GINÁSTICA LABORAL E EDUCAÇÃO FÍSICA: A EDUCAÇÃO
CORPORAL NO PROCESSO DE QUALIFICAÇÃO DO CORPO DO
TRABALHADOR
Roger Carlos Ferreira Alves Santos1
Universidade Federal de Sergipe (UFS/NPSE/HISTEDBR)
[email protected]
Lúcia Aranha2
Universidade Federal de Sergipe (UFS/DSS/NPGED)
INTRODUÇÃO
A epopéia humana na luta pela conquista do reino da liberdade é bem
representada através do mito grego do Prometeu acorrentado. Contudo, esse reino
apresenta-se ainda muito distante para a maioria dos homens e mulheres trabalhadores
nesse início de século XXI. Isto porque, até mesmo as premissas que propugnavam com
otimismo o fim da centralidade do trabalho, hoje estão em xeque, pois em escala
planetária o que se observa não é a liberação dos homens e mulheres do fardo do
trabalho, mas sim, o aprisionamento à necessidade de assegurarem a sua existência
através de formas de trabalho cada vez mais precarizadas.
Portanto, a relação trabalho/educação constitui-se numa temática candente no
que concerne às possibilidades de realizar o esforço da consciência para a compreensão
do capitalismo na contemporaneidade, e os seus reflexos em todas as esferas do ser
social.
A partir da década de 1970 o sistema produtor de mercadorias sofreu mudanças
substanciais – outra crise estrutural do capital – que delinearam uma nova conformação
ao mesmo. Com efeito, essa crise suscitou um acirrado debate acerca da centralidade do
trabalho no processo de produção/reprodução da existência humana. Estaria então o
trabalho com os seus dias contados? Será o trabalho uma espécie em vias de extinção?
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Aluno do Programa de Pós-graduação em Educação – Mestrado – da Universidade Federal de Sergipe
(UFS), membro pesquisador do Núcleo de Pesquisa “Sociedade e Educação” (NPSE) vinculado ao Grupo
de Estudos e Pesquisas “História, Sociedade e Educação no Brasil” (HISTEDBR/UNICAMP).
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Doutora em Educação, professora do Departamento de Serviço Social e do Núcleo de Pós-Graduação
em Educação da Universidade Federal de Sergipe.
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É óbvio que a atual configuração do trabalho e bastante diversa da forma como
apresentava-se no século XIX, a exemplo da educação e de outros fenômenos humanosociais. Não obstante, traços da exploração do trabalhador e da sua força de trabalho
permanecem sob uma nova roupagem aparentemente mais refinada e humanizante;
como também não se vislumbra ainda, em um sentido lato, uma educação emancipatória
e/ou omnilateral.
Partindo-se da assertiva do trabalho como princípio educativo, as demandas
clamadas por este interferem diretamente na educação e nas necessidades
qualificacionais para a ocupação dos postos de trabalho. Eis que no mundo globalizado
e automatizado do trabalho no presente século, os atributos relacionados à qualificação
do trabalhador cada vez menos requerem o componente manual. Entretanto, há uma
exigência cada vez mais crescente do componente intelectual. O que vem a ser essa
nova exigência?
Apesar da prevalência relativa do componente intelectual sobre o componente
manual do trabalho, isso não significa a negação e/ou subordinação passiva do corpo ao
intelecto, mas representa uma ampla vinculação entre ambos. A aparente supremacia do
intelecto sobre o corpóreo não quer dizer a sua exclusão – até porque isso seria
impossível –, mas engendra um novo tratamento à dimensão corporal.
O elevado desenvolvimento tecnológico dos postos de trabalho não implica
numa avançada perspectiva de liberdade e emancipação do trabalhador, pois sua
atividade livre e criativa – o trabalho – permanece unilateral; ou seja, exclusivamente
restrita ao reino da necessidade.
Entre algumas mudanças que são implementadas no mundo trabalho, há uma
especificamente que chama a atenção: primeiro, por ter sido pouco estudada para além
de um sentido bio-fisiológico; segundo, por tratar-se de uma atividade corporal em um
momento que se fala de intelectualização dos postos de trabalho. A saber, sua
denominação: Ginástica Laboral.
De certa forma a implantação de programas de Ginástica Laboral demonstra uma
preocupação com a diminuição dos males ocasionados pelo trabalho, mas também faz
emergir duas questões: a) no que se refere à educação formal, a disciplina curricular
Educação Física parece não dar conta da formação/preparação corporal dos sujeitos que
mais cedo ou mais tarde tornar-se-ão trabalhadores. Eis que para compensar essa
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deficiência da escola as empresas realizam o seu próprio investimento relacionado ao
corpo; b) quais os verdadeiros interesses subjacentes a esse investimento na dimensão
corpórea do trabalhador, pois ainda que prevaleça o componente intelectual do trabalho,
o proprietário da força de trabalho não vai para a sua respectiva atividade laborativa
somente com o seu cérebro – o corpo e a mente são dimensões indissociáveis da
totalidade humana.
Como fica evidente, o corpo e/ou componente manual não subordina-se
passivamente ao componente intelectual, de uma forma em que paulatinamente um
substitui o outro impulsionado pelo crescente processo de “intelectualização” de alguns
postos de trabalho, automatizados por uma base técnica microeletrônica. Pelo contrário,
poder-se-ia admitir que o corpo que labora faz parte dos interesses produtivos do
capitalismo, visto que a força de trabalho se materializa em ações que necessariamente
passam por alguma forma de expressão da corporeidade dos homens e mulheres
trabalhadores.
Sendo assim, o objetivo do presente artigo é desenvolver em caráter preliminar
algumas reflexões sobre o trabalho na contemporaneidade, situando a corporeidade
numa dimensão concreta, a partir da relação entre componente intelectual e componente
manual do trabalho, e que a emergência relativa do primeiro impõe ao segundo não o
seu isolamento, mas um novo sentido – como expressa a adoção de programas de
Ginástica Laboral pelas empresas –, além de refletir também sobre as potencialidades
emancipatórias inerentes ao fenômeno educativo na formação do ser social, diante de
um contexto marcado por um acentuado processo de reestruturação do capital, no qual
os mais pragmáticos admitem a chegada do fim da história. Enfim, o propósito maior é
tão somente suscitar o debate.
