CADERNO DE RESUMOS DO
V COLÓQUIO BRASILEIRO DE PROSÓDIA DA FALA
Universidade de Brasília – Campus Ceilândia
22, 23 e 24 de outubro de 2015
Organização:
ASSOCIAÇÃO LUSO-BRASILEIRA DE PROSÓDIA DA FALA
LUSO-BRAZILIAN ASSOCIATION OF SPEECH SCIENCES
LBASS
CRONOGRAMA
2 ÍNDICE
ACEITABILIDADE E INTELIGIBILIDADE DE ENUNCIADOS EM TERMOS DE
VELOCIDADE DE FALA
Ayane N. S. de Almeida, René A. S. de Almeida, Oyedeji Musiliyu, Miguel Oliveira Jr.
EXPRESSÃO DE CERTEZA E DE INCERTEZA SIMULTÂNEAS: CARACTERÍSTICAS
PROSÓDICAS DE RESPOSTAS A QUESTÕES FACTUAIS COMPLEXAS
Leandra Batista Antunes
SPEECH RATE ESTIMATION: HOW LONG SHOULD THE UTTERANCE BE?
Pablo Arantes
OS CONTORNOS MELÓDICOS DAS DECLARATIVAS DO PORTUGUÊS BRASILEIRO
FALADO EM MINAS GERAIS
Monique Leite Araújo, Dolors Font-Rotchés, Enrique Huelva Unterbaümen O PAPEL PROSÓDICO DA DURAÇÃO NA NARRATIVA EM PARKATÊJÊ: UMA
ABORDAGEM PRELIMINAR
Leopoldina Araújo, Regina Cruz
O ESTATUTO FONOLÓGICO DE ITENS DE NEGAÇÃO E SUA PROSODIZAÇÃO NO
PORTUGUÊS BRASILEIRO
Caio Castro, Carolina Serra, Dinah Callou, Marina Vigário
SMALL CLAUSES LIVRES E SENTENÇAS CLIVADAS: SINTAXE E ENTOAÇÃO
Karina Zendron da Cunha, Daise Ribeiro Carpes
ESTUDO FONÉTICO-ACÚSTICO DAS FORMAS PRONOMINAIS DE SEGUNDA
PESSOA SINGULAR CÊ/OCÊ/VOCÊ NO PB.
Lúcia de Almeida Ferrari, Bárbara Helohá Falcão Teixeira
A EXPRESSÃO IRÔNICA NA FALA ESPONTÂNEA: ANÁLISE DA CONSTRUÇÃO
PROSÓDICA EM CONTEXTOS ESPECÍFICOS
Wisla Madaleni Alves Cabral Ferreira
PROSÓDIA E SINTAXE: UM ESTUDO SOBRE ESTRUTURAS DE TÓPICO E SUJEITO
NO PORTUGUÊS BRASILEIRO
Aline Alves Fonseca, Andressa Christine Oliveira da Silva, Ana Carolina Monteiro Brandão
A EXPRESSÃO DA CERTEZA E DA INCERTEZA NAS CAPITAIS DO SUDESTE: UMA
ANÁLISE PROSÓDICA
Naaman Mendes Lataliza, Leandra Batista Antunes
MARCAÇÃO DE FOCO ESTREITO PELA QUEDA DA FREQUÊNCIA FUNDAMENTAL
Luciana Lucente e Julio Cesar Cavalcanti de Oliveira
USO DE TÉCNICAS ACÚSTICAS PARA VERIFICAÇÃO DE LOCUTOR EM
SIMULAÇÃO EXPERIMENTAL
Aline Machado, Plinio Barbosa
O PROCESSAMENTO PROSÓDICO GRÁFICO DE SENTENÇAS AMBÍGUAS NA
LEITURA SILENCIOSA DE SURDOS BILÍNGUES
José Olímpio de Magalhães, Francisca Maria Carvalho, Guilherme Lourenço
RASGOS MELÓDICOS DE ENUNCIADOS INTERROGATIVOS DEL ESPAÑOL
HABLADO POR BRASILEÑOS
Miguel Mateo-Ruiz, Aline Fonseca de Oliveira
ANÁLISE PROSÓDICA DA REGIÃO NUCLEAR DO DIALETO DE CURITIBA: MÉDIA
DE F0, INTENSIDADE, GAMA TONAL E UM TESTE DE PERCEPÇÃO
Pollianna Milan, Denise Cristina Kluge
DESCRIÇÃO ENTONACIONAL DA ASSERÇÃO E DA QUESTÃO TOTAL:
COMPARANDO DUAS ABORDAGENS
Luma da Silva Miranda
CONTORNO ENTOACIONAL E PISTAS DURACIONAIS DAS PERGUNTAS DE
CONFIRMAÇÃO (“NÉ?”) NO PORTUGUÊS BRASILEIRO
Alan Motta, Carolina Serra
O PAPEL DA PROSÓDIA NA EXPRESSÃO DE ATITUDES NO DISCURSO POLÍTICO
Leandro Moura
5
8
10
14
17
19
23
26
29
32
35
38
42
45
48
51
55
59
62
3 O PAPEL DA PROSÓDIA NA PERSUASÃO NO DISCURSO RELIGIOSO
NEOPENTECOSTAL
Cristiane Navais, Leandra Antunes
TESTES PERCEPTUAIS A PARTIR DE DADOS PRODUZIDOS POR
FLORIANOPOLITANOS E ARACAJUANOS: UMA VALIDAÇÃO PARA HIPÓTESES
SOBRE VARIEDADES E MODALIDADES
Vanessa Gonzaga Nunes
AQUISIÇÃO PROSODICO-FONOLÓGICA EM CRIANÇAS NA FAIXA ETÁRIA DE 2;5 A
3;2 ANOS COM HISTÓRICO DE PREMATURIDADE – ESTUDO PILOTO
Julio Cesar Cavalcanti de Oliveira, Daniela Monique Tavares Dos Santos, Luzia Miscow Da
Cruz Payão
ENUNCIADOS INACABADOS E O “RUÍDO” NA COMUNICAÇÃO, CARACTERÍSTICAS
MELÓDICAS DO ESPANHOL FALADO POR BRASILEIROS
Aline Fonseca de Oliveira, Miguel Mateo-Ruiz
O EFEITO DO TELEFONE CELULAR NO SINAL DA FALA: UMA ANÁLISE FONÉTICOACÚSTICA COM IMPLICAÇÕES PARA A VERIFICAÇÃO DE LOCUTOR EM
PORTUGUÊS BRASILEIRO
Renata Regina Passetti, Plínio Almeida Barbosa
A ENTOAÇÃO DE ENUNCIADOS IMPERATIVOS DECLARATIVOS NO PROCESSO DE
ENSINO-APRENDIZAGEM EM ELE
Maristela da Silva Pinto, Jéssica Mendonça Bastos
A IMPORTÂNCIA DO ESTUDO DAS ATITUDES PARA A IDENTIFICAÇÃO DAS
FORMAS ILOCUCIONÁRIAS
Bruno Rocha, Tommaso Raso
ANÁLISE PROSÓDICA DE ENUNCIADOS INTERROGATIVOS DO RIO DE JANEIRO
Priscila Francisca dos Santos
AQUISIÇÃO PROSÓDICA EM CRIANÇAS COM HISTÓRICO DE PREMATURIDADE
Daniela Monique Tavares Dos Santos, Julio Cesar Cavalcanti de Oliveira, Luzia Miscow Da
Cruz Payão
ANÁLISE DA ENTOAÇÃO DE DECLARATIVAS EM ESPANHOL, PORTUGUÊS
BRASILEIRO E ESPANHOL/LE COM PENTATRAINER2
Cristiane Silva, Plínio Barbosa
PERCEPÇÃO INTERCULTURAL E INTERLINGUÍSTICA DE EMOÇÕES AUTÊNTICAS:
ESTUDO COM SUJEITOS BRASILEIROS E SUECOS
Wellington da Silva, Plínio A. Barbosa
ANÁLISE PROSÓDICA E PRAGMÁTICA DE ENUNCIADOS INTERROGATIVOS
TOTAIS EM CONVERSAS COLOQUIAIS TELEFÔNICAS NAS VARIEDADES DO
ESPANHOL ARGENTINO E CHILENO
Carolina Gomes da Silva, Leticia Rebollo Couto
INVESTIGAÇÃO SOBRE A NEGAÇÃO VERBAL NO PORTUGUÊS BRASILEIRO
ATRAVÉS DE CORPUS DE FALA ESPONTÂNEA: RESTRIÇÕES PROSÓDICOINFORMACIONAIS
Luis Filipe Lima e Silva, Heliana Mello
O ALINHAMENTO DO PICO DA F0 NA QUESTÃO TOTAL MARANHENSE
Gizelly Fernandes Maia dos Reis Soares
PROSÓDIA E PRAGMÁTICA: UM EXPERIMENTO DE INTERFACE
Juan Manuel Sosa, Daise Ribeiro Pereira Carpes, Roberta Pires de Oliveira
65
67
70
75
78
81
87
90
94
98
100
104
110
113
115
4 ACEITABILIDADE E INTELIGIBILIDADE DE ENUNCIADOS EM TERMOS DE
VELOCIDADE DE FALA
Ayane N. S. de Almeida1, René A. S. de Almeida1,2, Oyedeji Musiliyu1, Miguel
Oliveira Jr.1
Universidade Federal de Alagoas1, Universidade Federal de Sergipe2
[email protected], [email protected], [email protected],
[email protected]
Ao regulamentar os comerciais de medicamentos veiculados na televisão, a
ANVISA adverte que, a depender do(s) componente(s) químico(s) utilizado(s) em sua
composição, o comercial deve vir obrigatoriamente acompanhado de advertência(s)
acerca de riscos relacionados à sua administração. Além disso, determina que quando
as advertências não forem exibidas em escrito por tempo suficiente à leitura, deverão
ser locucionadas. Não estipula, todavia, qual deve ser a velocidade de fala adotada
para tal, o que pode comprometer a compreensão de usuários que possuem deficiência
visual. Uma análise preliminar de alguns comerciais recentes de medicamentos
populares indicou que a velocidade de fala tende a dobrar de valor na advertência, em
relação ao texto que a antecede, quando se intenta a venda do produto.
A unidade de medida mais adequada para velocidade de fala, de acordo com
muitos autores, é a de sílabas por unidade de tempo (UHMANN, 1992; O'CONNELL
& KOWAL, 1972). Abercrombie (1967), por exemplo, define velocidade de fala
como “velocidade de sucessão sílabica”. A velocidade de fala será analisada neste
estudo, portanto, utilizando a medida de sílabas por segundo.
A literatura aponta que a velocidade de fala média de indivíduos fluentes,
falantes do Português Brasileiro (PB), varia de 3.2 a 5.5 sílabas por segundo, a
depender de fatores diversos, tais como idade, registro e conteúdo do enunciado, por
exemplo (MARTINS & ANDRADE, 2008; OLIVEIRA JR, 2000). Entretanto, não há
registro conhecido acerca de graus de aceitabilidade/inteligibilidade de velocidade de
fala no PB.
Diante disso e partindo da hipótese de que a velocidade de fala tem um papel
crucial na aceitabilidade e inteligibilidade de enunciados, nossa pesquisa objetiva
estudar, por meio de teste de percepção, o impacto da velocidade de fala na
aceitabilidade e inteligibilidade de enunciados por indivíduos com visão e por
indivíduos cegos, de modo a identificar que valores de velocidade de fala são
considerados aceitáveis e a partir de que ponto a velocidade de fala torna o conteúdo
do enunciado ininteligível no PB.
Para tanto, pequenos textos, contendo em média doze palavras (desvio padrão
= 1) e enunciados em um período de tempo muito semelhante, foram utilizados como
estímulo para o teste de percepção do presente estudo. Tais textos seguiram as
características do gênero advertência e foram selecionados a partir de um teste de
familiaridade com doze estudantes/profissionais na área de linguística, aos quais
foram apresentadas cinquenta advertências e solicitados que atribuíssem pesos de 1
5 (menos familiar) a 5 (mais familiar) a cada uma delas. A partir dos resultados deste
teste de familiaridade, selecionamos trinta e seis frases consideradas como menos
familiares. O objetivo aqui foi minimizar possíveis efeitos do conhecimento prévio do
que estava sendo enunciado – por conta da familiaridade com os conteúdos -, o que
poderia comprometer os resultados no teste de inteligibilidade. As frases descartadas
foram utilizadas em treinos realizados antes do teste, de modo a familiarizar os
sujeitos com o procedimento experimental.
Os textos utilizados neste estudo foram enunciados por um locutor do sexo
masculino e posteriormente tais gravações foram manipuladas acusticamente quanto à
duração por meio do script Vocal Toolkit no aplicativo computacional Praat. O script
utiliza o método PSOLA de síntese, que preserva a maioria das características físicas
do sinal de fala, mesmo em altas taxas de compressão temporal. Utilizamos neste
experimento seis diferentes velocidades de fala: 9, 11, 13, 15, 17 e 19 sílabas por
segundo, sendo uma delas (13 sil/s) equivalente à velocidade comumente verificada
em advertências nos comerciais. Em ambos os testes, utilizamos um computador
notebook, um gravador e headphones.
Para o teste de aceitabilidade, apresentamos aleatoriamente dezoito sentenças
bem como as opções de respostas em áudio, de modo que os participantes
respondessem, de maneira escalar, e pudéssemos gravar os seus julgamentos verbais.
Para a tarefa de aceitabilidade, os participantes tiveram que falar suas respostas
utilizando uma escala de números de 1 a 5, que representaram os seguintes conceitos:
1 “péssimo”, 2 “ruim”, 3 “regular”, 4 “bom” e 5 “excelente”, seguindo método
semelhante ao adotado por Dagenais, Brown e Moore (2006) para o inglês norteamericano.
No teste de inteligibilidade, apresentamos aleatoriamente dezoito frases,
diferentes das apresentadas no teste anterior, solicitamos que os participantes
repetissem o que ouviram e efetuamos a gravação. Neste teste, foram consideradas
inteligíveis as sentenças em que os participantes conseguiram repetir acima de 90%
das palavras enunciadas, considerando metodologia adotada em estudo prévio para o
alemão (ASAKAWA et al, 2003).
Vale destacar que pesquisas sobre a memória de curto prazo observaram que o
indivíduo típico pode se lembrar de uma lista de cerca de 5 a 9 palavras isoladas. No
entanto, quando essas palavras são organizadas como uma sentença normal, a
capacidade da memória de curto prazo aumenta para 15 ou 16 palavras (BADDELEY
& HITCH, 2000; BADDELEY & WILSON, 2002). Nessa pesquisa, utilizamos frases
que continham de onze a treze palavras, de modo que a memória de curto prazo não
interferisse no teste de inteligibilidade aplicado.
O teste de percepção foi realizado com trinta indivíduos cegos e trinta
indivíduos sem problemas de visão, seguindo os mesmos procedimentos
metodológicos. Em ambos os grupos, os indivíduos são falantes nativos do PB,
alfabetizados e com idade superior a 18 anos. Indivíduos que apresentaram
comprometimentos auditivos, motores e/ou cognitivos, tal como declarados pelos
mesmos, não foram incluídos no estudo. A utilização de indivíduos cegos neste
estudo justifica-se pelo fato de que as advertências verbalizadas presentes em
6 comerciais são, em princípio, destinadas a esse grupo de pessoas. Os resultados de
ambos experimentos estão sendo processados.
