músculos respiratórios (Lavietes et al. 1979; Aldrich et al. 1982). É um bom indicador da fadiga muscular respiratória mas pode dar resultados erróneos em doentes com ELA com envolvimento bulbar, podendo também desencadear o reflexo da tosse. Sendo considerado um melhor indicador da fraqueza muscular do que a CVF na fase inicial da ELA, é um método que exige bastante esforço por parte do doente e considerado como não sendo um bom indicador na fase tardia desta doença. 2.C.5. Pressão de oclusão bucal Definido como a pressão labial gerada 100 ms após um esforço inspiratório realizado contra a oclusão das vias aéreas, P0.1 reflecte o funcionamento do centro respiratório (Whitelaw et al., 1975). Na ELA e em outras doenças neuromusculares com fraqueza muscular respiratória progressiva, é frequente assistirmos a um aumento compensatório do funcionamento central. Contudo, este pode deixar de ser eficaz nas fases tardias, dada a exaustão do centro respiratório, com consequente agravamento clínico (Johnson et al., 1994). Para este parâmetro é considerado como normativo o limite inferior de 80% do predito (Fallat et al., 1979; Gardner et al., 1989). 169 Susana Pinto Para os vários trabalhos apresentados nesta fase, CVF, MIP, MEP e P0.1 foram realizados pelo mesma clínica respiratória, independente e cega em relação aos estudos. A espirometria e a pletismografia foram realizadas pela utilização de três equipamentos da Jager (dois Jager Masterlab e um Jager Masterscreen, Erich Jager, GmbH, Wurzburg, Germany, software 4.30 para Windows 98), de acordo com as recomendações da Sociedade Torácica Americana (ATS) (ATS, 1995). Os valores preditivos dos parâmetros funcionais pulmonares convencionais foram calculados pela normalização aos valores de referência propostos pela CECA (Quanjer et al., 1993). Todos os doentes foram avaliados na posição de sentado. O melhor de três manobras expiratórias satisfactórias realizadas após um esforço inspiratório máximo foi utilizado como o valor do CVF. MIP e MEP foram igualmente calculados. Os valores máximos obtidos foram comparados com os valores preditivos de um grupo controlo comparável quanto a idade, sexo, altura e peso. A VVM foi determinada no nosso laboratório pela utilização de um espirómetro (Micro-Quark, Cosmed), quer nas posições de sentado (VVMsit) quer deitado (VVMlay). Para cada variável, o valor percentual resultante foi utilizado para análise. A SNIP foi determinada com os doentes sentados (SNIPsit) e em decúbito dorsal (SNIPlay), pela medição da pressão inspiratória máxima registada numa narina ocluída através da colocação do sensor de registo durante a realização de sniffs pela narina contralateral. Utilizou-se um aparelho específico da MicroMedical (MicroMedical, Viasys). Foram considerados os valores máximos de cinco manobras consistentes realizadas em cada narina. Como não se verificou variação nos registos obtidos nas duas narinas, foi considerado o valor médio de ambas [(direito + esquerdo)/2]. 170 Capítulo 2 -‐‑ A Insuficiência Respirtória na Esclerose Lateral Amiotrófica 2.C.6. Gasometria arterial Na ELA, como em outras patologias neuromusculares, ocorre frequentemente hipoxémia, não por alterações da difusão, mas por fraqueza dos músculos inspiratórios. Devido à impossibilidade de realização de inspirações profundas e à menor eficácia da tosse, ocorrem microatelectasias, que, por sua vez, aumentam o risco de hipoxémia. A oxigenação sanguínea é avaliada pela interpretação dos valores de PaO2 e pela saturação de hemoglobina em oxigénio (SaO2). A avaliação do equilíbrio ácido-base é possível pela determinação dos valores de pH, da PaCO2 e do ião bicarbonato (HCO3-). No envolvimento respiratório de patologias do foro neuromuscular é frequente a ocorrência de acidose respiratória. A gasometria arterial foi efectuada em cada doente na mesma clínica respiratória independente onde foram realizadas as provas de função respiratória, antes da realização da espirometria e pletismografia. A colheira foi realizada com os doentes sentados e respirando o ar ambiente durante, pelo menos, 30 min. A PaO2, a PaCO2 e o pH foram determinadas pelo recurso a um analizador automático (ABL 500, Radiometer, Copenhagen, Denmark). 2.C.7. Estudo do sono As alterações respiratórias do sono são comuns na ELA e estudos do sono têm sido realizados há várias décadas (Serpick et al. 1968; Minz et al. 1979; Thorpy et al. 1982; Carre et al, 1988), sendo a PSG uma indicação formal nesta doença segundo a AARC, 1995. Estas alterações podem ocorrer mesmo em fases precoces 171 Susana Pinto da evolução da doença (Pinto et al, 1999; Kimura et al, 1999) e precedem, com frequência, a evidência clínica de disfunção muscular respiratória. De facto, a fraqueza muscular ligeira em presença da diminuição normal da actividade do centro respiratório durante o sono pode ser responsável por hipoventilação nocturna (Labanowski et al, 1996). Em doentes com função diafragmática preservada (sem alterações nas PFR e com estudos de condução motora do nervo frénico e EMG agulha do diafragma normal, mas com alterações na OPN) desaturações ligeiras podem ser observadas quer na fase REM quer na não-REM espelhando, deste modo, a disfunção do centro respiratório ou a fadiga dos músculos respiratórios (Atalaia et al, 2007). fraqueza diafragmática grave, a Contudo, em doentes com presença de períodos de hipoventilação são acentuados e com maior compromisso na fase REM (Fergunson et al, 1996; Arnulf et al, 2000). Os micro- despertares frequentes e a diminuição ou ausência da fase REM podem ser mecanismos protectores de um agravamento da hipoxémia nestes doentes (Arnulf et al, 2000). Apesar da maior incidência de apneias obstructivas nas faixas etárias que mais frequentemente predominam nos doentes com ELA, estas não são mais frequentes nos mesmos que na população em geral (Partinen e Hublin, 2000). Não parece haver um risco significativo de apneias-hipopneias obstrutivas quer em doentes com importante compromisso bulbar, quer em estadios muito avançados da doença (Fergunson et al., 1996; David et al., 1997; Arnuf et al., 2000; Kimura et al., 1999; Lyall et al., 2001; Gay et al., 1991; Minz et al., 1979). Os padrões respiratórios anormais do sono frequentes na ELA são a hipoventilação não-obstructiva relacionada com fraqueza diafragmática (Thorpy et al., 1982; Carre et al., 1988) e, menos frequentemente, hipopneias e apneias nocturnas centrais ou mistas 172 (Howard, 1989; Arnuf et al., 2000; Capítulo 2 -‐‑ A Insuficiência Respirtória na Esclerose Lateral Amiotrófica David et al., 1997; Gay et al., 1991). Estas são predominantes no sono REM e melhoram com a VNI (Fergunson et al., 1996). As alterações respiratórias do sono podem ser também devidas a pertubações psíquicas, secreções brônquicas excessivas, engasgamento com saliva e dor (Barthlen e Lange, 2000). A sobrevida dos doentes com ELA com alterações respiratórias do sono parece ser menor, apesar de ser incerta a relevância clínica de desaturações nocturnas ligeiras sem sintomas respiratórios significativos (Atalaia et al., 2007). Nos nossos estudos, a PSG incluiu o registo durante 8h de EEG de oito canais, EMG com registo mentoniano, EOG, ECG, termistor para registo do fluxo nasal-bucal, bandas para registo do esforço respiratório torácico e abdominal, OPN, EMG com registo no músculo tibial anterior e registo de vídeo. Os estadios do sono foram marcados manualmente. A PSG foi realizada nos dias seguintes após a OPN, em particular em doentes com dessaturações periódicas e testes respiratórios normais. Pelo menos três dias antes da PSG os doentes interromperam toda a medicação com acção ao nível do SNC (como medicamentos com acção anti-espástica). 2.C.8. Oximetria de pulso nocturna (OPN) A OPN é um exame não-invasivo que estima os níveis de saturação da oxihemoglobina geralmente ao nível do leito ungueal ou do lobo da orelha (SpO2), durante o período nocturno. Os oxímetros de pulso combinam o princípio da espectrofotometria (como usada nos hemoxímetros) com a fotopletismografia, que usa a luz para detectar pequenas variações de volume que ocorrem nos 173 Susana Pinto tecidos vivos durante a passagem de corrente sanguínea pulsátil. Assenta no princípio de que cada substância tem um padrão único de absorção da luz, que varia de acordo com a sua concentração (Lei de Lambert-Beer). Através da emissão alternada de duas radiações com diferentes comprimentos de onda (vermelha- 660nm e infra-vermelha- 940nm) a partir de um fotodiodo, é medida a transmissão da luz através dos tecidos vivos interpostos no sensor, sendo a intensidade da luz transmitida captada por um fotodetector. O sinal final é filtrado e amplificado electronicamente e, através de um microprocessador, é processado e representado gráfica e numericamente (Scanlan et al. 2003). Para além do registo gráfico das curvas de saturação média da oxihemoglobina (SpO2mean) e da frequência cardíaca (FC), cujos valores são igualmente fornecidos, apresentam valores mínimos de SpO2 (SpO2min), as percentagens de tempo em que os registos de SpO2 foram inferiores a 90% (SpO2<90%) ou inferiores a 4% da SpO2mean por hora (%dips/h>4%). A sensibilidade dos valores de SpO2mean determinados por oximetria é elevada, sendo que os valores registados apresentam uma variação de ± 3-5% em relação aos valores reais, com aumento da variação à medida que se assiste a uma diminuição da SpO2mean e considerando-se não sensível para valores de SpO2mean inferiores a 70%. A OPN é frequentemente utilizada para monitorização contínua nocturna, durante o sono, dos valores de SpO2mean, com objectivo diagnóstico ou para monitorização de terapêutica instituída (como a VNI). A possibilidade de registo da FC e a integração do padrão da sua flutuação com o padrão de flutuação da SpO2mean permitem ainda a avaliação do bom funcionamento do sistema nervoso autónomo, nomeadamente na resposta adaptativa do aumento da FC aquando das quedas na SpO2mean (McMorrow et al. 2006). 174 Capítulo 2 -‐‑ A Insuficiência Respirtória na Esclerose Lateral Amiotrófica Nos doentes com ELA, foi demonstrado que a OPN é sensível e preditora de sobrevida, sendo que os doentes com SpO2mean≥ 93% apresentaram sobrevida média de 18.5 ± 1.5 meses, sendo esta de apenas 7.5±1.6 meses para valores inferiores (Velasco et al., 2002). A OPN é uma técnica simples, não-invasiva e não dispendiosa que contribui para a avaliação da função respiratória dos doentes com ELA durante um período de stress respiratório como o é o sono, sendo um bom método para a identificação da necessidade de adaptação de VNI nestes doentes (Pinto et al., 2003). Permite igualmente identificar um conjunto de doentes com desaturações periódicas nocturnas (definidas pela presença de quedas superiores a 4% na saturação média da oxihemoglobina, durante mais de 10 minutos e repetindo-se por mais de uma vez), apesar de apresentarem testes respiratórios normais e estudos neurofisiológicos dos músculos respiratórios revelando integridade dos mesmos (Atalaia et al., 2007; de Carvalho et al., 2009b). Um subgrupo de doentes com sinais marcados de envolvimento do UMN apresentava igualmente valores baixos da razão P0.1/CVF, com pior prognóstico, provavelmente por disfunção respiratória central (de Carvalho et al., 2009b). A OPN foi realizada de forma contínua durante o sono em cada doente, através da utilização de um oxímetro de pulso com dedeira de infra-vermelhos (Pulsox-3iA e SR-5C, Konica Minolta Sensing, Osaka, Japan). Os registos digitais da SpO2mean e da FC foram visualizados num monitor através de uma interface, um cabo e software adequado para Windows XP (IF-3, I/F e DS-3, Konica Minolta Sensing, Osaka, Japan, respectivamente). Foram considerados para análise registos com duração mínima de 6h. 175 Susana Pinto 2.C.9. Estudos neurofisiológicos específicos da função respiratória na Esclerose Lateral Amiotrófica Como referido no Capítulo 1, a principal causa de morte nos doentes com ELA é a IR, resultante da fraqueza dos músculos respiratórios, em especial do diafragma. Desta forma, o estudo neurofisiológico do nervo frénico é particularmente relevante. A perda de neurónios motores no núcleo do nervo frénico condiciona fraqueza diafragmática, com ventilação deficiente e consequente IR, com necessidade de apoio ventilatório. Contudo, a sua abordagem é francamente limitada pela diminuta extensão em que este nervo é superficial, o que ocorre ao nível do triângulo cervical posterior, lateralmente ao SCM. A avaliação dos músculos inspiratórios acessórios é igualmente importante pois estes, em caso de falência diafragmática, poderão, teoricamente, manter a dinâmica respiratória. Também os músculos expiratórios são envolvidos nesta doença e passíveis de estudo neurofisiológico. 9.a) Estudos de condução nervosa do nervo frénico e do nervo espinhal A avaliação das respostas motoras por estimulação eléctrica, a nível cervical, do nervo frénico foi descrita inicialmente por Newsom-Davis e Delhez (Newsom-Davis, 1967; Delhez, 1965). Outras técnicas têm sido descritas desde então, nomeadamente a estimulação magnética cervical (Similowski et al., 1989) e a estimulação magnética cervical posterior (Mills, 1996), assim como a TMS da área motora de representação cortical (Lissens, 1994; Zifko et al, 1996a; Similowski et al., 1997) e os potenciais evocados somatosensitivos (Zifko et al., 1996b). 176 Capítulo 2 -‐‑ A Insuficiência Respirtória na Esclerose Lateral Amiotrófica A estimulação eléctrica percutânea pode ser realizada atrás do bordo posterior do SCM ao nível da cartilagem tiroideia (Newsom-Davis, 1967; Verin et al., 2002), da cartilagem cricoideia (Markand et al., 1984; McKenzie et al., 1985; Sarnoff et al., 1951) ou imediatamente acima da clavícula (Chen et al., 1995; Swenson et al., 1992; Bolton, 1993; Resman-Gaspersc et al., 2008; MaréolotPanzini et al., 2009). É uma técnica não invasiva, simples e cujo artefacto da co-estimulação do plexo braquial se consegue obviar pelo reposicionamento do eléctrodo (Bolton, 1993). A estimulação cervical poderá ser realizada igualmente pela utilização de agulha monopolar (MacLean et al., 1981). Também várias montagens para registo da resposta motora têm sido descritas (Newsom-Davis, 1967; Markand et al. 1984; Verin et al. 2002, Chen et al. 1995; Swenson e Rubenstein, 1992; Luo et al. 2002), incluindo a utilização de eléctrodos de superfície posicionados a nível da parede torácica (MacLean et al., 1981). Contudo, a montagem com eléctrodos de superfície mais frequentemente utilizada consiste na colocação do eléctrodo activo (G1) 5cm acima do vértice do apêndice xifoideu e o eléctrodo de referência na margem costal ipsilateral, a 16cm de G1 (Bolton, 1993). De forma mais invasiva, poderá ser utilizada agulha concêntrica posicionada ao nível das fibras diafragmáticas costais (Delhez, 1965), cateter esofágico que permite o registo simultâneo da Pdi e da actividade eléctrica do diafragma (McKenzie e Gandevia, 1985) ou colocado a nível do hiato esofágico diafragmático (Delhez, 1965; Luo et al. 1998; Luo et al. 1999). A intensidade (I) e a duração (Dur) do estímulo eléctrico necessárias para obter a resposta motora variam igualmente, havendo referência a I de 55.86 ± 14.33 mA (27.2-84) em indivíduos saudáveis (Resman-Gaspersc et al. 2008). Valores idênticos foram observados por Chen e colaboradores (1985) com a estimulação 177 Susana Pinto supra-clavicular, embora possam ser necessários estímulos com maior I em indivíduos obesos (Markand et al., 1984). A Ampl e a Dur das respostas motoras variam de acordo com a fase do ciclo respiratório sendo a Ampl maior e a Dur menor na inspiração que na expiração (Chen et al. 1995; Resman-Gaspersc et al. 2008). Este facto parece ser devido à alteração do ângulo entre o diafragma e os eléctrodos (Chen et al. 1995), assim como ao encurtamento e espessamento diafragmáticas durante a das inspiração, fibras musculares associando-se a uma diminuição do tempo de condução (Resman-Gaspersc et al. 2008). Os valores normativos para os CMAP diafragmáticos com a montagem proposta por Bolton et al. (1993) e Chen et al. (1995) são de Lat: 5.5–8.1 ms, Ampl: >0.3 mV (do pico à linha de base), Area: >4.0 µV.ms (Chen et al. 1995), parecendo ser, segundo Dionne et al. (2009) a melhor montagem, com excelente reproductibilidade entre-lados e tecnicamente fácil de realizar. A Lat motora depende igualmente da altura dos indivíduos estudados (McKenzie e Gandevia, 1985; Mier et al. 1987), da idade, do sexo e da circunferência torácica (Mier et al. 1987; Chen et al. 1995), da insuflação pulmonar (McKenzie and Gandevia, 1986), da natureza do estímulo (Similowski et al. 1997) e dos locais de estimulação e de registo (McKenzie e Gandevia, 1985). Para a Lat existe pequena variação quer inter-individual quer entre-lados (Mier et al., 1987; Chen et al., 1995), variação esta igualmente pequena para a Ampl (Chen et al., 1995). Apesar da Ampl se correlacionar fortemente com a pressão transdiafragmática (Luo et al., 1999), existe elevada variação inter-individual pela variável quantidade de tecido pulmonar entre o eléctrodo de registo e o diafragma (Newson- Davis, 1967). A reduzida extensão em que o nervo frénico é acessível à estimulação causa dificuldade técnica em calcular a CVel deste nervo (Aldrich et al. 2002), que depende apenas das 178 Capítulo 2 -‐‑ A Insuficiência Respirtória na Esclerose Lateral Amiotrófica propriedades do nervo frénico. Recentemente, Moréolot-Panzini e colaboradores (2009) propõem o cálculo das CVel no segmento cervical do nervo frénico, pela estimulação cervical imediatamente acima da clavícula e 5 cm acima desta, com valores comparáveis ao nervo cubital, de cerca de 55-56 m/s. Contudo, admitem impossibilidade de aplicar esta técnica em sujeitos com pescoço curto, de maior diâmetro ou de pequena estatura. Na ELA, alguns estudos demonstraram que alterações dos estudos de condução do nervo frénico ocorrem frequentemente em doentes com alterações respiratórias, nomeadamente das PFR (estudo em 5 doentes com ELA; Markand et al., 1984) ou da SpO2mean nocturna (estudo em 21 doentes com ELA; Gay et al., 1991). No primeiro, observou-se diminuição da Ampl mas com valores normais de Lat (similar ao descrito por Chen e colaboradores (1997) em 7 doentes com IR aguda), enquanto que no segundo considerou-se como anormal valores de Lat> 10ms e Ampl< 0.3mV. Na nossa Unidade, um estudo prospectivo incluindo 31 doentes com ELA demonstrou que alterações dos estudos de condução nervosa do nervo frénico ocorreram em 5 dos 13 doentes que apresentavam IR e apenas em 2 dos 18 sem sintomas respiratórios (Evangelista et al., 1995). Houve uma boa correlação entre as PFR e a semiologia clínica e os valores aumentados de Lat foram considerados como associados à desmielinização secundária à perda axonal grave e à perda de fibras de grande calibre. Respostas anormais são igualmente induzidas por estimulação magnética cervical ou transcraniana em doentes com envolvimento respiratório (Similowski, 2001). O diafragma, como qualquer outro músculo estriado esquelético, pode ser avaliado através do registo da sua actividade eléctrica. Em repouso, e excluindo a actividade de placa, deverá existir silêncio eléctrico. A contracção voluntária desse músculo 179 Susana Pinto recruta progressivamente UMs até à sua actividade máxima, em que o traçado em contração máxima deverá ser interferencial. Contudo, a análise dos PUMs diafragmáticos é difícil por não ser possível a sua contracção voluntária parcial mantida. A utilização de eléctrodos de superfície, especialmente para estudo do diafragma, que é um músculo de pequena espessura (34mm), profundo, e cuja localização varia com o ciclo respiratório, tem marcadas limitações, sobretudo pelo ruído eléctrico da contracção de músculos vizinhos (Chen et al., 1996; Bellemare e Grassino, 1982). Desta forma, utiliza-se preferencialmente eléctrodo de agulha, concêntrico ou monopolar (Bolton, 1992; Chen et al., 1996; McKeown e Bolton, 1998; Stewart et al., 2001), o que reduz a interferência eléctrica de músculos próximos (Lansing e Savelle, 1989), mas não a elimina (Hodge e Gandevia, 2000). Deste modo, foi proposto a utilização de filtros de banda passa alta (100-500 Hz) (McKeown e Bolton, 1998; Stewart et al. 2001). Três abordagens foram descritas para o registo do EMG diafragmático, em que a agulha pode ser inserida a nível substernal (Goodgold, 1984), subcostal (Saadeh et al. 1993; Silverman and Rodriguez, 1994) ou intercostal, entre as linhas médio-clavicular e axilar anterior (Koepcke et al., 1958; Bolton, 1992). As duas primeiras são mais difíceis de realizar tecnicamente, sendo a parede abdominal anterior e o tecido celular subcutâneo mais espessos (Stewart et al., 2001) e com risco de lesão de orgãos e tecidos, nomeadamente do pericardio e das artérias mamárias internas ou abdominais (Silverman e Rodriguez, 1994). A abordagem intercostal é preferível pelo menor risco envolvido, havendo raros registos de pneumotórax (2 em 1000 segundo Bolton, 1992). Permite ainda o estudo dos músculos oblíquo externo e intercostais externos e internos à medida que se direcciona a agulha para alcançar o diafragma. Coagulopatias, DPOC grave, 180 Capítulo 2 -‐‑ A Insuficiência Respirtória na Esclerose Lateral Amiotrófica tosse frequente e soluços, distensão abdominal grave e incapacidade de assumir o decúbito são contra-indicações relativas (Bolton, 1992). A actividade eléctrica do diafragma é facilmente reconhecível pelo registo eléctrico de PUMs que ocorrem a cada inspiração e com recrutamento máximo durante uma inspiração profunda. Difere, assim, da actividade dos músculos intercostais internos e oblíquo externo, que são recrutados durante a expiração voluntária e, especialmente, durante a tosse. Nestes, as UMs são maiores e menos numerosas (Bolton, 1992). Em situações patológicas, e como ocorre com qualquer outro músculo estriado esquelético, pode ser detectada actividade espontânea anormal (fibs-sw, Pfasc) assim como alterações nos PUMs registados, neste caso durante a inspiração (Bolton, 1992). Um padrão pobre durante a inspiração máxima, com PUMs polifásicos, instáveis e de grande Ampl, sugere importante perda de UMs. Na ELA, poucos estudos, com escassos doentes, avaliaram o EMG do diafragma. No primeiro, com apenas um doente com ELA e IR, observaram-se alterações neurogénias graves (Carre et al., 1988), o que foi confirmado em 3 doentes dos 4 observados por de Carvalho e colaboradores (1996) e em 5 de 6 doentes descritos por Chen e colaboradores (1997). Assim, a IR na ELA está associada a severo compromisso diafragmático (Carvalho et al., 1996a). Outros estudos confirmam que doentes de ELA com alterações no EMG do diafragma têm alterações funcionais respiratórias, tendo sido reportado ser o EMG mais sensível na detecção de alterações respiratórias e, consequentemente, capaz de detectar disfunção respiratória muscular subclínica (Stewart et al., 2001). O estudo dos músculos intercostais internos é particularmente importante para avaliar a eficácia da tosse. Aquando da realização do EMG de detecção do diafragma segundo 181 Susana Pinto a técnica intercostal é facilmente avaliada a actividade eléctrica dos músculos intercostais internos (Stewart et al., 2001). Facilmente se reconhece o registo destes músculos por haver um recrutamento dos mesmos durante a expiração profunda ou quando se pede ao doente para tossir, para além de apresentarem geralmente Ampl superiores às registadas no diafragma durante a inspiração (Eisen, 2001). O envolvimento dos músculos intercostais internos pode ser independente do envolvimento do diafragma, estando presentes em 59% e 35% dos doentes com e sem envolvimento diafragmático, respectivamente (Stewart et al. 2001). 9.b) Métodos Utilizados Nos estudos de condução motora descritos nos Capítulos 3 e 4 foram utilizados estímulos eléctricos gerados por corrente contínua, de conformação rectangular, sem rampas de ascenção ou de declínio. O eléctrodo estimulador percutâneo bipolar, mantido em posição pelo examinador foi colocado na projecção cutânea do nervo cuja resposta se pretendia registar, com o cátodo posicionado distalmente. A Dur dos estímulos para a avaliação motora foi estipulada como de 0.2 ms, sendo aumentada para 0.3 ou 0.5ms, se necessário, de forma a obter a resposta máxima. A I do estimulo foi estipulada como supra-máxima, ou seja 20% acima daquela mínima que elicita a resposta motora de máxima amplitude. Para cada hemidiafragma a resposta foi obtida através de eléctrodos de registo superficial de Ag-AgCl, sendo que o electrodo G1 foi colocado no ângulo costo-esternal ipsilateral ao lado da estimulação e o electrodo de registo sobre a grelha costal, a cerca de 16 cm do electrodo activo. O eléctrodo terra foi colocado no pulso ipsilateral ao nervo frénico estimulado. As respostas foram filtradas entre 5Hz e 10 KHz, de forma a que um mínimo de cinco respostas motoras 182 Capítulo 2 -‐‑ A Insuficiência Respirtória na Esclerose Lateral Amiotrófica consistentes fossem obtidas, em cada lado. Foi seleccionada para análise a resposta com a maior Ampl. Consideraram-se os seguintes parâmetros para avaliação das respostas motoras do nervo frénico: Lat motora (ms); Ampl pico-a-pico (mV); Area do pico negativo (mV.ms) e Dur do pico negativo do CMAP (ms). Registouse a Ampl pico-a-pico e não a pico-linha de base, por a primeira ser mais consistente e ter-se verficado uma elevada correlação entre a Ampl pico-linha de base e a área do pico-negativo. Para todos os estudos foi utilizado um electromiógrafo Medtronic Keypoint Classic ou Alpine Biomed KeypointNet (Skovlunde, Denmark). A temperatura cutânea foi sempre superior a 32ºC. As respostas motoras do SCM foram elicitadas bilateralmente por estimulação eléctrica bipolar percutânea do nervo espinhal (XI par craniano), ao nível do triângulo posterior do pescoço, atrás da porção média do bordo lateral do SCM. O seu registo foi realizado com eléctrodos de superfície. As respostas motoras do SCM foram captadas com colocação de G1 sobre a porção média do músculo, a cerca de 7cm abaixo do eléctrodo estimulador e G2 sobre o tendão esternomastoideu, 7 cm abaixo de G1. O eléctrodo terra foi colocado em torno do punho homolateral. A I dos estímulos foi supra-máxima e a sua Dur foi de 0.2-0.5ms. Nos nossos trabalhos com recurso à electromiografia de detecção do diaframa foi utilizado o mesmo equipamento já descrito e agulhas concêntricas convencionais (com uma área de registo de 0.07mm2). Os filtros foram regulados para 5Hz-10 kHz, com ganho entre 100-500µV/div e sweep speed de 10-100ms/divisão (para análise qualitativa ou quantitativa das unidades motoras e do traçado interferencial) a 4s/div (para estudo da ritmicidade respiratória). A actividade electromiográfica do diafragma foi estudada à direita, com os doentes posicionados confortavelmente em decúbito dorsal, com flexão cervical de cerca de 30º. A agulha 183 Susana Pinto concêntrica foi introduzida ao nível dos 8º e 9º espaços intercostais (nível inferior à projecção cutânea dos pulmões), entre as linhas axilar anterior e médio-clavicular. A localização da agulha concêntrica ao nível do diafragma foi reconhecida aquando da obtenção de registos electromiográficos dos movimentos inspiratórios. Em cada espaço intercostal, introduziu-se a agulha em dois locais distintos. Em cada ponto, foi pesquisada a presença de actividade espontânea, a morfologia das unidades motoras ou a ritmicidade do burst inspiratório com a respiração basal, assim como o padrão interferencial, pedindo ao doente para realizar uma inspiração profunda. Fibs-sw foram consideradas como presentes se observadas de forma reproductível durante um ou mais segundos após a inserção da agulha. A observação de um PFasc durante a expiração foi suficiente para considerar como positiva a presença de fasciculações no diafragma. Nos nossos trabalhos, o EMG de detecção dos músculos intercostais internos foi efectuado paralelamente ao estudo da actividade do diafragma e, de igual modo, à direita, com os doentes posicionados confortavelmente em decúbito dorsal. Em cada ponto, foi pesquisada a actividade espontânea e o padrão interferencial, pedindo ao doente para tossir. 