Partir-se-á da realidade concreta, pois esta é a síntese das múltiplas
determinações que em si comportam o uno e o diverso, sendo o ponto de partida da
observação e da representação (MARX, 2003).
TRABALHO E SER SOCIAL: BREVES CONSIDERAÇÕES
Diante das profundas transformações sociais, econômicas e culturais que a
humanidade vem experienciando em escala planetária, muito se tem investigado a
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respeito do trabalho e de sua centralidade na vida humana. Corrobora-se com a
perspectiva que concebe o trabalho como elemento central, não obstante o fato de a
sociedade do trabalho encontrar-se em crise.
Partir-se-á da acepção marxiana que considera o trabalho como sendo o
elemento/atividade essencial ao processo de produção/reprodução da existência, além da
contribuição lukacsiana que apresenta os fundamentos de uma ontologia do ser social
nas obras de Karl Marx. Assim, poder-se-ia afirmar que o trabalho é o atributo que
distingue o ser humano das outras espécies animais. Mas como isso é possível?
Uns dirão que os seres humanos se diferenciam dos animais pela consciência,
outros dirão que a discrepância está na linguagem, ainda poderia ser pela cultura, ou
também pela educação, enfim, por várias características inerentes ao gênero humano e
não observadas nas outras espécies animais. No entanto, algumas outras características
presentes nos animais têm uma certa familiaridade com os seres humanos. Afinal, qual
o limite onde se transcende a animalidade e se constitui a antropomorfização?
De um ponto de vista ontológico-social a questão da produção da existência
antecede à própria consciência, a linguagem, a cultura, a educação etc. Isto entra em
consonância com o fato de que,
o modo de produção da vida material condiciona o desenvolvimento
da vida social, política e intelectual em geral. Não é a consciência dos
homens que determina o seu ser; é o seu ser social que, inversamente,
determina a sua consciência (MARX, 2003, p. 5).
O primado do ser social sobre a consciência,
[...] não significa que à consciência não caiba um papel decisivo na
concepção marxiana, muito pelo contrário, mas o que está em questão
aqui é a atribuição da prioridade ontológica que é dada ao ser, à
existência, enfim, à objetividade do ser social (ARANHA; DIAS,
2005, p. 40-1).
Em termos ontológico-sociais o processo de homem fazer-se a si mesmo implica
em ações efetuadas no desenvolvimento histórico pelo estabelecimento de relações
histórico-sociais de produção essenciais à existência. A primazia do ser em relação à
consciência num sentido de prioridade ontológica é explicitada a seguir:
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Pode-se distinguir os homens dos animais pela consciência, pela
religião e por tudo o que se queira. Mas eles próprios começam a se
distinguir dos animais logo que começam a produzir seus meios de
existência, e esse passo à frente é a própria conseqüência de sua
organização corporal. Ao produzirem seus meios de existência, os
homens produzem indiretamente sua própria vida material (MARX;
ENGEL, 1998, p. 10-1 Grifos do Autor).
O trabalho é a atividade exclusivamente humana que caracteriza-se por ações
dirigidas a um objeto, visando um fim; ou seja, se estabelece inicialmente um resultado
ideal ou finalidade, que tem como conseqüência um resultado real e/ou produto final.
Enfim, é o passo à frente dado pelo ser social!
Antes de tudo, o trabalho é um processo de que participam o homem e
a natureza, processo em que o ser humano, com sua própria ação
impulsiona, regula e controla seu intercâmbio material com a natureza.
Defronta-se com a natureza como uma de suas forças. Põe em
movimento as forças naturais do seu corpo – braços e pernas, cabeça e
mãos –, a fim de apropriar-se dos recursos da natureza, imprimindolhes forma útil à vida humana. Atuando assim sobre a natureza externa
e modificando-a, ao mesmo tempo modifica sua própria natureza [...]
Pressupomos o trabalho sob a forma exclusivamente humana. Uma
aranha executa operações semelhantes às do tecelão, e a abelha supera
mais de um arquiteto ao construir sua colmeia. Mas o que distingue o
pior arquiteto da melhor abelha é que ele figura na mente sua
construção antes de transformá-la em realidade. No fim do processo
de trabalho aparece um resultado que já existia idealmente na
imaginação do trabalhador (MARX, 2002, p. 211-12).
Na citação aludida, já são apresentados alguns indícios a respeito da
corporeidade numa dimensão de concreticidade, pois o resultado do trabalho é
proveniente tanto do componente intelectual (figuração mental), quanto do componente
manual (ação que transforma).
O trabalho configura a atividade humana que se materializa através do seu
caráter objetivo, imbuído da finalidade de transformar a realidade; ou seja, a sociedade e
a natureza para o alcance da satisfação das necessidades humano-sociais (VÁZQUEZ,
1977). Nessa apreensão, o trabalho não tem o seu sentido reduzido à mera ocupação
profissional, mas é a práxis humana por excelência.
Porém, estando ainda não satisfeito alguém poderia dizer que os animais
também transformam a natureza. De fato transformam, não há como negar, mas é
questionável se eles projetam a ação mentalmente antes de realizá-la, pois a atividade
5
dos outros animais ocorre da forma que lhes é peculiar por estar inscrita no seu código
genético, sem significar uma ação consciente, mas mecânica e repetitiva.
O animal é imediatamente um com a sua atividade vital. Não se
distingue dela. É ela. O homem faz da sua atividade vital mesma um
objeto da sua vontade e da sua consciência. Ele tem atividade vital
consciente. Esta não é uma determinidade (Bestimmtheit) com a qual
ele coincide imediatamente. A atividade vital consciente distingue o
homem imediatamente da atividade vital animal. Justamente, [e] só
por isso, ele é um ser genérico. Ou ele é somente um ser consciente,
isto é, a sua própria vida lhe é objeto, precisamente porque é um ser
genérico. Eis porque a sua atividade vital é atividade livre (MARX,
2004, p. 84 Grifos do Autor).