Em estudo prévio com falantes nativos de alemão, Trouvain (2007)
demonstrou que cegos podem compreender fala sintetizada numa velocidade de até 17
sílabas por segundo. Indivíduos com visão, por outro lado, só compreendem fala com
no máximo 9 sílabas por segundo. Mas até o momento não conhecemos pesquisas
desenvolvidas para este fim no PB. Desse modo, pretendemos fornecer informações
úteis para a elaboração de leis mais precisas no que respeita à obrigatoriedade de
veiculação verbal de advertências em comerciais.
Referências
ABERCROMBIE, D. Elements of General Phonetics. Edinburgh: Edinburgh
University Press, 1967.
ASAKAWA, C. et al. Maximum listening speeds for the blind. ICAD, p. 276-279,
Boston, 2003.
BADDELEY, A. D.; HITCH, G. J. (2000). Development of working memory: should
the Pascual Leone and the Badeley and Hitch models be merged  ? Journal of
Experimental Child Psychology, 77, 128-137. doi:10.1006/jecp.2000.2592
BADDELEY, A. D.; WILSON, B. A. (2002). Prose recall and amnesia: Implications
for the structure of working memory. Neuropsychologia, 40, 1737-1743.
doi:10.1016/S0028-3932(01)00146-4
DAGENAIS, P. A.; BROWN, G. R.; MOORE, R. E. Speech rate effects upon
intelligibility and acceptability of dysarthric speech. Clinical Linguistics & Phonetics,
v. 20, n. 2-3, p. 141–148, 2006.
MARTINS, V. O.; ANDRADE, C. R. F. Perfil evolutivo da fluência da fala de
falantes do Português brasileiro. Pró-Fono Revista de Atualização Científica, n. 20
(1). p. 7-12, 2008.
O'CONNELL, D. C.; KOWAL, T. D. “Cross-linguistic pause and rate phenomena in
adults and adolescents”. Journal of Psycholinguistic Research 1, pp. 155-164, 1972.
OLIVEIRA JR., M. Prosodic Features in Spontaneous Narratives. Ph.D. Thesis.
Simon Fraser University, Vanvouver, Canadá, 2000.
TROUVAIN, J. On the comprehension of extremely fast synthetic speech. Saarland
Working Papers in Linguistics (SWPL) 1, 2007.
UHMANN, S. “Contextualizing relevance: on some forms and functions of speech
rate changes in everyday conversation”. In.: AUER, P.; LUZIO, A. D. The
Contextualization of Language. Amsterdam: Benjamins, 1992, pp. 297-336.
7 EXPRESSÃO DE CERTEZA E DE INCERTEZA SIMULTÂNEAS:
CARACTERÍSTICAS PROSÓDICAS DE RESPOSTAS A QUESTÕES FACTUAIS
COMPLEXAS
Leandra Batista Antunes1
Universidade Federal de Ouro Preto1
[email protected]
Uma das funções da prosódia que tem ganhado espaço nos estudos linguísticos
atualmente é a atitudinal, ou expressiva, aquela que evidencia a importância da
prosódia na expressão dos afetos sociais (intenções, atitudes, humores ou mesmo
emoções) do locutor (FÓNAGY, 2003). Estudos do português brasileiro e de outras
línguas investigaram, dentro desta função prosódica, como os aspectos prosódicos
auxiliam na produção e na percepção da certeza e da incerteza (SWERTZ et al., 2003;
KHRAMER, SWERTZ, 2005; AZEVEDO, 2007; SILVA, 2008; OLIVEIRA, 2011;
ANTUNES, AUBERGÉ, SASA, 2014). Certeza e incerteza são atitudes do falante
que têm várias possibilidades para serem expressas: léxico, organização
sintático/discursiva, expressões faciais/corporais e variações prosódicas, nos níveis de
melodia, duração e intensidade. Quanto aos aspectos prosódicos no nível acústico, as
pesquisas de Azevedo (2007), Silva (2008) e Oliveira (2011) mostraram que, em fala
atuada, a incerteza apresenta mais prolongamentos e pausas (preenchidas ou não),
valores médios de f0 mais altos, valor final de f0 mais alto, intensidade menor em
relação à certeza. No estudo de Antunes, Aubergé, Sasa (2014), em respostas
espontâneas a questões factuais, foi mostrado que a incerteza possui maior tempo de
latência (tempo para iniciar a resposta), apresenta maior número de movimentos finais
de f0 ascendentes e mais pausas que a certeza, principalmente pausas preenchidas.
Essas autoras mostraram também que, no que tange à prosódia visual, a
incerteza apresenta mais desvios de olhar, movimentos de sobrancelhas e face que a
certeza. Este estudo pretende complementar essas informações, investigando
características prosódicas de respostas espontâneas a questões factuais que perguntam
várias coisas ao mesmo tempo, e que têm um item de resposta muito mais difícil ou
muito mais fácil que os demais, chamadas aqui de questões compostas ou complexas.
Utilizando o corpus de Antunes, Aubergé e Sasa (2014), foram analisadas perceptiva
e acusticamente as respostas dadas a questões factuais complexas. Ressalta-se que,
nesse corpus, as questões factuais foram respondidas de forma espontânea pelos
participantes, que, após alguns dias, etiquetaram suas próprias respostas como certas
ou incertas. Assim, buscou-se analisar quais recursos prosódicos o falante usa para
lidar com respostas múltiplas, em que a incerteza marca um(alguns) item(ns) e a
certeza marca outro(s) na resposta da mesma questão. Exemplos de questões factuais
compostas ou complexas que compõem esse corpus são: “Quais são os meses do ano
com menos de 31 dias?” ou “Quais são as cores que simbolizam o desespero, a paz e
a paixão?”. Para a análise perceptiva, as respostas foram transcritas e foram anotados
fatores como elementos lexicais e/ou sintático/ discursivos que denotaram certeza ou
8 incerteza, tais como “não sei”, troca de ordem das respostas (responder primeiro o
fácil e depois o difícil, mesmo que na pergunta o primeiro item fosse o difícil),
repetição da pergunta. Do ponto de vista acústico, foram medidas, por meio do
software Praat, a frequência fundamental, em seus pontos de configuração básica e
nos movimentos relevantes para determinar a f0 do enunciado e a duração, no que se
refere ao tempo de latência, às pausas (preenchidas ou não). Também foi medida a
duração total do enunciado (com e sem pausas) e foram segmentadas e contadas as
sílabas de cada enunciado; através desses dados foi feito o cálculo das taxas de
elocução e articulação em sílabas por segundo. Esses parâmetros linguísticos e
prosódicos investigados demonstraram que, ao lidar com certeza e incerteza
simultaneamente, o falante faz algumas escolhas que denotam esse ir e vir entre
certeza e incerteza. Nas respostas múltiplas, há repetição da pergunta e troca na ordem
de respostas, para ganhar tempo de pensar no(s) item(ns) mais difícil(eis). Foram
observados prolongamentos, inserção de pausas preenchidas e principalmente
mudança na velocidade de fala durante a resposta a essas questões, quando os itens
dos quais os falantes têm certeza são respondidos mais devagar. A diminuição no
ritmo e acréscimo de pausas mostram estratégias comumente usadas na certeza
simultânea à incerteza, pois assim o locutor ganha mais tempo para formular sua
resposta do(s) item(ns) mais difícil(eis).
Referências
ANTUNES, L.; AUBERGÉ, V.; SASA, Y. Certainty and uncertainty in Brazilian
Portuguese: methodology of spontaneous corpus collection and data analysis. In:
Proceedings of the 7th Speech Prosody Conference. Dublin, Trinity College, 2014. p.
110-114.
AZEVEDO, L. Expressão da atitude através da prosódia em indíviduos com doença
de Parkinson idiopática. Tese de doutorado: UFMG/FALE, 2007.
FONAGY, I. Des fonctions de l’intonation: essay de sinthèse. In: Flambeau, n. 29,
2003, p. 1-20.
KRAHMER, E.J., & SWERTS, M. How children and adults produce and perceive
uncertainty in audiovisual speech. In: Language and speech, vol. 48, n. 1, p. 29-54,
2005. Disponível em: <http://las.sagepub.com/content/52/2-3/129.full.pdf+html>.
Acesso em 17 set. 2013.
OLIVEIRA, B. A prosódia na expressão das atitudes de dúvida, incerteza e
incredulidade no português brasileiro. Dissertação de Mestrado: FALE/UFMG, 2011.
SILVA, J. P. G. A prosódia na expressão da dúvida e da certeza no português
brasileiro. Dissertação de Mestrado: FALE/UFMG, 2008.
SWERTS et al. Audiovisual cues to uncertainty. In: CARLSON, R. et al. Proceedings
of the ISCA Tutorial and Research Workshop on Error Handling in Spoken Dialogue
Systems.
Chateau-D’Oex,
2003.
p.
25-30.
Disponível
em:
<http://wwwhome.cs.utwente.nl/~laar/CA2/Edwins%
20Finest/Audiovisual%20cues%20to%20uncertainty.pdf> Acesso em 17 set. 2013.
9 SPEECH RATE ESTIMATION:
HOW LONG SHOULD THE UTTERANCE BE?
Pablo Arantes
Universidade Federal de São Carlos
[email protected]
Introduction
Speech rate is a useful paremeter for a lot of different purposes ranging from
linguistic analysis to speech technology. Pfitzinger (1996) defines global speech rate
as the measure obtained by "dividing the number of segments by the sum of their
durations for a complete utterance". In this pilot study we try to give a principled
answer to the question of how long should an utterance be so that the speech rate
estimate derived from it can be said to be representative. We are going to apply to this
problem a methodology that is similar to the one described by Arantes and Eriksson
(2014) to determine the minimum duration necessary to derive representative
measures of central tendency for fundamental frequency.
1. Materials and methods
Four young (between 18 and early 30s) male native speakers of Brazilian
Portuguese read the 144-word long Lobato passage ("A Menina do Narizinho
Arrebitado") in three speech rates (normal/typical, slow and fast). The rates are
statistically different for all speakers (Barbosa 2006). The sound files were segmented
and labelled by an expert phonetician. Consecutive vowel onsets were identified and
defined vowel-to-vowel (V-V) units. The duration of the samples varied from 23.69
to 53.98 seconds.
For the purposes of this experiment, speech rate was defined as the number of
V-V units per second. To determine how speech rate changed throughout a given
speech sample, it was calculated cumulatively from the first to the last V-V unit. The
cumulative speech rate up to the ith V-V unit, cSRi, can be obtained by dividing the
index of the V-V unit, i, by the sum of the durations of the V-V units from the first up
to the ith, as expressed in the formula below.
The time series defined by the consecutive values of cSR were then analyzed
using a statistical technique called change point analysis (Killick and Eckley 2014). In
this case, it finds the point in time that separates the time series in two parts having
significantly different variance values. In the sample analyzed here, the median
10 variance reduction factor was 31.1 with a minimum of 15.49 and a maximum of
69.52. We call this point the stabilization point because after it the speech rate
estimation tends to stabilize around a much narrower range of values, approaching
what could be called its long-term value. The analysis was able to identify a
stabilization point in all the 12 time-series in the present sample. A typical cumulative
speech rate time series is shown in Figure 1.
Figure 1: Cumulative speech rate along a complete reading. Dashed vertical line
indicates stabilization point. Speech rate variance after this point is almost 70 times
smaller than before it.
2. Results and discussion
The table below shows the stabilization points (cpt), speech rate value at
stabilization points (val), number of V-V units up the the stabilization point (nvv),
variance reduction factor (var) and speech sample duration (dur). Time variables are
all in seconds. Figure 2 shows some of the information in the table in graphical form.
speaker rate
cpt
val
nvv var
dur
ac
slow
14.29 4.55 65
ac
normal 9.20
4.78 44
41.54 40.58
ac
fast
8.13
5.41 44
46.87 34.85
ap
slow
12.15 3.62 44
19.29 53.98
ap
normal 10.18 4.62 47
23.00 46.59
ap
fast
12.63 5.38 68
39.32 36.46
dp
slow
6.98
5.87 41
21.55 33.22
dp
normal 6.91
5.64 39
31.99 30.82
15.49 44.02
11 dp
fast
5.12
7.03 36
69.52 23.69
fa
slow
7.40
5.68 42
42.42 33.47
fa
normal 7.91
6.32 50
24.07 30.72
fa
fast
7.18 41
30.20 25.86
5.71
Mean stabilization point in the sample is 8.88 seconds (SD 2.88). It takes and
average of 44 V-V units to achieve stability. Because there are no previous studies
like this reported in the literature it is difficult to say if those are typical values or not.
Although we have a small sample, examining Figure 2 it is possible to see that
stabilization points are to some extent speaker-dependent (speakers ac and ap tend to
cluster together, as do speakers dp and fa). For three speakers the fast rate has the
fastest stabilization points. Also, for three speakers speech rate values at stabilization
point are neatly ordered from slow to fast, which is an interesting feature it it proves
to hold in bigger samples of speakers.
From the point of view of practical applications such as forensic casework or
speech technology, the results obtained here can be useful because they can give a
more principled way of estimating the minimum duration a speech has to be in order
to yield a reliable estimate of the speaker speech rate.
The work described here is a pilot study and should be regarded as first step in the
exploration of the subject. Future work on the subject could look into bigger samples
in order to check if the values observed here are typical. Other variables that could be
of interest are variation in speech style (comparison of read sentences versus
spontaneous speech), intraspeaker variation (samples recorded at different times) and
interlanguage variation.
12 Figure 2: Stabilization points and speech rate at stabilization points for the four
speakers in the sample. Point shapes indicate rate category.
References
ARANTES, P., ANDERS, E. 2014. “Temporal Stability of Long-Term Measures of
Fundamental Frequency.” 7th Internacional Conference on Speech Prosody.
Barbosa, Plinio A. 2006. Incursões em torno do ritmo da fala. Campinas: Pontes.
KILLICK, R., and IDRIS, E. 2014. “changepoint: An R Package for Changepoint
Analysis.” Journal of Statistical Software 58 (3): 1–19.
PFITZINGER, H. R. 1996. “Two Approaches to Speech Rate Estimation.” In In
Proc. of the 6th Australian Int. Conf. on Speech Science and Technology (SST ’96),
421–26.
13 OS CONTORNOS MELÓDICOS DAS DECLARATIVAS DO PORTUGUÊS
BRASILEIRO FALADO EM MINAS GERAIS
Monique Leite Araújo 1, Dolors Font-Rotchés2, Enrique Huelva Unterbaümen1
Universidade de Brasília1, Universidade de Barcelona2
[email protected], [email protected], [email protected]
O presente trabalho tem por objetivo descrever os contornos melódicos das
declarativas do português brasileiro falado em Minas Gerais, estabelecidos através da
análise dos traços distintivos que compõem a entonação desta língua e que formaram
parte do corpus analisado na dissertação de mestrado de Araújo (2014) intitulada:
Entonação das interrogativas e das declarativas do português brasileiro falado em
Minas Gerais: Modelos para o Ensino de Línguas.1
Para a construção do corpus, os enunciados selecionados foram retirados de
gravações audiovisuais de diversos programas da televisão brasileira que
correspondem aos gêneros de Talk show, telejornais, Reality Show, assim como de
gravações ocultas dos falantes nativos em situação exclusiva de fala espontânea
(Araújo, 2014). Foi analisado um total de cinquenta e dois (52) enunciados
declarativos produzidos por 32 informantes, sendo 22 homens e 10 mulheres, numa
faixa etária compreendida entre 17 a 60 anos e possuem variadas profissões: desde
estudantes, donas de casa, vendedores, até militares, analistas, advogados etc. Todos
os informantes são falantes nativos das seguintes cidades da província de Minas
Gerais: Belo Horizonte, Patos de Minas, Formiga, Uberlândia, Timóteo, Passa
Quatro, Juiz de Fora, Pará de Minas, Uberaba, Coronel Fabriciano, Pedra Corrida e
Ouro Preto; implicando uma maior diversidade no contexto sociocultural.