9.c) Estudos neurofisiológicos complementares O músculo deltoide (Del), inervado pelo nervo circunflexo, recebe a sua inervação de raizes provenientes de C4-C5, estando o seu núcleo medular localizado imediatamente para fora do núcleo do nervo frénico (Routal e Pal, 1999a). Esta proximidade torna interessante a avaliação deste músculo e comparação do seu eventual envolvimento com o envolvimento do nervo frénico. Nos nossos estudos, o nervo circunflexo foi estimulado bilateralmente no 184 Capítulo 2 -‐‑ A Insuficiência Respirtória na Esclerose Lateral Amiotrófica ponto de Erb com um eléctrodo estimulador bipolar. G1 foi posicionado sobre a porção média de Del, distando cerca de 20-25 cm do eléctrodo estimulador, dependendo do comprimento do membro. G2 foi colocado ao nível do cotovelo, à mesma distância de G1 que G1 do estimulador. O eléctrodo terra foi colocado no punho homolateral. A I dos estímulos foi supra-máxima e a sua Dur de 0.2-0.3 ms. Como referido no Capítulo 1, o nervo cubital é frequentemente utilizado na avaliação dos doentes com ELA, especialmente na quantificação do número de UMs. Nos nossos estudos, o nervo cubital foi estimulado bilateralmente no punho, 7 cm acima do eléctrodo de G1, o qual foi posicionado ao nível da porção média do músculo ADM (C8-D1). G2 foi colocado ao nível da V articulação metacarpo-falângica enquanto que o eléctrodo terra foi colocado entre o eléctrodo estimulador e de registo, ao nível do punho (montagem “belly-tendon”). A I dos estímulos utilizados foi determinada como referido anteriormente e a Dur foi de 0.2 ms. No intuito de excluir bloqueios de condução motora do nervo cubital este foi igualmente estimulado abaixo do cotovelo (a 15-20 cm do punho, geralmente a 2cm abaixo do olecrâneo), acima do cotovelo (cerca de 10-12 cm acima da estimulação anterior), na axila (10-13 cm acima da estimulação anterior) e no ponto de Erb (a 17-24 cm da estimulação na axila), permitindo o cálculo das CVel entre os segmentos estudados. O SNAP foi igualmente obtido, antidromicamente, ao nível do segmento punho-dedo V. Os nervos cubitais com sinais de lesão focal foram excluídos. 185 Susana Pinto 2.D. Escalas de avaliação da função respiratória e de qualidade de vida na Esclerose Lateral Amiotrófica 2.D.1. Escala de dispneia Em 2007, Lechtzin e colaboradores (2007a) avaliaram a dispneia em doentes com ELA através da escala Índice de Dispneia Basal e Índice de Dispneia Transicional (este último para seguimento dos mesmos). Encontraram uma boa correlação entre o seu declínio e o da CVF (avaliados à entrada e após 4 e 12 semanas) melhor que a verificada para a sub-escala respiratória da ALS-FRS-R (RofALR-FRS-R) e para a escala analógica visual (EVA) de dispneia. Contudo, a aplicação do Índice de Dispneia Transacional é limitado nos doentes com ELA com fraqueza muscular acentuada devendo as causas não-respiratórias de dispneia ser devidamente identificadas como não avaliáveis (Mahler et al., 1984). Recentemente, outros autores (Just et al., 2010) verificaram que a escala de Borg modificada, avaliada quer na posição de sentado quer, particularmente, em decúbito, é preditiva de fraqueza muscular respiratória na ELA, com boa sensibilidade e especificidade, correlacionando-se com os valores de SNIP. Os autores referem a necessidade da sua avaliação e correlação com a RofALS-FRS-R. Nos nossos trabalhos a dispneia foi avaliada subjectivamente pedindo-se aos doentes para classificarem a sua percepção da mesma segundo uma EVA graduada de 0 (ausência) a 10 (dispneia máxima) (Aitken, 1969). 186 Capítulo 2 -‐‑ A Insuficiência Respirtória na Esclerose Lateral Amiotrófica 2.D.2. Escalas de fadiga: EVA, FSS, Borg Para além da EVA de fadiga, classificada de 0 a 10, a fadiga muscular pode ser avaliada através de várias escalas. A Fatigue Severity Scale (FSS) (Krupp et al. 1989) consiste num questionário auto-administrado composto de nove itens, cada um podendo ser classificado de 1 a 7. Para cada item, os doentes atribuem pontuações de 1 (totalmente em desacordo) a 7 (totalmente de acordo), reflectindo o quanto estão de acordo com cada afirmação. Quanto maior fôr o total nesta escala maior a gravidade da fadiga, sendo que um total superior a 40 revela fadiga clinicamente significativa (Krupp et al. 1989). É uma escala frequentemente mencionada na literatura e largamente validada (consistência interna, sensibilidade e reproductibilidade). A FSS tem sido frequentemente utilizada para avaliação da fadiga nos doentes com ELA assim como no seu seguimento. Segundo um estudo recente, a fadiga nos doentes com ELA é frequente e persistente, aumentando ao longo do tempo (McElhiney et al., 2009), contrastando com outras patologias como a Esclerose Múltipla (EM), em que tem características flutuantes (Bakshi et al., 2000). Segundo o mesmo estudo, apesar de haver doentes com fadiga e depressão, a maioria dos doentes com fadiga (65%) não foram diagnosticados como deprimidos e, pelo contrário, apesar da maioria dos doentes deprimidos (68%) referem fadiga. Desta forma, a fadiga isolada é independente (McElhiney et al., 2009; van der Linden et al., 1999; Ramirez et al., 2008) e deverá ser tratada especificamente, sendo o modanifil um medicamente potencialmente útil (Rabkin et al., 2009). A Escala de Borg (Mahler e Horowitz, 1994) é um método simples de classificar a percepção do exercício e pode ser utilizada 187 Susana Pinto para ajustar a intensidade do treino. É uma escala de 15 pontos (de 6 a 20), em que o treino de “endurance” corresponde a pontuações entre 11 e 13 e o resistido entre 15 e 17. O valor de “9” corresponde a “treino muito ligeiro, como o realizado por uma pessoa saudável fazendo marcha ao seu próprio passo”, “13” representa treino “algo intenso, mas em que nos sentimos bem para continuar” e “15” “intenso e cansativo, mas continuar não é terrivelmente difícil”. Mostrou ser uma escala válida (Gearhart et al., 2001) e sensível à intensidade do esforço dispendido (Gearhart et al., 2001; Gearhart et al., 2002; Lagally et al., 2004). 2.D.3. Escalas de avaliação do estado mental As perturbações do humor são tipicamente avaliadas através da realização de entrevistas clínicas utilizando os critérios da DSMIV. Contudo, estudos recentes sugerem que questionários autoadministrados têm elevados níveis de sensibilidade e de especificidade (Jefferies et al., 2006). A Beck Depression Inventory (Beck et al., 1961) é frequentemente utilizada na medição de sintomas depressivos. É constituída por 21 items, cada um dos quais classificado de 0–3 de acordo com a gravidade dos sintomas, variando o seu total entre 0 e 63. É pedido aos doentes que classifiquem como se sentiram na semana anterior à avaliação. Um indivíduo com um total entre 0–9 não estará deprimido, entre 10–18 haverá uma depressão ligeira a moderada e entre 19–29 esta será moderada a grave sendo grave se 30–63. A escala de Hamilton (Hamilton Rating Scale for Depression) (Hamilton, 1960), validada para português, é um questionário de resposta múltipla que avalia a gravidade de sintomas observados na depressão como alterações do humor, insónia, agitação, ansiedade e perda de peso. Cada 188 Capítulo 2 -‐‑ A Insuficiência Respirtória na Esclerose Lateral Amiotrófica pergunta tem entre 3 a 5 respostas possíveis com gravidade crescente. A resposta a cada uma das 17 perguntas é cotada de acordo com as respostas do doente e a observação da sua sintomatologia. Os doentes com ELA são classicamente vistos como tendo um marcado estoicismo (Moore et al., 1998; Rabkin et al., 2000), sendo a depressão pouco frequente (11–13%) (Rabkin et al., 2000; Ganzini et al., 1999). A prevalência da depressão na ELA parece ser mais elevada quando são utilizados auto-questionários (Moore et al., 1998; Tedman et al., 1997; Trail et al., 2003) mas inferior aos 37–54% e 20-40% referidas noutras doenças como a EM (Patten et al., 2003) e a doença de Parkinson (McDonald et al., 2003), respectivamente. Estudos recentes identificam depressão moderada a grave em 13–26% dos doentes avaliados (Wicks et al., 2007a), que parece ser similar à de outros doentes com patologia neuromuscular com envolvimento motor e/ou limitação nas AVDs (Taylor et al., 2010). Pelo impacto negativo que a depressão tem sobre os outros domínios da esfera humana, incluindo sobre a motivação dos doentes para a sua reabilitação, foi utilizada a escala de Hamilton para a sua avaliação em alguns estudos descritos nos Capítulos 3 e 4. 2.D.4. Escala de sonolência diurna A escala Epworth Daytime Sleepiness (ESS) (Johns, 1991) é um pequeno questionário auto-administrado que pergunta ao doente qual a sua probabilidade de adormecer no período diurno durante a realização de 8 actividades específicas. Para cada item, há uma probabilidade crescente de adormecer, a qual é graduada de 0 a 3. Valores totais entre 0 e 9 são considerados como normais 189 Susana Pinto enquanto que valores entre 10 e 24 indicam a necessidade de aconselhamento médico. Alguns estudos incluindo doentes com ELA têm utilizado a escala ESS para avaliação da sonolência diurna tentando, inclusivamente, estabelecer uma correlação entre esta e a eventual fadiga muscular global. Teoricamente, a má qualidade de sono e resultante sonolência diurna poderiam ser responsáveis pela maior fadiga nos doentes com ELA (Fergunson et al., 1996; Takekawa et al., 2001). Contudo, a fadiga e a sonolência diurna podem ser factores independentes em doentes com distúrbios do sono (Hossain et al., 2005). Alguns autores (Ramirez et al., 2008) não encontraram diferenças significativas entre a sonolência diurna entre grupos controlos e doentes com ELA estudados assim como não houve correlação entre esta e a fadiga muscular. 2.D.5. Escalas funcionais A escala funcional da ELA, ALS-FRS (Cedarbaum e Stambler, 1997), é a escala funcional mais frequentemente utilizada para avaliação dos doentes com ELA. É composta por 10 itens, cada um com cinco hipóteses de resposta, cotadas de 0 a 4, do mais grave para o normal, com um total máximo de 40. Os primeiros três itens avaliam o componente bulbar – ALS-FRSb, nomeadamente a articulação verbal, salivação e deglutição, aspectos que estão dependentes da musculatura bulbar (total máximo de 12). O último item avalia o componente respiratório. Contudo, aquando da revisão desta escala, este foi substituído por 3 novos itens, tendo sido proposta a escala revista ALS-FRS-R (Cedarbaum et al., 1999). Estes três itens respiratórios são também cotados de 0 a 4, pretendendo avaliar o envolvimento dos músculos respiratórios, nomeadamente dispneia, ortopneia e a necessidade 190 Capítulo 2 -‐‑ A Insuficiência Respirtória na Esclerose Lateral Amiotrófica de suporte ventilatório. A ALS-FRS-R demonstrou estar significativamente relacionada com a sobrevida nos doentes com ELA, sendo o subgrupo respiratório o seu componente isolado mais significativo (Kaufmann et al., 2005). O declínio do total da escala ALS-FRS-R, calculado pela diferença dos totais aquando do início dos primeiros sintomas e o diagnóstico clínico (Kimura et al., 2006), aos 100 dias após o diagnóstico e durante toda a doença (Kollewe et al., 2008) mostraram igualmente estar fortemente relacionados com a sobrevida. Para além de ser preditor de sobrevida, tem sido utilizado como parâmetro na avaliação em vários ensaios clínicos (ALS CNTF Treatment Study Group, 1996; Cedarbaum et al. 1999; Cudkowicz et al., 2003; Groeneveld et al., 2003; Miller et al., 2001; de Carvalho et al., 2010). A Medida de Independência Funcional (MIF) (Keith et al., 1987) é uma escala ordinal que avalia o nível de independência funcional dos doentes nas suas AVDs. É constituída por 18 pontos agrupados em 6 domínios: auto-cuidados, controlo dos esfincteres, transferências, locomoção, comunicação e cognição social. Cada item pode ser cotado de 1 a 7, com um valor total mínimo de 18 e máximo de 126. Para cada item, as cotações de 6 e 7 representam independência funcional, quer modificada quer total, respectivamente, enquanto que as cotações de 1 a 5 representam dependência funcional, quer total (cotações 1 e 2) ou modificada (cotações 3 a 5). Ao contrário da Escala de Barthel (Mahoney e Barthel, 1965), a MIF inclui o importante domínio da comunicação e cognição social. Apesar de inicialmente desenvolvida para aplicação a doentes com EM, esta escala teve uma aceitação generalizada, sendo comunmente utilizada para a avaliação funcional nos centros de MFR, especialmente em doentes internados mas também em ambulatório. Demonstrou ser válida, reproductível e sensível a variações temporais (Granger et al., 191 Susana Pinto 1993; van der Putten et al., 1999; Hobart et al., 2001; Freeman et al., 2005). Contudo, a sua utilização na avaliação da funcionalidade dos doentes com ELA e seu seguimento é limitada. 2.D.6. Escalas de qualidade de vida O conceito “qualidade de vida” é lato, tendo sido anteriormente definido como “a medida na qual os desejos e ambições dos indivíduos são efectivamente correspondidos” (Calman, 1984). A avaliação da qualidade de vida nos doentes com ELA foi negligenciada até à última década, altura em que Michael Swash aborda esta necessidade (Swash, 1997). Segundo o mesmo, algumas escalas genéricas, como a Short Form Health Survey (SF36) ou a escala Sick Impact Profile (SIP) poderiam ser aplicadas em conjunto com uma escala mais específica para a ELA, para além de uma escala avaliando directamente a depressão (como a escala de Hamilton ou a Beck Depression Inventory), assim como uma escala para avaliação específica da carga da doença sobre os cuidadores (como a Carer Strain Index - CSI). A criação de um grupo particularmente preocupado e dedicado ao estudo da qualidade de vida nos doentes com ELA, o “ALS Health Profile Study Steering Group”, concluiu que a avaliação conjunta dos doentes com ELA utilizando as escalas SF-36, ALS-FRS e a CSI são válidas para o estudo do impacto da doença (Jenkinson et al., 2000), tendo sido utilizados em vários estudos posteriores. A SF-36 é uma escala genérica que avalia a qualidade de vida sendo aplicada em patologias diversas e populações distintas. É constituída por 36 pontos agrupados em 8 categorias – funcionalidade física, limitações resultantes de problemas físicos, limitações resultantes de problemas emocionais, functionalidade 192 Capítulo 2 -‐‑ A Insuficiência Respirtória na Esclerose Lateral Amiotrófica social, saúde mental, energia e vitalidade, dor e percepção geral de saúde. O seu total varia entre 0 (o pior estado de saúde) e 100 (o melhor estado de saúde), mas podendo estabelecer-se dois subtotais mais genéricos, um referente à funcionalidade física e o outro ao estado mental. Vários estudos na ELA têm utilizado esta escala, traduzindo o impacto da doença (Jenkinson et al., 2002) e mostrando inclusivamente a relação entre CVF e a avaliação global da força muscular global com alguns pontos da SF-36 (Bourke et al., 2001), e a relevância da determinação dos subtotais físico e mental no seguimento dos doentes (Norquist et al., 2003). Contudo, há igualmente resultados contraditórios quanto à correlação da SF36 com a escala ALS-FRS, alguns afirmando essa correlação (Jenkinson et al., 2000; Neudert et al., 2004) e outros não a encontrando (Smith et al., 2000; Bromberg et al., 2001). Da nossa experiência na aplicação clínica da SF-36 como medida de avaliação secundária do potencial efeito neuroprotector da memantina na ELA que decorreu na nossa Unidade (de Carvalho et al., 2010) concluímos ser uma escala psicologicamente agressiva na avaliação longitudinal, face à progressão natural da doença. A escala SIP adaptada à ELA, a SIP/ALS-19, foi desenvolvida por McGuire e colaboradores reunindo os 19 itens dos 136 da escala original que se afiguraram relevantes para aplicação aos doentes com ELA (McGuire et al., 1997). Esta escala tem sido pouco utilizada na avaliação da qualidade de vida dos doentes com ELA, embora se correlacione com a ALS-FRS-R (Cedarbaum et al., 1999). A SIP também se correlaciona com o decaimento da função física (Robbins et al., 2001) permitindo a distinção de diferentes velocidades de progressão da doença (Damiano et al., 1999). Contudo, a versão britânica da SIP não se correlacionou com outras escalas de qualidade de vida (Goldstein et al., 2002), estando associada a uma maior pressão emocional no seu preenchimento 193 Susana Pinto (Neudert et al., 2001) devendo, portanto, ser ponderada a sua utilização. A escala SF-12, uma forma reduzida da SF-36 (Bromberg et al., 2001), foi considerada como adequada na avaliação longitudinal da ELA (Bromberg et al., 2001). Concomitantemente, foi proposta uma nova escala, específica para a ALS, a ALS Assessment Questionnaire-40 ou ALSAQ-40 (Jenkinson et al., 1999a), constituída por 40 perguntas agrupadas em 5 itens – alimentação, comunicação, AVDs/ independência, mobilidade física e estado emocional, e cujo total varia entre 0 (o pior estado de saúde) e 100 (o melhor estado de saúde). Os totais das sub-escalas mostraram relacionar-se fortemente com os totais similares das escalas SF-36 e ALS-FRS (Jenkinson et al. 1999a). Existe também uma forte correlação entre o total das várias dimensões da ALSAQ-40 e o da EVA do EQ-5D (Green et al., 2003; Kiebert et al., 2001). ALSAQ-40 é adequada para comparações entre grupos ou indivíduos com ELA (Jenkinson et al., 1999a; Jenkinson et al., 1999b). É sensível a variações ao longo do tempo (Jenkinson et al., 2003; Norquist et al., 2004). Esta escala tem sido calibrada de forma a ser utilizada em ensaios clínicos através da consideração de que mudanças na qualidade de vida são relevantes para os doentes (Norquist et al., 2003; Norquist et al., 2004). A forma reduzida da ALSAQ-40, a ALSAQ-5, constituída por cinco itens, um de cada uma das subscalas da ALSAQ-40, é uma alternativa válida à escala original (Jenkinson et al., 2001; Jenkinson et al., 2003). A ALS-Specific Quality of Life Questionnaire (ALSSQoL-46) foi recentemente proposta e desenvolvida por investigadores americanos, tendo como objectivo abranger vários domínios importantes na experiência dos doentes com ELA, nomeadamente os aspectos físico e psicológico, religioso e espiritual (Simmons et al., 2006). A escala é constituída por 46 perguntas agrupadas em 6 194 Capítulo 2 -‐‑ A Insuficiência Respirtória na Esclerose Lateral Amiotrófica factores: emoções negativas, interacção com as pessoas e o ambiente, intimidade, religiosidade, sintomas físicos e função bulbar. Cada item é classificado de 0 (menos desejável) a 10 (mais desejável). A EuroQol-5D (EQ-5D) (Rabin e de Charro, 2001) é um questionário de avaliação geral da qualidade de vida, constituído por cinco questões que avaliam a mobilidade, auto-cuidados, actividades diárias, dor/ desconforto e ansiedade/ depressão. Para cada item pode ser atribuída uma classificação de 1 a 3, em que 1 corresponde a “sem problemas”, 2 a “alguns problemas” e 3 a “problemas graves” (havendo assim 243 combinações possíveis). A escala inclui ainda uma EVA global que pretende quantificar o estado de saúde (físico e mental) do doente nesse momento da avaliação, usando uma cotação de 0 (pior estado possível) a 100% (melhor estado imaginável). Os resultados quer nas cinco perguntas quer da EVA foram sensíveis ao estado de saúde de doentes com ELA, correlacionando-se significativamente com as subscalas da ALSAQ-40 (Riviere et al., 1998). Alguns estudos recentes em que esta escala foi aplicada a doentes com ELA revelaram que a qualidade de vida relacionada com a saúde decai sistematicamente com o agravamento da doença (Kiebert et al., 2001). Nos nossos estudos foi decidida a utilização de EQ-5D e, em especial, da sua componente analógica visual, dado ser simples e rápida de aplicar, dando uma impressão global que o doente tem de si e da sua qualidade de vida e não sobrepondo perguntas de funcionalidade já avaliadas na ALS-FRS e MIF. 195 Susana Pinto 2.D.7. Percepção subjectiva de doença e da função respiratória Durante as várias avaliações, todos os doentes foram subjectivamente questionados sobre a sua percepção relativa à progressão da doença e ao envolvimento respiratório, devendo classificar a sua percepção em “pior”, “estável”, “melhor”. 196 Capítulo 2 -‐‑ A Insuficiência Respirtória na Esclerose Lateral Amiotrófica 2.E. Tratamento da Insuficiência Respiratória em doentes com ELA Apesar da IR ser a principal causa de morte dos doentes com ELA, a utilização de suporte ventilatório é relativamente recente e beneficiou da necessidade de suporte respiratório a doentes vítimas dos surtos de poliomielite no início do século XX. Várias decadas decorreram desde a utilização do pulmão de aço até ao desenvolvimento dos actuais ventiladores portáteis que permitem suporte ventilatório não-invasivo. Os critérios recomendados para a prescrição de VNI nos doentes com ELA foram elaborados em 1999 pela Academia Americana de Neurologia (Miller et al., 1999) e pelo Colégio Americano de Cardiologia (ACCP, 1999), tendo sido os primeiros actualizados recentemente (Miller et al., 2009). Como forma de tratamento da hipoventilação crónica sintomática e com o objectivo de prolongar a sobrevida dos doentes com ELA, a VNI deveria ser proposta a todos os doentes com ELA sempre que existissem sintomas respiratórios ou na presença de valores preditos de CVF<50% (Miller et al., 1999). O Colégio Americano de Cardiologia considerou como indicadores para o uso de VNI a presença de sintomas respiratórios (como fadiga, dispneia e cefaleias nocturnas entre outras) e um dos seguintes critérios fisiológicos: PCO2≥45mmHg, desaturações nocturnas na OPN ≤88mmHg por 5min consecutivos e MIP<-60mmHg ou CVF<50% do predito (ACCP, 1999). Presentemente, a VNI deverá ser considerada quando houver queixas que indiquem hipoventilação nocturna (ortopneia, despertares frequentes, cefaleias matinais, sonolência diurna excessiva e sono não reparador) e se um dos seguintes estiver presente: CVF<50% do predito; MIP<-60cmH2O; SNIP<40cmH2O; na presença de OPN anormal (Miller et al., 2009). 197 Susana Pinto Recentemente, a proposta Europeia segue recomendações similares (Andersen et al., 2012), a VNI deve ser considerada em doentes com pelos um sintoma de IR (dispneia; taquipneia; ortopneia; alteração do sono por hipóxemia; cefaleias matinais; uso dos músculos acessórios da respiração; respiração paradoxal; fadiga diurna ou hipersonolência diurna) e com pelo menos um dado objectivo a confirmar a insuficiência respiratória (CVF<80%; SNIP < 40cmH2O; MIP < -60cmH2O; marcada desaturação nocturna na oximetria; hipercapnia). A decisão de quando iniciar VNI é crucial pelo risco de morte súbita e dependência de ventilação mecânica se não houver um planeamento prévio atempado (Barbè et al., 1996; Aboussouan et al., 1997; Poponick et al., 1997) especialmente aquando de hospitalizações de emergência (Cazzolli e Oppenheimer, 1996). É fundamental discutir com os doentes e seus familiares a necessidade de suporte ventilatório, de forma a conhecer a decisão do doente sobre o mesmo. Esta deve ser respeitada, mesmo se a escolha fôr pela não-ventilação (Andersen et al., 2012). Os mecanismos pelos quais a VNI tem um impacto positivo na melhoria dos sintomas respiratórios diurnos e nocturnos assim como nas trocas gasosas não são totalmente conhecidos, embora algumas explicações complementares tenham sido dadas: descanso dos músculos respiratórios; reajuste da sensibilidade do centro respiratório ao CO2; alterações na mecânica pulmonar, com aumento da expansividade e compliance pulmonares, assim como resolução de regiões actelectásicas (Kramer et al., 1996). A VNI demonstrou corrigir os sintomas de hipoventilação nocturna melhorando, desta forma, a qualidade de vida dos doentes (Howard et al., 1989; Pinto et al., 1995; Piper e Sullivan, 1996; Jackson et al., 2001; Lyall et al., 2001b; Bourke et al., 2003; Butz et al., 2003). Com a VNI observa-se uma melhoria da vitalidade (Bourke et al., 2003; 198 Capítulo 2 -‐‑ A Insuficiência Respirtória na Esclerose Lateral Amiotrófica Lyall et al., 2001b), da dispneia, da sonolência diurna, da depressão, das dificuldades na concentração, na qualidade do sono e na fadiga física por períodos superiores ou iguais a 10 meses (Butz et al. 2003). O impacto na qualidade de vida confirma-se em doentes bulbares e medulares (Bourke et al., 2006). Sobretudo, a VNI prolonga a sobrevida dos doentes com ELA em vários meses (Pinto et al., 1995a; Cazzolli e Oppenheimer, 1996; Aboussouan et al., 1997; Kleopa et al., 1999; Bourke et al., 2003; Bourke et al., 2006). Nos doentes com forma de início bulbar ou já com marcado envolvimento bulbar, os resultados na sobrevida são contraditórios. A maioria dos autores refere que estes doentes não conseguem tolerar tão bem a VNI (Aboussouan et al. 1997; Aboussouan et al., 2001; Bourke et al., 2003; Gruis et al., 2005), apesar de haver referência a igual tolerabilidade entre as formas de início bulbar e medular (Pinto et al., 1995a; Kleopa et al., 1999). A dificuldade na adaptação de VNI nestes doentes deve-se à diminuição da força do músculo orbicular dos lábios com dificuldade no encerramento bucal, sendo necessário a utilização de máscaras faciais. Estas, sendo maiores, são consideradas, por vezes, como claustrofóbicas e estão frequentemente associadas a lesões faciais nos pontos de apoio e a fugas. Por outro lado, a sialorreia e a acumulação de secreções, de difícil eliminação, dificultam a adaptação. A adaptação de VNI em estadios mais precoces da doença tem vindo a ser sugerida nos últimos anos (Pinto et al., 2003; Bourke et al., 2006). Um grupo de investigadores americanos demonstrou um aumento significativo da sobrevida dos doentes com ELA quando adaptados a VNI usando como referência valores preditos de CVF<65%, quando comparados aos critérios convencionais (CVF< 50%) sugeridos pela Academia Americana de Neurologia (Lechtzin et al., 2007b). Numa pequena série, outros autores demonstraram que a sobrevida ao fim de um ano de 199 Susana Pinto doentes ventilados tendo como limite CVF< 75% (16 doentes) foi superior aos que a recusaram ou foram intolerantes à VNI (12 doentes), p=0.02, não tendo havido diferença entre os tolerantes à VNI e aqueles com CVF>75% (44 doentes), por isso não ventilados (Carratù et al., 2009). Por outro lado, a taxa média de declínio da CVF nos doentes com CVF<75% foi inferior nos que toleraram VNI quando comparados com os intolerantes (p<0.0001). Desta forma, os autores sugerem que o valor de CVF indicador da necessidade de adaptação dos doentes com ELA deveria ser de 75% do predito (Carratù et al., 2009). Presentemente ainda não existem parâmetros consensuais que permitam afirmar a existência de uma boa tolerância à VNI. Contudo, a maioria dos autores considera que a sua utilização por um período mínimo de 4 horas durante a noite está associada a um aumento da sobrevida e da qualidade de vida (Aboussouan