O que faz o homem ir além da determinidade e da coincidência? Por que sua
atividade vital é atividade livre? O homem (ser genérico) e as demais espécies animais
têm em comum uma vida no seio da natureza inorgânica, porém, graças à potenciação
do caráter de universalidade superior do homem em relação às outras espécies, o
primeiro exerce um domínio sobre a natureza inorgânica, fazendo desta o seu corpo
inorgânico (MARX, 2004). Dessa relação do ser genérico com a natureza é preciso
ponderar que,
as formas de objetividade do ser social se desenvolvem, à medida que
surge e se explicita a praxis social, a partir do ser natural, tornando-se
cada vez mais claramente sociais. Esse desenvolvimento, porém, é um
processo dialético, que começa com um salto, com o pôr teleológico
do trabalho, não podendo ter nenhuma analogia na natureza. O fato de
que esse processo, na realidade, seja bastante longo, com inúmeras
formas intermediárias, não anula a existência do salto ontológico.
Com o ato da posição teleológica do trabalho, temos em-si o ser social
(LÚKACS, 1979, p. 17).
Dessa forma, o trabalho consubstancia-se no elemento fundante da humanidade
inerente ao ser humano, no organizador da sociedade. Sua configuração de trabalho
alienado e/ou atividade que embrutece e desumaniza em vez de libertar é fruto de
determinadas relações sociais e de produção/reprodução engendradas historicamente, de
forma que o trabalho que distingue o ser humano dos outros animais também acaba
aprisionando-o ao reino da necessidade, posto que no sistema sociometabólico vigente o
trabalho significa obrigação destituída de prazer e auto-realização, o que ocorre, pois
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o capitalismo [...] separa o trabalho da criação, os produtos dos
produtores e transforma o trabalho numa fadiga incriativa e
extenuante. A criação começa além das fronteiras do trabalho
industrial. A criação é arte, enquanto o trabalho industrial é ofício, é
algo maquinal, repetitivo, e portanto algo pouco apreciado e que se
autodespreza (KOSIK, 2002, p. 123).
Quer dizer: o trabalho no capitalismo apresenta-se sob a forma de labour, uma
vez que as sociedades industriais têm como marca a compartimentalização entre o
tempo do trabalho, o tempo livre e a vida social. Sobre essa questão, Férnandez Enguita
(1989), corroborando com Marx, observa que o trabalho passou a ser uma fonte de
desprazer, de não-realização do ser humano, por isso as outras atividades precisam
ocorrer num tempo diferenciado, ocasionando uma separação temporal entre trabalho e
ócio.
NOVAS EXIGÊNCIAS DO MUNDO DO TRABALHO
Sendo uma forma de atividade essencialmente humana, o trabalho carrega em
seu bojo as contradições inerentes à sociedade capitalista, não sendo possível
compreender a sua configuração atual apartada da mediação com a mesma. Nessa
senda, observa-se que a manifestação do trabalho na realidade concreta está pari passu
com as transformações experienciadas em todos os setores da vida social e tem um
caráter global, com demonstra a pertinente análise abaixo:
O que caracteriza o mundo do trabalho no fim do século XX, quando
se anuncia o século XXI, é que ele se tornou realmente global. Na
mesma escala em que se dá a globalização do capitalismo, verifica-se
a globalização do mundo do trabalho. No âmbito da fábrica global
criada com a nova divisão transnacional do trabalho e produção, a
transição do fordismo ao toyotismo e a dinamização do mercado
mundial, tudo isso amplamente favorecido pelas tecnologias
eletrônicas, nesse âmbito colocam-se novas formas e novos
significados ao trabalho (IANNI, 2004, p. 123).
Enfim chegamos ao século XXI, e se são colocadas novas formas e significados
ao trabalho, também são colocadas novas formas e significados ao corpo que trabalha,
porque,
7
[...] as mudanças qualitativas que são deflagradas pelo processo
econômico apresentam o caráter de irreversibilidade, o que aumenta
sua complexidade, com conseqüências importantes sobre todos os
setores da vida, inclusive o corpo, que se situa na interconexão do
mundo da Natureza com o mundo da cultura, e que sofre essas
profundas alterações desencadeadas pela economia (SILVA, 2001, p.
60).
A introdução de uma implementação tecnológica oriunda dos avanços obtidos na
microeletrônica reflete o novo processo de ordenação e racionalização do trabalho,
seguindo as mudanças ditadas pela reestruturação do capital e do processo produtivo,
como decorrência da crise engendrada a partir da década de 1970. Tais transformações
proporcionadas pela evolução e desenvolvimento da tecnologia fizeram o mundo do
trabalho configurar-se sob a égide de um novo paradigma produtivo.
A constituição desse novo paradigma produtivo emergiu a partir do esgotamento
do padrão de acumulação fordista representando mais uma crise estrutural do
capitalismo, sendo o eixo central de sua base técnica, a microeletrônica (ARANHA,
1999).
Distinguindo-se do fordismo, o toyotismo3 tem a sua produção orientada de
forma direta pela demanda, bem como existe uma diversificação do que vai ser
produzido, com vistas a suprir prontamente o consumo já que este é quem determina a
produção (ANTUNES, 2005).
Este paradigma produtivo “ascendente” imputa uma nova racionalidade ao
processo de produção (trabalhador – força de trabalho – meios de produção), posto que,
a flexibilização dos processos de trabalho e produção implica uma
acentuada e generalizada potenciação da capacidade produtiva da
força de trabalho. As mesmas condições organizatórias e técnicas da
produção flexibilizada permitem a dinamização quantitativa e
qualitativa da força produtiva do trabalho. Em lugar da racionalidade
característica do padrão manchesteriano, taylorista, fordista ou
sthakanovista, a racionalidade mais intensa, geral e pluralizada da
3
O toyotismo é a expressão e/ou modelo do novo paradigma produtivo em sua manifestação no Japão.
Contudo, para outros parques industriais avançados como, por exemplo, a Itália, Suécia entre outros
países, emprega-se a denominação acumulação flexível. No caso do Brasil seria complicado falar em
toyotismo ou acumulação flexível, não obstante o taylorismo/fordismo que caracteriza o processo
produtivo do nosso país – em sua forma peculiar –, assimilar algumas características do processo
produtivo em voga.