Para a realização da análise acústica dos contornos, utilizamos o programa
Praat (Boersma y Weenink, 1992-2012) e o método Análisis Melódico del Habla,
descrito em Cantero (2002) e estabelecido em forma de protocolo em Cantero & FontRotchés (2009). Com este método foram desenvolvidas outras investigações em
diferentes línguas: espanhol (Ballesteros, 2011; Mateo, 2014), catalão (Font-Rotchés,
2007) e também português do Brasil (Paixão & Callou, 2011; Mendes, 2013; Cantero
& Font-Rotchés, 2013), entre outras.
A descrição melódica que propomos tem por objetivo apresentar,
essencialmente, as características de cinco padrões melódicos /-interrogativos/ do
português do Brasil falado em Minas Gerais. Os resultados mostram que três desses
modelos se caracterizam por apresentar um padrão melódico sem primeiro pico, com
o corpo plano ou semiplano e uma inflexão final pré-nuclear, caracterizada por
anteceder o núcleo do contorno e influenciar no descenso dos segmentos tonais
1 Esta investigação está inscrita nos objetivos do projeto de cooperação Espanha-Brasil
Modelos de entonação do espanhol e do português no ensino de línguas ref. A/016328/08, concedido
pela Agência Espanhola de Cooperação Internacional (AECID).
14 posteriores. Em seguida encontramos outro padrão com incidência de primeiro pico,
corpo plano e uma ascensão de inflexão final de até 15% em alguns casos e um
descenso de inflexão, que chegou a -15% em outros. E finalmente, em um número
menor de casos, verificamos a presença de um padrão com a proeminência de um
primeiro pico, com o corpo descendente e uma variação de inflexão final superior a
+30%. Tais resultados nos mostram que não houve uma ascensão significativa, isto é,
o destaque de inflexões finais desses enunciados no corpus MG e que a ausência
desse traço melódico os convertem em padrões melódicos entendidos como /interrogativos/.
Além desses três modelos, cujos traços principais acabamos de apontar, o
grupo de enunciados declarativos é composto por mais vinte (20) enunciados nos
quais os valores de inflexão tonal se destacam com maior ênfase em seu corpo.São os
enunciados que foram classificados com o padrão de corpo ascendente-descendente e
o padrão de corpo elevado. Acreditamos que nesses casos os traços de primeiro pico e
de inflexão final sejam irrelevantes e que o contorno melódico do corpo se diferencia
formando novos padrões melódicos.
Considerando que nossos objetivos não são meramente descritivos, mas antes
de tudo aplicáveis ao ensino de línguas, entendemos que os modelos melódicos que
traçamos nessa pesquisa podem contribuir para o aperfeiçoamento da Competência
Fônica do aprendiz.
Por tanto, as pesquisas sobre a entonação e a caracterização dos traços
melódicos do português do Brasil são de suma importância para o desenvolvimento
de estratégias didáticas que auxiliem o aprendiz no processo de aquisição da línguaalvo.
Referências
ARAÚJO, M.L (2014): Entonação das interrogativas e das declarativas do português
brasileiro falado em Minas Gerais: Modelos para o Ensino de Línguas.
Dissertação de Mestrado - Departamento de Línguas Estrangeiras e Tradução,
Universidade de Brasília.
BALLESTEROS, M.P. (2011): La entonación del español del Norte. Tese de
doutorado. Departamento de Filología Hispánica. Universidade de Barcelona.
http://www.tdx.cat/handle/10803/109963 (consultado 9/7/2015)
BOERSMA, P.; WEENINK, D. (1992-2012): Praat: doing Phonetics by Computer.
http://www.praat.org
CANTERO, F. J. (2002): Teoría y análisis de la entonación. Barcelona: Ed. de la
Universitat de Barcelona.
CANTERO, F. J.; FONT-ROTCHÉS, D. (2009): Protocolo para el Análisis Melódico
del Habla. Barcelona. EFE, ISSN 1575-5533, XVIII, 2009, 17-32.
- (2013): The Intonation of Absolute Questions of Brazilian Portuguese.
Linguistics and Literature Studies 1(3),148-149.
15 FONT-ROTCHÉS, D. (2007): L'entonació del català. Barcelona: Publicacions de
l'Abadia de Montserrat.
MATEO, M. (2014): La entonación del español meridional. Tese de doutorado.
Departamento de Filología Hispánica. Universidade de Barcelona.
http://diposit.ub.edu/dspace/handle/2445/53156 (consultado 9/7/2015)
MENDES, S.R.(2013): A entonação no processo de ensino-aprendizagem de PLE.
Proposta didática para o ensino de modelos de entonação interrogativa do
português do Brasil- Estado de São Paulo. Dissertação de Mestrado em
Linguística Aplicada da Universidade de Brasília.
PAIXÃO, D. CALLOU (2011): A entonação das interrogativas absolutas neutras no
português do Rio de Janeiro. Anais do III Colóquio Brasileiro de Prosódia da
Fala. Vol.1, No.1. Belo Horizonte, UFMG.
16 O PAPEL PROSÓDICO DA DURAÇÃO NA NARRATIVA EM PARKATÊJÊ:
UMA ABORDAGEM PRELIMINAR
Leopoldina Araújo12, Regina Cruz13
Universidade Federal do Pará1, Secretaria de Educação do Estado do Pará2, Conselho
Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico3
[email protected]; [email protected]
Introdução
Este trabalho apresenta os resultados de uma análise inicial com uma narrativa oral
gravada em agosto/2001 pelo chefe Krôhôkrenhũm, parkatêjê (PA), com duração de
03 minutos e 15 segundos, que trata do conhecimento da mandioca, pelos parkatêjê.
A turma parkatêjêvive (2015) em duas aldeias, uma no Km 30 (Kupẽjipôkti), outra no
Km 33 (Rõhôkatêjê). Em 2011, a população era de 478 pessoas, segundo o
cadastramento do Posto de Saúde. Desde o ano de 2001, os kỳikatêjê, que viviam na
aldeia do Km 30, deslocaram-se para o Km 25, onde estabeleceram sua própria aldeia,
mas nos últimos anos têm-se subdividido em aldeias menores.
Paiare, falecido em 2014, filho de Ronore, antiga chefe de Tucuruí e que morava no
Km 30, também retirou-se dai com sua família, em julho/2009, para o Km 15, do lado
oposto a antiga Fazenda. Sua filha Kátia, designada pelo próprio pai, eh atualmente a
cacique dessa aldeia, Akrãtikatêjê.
Outras aldeias, criadas até2014 são: Akrãkaprêkti (abril/2012), onde foi a Ladeira
Vermelha; Krĩjamrêti (outubro/2013), entre o Km15 e São Gregório, antiga colocação
de castanha; Kôjakati (outubro/2014), perto do Km 17. Houveoutra subdivisão da
Akrãkaprêkti, já em 2015, da qual não se tem registro oficial do local da instalação e
fala-se, neste ano, que mais algumas pessoas da Kupẽjipôkti, constituirão nova aldeia.
A Terra Indígena Mãe Maria tem 62.488 ha e écortada por três vias de penetração e
invasão: a BR 222, antiga PA 70, no sentido norte-sul; as torres da hidrelétrica de
Tucuruí, que a acompanham e a ferrovia Carajás-Itaqui, que a atravessa no sentido
leste-oeste.
A presença do mundo branco na aldeia, mídia televisiva, mudança na alimentação,
tem restringido o uso da língua tradicional. Apesar disso, e da forte presença
evangélica, com templos em duas aldeias, os velhos vêm conseguindo manter as
festas tradicionais e algumas práticas culturais, como a furação de beiço, ritual de
iniciação dos rapazes. Os encontros esportivos indígenas, promovidos em nível
regional e nacional, dos quais participaram ativamente, foram outra oportunidade de
interesse dos mais novos pela língua e a cultura de seu povo, pela oportunidade de
conviver com outros povos que ainda dominam línguas tradicionais, estimulando
aquele interesse.
Material e Método
17 O locutor da narrativa parkatêjê aqui analisada étambém o chefe tradicional,
Krôhôkrenhũm. Trata-se de um falante nativo da língua, bilíngue em português, que
fala com bastante interferência do parkatêjê, tanto na sintaxe, como na fonética, o que
pode explicar os episódios de codeswitching que também serão observados no
presente trabalho.
O sinal de áudio em formato .wav, aqui usado, foi gravado, em 2001, no WinPitch
(MARTIN, 1996) e segmentado no Programa PRAAT em seis níveis (enunciado,
tradução, palavra, sílaba, duração e pausa). Dois fenômenos prosódicos, relativos à
duração, foram selecionados para análise: 1) o alongamento silábico e 2) as pausas.
Nossa hipóteseé de que a duração tem um papel linguístico e/ou paralinguístico bem
definido e marcado na construção de sentido da narrativa em parkatêjê. A duração
serámedida em ms e normalizada em z-score. Aplicar-se-ão os mesmo procedimentos
metodológicos presentes em Oliveira Jr. (2000) com relação àanálise acústica dos
dados.
Descrições Prévias da Prosódia do Parkatêjê
Araújo (2002) apresenta informações a serem exploradas sobre o nível prosódico, em
termos de acento de frase e lexical, e Araújo e Martin (2003) apresentam uma análise
do acento e da entoação em frases simples da língua. Araújo (2008) apresenta
recursos de ênfase, na língua. Portanto, com o presente trabalho é a primeira vez que
se realiza uma exploração prosódica de texto narrativo da língua parkatêjê.
Referências
ARAÚJO, Leopoldina M. S. “Reduplicação e ênfase no parkatêjê: um estudo de
textos poéticos”. In TELLES, Stella e SANTOS DE PAULA, Aldir (orgs),
Topicalizando
Macro-Jê.
Recife,
Nectar,
2008,
pp.
215-227.
_________. “Acento e ritmo em parkatêjê: notas para elaboração de um projeto”. In:
SANTOS, Ludoviko e PONTES, Ismael (org), Línguas Jê: estudos vários, Londrina:
Ed. UEL, 2002. pp 125-129
_________ e MARTIN, Philippe. “Accent de mot et intonation en Parkatêjê, une
langue Timbira delʼAmazonie Brésilienne”, 2003. Nantes/França, 27 a 29 de março
de 2003 –Colloque International Interfaces Prosodiques, 2003.
MARTIN, Philippe. “WinPitch: un logiciel d'analyse temps réel de la fréquence
fondamentale fonctionnant sous Windows”, Actes des XXIV Journées d'Étude sur la
Parole, Avignon, mai 1996, pp. 224-227
OLIVEIRA JR., Miguel. Prosodic Features in Spontaneous Narratives. Ph.D Thesis.
Simon Fraser University, 2000.
18 O ESTATUTO FONOLÓGICO DE ITENS DE NEGAÇÃO
E SUA PROSODIZAÇÃO NO PORTUGUÊS BRASILEIRO
Caio Castro1, Carolina Serra2, Dinah Callou3, Marina Vigário4
UFRJ1 2 3, CEFET1, FAPERJ1, CNPq3, Universidade de Lisboa4
[email protected], [email protected], [email protected],
[email protected]
Neste trabalho, investigam-se o estatuto fonológico das variantes ‘não’ e
‘num’ e a sua prosodização no PB com base na análise entoacional de dados de fala
espontânea. Serão analisados 1930 dados, retirados das entrevistas do corpus do
Projeto Concordância. Os quatorze informantes selecionados são residentes de duas
localidades do estado do Rio de Janeiro, sendo distribuídos entre homens e mulheres
de diferentes faixas etárias e graus de escolaridade.
No PB, o advérbio de negação pode se realizar foneticamente, pelo menos, de
duas formas: plena (‘não’) ou reduzida (‘num’). Apesar de este processo variável se
inserir em um fenômeno mais amplo – a redução dos ditongos nasais (VOTRE, 1978;
GUY, 1981; BATTISTI, 2003; BOPP DA SILVA, 2005) –, parece obedecer a
condicionamentos fonológicos e prosódicos distintos. O advérbio de negação ‘não’ é,
em geral, tônico, sendo ele mesmo uma sílaba e uma palavra prosódica, e pode sofrer
redução para ‘num’. Neste caso, o item apresenta-se átono, bem como também passa
a se caracterizar menos como uma palavra prosódica e mais como um clítico. A
hipótese de cliticização já foi sustentada em trabalhos de vertente sintática (RAMOS,
2002) e fonética (CIRÍACO, VITRAL e REIS, 2004), restando investigar as
evidências de sua relevância no âmbito de uma teoria fonológica.
Segundo os resultados dos trabalhos anteriores, duas considerações devem ser
feitas: a primeira refere-se ao fato de a aplicação da regra depender da articulação do
advérbio a um verbo, que passará a funcionar como hospedeiro para o processo de
cliticização; a segunda diz respeito ao fato de que itens foneticamente reduzidos
apresentam duração menor que os correspondentes plenos, ou seja, uma variação no
nível segmental tem impacto sobre parâmetros acústicos.
Selkirk (1995) nota que certas palavras funcionais monossilábicas podem ser
realizadas, no inglês, tanto em sua forma átona, como em sua forma tônica, ao
contrário de palavras lexicais, cujo acento é uma característica imprescindível.
Embora a variante ‘num’ apresente algumas características que foram elencadas por
Vigário (2003) para os clíticos do português europeu, como a de ter função gramatical
e a ausência do acento lexical, não está claro se é um caso de clítico fonológico. É,
portanto, relevante buscar subsídios que possibilitem a identificação do estatuto
gramatical do item ‘num’, assim como a sua relação com a variante plena ‘não’.
A fundamentação teórica utilizada é a da Fonologia Prosódica (NESPOR &
VOGEL, 1986/2007) e a da Fonologia Entoacional na abordagem Autossegmental e
Métrica (LADD, 2008). Metodologicamente, seguiu-se o modelo estatístico laboviano
da Teoria da Variação e Mudança, com o uso do programa computacional Goldvarb
19 X, e analisaram-se os dados acusticamente a partir do programa PRAAT (BOERSMA
& WEENINK, 2011), que permitiu a anotação dos dados (ortográfica, tonal e de
fronteiras).
Os dados se distribuem em três contextos fonológicos, que se diferenciam em
função da posição que as variantes ocupam no sintagma entoacional (IP). Há variação
na primeira posição e no interior do IP (exemplo 1 e 2, respectivamente), ao passo que
a regra de redução é bloqueada no fim deste domínio prosódico, ocorrendo
categoricamente a forma plena ‘não’ (exemplo 3).
(1) “não tinha curso pra iluminador só pra ator”
(2) “engraçado que eles não roubaram dinheiro... que eu me lembro que eles num
roubaram dinheiro”
(3) “num tou dizendo que ele é horrível não”/ * “num tou dizendo que ele é
horrível num”
Neste trabalho, pretende-se fazer uma análise sistemática da variação do
advérbio de negação nestas três posições, que apresentam características entoacionais
distintas. Em relação à posição inicial, percebe-se a associação de um evento tonal à
sílaba acentuada da primeira palavra prosódica do enunciado (TENANI, 2003;
MORAES, 2008), que pode atuar como inibidor de processos fonéticos, como a
redução dos ditongos nasais. Espera-se, portanto, que este acento esteja associado,
com alguma frequência, à variante plena, já que acentos tonais se associam a sílabas
proeminentes.