et al. 1997; Kleopa et al. 1999; Bourke et al. 2003) com uma tolerância variável de 49% (Aboussouan et al., 1997), 54% (Kleopa et al. 1999) ou 70% (Gruis et al., 2005). Na adaptação inicial dos doentes à VNI, os parâmetros ventilatórios programados geralmente a09ceites são de 8 cmH2O para a pressão inspiratória (IPAP) e 3 cmH2O para a pressão expiratória (EPAP) (Melo et al., 1999; Mehta e Hill, 2001; Gruis et al., 2005; Gruis et al., 2006) recorrendo-se à utilização de sistema humidificador e máscaras nasais para minimizar, respectivamente, a congestão nasal e claustrofobia das máscaras faciais, caso possível (Mehta e Hill, 2001). Até se assistir a uma melhoria sintomática está indicado o incremento semanal do IPAP de 2 cmH2O (Mehta e Hill, 2001; Gruis et al. 2005). Segundo Gruis e colaboradores (Gruis et al., 2006) o reajuste dos valores será pouco frequente, pois 78% dos doentes estudados necessitaram de um reajuste, 33% de dois reajustes, 11% de três reajustes e em apenas 6% (1 doente) foram feitos pelo menos 200 Capítulo 2 -‐‑ A Insuficiência Respirtória na Esclerose Lateral Amiotrófica quatro reajustes. Pelo contrário, outros autores defendem valores diferenciais de IPAP e EPAP elevados, superiores a 10mmH2O, com valores médios de IPAP de 16–18 cmH20 (Hill, 2002; Oppenheimer, 2003). Em nossa experiência (dados não publicados), valores iniciais de IPAP muito elevados estão associados à não adesão à VNI, por serem dificilmente toleráveis e confortáveis para os doentes. Valores médios iniciais de 12cmH2O e 4cmH2O para, respectivamente, IPAP e EPAP estão associados a um bom conforto permitindo uma boa tolerância, apesar dos valores de IPAP necessitarem frequentemente de ser aumentados até se conseguir a melhoria sintomática, assim como a correcção oximétrica nocturna desejada. Doentes com ortopneia geralmente necessitam de valores de IPAP mais elevados para corrigir a mesma. Doentes do sexo feminino, idosas e com parâmetros antropométricos baixos necessitam geralmente de valores inferiores, sendo frequente, nestas doentes, a regulação inicial de valores de IPAP de 8 cmH2O. Também doentes muito espásticos geralmente não necessitam de valores de IPAP elevados. O reajuste dos valores é frequente, numa fase inicial para optimização dos parâmetros, ocorrendo a segunda consulta geralmente 10 a 15 dias após o início da ventilação nocturna. Após a melhoria clínica e oximétrica, com bom conforto dos doentes, as reavaliações são menos frequentes, geralmente trimestrais, com alterações esporádicas dos parâmetros. A existência de intercorrências respiratórias ou o agravamento da doença estão associados a reajustes mais frequentes. De notar que outros parâmetros nunca referidos nos estudos publicados são igualmente importantes, cuja regulação é possível pelo tipo de ventiladores que utilizamos, como a regulação da razão entre o tempo inspiratório e o tempo expiratório (I:E), as sensibilidades inspiratória e expiratória assim como a frequência respiratória de suporte. De igual modo, os 201 Susana Pinto registos recolhidos desses ventiladores permitem objectivar o número de horas de utilização da VNI e em que períodos foi realizada, a percentagem de respiração espontânea do doente, as frequências respiratórias mínima, máxima e média, a percentagem de realização dos IPAP e EPAP pré-estabelecidos e a existência de eventuais fugas da máscara. Alguns ventiladores permitem ainda o registo do volume corrente, do fluxo pico, do número de apneias e da saturação da oxihemoglobina por integração com a OPN. Por outro lado, o uso de VNI por períodos mínimos de 4h nocturnas não deve ser o único parâmetro utilizado para assumir a existência de tolerância a esta terapêutica (Pinto e de Carvalho, 2010), quando esta é assumida como sendo eficaz. Para uma resposta terapêutica eficaz, a escolha do ventilador e o modo de ventilação, o tipo e modelo das máscaras e a utilização ou não de sistema humidificador, assim como a indicação dos parâmetros regulados e a descriminação de quando e durante quanto tempo deverá ser efectuada têm de ser considerados. O ensino ao doente e cuidadores é fundamental dado que a não compreensão dos benefícios da sua utilização, a incapacidade de colocar correctamente as máscaras e solucionar problemas relacionados com o seu manuseio, e até mesmo a não desmistificação de eventuais receios relacionados com a sua utilização, frequentes em doentes idosos, podem condicionar a fraca aderência a esta terapêutica. Finalmente, para a compliance do doente à VNI é necessário a avaliação frequente e a monitorização da correcção do padrão ventilatório nocturno, facilmente acessível pela realização de OPN que permite a objectivação da saturação nocturna da oxihemoglobina, assim como a correcção gasimétrica diurna. Os avanços tecnológicos das últimas décadas permitiram a leitura dos registos da utilização dos ventiladores portáteis não somente através da sua ligação directa por cabo a um computador 202 Capítulo 2 -‐‑ A Insuficiência Respirtória na Esclerose Lateral Amiotrófica que tenha o software apropriado, como também pela utilização de ligação à internet (por protocolo TCP/IP) e interposição de modems. Neste último caso, o doente não necessita de se deslocar fisicamente à consulta. A central de recolha dos dados, com o software apropriado, pode ser o próprio computador do médico assistente que recebe, semanalmente, a horários estabelecidos, os dados pretendidos. O próprio reajuste dos parâmetros ventilatórios pode ser feito pelo médico no seu computador sendo recebido e actualizado pelo ventilador no domicílio do doente. Foi demonstrado ser um método seguro para seguimento do suporte ventilatório dos doentes com ELA, com boa aderência, embora tendo como limitações a necessidade de existência de linha telefónica e a revisão dos registos colhidos (Almeida et al., 2010). Com este processo, foi demonstrado (Pinto et al., 2010c) que a frequência de consultas, a necessidade de assistência em Serviços de Urgência e as admissões hospitalares foi significativamente menor (p<0.0001).De referir ainda que a incidência de modificações nos parâmetros ventilatórios foi superior nos doentes com modem na fase inicial de adaptação, sendo posteriormente menores, com aparente tendência para sobrevidas mais prolongada neste grupo. A diminuição dos custos associados a este tipo de monitorização é particularmente relevante pois, apesar do encargo associado à prescrição do modem, consegue-se uma diminuição dos encargos pessoais e familiares associados, assim como a diminuição dos encargos para o sistema de saúde relacionados com à assistência no Serviço de Urgência e a internamentos (Almeida et al., 2012). A redução destes custos será de cerca de 50% (Pinto et al., 2010c). A existência de máscaras faciais tornou possível a VNI mesmo em doentes com envolvimento bulbar considerável (ACCP, 1999). Contudo, a Academia Americana de Neurologia recomenda o uso de ventilação mecânica quando os doentes pretendem uma 203 Susana Pinto sobrevida prolongada, estando cientes da dependência total do ventilador e dos custos económicos associados (Miller et al., 1999). De facto, apesar da ventilação invasiva poder ser mais efectiva no aumento da sobrevida que a VNI, está associada a custos económicos e de suporte mais elevados (Cazzolli e Oppenheimer, 1996), mas não parecendo haver diferença na qualidade de vida dos doentes que usam VNI e os doentes sob ventilação mecânica por traqueostomia (Kaub-Wittemer et al., 2003). As indicações para a traqueostomia nos doentes que a pretendem e, consequentemente, as contra-indicações relativas da VNI incluem não-respondedores, não-cooperantes, ou aqueles que recusem VNI, assim como os doentes que necessitem de protecção das vias aérias de forma a permitir a eliminação de secreções (ACCP, 1999; Andersen et al., 2012) para além de doentes em quem não se consegue extubação após ventilação por IR aguda. Os doentes são considerados como não-respondedores à VNI se, sob esta terapêutica e na ausência de fugas da máscara, se registam valores de SpO2<90% e PaCO2>45mmHg apesar da utilização de máscaras faciais, de volumes de 1400ml (por VNI com ventiladores volumétricos) e da realização de insuflação-exsuflação mecânica (Servera et al., 2005; Sancho et al., 2007). A utilização de tubagens sem “cuffs” para a realização de ventilação mecânica por traqueostomia permite prolongar a sobrevida de doentes com ELA até ser imperativo recorrer a tubagens com “cuffs”, por presença de hipoventilação e fugas de ar (Sancho et al., 2010). As tubagens sem “cuffs” permitem o suporte ventilatório com menores complicações, como demonstrado em mais de 100 doentes com patologia neuromuscular (Bach e Alba, 1990). As tubagens com “cuffs” estão associadas a complicações várias, como alteração dos mecanismos fisiológicos de eliminação das secreções das vias aéreas, acumulação crónica de muco, incluindo formação de rolhões, 204 Capítulo 2 -‐‑ A Insuficiência Respirtória na Esclerose Lateral Amiotrófica atelectasias, descondicionamento diafragmático e hiperventilação, fistulas traqueo-esofágicas, hemorragia e elevadas taxas de hospitalização por complicações respiratórias. Por outro lado, não permitem a fala efectiva, apesar do desenvolvimento de tubagens com canais independentes para possibilitar a passagem de fluxo aéreo para a fala. A ventilação mecânica não é uma prática corrente na nossa Unidade dado que a quase totalidade dos doentes não a considera como alternativa, mesmo quando não existe tolerância à VNI ou se esta deixa de ser efectiva. A fraqueza muscular expiratória impossibilita uma tosse eficiente com consequente retenção das secreções e maior predisposição para infecções respiratórias, incluindo pneumonia. Durante a tosse, são necessários valores de fluxo expiratório máximo (PCEF) superiores a 160L/min de forma a haver uma eliminação adequada das secreções (Bach, 1995). De forma a obviar a expiratórios acumulação estão de secrecções deficientes, quando poder-se-á os recorrer músculos à tosse manualmente assistida (TMA) ou mesmo à utilização de aparelhos de insuflação-exsuflação mecânica (MIE), conhecidos comunmente por Cough Assist e especialmente indicados quando PCEF< 270 ® L/min (Lyall et al., 2001b). A TMA consiste na tosse após air stacking, em que se pede ao doente para suster o ar após uma insuflação máxima espontânea, altura em que, com a glote encerrada, se administram volumes de ar consecutivos através de um resuscitador manual ou um ventilador volumétrico utilizando máscaras faciais, até se atingir o volume máximo de ar conseguido (Kang e Bach, 2000). Este volume máximo de ar inspirado pode ser medido pedindo ao doente para expirar totalmente para um pneumotacógrafo, permitindo também a medição da capacidade inspiratória máxima. A diminuição da diferença entre esta e a CV é sugestiva de dificuldade no encerramento da glote. As sessões de 205 Susana Pinto MIE consistem na realização de vários ciclos (8 a 10) de insuflações e exsuflações com pressões respectivamente de -40 e 40cmH2O, com thrusts tóraco-abdominais aquando da exsuflações, com razão insuflação/exsuflação de 2/3, e pausas de 1s entre ciclos (Sancho et al. 2007). São repetidas, se necessário, até se conseguir a eliminação das secreções de forma a reobter valores de SpO2>95%. A MIE permite o aumento do PCEF em 17% em controlos saudáveis, 26% em doentes com forma de início bulbar e 28% em doentes sem envolvimento bulbar (Mustfa et al., 2003), enquanto que a tosse manualmente assistida aumentou o fluxo em 11% e em 13% em doentes bulbares e não bulbares, respectivamente. A MIE através do tubo de traqueostomia e com insuflação do cuff foi mais eficaz na eliminação das secreções que a aspiração usual de secreções (Sancho et al., 2003). De notar ainda que a MIE pode ser também utilizada com o objectivo primário de melhor expandir a caixa torácica e manter uma boa compliance pulmonar e torácica, prevenindo atelectasias e mantendo uma dinâmica ventilatória adequada (Bach e Hon, 2010). A oscilação de alta frequência da parede torácica, alternativa à eliminação das secreções, não demonstrou ser eficaz em 9 doentes com ELA, não tendo tido benefício na taxa de declínio da CVF ou na sobrevida (Chaisson et al., 2006). Contudo, num estudo controlado com 46 doentes, demonstrou estar associada a diminuição da dispneia e fadiga respiratórias, embora com aumento da tosse nocturna (Lange et al. 2006). 206 Capítulo 3 – O Interesse do Estudo Neurofisiológico dos Músculos Respiratórios: contributo pessoal Capítulo 3 O interesse do estudo neurofisiológico dos músculos respiratórios: contributo pessoal Os estudos que neste capítulo se apresentam foram realizados no intuito de melhor compreender o envolvimento respiratório nos doentes com ELA. Os protocolos dos estudos realizados foram submetidos e aprovados pelas Comissões de Ética Locais - Comissão de Ética do Hospital de Santa Maria ou Comissão de Ética da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa. Todos os doentes incluídos nos mesmos expressaram o seu consentimento, de forma informada, para a inclusão nos estudos propostos. 207 Susana Pinto 3.A. Envolvimento dos diafragma e dos músculos inspiratórios acessórios na ELA – Relevância do seu estudo 3.A.1. Avaliação do envolvimento do diafragma A ELA é uma doença característicamente assimétrica. Na fase inicial, a parésia é tipicamente objectivável em apenas um dos membros, geralmente de predomínio distal (Ravits et al., 2007). Durante a progressão da doença, ocorre um envolvimento proximal regional assim um envolvimento distal contralateral, por contiguidade medular (Ravits et al, 2009). Contudo, temos observado que as respostas motoras de diafragma por estimulação eléctrica percutânea do nervo frénico são simétricas em doentes com ELA. A avaliação da simetria destas respostas numa população considerável de doentes com ELA (distribuídos de acordo com a região de início da doença) é particularmente relevante, atendendo a que o envolvimento respiratório é a principal causa de morte nestes doentes. Por outro lado, a correlação das mesmas com as respostas obtidas noutros músculos dependentes de miótomos cervicais similares e distintos permitiria melhor compreender a fisiopatologia da ELA e o prognóstico aquando do envolvimento destes miótomos. Desta forma, avaliámos as respostas motoras bilaterais diafragmáticas e dos músculos deltoide (Del) e abductor do V dedo (ADM) em doentes com ELA com forma de início bulbar, MS e MI, considerando-se nestes dois últimos subgrupos o lado dos sintomas iniciais (Pinto e de Carvalho, 2010). Com o presente estudo incluímos prospectivamente 67 doentes consecutivos com ELA (39 do sexo masculino), com idade média aquando dos primeiros sintomas de 58.3 ± 12 anos (entre 2880 anos) e duração média da doença aquando da inclusão de 21.7 ± 20.5 meses (entre 3-110 meses). Foram excluídos doentes com 208 Capítulo 3 – O Interesse do Estudo Neurofisiológico dos Músculos Respiratórios: contributo pessoal outras condições médicas e história prévia de traumatismos graves dos MS ou cirurgia torácica; polineuropatia, lesão focal do nervo cubital, assim como com ausência de respostas uni ou bilaterais dos nervos cubital, circunflexo e frénico; ou doentes com impossibilidade de identificar claramente a região de início dos primeiros sintomas. A forma de início da doença foi bulbar em 17 doentes e medular em 50, dos quais 27 com início nos MS e 23 nos MI. As características demográficas entre os vários subgrupos foram similares (bulbar, MS direito, MS esquerdo, MI direito e MI esquerdo, p>0.05). Em todos os subgrupos de doentes, a Ampl e área das respostas diafragmáticas não apresentaram diferenças entre lados, sendo a correlação da Ampl entre os lados direitoesquerdo sempre superior a 0.8 (Tabela 7). Nos doentes com forma de início bulbar, os segmentos proximais e distais dos MS foram envolvidos simetricamente. Nos doentes com os primeiros sintomas referidos aos MS, a ADMAmpl foi menor na região primeiramente envolvida, mas não houve diferenças entre lados na DelAmpl. Pelo contrário, nos doentes cujos sintomas tiveram início nos MI, não se observaram diferenças entre os lados direito-esquerdo nos músculos avaliados, apesar de não ter havido uma correlação significativa entre lados para o ADM. Em todos os subgrupos, PhrenAmpl não se correlacionou com DelAmpl ou com ADMAmpl em ambos os lados (p>0.05). Nos subgrupos bulbar e MI, ADMAmpl à direita correlacionou-se com DelAmpl (0.75, p=0.001; 0.57, p=0.007, respectivamente), assim como à esquerda (0.78, p<0.001; 0.54, p=0.01, respectivamente). Contudo, estas correlações não foram significativas em ambos os lados para o subgrupo de doentes com forma de início nos MS (p<0.1). 209 Susana Pinto Tabela 7 – Resultados das respostas motoras diafragmáticas, do deltoide e do ADM Latência distal (ms) Amplitude (mV) Area (mV.ms) Bulbar (n = 17) Del direito Del esquerdo Coeficiente correlação Diferença entre lados ADM direito ADM esquerdo Coeficiente correlação Diferença entre lados Phren direito Phren esquerdo Coeficiente correlação Diferença entre lados 4.24 (0.32) 4.07 (0.34) 0.8 (p<0.001) p =0.13 3.46 (0.49) 3.63 (1.19) 0.92 (p<0.001) p=0.27 8.69 (1.45) 8.35 (0.83) 0.75 (p<0.001) p =1.00 Del direito Del esquerdo Coeficiente correlação Diferença entre lados ADM direito ADM esquerdo Coeficiente correlação Diferença entre lados Phren direito Phren esquerdo Coeficiente correlação Diferença entre lados 4.43 (0.55) 4.38 (0.60) 0.4 (p=0.04) p=0.85 3.42 (0.47) 3.22 (0.45) 0.63 (p=0.002) p =0.05 8.50 (1.46) 8.43 (1.32) 0.63 (p=0.001) p =0.68 12.99 (6.60) 12.72 (4.86) 0.78 (p<0.001) p =0.63 8.86 (4.56) 9.17 (4.72) 0.74 (p=0.001) p=0.80 0.48 (0.24) 0.51 (0.31) 0.94 (p<0.001) p=0.55 22.59 (11.8) 23.07 (9.95) 0.64 (p=0.011) p =1.00 13.30 (6.80) 13.91 (6.53) 0.77 (p=0.001) p =1.00 2.04 (0.84) 2.00 (1.19) 0.89 (p<0.001) p=0.63 MS (n = 27) 9.11 (6.5) 9.52 (6.59) 0.7 (p<0.001) p=0.69 5.09 (3.74) 6.99 (4.14) 0.3 (p=0.099) p=0.44 0.51 (0.22) 0.62 (0.32) 0.9 (p<0.001) p=0.06 17.10 (12.20) 17.75 (12.28) 0.76 (p<0.001) p=1.00 7.27 (5.23) 10.53 (6.47) 0.43 (p=0.062) p=0.12 2.58(2.37) 2.76 (2.3) 0.84 (p<0.001) p=0.29 MI (n = 23) 4.12 (0.38) 13.84 (4.88) 24.79 (9.05) Del direito 4.26 (0.53) 13.00 (5.17) 22.4 (8.42) Del esquerdo 0.33 (p=0.125) 0.81 (p<0.001) 0.46 (p=0.03) Coeficiente correlação p =1.00 p =0.38 p =0.38 Diferença entre lados 3.43 (0.66) 8.14 (3.8) 13.79 (6.85) ADM direito 3.39 (0.48) 8.64 (5.43) 14.38 (8.76) ADM esquerdo 0.59 (p=0.003) 0.40 (p=0.058) 0.19 (p=0.407) Coeficiente correlação p =1.00 p =0.66 p =1.00 Diferença entre lados 8.55 (1.14) 0.50 (0.32) 1.83 (1.34) Phren direito 8.20 (0.94) 0.54 (0.32) 1.95 (1.29) Phren esquerdo 0.86 (p<0.001) 0.83 (p<0.001) 0.83 (p<0.001) Coeficiente correlação p =0.12 p =0.58 p =0.36 Diferença entre lados Para abreviações consultar Lista de Abreviações. A “bold” apresentam-se os resultados relevantes para p<0.05. Utilizou-se o coeficiente de Spearman para correlações entre lados, e entre os pares Phren-Del, Phren-ADM e ADM-Del ipsilaterais, e o Sign-test para comparações entre os músculos contralaterais. 210 Capítulo 3 – O Interesse do Estudo Neurofisiológico dos Músculos Respiratórios: contributo pessoal Os nervos frénico, circunflexo e cubital têm uma distribuição cervical em diferentes colunas somato-motoras (Routal et al. 1999a). O nervo frénico tem origem no plexo cervical profundo, resultando da reunião de ramos provenientes das segunda e terceira ansas cervicais. O seu núcleo somato-motor tem uma localização cervical mediana distribuindo-se geralmente de C3 a C5. Os nervos circunflexo e cubital inervam respectivamente Del e ADM, o primeiro com localização proximal e o último localizado distalmente no MS. Têm origem no plexo braquial, resultando dos troncos secundários dorsal e ventro-lateral, respectivamente. A coluna somato-motora do nervo circunflexo é mediana, imediatamente lateral à do nervo frénico, de localização C5; enquanto que a do nervo cubital é lateral, extendendo-se de C8-T1. O presente trabalho evidencia que as respostas motoras diafragmáticas por estimulação do nervo frénico são simétricas na ELA, independentemente da região de início dos primeiros sintomas. Contudo, a sua Ampl não se correlaciona com as respostas motoras de outros miótomos cervicais, provavelmente traduzindo que o núcleo do nervo frénico tem uma susceptibilidade particular à degenerescência neuronal. Hipoteticamente, esta diferente susceptibilidade poderá estar relacionada com a diferente distribuição cervical das colunas somato-motoras dos vários núcleos (Routal e Pal, 1999a). O Del tende a ser simetricamente envolvido, o que apenas ocorre no ADM nos doentes com forma de início bulbar ou nos MI. Este facto está relacionado com o início da doença focal e a fraqueza prodominantemente distal nos doentes cujos primeiros sintomas são referidos aos MS (Ravits et al., 2007; Ravits e La Spada, 2009). A avaliação da quantidade de LMN existentes pela determinação dos CMAP é limitada, dado que existe compensação parcial da progressiva perda neuronal pela reinervação colateral, 211 Susana Pinto como referido no Capítulo 2 da presente Tese. Contudo, a Ampl dos CMAP decai claramente ao longo do tempo durante a progressão da doença nos doentes com ELA, resultado da parcialidade dessa compensação (de Carvalho et al., 2000; de Carvalho et al., 2005). Pelo envolvimento simétrico do nervo frénico, os nossos resultados indicam que a resposta motora unilateral por estimulação do mesmo é suficiente para testar o número de UM no diafragma e para monitorizar a sua perda. Recentemente, foi proposto a implantação selectiva de pace-maker diafragmático na hemicúpula diafragmática mais parética em doentes com ELA (Onders et al., 2009). Contudo, e de acordo com o presente estudo, parece não ser necessário a pesquisa da hemicúpula mais fraca, devendo antes ponderar-se a sua implantação bilateral para aumento da eficácia terapêutica. 3.A.2. Associação entre a perda de unidades motoras no diafragma e nos músculos para-espinhais Os músculos para-espinhais são extensores da coluna vertebral, estabilizando-a, com suporte das cargas impostas pelas costelas durante o esforço ventilatório (Saumarez, 1986). A avaliação quantitativa dos PUM registados nos músculos paraespinhais ao nível de C6, T5 e L5 pode ser importante no diagnóstico precoce de ELA. Foi demonstrado previamente que a Ampl média e Dur dos PUM, assim como a percentagem de potenciais polifásicos estão aumentadas nesses músculos, traduzindo um processo de reinervação com PUM de morfologia complexa, de grande amplitude e duração. Os músculos referidos são tão sensíveis na detecção de fibs-sw como o músculo bicípede 212 Capítulo 3 – O Interesse do Estudo Neurofisiológico dos Músculos Respiratórios: contributo pessoal braquial (BB), embora os PFasc sejam mais frequentes neste último (de Carvalho et al. 2008b; de Carvalho et al. 2009d). Uma correlação possível entre a presença de fibs-sw nos músculos paraespinhais torácicos e a função respiratória dos doentes com ELA nunca foi estabelecida. Contudo, foi observado um envolvimento mais precoce de desinervação diafragmática e IR grave em dois de dez doentes com PMA com deservação dos músculos paraespinhais torácicos (de Carvalho et al., 2007). Os núcleos das células motoras responsáveis pela inervação dos músculos intercostais internos e para-espinhais assim como do diafragma têm uma distribuição mais mediana no corno anterior da medula espinhal (Routal e Pal., 1999a). Esta proximidade poderá traduzirse num envolvimento paralelo destes músculos, com implicações respiratórias importantes, razão pela qual é relevante a sua investigação. Realizámos um estudo prospectivo incluindo 44 doentes consecutivos com ELA, 6 com doença definitiva e os restantes com doença provável de acordo com os critérios revistos de El Escorial (Brooks et al. 2000), todos com valor funcional na escala ALS-FRS superior a 20. Foram excluídos doentes com outras condições médicas (DM, patologia pulmonar) e cirurgia torácica; polineuropatia e ausência de respostas uni ou bilaterais do nervo frénico nos estudos de condução nervosa; impossibilidade de localizar especificamente a região de início dos primeiros sintomas; ALSFRSb inferior a 8 (por necessidade de avaliação da CVF). Foram estudados o diafragma e os músculos intercostais internos, BB e os para-espinhais ao nível de C6 e de T5 do lado direito desde que a força muscular bicipital fosse superior a 3 na escala da MRC. Se inferior, a avaliação foi efectuada do lado esquerdo (em 10 doentes). Em 38 doentes foi também avaliado o músculo tibial anterior (TA) ipsilateral à avaliação do BB. Em cada músculo para213 Susana Pinto espinhal e dos membros foi avaliada a presença de actividade espontânea (SA) - fibs-sw e PFasc, assim como foi quantificada a morfologia dos PUM. Os valores preditos de CVF foram determinados num laboratório independente no intervalo de um mês da investigação neurofisiológica. Incluíram-se 44 doentes (13 do sexo feminino), com idade média aquando dos primeiros sintomas de 62 anos (entre 36-83 anos) e duração média da doença de 12 meses (entre 3-36 meses), 6 com forma de início bulbar, 1 com início respiratório e 37 doentes com forma medular (dos quais 21 referiam início dos primeiros sintomas nos MS). A CVF média foi de 81.6±14.6% (entre 30-105%) do valor predito, sendo inferior a 80% em 14 doentes. Nestes, PhrenAmpl e ALS-FRS foram significativamente menores que a apresentada pelos 30 doentes com valores normais de CVF, assim como foi significativamente mais frequente a presença de fibs-sw no diafragma, músculos intercostais internos e para-espinhais C6 e T5. O VPP e a especificidade destas alterações foram elevados quanto ao valor reduzido da CVF. Por outro lado, a presença de fibs-sw nos músculos BB e TA não foi preditiva de CVF anormal. Nos EMG dos músculos para-espinhais torácicos ao nível de T5 dos 3 doentes com os valores mais baixos de CVF (entre 30-60%) observou-se a presença de picos de actividade coincidentes com o esforço ventilatório, similares à actividade caracteristicamente registada no diafragma aquando da inspiração, o que indica o uso dos músculos para-espinhais como auxiliares do esforço ventilatório nestes doentes. As características demográficas e os resultados neurofisiológicos estão representados nas Tabelas 8 e 9. 214 Capítulo 3 – O Interesse do Estudo Neurofisiológico dos Músculos Respiratórios: contributo pessoal Tabela 8 – Características demográficas dos doentes estudados CVF≥ 80% CVF <80% 30 14 Idade 60.9 (10.4) 66.2 (11.9) 0.14 Duração da doença 11.0 (9.2) 14.4 (8.6) 0.25 ALS-FRS 31.5 (4.3) 27.1 (4.4) 0.003 Início bulbar 4 2 0.63 Início MS 14 7 0.7 Início MI 14 4 0.21 Número de doentes P Para abreviações consultar Lista de abreviações. Em “bold” apresentam-se os resultados relevantes para p<0.05. Tabela 9 – Resultados dos estudos neurofisiológicos dos doentes estudados PhrenAmpl Fibs-sw TA CVF≥ CVF 80% <80% P 0.7 0.35 (0.25) (0.21) 13 7 (12) 0.5 Sens Especif VPP ROC <0.001 (25) Fibs-sw BB 9 6 0.31 Fibs-sw C6 5 7 0.03 0.5 0.83 0.58 0.6 Fibs-sw T5 4 7 0.01 0.5 0.84 0.64 0.65 Fibs-sw 3 9 <0.001 0.64 0.9 0.75 0.77 3 8 0.002 0.57 0.9 0.73 0.74 diafragma Fibs-sw intercostais Para abreviações consultar Lista de abreviações. Em “bold” apresentam-se os resultados relevantes para p<0.05. Para comparação de variáveis contínuas entre doentes com e sem envolvimento respiratório utilizou-se o teste t para amostras não emparelhadas e para variáveis discretas o teste exacto de Fisher. Avaliou-se a Sens, a Especif e VPP dos vários parâmetros relativamente a CVF < 80%, sendo o seu poder discriminativo quantificado pela análise ROC. Os nossos estudos suportam a hipótese de que os núcleos motores localizados medialmente na medula cujos LMN inervam o 215 Susana Pinto diafragma e os para-espinhais são envolvidos concomitantemente na ELA. Esta nossa observação corrobora o conceito de haver uma susceptibilidade focal e regional na ELA, o que tem implicações para a compreensão da fisiopatologia e da progressão da doença (Ravits et al. 2007; Ravits e La Spada, 2009). Concluímos, que os doentes com fraqueza dos músculos para-espinhais torácicos têm um risco elevado de envolvimento respiratório e devem ser prontamente avaliados. 