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organização toyotista ou flexível do trabalho e da produção (IANNI,
2004, p. 126 Grifos Nossos).
A racionalização intensa, geral e pluralizada característica do novo paradigma
produtivo, vem se expandindo em um sentido crescente, mas relativo, pelo mundo
globalizado, sendo a repercussão do processo denominado de mundialização do capital
“[...] que traduz a capacidade estratégica de todo grande grupo oligopolista, voltado para
a produção manufatureira ou para as principais atividades de serviços, de adotar por
conta própria, um enfoque e condutas ‘globais’” (CHESNAIS, 1996, p. 17).
Seria a introdução da Ginástica Laboral parte dessa capacidade estratégica dos
grupos oligopolistas na esfera da produção? Porque sem dúvida trata-se de uma conduta
de caráter global; ou seja, uma conduta ditada pelos países de economia hegemônica.
Em um estudo polêmico realizado na década de 1980 – pesquisa encomendada
pelo Clube de Roma -, o pensador polonês A. Schaff buscou analisar as conseqüências
sociais das transformações técnico-científicas que estavam em curso, e observou através
de sua “futurologia”, que com as mudanças no mundo do trabalho provenientes dos
avanços tecnológicos,
[...] massas humanas cada vez maiores serão liberadas do dever de
trabalhar. Do ponto de vista humano-individual, isto significa que um
número crescente de pessoas perderá para sempre a possibilidade do
trabalho remunerado (isto é, do trabalho no sentido tradicional da
palavra), não como resultado das perturbações temporárias no
mercado de trabalho, mas pelo fato de que o trabalho humano será
substituído em muitos setores por autômatos e robôs, tornando-se
simplesmente supérfluo. Partindo da hipótese de que os meios
necessários de subsistência – já que nos referimos a isto –, o
fenômeno deve ser considerado positivo porque liberaria o homem da
maldição de Jeová, segundo a qual foi condenado a ganhar o pão com
o suor do próprio rosto. Este é apenas um aspecto do problema,
importante e positivo. Há também o outro lado da moeda, a que
devemos dar atenção: o homem que perde o seu trabalho perde ao
mesmo tempo o sentido fundamental da vida, que é comum a todos
(SCHAFF, 1995, p. 116-17).
A longa citação impregnada de um otimismo duvidoso esqueceu-se, porém, de
mencionar no que o autor chama de positivo, que numa sociedade capitalista, a
substituição do trabalho humano pelo trabalho automatizado gera o desemprego
estrutural e a constituição de uma massa de homens e mulheres que sem o “sentido
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fundamental da vida” ficarão impossibilitados da realização do primeiro fato histórico,
que é a produção dos meios de satisfação das necessidades, enfim, da própria vida
material (MARX; ENGELS, 1998).
Entre outros pontos frágeis, diverge-se de A. Schaff por sua pretensa promessa
de liberação do homem da maldição de Jeová nos argumentos por ele empregados. A
positividade expressa por esse autor não é constatada na realidade do mundo do
trabalho, especialmente em países em desenvolvimento como o caso do Brasil.
Espalha-se aos quatros cantos o fim do trabalho, mas a humanidade trabalha
cada vez mais, e continua a ser explorada. Se o trabalho é um moribundo, porque
continua-se a investir na manutenção/recuperação da força de trabalho? A Ginástica
Laboral é um exemplo disso, pois,
na verdade, o corpo não se emancipa da disciplina do capital, mas
constitui-se uma nova relação psicocorporal, que busca preservar um
componente essencial das sociedades do capital, sejam elas modernas
ou pós-modernas: um corpo útil, produtivo e submisso (ALVES,
2005, p. 422).
A tecnologia expressão da ciência moderna está pautada nos preceitos da razão
instrumental, imputando ao ser humano o trabalho sob a perspectiva de labour, que
segundo Goudelier (1986), deriva do latim labor, cujo significado é dor, sofrimento,
esforço, fadiga ou qualquer atividade penosa. Para a maioria dos homens e mulheres
que trabalham, a conotação ainda é essa.
É verdade que a forma como está materializado o trabalho hoje é bem diversa,
por exemplo, da Inglaterra no século XIX ou do período propriamente taylorista etc.
Mas existe a permanência dos pensamentos de uma classe dominante que é hegemônica
material e espiritualmente, e continua a reproduzir as idéias que regulamentam a
produção e o intercâmbio entre os homens e a natureza a partir dos seus interesses de
classe (MARX; ENGELS, 1998).
Mesmo que seja evidenciado um deslocamento – relativo – do componente
manual do trabalho para o componente intelectual, o corpo não pode deixar de ser
requisitado: seja como mais um atributo da qualificação do trabalhador, muitas
empresas implementam no tempo de trabalho programas de Ginástica Laboral; seja em
atividades realizadas pelos trabalhadores durante o seu tempo livre.
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A Ginástica Laboral constitui-se em uma atividade física orientada normalmente
por um profissional da Educação Física ou fisioterapia, sendo praticada no horário do
expediente de trabalho durante uma pausa. Seu objetivo é a promoção de benefícios
pessoais no trabalho, bem como minimizar os impactos negativos oriundos do
sedentarismo na vida e na saúde do trabalhador.
Mais do que uma pausa, a Ginástica Laboral sempre foi acompanhada
de pesquisas com o objetivo de aumentar a produtividade.
Atualmente, sabe-se que mais do que melhorar a performance
produtiva, ela é uma necessidade na prevenção da saúde do
trabalhador (LIMA, 2004, p. 15).
Cultiva-se ainda uma visão unilateral de saúde-doença, trabalho-produtividade,
dentro de um entendimento de relação causal; ou seja, aos trabalhadores que adoecem
no trabalho – por conta das atividades laborais – Ginástica Laboral é o remédio para
esses males. Essa apreensão benévola do fenômeno oculta que,
o novo regime de acumulação flexível impõe o novo tráfico corpomente apenas como ‘meio’ de combate do estresse que atinge o
trabalhador assalariado da superexploração toyotizada e não como
‘fim’ de emancipação do corpo-sujeito da disciplina do capital
(ALVES, 2005, p. 422).