Nos casos em que as variantes de negação aparecem precedidas por algum
elemento (sujeito ou conectivos em geral), espera-se, também, que esteja associado
um acento tonal à sílaba tônica da primeira PW do IP. Esta proeminência pode estar
localizada no sintagma fonológico composto de NEG+Verbo, uma vez que os
elementos antecedentes são, recorrentemente, palavras funcionais átonas (como os
conectores ‘e’, ‘que’, ‘de’, ou ainda a forma átona do pronome ‘você’). Logo, esperase que a primeira sílaba acentuada esteja localizada no PhP formado por NEG+Verbo,
mesmo que este constituinte não esteja localizado na fronteira esquerda do IP. Além
disso, Frota et al. (2015) dão subsídios relevantes para considerar a maior densidade
tonal que marca o interior do sintagma entoacional no PB. Resta, portanto, saber se o
evento tonal estará associado à NEG ou ao verbo. À semelhança do que foi predito
para a variação na primeira posição de IP, espera-se que haja uma maior associação a
NEG quando este for produzido como ‘não’ e ao verbo, quando NEG for realizado
como ‘num’.
Com relação à fronteira direita do IP, na qual a produção de ‘num’ torna o
enunciado agramatical (exemplo 3), o bloqueio à regra de redução pode ser explicado
pela característica entoacional desse contexto: a ocorrência de eventos tonais
nucleares, a ocorrência de pausas e alongamentos silábicos (SERRA, 2009; FROTA,
2000) são pistas para a identificação da fronteira direita do IP.
Os resultados parecem confirmar nossas hipóteses, evidenciando uma frequente
associação tonal à forma ‘não’ na fiada melódica (por exemplo, 67% na primeira
20 posição de IP), bem como uma maior duração desta variante (0,198 ms) em
comparação com a reduzida (0,136 ms). Houve também um forte favorecimento à
redução na primeira posição e na posição medial deste constituinte (73% e 81%,
respectivamente). Ao contrário do esperado, quando NEG ocorre no interior do IP, o
acento tonal é mais frequentemente associado ao elemento da periferia esquerda, e
não ao verbo que funciona como hospedeiro. Isso pode sugerir que as extremidades
do IP são mais fortes que o interior e explicar a maior possibilidade de ocorrer ‘num’
em posição medial. Por sua vez, ‘não’ está sistematicamente assinalado com um
acento tonal, que parece atuar, portanto, como um inibidor da redução dos ditongos
nasais.
Referências
BOERSMA, P. & WEENINK, D. Praat: doing phonetics by computer [Computer
program]. Versão 5.4.08, 2015 (disponível em www.praat.org).
BOPP da SILVA, T. A redução da nasalidade em ditongos de sílaba átona em final
de palavra entre falantes bilíngues e monolíngues do Rio Grande do Sul. Dissertação
(Mestrado) Porto Alegre: UFRGS, 2005.
CIRÍACO, L.; VITRAL, L.; REIS, C. “Intensidade e duração de formas reduzidas no
português brasileiro. In: Revista de Estudos da Linguagem, v.12, n.2, 2004, p. 143157.
FROTA, S. Prosody and focos in euroupean Portuguese: phonological phrasing and
intonation. New York: Garland Publishing, 2000.
______.; CRUZ M.; FERNANDES-SVARTMAN, F.; COLLISCHONN, G.;
FONSECA, A.; SERRA, S.; OLIVEIRA, P. & VIGÁRIO, M. “Intonational variation
in Portuguese: European and Brazilian varieties”. In: FROTA, S. & PRIETO P. (eds).
Intonation in Romance. Oxford: Oxford University Press, 2015, p.235-283.
GUY, G. Linguistic variation in Brazilian Portuguese: aspects of the phonology,
syntax and language history. Tese (doutorado). Pennsylvania: Universidade da
Pennsylvania, 1981.
MORAES, J. “The Pitch Accents in Brazilian Portuguese: analysis by synthesis”. In:
Proceedings of the Speech Prosody. Campinas: UNICAMP, 2008.
NESPOR, M. e VOGEL, I. Prosodic Phonology. Dordrecht: Foris, 1986.
RAMOS, J. M. “A alternância entre ‘não’ e ‘num’ no dialeto mineiro: um caso de
mudança linguística”. In: COHEN, M. A. A. M.; RAMOS, J. M. Dialeto mineiro e
outras falas: estudos de variação e mudança linguística. Belo Horizonte: UFMG,
2002, p.155-167.
SERRA, C. R. Realização e percepção de fronteiras prosódicas no português do
Brasil: fala espontânea e leitura. Tese (doutorado). Rio de Janeiro: UFRJ, 2009.
TENANI, L. Domínios prosódicos no Português do Brasil: implicações para a
prosódia e para aplicação de processos fonológicos. Tese (doutorado). Campinas:
UNICAMP, 2002.
VIGÁRIO, M. The Prosodic Word in European Portuguese. Berlin/New York:
Mouton de Gruyter, 2003.
21 VOTRE, S.J. Aspectos da variação fonológica na fala do Rio de Janeiro. Tese
(doutorado). Rio de Janeiro: Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro,
1978.
22 SMALL CLAUSES LIVRES E SENTENÇAS CLIVADAS: SINTAXE E
ENTOAÇÃO
Karina Zendron da Cunha1, Daise Ribeiro Carpes2
Universidade Federal de Santa Catarina1, Universidade Federal de Santa Catarina2
[email protected]; [email protected]
O propósito desta pesquisa é investigar o comportamento entoacional das
Small Clauses Livres (SCLs) e das sentenças clivadas do português brasileiro (PB) e a
sua relação com a sintaxe e com a pragmática.
As SCLs são sentenças exclamativas cujo predicado precede o sujeito e nas quais não
há, aparentemente, uma cópula flexionada. Já as sentenças clivadas, cujo foco, nesse
caso o adjetivo, localiza-se entre a cópula e o complementizador, são sentenças
designadas para focalizar (MIOTO, 2003). A seguir, exemplos de SCL e de clivada
em (1a) e (1b), respectivamente.
(1) a. Muito inteligente esse menino!
b. É inteligente que esse menino é.
De acordo com Kato (2007), o que distingue as SCLs de sentenças clivadas é
que, nas SCLs, a cópula é fonologicamente apagada. Dessa forma, para a autora, as
SCLs e as sentenças clivadas teriam a mesma estrutura sintática. Entretanto, parecenos que a análise de Kato (2007) não leva em consideração algumas diferenças entre
SCLs e clivadas que podem influenciar sua estrutura sintática, como o fato de
estarmos diante de forças sentenciais diferentes, uma vez que as SCLs, como (1a), são
sentenças exclamativas, enquanto as clivadas, como (1b), parecem ser declarativas.
Em relação ao comportamento entoacional dessas sentenças, se houver uma
relação estreita entre sintaxe e entoação, esperamos encontrar um mesmo
comportamento entoacional para estruturas sintáticas iguais – nesse caso, SCLs e
clivadas teriam o mesmo comportamento entoacional. Nossa hipótese, entretanto, é a
de que o comportamento entoacional das SCLs e das clivadas deve ser diferente, o
que seria uma evidência contrária à predição de Kato (2007), qual seja, a de que
sentenças clivadas e SCLs teriam uma mesma estrutura sintática.
Para testar essa hipótese, neste trabalho fazemos uma análise estatística dos
resultados do experimento de produção de fala desenvolvido e relatado em Zendron
da Cunha (2012). Nesse experimento, foram gravados seis sujeitos do sexo feminino
residentes em Curitiba (PR), os quais não apresentavam patologias de fala e de
linguagem em suas histórias atuais ou pregressas. Foram gravadas seis sentenças
clivadas e seis SCLs, além de outras sentenças distratoras. As sentenças foram
apresentadas em contextos situacionais, em ordem aleatória, e cada enunciado foi
gravado quatro vezes por sujeito, o que somou 288 enunciados para análise.
Os dados foram gravados em uma cabine com tratamento acústico no
Laboratório LeFon, situado na Universidade Federal do Paraná. A análise de dados
23 foi feita com a utilização do software PRAAT, versão 5.1.38, e do script
MOMEL/INTSINT for PRAAT, versão 10.3.
Nosso objetivo foi o de verificar se havia diferenças significativas entre as
posições-alvo das sentenças em análise. Foi considerada como variável dependente F0
e foram consideradas como variáveis independentes as posições sentenciais (foco,
elemento X e sílaba tônica final – em uma sentença como “inteligente esse menino!”,
o foco está sobre o adjetivo inteligente, o elemento X é o determinante esse e a sílaba
tônica final é ni em menino) e os tipos sentencias (SCLs e clivadas).
Para a análise estatística dos dados, foi utilizado o programa SPSS, versão 22.0. O
teste estatístico utilizado foi o Friedman, seguido pelo teste post-hoc Wilcoxon,
quando necessário. O nível de significância adotado foi de p < 0.05.
Os resultados mostraram que, em todas as posições sentenciais analisadas (foco,
elemento X e sílaba tônica final) há diferenças significativas no valor de F0 entre
SCLs e sentenças clivadas. Em todos os casos, os valores de F0 (em Hertz) são
maiores nas SCLs.
Portanto, nossa hipótese de que as SCLs e as clivadas apresentam
comportamento entoacional diferente foi confirmada, o que pode indicar, caso
tenhamos uma ligação estreita entre sintaxe e prosódia, que a análise de Kato (2007)
pode ser inadequada. Consequentemente, é possível que haja estruturas sintáticas
diferentes para SCLs e sentenças clivadas.
Esta pesquisa colabora para os estudos prosódicos de sentenças exclamativas
em PB, uma vez que são poucas as análises feitas sobre esse tema, especialmente as
SCLs, objeto deste estudo. Moraes (2008) descreve as curvas entoacionais de
sentenças exclamativas-wh, mas não das SCLs. Em relação à descrição do padrão
entoacional de sentenças clivadas, também nosso objeto de estudo, podemos citar os
trabalhos de Araújo (2010) e de Fernandes-Svartman (2012), porém, em nossa
pesquisa consideramos as clivadas em contexto de correção.
Referências
ARAÚJO, F. M. A entoação de sentenças clivadas e pseudo-clivadas no Português
Brasileiro. 2010. 125 f. Dissertação (Mestrado em Linguística) – Programa de Pósgraduação em Linguística, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis,
2010. Disponível em: <https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/94238>. Acesso
em: 10 jul. 2015.
FERNANDES-SVARTMAN, F. R. A entoação das sentenças clivadas em português
brasileiro e a interface sintaxe-fonologia. Filol. linguíst. port., n. 14(1), p. 37-56,
2012. Disponível em:
<http://www.revistas.usp.br/flp/article/download/59901/63010>. Acesso em: 10 jul.
2015.
KATO, M. Free and dependent small clauses in Brazilian Portuguese. DELTA, vol.
23, PUC-SP, São Paulo, 2007. p. 85-111. Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?pid=s010244502007000300007&script=sci_arttext&tlng=en>. Acesso em: 10 jul. 2015.
24 MIOTO, C. Sobre o sistema CP no português brasileiro. Revista Letras, Curitiba, n.
56, p. 97-139. jul./dez. 2001.
MORAES, J. A. The pitch accents in Brasilian Portuguese: analysis by synthesis.
Speech Prosody, 4. Proceedings, Campinas, 2008. p. 389-397. Disponível em:
<http://sprosig.isle.illinois.edu/sp2008/papers/8inv.pdf>. Acesso em: 10 ago. 2013.
ZENDRON DA CUNHA, K. Sentenças exclamativas em português brasileiro: padrão
entoacional e sintaxe. 2012. 146 f. Dissertação (Mestrado em Letras) – Programa de
Pós-Graduação em Letras, Setor de Ciências Humanas Letras e Artes, Universidade
Federal do Paraná, Curitiba, 2012. Disponível em:
<http://dspace.c3sl.ufpr.br:8080//dspace/handle/1884/27360>. Acesso em: 04 jul.
2013.
25 ESTUDO FONÉTICO-ACÚSTICO DAS FORMAS PRONOMINAIS DE
SEGUNDA PESSOA SINGULAR CÊ/OCÊ/VOCÊ NO PB.
Lúcia de Almeida Ferrari1, Bárbara Helohá Falcão Teixeira2
Universidade Federal de Minas Gerais1, Universidade Federal de Minas Gerais 2
[email protected]; [email protected]
O presente trabalho analisa as formas pronominais de segunda pessoa singular
cê/ocê/você no PB em um estudo baseado em corpus. O corpus utilizado foi o CORAL-BRASIL (RASO-MELLO, 2012), caracterizado pela grande variação
diafásica e pela representatividade da fala informal espontânea da diatopia mineira.
Esta pesquisa quis determinar a tonicidade ou atonicidade das formas a partir de
dados prosódicos. Até este momento os estudos sobre as formas pronominais de
segunda pessoa foram feitos, em sua maioria, através de análises morfossintáticas, e
tentaram definir o processo de cliticização, em curso ou completado, da forma “cê”,
além de estabelecer suas funções (VITRAL, 1996; RAMOS, 1997; VITRAL e
RAMOS, 1999; 2006; 2008; PETERSEN, 2008; OTHERO, 2013 entre outros). A
novidade desta proposta é de não querer definir se a forma “cê” é clítica ou se pode
exercer funções além daquela de sujeito, mas observar e analisar dados de fala
informal e, a partir destes, inferir a tonicidade e a atonicidade das formas e suas
funções.
Nosso trabalho parte do pressuposto de que o maior correlato do acento,
lexical e frasal, no PB, é a duração (MASSINI, 1991; BARBOSA, 2000; 2002;
FONTES, 2013). Assumiu-se, portanto, que uma duração mais longa da sílaba
fonética ['se] das formas cê/ocê/você, em comparação com as sílabas fonéticas da
unidade tonal a que pertence tal sílaba, corresponderia à sílaba acentuada, isto é,
tônica, enquanto uma duração menor da sílaba fonética ['se] das formas cê/ocê/você,
em comparação com as sílabas fonéticas da unidade tonal a que pertence tal sílaba,
corresponderia à sílaba átona.
Nosso objetivo foi aquele de quantificar e analisar acusticamente a
distribuição das formas pronominais cê/ocê/você por meio das medidas de duração da
sílaba fonética ['se]. A hipótese subjacente é que há uma forte correlação entre
duração silábica e tonicidade: uma duração maior corresponderia a uma sílaba tônica
e uma duração menor a uma sílaba átona, ou clítica. A função pronominal seria,
portanto, decidida com base em medidas acústicas e não em uma análise de tipo
sintática.
Foram aferidos acusticamente, através do programa Praat, 133 exemplos das
formas em questão, 16 das quais foram examinadas de forma separada devido a seus
condicionamentos informacionais. Os 117 casos restantes foram subdivididos com
base em sua distribuição: pré-verbais e pós-verbais. Examinaram-se 64 casos da
forma cê: 33 em posição pré-verbal e 31 em posição pós-verbal; 20 casos da forma
ocê: 6 em posição pré-verbal e 14 em posição pós-verbal; e 33 casos da forma você:
20 em posição pré-verbal e 13 em posição pós-verbal.