3.A.3. Envolvimento do músculo esternocleidomastoideu (SCM) O SCM é um músculo fusiforme, espesso, localizado na região ventro-lateral do pescoço. Insere-se na superfície lateral do processo mastoideu e na porção lateral da linha occipital superior. Desta inserção cefálica, atravessa obliquamente a porção lateral do pescoço, para baixo, para diante e para dentro, até à sua inserção por dois tendões distintos, na fúrcula esternal e na porção medial da clavícula. É inervado, tal como o trapézio, pelo nervo acessório, que cruza a sua face medial dirigindo-se para baixo, para trás e para fora (Gray, 1991). Para além das suas funções posturais e na mobilidade da cabeça e do pescoço, o SCM é também um músculo inspiratório acessório. progressivamente Em recrutado indivíduos durante saudáveis, esforços é respiratórios sucessivamente mais exigentes, mas não em repouso. No esforço máximo, é sempre solicitado. Contudo, quando existe fraqueza diafragmática, pode ser recrutado precocemente, inclusivamente em repouso (Campbell, 1955). Daí a importância do seu estudo na ELA e da compreensão do papel dos dois músculos - diafragma e SCM, na dinâmica ventilatória nesta doença. 216 Capítulo 3 – O Interesse do Estudo Neurofisiológico dos Músculos Respiratórios: contributo pessoal Os estudos de condução nervosa do nervo acessório avaliam frequentemente as respostas motoras do músculo trapézio (Trap) (Fahrer et al. 1974; Petrera et al. 1984; Green et al. 1985; Shankar et al. 1990; Bahrami et al. 2004). Estas respostas foram registadas no SCM em apenas um estudo (Krogness, 1974), utilizando-se agulha concêntrica, e em que a Ampl do SCM (SCMAmpl) foi inferior à do Trap. Contudo, o estudo do SCM asseguraria, conjuntamente com o do Trap, a melhor localização de uma eventual lesão do nervo acessório, quer distal se houvesse apenas envolvimento do Trap, quer proximal se envolvimento de ambos. De igual forma, o reaparecimento de resposta motora no SCM após uma lesão proximal grave é indicadora de reinervação e bom prognóstico. Na ELA, especialmente na forma de início bulbar em que não existem marcadores de envolvimento dessa região, o estudo das respostas motoras do SCM é, potencialmente, promissor. Outras aplicações desta técnica são a avaliação da lesão do nervo acessório por intervenção cirúrgica, neurite ou envolvimento bulbar. Nos dois estudos seguintes avaliámos a resposta motora do SCM por estimulação do nervo acessório, primeiramente em controlos saudáveis e, no segundo estudo, em doentes com ELA. Para o efeito, apresentamos um novo método para obtenção das respostas motoras do SCM por estimulação do nervo acessório, que poderá ser relevante para a localização de lesões distais do nervo acessório, como observadas após a biópsia de nódulos linfáticos. 217 Susana Pinto 3.a) Estudo das respostas motoras do SCM em controlos saudáveis Foram avaliadas 54 pessoas (23 mulheres e 31 homens; idade média de 61.9 ± 10.0 anos, entre 35-80 anos), referidas ao nosso laboratório com diplopia isolada e suspeita clínica de miastenia gravis ocular, nos quais a estimulação repetitiva (incluindo do Trap) e o EMG de fibra única do músculo orbicular dos olhos foi normal. O seu seguimento revelou uma etiologia oftalmológica, isquémica, lesão intracraniana compressiva do nervo oculo-motor ou idiopatia. Doentes com DM, polineuropatia e outras condições médicas foram excluídos. Em 39 pessoas avaliou-se os nervos acessórios direito e esquerdo (componente medular) (Tabela 10) enquanto que nas restantes 15 (Tabela 11) foi apenas estimulado o nervo acessório à direita mas com duas montagens distintas, uma delas igual à realizada nos primeiros 39 (Posição 1P1, diferente da Posição 2- P2) (Figura 2). Em P1, o eléctrodo estimulador bipolar de superfície foi colocado 1cm atrás do bordo posterior do SCM, poucos centímetros acima do bordo superior da cartilagem tiroideia e 7cm acima do eléctrodo de registo activo (G1), enquanto que em P2 o eléctrodo estimulador foi colocado mais acima, adiante do bordo anterior do SCM e do processo mastoideu, perto do foramen jugular. A estimulação supra-máxima foi conseguida pela utilização de impulsos rectangulares de 0.2ms de duração. Utilizaram-se eléctrodos de superfície com pequena área de registo (7×4mm, Medtronic 9013L0202), um pouco maiores no caso das 15 pessoas estudadas com duas posições do estimulador - P1 e P2 (15×20mm, Medtronic 9013S0241). G1 foi colocado sobre a porção média do SCM, imediatamente atrás do seu bordo medial e o eléctrodo de referência (G2) foi posicionado sobre o tendão esternal do SCM, com uma distância inter-eléctrodos de 7cm. O 218 Capítulo 3 – O Interesse do Estudo Neurofisiológico dos Músculos Respiratórios: contributo pessoal eléctrodo terra foi colocado no MS homolateral. Utilizaram-se filtros de amplificação de 20Hz e 10 kHz. Um ganho de 200µV foi utilizado para definir a Lat motora. Foram analizados a Lat distal, a Ampl pico-a-pico, a área do pico-negativo e a Dur do pico negativo, bem como a I de estímulo necessária para obter uma resposta supramáxima. Figura 2. Representação da localização da estimulação do nervo acessório e posicionamento dos eléctrodos de registo, assim como as respostas motoras obtidas no SCM e Trap. Traçado 1- Estimulação em P1 e registo no Trap (G1t). Traçado 2- Estimulação em P1 e registo no SCM (G1scm). Traçado 3- Estimulação em P2 e registo no SCM (G2). Os CMAP obtidos no SCM foram consistentes e morfologicamente bem definidos em todos os sujeitos. Houve uma boa tolerância em todos, não se tendo registado estimulação do plexo braquial, por a posição de estimulação ser realizada alguns centímetros acima do ponto de Erb. Os CMAP obtidos no SCM foram mais pequenos que os do Trap, como constatado anteriormente (Krogness, 1974). Contudo, houve menor variação inter-individual na dimensão dos CMAPs que a dos Trap apesar de 219 Susana Pinto ainda considerável, não houve diferenças significativas entre lados (p>0.1 para Lat, Ampl e área) os quais apresentam significativa correlação entre si (0.72 para a Lat, 0.69 para Ampl e para a área) e não houve influência significativa da idade. A I do estímulo necessária para obter uma resposta supra-máxima foi significativamente inferior em P1, com registo de uma LMD mais curta que a obtida por estimulação em P2. A estimulação em P2 foi também mais desconfortável por o estímulo ser mais doloroso e de I suficiente para estimulação concomitante do nervo facial. Este facto deve-se à localização anatómica mais profunda do nervo acessório a este nível. Não foram encontradas outras diferenças entre estimulações em P1 e P2, assim como entre os diferentes tipos de eléctrodos de registo. Por o tronco do nervo acessório atravessar a porção póstero-superior do SCM em direcção ao Trap, a estimulação em P1 é, teoricamente, distal à origem do ramo que inerva especificamente o SCM. Provavelmente, a estimulação a este nível despolariza o ramo do SCM por dispersão do estímulo. Contudo, não podemos excluir que a estimulação em P1 despolarize antidromicamente o ramo que inerva o Trap, desencadeando um potencial de acção que se propaga ao londo do ramo para o SCM. Este processo seria similar ao proposto para explicar o reflexo axonal, no qual a estimulação distal induz um potencial de acção antidrómico que, dirigindo-se proximalmente, viaja depois ortodromicamente por outro ramo e originando um CMAP (Fullerton et al., 1965). Ambas as possibilidades podem explicar a Lat discretamente mais curta obtida pela estimulação em P1, pela proximidade à ramificação do nervo acessório. 220 Capítulo 3 – O Interesse do Estudo Neurofisiológico dos Músculos Respiratórios: contributo pessoal Tabela 10- Resultados da Experiência 1 (39 pessoas incluídas) Média ± DP (máx-mín) Limites do normal (Média ± 2 DP) Latência motora distal (ms) Direito 1.72 ± 0.13 (1.46-2.0) 1.98 Esquerdo 1.71 ± 0.15 (1.42-2.1) 2.01 Ampl do pico negativo (mV) Direito 3.66 ± 0.95 (2.3-5.7) 2.14ª Esquerdo 3.50 ± 0.91 (2.3-6.2) 2.12ª Área do pico negativo (mV ms) Direito 18.43 ± 8.14 (7.0-41.0) 7.26ª Esquerdo 19.31 ± 9.52 (7.6-41.1) 6.73ª Duração do pico negativo (ms) Direito 11.57 ± 2.42 (7.3-17.0) 16.41 Esquerdo 11.06 ± 1.83 (8.2-15.2) 14.72 Para abreviações consultar Lista de abreviações. a. Limite inferior do normal, após transformação logarítmica. O teste t paired possibilitou a análise das diferenças entre estimulação à direita e à esquerda. A correlação de Spearman Rho foi utilizada para avaliar a correlação de todos os parâmetros entre lados e entre a idade e os parâmetros avaliados. Valores de p<0.05 foram considerados como estatisticamente significativos. 221 Susana Pinto Tabela 11 - Resultados da Experiência 2 (15 pessoas incluídas) Posições de estimulação P1 Média ± DP (máx-mín) 1.76 ± 0.16 (1.5-2.0) distal (ms) P2 1.90 ± 0.18 (1.6-2.2) Amp do pico P1 4.37 ± 1.00 (2.7-6.0) negativo (mV) P2 4.22 ± 0.90 (2.7-5.8) Área do pico P1 18.63 ± 5.18 (11.0-29.8) negativo (mV.ms) P2 20.17 ± 4.84 (12.6-29.0) Duração do pico P1 11.65 ± 1.74 (9.0-14.7) negativo (ms) P2 12.13 ± 1.95 (10.0-14.8) Intensidade (mA) P1 49.92 ± 16.2 (25.0-71.0) P2 68.93 ± 17.2 (38.0-98.0) Latência motora p 0.01 0.42 0.37 0.16 <0.001 Para abreviações consultar Lista de abreviações. Em “bold” apresentam-se os resultados relevantes para p<0.01. O teste t paired foi utilizado para comparar as avaliações obtidas pela estimulação em P1 e P2 nos mesmos sujeitos. Diferenças entre eléctrodos (para os 39 doentes e para os 15 em P1) foram avaliados através do teste Mann-Whitney U. 3.b) Estudo das respostas motoras do SCM em doentes com ELA Estudo prospectivo incluindo 45 doentes consecutivos com ELA, com doença pelos critérios definitiva (9) ou provável (36), como definido revistos de El Escorial, cujos aspectos neurofisiológicos foram recentemente actualizados no consenso de Awaji (de Carvalho et al., 2008a). Três doentes faziam VNI no período nocturno. Foram excluídos doentes com outras condições médicas (DM, patologia pulmonar) e cirurgia torácica; polineuropatia e ausência de respostas uni ou bilaterais dos nervos frénico e 222 Capítulo 3 – O Interesse do Estudo Neurofisiológico dos Músculos Respiratórios: contributo pessoal acessório nos estudos de condução nervosa; impossibilidade de localizar especificamente a região de início dos primeiros sintomas; ALS-FRSb inferior a 8 (por necessidade de avaliação da CVF). Avaliaram-se os seguintes parâmetros, realizados no intervalo máximo de 1 mês após a entrada no estudo: ALS-FRS e dos subtotais ALS-FRSb e do RofALS-FRS-R; CVF, MIP, MEP e P0.1 e SNIPsit; PaO2, PaCO2 e pH; SCMLat e PhrenLat, SCMAmpl e PhrenAmpl, SCMArea e PhrenArea; OPN- SpO2mean, SpO2min, SpO2<90%, %Dips/h <4%. Incluiram-se 45 doentes com ELA (30 do sexo masculino), com idade média aquando dos primeiros sintomas de 60.6 ± 13 anos (entre 36-83 anos) e duração média da doença aquando a avaliação de 20 ± 11 meses (entre 1-54 meses). A forma de início da doença foi bulbar em 12 e medular em 33 (26 dos quais com envolvimento inicial dos MS). As características demográficas estão representadas na Tabela 12. Não houve diferenças entre lados para as várias medidas neurofisiológicas (p>0.05), verificando-se elevada correlação entre eles (PhrenAmpl =0.92; PhrenLat =0.88; PhrenArea =0.84, SCMAmpl =0.87, SCMLat =0.77, SCMarea =0.85). Devido à correlação significativa entre a área (pico negativo) e a Ampl (pico-a-pico) das respostas motoras do SCM e do diafragma (0.7, p<0.01) utilizou-se SCMAmpl e PhrenAmpl à direita nas análises seguintes. A força de flexão do pescoço foi avaliada com os doentes em decúbito dorsal e classificada segundo a escala do MRC, permitindo a sua separação em dois subgrupos – aqueles com força normal (MRC=5) e os com fraqueza muscular (MRC<5), este último incluindo os 3 doentes que faziam VNI nocturna. Nos 26 doentes com fraqueza muscular cervical, SCMAmpl foi menor e SCMLat maior que nos doentes com força muscular normal (p<0.001), estes 223 Susana Pinto últimos com valores similares aos obtidos na população de controlo do estudo anterior (Pinto e de Carvalho, 2008a). Na Figura 3 estão representados os traçados das respostas motoras do SCM por estimulação do nervo acessório em doentes com e sem fraqueza cervical. Figura 3- Respostas motoras do SCM obtidas por estimulação eléctrica do nervo acessório. Traçado superior (A): CMAP de um doente com com força de flexão do pescoço grau 5 segundo a MRC; Traçado inferior (B): CMAP de um doente com fraqueza cervical; Em A e B sobrepuseram-se 3 respostas para assegurar a reprodutividade. 224 Capítulo 3 – O Interesse do Estudo Neurofisiológico dos Músculos Respiratórios: contributo pessoal Tabela 12 – Características demográficas da população de doentes com ELA Média ± DP Mín-Máx ALS-FRS ALS-FRS 27.8 ± 6.0 13–37 ALS-FRSb 9.6 ± 2.7 2–12 RofALS-FRS-R 11.1 ± 1.5 6–12 Provas de função respiratória (avaliadas com os doentes sentados) CV (% predito) 80.9 ± 17.6 41.0–110.0 CVF (% predito) 81.3 ± 17.97 34.0–110.0 MIP (% predito) 52.7 ± 19.11 13.3–84.2 SNIP (cmH2O) 56.8 ± 25.43 15.7–111.7 MEP (% predito) 60.8 ± 22.8 15.0–98.0 P0.1 (% predito) 86.2 ± 22.3 53–145.6 pO2 (mmHg) 86.8 ± 10.0 59.7–106.0 pCO2 (mmHg) 40.1 ± 3.05 35.0–48.4 Oximetria de Pulso Nocturna SpO2mean (%) 93.9 ± 2.62 87.8–97.1 SpO2min (%) 81.9 ± 9.33 56.0–93.0 SpO2<90% 10.7 ± 21.7 0.0–73.7 %Dips<4%/h 2.86 ± 4.14 0.0–16.5 Estudos neurofisiológicos Phren CMAP (avaliado à direita) Lat (ms) 8.70 ± 1.23 6.80–12.20 Ampl (mV) 0.54 ± 0.29 0.05–1.20 Area (mV.ms) 1.93 ± 1.05 0.10–4.10 SCM CMAP (avaliado à direita) Lat (ms) 1.97 ± 0.23 1.67–2.7 Ampl (mV) 3.37 ± 1.40 0.40–6.6 Area (mV.ms) 15.43 ± 6.8 3.7–32.0 Para abreviaturas, consultar Lista de abreviaturas. 225 Susana Pinto Os doentes com fraqueza cervical e menor SCMAmpl apresentavam alterações mais graves das PFR e valores de ALSFRS, incluindo os subtotais bulbar e respiratório, mais baixos (ver Tabela 13). Pela correlação moderadamente positiva entre SCMAmpl e ALSFRSb (rs=0.36, p<0.05), SCMAmpl poderá ter um papel relevante como marcador alternativo do envolvimento bulbar progressivo nos doentes com ELA, dado nenhuma outra medida neurofisiológica ter sido proposta, à data. Contudo, estudos longitudinais são necessários. A força muscular do SCM e do diafragma são essenciais para as manobras que permitem determinar a MIP e SNIP, duas medidas da força muscular inspiratória (Black e Hyatt, 1971; Hautmann et al. 2000; Stefanutti et al. 2000). A CVF está menos relacionada com a força destes músculos, por depender também de outros factores, como a força dos músculos expiratórios (Celli, 1989). Esta é a razão pela qual a MIP e SNIP são mais sensíveis para avaliação da função inspiratória (Black e Hyatt, 1971; Hautmann et al. 2000; Stefanutti et al. 2000; Cha, 1989; Quanjer et al. 1993). No nosso estudo, SCMAmpl correlacionou-se significativamente com SNIP (0.80, p<0.01), MIP (0.77, p<0.01), CVF (0.47, p<0.01) e PhrenAmpl (0.45, p<0.01). Houve igualmente correlação positiva significativa entre CVF, SNIP e MIP (p<0.01). Segundo a regressão linear, a SCMAmpl pode explicar os valores de SNIP, MIP e CVF em, respectivamente, 60.5%, 59.3% e 18.2%. Apesar de PhrenAmpl poder explicar os resultados de SNIP em 78.8%, no caso da MIP e CVF esses valores são de 15.9% e 18.9%, respectivamente. Quando se considera simultaneamente ambas as medidas (SCMAmpl e PhrenAmpl), pela análise linear multivariada clássica, 83.8% dos valores de SNIP, 58.1% dos de MIP e 23% dos de CVF podem ser explicados por esta associação, segundo as fórmulas: SNIP= 0.327 226 Capítulo 3 – O Interesse do Estudo Neurofisiológico dos Músculos Respiratórios: contributo pessoal SCMAmpl + 0.666 PhrenAmpl, MIP= 0.747 SCMAmpl + 0.067 PhrenAmpl e CVF= 0.293 SCMAmpl + 0.31 PhrenAmpl. Os nossos registos sugerem que a força do SCM tem uma contribuição mais importante para a determinação da MIP que a força do diafragma, oposto ao que acontece com a SNIP. Deste modo, SNIP e MIP podem dar informação complementar quanto à força muscular inspiratória, como antes sugerido (Steier et al. 2007). A correlação positiva entre SCMAmp e MEP (rs=0.50, p<0.01) pode parecer contraditório. Contudo, apesar da expiração ser um processo passivo, quando activo necessita não apenas da contracção dos músculos expiratórios mas também da contracção dos músculos inspiratórios acessórios, como o SCM. Por outro lado, como a função normal dos músculos expiratórios no final da expiração é particularmente importante para a inspiração máxima, também o inverso se verifica para a expiração máxima (Cha, 1989). Foi ainda observada correlação entre SCMAmpl e a os valores de P0.1 (0.41, p<0.05), o qual avalia a actividade do centro respiratório. De facto, a fraqueza dos músculos respiratórios é responsável pelo aumento da actividade do centro respiratório, traduzindo-se no aumento da frequência respiratória (Baydur, 1991) que, apesar de ser um mecanismo compensatório, pode agravar a fadiga desses músculos. Não houve correlação significativa entre SCMAmpl e as medidas obtidas pela OPN. A SpO2mean parece ser mais dependente da actividade do diafragma e da função do centro respiratório. O envolvimento deste último explicaria as alterações oximétricas nocturnas, nomeadamente o padrão oscilatório periódico da SpO2mean, por vezes observado nos doentes com ELA com PFR e EMG do diafragma normais (Atalaia et al., 2007). 227 Susana Pinto Tabela 13 – Comparação dos doentes com força de flexão cervical normal e diminuída Força de flexão Força de flexão cervical=5 cervical<5 Média ± DP (Mín-Máx) Média ± DP (Mín-Máx) ALS-FRS ALS-FRS 29.5 ± 5.6 (17–37) 26 ± 5.9 (13–37)* ALS-FRSb 10.4 ± 2.2 (4–12) 8.8 ± 3.1 (2–12)* RofALS-FRS-R 11.6 ± 1.3 (6–12) 10.5 ± 1.5 (7–12)* Provas de função respiratória CV (% predito) 84.2 ± 17.1 (46.9–110.0) 77.7 ± 18.0 (41–108.3)* CVF (% predito) 85.5 ± 16.7 (44.6–110.0) 76.9 ± 18.7 (34–102.1)* MIP (% predito) 63.6 ± 11.8 (46.82–84.2) 41.9 ± 19.1 (13.3–82.7)* 70.2 ± 22.4 (29.1–111.7) 38.1 ± 16.1 (15.7–66.2)* SNIP (cmH2O) MEP (% predito) 68.8 ± 17.3 (34.8–98.0) 52.8 ± 25.3 (15–88.8)* P0.1 (% predito) 81.5 ± 18.5 (53–110.4) 91.8 ± 25.6 (53–145.6)* Oximetria de pulso nocturna SpO2mean (%) 94.6 ± 1.37 (92.4–96.1) 93.1 ± 3.0 (87.8–96.3) SpO2min (%) 84.6 ± 5.8 (76.0–91.0) 80.3 ± 11.1 (56.0–93.0) 2.4 ± 3.8 (0.0–9.4) 17.7 ± 27.6 (0.0–73.7) SpO2<90% (%) CMAP do diafragma (avaliado à direita) Lat (ms) 8.78 ± 1.37 (6.90–12.20) 8.6 ± 1.1 (6.8–11.3) Ampl (mV) 0.66 ± 0.32 (0.05–1.20) 0.41 ± 0.18 (0.1–0.8)* CMAP do SCM (avaliado à direita) Lat (ms) 1.86 ± 0.12 (1.67–2.2) 2.10 ± 0.26 (1.67–2.7)* Ampl (mV) 4.26 ± 1.01 (2.60–6.60) 2.39 ± 1.08 (0.4–4.3)* Para abreviações consultar Lista de abreviações. *p<0.01 (teste de Mann-Whitney): todas as medidas foram significativamente diferentes no subgrupo de doentes com fraqueza cervical, à excepção dos registos oximétricos. 228 Capítulo 3 – O Interesse do Estudo Neurofisiológico dos Músculos Respiratórios: contributo pessoal Os nossos resultados indicam que os doentes com parésia cervical devem ser cuidadosamente avaliados. Apesar do SCM ser um importante músculo inspiratório acessório, a sua capacidade compensatória é provavelmente limitada na ELA, tal como justificado pela elevada correlação encontrada no nosso estudo entre SCMAmpl e PhrenAmpl, sugerindo perda progressiva paralela de UM nos músculos SCM e diafragma. O SCM e o Trap correspondem ao mesmo miótomo e são inervados pelo mesmo nervo periférico, mas o SCM recebe inervação cortical bilateral, enquanto que o Trap recebe apenas inervação cortical contralateral. Na medida em que ambos apresentam o mesmo grau de envolvimento na ELA tal parece contradizer possível hipótese corticomotoneuronal como base etiofisiopatológica para o desenvolvimento da ELA (de Carvalho et al. 2011b). 229 Susana Pinto 3.B. Relevância para a prática clínica do estudo das respostas elevâncmotoras do nervo frénico e dos parâmetros das provas de função respiratória 3.B.1. Haverá um envolvimento respiratório mais precoce nas formas de início bulbar? Em doenças progressivas e sem cura conhecida como a ELA é particularmente relevante estabelecer um prognóstico adequado. Vários factores têm sido associados a um pior prognóstico nos doentes com ELA, estando a forma de início bulbar associada a uma menor sobrevida (Chiò et al., 2002; Del Aguilla et al., 2003; Rosen, 1978; Tysnes et al., 1991; Pinto et al., 2009a). Outros factores de mau prognóstico são a idade mais avançada aquando dos primeiros sintomas (Haverkamp et al., 1995), a dispneia como forma de início da doença (Ringel et al., 1993), a rápida progressão (Haverkamp et al., 1995) e a curta duração da doença até ao diagnóstico (Ringel et al., 1993; Pinto et al., 2009a). Nas formas de início bulbar, desconhece-se se o pior prognóstico está relacionado com um envolvimento respiratório mais precoce ou com outros factores, como o início da doença mais tardio ou por disfagia, com consequente malnutrição, aspiração de alimentos e infecções respiratórias. Dado a IR ser a principal causa de morte da ELA, poder-se-ia esperar um envolvimento respiratório mais precoce nestes doentes do que nos com forma de início medular. Contudo, este facto não foi anteriormente demonstrado. Estes doentes apresentam fraqueza peri-oral, dificultando a realização de testes respiratórios que necessitem de um bucal. Foi anteriormente demonstrado que outros testes como a SNIP e a medição invasiva da pressão transdiafragmática (Pdi) não são preditores de hipercapnia em doentes com forma de início bulbar, por provável envolvimento de outros mecanismos (Lyall et al. 2001a). Causas 230 Capítulo 3 – O Interesse do Estudo Neurofisiológico dos Músculos Respiratórios: contributo pessoal possíveis são a disfunção do centro respiratório, frequente aspiração de alimentos, microactelectasias, diminuição da compliance pulmonar e a queda da oxigenação sanguínea (Robbins, 1987). No intuito de estudar a função respiratória nos doentes com formas de início bulbar mas também medular, avaliámos prospectivamente 238 doentes com idade de início da doença entre 20 e 70 anos, decorrendo a avaliação entre 6 a 18 meses após o início dos primeiros sintomas. Foram excluídos doentes com patologia pulmonar ou com sinais de envolvimento respiratório ou outras condições médicas (como a DM), submetidos anteriormente a cirurgia torácica, com polineuropatia ou ausência de respostas uni ou bilaterais do nervo frénico nos estudos de condução nervosa, com valores de ALS-FRSb inferiores a 8 (por necessidade de avaliação da CVF) ou em que não era possível localizar especificamente a região de início dos primeiros sintomas. Os doentes foram subdivididos em dois subgrupos, de acordo com a forma de início da doença – G1, subgrupo medular, se a fraqueza muscular de um membro foi a primeira queixa e G2, subgrupo bulbar, se os primeiros sintomas foram disartria e/ou disfagia. Dos 238 doentes, foram seleccionados os 82 que preenchiam os critérios de inclusão, dos quais 45 foram incluídos em G1 e 37 em G2 (ver as características demográficas dos doentes incluídos na Tabela 14). A idade média dos doentes foi mais elevada em G2, como esperado, por os primeiros sintomas serem mais tardios em doentes com forma de início bulbar (Haverkamp et al. 1995), sendo nestes doentes os valores de ALS-FRSb mais baixos. O RofALSFRS-R foi elevado em ambos os grupos, pela exclusão de doentes com envolvimento respiratório. A distribuição por sexo e a duração da doença aquando da inclusão foram similares, assim como os totais da escala ALS-FRS e o RofALS-FRS-R. No intervalo de um 231 Susana Pinto mês, avaliámos eventuais diferenças nos valores de ALS-FRS, incluindo ALS-FRSb e RofALS-FRS-R, nas provas de função respiratória (CVF, MIP, MEP e P0.1), gasometria arterial (PaO2, PaCO2 e pH); OPN (SpO2mean, SpO2min, SpO2<90% e %Dips/h>4%) e estudos neurofisiológicos (do frénico e intercostais PhrenLat e PhrenAmpl, e EMG de agulha do diafragma dos intercostais internos à direita) em doentes com formas de início bulbar e medular. A avaliação neurofisiológica dos músculos inspiratórios e expiratórios não demonstrou diferenças significativas entre G1 e G2, traduzindo uma perda paralela de UM. Nas PFR, só MIP e MEP foram significativamente menores em G2 (p=0.001 e p=0.006, respectivamente). Como a determinação destas pressões depende de um bom encerramento da boca em torno do bucal utilizado na medição, valores baixos de MIP e MEP podem espelhar a fraqueza orofacial presente nos doentes com forma de início bulbar. Contudo, a inexistência de correlação entre MIP e MEP e ALS-FRSb (p=0.070 e p=0.138, respectivamente) põe em causa esta explicação. Testes adicionais utilizando diferentes interfaces para a medição das pressões máximas poderiam, por esta razão, dar um importante contributo. É também possível que MIP e MEP representem medidas mais sensíveis na detecção de envolvimento respiratório na ELA. Como o diafragma e os músculos intercostais estão similarmente envolvidos em ambos os grupos, pode-se igualmente discutir a existência de uma possível disfunção do centro respiratório em G2. Mas esta hipótese não foi evidenciada pelos valores de P0.1 e parâmetros da OPN. Poder-se-á ainda especular se os doentes em G2 apresentam menor coordenação para a realização eficiente dos movimentos respiratórios. Outra provável explicação é o possível envolvimento mais grave dos 232 Capítulo 3 – O Interesse do Estudo Neurofisiológico dos Músculos Respiratórios: contributo pessoal músculos inspiratórios acessórios nos doentes com forma de início bulbar, nomeadamente do SCM. Em conclusão, não há evidência que suporte que a fraqueza diafragmática seja mais precoce nos doentes com ELA com forma de início bulbar, sendo o seu potencial de reabilitação respiratória provavelmente similar ao dos doentes com forma de início medular. 233 Susana Pinto Tabela 14 – Comparação entre os doentes em G1 (forma de início medular) e G2 (forma de início bulbar) Idade no início da G1- Medular (n=45) G2- Bulbar (n=37) P 55.3 (10.3) 61.46 (7.5) 0.004* ,,,24 (53%) 413 (35%) , 0.15 11.2 (3.2) 10 (3.9) 0.14 12.2 (3.0) 11.6 (2.6) 0.36 doença (anos) Sexo masculino Duração da doença no diagnóstico (meses) Duração da doença na inclusão (meses) ALS-FRS ALS-FRS 32 32 0.88 ALS-FRSb 12 7 ,<0.001* RofALS-FRS-R 12 12 0.77 Provas de função respiratória CVF (% predito) 88.7 (27.9) 81.7 (19.6) 0.123 MIP (% predito) 50.7 (24.5) 31.5 (23.3) 0.001* MEP (% predito) 62.9 (29.3) 44.2 (21.5) 0.006* P0.1 (% predito) 86.4 (41.6) 92.3 (47.4) 0.62 PaCO2 (% predito) 38.5 (4.8) 39.4 (5.7)4 0.92 PaO2 (% predito) 88.5 (9.3) 88.9 (12.8) 0.45 Oximetria de pulso nocturna 94.7 (2.1) 95.2 (1.4) 0.31 83.84 (9.1)4 87.3 (4.5) 0.16 SpO2<90% (%) 4.3 (12.4) 1 (3.7) 0.04 %Dips/h>4% 5.5 (10.1) 1.5 (1.5) 0.06 SpO2 mean (%) SpO2min (%) Estudos de condução nervosa do nervo frénico Ampl (dir/ esq) 0.4 (0.3)/0.4 (0.3) 0.4 (0.2)/ 0.4 (0.2) 0.94/ 0.88 Lat (dir/ esq) 8.4 (1.2)/8.2 (0.9) 8.3 (1.1)/ 8.1 (0.9) 0.52/ 0.43 Para abreviações ver Lista de abreviações. O teste de Mann-Whitney U foi utilizado para análise dos dados contínuos 2 e o teste de χ para as variáveis discretas. Aceitou-se como significativo valores de p<0.01, pelas múltiplas comparações efectuadas, com correcção de Bonferroni. 