De fato a lógica do capital não pode compactuar com finalidades emancipatórias,
então, cada vez mais a assertiva marxiana do tempo como espaço onde se desenvolve o
ser humano, está distante dos homens e mulheres trabalhadores.
EDUCAÇÃO CORPORAL E FORÇA DE TRABALHO
Far-se-á uma breve digressão apenas para esclarecer que não são recentes as
preocupações com relação ao corpo do trabalhador, pois foi no século XIX com advento
da Revolução industrial demarcando a forma capitalista de exploração da força de
trabalho, que os holofotes voltaram-se para os estudos referentes ao corpo. Nesse
momento pesquisas foram empreendidas durante o Oitocentos, a fim de tornar o corpo
que labora mais produtivo, pois,
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com a utilização progressiva e cada vez mais específica de máquinas
no mundo do trabalho, a força física teve sua importância bastante
reduzida para a população. O relevante passou a ser a obtenção e
sustentação de uma outra qualidade física, a resistência e, sobretudo, a
resistência ao desgaste nervoso, a fadiga. Desponta então uma nova
ciência, a ergonomia, ciência da fadiga, das relações entre o homem e
a máquina no processo de trabalho (SOARES, 1998, p. 86).
Também é nesse século que nasce a Educação Física, conforme Bracht (1999)
ela é cria da modernidade, pois sua gênese ocorre no quadro social de afirmação da
racionalidade científica, do estado burguês como forma legítima de poder e de
emergência e consolidação da economia baseada na indústria.
Nesse contexto caracterizado pela liberdade propugnada pelos ideais
revolucionários, o trabalhador livre encontrava-se à disposição do trabalho assalariado
no que concerne a estar duplamente livre: dos meios de produção dos quais foi
expropriado, além de liberado para vender a sua força de trabalho. Então, caberia à
Educação Física o seguinte papel:
[...] disciplina necessária a ser viabilizada em todas as instâncias, de
todas as formas, em todos os espaços [...] no campo, na fábrica, na
família, na escola. A Educação Física será a própria expressão física
da sociedade do capital. Ela encarna e expressa gestos automatizados,
disciplinados, e se faz protagonista de um corpo ‘saudável’; torna-se
receita e remédio para curar os homens de sua letargia, indolência,
preguiça, imoralidade, e, desse modo passa a integrar o discurso
médico, pedagógico...familiar (SOARES, 2001, p. 5-6).
Em contrapartida a essa perspectiva utilitária, fora observado que o ideal de uma
educação corporal como sendo componente de uma educação integral, também ressurge
no Oitocentos, e “seja qual for o julgamento valorativo, este é um grande fato inovador,
laico, enquanto valoriza o físico, e democrático enquanto coloca o homem à disposição
de si mesmo” (MANACORDA, 2002, p. 289).
Uma educação corporal como um dos integrantes dos aspectos fundamentais
para a formação humana, materializou-se numa proposição pedagógica desse período,
cujo objetivo era articular o trabalho no seu sentido produtivo à educação. Essa
perspectiva que visava elevar a classe trabalhadora acima das classes dominantes
apresentava três diretrizes fundamentais:
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1. Educação intelectual.
2.Educação corporal, tal como a que se consegue com os exercícios de
ginástica e militares.
3.Educação tecnológica, que recolhe os princípios gerais e de caráter
científico de todo o processo de produção e, ao mesmo tempo, inicia
as crianças e os adolescentes no manejo de ferramentas elementares
dos diversos ramos industriais (MARX; ENGELS, 1992, p. 60).
Em Marx e Engels a conjunção dessas três educações visa à formação
omnilateral. As dimensões intelectual e corporal estão em plena articulação.
Retomando o olhar para a atualidade, caracterizada por um avanço sem
precedentes das forças produtivas e pela intensificação de implementação das inovações
tecnológicas e organizacionais, propaga-se o cultivo de discursos “otimistas” que
vislumbram a emancipação humana como um processo em andamento; admite-se que
está em curso a mútua realização entre liberdade e necessidade.
Se durante a Revolução Industrial ocorreu a introdução de uma base técnica não
humana (maquinaria) aos processos de trabalho. Muitas mãos puderam ser substituídas
pelas máquinas. Essa substituição, além de eliminar postos de trabalho, fez com que o
controle sobre o ritmo e intensidade do trabalho, deixasse de pertencer ao trabalhador.
Eis a subordinação real do trabalho ao capital, cuja finalidade da modificação da base
técnica é a extração ampliada da mais-valia relativa (MARX, 2001).
Na realidade o que vem acontecendo é o controle do ritmo e intensidade do
trabalho às operações intelectuais, porque,
diferentemente da primeira revolução industrial, que operou a
transferência das funções manuais para as máquinas, essa nova
revolução transfere para as máquinas as próprias operações
intelectuais, razão pela qual esta época é também chamada “era das
máquinas inteligentes”. Nesse processo, a capacidade produtiva do
trabalho humano inegavelmente atinge proporções ilimitadas. A
produção automatiza-se, isto é, se torna autônoma, auto-regulável, o
que permitiria liberar o homem para a esfera do não-trabalho,
possibilitando o cultivo do espírito através das artes, das ciências, da
filosofia e do desfrute do tempo livre (SAVIANI, 2002, p. 21).
No entanto, a automação da produção não implica a autonomia e liberação do
trabalhador para dedicar-se a outras atividades no tempo livre. Entre essas atividades
realizadas no desfrute do tempo liberado do trabalho inserir-se-iam as atividades
corporais. Mas, tem sido observado que sob a ótica vigente, as atividades corporais
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realizadas no tempo livre muitas vezes visam cumprir com o atendimento das
exigências de qualificação para o trabalho. A esse respeito detectou-se que,
também o lazer do trabalhador se modifica, pois o seu tempo livre é
cada vez mais utilizado em atividades que visam incrementar seus
atributos qualificacionais e/ou reconstituí-los. Não só proliferam as
academias de ginástica onde se busca exercitar o físico cada vez
menos solicitado nos locais de trabalho, mas também enquadrá-lo
dentro de um modelo estético padronizado [...] (BRUNO, 1995, p.