26 Em seguida foi extraída a duração das sílabas fonéticas ['se] das três formas e
os valores obtidos foram normalizados através do script SGDetector (BARBOSA,
2006). Compararam-se então estes resultados com aqueles da média normalizada das
sílabas das unidades tonais das quais as sílabas fonéticas foram extraídas.
Os dados foram validados por meio de análise estatística: o teste de
normalidade Shapiro indicou que as variáveis não possuem uma distribuição normal.
Utilizou-se, portanto, o teste Wilcox-Mann-Whitney para a comparação entre a
duração normalizada da sílaba fonética ['se] de cada forma, cê/ocê/você, nas posições
pré e pós-verbais com o valor da média normalizada de suas respectivas unidades
tonais.
Os resultados confirmaram a hipótese inicial: diferentes durações
correspondem a diferentes distribuições e funções. Os valores da duração das sílabas
fonéticas ['se] em posição pré-verbal são menores do que os valores da duração média
das sílabas da unidade tonal a que pertencem. Pode-se, portanto, supor que tais sílabas
sejam átonas. Já os valores da duração das sílabas fonéticas ['se] em posição pósverbal são maiores do que os valores de duração média das sílabas da unidade tonal a
que pertencem. Pode-se, portanto, supor que tais sílabas sejam tônicas.
Os resultados foram confirmados com a exceção de somente 10 casos.
Todavia, a análise estatística validou os valores obtidos: o p-value ficou abaixo de
0,05 e pode-se afirmar, com um nível de significância de 5%, que a sílaba fonética
['se] em posição pré-verbal é diferente da sílaba fonética ['se] em posição pós-verbal.
Isto mostra que dados extraídos de corpus e analisados acusticamente, obtendo sua
duração, podem indicar se as formas cê/ocê/você são tônicas ou átonas.
Diferentemente da literatura supracitada, que se baseava em análises morfossintáticas,
conseguimos provar que cada uma das formas pode ser tônica ou átona e, portanto,
exercer função de sujeito, quando pré-verbal e átona, ou de objeto, quando pós-verbal
e tônica.
Concluindo, acreditamos que a análise suprassegmental mostra-se mais
confiável em determinar as funções dos pronomes pessoais de segunda pessoa
cê/ocê/você do que explicações de tipo morfossintáticas.
Referências
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28 A EXPRESSÃO IRÔNICA NA FALA ESPONTÂNEA: ANÁLISE DA
CONSTRUÇÃO PROSÓDICA EM CONTEXTOS ESPECÍFICOS
Wisla Madaleni Alves Cabral Ferreira
Universidade Federal de Ouro Preto
[email protected]
Muitos são os estudos prosódicos que buscaram investigar o comportamento
acústico de afetos sociais (Silva, 2008; Oliveira, 2011; Paula, 2012), entretanto, os
corpora utilizados em geral foram compostos por fala atuada e as análises limitadas a
aspectos estruturais; por outro lado há trabalhos que promoveram uma análise
prosódica mais contextualizada (Antunes, 2007; Bodolay, 2009). Assim, os estudos
linguísticos que se propuseram discutir a ironia ou se pautavam pelo viés discursivo,
contextualizando seu uso enquanto ferramenta de uso na interação, ou por seus
aspectos prosódicos, guiando-se por diretrizes acústicas e estatísticas e não
considerando os aspectos interacionais da expressão irônica; não há pesquisas que
almejaram entender/compreender a ironia como artifício do interlocutor para produzir
um sentido voluntário na interação verbal aliada a questões discursivas relevantes às
análises contextuais. Assim buscamos mostrar como a fala espontânea comporta-se
frente à expressão de enunciados irônicos contextualizados. Para isso, contamos com
enunciados irônicos espontâneos retirados do Programa CQC. Selecionamos
enunciados irônico e neutros de dois locutores, um do sexo masculino e um do sexo
feminino, os quais fazem parte da bancada de apresentação do referido programa. Os
enunciados selecionados passaram por testes de percepção em áudio e vídeo, a fim de
validar as escolhas da pesquisadora, contando com voluntários estudantes do Curso de
Letras da UFOP. Os testes consistiram na audição/visualização de áudios e vídeos e
posterior avaliação e comentários dos participantes acerca do significado apreendido;
após a aplicação dos testes, contamos com 13 enunciados irônicos e 08 neutros, vale
pontuar que consideramos maioria a porcentagem acima de 60%. Após a composição
e validação do corpus, fizemos uma descrição discursiva dos enunciados, mostrando
as estratégias discursivas relevantes à construção da expressão da ironia e sua
recepção pelo interlocutor. Essa descrição foi baseada nas pistas de contextualização,
de acordo com Goffman (1979) e Gumperz (1982): após audição e visualização do
áudio/vídeo e interpretação do contexto da cena enunciativa, descrevemos
movimentos gestuais, posicionamentos corporais, além dos aspectos relevantes à
construção da cena enunciativa (do ponto de vista da pesquisadora). No nível
acústico, buscamos medidas de frequência fundamental: máxima, mínima, inicial e
final do enunciado, as quais foram medidas em semitons (st), uma vez que
compararemos locutores diferentes. Foram verificados, ainda, movimentos de F0,
também medidos em semitons, que possam ser característicos da expressão do afeto
social irônico, comparando a ironia e o neutro de cada locutor com ele mesmo. Foram
utilizados ainda cálculos sobre esses valores, como tessitura dos enunciados e dos
movimentos de F0. Para o parâmetro duração, foram medidas a duração total do
29 enunciado e a duração das sílabas tônicas finais dos enunciados e das sílabas
anteriores a elas (pré-tônicas) em milissegundos. Também foi realizado o cálculo da
taxa de articulação ou velocidade de fala e da taxa de elocução, valores em sílabas por
segundo Realizamos, ainda, o tratamento estatístico dos dados quantitativos obtidos,
por meio de estatística descritiva – média, desvio. Os resultados obtidos do ponto de
vista acústico foram bem interessantes; observamos que, nas frases ditas por loc. 01,
há uma tendência de, na ironia, os valores de F0 máxima serem mais altos e os de F0
mínima mais baixos, gerando, portanto, maior variação de F0, ou tessitura maior nos
enunciados irônicos. Os valores de F0 no início do movimento são mais altos para
enunciados irônicos e os valores finais são mais baixos na ironia, por isso a tessitura
do movimento final na ironia é bem maior que nos enunciados neutros, o que vai ao
encontro dos resultados de Moraes (2011) e Paula (2012); quanto a valores de
duração, para ironia os valores de duração da tônica, da TA e da TE são mais altos,
tendo valores muito similares de duração da pré-tônica. Já os enunciados do locutor
02 mostraram tendências de medidas mais altas para ironia, exceto a tessitura que se
apresentou com valor inferior para a expressão irônica; percebemos, ainda, que F0
máxima tende a valores muito próximos para ironia e neutro. Em relação ao
movimento final, o mais recorrente foi o descendente, tanto nas sentenças irônicas
quanto nas neutras, apresentando um movimento final na ironia com registro mais alto
em sua expressão, produzindo a ironia num limiar mais agudo. O segundo locutor
utilizou valores mais elevados para duração da tônica, da pré-tônica e da taxa de
articulação para a ironia. Tais resultados acústicos, de ambos os locutores, mostraram
a individualidade na expressão de enunciados irônicos, uma vez que cada locutor
buscou estratégias diferentes durante a construção do referido afeto social. No que
tange aos aspectos contextuais e discursivos, ao descrevermos as pistas de
contextualização utilizadas pelos locutores, na fala espontânea, verificamos que as
realizações dessas convenções sociais são estabelecidas pelos contextos de realização
das expressões irônicas, concebidas no e pelo meio social, mostrando que a
multimodalidade constitui e constrói a interação. Tal proposição foi corroborada pelas
análises dos testes de percepção, os quais mostraram que nem sempre a entonação é
suficiente para construirmos os sentidos pretendidos em uma relação comunicacional
e que essas estratégias, assim como as acústicas, são individuais, construídas no e
pelo contexto.
Referências
ANTUNES, Leandra Batista. O papel da prosódia na expressão das atitudes do
locutor em questões. 2007. 306 f. Tese (Doutorado em Linguística) – Faculdade de
Letras, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2007.
BODOLAY, Adriana Nascimento. Pragmática da entonação: a relação
prosódia/contexto em atos diretivos no Português. 303 f. Tese de Doutorado.
Faculdade de Letras, Universidade Federal de Minas Gerais, 2009.
30 GOFFMAN, E. Gender advertisements (1st Harper colophon ed.). New York, NY:
Harper & Row. 1979.
GUMPERZ, J. J. Discourse Strategies. Cambridge: Cambridge University Press,
1982.
MORAES, João. A entoação de atos de fala diretivos no PB. In: Resumo III Colóquio
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OLIVEIRA, Bruna Ferreira Valenzuela. A prosódia na expressão das atitudes de
dúvida, incerteza e incredulidade no Português Brasileiro. 2011. 194 f. Dissertação
(Mestrado) – Universidade Federal de Minas Gerais. Faculdade de Letras – Belo
Horizonte: UFMG/FALE, 2011.
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Dissertação (Mestrado) Universidade Federal de Minas gerais. Faculdade de Letras –
Belo Horizonte: UFMG/FALE, 2012.
SILVA, J. P. G. Análise dos aspectos prosódicos na expressão da certeza e da dúvida
no português brasileiro. 2008. 171 f. Dissertação (Mestrado em Linguística) –
Faculdade de Letras, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2008.
31 PROSÓDIA E SINTAXE: UM ESTUDO SOBRE ESTRUTURAS DE TÓPICO E
SUJEITO NO PORTUGUÊS BRASILEIRO
Aline Alves Fonseca¹, Andressa Christine Oliveira da Silva¹,
Ana Carolina Monteiro Brandão¹
[email protected]; [email protected];
[email protected]
Universidade Federal de Juiz de Fora¹
Em português brasileiro, o uso de elementos topicalizados na linguagem oral
não padrão é muito comum (Callou et al, 1993). A estrurura Tópico + (Sujeito +
Predicado) é perfeitamente aceitável na fala coloquial, apesar de pouco usada na
linguagem escrita. As estruturas de tópico possuem características prosódicas próprias
(Nespor & Vogel, 1986). Por constituirem um sintagma entoacional (IP), os tópicos
possuem acento tonal localizado na última sílaba tônica da estrutura, tom fronteira
(em geral alto H%) e alongamento das sílabas tônica e postônica finais (Frota, 2000;
Fonseca 2012). Isso faz com que a estrutura Tópico + (Sujeito + Predicado) seja
formada por dois sintagmas entoacionais e que a fronteira de IP que separa o tópico
do sujeito da oração seja o local ideal para a alocação de pausas. Por outro lado, a
estrutura SVO (Sujeito+Verbo+Objeto), canônica no português, tente a constituir um
único IP, não favorecendo a alocação de pausas entre seus elementos.
Muitos trabalhos têm investigado se a prosódia pode ser capaz de direcionar
a interpretação dos ouvintes em estruturas com ambiguidades sintáticas (Carlson et al
2001; Clifton Jr. et al 2002; Frazier et al 2003; entre outros). No entanto, há poucos
trabalhos que investigam se a informação prosódica pode determinar estruturas
sintáticas sem ambiguidades.
No presente estudo, investigamos se a estrutura prosódica típica dos tópicos
em português pode constituir uma informação relevante para a “escolha” da estrutura
sintática que complementará uma oração. Para isso, gravamos 12 conjuntos de frases,
em 4 condições, como no exemplo abaixo:
A) Sujeito Longo (SL): A carta de amor foi guardada no diário secreto.
B) Tópico Longo (TL): A carta de amor, Lia guardou no diário secreto.
C) Sujeito Curto (SC): A carta foi guardada no diário secreto.
D) Tópico Curto (TC): A carta, Lia guardou no diário secreto.
Após a gravação, recortamos a estrutura de tópico ou de sujeito, de acordo
com a condição experimental (ver a parte sublinhada nos exemplos acima). Como se
pode observar, a estrutura sintática e lexical das condições SL/TL e SC/TC são
idênticas, os itens nesses pares experimentais se diferem somente pela estrutura
prosódica. Aplicamos, então, um teste de Completação de Frases (Sentence
Completion Task. Kjelgaard & Speer, 1999) a 48 falantes do português divididos em
dois grupos de diferentes níveis de escolaridade. No primeiro grupo, 24 alunos do
curso de graduação em Letras, com idade média de 25 anos, realizaram a tarefa. No
32 segundo grupo, 24 alunos do 1o ano do Ensino Médio da Educação de Jovens e
Adultos (EJA), com idade média de 37 anos, realizaram a mesma tarefa com os
mesmos itens experimentais. Na tarefa, os participantes ouviam o trecho inicial das
frases, com a estrutura prosódica de tópico ou sujeito, de acordo com a condição
experimental, e depois deviam completar a frase, em voz alta, para gravação, com a
primeira ideia que tivessem. Orientamos os participantes a completarem a frase de
modo que todo o conjunto (parte ouvida + parte “completada”) tivesse um sentido
completo. A tarefa foi aplicada com o programa DMDx e, além de gravada a
completação dos itens, registramos o tempo gasto pelo participante entre o fim da
audição do item experimental e o início da completação.
Como hipótese, esperávamos que o tempo de reação nas condições de tópico
fosse maior do que nas condições de sujeito, pois o ouvinte “preservaria” a pausa após
o item com estrutura de Sintagma Entoacional, o que não aconteceria nos itens de
estrutura de sujeito. Com relação à estrutura sintática da completação, esperávamos
encontrar mais verbos iniciando a completação nas estruturas prosódicas de sujeito e
mais nomes (pronomes ou elipses de nomes) iniciando a completação após a audição
da estrutura prosódica de tópico, e, ainda, esperávamos encontrar mais estruturas
sintáticas iniciadas por nomes nas completações do Grupo 2 (de menor escolaridade),
uma vez que tais participantes estão menos influenciados pela linguagem escrita e
pela formalidade do meio acadêmico. Assim as estruturas de tópico que são típicas da
linguagem oral poderiam emergir mais naturalmente.
Apresentaremos neste resumo os resultados referentes somente à análise dos
tempos de reação. A média de tempos de reação para o Grupo 1 (Graduandos), por
condição, foi: Sujeito Longo (SL) 1510ms; Tópico Longo (TL) 1515ms; Sujeito
Curto (SC) 1575ms e Tópico Curto (TC) 1794ms. Os tempos de reação foram
normalizados e submetidos a uma ANOVA fatorial e houve diferença estatística
significante por condição F(3,274)= 4,395; p=0,005. Em teste post hoc (Bonferroni),
tivemos diferença estatística significante apenas entre as condições TC X SL
F(3,274)= 3,823; p=0,017 e TC X SC F(3,274)= 3,823; p=0,030.
Para o Grupo 2 (EJA), encontramos as seguinte médias de TR, por condição:
Sujeito Longo (SL) 1392ms; Tópico Longo (TL) 1499ms; Sujeito Curto (SC) 1383ms
e Tópico Curto (TC) 1633ms. Os dados foram igualmente normalizados e submetidos
a ANOVA fatorial com diferença estatística significante por condição F(3, 277)=
6,715 p<0,001. Em teste post hoc (Bonferroni), tivemos diferença estatística
significante também entre as condições TC X SL F(3,277)= 6,492; p<0,001 e TC X
SC F(3,277)= 6,492; p=0,005.