234 Capítulo 3 – O Interesse do Estudo Neurofisiológico dos Músculos Respiratórios: contributo pessoal 3.B.2. Valor preditivo para a hipoventilação das respostas motoras diafragmáticas A sobrevida dos doentes com ELA depende fundamentalmente do surgimento de hipoventilação (Fallat et al., 1979), geralmente definida como presente quando se identifica hipercapnia. Outros factores são igualmente importantes, como o sexo e a idade (factores constitucionais), o envolvimento bulbar, o maior predomínio de sinais do primeiro ou do segundo neurónio motores e o grau de progressão da doença (Zoccolella et al., 2008) assim como presença de desidratação e mal-nutrição (Limousin et al. 2010). A hipoventilação pode ser compensada de forma efectiva pela VNI, melhorando a sobrevida e a qualidade de vida dos doentes (Bourke et al. 2006). Deste modo, é relevante a identificação de testes respiratórios capazes de, de forma segura e reproductível, predizer a sua presença. Várias medidas da função respiratória têm sido estudadas na ELA, especialmente no intuito de detectar precocemente um eventual envolvimento respiratório. A CVF é preditiva do prognóstico na ELA, sendo comunmente utilizada nos vários ensaios clínicos (Fallat et al., 1979; Czaplinski et al., 2006a). Recentemente, a SNIP (Morgan et al., 2005) e a OPN (Velasco et al., 2002; Pinto et al., 2003) foram igualmente consideradas como medidas sensíveis e preditivas de sobrevida em doentes com ELA. Lyall e colaboradores (2001a) num estudo com 81 doentes, concluiram que SNIP e a pressão transdiafragmática avaliada invasivamente têm valor preditivo de hipercapnia em doentes com forma de início medular. Contudo, nos doentes com forma de início bulbar, nenhum teste demonstrou valor preditivo satisfactório. Em geral, as PFR necessitam de uma excelente colaboração dos doentes, especialmente na realização de esforços inspiratórios e expiratórios máximos. A estimulação do nervo frénico 235 Susana Pinto é um teste não-volicional, facilmente realizável e bem tolerado. A obesidade pode dificultar o registo, enquanto que a dispersão da corrente pode produzir artefactos por estimulação do plexo braquial (de Carvalho, 2004). A PhrenAmpl depende do número de UM excitáveis do diafragma (Evangelista et al., 1995) mas outros factores podem influenciá-la, como a morfologia e o índice de massa corporal e os ciclos respiratórios (Chen et al., 1995). Por este motivo, a estimulação é realizada em repouso, no fim de cada ciclo respiratório. Na tentativa de prever, aquando da primeira observação, o eventual desenvolvimento de IR em doentes com ELA, avaliámos o valor preditivo dos principais parâmetros respiratórios das PFR e das respostas motoras do nervo frénico. Nos últimos 7 anos foram seguidos na Unidade de Neuromusculares do HSM 450 doentes consecutivos com ELA definitiva ou provável segundo os critérios modificados do El Escorial (Brooks et al. 2000). Dos 450 doentes, 199 foram incluídos (99 do sexo feminino), dos quais 52 com ELA definitiva e 147 com ELA provável. A forma de início da doença foi bulbar em 68 doentes e medular em 131 (com início nos MS em 63) e a sua duração média aquando da inclusão foi de 17.2 ± 15.6 meses, registando-se hipercapnia em 24 doentes. Excluíramse doentes com idade superior a 80 ou inferior a 25 anos, com ALSFRSb inferior a 8 (por necessidade de avaliação da CVF) com outras condições médicas (DM, patologia pulmonar, doenças debilitantes) com realização de cirurgia torácica prévia, com polineuropatia ou ausência de respostas uni ou bilaterais dos nervos frénico nos estudos de condução nervosa, ou nos quais foi impossível localizar especificamente a região de início dos primeiros sintomas. A presença de sintomas respiratórios não constituíu um critério de exclusão quando devida a fraqueza muscular respiratória. De acordo com a forma de início, os doentes foram subdivididos em 236 Capítulo 3 – O Interesse do Estudo Neurofisiológico dos Músculos Respiratórios: contributo pessoal dois subgrupos - G1 (com forma de início medular) e G2 (com forma de início bulbar). Apesar de nenhum doente estar adaptado a VNI aquando da sua primeira avaliação, esta terapêutica foi necessária em muitos durante a progressão da doença. A hipoventilação foi definida pela presença de hipercapnia, PaCO2≥ 45mmHg (Lyall et al. 2001a; Roussos et al. 2003). No intervalo de um mês foram avaliados ALS-FRS e os subtotais ALS-FRSb, ALS-FRSm e RofALS-FRS-R; provas de função respiratória (CVF, MIP, MEP e P0.1); valores gasométricos (PaO2, PaCO2 e pH); parâmetros neurofisiológicos (PhrenLat, PhrenAmpl e PhrenArea) e valores oximétricos (SpO2mean, SpO2min, SpO2<90%, %Dips/h<4%). As características demográficas dos 199 doentes e dos subgrupos G1 e G2 estão representadas na Tabela 15, não havendo diferenças demográficas significativas em relação aos restantes doentes seguidos na nossa Unidade (p>0.05). As respostas motoras por estimulação do nervo frénico apresentavam uma morfologia bifásica, com início abrupto a partir da linha de base (Figura 4). A PhrenAmpl, como indicado na Tabela 15, representa o valor médio das Ampl determinadas em ambos os lados, pela elevada correlação existente entre a Ampl bilateral (0.92, p<0.001). Apesar das diferenças na CVF, MIP e MEP entre G1 e G2, não se observou diferenças significativas relativamente a PhrenAmpl e PaCO2. Estes resultados sugerem, como esperado clinicamente, que poderá ter havido problemas técnicos na medição de CVF, MIP e MEP em G1. Para toda a população e para cada um dos subgrupos foram calculados a Sens, a Especif, os VPP e VPN assim como o poder discriminativo, este último pela análise ROC. Inicialmente, os valores de corte para os parâmetros a seguir indicados foram estabelecidos de acordo com os valores normativos geralmente aceites: para a CVF 80% do predito; para a MIP e MEP 60% do predito; para a P0.1 80% (Fallat et al. 1979; Gardner et al. 1989; 237 Susana Pinto Hautmann et al. 2000); 0.40 mV para PhrenAmpl (de Carvalho, 1994). A utilização de valores de corte clássicos demonstrou que o VPP dos mesmos era baixo, como esperado, dado muitos doentes com valores anormais de CVF, MIP, MEP ou PhrenAmpl não terem hipercapnia. No entanto, as Sens, Especif e VPN eram elevados. A análise ROC demonstrou que a força descriminativa dos mesmos era elevada para a CVF e PhrenAmpl em ambos os grupos e MIP em G2, como definido por valores superiores a 0.70 de área abaixo da curva (Metz, 1978) (ver Tabela 16). A análise de regressão logística indicou que apenas a CVF (p=0.01) e PhrenAmpl (p=0.03) para G2 e PhrenAmpl (p=0.01) para G1 estavam significativamente relacionados com a presença de hipercapnia (Tabela 17). Assim, um modelo logístico incluindo PhrenApml e CVF para G2 e PhrenApml para G1 permitiu derivar um novo conjunto de valores de corte, recalculando-se Sens, Especif, VPP, VPN e ROC (Tabela 18) do qual resulta melhoria da Especif e, consequentemente, do VPP. A Sens da CVF em G2 foi inferior para o novo valor de corte (63.4%). Os novos valores de corte para PhrenAmpl foram ligeiramente inferiores para G1 e G2, mas associados a aumentos consideráveis das Especif e Sens e dos seus valores descriminativos. VPN foi quase de 100%, indicando que valores anormais de PhrenAmpl estão fortemente associados a hipercapnia. Pelo contrário, o VPP foi inferior (19.6% em G1 e 33% em G2) indicando maior incerteza quanto à hipercapnia quando PhrenAmpl é normal. 238 Capítulo 3 – O Interesse do Estudo Neurofisiológico dos Músculos Respiratórios: contributo pessoal Figura 4. Estudos de condução motora do nervo frénico. Respostas motoras registadas no diafragma com eléctrodos de superfície por estimulação do nervo frénico. A. Respostas em doentes com ELA sem envolvimento respiratório. B. Respostas em doentes com ELA com hipercapnia, demonstrando diminuição da resposta diafragmática. Durante o seguimento dos doentes, foi adaptada VNI a 102 doentes que não apresentavam hipercapnia aquando da avaliação inicial. Em 67 doentes com valores de PhrenAmpl normais, a VNI foi adaptada após 10 ± 10.6 (0–60) meses, enquanto que nos 35 doentes com valores anormais, a adaptação ocorreu precocemente, após 3.9 ± 4.5 (0-13) meses. Nos 70 doentes com valores normais de CVF, a VNI foi iniciada 10.3 ± 12.7 (0-11) meses após a observação, enquanto que nos 32 doentes com valor reduzido de CVF o tempo médio foi de 5.9 ± 6.7 (0-21) meses. Estas diferenças foram significativas, em particular para PhrenAmpl (p<0.001 e p=0.046 para PhrenAmpl e para CVF, respectivamente). 239 Susana Pinto Tabela 15 – Características demográficas e resultados dos testes respiratórios dos 199 doentes com ELA Todos os doentes G2 (bulbar) G1 (medular) Nr de doentes 199 (100%) 68 (34.2%) 131 (65.8%) Sexo feminino 99 (49.8%) 45 (66.2%) 54 (41.2%)** Idade (anos) 61 ± 11 (28–80) 64.8 ± 9.2 (36–80) 59.2± 11.1 (28–79)** Duração da 17.2 ± 15.6 (1–72) 12.3 ± 7.5 (1–45) 19.8 ± 18 (1–72)** 24 (12.1%) 10 (14.7%) 14 (10.7%) 30.9 ± 5.3 (14–39) 31.0 ± 5.5 (16-37) 30.9 ± 5.3 (14–39) ALS-FRSb 9.1 ± 2.8 (3–12) 6.9 ± 2.0 (3-9) 11.35 ± 1.1 (8–12)** RofALS-FRS-R 11.3 ± 1.1 (8–12) 11.2 ± 1.2 (8–12) 11.41 ± 0.9 (8–12) PhrenAmpl 0.45 ± 0.3 (0–1.4) 0.39 ± 0.2 (0.1– 0.48 ± 0.3 (0–1.4) doença (meses) Nr de doentes com hipercapnia ALS-FRS 0.8) CVF (% predito) 84.13 ± 23.5 76.6 ± 21.7 88.1 ± 23.5 (18.4–137) (31.7–124) (18.4–137)** 44 ± 23.67 32.6 ± 20 49.9 ± 23.3 (6.2–119.7) (7.1–84.2) (6.2–119.7) ** 58.2 ± 27.6 46.85 ± 22.5 64.1 ± 28.2 (5.12–142) (5.1–105.9) (11.5–142) ** 90.2 ± 43.0 101.3 ± 57.6 84.4 ± 31.7 (14.2–310) (19.1–310.4) (14.2–237) PaCO2 (% 39.2 ± 4.25 39.5 ± 3.9 39.0 ± 4.4 predito) (28.1–62.6) (31.9–51.4) (28.1–62.6) MIP (% predito) MEP (% predito) P0.1 (% predito) Para abreviações consultar Lista de abreviações. Os resultados referem-se a média ± desvio padrão (mínimo-máximo). **valores significativos para p<0.01 (teste de Mann–Whitney). 240 Capítulo 3 – O Interesse do Estudo Neurofisiológico dos Músculos Respiratórios: contributo pessoal Tabela 16 – Valor preditivo dos testes respiratórios aplicando os valores de corte normativos convencionais Valores de corte Sens (%) Especif (%) ROCAUC VPP (%) VPN (%) 93.6 Todos os doentes CVF 80% 66.7 66.3 0.723 21.3 MIP 60% 100 26.9 0.671 15.8 100 MEP 60% 75 52.0 0.626 17.7 93.8 P0.1 80% 45.8 56.6 0.546 12.6 88.4 0.4mV 75 62.9 0.772 21.7 94.8 PhrenAmpl G2 - Grupo bulbar CVF 80% 90 51.7 0.788 24.3 96.8 MIP 60% 100 10.3 0.531 16.1 100 MEP 60% 80 31.0 <0.5 16.7 90.0 80% 50 65.5 0.640 20.0 88.4 0.4mV 80 58.6 0.810 25.0 94.4 P0.1 PhrenAmpl G1 – Grupo medular CVF 80% 50 73.5 0.680 18.4 92.5 MIP 60% 100 35.0 0.730 15.6 100 MEP 60% 71.4 62.4 0.687 18.5 94.8 P0.1 80% 42.9 52.1 <0.5 9.7 88.4 0.4mV 71.4 65.0 0.797 19.6 95.0 PhrenAmpl Para abreviações consultar Lista de abreviações. Tabela 17 – Análise de regressão logística G2– Grupo bulbar G1– Grupo medular Coeficientes P Coeficientes P CVF -0.11 0.01* 0.01 0.46 MIP 0.03 0.5 -0.03 0.2 MEP 0.08 0.06 -0.01 0.63 P0.1 -0.01 0.25 0 0.97 PhrenAmpl -8.88 0.03* -4.09 0.02* Para abreviações consultar Lista de abreviações. *Diferença estatisticamente significativa para p<0.05. Neste modelo, todas as variáveis foram incluídas na análise. 241 Susana Pinto Tabela 18 – Novos valores de corte derivados da análise de regressão logística Novos valores de corte AUC Sens (%) Espe cif VPP VPN (%) (%) (%) G2 – Grupo bulbar 0.84 90.0 65.5 31.0 97.4 63.4% 0.79 70.0 84.4 43.8 94.2 0.25 mV 0.77 80.0 72.4 33.3 95.5 65.0 19.6 95.0 PhrenAmpl + CVF CVF PhrenAmpl G1 – Grupo medular PhrenAmpl 0.37mV 0.768 71.4 Para abreviações consultar Lista de abreviações. Na ELA, o declínio da CVF e de MIP e MEP correlacionamse com um pior prognóstico (Stambler et al., 1998). Contudo, a parésia oro-facial torna os resultados nestes testes nem sempre fidedignos (Lyall et al., 2001a) explicando, provavelmente, porque os nossos doentes com forma de início bulbar apresentavam valores reduzidos dos mesmos mas não de P0.1 e PhrenAmpl. Por P0.1 ser normal, não parece haver envolvimento do centro respiratório. Nas doenças neuromusculares, os valores de P0.1 estão geralmente preservados (Bégin et al., 1980) ou elevados por compensação da fraqueza dos músculos respiratórios (Bayden, 1991). Um valor diminuído em doentes com ELA seria de esperar se houvesse um hipofuncionamento do centro respiratório (Pinto et al., 1999). Os valores de SNIP não foram apresentados por não terem sido sistematicamente realizados em todos os doentes. Contudo, em doentes com envolvimento restrictivo pulmonar grave, a SNIP pode sobrevalorizar a fraqueza dos músculos inspiratórios (Hart et al., 2003). Uma conclusão importante é que PhrenAmpl é um parâmetro útil na avaliação do funcionamento da função respiratória. É objectivo, independente da vontade e altamente discriminativo de hipoventilação nos doentes com forma de bulbar e 242 Capítulo 3 – O Interesse do Estudo Neurofisiológico dos Músculos Respiratórios: contributo pessoal medular. Respostas de pequena amplitude indicam envolvimento respiratório, implicando a necessidade de uma avaliação respiratória cuidadosa. A decisão para iniciar VNI é determinada pela combinação de sintomas clínicos como a dispneia de esforço, alterações do sono e a presença de cefaleias matinais, confusão e sonolência diurna, sugestivas de hipercapnia, com documentação de hipercapnia em repouso e diminuição da CVF (Andersen et al., 2012). A OPN é uma investigação útil (Pinto et al., 2003) revelando quedas de SpO2mean durante o sono. O valor dos estudos neurofisiológicos do nervo frénico é importante nos doentes com forma de início bulbar, nos quais os testes respiratórios clássicos podem ser não fiáveis devido à parésia oro-facial presente. No nosso estudo, a diminuição de PhrenAmpl mostrou forte associação com a necessidade de VNI nos meses seguintes. Conclui-se que a hipercapnia nos doentes com forma de início bulbar, tal como nos com início medular, parece depender sobretudo da força diafragmática. Os estudos de condução motora do nervo frénico podem contribuir para a compreensão das alterações respiratórias na ELA, quando utilizados em conjunto com as PFR convencionais, especialmente em doentes com forma de início bulbar. 3.B.3. Valor preditivo de sobrevida das respostas motoras diafragmáticas na ELA A demonstração de que as respostas motoras diafragmáticas por estimulação eléctrica transcutânea cervical do nervo frénico (nomeadamente PhrenAmpl) têm uma valor preditivo de hipoventilação, nas formas de início bulbar e medular da ELA 243 Susana Pinto (Pinto et al. 2009a), tem implícita a questão do valor preditivo daquelas respostas quanto à sobrevida. Como referido anteriormente, vários factores foram demonstrados como sendo preditivos de sobrevida na ELA. Os factores mais consistentemente referidos são a idade avançada (Kaufmann et al., 2005; Kollewe et al., 2008; Chiò et al., 2009a), o sexo feminino (Chancellor et al. 1993; del Aguilla et al. 2003), a menor duração da doença até ao diagnóstico (Kaufmann et al., 2005; Kollewe et al., 2008; Chiò et al., 2009a), as formas de início bulbar e respiratório (Kaufmann et al., 2005; Kollewe et al., 2008; Chiò et al., 2009a) e o rápido declínio clínico (ALS-FRS) e respiratório (Kauffmann et al., 2005; Kollewe et al., 2008; Chiò et al., 2009a). Relativamente à função respiratória e prognóstico, foi demonstrado que a CVF (Fallat et al., 1979; Czaplinski et al., 2006a; Czaplinski et al., 2006b; Kollewe et al., 2008), os decaimentos da CVF (Magnus et al., 2002) e da CV (Shiffman and Belsh, 1993), a SNIP (Morgan et al., 2005) e a SpO2mean determinada por OPN (Velasco et al., 2002; Pinto et al., 2003) são indicadores de sobrevida na ELA. Contudo, noutros estudos, a CVF não demonstrou ser um factor preditivo independente (Kaufmann et al., 2005), provavelmente por depender da cooperação dos doentes e do adequado encerramento dos lábios em torno do bucal, especialmente difícil em doentes com envolvimento bulbar. Nestes doentes, a SNIP é consensualmente mais adequada. Contudo, não parece ser preditiva de hipoventilação nos doentes com início, apesar das limitações dos estudos existentes (Lyall et al. 2001a). A correcta informação àcerca do prognóstico é fundamental não só para os próprios doentes, mas também para os familiares e cuidadores, assim como para os clínicos. Com o presente estudo (Pinto et al., 2012d), pretendemos avaliar o valor preditivo de sobrevida das respostas motoras diafragmáticas por estimulação do nervo frénico na ELA. 244 Capítulo 3 – O Interesse do Estudo Neurofisiológico dos Músculos Respiratórios: contributo pessoal Foram incluídos todos os doentes seguidos na nossa Unidade de 1997 a 2006, com critérios de diagnóstico provável ou definitivo de ELA, segundo os critérios modificados de El Escorial (Brooks et al. 2000), que deram o seu consentimento, nos quais houve progressão da doença durante o seu seguimento e com data de morte (evento) definida. Todos tinham avaliação neurológica, neurorradiológica, hematológica e bioquímica. Excluíram-se os doentes com idade inferior a 20 ou superior a 80 anos, com insuficiência cardíaca ou portadores de pace-maker, com doença pulmonar, polineuropatia, diabetes mellitus ou outras doenças médicas debilitantes. Excluíram-se igualmente doentes intolerantes à posição de decúbito dorsal, com um tempo superior a 3 meses desde o diagnóstico até à inclusão no estudo e quando não era possível a identificação clara da forma de início da doença (bulbar vs. medular). Os doentes foram divididos em dois grupos, em G1 aqueles com forma de início medular e em G2 os de início bulbar. Para além do registo do sexo, da idade aquando do início dos primeiros sintomas e da duração da doença aquando do diagnóstico, avaliaram-se os seguintes parâmetros, realizados no intervalo máximo de 1 mês após a entrada no estudo: ALS-FRS; RofALS-FRS-R; CVF e PhrenAmpl média, como descrito anteriormente. Dos 494 doentes com ELA, 254 (51.4%) preenchiam os critérios de inclusão (idade média 61 ± 11.2 anos, 28–80 anos), tendo 82 forma definitiva e 172 forma provável ou provável com suporte laboratorial, segundo os critérios revistos de El Escorial. Cerca de 50% eram do sexo masculino. A duração da doença até ao diagnóstico foi de 15.7±13.2 meses (1–81 meses). Dos 254 doentes, 79 (31.1%) tinham forma de início bulbar e 175 início medular. As características clínicas dos doentes incluídos estão representadas na Tabela 19, não havendo diferenças 245 Susana Pinto estatisticamente significativas quando comparativamente com os doentes não incluídos no estudo (p>0.05, para todas as comparações). Em G2 os doentes tinham idade média mais elevada (p<0.001), havendo mais mulheres (p=0.001), menor valor médio de CVF (p=0.006) e tempo de duração da doença mais curto (p=0.004) quando comparados com G1. A sobrevida foi menor em G2 (p=0.001). Contudo, os valores médios de PhrenAmp, ALS-FRS e RofALS-FRS-R não eram diferentes entre grupos. Do total de doentes avaliados, 71 não tinha registo do RofALS-FRS-R por terem sido incluídos antes de Agosto de 2000. A proporção de doentes vivos aquando da data de censura (31 de Janeiro de 2012) foi de 5.5% (1 doente em G2 e 13 em G1). Nos 254 doentes, a mediana da sobrevida foi de 33.5 meses (95%, IC 30–38) e a média de 44.1 meses (95%, CI 40–48), significativamente mais elevado em G1, como descrito em vários estudos anteriores (Chiò et al. 2009a) (Tabela 19; Figura 5). No nosso estudo, as variáveis com valor prognóstico significativo na análise univariada de Kaplan-Meier foram a forma de início da doença, a idade aquando dos primeiros sintomas e a CVF para a população total e para G2 (possivelmente uma má função expiratória possa ter influenciado o desempenho na realização da CVF dos doentes em G1); a duração da doença antes do diagnóstico (como demonstrado noutros estudos; Chiò et al. 2009a) e a RofALS-FRS-R para toda a população e para G1; e PhrenAmpl médio para toda a população, para G1 e G2 (Tabela 20). A idade geralmente não é considerada como um factor preditivo de sobrevida independente (Chiò et al. 2009a). Contudo, os doentes mais idosos com forma de início bulbar não aderem facilmente à VNI, provavelmente relacionado com concomitante disfunção cognitiva (Olney et al. 2005). No nosso estudo, o sexo e os valores de ALS-FRS à entrada não foram significativamente preditivos de 246 Capítulo 3 – O Interesse do Estudo Neurofisiológico dos Músculos Respiratórios: contributo pessoal sobrevida (p >0.05). Um modelo incluindo todas as covariáveis significativas permitiu verificar serem factores independentes de sobrevida a forma de início e a duração da doença, a idade aquando dos primeiros sintomas, a CVF e a PhrenAmpl média. Para G1 e G2, a PhrenAmpl média (Figura 6) e a duração da doença foram factores independentes, enquanto que a idade de início e o sexo foram também para G2 e não para G1. Valores de PhrenAmpl iguais ou inferiores a 0.4 mV aumentaram o risco de morte 1.657 vezes quando comparativamente com aqueles acima de 0.4 mV (HR= 1.653, 95%, CI=1.249-2.186; p<0.001, para a população total; HR= 1.574, 95%, CI=1.141-2.172, p=0.006, para G1 e HR= 2.161, 95%, CI =1.195-3.909, p=0.011, para G2) (Tabela 21). PhrenAmpl média depende do número de UM excitáveis no diafragma (Evangelista et al., 1995). Verificámos anteriormente que pequenas respostas motoras sugerem envolvimento respiratório, indicando necessidade de uma completa avaliação respiratória (Pinto et al., 2009a). O valor de corte de 0.4mV para PhrenAmpl foi definido previamente em populações extensas de controlos (de Carvalho, 2004) e de doentes com ELA (Pinto et al., 2009a). A contribuição fundamental do presente estudo reside na demonstração de que pequenas respostas motoras diafragmáticas por estimulação do nervo frénico aquando da avaliação inicial dos doentes com ELA são negativamente preditivas de sobrevida. A estimulação do nervo frénico é um teste não-invasivo, independente da vontade e bem tolerado, a posição de decúbito necessária para a sua execução é difícil ou impossível de tolerar em poucos doentes com ortopneia, que foram excluídos no nosso estudo). Este teste tem a potencialidade de ser globalmente utilizado, apesar de necessitar de alguma experiência. No futuro, dever-se-á avaliar o interesse da sua monitorização ao longo da progressão da doença, 247 Susana Pinto de forma a verificar se as características da redução da resposta é um mais forte preditor de sobrevida. Esta monitorização é particularmente interessante em doentes com ELA com limitações na cooperação da realização dos testes respiratórios clássicos, especialmente em doentes com envolvimento bulbar ou cognitivo (Lyall et al. 2001a). Tabela 19 – Características demográficas dos 138 doentes com ELA incluídos Idade de início Todos os doentes (n=254) 60.9± 11.2 G1 (medular) (n=175) 59.1± 11.5 (28-80) G2 (bulbar) (n=79) 64.9± 9.7 (36-80) p <0.001* (anos) (28-80) Sexo 132 (52%) 103 (58.9%) 29 (36.7%) 0.001* 15.7± 13.2 (0-101) 17.5± 14.7 (0-81) 11.8± 7.4 (0-47) 0.004* 31.3± 5.6 (13-40) 11.4± 1.1 (5-12) 0.44± 0.25 (0-1.25) 31.4± 5.7 (13-40) 11.4± 1.1 (5-12) 0.45± 0.27 (0.0-1.25) 31.2± 5.5 (17-38) 11.3± 1.1 (7-12) 0.41± 0.19 (0.1-1) 0.834 85.6± 24.3 (18.5-153) 88.3± 24.4 (18.5-152.6) 79.3± 23.3 (31.7-79.3) 0.006* 44.1± 33.7 (7.1-213.3) 50.1± 37.8 (8.6-213.3) 30.9± 15.9 (7.1-87.7) 0.001* masculino Duração da doença (meses) ALS-FRS RofALS-FRS-R PhrenAmpl (mV) CVF (% predito) Sobrevida total (meses) 0.136 0.138 Para abreviações consultar Lista de abreviações. Os resultados referemse a média ± desvio padrão (mínimo-máximo). *valores significativos para α=0.05 (teste de Mann–Whitney). 248 Capítulo 3 – O Interesse do Estudo Neurofisiológico dos Músculos Respiratórios: contributo pessoal Tabela 20 – Análise de sobrevida (Kaplan-Meier) Todos os doentes (n=254) χ2; p Forma de início Forma medular (G1, n=175) χ2; p Forma bulbar (G2, n=79) χ2; p 26.897; <0.001** Sexo 0.068; 0.795 0.073; 0.786 1.349; 0.245 Idade 7.128; 0.008** 2.019; 0.155 10.271;0.001** 29.914; <0.001** 22.598; <0.001** 2.83; 0.093 0.77; 0.38 0.416; 0.519 0.296; 0.586 3.213; 0.04* 7.166; 0.007** 1.391; 0.238 6.943; 0.008** 0.733; 0.392 21.019;<0.001** 6.34; 0.012* 3.989; 0.046* 11.295; 0.001** Duração da doença ALS-FRS RofALS-FRS-R CVF PhrenAmpl Para abreviações consultar Lista de abreviações. *Valores significantes para α=0.05; **Valores significantes para α=0.01. Figura 5. Curva de sobrevida (evento: morte) na população total (254 doentes com ELA), de acordo com a forma de início medular ou bulbar. Forma de início Medular (G1) Bulbar (G2) censorados Sobrevida total (meses) 249 Susana Pinto Tabela 21 – Preditores de sobrevida na nossa população (Modelo de Cox) Todos os doentes (n=254) HR (95% IC); p Forma de início Forma medular (G1, n=175) HR (95% IC); p Forma bulbar (G2, n=79) HR (95% IC); p 2.081 (1.55-2.19); <0.001** Idade Duração da doença CVF PhrenAmpl 1.286 (0.99-1.68); 2.17 (1.31-3.61); 0.064 0.003** 2.247 (1.7-2.97); 2.37 (1.70-3.28); 2.43 (1.44-4.09); <0.001** <0.001** 0.001** 1.492 (1.12-1.99); 2.97 (1.62-5.43); 0.007** <0.001** 1.653 (1.25-2.19); 1.57 (1.14-2.17); 2.16 (1.2-3.91); <0.001** 0.006** 0.011* Para abreviações consultar Lista de abreviações. Todas as variáveis foram incluídas no mesmo modelo para cada grupo. *Valores significantes para α=0.05; **Valores significantes para α=0.01. 