96).
A adoção de programas de Ginástica Laboral – atividade corporal realizada
durante o tempo de trabalho – corrobora com essa exigência de qualificação essencial
para a exploração máxima do corpo do trabalhador. Pois, mesmo que seja menos
exigido o corpo, o desgaste mental afeta-o, visto que compõem uma totalidade concreta.
Não é possível uma mente fadigada em um corpo disposto, como seria muito difícil
supor, uma mente disposta em um corpo fadigado.
Portanto, o sentido de qualificação conferido pelo capitalismo,
[...] diz respeito à capacidade de realização das tarefas requeridas pela
tecnologia capitalista. Esta capacidade pressupõe a existência de dois
componentes básicos: um muscular e outro intelectual, que têm sido
combinados de diferentes formas nas sucessivas fases do capitalismo e
nos diversos tipos de processos de trabalho4 (BRUNO, 1995, p. 92).
O trabalho como sendo o princípio educativo, evidencia que aos atuais processos
de trabalho a Educação Física – disciplina curricular – muito pouco tem contribuído. O
trabalhador chega ao posto de trabalho sem um habitus no que se refere à realização de
atividades físicas. Cabe então à empresa resolver essa deficiência ofertando uma
atividade física – educação corporal para o trabalhador – ao adotar um programa de
Ginástica Laboral.
A Lei 10.7935, de 1º dezembro de 2003, que torna a Educação Física
componente curricular obrigatório, acaba por imputar-lhe também facultatividade.
Examinar-se-á brevemente o que nos diz o artigo 26º da LDB 9.394/96 com o novo
texto dado pela lei acima aludida:
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Esta perspectiva de qualificação não é a defendida por Lúcia Bruno, mas a que vigora no capitalismo.
A referida Lei promove uma alteração na redação do art. 26, § 3 da Lei 9.394 de 20 de dezembro de
1996 (LDB 9.394/96).
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14
A educação física, integrada à proposta pedagógica da escola, é
componente curricular obrigatório da educação básica, sendo sua
prática facultativa ao aluno:
I – que cumpra jornada de trabalho igual ou superior a seis horas;
II – maior de trinta anos de idade;
III – que estiver prestando serviço militar inicial ou que, em situação
similar, estiver obrigado à prática da educação física;
IV – amparado pelo Decreto-lei nº 1.044, de 21 de outubro de 1969;
V – (VETADO);
VI – que tenha prole (BRASIL, 2003, p. 1 Grifos Nossos).
Fugiria ao que está sendo discutido ao longo dessa exposição, mas a própria
legislação educacional torna emblemática a presença e relevância desse componente
curricular. Boa parte os itens de que trata a respectiva lei abrange os alunos do ensino
noturno – em sua maioria alunos e alunas trabalhadores. Logo, essa facultatividade
converte-se em desobrigação sumária no referido turno de ensino.
A reestruturação do capital e do mundo do trabalho através da introdução dos
processos da microeletrônica coloca em xeque a importância da Educação Física no
âmbito escolar, pois nem atrelada aos interesses pragmáticos de outrora (ideário
médico-higienista, aspirações eugênicas, esporte, saúde, lazer etc) ela parece estar
vinculada. Tornando-se mais difícil justificar a presença dessa disciplina curricular
diante de um contexto onde “[...] a aptidão física é cada vez menos importante como
determinante para a produtividade no trabalho” (BRACHT, 2001, p. 73).
Cabe analisar que como disciplina curricular é pertinente atribuir à Educação
Física uma diminuição da sua importância, mas o fato da “secundarização” da aptidão
física no que concerne à produtividade é a manifestação de uma mudança na sua forma
de utilização, e não a minimização da sua importância na produtividade.
MENTE X CORPO: O TRABALHO EM BUSCA DE OUTRA SOCIABILIDADE
O pensamento de L. Bruno indica que a qualificação profissional atualmente se
estrutura em função da predominância do componente intelectual do trabalho, para a
autora “[...] a expansão do trabalho indireto na indústria, em detrimento do trabalho
direto, não implica eliminação do trabalho vivo, mas sim o deslocamento do foco da
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exploração do componente manual para o componente intelectual do trabalho”
(BRUNO, 1995, p. 95).
Não é possível eliminar o trabalho vivo, pois mesmo sob a égide do capital
financeiro, o capital que se amplia e valoriza nessa esfera, é gerado na produção
(CHESNAIS, 1996). Pode-se dizer que existindo trabalho vivo, haverá exploração da
força de trabalho, o que implica na exploração de um sujeito, o trabalhador. Esse sujeito
trabalhador põe a serviço do capital sua cabeça, seus braços, suas pernas etc, pois,
na sociedade capitalista, o processo de trabalho, alienando-se de suas
raízes humanas, alienou também o homem em sua corporalidade. Sua
atividade produtiva, criativa, em que ele expressa seu ser total, é
transformada em tempo de trabalho e absorvida pelo capital
(GONÇALVES, 1994, p.63).
O que está destinado ao componente manual do trabalho? Será que o
componente intelectual do trabalho pode prescindir do componente manual?
Para recuperar e reparar os danos provocados pelo trabalho – ainda que seja mais
explorado o intelecto – as empresas cujos processos de gestão atendem os preceitos
universais e modernos em voga, estão investindo em programas de Ginástica Laboral.
Isto porque é preciso tornar a atividade menos fatigante, bem como prevenir lesões
ocasionadas por atividades repetitivas como a LER/DORT6. A preocupação com tal
investimento é com o ser social ou simplesmente com as possibilidades de ampliar a
produtividade da força de trabalho, além de diminuir o número de licenças concedidas
para o trabalhador afastar-se do seu posto de trabalho?