Em nenhum dos grupos houve diferença estatística significante entre as
condições de Tópico Longo X Tópico Curto.
O comportamento similar em relação ao tempos de reação da tarefa e o fato
de os itens da condição Tópico Curto terem obtido a maior média de TR para ambos
os grupos corroboram a premissa de que os ouvintes reconhecem e interpretam as
pistas prosódicas presentes no sinal acústico. Acreditamos que o maior tempo de
reação após o Tópico Curto reflete a possibilidade de alocação de pausa entre a
estrutura de tópico e o sujeito da sentença. Os ouvintes reconhecem as pistas
33 prosódicas de sintagma entoacional presentes no tópico e “preenchem” a fronteira
entre os IPs com uma pausa. A fronteira de Sintagma Entoacional após um tópico
curto é mais marcada e mais informativa do ponto de vista sintático/semântico, pois
não há motivação fonética (quantidade de material fonético) para isolar um elemento
curto em um IP (CLIFTON Jr. et al 2002; 2006), reforçando a Hipótese do Falante
Racional (Rational Speaker Hypothesis) prevista por Clifton e colegas (2006).
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34 A EXPRESSÃO DA CERTEZA E DA INCERTEZA NAS CAPITAIS DO
SUDESTE: UMA ANÁLISE PROSÓDICA
Naaman Mendes Lataliza1, Leandra Batista Antunes1
Universidade Federal de Ouro Preto1
[email protected]; [email protected]
Introdução
É sabido que uma das funções fundamentais da prosódia é expressar o estado
afetivo do falante – como emoções, atitudes e humor – e que esses estados afetivos
contribuem, na interação, para a construção do significado (FÓNAGY, 2003). Entre
esses estados, pode-se citar a certeza e a incerteza, atitudes classificadas como
proposicionais, ou seja, aquelas que se exprimem em relação às proposições
(MORAES, 2011). O presente trabalho teve como principal objetivo a análise da
prosódia na construção do sentido na expressão dessas duas atitudes em enunciados
espontâneos, advindos de situações reais de fala do português brasileiro, por meio de
respostas dadas aos questionários fonético-fonológico e semântico-lexical do projeto
ALiB (AGUILERA; MILANI; MOTA, 2004) por locutores naturais das cidades de
Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo e Vitória. Foram ouvidos todos os áudios
dos informantes das capitais do sudeste do Brasil (quatro homens e quatro mulheres
de cada capital), a fim de que apenas dois informantes de cada capital fossem
selecionados (um de cada sexo). Essa seleção se baseou na qualidade dos áudios, uma
vez que não houve isolamento acústico nas gravações feitas pelos membros do
Projeto ALiB, o que resultou em áudios com ruídos que dificultariam análises
posteriores. Foram tomadas as gravações de um homem e uma mulher de cada capital
com escolaridade de nível superior, uma vez que esses eram os áudios que
apresentaram melhor qualidade de áudio. Após essa seleção, foram identificadas dez
respostas de cada informante nas quais se manifestaram as atitudes de certeza e
incerteza (cinco de cada atitude), pela percepção dos pesquisadores (que, como
falantes nativos do português do Brasil selecionaram as sentenças de acordo com
parâmetros linguísticos perceptivos, entre os quais se incluem os prosódicos). Em
seguida, foram feitas análises acústicas, por meio do software Praat (BOERSMA;
WEENINK, 2014), dos parâmetros prosódicos frequência fundamental e duração,
baseadas em aspectos que já foram apontados em estudos anteriores como relevantes
para a expressão da certeza e da incerteza, seja para o português brasileiro ou para
outras línguas (SWERTS et al., 2003; SILVA, 2008; OLIVEIRA, 2011; ANTUNES;
AUBERGÉ; SASA, 2014). Esses aspectos são: (a) tempo de reflexão para o início da
resposta, medido em milissegundos; (b) presença de pausas, principalmente
preenchidas por marcadores de hesitação “ahn”, “éééé”, “uhm”, etc., medidas em
segundos; (c) pontos de configuração geral da curva de frequência fundamental (F0
inicial, final, máxima, mínima e média), medidos em semitons; (d) movimento final
de F0 da sentença, com seus valores inicial e final medidos em semitons; (e) taxa de
articulação e elocução, ou seja, a velocidade de fala, medida pela divisão do número
35 de sílabas pelo tempo total de articulação (excetuando-se as pausas, no caso da taxa
de elocução). Foi contabilizada também a ocorrência do self-talk, que consiste na
repetição da pergunta feita para si mesmo, como se o entrevistado se questionasse se
conhece a resposta. Apesar de não ser propriamente um parâmetro prosódico, é um
recurso muito utilizado na expressão da incerteza e já havia sido estudado para o
holandês (SWERTS et al., 2003). Após as análises prosódicas acústicas, os dados
quantitativos obtidos foram submetidos à análise estatística e não foram encontradas
diferenças estatisticamente significativas entre a fala de pessoas de diferentes estados,
o que possibilitou uma análise conjunta dos dados. No entanto, para a variável sexo,
que apresentou diferenças significativas, os dados foram apresentados separadamente,
para o grupo de locutores masculinos e para o grupo de locutoras femininas. Os
resultados mostram que, para a expressão da incerteza no português brasileiro, os
falantes usam como principal tática um tempo mais longo de reflexão para o início da
resposta. Além disso, há também uma maior média de F0, principalmente na F0
máxima do enunciado. Em relação ao movimento final de F0 da sentença, comprovouse que, na expressão da incerteza, há mais ascendentes, sendo que, no sexo masculino,
esse movimento só esteve presente na expressão dessa atitude. Ademais, há
prolongamentos silábicos, ou seja, os falantes demoram mais para articular os sons
quando estão incertos em suas respostas. Por fim, foram encontradas pausas,
preenchedores (fillers) e self-talk apenas na expressão da incerteza. Com esses
resultados em mãos, foi possível comparar as características acústicas encontradas
com análises já feitas dessas mesmas atitudes por outros autores, o que também era
um objetivo desse estudo, e foi comprovado que muitas das pistas sonoras para a
expressão da certeza e da incerteza são as mesmas em diferentes línguas e situações
(fala espontânea e atuada).
Referências
AGUILERA, V. de A. MILANI, G. A. L & MOTA, J. A. (orgs). Documentos I –
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OLIVEIRA, B. F. V. A prosódia na expressão das atitudes de dúvida, incerteza e
incredulidade no português brasileiro.187f. Dissertação (Mestrado em Linguística).
Belo Horizonte: FALE/UFMG, 2011.
36 SILVA, J. P. G. Análise dos aspectos prosódicos na expressão da certeza e da dúvida
no português brasileiro. 171f. Dissertação (Mestrado em Linguística). Belo Horizonte:
FALE/UFMG, 2008.
SWERTS et al. Audiovisual cues to uncertainty. In: CARLSON, R. et al. In:
Proceedings of the ISCA Tutorial and Research Workshop on Error Handling in
Spoken Dialogue Systems. Chateau-D’Oex, 2003. p. 25-30.
37 MARCAÇÃO DE FOCO ESTREITO PELA QUEDA DA
FREQUÊNCIA FUNDAMENTAL
Luciana Lucente e Julio Cesar Cavalcanti de OLiveira
Universidade Federal de Alagoas
[email protected]; [email protected]
Introdução
O contorno entoacional representado pelo rótulo HLH na proposta de Lucente
(2008; 2012) ocorre na notação de foco contrastivo em palavras com quatro ou mais
sílabas, tendo estas um pico na sílaba tônica, como esperado, e um pico na primeira
sílaba, resultando em uma palavra com duas proeminências em nível silábico.
Alguns autores, seguindo a perspectica métrica de análise, assumiriam se tratar
de um acento secundário. Arantes (2010) denomina esse fenômeno por proeminência
inicial, demostrando que não há alternância binária na produção do parâmetro de
frequência fundamental (f0) que sustente a existencia de um acento secundário no
português brasileiro (PB).
Em ambos trabalhos, Arantes (2010) e Lucente (2008; 2012) observam a
ocorrência desta proeminência inicial no parâmetro de f0 em palavras paroxítonas
com ao menos duas sílabas pré-tônicas, ficando reservado a palavras com apenas uma
sílaba pré-tônica uma única proeminência, notada majoritariamente segundo o sistema
DaTo (Lucente, 2008) por LH e suas respectivas variações de acordo com seu
alinhamento com a sílaba tônica, a saber: >LH e vLH.
Esta distinção na notação entre LH – em palavras com uma sílaba pré-tônica– e
HLH – em palavras com duas sílabas pré-tônicas – aponta para restrições espaçotemporais na curva melódica para realização de proeminências. A restrição de sua
ocorrência em palavras com duas sílabas pré-tônicas se deve à necessidade da
presença de uma sílaba entre os dois picos para que a descida de f0 ocorra.
O objetivo deste trabalho é observar a realização de f0 em palavras com duas e
uma sílabas pré-tônicas no PB e verificar como se diferenciam os focos não
contrastivos nestas palavras.
1. Metodologia
Para a análise foram gravadas – em microfone dinâmico supercardióide AKG
d5 com placa de áudio M-Track Pro M-Audio – 32 sentenças, sendo 16 com palavras
com duas sílabas pré-tônicas (grupo A) e 16 com apenas uma sílaba pré-tônica (grupo
B), com as palavras alvo inseridas na frase em posição de sujeito sa seguinte forma:
Sempre a X bate e volta. Para que o número de sílabas dos enunciados fosse igual nas
duas modalidades, nas frases veículo das palavras do grupo B a construção foi
“Sempre a X bate de volta”. As palavras alvo selecionadas para o estudo possuem
estrutura silábica CV.CV.CV.CV e frequência média de ocorrência no português
38 brasileiro, por exemplo: tangerina, lamparina, pororoca, catapora, pomarola,
curupira, cotonete. As palavras do grupo B escolhidas foram adaptadas a partir das
anteriores, retirando-se as sílabas iniciais, como por exemplo: gerina, parina, tapora,
marola, tonete. A estas palavras foram atribuídos significados referentes a palavras
com proximidade ortográfica e apresentados aos sujeitos, da seguinte forma: Tapora:
aldeamento ou população abandonada; residência ou fazenda em ruínas. As
gravações foram feitas com 8 sujeitos moradores do interior de Alagoas (Arapiraca,
Campo Alegre e São Miguel dos Campos) sendo estes 4 homens e 4 mulheres na
faixa etária de 20 à 25 anos, todos com ensino médio completo.
2. Resultados
A análise das sentenças mostrou por parte dos sujeitos um comportamento
entoacional diferente do padrão descrito até então para os enunciados com foco amplo
e estreito.
Como dito anteriormente, em palavras do grupo A os falantes demonstram
tendência a realizar um pico de f0 na sílaba inicial e outro na sílaba tônica, realizando
um foco contrastivo, representado pelo rótulo HLH. Esta condição é quase exclusiva
de palavras com mais de três sílabas paroxítonas, nas quais há espaço entre a primeira
sílaba e a tônica para que ocorra uma descida de f0, como mostra a figura 1.
Pitch (Hz)
250
LH
ehum ab
É uma
0
HLH
iz
ar
>LH H
is
bizarrice
0
In
eh
?
0.9613
Time (s)
Figura 1: contorno entoacional HLH marcando a palavra bizarrice.
O que foi observado nos dados colhidos para este trabalho é que na condição de
foco amplo, as palavras do grupo A tem sílaba inicial pré-tônica na mesma altura do
início do enunciado, e uma queda média de f0 de 10Hz na sílaba tônica, como mostra
a figura 2 a seguir. Este resultado, apesar de não significativo, foi inesperado, pois
apesar de se tratar de uma sentença com foco amplo, esperava-se um pico na sílaba
tônica, que poderia ser notado por LH.
Nas gravações em que foi solicitado aos indivíduos a realização de um foco
estreito no sujeito das orações ocorreu o mesmo fenômeno, porém como a situação de
39 foco solicita, com alturas e alinhamentos diferentes. A subida na sálaba inicial - em
relação ao início do enunciado - e a queda na tônica – em relação à sílaba inicial - das
palavras com duas sílabas pré-tônicas teve médias, respectivamante, de 40Hz e 50Hz,
como mostra a figura 3 a seguir. O alinhamento dos picos em relação às sílabas, que
nos exemplos com foco amplo foram alinhados à vogal tônica, ficaram atrasados em
ralação à vogal tônica.
Pitch (Hz)
200
>LH
s
eNpR
Sempre
0
vLH
IAm
ad
a
eR
vLH
ohl
Ab
maderola
At
bate
LHL
Iv
ohUt
e
A
volta
0
2.982
Time (s)
Figura 2: enunciado com foco amplo.
Pitch (Hz)
250
>LH
s
eNpR
Sempre
0
vLH
Iam
a
ad
eR
ohl
maderola
0
vLH
Ab
at
bate
LHL
Iv
L
ohl
volta
3.28
Time (s)
Figura 3: enunciado com foco estreito no sujeito (maderola).
O resultado encontrado para as palavras do grupo A, no entanto, também foi
obtido com as palavras do grupo B tanto com foco amplo como com foco neutro,
porém com a subida inicial na palavra anterior.
3. Discussão
Os resultados apresentados nos leva a atribuir um novo rótulo para este tipo de
foco, que é estreito, mas não contrastivo, como havia sido observado na fala
40 espontânea em Lucente (2008; 2012).
Tanto para palavras do grupo A quanto do grupo B poderíamos atribuir o rótulo
LHL, que representa um downstepping, no entanto, pelo observado até o momento
pelo sistema DaTo, na realização de foco estreito não ocorre downstepping, e sim um
único movimento de descida de f0 para a realização do contraste alto-baixo alinhado à
sílaba tônica.
Este comportamento do parâmetro de f0 nos leva a adotar o rótulo vLH para a
notação deste tipo de proeminência. O rótulo vLH, chamado de compressed rising,
tem seu movimento atribuído à presença de um pico anterior à sílaba tônica e um
posterior, fazendo com que a subida de f0 na sílaba tônica fique impossibilitada por
restrições espaço-temporais. Desta restrição resultou o uso produtivo da queda de f0
para a marcação de proeminência, e não somente na marcação de fronteiras com
descrito pelos rótulo HL e LHL.
Referências
ARANTES, P. (2010) Integrando produção e percepção de proeminências secundárias
numa abordagem dinâmica do ritmo da fala. Tese de Doutorado. Unicamp
LUCENTE, L. (2012) Aspectos dinâmicos da fala e da entoação do português
brasileiro. Tese de Doutorado. Unicamp
___________(2008) DaTo: Um sistema de notação entoacional do português
brasileiro baseado em princípios dinâmicos. Ênfase no foco e na fala
espontânea. Dissertação de Mestrado. Unicamp.
41 USO DE TÉCNICAS ACÚSTICAS PARA VERIFICAÇÃO DE LOCUTOR EM
SIMULAÇÃO EXPERIMENTAL
Aline Machado1, Plinio Barbosa2
Universidade Estadual de Campinas1 2
[email protected]; [email protected]
Introdução
O objetivo deste artigo é de investigar a eficácia de um conjunto de medidas
acústicas no que concerne ao reconhecimento da fala de um indivíduo em um grupo
de dez falantes do português brasileiro. Foram analisados um grupo de dez falantes do
português brasileiro divididos em quatro estados, São Paulo, Rio Grande do Sul,
Bahia e Pará. Coletamos gravações de seis participantes do estado de São Paulo (três
da capital, um de Jundiaí, um de Campinas e um de Cordeirópolis); dois sujeitos da
Bahia, ambos de Salvador; um sujeito de Santarém no estado do Pará; e, por um de
Pelotas no Rio Grande do Sul. Os sujeitos tinham uma faixa etária de 18 a 28 anos,
com nível de educação mínimo de ensino superior incompleto (completando a
Graduação) e moraram a maior parte da vida (mais do que a metade) em suas
respectivas cidades natais.