250 Capítulo 3 – O Interesse do Estudo Neurofisiológico dos Músculos Respiratórios: contributo pessoal Figura 6 – Curvas de sobrevida (evento: morte) para PhrenAmpl, ajustadas para a idade, duração da doença até ao diagnóstico, CVF e forma de início. A. População total (n=254); B. Forma de início medular (n=175); C. Forma de início bulbar (n=79). A. População total (n=254) A. G1, forma medular C. G2, forma bulbar PhrenAmpl Sobrevida total (meses) 3.B.4. A resposta motora do nervo frénico na progressão da doença A função respiratória é comunmente utilizada como parâmetro de avaliação em ensaios clínicos de ELA. A CVF é útil na detecção de envolvimento precoce e na monitorização da função respiratória na ELA (Fallat et al., 1979). MIP é uma medida sensível da função respiratória em doenças neuromusculares (Maillard et al., 1999). Contudo, em doentes com ELA com parésia oro-facial, a determinação da CVF e da MIP podem ser incorrecta. Por esta razão, SNIP, um parâmetro fácil e seguro (Maillard et al. 1999), foi proposto para avaliação respiratória nos doentes com ELA (Fitting et al., 1999). O seu declínio é preditor de sobrevida nos doentes com ELA (Morgan et al., 2005), mas pode ser algo difícil de realizar 251 Susana Pinto em doentes com envolvimento bulbar, pelo possível colapso das vias aéreas superiores na inspiração ou pela incapacidade de fechar completamente os lábios (Chaudri et al., 2000). A OPN é um teste não dependente da vontade com valor preditivo da sobrevida (Velasco et al., 2002) mas a sua variação ao longo da progressão da doença não foi avaliada. PhrenAmpl (como demonstrado anteriormente) é preditiva de hipoventilação nos doentes com ELA, não apenas nos com forma de início medular mas também bulbar (Pinto et al., 2009a). Em particular, PhrenAmpl demonstrou um elevado VPN (95%) significando que, na quase totalidade dos doentes com ELA com hipoventilação, registaram-se pequenas respostas por estimulação do nervo frénico. Contudo, não existem estudos avaliando a variação longitudinal de PhrenAmpl ao longo da evolução da doença. O decaimento da função respiratória ao longo da evolução da ELA é passível de ser avaliado e monitorizado. Assim sendo, a identificação de exames respiratórios que sejam sensíveis na detecção de variações num curto espaço de tempo é particularmente relevante, sobretudo para a realização de estudos clínicos exploratórios. Com o presente trabalho pretendeu-se avaliar a sensibilidade de PhrenAmpl na detecção do envolvimento respiratório em curtos intervalos de tempo (de cerca de 6 meses) e a sua correlação com as variações encontradas em testes respiratórios convencionais. Incluiram-se 49 doentes consecutivos com ELA (35 do sexo masculino), seguidos prospectivamente, com idade aquando dos primeiros sintomas entre 20 e 75 anos (média 56.5 ± 8.9 anos, entre 34-73 anos), duração média da doença aquando da inclusão de 15.0 ± 12.2 meses (de 3-55 meses) e ALS-FRSb superior ou igual a 8 (por necessidade de avaliação da CVF). Segundo os critérios revistos de El Escorial, 12 tinham ELA definitiva e 37 ELA provável 252 Capítulo 3 – O Interesse do Estudo Neurofisiológico dos Músculos Respiratórios: contributo pessoal (Brooks et al., 2000) sendo a forma de início da doença bulbar em 13 doentes e medular em 36, dos quais 19 referiam queixas iniciais envolvendo os MS. Os doentes incluídos não apresentavam outras condições médicas (DM, patologia pulmonar, IR, IC ou outras doenças debilitantes) e não tinham história de cirurgia torácica prévia. Excluíram-se doentes com polineuropatia ou sinais de lesão e ausência de respostas uni ou bilaterais dos nervos frénico e cubital. Doentes em que não se constatava progressão da doença ou sem clara localização da região de início dos primeiros sintomas foram igualmente excluídos. Todos os doentes foram avaliados à entrada (T0) e 4 a 6 meses após (T1), tempo de seguimento adequado para ensaios clínicos exploratórios. Foram efectuadas as seguintes avaliações: ALS-FRS e RofALS-FRS-R; PFR (CVF, MIP e SNIP); parâmetros neurofisiológicos (PhrenAmpl e ADMAmpl); OPN (SpO2mean). Dez doentes foram avaliados uma terceira vez (T2) após cerca de 6 meses de T1, para análise da progressão da curva de decaimento de PhrenAmpl. Foi avaliada ADMAmpl (como descrito anteriormente) em T0 e T1 nos doentes com força muscular acima de 3 na escala da MRC. Em 21 doentes ambas as mãos apresentavam fraqueza muscular acentuada, não se tendo realizado estimulação do nervo cubital. Em doentes com resposta unilateral, o valor da resposta foi utilizado para calcular a percentagem de decremento (%Decr) da ADMAmpl enquanto que nos com resposta motora bilateral utilizou-se a média da ADMAmpl das respostas motoras de ambos os lados [(direito + esquerdo)/ 0.5] por não haver diferenças entre ambos. O RofALS-FRS-R, SNIP, MIP e OPN foram avaliados em 31 doentes. Todas as outras medidas foram avaliadas em todos os doentes. Não houve diferenças demográficas entre os doentes que participaram e os que não participaram em cada teste relativamente à idade média, à 253 Susana Pinto duração da doença, à região de início, ao ALS-FRS e CVF à entrada (p>0.05). Assistiu-se a um decaimento significativo para ALS-FRS, RofALS-FRS-R, PhrenAmpl, ADMAmpl, CVF e SNIP (p<0.01), bem como de SpO2mean (p<0.05) intervalo entre T0 e T1 (média de 5.2 ± 1 meses). MIP não variou significativamente (p=0.203), provavelmente relacionado com o efeito chão, por demonstrar valores baixos em fases iniciais da progressão da doença. Estes dados estão esquematizados na Tabela 22 enquanto que na Tabela 23 são apresentadas as correlações entre os diferentes parâmetros. A %Decr foi mínima para SpO2mean (1.3%), baixa para RofALS-FRS-R (7.3%), elevada para ADMAmpl (23.7%) e PhrenAmpl (18.7%) e entre 10.5% e 14% para as outras medidas. Não houve diferenças significativas entre CVF ou SNIP (p>0.05). Igualmente, não houve diferenças entre os doentes com forma de início bulbar e medular ou entre os com curta ou longa duração da doença (inferior ou superior a 1 ano, p>0.05). A %Decr de PhrenAmpl não foi diferente em G1 e G2, nem dependeu da duração da doença, demonstrando uma queda linear nos 10 doentes avaliados em T2 (%Decr T0–T1 de 13.7 ± 17.2%, entre 0– 60 e T1-T2 de 14.8 ±13.3%, sem diferença entre os dois períodos (p=0.80). O coeficiente de variação (desvio padrão/ valor médio X 100) da %Decr foi mais elevada no caso do SNIP (191%) e da CVF (125%), sendo cerca de 100% para os restantes parâmetros. Um valor mais reduzido da variabilidade tem relevância em ensaios clínicos (de Carvalho e Swash, 2006). 254 Capítulo 3 – O Interesse do Estudo Neurofisiológico dos Músculos Respiratórios: contributo pessoal Tabela 22 – Decaimento das várias variáveis ao longo do tempo, entre T0 (avaliação inicial) e T1 (5 meses após) ALS-FRS (n=49) R da ALS-FRSR (n=31) T0 Média±DP (min–max) T1 Média±DP (min–max) ALS-FRS 32.47 ±5.1 27.7 1 ±7.26 (18–39) (9–38) 11.73 ±0.7 11.03 ±1.50 (9–12) (7–12) p %Decr Média±DP (min–max) <0.001** 14.0 ±15.1 (2.56–56.7) 0.004** 7.32 ±10.2 (0.0–41.67) Provas de função respiratória CVF 94.3 ±13.7 81.72 ±19.21 (n=49) (72–123.6) (35.8–120.6) MIP 59.1 ±21.6 52.83 ±24.7 (n=31) (17.6–101) (19.1–98.0) SNIP 59.8 ±19.6 51.24 ±22.97 (17.6–90) (16.1–100.8) (%predito) (%predito) (%predito) (n=31) <0.001** 10.5 ±13.1 (0.0–41.9) 0.203 NS 0.005** 13.5 ±25.8 (15.6–62.5) Avaliação neurofisiológica PhrenAmpl 0.67 ±0.27 0.56 ±0.30 (mV) (n=49) (0.05–1.5) (0.05–1.31) ADMAmpl (mV) 9.41 ±3.87 7.91 ±4.65 (n=28) (2.3–16.3) (1.4–16.0) <0.001** 18.7 ±19.3 (0.0–66.0) 0.001** 23.7 ±20.7 (0.0–66.67) Oximetria de pulso nocturna SpO2mean (%) 95.78 ±1.2 94.94 ±1.96 (n=31) (93.0–97.5) (88.50–98.1) 0.028* 1.33 ±1.27 (0.0–5.09) Para abreviações ver Lista de abreviações. Na %Decr o símbolo + representa um valor mais elevado em T1. *Valores estatisticamente significativos para p<0.05; **Valores estatisticamente significativos para p<0.01; NS – variação sem significado (teste de Wilcoxon signed rank). 255 Susana Pinto A reproductibilidade de PhrenAmpl foi previamente testada avaliando-se as respostas motoras dos nervos cubital e frénico segundo o mesmo protocolo numa população de doentes com PLS, definida pelos critérios de Pringle e colaboradores (1992). Foram incluídos 7 doentes (6 homens; idade média de duração da doença de 6.2 anos, entre 5.5-8 anos), avaliados em dois períodos com 6 meses de intervalo. Compararam-se os valores médios de ambos os lados para PhrenAmpl e ADMAmp, que não variaram significativamente (p>0.2, teste de Wilcoxon signed rank) e a %Decr média foi de 7.2 ± 1.37 (5.7–9.4) para ADMAmpl e 9.4 ± 5.4 (0– 16.7) para PhrenAmpl. Houve boa reproductibilidade de PhrenAmpl (Kimura, 2001) similar à da ADMAmpl. Houve correlações significativas entre os testes respiratórios (CVF, SNIP e PhrenAmpl), assim como entre SNIP e ALS-FRS, entre ADMAmpl e ALS-FRS (Tabela 23). Usando o teste de Kendall’s tau encontrou-se correlação entre PhrenAmpl e CVF (p<0.05) e uma tendência de correlação com SNIP (p=0.05) mas não entre CVF e SNIP. ALS-FRS correlacionou-se com CVF e SNIP (p<0.05). Nesta população de doentes com função respiratória preservada, o RofALS-FRS-R decresceu ligeiramente durante este curto intervalo, decremento não correlacionado com as outras medidas. A %Decr de PhrenAmpl correlacionou-se com CVF e SNIP, demonstrando que PhrenAmpl tem um relevante significado clínico. Contudo, a diminuição de PhrenAmpl não se correlacionou com as alterações em ADMAmpl sugerindo que estes músculos apresentam diferentes padrões de progressão, o que está de acordo com a diferente distribuição dos neurónios motores responsáveis pela sua inervação na medula cervical (medial para o núcleo do nervo frénico e lateral para o do ADM) (Brodal, 1981; Pinto e de Carvalho, 2012). Ensaios clínicos curtos com marcadores alternativos sensíveis a pequenas variações são uma nova 256 Capítulo 3 – O Interesse do Estudo Neurofisiológico dos Músculos Respiratórios: contributo pessoal abordagem para testar novas moléculas promissoras na ELA (de Carvalho e Swash, 2006). Um bom marcador deve ser confiável e variar ao longo da progressão da doença, ter significado, ser barato e fácil de determinar. Tabela 23 – Coeficiente de correlação de Pearson (r) entre as %Decr para os parâmetros significativos avaliados (após transformação logarítmica). ALSFRS Phren Ampl ADM Ampl CVF SNIP 0.26 0.25 0.24 0.47** 0.25 0.38** 0.38* ADMAmpl 0.38* 0.34 SNIP 0.50** ALS-FRS PhrenAmpl *Valores estatisticamente significativos para p<0.05; **Valores estatisticamente significativos para p<0.01. Como demonstrado anteriormente, valores anormais de PhrenAmpl são preditores de hipoventilação nos doentes com forma de início medular e bulbar (Pinto et al., 2009a). É específico, objectivo e independente da cooperação. De acordo com o presente estudo, pode detectar a perda de UM no diafragma em curtos períodos de seguimento, estando correlacionado com outros testes respiratórios (CVF e SNIP) e com variabilidade inter-individual similar à ALS-FRS e inferior a SNIP e CVF. Este teste neurofisiológico é um parâmetro útil para a avaliação da função respiratória, sobretudo em doentes não colaborantes ou naqueles com fraqueza oro-facial marcada. 257 Capítulo 4 – Exercício Respiratório na Esclerose Lateral Amiotrófica Capítulo 4 Exercício respiratório na Esclerose Lateral Amiotrófica Os músculos respiratórios, assim como os músculos esqueléticos dos MS e MI, podem ser objecto de um programa de treino muscular. Na verdade, o programa de treino muscular respiratório deve seguir os mesmos princípios básicos que o treino de qualquer outro conjunto de músculos estriados esqueléticos. Exercitar os músculos ventilatórios é particularmente interessante em doenças em que se verifica diminuição da força muscular dos músculos respiratórios e aparecimento de fadiga. Os doentes podem referir fadiga descondicionamento respiratória assim cárdio-respiratório em como dispneia situações e ligeiras enquanto que em situações moderadas a graves assiste-se ao desenvolvimento de IR, associada a aumento da susceptibilidade para atelectasias e infecções respiratórias. O primeiro estudo sobre treino muscular respiratório (Leith e Bradley, 1976) em voluntários saudáveis, data de 1976. Um ano mais tarde, foi publicado o primeiro estudo de treino muscular respiratório em indivíduos com patologia (Keens et al., 1977) nomeadamente com fibrose quística, demonstrando-se que a hiperpneia isocápnica melhora a resistência muscular respiratória, sendo eventualmente benéfico o treino desses músculos em doentes susceptíveis à fadiga muscular respiratória. O treino muscular inspiratório (IMT) com carga à inspiração, foi posteriormente objecto de estudo frequente em doentes com 259 Susana Pinto doença pulmonar crónica obstructiva (DPOC). Nestes doentes, os músculos respiratórios necessitam de vencer o aumento da resistência das hiperinsuflação, vias aéreas, condicionando para além aumento da das permanente necessidades energéticas dos músculos respiratórios (Rochester et al., 1979) sendo possível que tal resulte em menor força muscular (Grassino et al., 1979; Pardy et al., 1981). Estudos iniciais com aparelhos para treino inspiratório eram responsáveis por uma respiração resistida não-linear, por as cargas à inspiração variarem de acordo com as dimensões dos orifícios inspiratórios dos aparelhos e com a frequência do fluxo inspiratório gerada por cada doente (Belman et al., 1986). Esta parece ser a razão pela qual houve resultados contraditórios dos efeitos do IMT relativamente à força e à resistência dos músculos inspiratórios, tolerância geral ao exercício e efeito sintomático(Sanne e Davis, 1982; Falk et al. 1985; Larson e Kim, 1984; Jederlinic et al. 1984; Belman et al. 1986). Ao contrário dos estudos anteriores, Clanton e colaboradores (Clanton et al., 1985) utilizaram pela primeira vez um aparelho respiratório com carga regulável para fortalecimento dos músculos respiratórios em voluntários normais enquanto que outros investigadores (Goldstein et al., 1989) o utilizaram em doentes com DPOC. O grupo de Larson (Larson et al., 1988) testaram duas pressões inspiratórias distintas em doentes com DPOC e concluíram que a utilização de pressões de 30% da MIP possibilitavam aumento da força e da resistência musculares respiratórias e tolerância geral ao exercício, ao contrário de cargas de 15% que não obtiveram resultados positivos. Na DPOC, o IMT com estes aparelhos demonstrou um alívio da dispneia (Harver et al., 1989) melhoria da força e da resistência dos músculos respiratórios (Weiner et al., 1992b) bem como da tolerância ao exercício (Weiner et al., 1992b; Hill et al., 2006). Na asma brônquica (Weiner et al., 1992a) e na fibrose 260 Capítulo 4 – Exercício Respiratório na Esclerose Lateral Amiotrófica quística (Enright et al., 2004) foi demonstrada uma melhoria da força e da resistência inspiratórias, com redução dos sintomas, das hospitalizações, do absentismo escolar ou laboral e do consumo de medicação (Weiner et al., 1992a). Em doenças neuromusculares, o IMT com aparelhos com carga regulável demonstrou melhorar a força e a resistência musculares respiratórias na miastenia gravis (Fregonezi et al., 2005), na atrofia muscular espinhal tipo 3 e na distrofia muscular de Duchenne (Koessler et al., 2008; Gozal e Thiriet, 1999), para além de melhorar os movimentos da caixa torácica e do padrão respiratório nos doentes com miastenia (Fregonezi et al., 2005). Estes efeitos mantiveram-se até períodos de treino de dois anos no caso da atrofia muscular espinhal tipo 3 e da distrofia muscular de Duchenne (Koessler et al. 2008). Em doentes com lesão completa e aguda da medula cervical verificouse uma melhoria da função ventilatória, da resistência respiratória e redução da dispneia (Liaw et al., 2000). O IMT facilita, igualmente, o desmame ventilatório (Martin et al., 2002; Sprague e Hopkins, 2003). Estudos esporádicos avaliaram especificamente o treino muscular respiratório em doentes com ELA (Fallat et al., 1987; Gross e Meiner, 1993; Schiffman e Belsh, 1999; Nardin et al., 2008; Cheah et al., 2009). A primeira referência na literatura data de 1987, altura em que foi utilizado um inspirómetro em doentes com ELA com CVF entre 50-70% do predito (Fallat et al., 1987). A realização de respiração resistida em dois doentes com ELA e em quatro doentes com envolvimento exclusivo do LMN por um período de 3 meses demonstrou melhoria na força e na resistência muscular respiratórias (Gross e Meiner, 1993). Este estudo demonstrou ainda resultados positivos em dois outros grupos de doentes com patologia neuromuscular, nomeadamente na miastenia e em miopatias. Um outro estudo, incluindo 8 doentes com ELA e 261 Susana Pinto envolvimento respiratório, descreveu resultados positivos para a força muscular e fadiga respiratórias pela realização de um programa de treino respiratório após infusão de teofilina (Schiffman e Belsh, 1999). O treino diafragmático realizado em 8 doentes com ELA através do controlo respiratório de acordo com técnicas de yoga durante 12 semanas não demonstrou ter resultados estatísticos relevantes na CVF (Nardin et al., 2008). Recentemente, um estudo com 19 doentes com DNM, no qual foi instituído um programa de treino inspiratório com carga à inspiração durante 12 semanas não identificou diferenças entre os grupos activo e de controlo na progressão natural da doença. Não foram registados efeitos secundários pela instituição deste programa de treino inspiratório (Cheah et al., 2009). Em resumo, nos estudos referidos, o treino muscular respiratório parece ser seguro e estar associado a uma tendência para um menor declínio na CVF. Contudo, foram incluídos um número reduzido de doentes, com marcada variabilidade de expressão clínica. Dos poucos estudos realizados, apenas um incluía um grupo controlo, mas sem a uniformidade necessária dado haver doentes com diferentes formas de DNM (Cheah et al., 2009). Por outro lado, e tal como uma terapêutica farmacológica, também os programas de exercício deverão mencionar vários aspectos quanto à sua prescrição, o que é frequentemente descurado, nomeadamente o tipo de exercício, a carga utilizada, a duração e a sua frequência (tal como analizado numa meta-análise, em que 11 dos 17 ensaios randomizados utilizando IMT na DPOC referiam resultados não favoráveis, por eventuais 262 problemas metodológicos (Smith et al., 1992). 4.A. REALS – Programa de exercício respiratório na ELA Como referido anteriormente, a IR é a principal causa de morte dos doentes com ELA, resultado da fraqueza diafragmática (de Carvalho et al., 1996; Pinto et al., 2009a) associada à perda de unidades motoras dos músculos inspiratórios acessórios, expiratórios e axiais (de Carvalho et al., 2009e). Apesar dos poucos trabalhos existentes testando o exercício respiratório em doentes com ELA, colocámos a hipótese de que a realização de treino inspiratório nas fases iniciais da doença, em doentes com ELA sem envolvimento respiratório, poderia reduzir a progressão da doença e da função respiratória. Pretendemos, igualmente, avaliar o potencial benefício neuroprotector do programa de treino respiratório precocemente instituído (Pinto et al., 2012a). 4.A.1. População e métodos a) Amostra Neste estudo prospectivo consideraram-se os seguintes critérios de inclusão: idade aquando do início dos primeiros sintomas entre 18 e 75 anos, duração da doença não superior a 24 meses no momento da inclusão; valores de ALS-FRS superiores a 24 na inclusão; consentimento informado. Foram excluídos doentes com FALS, grávidas e doentes com outras doenças, como diabetes, doenças respiratórias, demência frontal, fraqueza peri-bucal impossibilitando adequado encerramento labial, fraqueza dos membros superiores impeditiva da realização do treino respiratório com o aparelho pretendido. Excluiram-se, igualmente, doentes com valores de CVF inferiores a 70% ou de MIP e MEP inferiores a 50% dos valores preditos, assim como doentes com lesão do nervo cubital ou respostas motoras do nervo cubital ausentes (por Susana Pinto impossibilitar a aplicação do nosso método de avaliar as unidades motoras). O recrutamento decorreu no período de um ano. b) Desenho do estudo Foi realizado um desenho de estudo clínico denominado de “delayed start design” , paralelo, parcialmente cego, randomizado e controlado contra placebo (Figura 7). Após o consentimento informado, os doentes foram randomizados de forma independente em blocos de 6 num dos dois seguintes grupos de tratamento: protocolo de treino muscular inspiratório activo, realizado bidiariamente por um período de 8 meses (Grupo 1 – Gp1) e treino muscular placebo durante os primeiros 4 meses, seguido de período idêntico de IMT activo, bidiário (Grupo 2 – Gp2). Os doentes foram treinados a realizar o exercício pelo mesmo fisiatra que, deste modo, conhecia o grupo a que cada doente pertencia. Todos foram informados que o ensaio visava conhecer qual o melhor protocolo de treino respiratório. Os doentes incluídos em Gp2 desconheciam estar a realizer o treino placebo nos primeiros 4 meses do estudo, dado que a carga imposta à inspiração para o aparelho foi igualmente regulada, mas para o mínimo valor possível. c) Intervenção O treino muscular inspiratório foi realizado pela utilização do aparelho Threshold IMT (da Respironics ), consistindo num tubo de ® ® plástico com um bucal numa ponta e uma uma mola no interior, que regula a válvula em silicone localizada no topo. O doente inspira unicamente através do bucal por encerramento das narinas com pinça plástica. A pressão negativa gerada no interior do cilindro possibilita a abertura da válvula sempre que a pressão intra-oral 264 Capítulo 4 – Exercício Respiratório na Esclerose Lateral Amiotrófica ultrapassa a pressão da válvula. O aparelho está graduado de 9 a 41 cm H2O. O aparelho foi fornecido a todos os doentes independentemente do grupo a que foram randomizados. Todos foram instruídos a utilizar o aparelho duas vezes por dia, por períodos de 10 min cada, na mesma altura da manhã e da tarde. No periodo de exercício activo, em ambos os grupos, a carga inspiratória foi regulada para 30-40% da MIP determinada durante as PFR realizadas por um avaliador independente. O período de exercício placebo (durante os primeiros quatro meses para os doentes em Gp2) consistiu na respiração através do aparelho respiratório com a menor carga possível (9 cmH2O). Semanalmente, cada doente foi contactado telefonicamente pela fisiatra, para assegurar a adesão ao treino. Cada doente preencheu semanalmente um quadro, anotando que anotou a duração do exercício e a carga, e indicando, numa escala de 0 a 10, a sensação de dispneia, de fadiga e de bem-estar. A FC antes e 1 minuto após o exercício foi igualmente registada. Todos os doentes tomavam 50 mg de riluzol bidiariamante. Nenhum estava medicado com broncodilatadores. 265 Susana Pinto Figura 7 – Representação esquemática do desenho do estudo. T0 T2 T1 4 meses Gp1 Gp2 4 meses Carga inspiratória eficaz Carga inspiratória ineficaz Carga inspiratória eficaz Gp1- Grupo de doentes randomizados para o grupo de treino eficaz; Gp2Grupo de doentes randomizados para o grupo de treino retardado; T0avaliação à entrada; T1- avaliação no final dos 4 primeiros meses do estudo; T2- avaliação no final do estudo, após os 8 meses. d) Avaliação Todos os doentes foram incluídos no estudo imediatamente após o diagnóstico. Foram avaliados três vezes: à entrada (T0), no fim do 4º mês (T1) e no fim do estudo (T2) (Figura 7). Os 12 primeiros doentes incluídos foram igualmente avaliados 1 mês após a inclusão no estudo, de forma a determinar a tolerância ao exercício, dados que não foram incluídos na avaliação final. O ALS-FRS foi a medida primária avaliada (Cedarbaum e Stambler, 1997) sendo as medidas secundárias os parâmetros das PFR, dos estudos neurofisiológicos e a qualidade de vida. A ALSFRS foi aplicada por um avaliador independente, que desconhecia a randomização realizada, registando-se o valor máximo e os subtotais ALS-FRSb e RofALS-FRS-R (Cedarbaum et al., 1999). As PFR foram realizadas no mesmo laboratório respiratório, independente ao estudo e de acordo com as recomendações da ATS e como descrito no Capítulo 2 (ATS, 1995; Quanjer et al., 1993). CVF, MIP e MEP foram avaliados com os doentes sentados (CVFsit, MIPsit, MEPsit) e deitados (CVFlay, MIPlay, MEPlay). O pico de fluxo expiratório foi avaliado igualmente em ambas as posições (PEFsit e PEFlay). P0.1 foi avaliado com os doentes na 266 Capítulo 4 – Exercício Respiratório na Esclerose Lateral Amiotrófica posição de sentado, como medida do funcionamento do centro respiratório (Whitelaw et al., 1975). As melhores de cada três medidas consistentes foram comparadas com os valores normativos. Foi utilizada na análise a percentagem do valor predito. O VVM na posição de sentado (VVMsit) e deitado (VVMlay) foi determinada pelo encorajamento dos doentes a respirar o mais rápido e profundo possível, sem carga externa, durante 12 segundos, de forma a avaliar a resistência dos músculos respiratórios (Lavietes et al., 1979). SNIP foi determinado com os doentes sentados (SNIPsit) e deitados (SNIPlay) usando o aparelho da MicroMedical, Viasys (Fitting et al., 1999). A gasometria foi realizada no laboratório respiratório antes da realização das PFR, usando um analisador de gases automático (ABL 500, Radiometer, Copenhaga, Dinamarca). A OPN foi medida continuamente durante o sono, através de oxímetro de pulso de infravermelhos. Foram registados SpO2mean, SpO2min, SpO2 <90%, Dips<4%/h e o padrão gráfico da SpO2 mean (de Carvalho et al., 2009b). Foram considerados registos com um mínimo de 6 horas nocturnas. Valores instantâneos de SpO2 e FC foram registados durante o exercício respiratório realizado aquando das três observações. Não houve episódios de dessaturação ou de taquicardia durante o protocolo de exercício. As respostas motoras diafragmáticas e do SCM foram realizadas como anteriormente descrito nesta tese (ver Capítulo 3) e na literatura (Pinto e de Carvalho, 2008a; Pinto e de Carvalho, 2008b; Pinto e de Carvalho, 2010). O NI foi calculado como descrito anteriormente (ver Capítulo 2) para ambos os nervos cubitais, após exclusão de compressão deste nervo (Swash e de Carvalho, 2004; de Carvalho et al., 2005). A presença de dispneia foi avaliada pedindo aos doentes para escalonarem a dispneia sentida de 0 a 10, segundo a EVA (Aitken, 1969). A fadiga global foi avaliada pela escala FSS (Krupp, 1989) enquanto que a fadiga 267 Susana Pinto durante o treino respiratório foi avaliada através da escala de Borg, possibilitando o ajuste da intensidade do treino à sensação de percepção de fadiga (Mahler e Horowitz, 1994). A depressão e a sonolência diurna foram avaliadas através das escalas HRSD (Hamilton, 1960) e ESS (Johns,1991). O nível de independência funcional dos doentes foi avaliada pela MIF (Keith et al., 1987) e a qualidade de vida pela EuroQol-5D (EQ-5D) (Rabin e de Charro, 2001). Todos os doentes foram avaliados clinicamente e foram questionados sobre a sua percepção individual do estado de saúde, classificado em “melhor”, “pior” ou “sem alterações”. e) Análise estatística Foi utilizada uma análise de covariância intra e inter-grupos, com análise de medidas repetidas no primeiro caso e univariada no segundo, tendo como efeitos fixos a carga do treino de cada grupo e os períodos de avaliação. Para cada variável analisada, a dimensão do efeito foi definido como a diferença entre as médias marginais estimadas, com correcção de Bonferroni para ajuste a múltiplas comparações e intervalo de confiança de 95%. Valores nominais de p são referidos em todas as análises (com níveis de significância de α=0.05). A análise de subgrupos de post hoc não foi realizada pelo facto de haver apenas dois factores dependentes analizados de cada vez no caso das diferenças intragrupo. Para determinar eventuais diferenças no declínio da ALSFRS, o parâmetro primário de avaliação, foi calculado o declínio entre T0 e T1 para Gp1 e Gp2. Todos os doentes avaliados em T0 e T1 foram incluidos nesta análise. De forma a avaliar se os potenciais benefícios observados em T1 se mantinham em T2 para Gp1, foi igualmente comparado o declínio entre T0 e T2 para Gp1 e Gp2. Foram ainda estimadas as alterações observadas para a ALSFRS entre T1 e T2, sendo incluídas nestas duas últimas análises 268 Capítulo 4 – Exercício Respiratório na Esclerose Lateral Amiotrófica todos os doentes que terminaram o período de 8 meses de estudo. Os objectivos secundários foram avaliados segundo a mesma abordagem. 4.A.2. Resultados a) Características demográficas e progresso ao longo do estudo Foram incluídos 26 doentes com ELA, dos quais 4 com o diagnóstico de ELA definitiva e os restantes com ELA provável, de acordo com os critérios revistos do El Escorial (Brooks et al, 2000). Os doentes estudados (8 mulheres; idade média e desvio padrão aquando a inclusão no estudo de 57±8.9 anos) apresentavam uma duração média da doença de 12.1±5.9 meses. Em 4 doentes a forma de início da doença foi bulbar e medular nos restantes 22 (dos quais 10 com envolvimento inicial dos MS e 12 dos MI). O índice de massa corporal médio foi de 24.5±3.5. Treze doentes foram randomizados para cada grupo (Figura 8), tendo três dos quarto doentes com forma de início bulbar sido randomizados em Gp1. Não havia diferenças demográficas estatisticamente significativas entre os dois grupos aquando da inclusão (Tabela 24). 