Parece que a preocupação é a redução dos gastos com despesas médicas, até
porque, conforme dados do Ministério do Trabalho e Emprego7, as denominadas
doenças ocupacionais e/ou doenças relacionadas ao trabalho constituem-se na principal
causa de licenças por parte dos trabalhadores. A pesquisa de Alves (2005, p. 423) é
bastante elucidativa sobre essa questão, pois ao analisar os benefícios de um programa
de Ginástica Laboral em uma determinada empresa constatou que “[...] a suposta saúde
6
LER é a sigla de Lesões por Esforços Repetitivos, e DORT é a sigla de Distúrbios Ósteomusculares. A
Sigla LER vem sendo substituída paulatinamente por DORT. Independente da terminologia, ambos os
termos se referem a doenças ocupacionais; ou seja, doenças relacionadas ao trabalho.
7
Cf. O site do Ministério do Trabalho e Emprego: www.mte.gov.br
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dos operários significou um menor índice de absenteísmo, diminuindo o índice de
licenciados em decorrência de tal doença”.
De fato as ações empreendidas para cuidar e/ou evitar o adoecimento do
trabalhador, tem como base às estatísticas, pois foi registrado pelo Instituto Nacional de
Seguro Social (INSS), no período compreendido entre 1999 à 2003 no Brasil, “105.514
casos de doenças relacionadas ao trabalho” (BRASIL, 2004, p. 7).
Não se pode negligenciar o fato de que as empresas estão assumindo os cuidados
com a educação corporal, a fim de cuidar do componente manual do trabalho, com a
adoção de programas de Ginástica Laboral que visam atenuar os males ocasionados por
ações motoras repetitivas, posturas incorretas e demais fatores estressores do trabalho,
até porque “entre as doenças relacionadas ao trabalho mais freqüentes estão as Lesões
por Esforços Repetitivos/Distúrbios Ósteomuculares relacionados ao trabalho
(LER/DORT) [...]” (BRASIL, 2004, p. 7).
Embora essas medidas representem um avanço para a manutenção da saúde e
qualidade de vida do trabalhador, não se pode perder de vista que a sociedade capitalista
possui vínculos com o capital, de forma que o trabalho, o trabalhador e a sua força de
trabalho são reduzidos a uma dimensão abstrata.
Se ainda não há ainda uma nova sociabilidade ao trabalho capaz de dotá-lo de
liberdade e sentido, a omnilateralidade não passa de um discurso utópico. Portanto,
uma vida cheia de sentido em todas as esferas do ser social, dada pela
omnilateralidade humana, somente poderá efetivar-se pro meio da
demolição das barreiras existentes entre tempo de trabalho e tempo de
não-trabalho, de modo que, a partir de uma atividade vital e cheia de
sentido, autodeterminada, para além da divisão hierárquica que
subordina o trabalho ao capital hoje vigente e, portanto, sob bases
inteiramente novas, possa desenvolver uma nova sociabilidade
(ANTUNES, 1999, p. 177 Grifos do Autor).
Todavia, a constituição de uma nova sociabilidade ao trabalho e em todas esferas
da vida social, pressupõe a transcendência da lógica do capital, indo para além do
capital. Isto posto,
[...] a tarefa histórica que temos de enfrentar é incomensuravelmente
maior que a negação do capitalismo. O conceito para além do capital
é inerentemente concreto. Ele tem em vista a realização de uma ordem
social metabólica que se sustente concretamente a si própria, sem
17
nenhuma autojustificativa para os males do capitalismo. Deve ser
assim porque a negação direta das várias manifestações de alienação é
ainda condicional naquilo que ela nega, e portanto permanece
vulnerável em virtude dessa condicionalidade (MÉSZÁROS, 2005, p.
61-2 Grifos do Autor).
A edificação de uma nova sociabilidade e de uma outra
lógica implica a
superação da “crise” do mundo do trabalho. Essa crise “[...] não significa o fim da
centralidade do trabalho enquanto processo criador humano na sua dupla e inseparável
dimensão de necessidade e liberdade” (FRIGOTTO, 1999, p. 132).
CRISE: DO TRABALHO OU DA SOCIEDADE DO TRABALHO ABSTRATO?
Tanto G. Frigotto (1999), quanto R. Antunes (2005) promovem um debate
acirrado com pensadores8 que advogam a fim da centralidade do trabalho na vida
humana. Contudo, o que ocorre na realidade é “[...] uma crise da sociedade do trabalho
abstrato
cuja
superação
tem
na
classe
trabalhadora,
mesmo
fragmentada,
heterogeneizada e complexificada, o seu pólo central” (ANTUNES, 2005, p. 88).
No tocante ao investimento e progresso tecnológico onde se insere por assim
dizer os programas de Ginástica Laboral, estes constituem-se em possibilidades para a
qualificação do trabalhador e da sua esfera corpóreo-motriz, mas o entendimento de
qualificação a seguir, está na contramão dos interesses do capital, pois apreende que:
A qualificação humana diz respeito ao desenvolvimento de condições
físicas, mentais, afetivas, estéticas e lúdicas do ser humano (condições
omnilaterais) capazes de ampliar a capacidade de trabalho na
produção dos valores de uso em geral como condição da satisfação
das múltiplas necessidades do ser humano no seu devenir histórico
(FRIGOTTO, 1999, p. 31-2).
Nessa perspectiva de devir, a Ginástica Laboral como as inovações tecnológicas
e organizacionais do trabalho estarão enquadradas como a possibilidade mediadora da
experiência humana, através do diálogo entre o ser social e a consciência social, posto
que,
8
Esses pensadores são R. Kurz, C. Offe, A. Gorz e J. Habermas, que não obstante o fato de questionarem
a centralidade do trabalho, guardam entre si diferenças metodológicas e conceituais discrepantes ao
realizarem tal discussão.
18
se os homens têm de se conformar com as exigências de uma indústria
altamente sincronizada e automatizada e, ao mesmo tempo, com
períodos grandemente aumentados de “tempos livres”, eles terão de
encontrar uma nova síntese, não baseada nas estações do ano ou nas
exigências do mercado, mas fundamentada nos interesses humanos
(THOMPSON, 1991, p. 82-3).
A Ginástica Laboral fundamentada nos interesses humanos seria então, uma
atividade desenvolvida no tempo de trabalho, mas com potencialidades de enriquecer a
experiência expressiva corporal dos trabalhadores para além desse tempo. Isto é claro,
numa sociedade cujos pilares também sejam lastrados nos interesses humanos.