1. Metodologia
As amostras de todos os indivíduos foram gravadas em dois canais de
gravação, gravação direta e gravação por telefone celular; essa última simula a
dificuldade encontrada pelos peritos ao analisar gravações de baixa qualidade, tal
como pode ser observado, por exemplo, em uma interceptação telefônica, cujo áudio
apresenta ruído e deterioração. Depois disso, foi escolhido aleatoriamente um sujeito
deste grupo – que chamamos de “criminoso” – para ser o nosso controle e investigar
os parâmetros acústicos deste com os demais falantes. O “criminoso” teve também
sua fala gravada em ambiente acusticamente tratado para uma análise comparativa
mais robusta. Simulamos um caso forense habitual, de crime, tendo como objetivo
principal o reconhecimento do “criminoso” dentro do grupo de falantes, além de
mostrar qual método de análise estatística e parâmetros acústicos são mais eficazes
para essa tarefa. Nesta pesquisa, a gravação em estúdio da qual o indivíduo participa
não foi feita através da leitura de um texto, mas em formato de entrevista conduzida
pelos pesquisadores. Isso se deu com o objetivo de inserir os mesmos assuntos
discutidos na primeira gravação e de deixar o entrevistado o mais à vontade possível
para que sua fala fosse fluente e espontânea. Tentando atingir um grau mais próximo
de fala espontânea, foi feita uma gravação de cada locutor simulando uma conversa
corriqueira na qual eram abordados assuntos do cotidiano, como trabalho, plano para
as férias etc.
42 Em muitas situações forenses, cientistas têm em mãos como material de
avaliação escutas telefônicas que são, em sua grande maioria, de péssima qualidade,
(embora geralmente sejam essas as únicas fontes sonoras para a extração de
parâmetros acústicos) por meio das quais eles devem apresentar algum resultado
substancial para o júri. Por isso, trazemos tal situação para a pesquisa, simulando
casos de interceptação telefônica.
Um dos motivos que nos leva a acreditar que ocorra expressiva diferença entre
telefone celular é que os telefones celulares estão sujeitos a um maior alcance de
influências ambientais que os telefones fixos. Pelo fato de os primeiros poderem ser
usados em qualquer lugar, muitos tipos diferentes de ruído de fundo serão
encontrados nas gravações. Além disso, a telefonia celular utiliza taxas de transmissão
inferiores, com compressão e codificação maiores do que a de telefonia fixa.
2. Conclusão
Concluímos nesta pesquisa que os parâmetros mais robustos, ou seja, que não
apresentam diferenças significativa na mudança entre canais de gravação – gravação
direta com gravador digital e por celular- e que também melhor identificaram
idiossincrasias interfalantes foram ritmo e tempo, tais como duração, taxa de
elocução, ΔC, e taxa de movimento do segundo formante.
De acordo com o teste estatístico ANOVA, por meio de comparação para
determinarmos quais parâmetros não apresentam variação inter-falantes, os que se
mostraram menos variáveis entre os sujeitos foram média de duração das vogais, taxa
de elocução e ΔC.
No teste de Duncan, esse sujeito teve médias semelhantes às do criminoso
para cinco parâmetros acústicos: a frequência fundamental, taxa de movimento do
segundo formante, média de duração das vogais, taxa de elocução e ΔC. Isso nos
mostra que os mesmos parâmetros que capturam informações idiossincráticas de
falantes, também apontaram o sujeito 4 como sendo o “criminoso”. O sujeito
escolhido como criminoso em um sorteio prévio pelo orientador da pesquisadora foi o
4.
Os sujeitos 5 e 7, de acordo com o mesmo teste estatístico, apresentaram um
total de sete médias de parâmetros acústicos similares aos do “criminoso”.
Também analisamos a robustez dos nove parâmetros acústicos analisados na mudança
de canal de transmissão da fala. Com resultados sólidos a partir do teste ANOVA, a
média da duração das vogais, a taxa de elocução e a taxa de movimento do segundo
formante foram os que não apresentaram variação do canal de gravação direta para o
telefone celular. (Eriksson, 2012; McDougal, 2004).
Assim como para Künzel (2001), os nossos resultados para as demais
frequências de formantes, incluindo a frequência fundamental, apresentaram grande
variação para o canal de telefone celular. Assim como o autor, sugerimos que evitem
usar as frequências dos formantes como formantes discriminadores para a
comparação inter-falante no contexto telefônico.
43 O que podemos concluir da pesquisa é que nenhum dos parâmetros acústicos
foi relevante para a identificação precisa do “criminoso”, objetivo principal do
experimento. Porém, conseguimos mostrar que os parâmetros acústicos que mais se
mostram robustos pela literatura internacional para a identificação inter-falante,
também apresentou valor significativo para o trabalho, tais parâmetros, como ΔC e a
dinamicidade dos formantes, foram essenciais para mostrar traços idiossincráticos dos
indivíduos.
Referências
ERIKSSON, A. Aural/Acoustic vs. Automatic methods in forensic phonetic case
work. In: NEUSTEIN, A. & PATIL, H. A. (eds.). Forensic speaker recognition: law
enforcement and counter-terrorism. New York : Springer-Verlag New York Inc.,
2012. p. 41-69.
KÜNZEL, H. Beware of the “telephone effect”: the influence of telephone
transmission on the measurement of formant frequencies. Forensic Linguistics, v. 8,
p. 80-99, 2001.
MCDOUGAL, K. Speaker-specific formant dynamics: an experiment on australian
English /ai/. 2004.
44 O PROCESSAMENTO PROSÓDICO GRÁFICO DE SENTENÇAS AMBÍGUAS
NA LEITURA SILENCIOSA DE SURDOS BILÍNGUES
José Olímpio de Magalhães1, Francisca Maria Carvalho2, Guilherme Lourenço
Universidade Federal de Minas Gerais1,2,3
[email protected], [email protected], [email protected]
Na área do Processamento da Sentença, expandem-se os estudos sobre
interface sintaxe-prosódia. Pesquisas demonstram que os ouvintes usam as pistas
acústicas de fronteira, na resolução de ambiguidade sintática de certos tipos de
sentenças. Entretanto, poucas são as investigações sobre o processamento prosódico
na leitura silenciosa de tais sentenças por surdos bilíngues.
Quadros et al (2009) relatam que pesquisas recentes demonstram que as
línguas de sinais têm o equivalente a uma prosódia que compartilha forma e função
similares de línguas orais. Conforme a autora, enquanto as línguas oralizadas usam o
aumento e a queda do pitch da voz, volume e pausa para alcançar esses efeitos, as
línguas de sinais aplicam expressões faciais, posturas corporais e rítmicas.
Nespor e Sandler (1999:27) argumentam que nas línguas orais, as melodias
tonais são produzidas por um único articulador, as cordas vocais, recaindo sobre as
sílabas e se dispondo sequencialmente na cadeia da fala. Já nas línguas de sinais,
diferentemente, “as melodias” faciais seriam produzidas pela configuração simultânea
de vários articuladores, por exemplo, mãos, sobrancelhas, pálpebra, boca, cabeça, que
recairia igualmente sobre todos os sinais de um agrupamento prosódico. Leite (2008)
analisou a segmentação da LIBRAS e observou um conjunto de marcadores não
manuais. No que tange ao contorno entoacional, o autor destaca que nas línguas orais
as perguntas sim/não e qu- são acompanhadas de uma prosódia marcada. Já nas
línguas de sinais, diz o autor, elas são marcadas por expressões faciais específicas.
Leite declara que a pausa na LIBRAS é identificada na ocasião em que as mãos
retornam do espaço de sinalização para uma posição de repouso.
Barbosa e Barbosa (2011) fizeram uma análise sobre as marcas de
interferência da LIBRAS na produção escrita da língua portuguesa no que diz respeito
aos aspectos fonológicos, especificamente, sobre a pontuação. Os autores verificaram
que em todo o texto dos sujeitos surdos há ausência de pontuação, seja de ponto final,
vírgula ou ainda outros (grifo nosso). Para eles, isso acontece pelo fato de a pontuação
ser aparentemente vinculada à língua oral (entoação, ritmo, timbre). Além disso, os
autores deduziram que a escrita dos surdos não segue as mesmas construções dos
ouvintes, em função da interferência da LIBRAS, língua materna da comunidade
surda. Os autores consideram que estas singularidades são comuns a um aprendiz de
segunda língua. Eles também consideraram que alguns erros são corriqueiros a
falantes da língua portuguesa, em que é refletida a influência da variante oral na
escrita.
Para orientar nossa pesquisa, partimos da proposta de Fodor (2002) de que tanto as
estruturas sintáticas quanto as prosódicas são computadas durante a leitura silenciosa.
45 Nessa perspectiva, examinamos o efeito de uma marcação prosódica gráfica, a vírgula,
no processamento da leitura silenciosa de sentenças ambíguas, ponderando a
integração sintaxe-prosódia, comparando a leitura de ouvintes e de surdos profundos.
Nossas perguntas de pesquisa foram: 1) Que efeito a marcação prosódica
gráfica pela vírgula tem no processamento da leitura silenciosa de sentenças ambíguas
temporárias, em textos escritos da língua portuguesa por surdos bilíngues e por
ouvintes? 2) Qual a influência da marcação prosódica gráfica, a vírgula, no tempo da
leitura silenciosa de sentenças ambíguas temporárias?
Para responder a tais questões, aplicamos um experimento on-line
cronometrado de leitura silenciosa automonitorada de sentenças subordinadas
ambíguas temporárias (com e sem a vírgula), em texto escrito da língua portuguesa, a
dois grupos de informantes: G1 - 18 estudantes surdos congênitos, profundos
bilíngues LIBRAS/Português do Ensino Médio completo e incompleto, idade entre 14
e 40 anos; G2 - 18 estudantes ouvintes nativos monolíngues, com escolaridade e idade
correspondentes aos participantes do G1. O material consistiu de 108 sentenças (18
sentenças-teste, distribuídas em 6 scripts e 54 distratoras), envolvendo orações
subordinadas ambíguas temporárias em 6 condições experimentais: Late Closure
(LC), Early Closure (EC), Semantic Control (SC), com e sem a vírgula (FRAZIER,
1979; RIBEIRO, 2004; FONSECA, 2012), respectivamente, como em:
LC: Quando os cães atacaram/ a menina/ rasgaram seu vestido/ amarelo.
EC: Quando os cães atacaram/ a menina/ correu apavorada/ para casa.
SC: Quando os cães atacaram/ o barulho/ assustou as pessoas/ na rua.
As 108 sentenças-alvo foram analisadas, considerando o tempo mediano da
leitura silenciosa do terceiro fragmento, nas três versões acima, com vírgula e sem
vírgula.
De forma univariada e multivariada, as análises dos dados revelaram o tempo
mediano de leitura dos sujeitos participantes, a saber: o G1 (surdos congênitos
profundos, bilíngues LIBRAS/português) gastou 1922,5 ms; o G2 (ouvintes nativos
da língua portuguesa) gastou 1607,5 ms. Não houve, pois, diferença significativa
entre os dois grupos controle e surdo (Valor-p=0,536). Quando analisamos tempo de
leitura mediano daqueles que fizeram com vírgula (2158 ms) e daqueles que fizeram
sem vírgula (2172 ms), constatamos também que não houve diferença significativa
entre as sentenças com e sem a vírgula (Valor-p=0,536).
No que diz respeito ao tempo mediano de leitura silenciosa do fragmento
crítico na versão Late Closure, os sujeitos gastaram 2092,0 ms; na versão Early
Closure, gastaram 2260,0 ms; já na versão Semantic Control, gastaram 2071,0 ms. A
diferença entre o tempo mediano de leitura do fragmento crítico de LC e EC foi
significativa (Valor-p=0,025). Igualmente, houve diferença significativa entre as
versões EC e SC (Valor-p=0,016). Não houve diferença significativa entre as versões
LC e SC (Valor-p=0,575).
Estamos, no momento, analisando a causa de os tempos de leitura não terem
sido influenciados pela presença da vírgula, nos dois grupos. A título de ilustração,
apresentaremos uma filmagem em LIBRAS relatando como seria feita a diferença
46 entre as sentenças com vírgula e sem vírgula, verificando como isso é resolvido. A
informação que temos é de que não há ambiguidade sintática em LIBRAS (mesmo
que não haja vírgula).
Referência
BARBOSA, M. G. S.; BARBOSA, V. S. Análise da produção escrita dos surdos: a
interferência da Língua Brasileira de Sinais. V Colóquio Internacional: Educação e
Contemporaneidade. São Cristovão-SE, 2011.
FODOR, J.D. Psycholinguistics cannot escape prosody. Proceedings of Speech
Prosody 2008, Aix-en-Provence, France. 2002.
FONSECA, A. A. prosódia no parsing: evidências experimentais do acesso à
informação prosódica no input linguístico. Belo Horizonte: UFMG. Tese de
Doutorado. 2012.
FRAZIER, L. On Comprehending Sentences: Syntactic parsing strategies. Ph.D.
Dissertation, University of Connecticut, 1979.
LEITE, T. A. A segmentação da língua de sinais brasileira (LIBRAS): um estudo
linguístico descritivo a partir da conversação espontânea entre surdos. Tese de
Doutorado. Universidade de São Paulo, 2008.
NESPOR, M.; SANDLER, W. Prosody in Israeli Sign Language. Language and
Speech, 42:2&3. 143-176, 1999.
QUADROS. R. et al. Exame Prolibras. Florianópolis, 2009.
RIBEIRO, A. J.C. LATE CLOSURE em parsing no Português do Brasil. Rio de
Janeiro: UFRJ. Tese de Doutorado. 2004.
47 RASGOS MELÓDICOS DE ENUNCIADOS INTERROGATIVOS DEL ESPAÑOL
HABLADO POR BRASILEÑOS
Miguel Mateo-Ruiz1, Aline Fonseca de Oliveira1
1
Universitat de Barcelona
[email protected];[email protected]
Este trabajo presenta los hallazgos de un estudio en curso que analiza los
rasgos melódicos característicos de los enunciados interrogativos producidos por
brasileños en español en habla espontánea. La investigación completa los resultados
presentados en Fonseca y Mateo-Ruiz (en prensa) Fonseca y Mateo-Ruiz (2015), en
los que se realizaba una primera comparación general y se analizaban los enunciados
neutros, respectivamente. Aquí, nos centramos, por una parte, en la descripción de la
entonación prelingüística y, por otra, en su comparación con las características de la
entonación prelingüística del español hablado por nativos peninsulares. Con este
estudio se busca caracterizar el perfil melódico del español hablado por brasileños a
partir de la descripción de los rasgos que configuran su entonación prelingüística. La
caracterización de dicha entonación se presenta de forma detallada en Cantero y
Mateo-Ruiz (2011).
En última instancia, el estudio se integra en una investigación más amplia que
tiene por finalidad el desarrollo de aplicaciones didácticas para el aprendizaje del
español por hablantes brasileños. Se pretende con ello afrontar un factor determinante
en la comunicación entre hablantes brasileños (con español L2) e hispanos: la
caracterización del acento extranjero.