269 Susana Pinto Figura 8 – Randomização dos doentes entre os dois grupos. 26 doentes com ELA incluídos Grupo 1 (Gp1) 13 doentes randomizados para o treino inspiratório de início precoce 1 “drop-out” imediatamente após a inclusão: não cooperação Grupo 2 (Gp2) 13 doentes randomizados para o treino inspiratório de início retardado 1 “drop-out” imediatamente após a inclusão: desapareceu Fase de treino activo para ambos os grupos 12 doentes realizaram o treino respiratório activo 3 doentes excluídos por progressão rápida 11 doentes terminaram o período de 8 meses 270 12 doentes realizaram o treino respiratório activo 3 doentes excluídos por progressão rápida 9 doentes terminaram o período de 8 meses Capítulo 4 – Exercício Respiratório na Esclerose Lateral Amiotrófica Tabela 24 – Características demográficas dos doentes com ELA incluídos no estudo (valores médios e desvio padrão das variáveis testadas para ambos os grupos em T0). T0 (avaliação inicial) Gp1 Gp2 (13 doentes) p 7 11 0.35 57.14±9.3 (41.5-72.5) 56.8±8.7(38.3-73.4) 0.76 10 12 0.67 11.5 ± 5.3 (3.2-24) 12.6 ± 6.6 (4-24) 0.76 24.2 ± 4.2 (18.0-31.6) 24.7±2.7 (19.9-30) 0.88 ALS-FRS 34.39±3.64 (25-38) 33.5 ± 3.8 (26-38) 0.55 ALS-FRSb 11.08±1.32 (9-12) 11.5 ± 1.13 (9-12) 0.51 RofALS-FRS-R 11.9 ± 0.4 (11-12) 11.8 ± 0.44 (11-12) 0.76 115.1±14.5 (68-124) 115.5 ±7.7 (97-124) 0.51 EVA de dispneia 0.7±2.0 (0-7) 0.923 ± 1.66 (0-5) 0.55 EVA de fadiga 4.35±1.6 (2-7) 5.19 ± 1.75 (3-8) 0.22 Escala de Borg 11.77 ± 1.7 (7-13) 11.15 ± 1.46 (7-13) 0.15 Escala de FSS 31.2 ± 17.54 (9-63) 40.8 ± 12.7 (17-59) 0.08 Escala de ESS 3.54 ± 4.9 (0-13) 3.23 ± 4.4 (0-15) 1 5 ± 2.5 (1-9) 3.23 ± 1.74 (1-6) 0.06 EQ5D 61.9 ± 23.8 (25-90) 61.2 ± 20.2 (30-85) 0.88 pO2 (mmHg) 85.5 ± 7.1 (75-100) 89 ± 7.7 (78-102) 0.32 pCO2 (mmHg) 38.7 ± 2.9 (33-43) 37.56 ± 3.1 (32-41) 0.49 CVFsit (%predito) 96.9±21.4 (70.2-118) 86 ± 15.47 (74-119) 0.08 PEFsit (%predito) 84.2±24.9 (22.1-119) 89.6±24.8(44.2-129) 0.36 MIPsit (%predito) 70.3 ±27.7 (50.2-120) 78.5±25.9(57.3-117) 0.45 MEPsit (%predito) 79.5 ± 33.5 (54-138) 87.1±26.5(60.1-132) 0.48 VVMsit (%predito) 76.1±31.8(50.2- 78.6±8.58(55.7- 0.69 129.4) 106.3) SNIPsit (%predito) 74.2 ± 24.4 (50-112) 84.5±25.1 (55.2-135) 0.36 P0.1 (%predito) 82.2± 21.4 (51.8-120) 91.8±29 (48.6-150.8) 0.44 CVFlay (%predito) 90.4±22 (50.5-122.9) 84± 21.2 (56.5-129.3) 0.42 PEFlay (%predito) 74.0 ± 32 (60-124.7) 79.8± 23.4 (65-120) 0.76 (13 doentes) Sexo masculino Idade nos primeiros sintomas (anos) Início medular Duração da doença (meses) Índice de massa corporal MIF Escala de Hamilton 271 Susana Pinto MIPlay (%predito) 63.7 ± 26.4 ( 45-106) 72.5 ± 27.2 (49-111) 0.45 MEPlay (%predito) 79.2 ±35.7 (48.4-136) 79.2 ± 35.7 (53-136) 0.88 VVMlay (%predito) 64.8±33.8(22.7-137) 64.8 ± 17.4 (25.7-86) 0.80 SNIPlay (%predito) 73.2 ± 25.8 (26-117) 89.9 ± 27.6 (47-135) 0.17 SpO2mean (%) 95.8 ± 1.2 (93.6-97.2) 94.9±1.01 (93.1-96.9) 0.05 91.3 ± 2.6 (86-94) 86 ± 4.24 (75-91) 0.001** 0.19 ± 0.64 (0-2.23) 0.499 ± 0.69 (0-2.4) 0.003** 0.5 ± 0.66 (0-1.9) 2.15 ± 2.03 (0-6.7) 0.007** FC média (bpm) 65.2 ± 6.3 (55.9-75.1) 66.1 ± 5.5 (55.1-73.3) 0.31 PhrenAmpl (mV) 0.86 ± 0.3 (0.45-1.45) 0.8 ± 0.2 (0.43-1.3) 0.65 PhrenArea media 3.1 ± 1.2 (1.36-5.5) 3.19 ± 0.9 (2.1-5.2) 0.84 SCMAmpl (mV) 3.9 ± 1.4 (2.4-6.6) 4.26 ± 1.1 (1.7-5.6) 0.36 SCMArea media 16.7 ± 5.2 (7.1-23) 17.1 ± 6.3 (8-32.7) 0.96 NI media 2.7 ± 1.17 (0-5.2) 2.7 ± 1.7 (0.3-5.0) 0.61 SpO2min (%) SpO2<90% (%) %Dips/h>4% Para abreviaturas ver Índice de Abreviaturas. *estatisticamente significativo para p<0.05; **estatisticamente significativo para p<0.01 A adesão ao exercício foi excelente, tal como avaliado semanalmente por contacto telefónico. No final do período inicial de 4 meses, todos os doentes respiravam confortavelmente através do aparelho, com uma frequência respiratória de 14-16 ciclos por minuto. Os valores instantâneos de SpO2 avaliados por OPN melhoraram durante a sessão de treino em cerca de 1-2% e a FC diminuiu cerca de 5bpm. Estes valores retomaram os valores basais 1 minuto após o término da sessão de treino respiratório. Dois doentes, um em cada grupo, foram excluídos antes de completarem 2 meses após o início do estudo (Figura 8). Ambos eram jovens (com 43 e 47anos), com forma de início da doença medular (início nos MS) e com moderado envolvimento aquando da inclusão no estudo (ALS-FRS 35 e 33, respectivamente). Um dos doentes, randomizado para Gp1, apresentava espasticidade grave, que limitava o treino; o outro, incluído em Gp2, abandonou a consulta. Vinte e quarto doentes terminaram os 4 meses iniciais de 272 Capítulo 4 – Exercício Respiratório na Esclerose Lateral Amiotrófica treino (Figura 8). Em T1, para todos os doentes, a carga foi reajustada para 30%-40% do MIP determinado durante as PFR realizadas naquela altura. Todos os doentes em Gp2 que iniciaram o treino activo toleraram a carga inspiratória, mantendo um ritmo respiratório de 14-16 por minuto durante o exercício. Quatro doentes com progressão rápida e curta duração da doença aquando da inclusão (entre 3-6 meses), um em Gp1 e três em Gp2 (um com forma de início bulbar), não toleraram o programa respiratório no período de T1-T2. Estes 4 doentes desenvolveram sinais clínicos e laboratoriais de IR. Foi proposto início de VNI, mas dois recusaram. Onze doentes em Gp1 e 9 em Gp2 terminaram o período de 8 meses de estudo e foram incluídos na análise perprotocol. b) Análise de eficácia do programa de treino respiratório Os resultados para as comparações realizadas entre grupos e em cada grupo estão esquematizados na Adenda 2 e Figura 9. Como registado, não houve diferenças significativas entre grupos para os vários parâmetros avaliados excepto, como previsto e determinado pelo próprio desenho do estudo, na escala de Borg, cujos resultados foram inferiores para Gp2 no período treino respiratório não activo (T0-T1) por menor fadiga. Relativamente aos resultados obtidos em cada grupo, nos diferentes períodos de avaliação, não se encontraram diferenças significativas no declínio da escala funcional ALS-FRS, ou dos subtotais bulbar e medular. O subtotal respiratório demonstrou uma melhoria não significativa após os períodos de exercício de 4 meses e de oito meses, respectivamente para Gp1 e Gp2 (Figura 9). Os doentes em Gp1 tiveram um aumento nos valores de MIP, SNIPsit, PEFlay e VVM, quer na posição de sentado quer em decúbito no período T0-T1, significativo para VVMsit (p=0.017) e VVMlay 273 Susana Pinto (p=0.042). Todavia, esta melhoria não persistiu no segundo período de treino activo (T1-T2). Em Gp2, no período de treino activo (T1T2), MIPsit, PEF, VVM e SNIP determinados em ambas as posições aumentou não significativamente. Estas medidas que tinham tido um claro declínio no período inicial de treino não-activo (T0-T1). Comparando todo o período de estudo (T0-T2) entre grupos, todas as medidas respiratórias tenderam a decair menos em Gp1, cujos doentes realizaram o exercício activo desde T0, que em Gp2, cujo exercício activo foi apenas realizado no segundo período (T1-T2), mas sem que as diferenças tenham atingido valor estatisticamente significativo. Houve um declínio significativo da NI e do MUNE durante o estudo de forma igual em ambos os grupos. Os valores nas escalas FSS, VAS da fadiga e da dispneia, Epworth, MIF e EQ5D aumentaram discretamente em ambos os grupos mas de forma não significativa. FSS foi qualitativamente melhor em Gp1. Não houve efeitos adversos referenciados. 274 Capítulo 4 – Exercício Respiratório na Esclerose Lateral Amiotrófica Figura 9- Representação gráfica da progressão de algumas medidas analizadas. RofALS-FRS-R ALS-FRS 35.2 33.6 Média ± 1DP 31.3 33.8 30.0 29.2 11.8 2 11.7 8 CVF Média ± 1DP 101.8 11.7 11.4 101.4 84.8 82.5 83.7 90.1 75.4 SNIPmax MIPsit 91.7 66.9 76.3 81.0 70.6 81.4 11.6 VVMsit 88.4 90 11.9 75 80.4 73.6 66.6 71.8 89.8 75.8 93.8 75.2 275 Susana Pinto NI PhrenAmpl 0.9 Média ± 1DP 0.8 0.8 0.7 3.2 2.9 2.8 2.3 2.2 0.7 0.6 1.5 Legenda Gp1 ________ Gp2 _ __ _ __ Para abreviações ver Índice de Abreviações. Nos gráficos foram incluídos todos os doentes que terminaram o período de 8 meses do estudo. Os doentes de Gp1 estão representados pelas linhas cheias enquanto que as linhas ponteadas representam os doentes em Gp2. Os resultados (apresentados em valores médios ± 1 desvio padrão) foram avaliados em três alturas, aquando da inclusão (T0), no final do 4º mês (T1) e no final do 8º mês (T2). 276 Capítulo 4 – Exercício Respiratório na Esclerose Lateral Amiotrófica 4.B. REALS – Sobrevida dos doentes submetidos a programa de exercício respiratório na ELA Neste segundo trabalho, analisámos a sobrevida dos doentes com ELA que fizeram exercício com um grupo controlo (Pinto et al., 2012b). 4.B.1. População e métodos Foram incluídos 18 doentes que realizaram o protocolo descrito no estudo REALS por um período mínimo de 8 meses (G1). Destes, 11 tinham sido incluídos no braço que realizou o exercício precocemente e os restantes 7 fizeram parte do braço que iniciou o exercício de forma activa 4 meses após a inclusão no estudo, mas que continuaram o programa de treino por, pelo menos, 4 meses adicionais. O programa de treino foi realizado durante 8 meses por 7 doentes, 12 meses por 5 doentes, 18 meses por 2 doentes, 24 meses por 3 doentes e 32 meses por 1 doente (duração de treino: média ± DP 18.8 ± 9.6meses; quartis 1 e 3 de 10 e 28meses). Dois doentes mantiveram o programa de treino após a adaptação a VNI. A carga à inspiração foi determinada como descrita anteriormente e ajustada a cada 4 meses de acordo com os valores de MIP conseguidos a cada avaliação. Estes 18 doentes foram comparados com um grupo de controlo histórico englobando 16 doentes com ELA (G2), sem diferenças quanto a sexo, idade aquando dos primeiros sintomas, forma de início da doença, duração da doença aquando do diagnóstico, ALS-FRS e testes respiratórios, incluindo CVF e Mean PhrenAmpl. Os critérios de inclusão e de exclusão foram sobreponíveis aos descritos no estudo anterior. Todos os doentes faziam riluzole 277 Susana Pinto 50mg bidiário. Cinco doentes realizaram PEG antes do término do presente estudo, 2 em G1 e 3 em G2. As comparações entre grupos foram realizadas pela utilização do teste-t para amostras independentes no caso de variáveis com distribuição normal e o teste de Mann-Whitney U para as não normalizadas. Valores de corte foram determinados pela mediana das variáveis (Tabela 25). Variáveis dicotómicas foram expressas pelo seu valor absoluto e comparadas entre grupos pelo teste do χ2 de Pearson. A análise de sobrevida foi realizada pelo teste de “Kaplan-Meier log-rank” e a independência entre variáveis relevantes foi ajustada pelo “Cox proportional hazards model” pelos métodos “enter” e “backward” (eliminando-se sucessivamente as não significativas). Considerou-se como tempo até ao evento o tempo decorrido desde o início dos sintomas até à morte, à adaptação a VNI ou à data de término do estudo (01 de Abril de 2012). Utilizou-se o software SPSS v20.0 (IBM SPSS Statistics) para ® ® a análise estatística efectuada. 4.B.2. Resultados As características demográficas dos doentes incluídos no estudo estão representadas na Tabela 25. No total, 3 doentes (8.8%) estavam vivos sem sintomas respiratórios aquando do término do estudo, dois fazendo parte de G1 (duração da doença de 65.9 e 52.7 anos) e um de G2 (duração da doença de 12.7 anos). A VNI foi iniciada em 11 doentes em G1 e em 10 em G2. Os doentes que fizeram o exercício respiratório (G1) tiveram sobrevida significativamente mais longa que o não fizeram (36.99 ± 13.1meses vs 24.06 ± 11 meses, respectivamente, p<0.001). Não foram encontradas diferenças na sobrevida nos dois subgrupos de doentes incluídos em G1 (χ2= 0.0; p=0.989). As 278 Capítulo 4 – Exercício Respiratório na Esclerose Lateral Amiotrófica variáveis de prognóstico significativas na análise de Kaplan-Meier foram o exercício respiratório e a CVF para a população total. A CVF foi igualmente um factor significativo de prognóstico para G1 e o tempo dos primeiros sintomas até ao diagnóstico foi para G2 (Tabela 26). No modelo final de Cox incluindo todas as variáveis demográficas e clínicas relevantes, foram identificados como preditores significativos independentes de mortalidade a não realização de exercício respiratório, o sexo masculino e valores não superiores a 0,7 de PhrenAmpl média. Os doentes que não fizeram exercício tiveram um risco acrescido de 2.284 vezes (HR=2.284, 95%, CI=1.075-4.85; p=0.032*). Os doentes do sexo masculino apresentaram um risco aumentado de 4.145 vezes (HR= 4.145, 95%, CI=1.567-10.962; p=0.004**) e valores de PhrenAmpl não superiores a 0.7 mV aumentaram o risco em cerca de 3.038 vezes comparativamente com os doentes com valores inferiores ou iguais a 0.7 mV (HR= 3.038, 95%, CI=1.245-7.415; p=0.015*). 279 Susana Pinto Tabela 25 – Características demográficas dos doentes com ELA incluídos no estudo População total (n=34) Grupo do exercício (G1, n=18) Grupo controlo (G2, n=16) p Início medular 27 (79.4%) 15 (83.3%) 12 (75%) 0.594 Sexo masculino 20 (58.8%) 9 (50%) 11 (68.8%) 0.268 Idade nos 57.0 ± 8.2 57.13 ± 6.9 56.9 ± 9.7 0.932 primeiros (38.3-71.2) (41.5-64.6) (38.3-71.2) 34.0 ± 2.8 34.3 ± 2.4 (30- (27-38) 38) 11.7 ± 0.51 11.7 ± 0.49 (10-12) (11-12) 99 ± 13.9 101.9 ± 14.8 95.7-12.6 (79.8-127.3) (81.7-127.3) (79.8-119.3) PhrenAmpl 0.7 ± 0.3 0.8 ± 0.3 (0.42- 0.63 ± 0.16 média (mV) (0.4-1.45) 1.45) (0.4-0.9) 34.03 ± 2.8 37 ± 13.1 24.06 ± 11 (27-38) (20.3-65.9) (7.9-45.7) sintomas (anos) ALS-FRS RofALS-FRS-R CVF (% predito) Sobrevida média (meses) 33.8 ± 3.3 0.596 (27-38) 11.8 ± 0.54 0.365 (10-12) 0.202 0.076 <0.001** Para abreviaturas ver Índice de Abreviaturas. Para todas as variáveis excepto sexo e forma de início os valores representam média ± desvio padrão (min-max). Para sexo e forma de início os valores representam o número absoluto (percentagem). *Valores estatisticamente significativos para p<0.05; **Valores estatisticamente significativos para p<0.01. 280 Capítulo 4 – Exercício Respiratório na Esclerose Lateral Amiotrófica Tabela 26 – Sobrevida para a população total e para ambos os grupos – exercício e não exercício (análise de KaplanMeier) População Grupo de Grupo de total (n=34) exercício controlo (G1, n=18) (G2, n=16) χ2; p χ2; p χ2; p Exercício respiratório 5.217; 0.02* Forma de início 3.641; 0.06 2.623; 0.11 0.787; 0.38 Idade nos primeiros 0.318; 0.57 0.424; 0.52 0.055; 0.81 0.135; 0.713 0.187; 0.665 0.272; 0.60 Sexo 3.302; 0.069 0.201; 0.654 3.055; 0.08 Duração da doença até 3.781; 0.052 0.104; 0.747 4.474; 0.034* ALS-FRS 0.874; 0.35 1.106; 0.293 0.365; 0.546 RofALS-FRS-R 0.016; 0.9 0.779; 0.378 0.014; 0.905 CVF (% predito) 5.671; 0.017* 5.713; 0.017* 0.505; 0.477 PhrenAmpl média (mV) 1.619; 0.203 0.383; 0.536 0; 0.989 sintomas (anos) Índice de massa corporal ao diagnóstico (meses) Para abreviaturas ver Índice de Abreviaturas. *Valores estatisticamente significativos para p<0.05; **Valores estatisticamente significativos para p<0.01. 281 Susana Pinto 4.C. REALS – Discussão Exercitar os músculos ventilatórios é potencialmente importante em doenças em que ocorre diminuição da força e da resistência ao esforço dos mesmos, como a ELA. Os doentes com envolvimento respiratório podem referir fadiga respiratória e dispneia, enquanto que em situações moderadas e graves ocorre IR, associada a aumento da susceptibilidade para o desenvolvimento de atelectasias e infecções respiratórias. Os músculos ventilatórios podem ser treinados como qualquer outro músculo esquelético, segundo os mesmos princípios básicos. Um determinado músculo responde melhor a um protocolo de treino específico, a base do treino desportivo. O protocolo de treino, a sua duração e a sua frequência determinam a velocidade e a extensão da resposta. Se o treino cessa, os seus benefícios serão gradualmente perdidos, por descondicionamento. Em doenças em que ocorre desinervação crónica, como na poliomielite, o exercício intensivo pode ser nefasto (Einarsson, 1991; Bennett e Knowlton, 1958) o que está de acordo com o trabalho experimental do exercício intensivo no modelo animal com lesão neuronal (Tam et al., 2002). Bello-Haas e colaboradores (2008) elaboraram para o grupo Cochranne uma revisão dos estudos publicados na ELA em que analizam ensaios clínicos randomizados ou quasi-randomizados em que exercício físico muscular de resistência ou de elevada intensidade foi comparado contra placebo. Dos vários estudos analizados, apenas dois satisfaziam os critérios em análise (Drory et al., 2001; Bello-Haas et al., 2007). O exercício de resistência, domiciliário, bi-diário de 15 minutos, individualizado para o tronco, MS e MI diminuiu significativamente o declínio funcional (nas escalas de ALS-FRS e 282 Capítulo 4 – Exercício Respiratório na Esclerose Lateral Amiotrófica Ashworth) ao fim de 3 meses, mas sem significado aos 6 meses (Drory et al., 2001); Por outro lado, o treino de resistência domiciliário associado a alongamentos diários dos membros mostrou melhorar, aos 6 meses, os valores da ALS-FRS e da qualidade de vida (avaliada pelos subscores físicos funcionais da escala SF-36) com menor declínio da força dos MI e sem efeitos secundários (Dal Bello-Hass et al., 2007). Contudo, o número de doentes incluídos em ambos os estudos foi diminuto (14 doentes no grupo activo no estudo de Drory e colaboradores e 13 no de BelloHaas e colaboradores) tendo havido doentes excluídos no decurso dos mesmos, do que resulta dificuldade na interpretação dos resultados. Estudos abordando o treino muscular respiratório específico em doentes com ELA são, como referido anteriormente, escassos. As limitações de todos estes estudos são várias, nomeadamente a inclusão de um grupo não homogéneo de doentes, com várias formas de DNM e não apenas ELA e, inclusivamente, em diferentes estadios da doença, como no estudo de Cheah e colaboradores (2009). De referir ainda, e de particular importância, o número limitado de doentes incluídos em cada estudo (inferior a 10 no grupo activo) a inexistência de grupo controlo e o curto tempo de seguimento dos doentes (geralmente de 3 meses, de 5 meses no caso do estudo de Cheah e colaboradores). O nosso estudo incluiu uma população homogénea de doentes com ELA, sem envolvimento respiratório aquando da inclusão, seguida durante um período relativamente longo face à rápida progressão da doença. No REALS os doentes foram seguidos durante 8 meses, sendo que os doentes incluídos em G1 realizaram o treino durante esse período e os de G2 durante 4 meses. Contudo, e após o término do estudo, a quase totalidade dos doentes concordou em continuar o período de treino, pela melhoria subjectiva sentida na ventilação, 283 Susana Pinto com melhor controlo voluntário sobre a mesma e a constatação da melhoria dos níveis oximétricos de saturação de oxigénio possível pela expansão torácica realizada. Desta forma, 18 doentes foram incluídos no segundo estudo, de análise de sobrevida, e em que a duração média de realização do treino inspiratório foi de 18.8 ± 9.6meses (média ± DP; quartis 1 e 3 de 10 e 28meses). Para o treino referido utilizou-se, em ambos os estudos, um simples aparelho que permite impôr uma carga constante à inspiração, de forma graduada e individualizada, de acordo com os valores inspiratórios máximos realizados pelos doentes durante as provas de função respiratória, correspondendo a 30 a 40% do valor predito individual da MIP. Dado que, em indivíduos saudáveis, a fadiga diafragmática resulta da utilização de cargas inspiratórias que impliquem pressões transdiafragmáticas superiores a 40% do seu valor máximo (Roussos e Macklem, 1977) e dado que, para cargas inferiores, a ventilação pode ser mantida indefinidamente (Bellemare e Grassino, 1982), os valores regulados permitiriam um treino inspiratório seguro e potencialmente não causador de fadiga respiratória. Esta carga é, igualmente, a recomendada no tratamento da DPOC, tendo demonstrado reduzir a fadiga respiratória em indivíduos saudáveis. A carga à inspiração foi ajustada no REALS em T1 em ambos os grupos e a cada 4 meses no estudo de análise de sobrevida, de acordo com os valores de MIP obtidos nas várias avaliações. A frequência respiratória foi espontaneamente mantida entre 14 a 16 ciclos por minuto, de forma a que os doentes respirassem calma e profundamente. Este padrão respiratório é importante porque assegura que a carga instituída não seja mais elevada e indeterminada e, por outro lado, porque permite recrutar quer o diafragma quer outros músculos inspiratórios acessórios de forma a vencer a resistência à inspiração. Interessantemente, houve um discreto aumento da SpO2 durante o 284 Capítulo 4 – Exercício Respiratório na Esclerose Lateral Amiotrófica exercício, associado a uma diminuição de 5 batimentos por minuto da FC. Larson e colaboradores referiram observações similares em outras patologias (Larson et al., 1984). Foi inicialmente aplicado o “delayed-start design” como forma de testar o eventual efeito neuroprotector do exercício respiratório. Este desenho foi inicialmente introduzido em doentes com Doença de Alzheimer (Leber, 1996; Leber, 1997) e amplamente aplicado em ensaios clínicos com doentes com Doença de Parkinson (Parkinson Study Group, 2004; Olanow et al. 2009). Neste tipo de desenho, o tratamento em estudo é ministrado a ambos os grupos, sendo que qualquer efeito cumulativo resultante do início mais precoce do tratamento é considerado como uma possível protecção relativamente a determinada variável. A nossa medida de avaliação primária foi o total da escala ALS-FRS, que declina rapidamente na ELA (Kaufmann et al., 2005) e que é preditor de sobrevida (Kaufmann et al., 2005; Kimura et al., 2006; Gordon e Cheung., 2006b). Os nossos resultados na escala ALSFRS não apoiam a existência de um efeito neuroprotector deste IMT. Contudo, não houve decaimento significativo do subtotal respiratório em Gp1 e para Gp2 no segundo período, o que sugere que este protocolo de exercício é útil na prevenção dos sintomas respiratórios nas fases iniciais da ELA. A função ventilatória, especialmente a CVF (Czaplinski et al., 2006a; Czaplinski et al., 2006b; Schmidt et al., 2006; Baumann et al., 2010) e a SNIP são preditores de sobrevida na ELA (Morgan et al., 2005). No REALS, não observámos diferenças estatisticamente significativas nestas medidas entre os dois grupos. Todavia, foi notada uma melhoria significativa da VVM nos primeiros 4 meses do tratamento activo em Gp1 (Figura 9), aumento que ocorreu igualmente mas de forma não significativa na MIPsit, PEF, VVM e SNIP após os 4 meses de treino activo para Gp2 (Figura 9). Não 285 Susana Pinto houve alterações quanto à perda de unidades motoras no diafragma entre grupos, tal como avalido pela resposta à estimulação do nervo frénico. A análise de sobrevida dos 18 doentes que realizaram treino respiratório durante pelo menos 8 meses, quando comparados com um grupo controlo sem diferenças demográficas e clínicas, igualmente seguidos na nossa Unidade segundo os mesmo critérios clínicos mas não submetidos a programa de treino respiratório, revelou que os primeiros sobreviveram significativamente mais que os segundos. Embora não sendo capaz de travar a progressão da doença ou de evitar o envolvimento respiratório, este programa demonstrou ser um factor preditor de sobrevida nos doentes com ELA quando iniciado precocemente, nas fases iniciais da doença. Em alguns trabalhos, o sexo feminino tem estado associado a um pior prognóstico na ELA, provavelmente por maior prevalência de forma de início bulbar na ELA (del Aguilla et al., 2003). Contudo, no nosso estudo em que a forma de início bulbar foi similar em homens e mulheres, o sexo masculino foi um factor preditor negativo significativo de sobrevida. Poder-se-á especular um eventual factor protectivo hormonal nas mulheres com forma de início medular, o que não foi anteriormente demonstrado (Choi et al., 2008). De referir ainda a confirmação com este trabalho do factor prognóstico de sobrevida de PhrenAmpl nos doentes com ELA (Pinto et al., 2012b). Os nossos estudos apresentam algumas limitações. Embora o número de doente incluídos tenha sido superior ao dos outros estudos é, todavia, relativamente pequeno. Por outro lado, só foi estudado um programa de exercícios respiratórios. Dado o tipo de exercícios realizado e atendendo às limitações da escala ALS-FRS para avaliação de variações da função respiratória em estudos como o presente é provavelmente mais adequado utilizar, no futuro, 286 Capítulo 4 – Exercício Respiratório na Esclerose Lateral Amiotrófica medidas mais sensíveis como a MIP e a VVM como medidas primárias de avaliação. No estudo de análise de sobrevida, o ponto passível de maior crítica é a validação do grupo de controlo histórico utilizado como grupo comparativo. Contudo, trata-se de um grupo sem diferenças demográficas e clínicas significativas quando comparativamente com o grupo do exercício, seguido até ao mesmo evento pelos mesmos profissionais e segundo os mesmos critérios, não havendo o conhecimento da sua futura utilização como grupo controlo, o que provavelmente evitou qualquer possível enviezamento. Em conclusão, o treino muscular inspiratório é seguro, não apresentando efeitos nefastos e podendo, pelo contrário, ter benefícios nas fases iniciais da ELA e aumentando a sobrevida desses doentes. Apesar de não parecer ser possível evitar o declínio da função respiratória em doentes com ELA com curta evolução da doença e com função respiratória normal, os nossos resultados sugerem que existe um efeito benéfico, detectável pela escala clínica e pelos testes respiratórios e com repercussões na sobrevida destes doentes. O potencial papel dos programas de exercício no tratamento da ELA tem sido relativamente negligenciado mas merece ser reinvestigado. Estes estudos suportam a realização de um estudo multicêntrico duplamente cego visando avaliar a eficácia no aumento da sobrevida deste programa de treino respiratório em doentes com ELA. 287 Discussão geral Capítulo 5 Discussão geral Não havendo cura ou qualquer tratamento capaz de travar a evolução da doença, a ELA é uma doença particularmente devastadora, especialmente pela imobilização progressiva que condiciona, com total dependência de terceiros, geralmente com preservação das funções cognitivas. A fraqueza dos músculos inspiratórios e expiratórios ocorre tipicamente durante a evolução da doença, apesar de poder ser a sua forma de apresentação (de Carvalho et al., 2006). A Insuficiência Respiratória (IR) resultante associa-se a diminuição da qualidade de vida dos doentes (Bourke et al., 2001). A sobrevida dos doentes com ELA está particularmente dependente do aparecimento de hipoventilação (Fallat et al., 1979). Nestes doentes, a ventilação não-invasiva (VNI) tem um impacto positivo na sobrevida (Pinto et al., 1995a; Aboussouan et al., 1997; Kleopa et al., 1999), melhorando igualmente a sua qualidade de vida (Bourke et al., 2006). 