Para Thompson (1991), isso implicaria num reaprendizado na arte de viver,
recuperando a capacidade que os seres humanos perderam com a Revolução Industrial,
a fim de preencher os “interstícios” de sua vida com relações sociais e pessoais
enriquecedoras e prazerosas, rompendo dessa forma com as barreiras existentes entre
trabalho e vida. Ou seja, uma aproximação concreta da assertiva marxiana do tempo
concebido como o espaço onde se desenvolve o ser humano.
A realidade é um produto humano-social, mas precisa ser decifrada, pois não se
revela de forma imediata. Contraditoriamente, o ser social que a cria também produz os
mecanismos que não permitem apreendê-la em sua totalidade, o criador acaba por se
perder em meio às suas criações. Superar a alienação em todas as esferas do ser social é
uma tarefa urgente, a fim de se caminhar para uma sociabilidade não-fetichizada; isto
porque,
a consciência dos limites do capital tem estado ausente em todas as
formas de racionalização de suas necessidades reificadas, e não apenas
nas versões mais recentes da ideologia capitalista. Paradoxalmente,
contudo, o capital é agora compelido a tomar conhecimento de alguns
destes limites, ainda que, evidentemente, de uma forma
necessariamente alienada. Pelo menos agora nos limites absolutos da
existência humana – tanto no plano militar como no ecológico – têm
de ser avaliados, não importa quão distorcidos e mistificadores sejam
os dispositivos de aferição da contabilidade socioeconômica
capitalista. Diante dos riscos de uma aniquilação nuclear por um lado
e, por outro, de uma destruição irreversível do meio ambiente, tornouse imperativo criar alternativas práticas e soluções cujo fracasso acaba
sendo inevitável em virtude dos próprios limites do capital, os quais
agora colidem com os limites da própria existência humana
(MÉSZÁROS, 2002, p. 993 Grifos do Autor).
19
Ou seja, trata-se de preservar a existência da espécie humana no mundo. Mas
essa preservação está relacionada à possibilidade de superação da lógica do capital e da
valorização do ser social. Somente assim, poderá ser constituída uma sociabilidade
humano-social não-fetichizada, uma sociabilidade que ao presidir as relações humanas
respeite as diferenças que cada ser social possui, mas que, sobretudo, resguarde o que há
de comum: justamente a singularidade de pertencer-se ao gênero humano, através da
sua atividade vital, o trabalho.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
E então, qual o destino do trabalho? Estaria o trabalho num sentido ontológicosocial fadado ao desaparecimento? Diante de todos os argumentos até aqui elaborados, a
posição que se defende é a da permanência da centralidade do trabalho na vida humana,
pois, até mesmo o processo de acumulação capitalista sob a égide do capital financeiro
não pode prescindir do ciclo: circulação-produção-consumo, pois o trabalho morto
apenas transfere valor, ao passo que o trabalho vivo gera valor.
Poder-se-ia afirmar com veemência que o trabalho permanecerá central enquanto
existir o ser social, o ser humano. No entanto cabe ponderar que a sociabilidade
imanente ao trabalho é presidida pela lógica do capital, e essa lógica tem pouca
afinidade com os interesses humanos.
Seja taylorismo/fordismo, acumulação flexível, toyotismo etc, o que se visa são
formas mais elaboradas de acentuar a exploração dos componentes intelectual e manual
do trabalho. Nesse sentido, a prevalência do componente intelectual sobre o
componente manual do trabalho é apenas relativa, visto que, apesar das diferenças que
tais componentes guardam entre si, o ser humano trabalhador é uma unidade
indissociável; ou seja, uma totalidade na qual inteligência e mãos, pensar e agir
participam do mesmo movimento.
O trabalho é o princípio educativo, mas se hoje é o paradigma da flexibilidade
que orienta o princípio educativo, o sentido de flexibilidade na educação deve resistir e
buscar ser diverso daquele que se manifesta no mundo do trabalho.
20
A educação corporal passa a ser um atributo qualificacional importante, ofertada
como uma atividade compensatória – Ginástica Laboral – aos males do trabalho, mesmo
em um contexto o qual predomina o componente intelectual. Ao que tudo indica, essa
educação do corpo vem cumprindo um papel legítimo – ainda que seja para o
atendimento dos interesses do capital. Pois, não faz sentido ocultar que as características
de movimentos repetitivos e pré-determinados (alongamentos em sua maioria), ocorrem
durante uma pausa de dez a quinze minutos na jornada de trabalho, o que possivelmente
acarrete a essa atividade um teor fatigante e penoso – laboral deriva de labor.
Isto manifesta-se porque a Educação Física escolar parece não dar conta da
preparação corporal requerida pelos novos processos de trabalho. Basta observar o
caráter emblemático da sua oferta como disciplina curricular no ensino noturno, o qual a
legislação promove sua exclusão sumária.
No entanto, não se quer dizer que a plena formação humana possa negligenciar
e/ou prescindir da Educação Física. Essa disciplina relaciona-se ao desenvolvimento das
potencialidades humanas, expressas pelas dimensões éticas e estéticas inerentes aos
elementos da cultura corporal: jogo, esporte, ginástica, danças e lutas. Ou seja, a sua
importância poderá concretizar-se pela via do tempo livre, tempo esse onde o ser social
possa se desenvolver omnilateralmente, tempo esse desobrigado da produção.
No entanto, o caminho a percorrer é muito longo, mas não se deve esquecer que
se as circunstâncias fazem os homens, um dia estes podem vir a fazer as circunstâncias,
pois, enquanto o ser social que existe na totalidade do mundo e reproduz essa totalidade
no seu pensamento, algum dia poderá edificar um outro tipo de sociedade em que as
questões e os interesses humanos estarão sempre à frente dos interesses de extração da
mais-valia, de exploração e de produção sem limites.
Um dia quiçá, o Prometeu será libertado revelando todas as potencialidades
humanas e a possibilidade de um destino enquadrado em uma lógica que apreenda a
história como um processo permanente, assegurando o fogo sagrado como uma
conquista proveniente do incessante e essencial intercâmbio metabólico efetuado entre o
ser humano e a natureza.
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