289 5.A. Contributo da presente Tese para a compreensão da fraqueza e da fadiga diafragmáticas assim como de outros músculos respiratórios na ELA A fraqueza muscular inspiratória foi identificada como o determinante primário do aparecimento de sintomas respiratórios e do desenvolvimento de falência ventilatória (Polkey et al., 1998). A mesma é tradicionalmente avaliada pela realização de provas de função respiratória. Como referido anteriormente, a MIP, a SNIP e a VVM traduzem a força dos músculos inspiratórios (Black e Hyatt, 1971; Hautmann et al. 2000; Stefanutti et al. 2000). Contudo, enquanto que a MIP e a SNIP traduzem a força de contracção instantânea, a VVM traduz a resistência ao esforço respiratório. A CVF depende igualmente da força dos músculos expiratórios (Celli, 1989), razão pela qual MIP, SNIP e VVM são mais sensíveis na avaliação da função inspiratória (Black et al., 1971; Hautmann et al., 2000; Stefanutti et al. 2000; Cha, 1989; Hautmann et al., 2000; Quanjer et al., 1993). Contudo, a determinação destas medidas resulta do recrutamento não apenas do diafragma e dos músculos intercostais externos, mas também de outros músculos inspiratórios acessórios. O estudo do envolvimento do diafragma e dos outros músculos é particularmente relevante em doentes com ELA. Mas será possível avaliar o contributo individual dos músculos respiratórios para a dinâmica ventilatória? Até que grau a fraqueza e fadiga diafragmáticas condicionam alterações na mecânica ventilatória destes doentes? No fundo, será possível a compensação da fraqueza diafragmática pelos restantes músculos? É possível a obtenção, em indivíduos saudáveis, de respostas motoras diafragmáticas por estimulação transcutânea do nervo frénico a nível cervical, quer por estímulos eléctricos (descrições iniciais por Newsom-Davis, 1967 e Delhez, 1965) quer magnéticos (Similowski et al., 1997). Respostas motoras do Discussão geral diafragma são igualmente induzidas por estimulação magnética transcraniana (Similowski, 2001). Estes testes são independentes da vontade, quantificando a força de contracção diafragmática, verificando-se na ELA uma redução das amplitudes motoras e um aumento da latência. A redução das amplitudes está relacionada com a diminuição do número de unidades motoras funcionais, enquanto que o aumento da latência pode resultar da desmielinização segundária à degenerescência axonal ou da perda de axónios de condução rápida (Evangelista et al., 1995). Na ELA, alguns estudos iniciais, com poucos doentes, demonstraram que alterações da condução motora do nervo frénico ocorrem frequentemente em doentes com alterações respiratórias (Markand et al., 1984; Gay et al., 1991). Um estudo preliminar na nossa Unidade (incluindo 31 doentes com ELA) demonstrou que cerca de 39% dos doentes com IR apresentavam respostas motoras do nervo frénico anormais, em comparação com 11% no grupo de doentes sem sintomas respiratórios (Evangelista et al., 1995). Na presente tese, vários estudos avaliaram as respostas motoras diafragmáticas por estimulação eléctrica do nervo frénico em grandes grupos populacionais de doentes com ELA. Foi evidenciado que esta técnica é simples e bem tolerada, fácil de realizar e com resultados consistentes, quando realizada por neurofisiologistas experientes (Pinto e de Carvalho, 2010; Pinto e de Carvalho, 2009b). Por outro lado, e independentemente da forma de início da doença, foi verificada uma notável semelhança das respostas entre ambos os lados (Pinto e de Carvalho, 2010), provavelmente relacionada como a disposição medial do núcleo do nervo frénico na medula espinhal (Routal e Pal, 1999b). Esta observação suporta o recente conceito de um envolvimento contíguo dos neurónios motores na ELA, decorrente de um factor tóxico micro-ambiental, como se da propagação de “prions” se 291 Susana Pinto tratasse (Polymenidou and Claveland, 2012). Na mesma linha, o envolvimento diafragmático associa-se à perda de unidades motoras dos músculos axiais (de Carvalho et al., 2009), de acordo com a impressão clínica de mau prognóstico dos doentes que iniciam a doença por marcada parésia axial. Estas nossas observações corroboram, novamente, um envolvimento regional temporalmente próximo dos núcleos de neurónios motores medulares localizados na posição mais medial do corno anterior da medula (de Carvalho et al., 2009), concordante com as actuais correntes de compreensão da progressão da doença (Ravits et al., 2007; Ravits e La Spada, 2009). Contudo, a amplitude da resposta motora do diafragma não se correlaciona com as amplitudes registadas noutros músculos de miótomos cervicais, nomeadamente do deltoide e do ADM, provavelmente traduzindo que o núcleo do nervo frénico tem uma susceptibilidade particular à degenerescência neuronal. O deltoide, cujo núcleo motor é igualmente medial mas localizado mais lateralmente que o do frénico, tende a ser simetricamente envolvido, o que apenas ocorre no ADM nos doentes com forma de início bulbar ou nos MI. Este facto está relacionado com o início da doença focal e predominantemente distal nos doentes cujos primeiros sintomas são referidos aos MS (Ravits et al., 2007; Ravits e La Spada, 2009). Como implicação prática das nossas observações, sugerimos que a eventual colocação de pace-maker diafragmático em doentes com ELA, técnica recente desenvolvida por Onders e colaboradores (2009), deverá considerar a estimulação bilateral e não unilateral deste músculo, o que poderia ser empiricamente ponderado dada a assimetria típica de envolvimento segmentar a que se assiste na ELA. Visando compreender a fisiopatologia respiratória na ELA, foram realizados vários estudos que pretenderam avaliar os 292 Discussão geral músculos inspiratórios acessórios. Demonstrou-se que a eventual compensação da fraqueza diafragmática por parte de músculos inspiratórios acessórios, nomeadamente os músculos intercostais externos (Pinto et al., 2007a), SCM (Pinto e de Carvalho, 2008b) e, inclusivamente, os músculos para-espinhais (de Carvalho et al., 2009d), é transitória, dado existir um envolvimento concomitante dos mesmos. Os músculos intercostais externos e o diafragma são similarmente envolvidos como demonstrado por electromiografia, não havendo diferenças entre doentes com forma de início medular e bulbar (Pinto et al., 2007a). No caso do SCM, e para além da SCMAmpl se correlacionar significativamente com PhrenAmpl, o mesmo foi verificado para SNIP, MIP e CVF. Contudo, e apesar das correlações, o contributo da SCMAmpl e da PhrenAmpl para os valores de SNIP, MIP e CVF são diferentes, segundo as fórmulas: SNIP= 0.327 SCMAmpl + 0.666 PhrenAmpl; MIP= 0.747 SCMAmpl + 0.067 PhrenAmpl; CVF= 0.293 SCMAmpl + 0.310 PhrenAmpl. Desta forma, SNIP (mais dependente da PhrenAmpl) e MIP (mais dependente da SCMAmpl) podem dar informação complementar quanto à força muscular de diferentes músculos inspiratórios, como anteriormente sugerido (Steier et al., 2007). Por outro lado, das nossas fórmulas é evidente a importante contribuição dos músculos expiratórios para a CVF (Pinto e de Carvalho, 2008b). Apesar de não sobreponíveis, a SNIP pode ser particularmente utilizada quando os doentes apresentam parésia oro-facial que impeça a correcta avaliação da MIP, por deficiente encerramento da boca em torno do bucal. De referir ainda que a SCMAmpl também se correlacionou positivamente com a CVF, a MEP e a P0.1, mostrando que a expiração está também dependente da inspiração e que o funcionamento do SCM depende também da actividade do centro respiratório (Pinto e de Carvalho, 2008b). Estes resultados só foram possíveis após se estabelecer uma nova técnica para a 293 Susana Pinto determinação das respostas motoras do SCM (Pinto e de Carvalho, 2008a). 294 5.B. Contributo da presente tese para a determinação dos factores de prognóstico respiratório na ELA Em doenças progressivas e sem cura conhecida, como a ELA, é particularmente relevante estabelecer um prognóstico. A correcta informação àcerca do mesmo é fundamental não só para os próprios doentes, mas também para os familiares e cuidadores, assim como para os clínicos. Vários factores têm sido associados a um pior prognóstico nos doentes com ELA, estando a forma de início bulbar associada a uma menor sobrevida (Chiò et al., 2002; Del Aguilla et al., 2003; Rosen, 1978; Tysnes et al., 1991; Pinto et al., 2009a), assim como a forma de início respiratório (Ringel et al., 1993; Kauffmann et al., 2005; Kollewe et al., 2008; Chiò et al., 2009a). Outros factores de mau prognóstico são a idade mais avançada aquando dos primeiros sintomas (Haverkamp et al., 1995; Kauffmann et al., 2005; Kollewe et al., 2008; Chiò et al., 2009a), o sexo feminino (Chancellor et al., 1993; del Aguila et al., 2003), a rápida progressão da doença (Haverkamp et al., 1995; Zoccolella et al., 2008), a curta duração da doença até ao diagnóstico, que traduz igualmente uma rápida progressão (Ringel et al., 1993; Kauffmann et al., 2005; Kollewe et al., 2008; Chiò et al., 2009a; Pinto et al., 2012d), o predomínio de sinais do primeiro ou do segundo neurónio motores (Zoccolella et al., 2008), a presença de desidratação e malnutrição (Limousin et al., 2010), o rápido declínio clínico (determinado pelos valores de ALS-FRS) e respiratório (Kauffmann et al., 2005; Kollewe et al., 2008; Chiò et al., 2009a). O padrão de envolvimento regional segmentar (Gargiulo-Monachelli et al., 2012) e o tempo entre o envolvimento sucessivo de uma segunda região (Turner et al., 2010) foram recentemente identificados como factores de prognóstico importante. A função respiratória é sempre utilizada como medida de selecção em ensaios clínicos de ELA, dado que a IR e as suas Susana Pinto complicações são as principais causas de morte dos doentes com ELA. Foi demonstrado que a CVF (Fallat et al., 1979; Czaplinski et al., 2006a; Czaplinski et al., 2006b; Kollewe et al, 2008), o decaimento da CVF (Magnus et al., 2002) e da CV (Shiffman and Belsh, 1993), a SNIP (Morgan et al., 2005) e a SpO2mean determinada por OPN (Velasco et al., 2002; Pinto et al., 2003) são indicadores de sobrevida na ELA. Apesar da CVF ser utilizada em ensaios clínicos, poderá não ser um factor preditivo independente segundo alguns autores (Kaufmann et al., 2005), provavelmente por depender da cooperação dos doentes e do adequado encerramento dos lábios em torno do bucal, especialmente difícil em doentes com envolvimento bulbar. Outros autores sugerem a determinação da CVF em decúbito dorsal (Lechtzin et al., 2002). Também a MIP é uma medida sensível da função respiratória em doenças neuromusculares (Maillard et al., 1998) mas, tal como referido para a CVF, depende da colaboração dos doentes e do adequado encerramento dos lábios. Sendo mais sensível que a CVF na detecção de hipoventilação (Jackson et al., 2001), o seu declínio tende a ser mais rápido nas fases iniciais da progressão da doença, razão pela qual não é um bom biomarcador respiratório no seguimento destes doentes. Nos doentes com parésia oro-facial a SNIP é consensualmente mais adequada. É um parâmetro fácil e seguro (Maillard et al., 1998), tendo sido proposto para avaliação respiratória nos doentes com ELA (Fitting et al.,1999) sendo o seu declínio preditor de sobrevida nos mesmos (Morgan et al., 2005). Apesar de mais adequada que outras medidas respiratórias nos doentes com forma de início bulbar, pode ser algo difícil de realizar pelo possível colapso das vias aéreas superiores na inspiração ou pela menor coordenação dos movimentos inspiratórios (Pinto et al., 2007b). De facto, a SNIP não é preditiva de hipercapnia nos doentes bulbares com ELA (Lyall et al., 2001a). A OPN é um teste 296 _______________________________________________________ ______________Resumo preditivo de sobrevida não dependente da vontade (Velasco et al., 2002) mas que varia menos que outras medidas de função respiratória quando os doentes são seguidos num curto período de tempo (Pinto et al., 2009b). Na ELA, como em qualquer outra doença, um biomarcador óptimo, incluindo biomarcador respiratório, deve ser fácil de obter, de baixo custo, bem tolerado, ter significado clínico, ser reproductível, sensível e confiável, variando ao longo de curtos períodos de progressão da doença. De facto, ensaios clínicos de cura duração, com biomarcadores sensíveis, em grupos populacionais homogéneos, são uma nova abordagem para testar novas moléculas promissoras (de Carvalho and Swash, 2006). Como descrito, vários testes respiratórios mostraram ser biomarcadores de sobrevida e de progressão da doença, embora nenhum teste fosse identificado como biomarcador da hipoventilação em doentes com forma de início bulbar. A Mean PhrenAmpl é um parâmetro simples e rápido de determinar, não-volicional e bem tolerado, reprodutível e adequado para estudo do envolvimento respiratório nos doentes com ELA. Mas será preditivo de hipoventilação e de sobrevida nestes doentes? De forma a esclarecer estes pontos, desenvolvemos vários estudos para avaliar o envolvimento respiratório na nossa população de doentes, servindo-nos dos parâmetros respiratórios clássicos, mas avaliando também a PhrenAmpl e a SNIP. Num primeiro estudo (Pinto et al., 2009a), verificámos que os parâmetros respiratórios geralmente avaliados têm baixo valor preditivo positivo, mas com sensibilidade, especificidade e valor preditivo negativo elevados. Mean PhrenAmpl, para valores de corte de 0.4mV (de Carvalho, 2004), foi o único parâmetro que mostrou correlação com a hipoventilação, quer nos doentes com forma de início medular quer bulbar. Valores anormais de PhrenAmpl (inferiores a 0.37mV 297 Susana Pinto para os doentes com forma de início medular e a 0.25mV para os com forma de início bulbar, determinados por regressão logística) estão fortemente associados a hipercapnia e, consequentemente, a hipoventilação (valor preditivo negativo de 95%) (Pinto et al., 2009a). Em trabalho subsequente (Pinto et al., 2012d), PhrenAmpl mostrou ser um factor independente preditivo negativo de sobrevida para ambas as populações, sendo que valores iguais ou inferiores a 0.4 mV aumentaram o risco de morte 1.657 vezes quando comparativamente com aqueles acima de 0.4 mV (HR= 1.653, 95%, CI=1.249-2.186; p<0.001, para a população total; HR= 1.574, 95%, CI=1.141-2.172, p=0.006, para formas de início medular e HR= 2.161, 95%, CI =1.195-3.909, p=0.011, para os doentes com forma de início bulbar). Finalmente, num terceiro estudo (Pinto et al., 2009b), observámos que a variação de Mean PhrenAmpl pode detectar a perda de UM no diafragma em curtos períodos de seguimento (de cerca de 5 meses). O decaimento de Mean PhrenAmpl foi significativo e linear ao longo do tempo, correlacionando-se com o decaimento, também significativo, de outros testes respiratórios, nomeadamente CVF e SNIP. A percentagem do seu decremento, independente da forma de início e da duração da doença, foi de 18,7% sendo que o seu coeficiente de variação foi similar à da ALS-FRS mas menor que a da CVF e SNIP, sendo portanto relevante em ensaios clínicos (de Carvalho e Swash, 2006). Sem dúvida que Mean PhrenAmpl parece ser um bom biomarcador para a identificação precoce do envolvimento respiratório na ELA, sendo preditivo de hipoventilação e de sobrevida, e sendo adequado para o seguimento do progressivo agravamento respiratório nestes doentes. Deste forma, sugere-se que seja incluído na avaliação de rotina da função respiratória dos doentes com ELA, particularmente relevante nos doentes não colaborantes ou com envolvimento bulbar que impeça a adequada 298 _______________________________________________________ ______________Resumo realização das provas de função respiratórias convencionais. Nos doentes com forma de início bulbar, demonstrámos igualmente não haver evidência que a fraqueza diafragmática seja mais precoce que nos com forma de início medular (Pinto et al., 2007a). Os nossos resultados são relevantes para a determinação do melhor “timing” de início da VNI, com potencial impacto no prolongamento da sobrevida. Contudo, impressionante número de doentes bem ventilados, tal como determinado por OPN, tem morte súbita durante o sono, o que é sugestivo de disautonomia. Na verdade, estudo preliminares sobre este tema realizados na nossa Unidade, indicam haver redução da normal variabilidade da frequência cardíaca ao longo da evolução da doença, sendo que a morte súbita é mais frequente no grupo de doentes com menor variabilidade, apesar de bem ventilados (Pinto et al., 2012c). Outros factores podem estar implicados na falência da VNI no prolongamento da sobrevida dos doentes, em particular a disfunção do centro respiratório. O padrão de dessaturação períodica verificado por nós na OPN de alguns doentes (de Carvalho et al., 2009b) e, sobretudo, a redução da razão P0.1/CVF (de Carvalho et al., 2009b), estando esta última associada a mau prognóstico, podem traduzir envolvimento do centro respiratório. Desta forma, será necessário investigar outras intervenções para garantir uma melhor sobrevida destes doentes. 299 5.C. Contributo da presente tese para a melhoria da função respiratória dos doentes com ELA – Exercícios respiratórios na ELA O exercício físico em doentes com ELA tem interessado a comunidade científica nos últimos anos. Contudo, marcada controvérsia existe quanto à sua eficácia já que vários trabalhos e estudos epidemiológicos defendem maior potencial de agravamento pela sua realização, enquanto que outros estudos evidenciam que a realização de exercício moderado é benéfico. Um número diminuto de trabalhos incidiu na realização de treino respiratório específico em doentes com ELA (Fallat et al, 1987; Gross e Meiner, 1993; Schiffman e Belsh, 1999; Nardin et al., 2008; Cheah et al., 2009), suportados em estudos positivos realizados noutras doenças com envolvimento respiratório, nomeadamente na DPOC (Larson et al., 1988; Harver et al., 1989; Weiner et al., 1992a; Weiner et al., 1992b; Hill et al., 2006), e outras doenças neuromusculares (Fregonezi et al., 2005; Koessler et al., 2008; Gozal e Thiriet, 1999). A manutenção da função respiratória por períodos mais prolongados, com melhoria do padrão ventilatório, a diminuição da fadiga e fraqueza musculares respiratórias, a prevenção do descondicionamento cardio-respiratório e, em particular, o atraso no aparecimento importantes de na semiologia ELA. Nos de IR estudos seriam realizados particularmente anteriormente realizados na ELA, o treino muscular respiratório parece ter sido seguro e estar associado a uma tendência para um menor declínio na CVF. Contudo, foram incluídos um número reduzido de doentes, com marcada variabilidade de expressão clínica, incluindo doentes com envolvimento respiratório e com outras formas de Doença do Neurónio Motor, sendo que apenas um estudo incluíu um grupo controlo. Por outro lado, não é claro que tipo de exercício foi _______________________________________________________ ______________Resumo realizado, a carga utilizada, a duração do treino (geralmente curto) ou a sua frequência. Apesar dos poucos trabalhos existentes testando o exercício respiratório em doentes com ELA, colocámos a hipótese de que a realização de treino inspiratório nas fases iniciais da doença, em doentes com ELA sem envolvimento respiratório, poderia reduzir a Gp2 progressão da doença e deterioração da função respiratória. Pretendíamos, igualmente, avaliar o potencial benefício neuroprotector do programa de treino respiratório precocemente instituído. O estudo prospectivo (Pinto et al., 2012a) incluiu 26 doentes com ELA sem envolvimento respiratório, randomizados em dois grupos segundo um desenho de estudo “delayed start design”, como forma de testar o eventual efeito neuroprotector do exercício respiratório. Os doentes no grupo activo realizaram treino inspiratório durante um período relativamente longo, de 8 meses, enquanto que os restantes o realizaram nos últimos 4 meses desses 8 meses (uma intervenção “placebo-like” foi idealizada para os primeiros 4 meses). O treino muscular inspiratório foi realizado bidiariamente no domicílio, pela utilização do aparelho Threshold ® IMT (da Respironics ). Por períodos de 10 min, na mesma altura da ® manhã e da tarde, os doentes, confortavelmente sentados, inspiravam pelo bucal do aparelho (com encerramento das narinas por pinça plástica) com carga inspiratória entre 30-40% da MIP determinada durante as PFR. Assistiu-se a um decaimento similar nos dois grupos dos valores da escala ALS-FRS, o que não suporta um efeito neuroprotector do exercício, não tendo igualmente ocorrido alterações quanto à perda de UM no diafragma entre grupos, avaliado por Mean PhrenAmpl. Não foram observados efeitos secundários do programa de exercício instituído. Na verdade, foi observado um ligeiro efeito benéfico transitório, detectável pela escala clínica e pelos testes respiratórios em ambos 301 Susana Pinto os grupos, após a introdução do programa de exercício. Em particular, houve uma melhoria significativa da VVM nos primeiros 4 meses do tratamento activo nos doentes que iniciaram o treino precocemente, aumento que ocorreu igualmente, mas de forma não significativa, na MIPsit, PEF, VVM e SNIP após os 4 meses de treino activo para os que iniciaram o treino mais tardiamente. Num segundo estudo (Pinto et al., 2012b) avaliámos a sobrevida de 18 doentes que realizaram durante, pelo menos, 8 meses o protocolo de treino inspiratório descrito. Comparámos estes doentes com grupo controlo histórico sem diferenças demográficas e clínicas, igualmente seguido na nossa Unidade segundo os mesmo critérios mas não submetido a treino respiratório. Importante realçar que a duração média da realização do treino foi extensa, de 18.8 ± 9.6meses. Os doentes que fizeram o exercício respiratório tiveram sobrevida significativamente mais longa que os que o não fizeram (36.99 ± 13.1meses vs 24.06 ± 11 meses, respectivamente, p<0.001). Não sendo capaz de travar a progressão da doença ou de evitar o envolvimento respiratório, este programa demonstrou ser um factor preditor de sobrevida nos doentes com ELA quando iniciado precocemente, nas fases iniciais da doença. O nosso ensaio clínico sobre exercício respiratório na ELA, incluindo doentes precocemente envolvidos pela doença e sem perturbação da função respiratória, claramente indica que esta intervenção não tem riscos, havendo benefícios clínicos como demonstrado pelas melhoria em alguns parâmetros e, sobretudo, pelo aumento da sobrevida. Desta forma, a realização de um ensaio alargado, multicêntrico, duplamente cego e controlado contra placebo está particularmente indicado. 302 _______________________________________________________ ______________Resumo 5.D. Ideias para o futuro Temos a esperança de desenvolver algumas ideias fundamentais que resultaram do nosso persistente trabalho nos últimos anos. Gostariamos de perceber qual o parâmetro ventilatório mais precocemente atingido nesta doença, embora reconheçamos uma extrema variabilidade decorrente de diferentes fenotípos. A análise de uma extensa e detalhada base de dados com mais de 600 doentes, que fomos contruindo, pode dar algumas pistas sobre este complexo tema. A ecografia diafragmática surge como técnica promissora a ecografia para avaliar de forma não-invasiva a mobilização e mesmo a espessura do diafragma (Yoshioka et al., 2007). Pretendemos introduzir esta técnica e correlacionar os seus resultados com as respostas motoras do diafragma. Sobre a pertubação da variabilidade da frequência cardíaca ao longo da evolução da doença foi iniciado um registo cuidado do sinal electrocardiográfico e de outros parâmetros, num grupo de doentes, com o objectivo de procedermos a uma análise espectral do sinal. Iremos explorar as potencialidades de executar técnicas de imagem funcional incidindo sobre as áreas de representação dos músculos respiratórios. O potencial papel dos programas de exercício no tratamento da ELA tem sido relativamente negligenciado mas merece ser reinvestigado. A inclusão de maior número de doentes é aconselhado, assim como a realização de um programa de exercícios respiratórios que incida não apenas no treino muscular inspiratório mas igualmente no treino expiratório, que traria 303 Susana Pinto benefícios na adequação da tosse, com eventual diminuição do número de infecções respiratórias e melhoria da sobrevida. No futuro, medidas mais sensíveis como a MIP e a VVM ou escalas específicas para avaliação da função respiratória deverão ser utilizadas como medidas primárias de avaliação deste tipo de treino. Tentaremos prosseguir nesta via, preferencialmente no âmbito de um estudo multicêntrico. 304 Referências bibliográficas Referências bibliográficas AARC (1995) AARC-APT (American Association of Respiratory Care-Association of Polysomnography Technologists) clinical practice guideline. Polysomnography. Respir Care; 40(12): 1336-43; Abel EL (2007) Football increases the risk for Lou Gehrig’s disease, amyotrophic lateral sclerosis. Percept Mot Skills;104:1251-4; Aboussouan L, Khan S, Banerjee M, Arroliga A, Mitsumoto H (2001) Objective measures of the efficacy of noninvasive positive pressure ventilation in amyotrophic lateral sclerosis. Muscle Nerve; 24:403–9. Aboussouan LS, Khan SU, Meeker DP, Stelmach K, Mitsumoto H (1997) Effect of noninvasive positive-pressure ventilation on survival in amyotrophic lateral sclerosis. 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J Neurol Sci 268:28–32. 375 Agradecimentos Aos meus pais, Maria dos Prazeres e Francisco Costa, não tenho palavras para agradecer todo o Amor, apoio e estabilidade que me dão e, em especial, todo o Amor, protecção e segurança que, diariamente, dão ao meu filho. Sem o vosso apoio incondicional esta Tese não teria sido possível; Ao meu Gui, meu filhote, agradeço toda a força que sempre me dá quando me passa a mãozita quente, inocente e sincera pela face, que me aquece o coração. Sempre me esforcei por não te prejudicar no tempo que dispendi a construir tabelas, escrever artigos e, especialmente, escrever esta Tese, mas claro que nem sempre o consegui. Que o futuro te seja risonho e que lutes sempre pelos teus ideais; Ao Professor Doutor Mamede de Carvalho, meu Amigo antes de mais, o meu profundo reconhecimento profissional. Agradeço-lhe os ensinamentos transmitidos e as orientações curriculares, a confiança em mim depositada, o incentivo constante e as oportunidades proporcionadas; Ao Dr Licínio Carneiro, fisiatra, o meu agradecimento pela sua simpatia e Amizade e, em especial, pelos ensinamentos na área da Reabilitação Cárdio-Respiratória que estiveram na base da concepção dos exercícios respiratórios propostos nesta Tese; À Respironics , ® pela simpatia e disponibilização dos aparelhos Threshold IMT , indispensáveis ao treino respiratório ® ® 377 Susana Pinto proposto que, aquando do início do estudo, não eram comercializados em Portugal; Ao Professor Doutor Joaquim Ferreira, pela sugestão da realização do tipo de estudo clínico utilizado nos exercícios respiratórios e à Dra Ana Noronha pela randomização dos doentes; À Linde Sógas pelo apoio financeiro mas, sobretudo, pela ® forma cuidadosa e apoio constante e tão precioso que sempre disponibilizam aos nossos doentes com ELA; À Professora Doutora Anabela Pinto, pelas calorosas e frutíferas discussões sobre a Insuficiência Respiratória na ELA; A Vitória Ribeiro, Isabel Duran e Margarida Fernandes, secretárias da Unidade de Neuromusculares do Serviço de Neurologia do HSM, pela alegria, simpatia e carinho, assim como o apoio de secretariado, a disponibilidade e o incentivo; A todos os meus Amigos que comigo se preocuparam e me deram força para sempre continuar. Vocês sabem quem são. Um agradecimento especial à minha Amiga Vanda Carmelo, com quem sempre poderei incondicionalmente contar e ao meu Amigo Duarte Martelo, fisiatra, que me auxiliou quando precisei; Aos doentes com ELA e seus familiares, que tanto precisam e que com tão pouco se contentam, agradeço todos os ensinamentos transmitidos assim como a sua participação e colaboração nos estudo desenvolvidos na presente Tese. 378