El estudio se hace a partir de un corpus de habla espontánea genuina, con 60
enunciados de entonación interrogativa, emitidos por 12 informantes procedentes de
diferentes regiones de Brasil. Dicho corpus fue extraído de un corpus más amplio, de
511 enunciados, elaborado para fundamentar la investigación sobre las características
de la entonación del español hablado por brasileños (véase Fonseca de Olivera, 2013).
Nuestro trabajo se basa en los presupuestos de la teoría de Análisis Melódico del
Habla (AMH) propuestos en Cantero (2002) y Font-Rotchés (2007) que ofrece un
método de análisis formal, Análisis Melódico del Habla (véase el protocolo de
actuación en Cantero y Font, 2009), basado en el análisis acústico y perceptivo del
discurso con medios instrumentales. En el proceso se utilizó el programa de análisis y
síntesis de voz Praat (Boersma y Weenink, 1992-2015) con la finalidad de describir el
fenómeno de la entonación desde un punto de vista fonético y fonológico.
La citada teoría establece la existencia de tres tipos de entonación: la prelingüística,
cuya principal función es integrar el discurso y que se manifiesta principalmente en
los denominados acentos “extranjero” y “dialectal”; la lingüística, que permite
distinguir unidades permitiendo la interpretación fonológica del enunciado en base a
la combinación de tres rasgos: /enfático/, /suspendido/ e / interrogativo/; y la
paralingüística, que añade, fundamentalmente, información emocional, de foco, y de
tipo personal.
48 En conclusión, presentamos los puntos de convergencia y divergencia de los
rasgos prosódicos de los enunciados interrogativos producidos en español hablado por
brasileños y en el español peninsular.
Referências
BOERSMA, P. y D.WEENIK. PRAAT. Doing phonetics by computer. Institute of
Phonetic Sciences. University of Amsterdam. 1992-2015. http://www.praat.org.
CANTERO, F.J. Teoría y análisis de la entonación. Barcelona: Edicions de la
Universitat de Barcelona, 2002.
CANTERO, F.J. y FONT-ROTCHÉS, D. Protocolo para el análisis melódico del
habla, Estudios de Fonética Experimental, núm. XVIII. 2009, p. 17-32.
CANTERO, F.J. y MATEO-RUIZ, M. Análisis Melódico del Habla: complejidad y
entonación en el discurso, Oralia, nº 14, 2011. p.105-127.
FONSECA DE OLIVEIRA, A. Rasgos melódicos de las interrogativas del español
hablado por brasileños. No prelo
FONSECA DE OLIVEIRA, A. Caracterización de la entonación del español
hablado por brasileños. 2013. 722 p. Tesis (Doctorado en Enseñanza de Lenguas y
Literatura). Departamento de Didàctica de la Llengua i la Literatura. Universitat de
Barcelona, 2013.
FONSECA DE OLIVEIRA, A. y CANTERO, F. J. Características da entonação do
espanhol falado por brasileiros. Anais do VII Congresso Internacional da ABRALIN.
Curitiba, 2011, p. 84-98.
FONSECA DE OLIVEIRA, A. y MATEO-RUIZ, M. A entonação pré-linguística do
español e do español falado por brasileiros: análise contrastiva. Anais do VIII
Congresso International ABRALIN. Natal. Ed. Abralin. Associaçao Brasileira de
Lingüística. No prelo.
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enunciados neutros del español hablado por brasileños”. In: CABEDO, A. (ed.)
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FONT-ROTCHÉS, D. L’entonació del català. Barcelona: Publicacions de l’Abadia
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new melodic pattern”. Anais do VII Congresso Internacional da ABRALIN. Curitiba,
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LAHOZ, J. La enseñanza de la entonación, el ritmo y el tempo. In: Gil, J. (Ed.).
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español: aproximación a sus usos pragmáticos. No prelo.
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(Doctorado en Didáctica de la Lengua y la Literatura). Departamento de Didàctica de
la Llengua i la Literatura. Universitat de Barcelona, 2014.
50 ANÁLISE PROSÓDICA DA REGIÃO NUCLEAR DO DIALETO DE CURITIBA:
MÉDIA DE F0, INTENSIDADE, GAMA TONAL E UM TESTE DE PERCEPÇÃO
Pollianna Milan1, Denise Cristina Kluge2
Universidade Federal do Paraná1, Universidade Federal do Paraná2
[email protected]; [email protected]
Introdução
Nos propomos neste trabalho a apresentar uma análise prosódica do dialeto de
Curitiba (Paraná) de interrogativas totais e de assertivas neutras. Observamos apenas
a região nuclear (última sílaba acentuada) das sentenças, a partir da média de valores
de frequência fundamental (doravante F0), intensidade e gama tonal. Aplicamos testes
estatísticos para os dados encontrados.
A partir de um teste de percepção, também avaliamos quantos semitons são
perceptíveis ao ouvido humano como diferentes, para que pudéssemos mensurar se as
diferenças de F0 encontradas na análise de produção seriam também percebidas como
distintas na percepção.
Os resultados desta pesquisa fazem parte de nossa dissertação de mestrado
sobre a prosódia do dialeto curitibano. Ela é filiada ao Atlas Multimídia Prosódico do
Espaço Românico do Português (doravante Amper-Por).
Entendemos por F0 o aspecto fonético assumido diretamente pela entoação.
Ela é medida em Hertz e corresponde ao número de vezes por segundo em que as
pregas vocais completam um ciclo de vibração (Bolinger 1972, p.19). O correlato
perceptual da F0 é chamado de pitch, muitas vezes traduzido para o português como
tom ou inflexão tonal, segundo Madureira (1999, p.55). Nesta pesquisa, a F0 foi
normalizada em semitons a partir da fórmula n=12 x log2 (fn/m).
A intensidade, medida em decibéis (dB), tem relação com a altura (física) da
onda, ou seja, com a amplitude do som e com a energia usada para produzir este som.
Neste trabalho, usaremos a intensidade normalizada a partir das fórmulas: I(linear) =
10^(I(dB)/10 ) e
.
A gama tonal é a diferença entre o valor de F0 inicial da sílaba e o valor final
dela e, se houver um pico (altura máxima) de F0 na mesma sílaba (maior, inclusive
que o início ou final), calculamos a gama tonal do início da sílaba até o pico e do pico
até o final.
Nos preocupamos, ainda, em medir quantos semitons são perceptíveis
auditivamente, a partir do que já propuseram outros autores da área: T’Hart (1981) diz
que o valor mínimo perceptível ao ouvido humano é de 3 semitons (doravante st).
Consoni e Ferreira (2008) dizem que é preciso ter 2 st para se perceber auditivamente
a diferença. Gussenhoven e Rietveld (1985) defendem que um movimento de 1,5 st já
é sensível ao ouvido humano. Como a diferença, em semitons, de um estudo para
outro apresenta esta variação de 1,5 st a 3 st que seriam percebidos como diferentes,
decidimos replicar o teste.
51 1. Metodologia
Dois informantes curitibanos gravaram as sentenças, nos padrões do corpus do
Amper-Por. Um do sexo masculino e um do sexo feminino. Ambos nasceram e
sempre viveram em Curitiba (Paraná). Cada informante repetiu as 66 sentenças (33
interrogativas e 33 afirmativas) três vezes. A região nuclear de cada enunciado foi
dividida por padrão acentual: oxítonas, paroxítonas e proparoxítonas.
A partir desta divisão, então, analisamos as sílabas nucleares por padrão
acentual e por parâmetro acústico, totalizando 4.050 sílabas observadas, conforme
Tabela 01:
Tabela 01: Número de sílabas analisadas na pesquisa, segundo padrão acentual e
parâmetro acústico.
Região nuclear
Oxítonas
Paroxítonas
Proparoxítonas
F0
252
330
768
Intensidade
252
330
768
Gama tonal
252
330
768
Total
756
990
2.304
Para o teste de percepção, contamos com a colaboração de 20 ouvintes, todos
curitibanos, 10 homens e 10 mulheres, idade entre 25 e 62 anos. Todos os testes
foram montados e rodados no programa TP, um software gratuito (baixado do site
http://www.worken.com.br/tp).
Para testarmos quantos semitons são necessários para que curitibanos
percebam a diferença de F0, manipulamos algumas palavras ditas pela informante
feminina. Para este teste, perguntávamos aos 20 ouvintes qual era a palavra mais
aguda: a primeira, a segunda ou se eram iguais. Este teste de discriminação era
composto por 48 pares de palavras a serem ouvidas. Manipulamos uma palavra
“normal” (de fala natural) variando de 1 a 4 semitons. Manipulamos a palavra inteira
e também apenas a sílaba tônica para ver se a mudança, apenas na tônica, já seria
perceptível ou se seria necessário a palavra toda estar em um ou mais semitons acima.
2. Resultados
A partir da análise da região nuclear, no que concerne à F0, é possível afirmar
que as curvas entoacionais têm movimentos distintos e que valores de F0 são
significativamente relevantes. O núcleo paroxítono (que continha palavras como
Renato, Veneza e pateta) do informante feminino, por exemplo, ficou com as
seguintes médias de F0 normalizada, segundo a Figura 01, em que a curva cinza
escuro é a declarativa e a cinza claro é a interrogativa:
52 Figura 1: médias de F0 normalizada da região nuclear de uma paroxítona. A curva
cinza claro é de uma interrogativa total e a cinza escuro de uma declarativa neutra.
O Teste One-Way ANOVA reportou diferença significativa entre os valores
médios de F0 das três sílabas das declarativas paroxítonas (F (2,66) = 83,794, p
=0,000). E o post hoc de Tukey mostrou que as três são significativamente diferentes
entre si (p=0,000; p=0,000 e p=0,001) (a pré-tônica – 1,91 st – com valor maior que a
tônica – -1,76 st – e a pós-tônica – -3,67 st). Nas interrogativas, o Teste One-Way
ANOVA também apontou que as sílabas são diferentes entre si (F 9 2,84) = 15,574, P
= 0,000) e o post hoc de Tukey mostrou que é o valor da sílaba tônica (menor valor
em semitons, -0,99 st) que é diferente dos demais (p=0,000).
Na comparação entre modalidades, o Teste T de Variáveis Independentes
mostra que apenas os valores do par das pré-tônicas (da declarativa e da interrogativa)
são diferentes entre si (t (58) = 15,794, p=0,000) – as médias de F0 das declarativas
(1,91 st) são maiores do que as das interrogativas (-3,04 st). Concluímos, desta
maneira, que neste exemplo apenas a F0 das pré-tônicas (das declarativas e das
interrogativas) marcaria a diferença, no núcleo, entre modalidades. Auditivamente,
somente a diferença média de F0 também da pré-tônica das interrogativas para a das
declarativas (sobe 4,95 st) seria percebida ao ouvido humano.
A gama tonal não demonstrou ser um parâmetro relevante no dialeto
curitibano para distinguir as modalidades, diferentemente da intensidade.
No teste de percepção concluímos que a maioria dos ouvintes consegue
perceber a diferença de agudos quando estes aumentam 3 st e 4 st.
Referências
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Dwight (Ed.). Intonation. Inglaterra: Great Britain, 1972, p.19-29.
CONSONI, F.; FERREIRA NETTO, W. A percepção de variação em semitons
ascendentes para falantes de Português Brasileiro em palavras isoladas. In: IV
Congresso Internacional de Fonética e Fonologia, Niterói, 2008. UFF, 2008.
GUSSENHOVEN, C.; RIETVELD, A.C.M. On the relation between pitch excursion
size and proeminence. Journal of Phonetics, 1985, p. 299-308.
53 MADUREIRA, Sandra. Entoação e síntese de fala: modelos e parâmetros. In
SCARPA, Ester M. (Org.), Estudos de Prosódia. Campinas, SP: Editora da Unicamp,
1999. p. 53- 68.
T'HART, J. Differential sensitivity to pitch distance, particulary in speech. Journal of
Acoustical Society of America, 1981, p.811-821.
54 DESCRIÇÃO ENTONACIONAL DA ASSERÇÃO E DA QUESTÃO TOTAL:
COMPARANDO DUAS ABORDAGENS
Luma da Silva Miranda1
Laboratório de Fonética Acústica, Universidade Federal do Rio de Janeiro1
[email protected]
Introdução
As pesquisas de descrição da entoação buscam associar correlatos físicos do
continuum fonético às funções linguísticas no sistema da língua. O presente trabalho
tem como objetivo (i) apresentar os resultados de um estudo fonético-experimental de
descrição da entoação do Português do Brasil, utilizando os contornos da asserção e
questão total, a partir do ponto de vista da percepção; (ii) discutir as diferenças na
notação entonacional desses contornos fornecida por dois modelos entonacionais – o
Autossegmental e Métrico (PIERREHUMBERT, 1980) e o IPO (’t HART; COHEN;
COLLIER, 1990).
1. Pressupostos teóricos
Sabe-se que a entoação do português do Brasil tem sido descrita pela
abordagem do modelo Autossegmental e Métrico em vários estudos. No trabalho de
Moraes (2008), a representação da asserção no sistema do português brasileiro
baseada no dialeto carioca recebe a notação fonológica: L+H*_______H+L*L%,
apresentando acentos bitonais nas posições pré-nuclear e nuclear; já no falar de Natal
(RN), a asserção recebe um acento monotonal alto na posição pré-nuclear:
H*________H+L*L%; e, em Porto Alegre, um acento nuclear bitonal alto na tônica
final: L+H*________H+H*L% (CUNHA; SILVESTRE, 2013). No que se refere à
questão total, atribui-se a notação fonológica L+H*___L+<H*L% não só no falar
carioca (MORAES, 2008), mas também em outras localidades do Brasil, com a
exceção de Aracaju e Maceió, na região nordeste, que recebem no acento nuclear do
contorno a notação L+L*H% (SILVA, 2011).
Diante dessa busca por uma descrição que capture as características comuns ao
contornos da asserção e da questão total e das possíveis variações que existem nesses
padrões melódicos, os contornos da asserção e da questão total foram submetidos a
uma análise fonético-experimental segundo a metodologia do modelo IPO
(MIRANDA, 2015).
O modelo IPO faz uma análise configuracional da curva melódica,
decompondo-a em quatro dimensões: a direção e o tamanho do movimento, o
alinhamento e o campo tonal. A análise da curva melódica inicia-se por sua
estilização; numa primeira fase, denominada close copy, reduzem-se as informações
no contorno que são irrelevantes para a percepção. A partir dessa primeira fase, são
gerados contornos alternativos em que se testam hipóteses para propor uma
55 estandardização de cada padrão melódico analisado; a essa segunda fase, dá-se o
nome de estilização equivalent copy.
2. Método
O corpus utilizado nesta pesquisa é constituído do enunciado “Marina cantava”
dito como asserção e questão total por um informante masculino falante do dialeto
carioca. A partir dessa gravação, algumas características acústicas dos contornos da
asserção e da questão total foram manipuladas no programa PRAAT (BOERSMA;
WEENINK, 2013) por meio do processo de estilização equivalent copy, resultando
em 22 estímulos, sendo 9 para asserção e 13 para a questão total. Posteriomente à fase
da estilização, foram aplicados testes de percepção com 20 ouvintes para verificar os
efeitos perceptivos dessas modificações em termos de sua aceitabilidade.
3. Resultados
Com base nos resultados dos testes de percepção para o contorno da asserção,
nota-se que (i) o movimento descendente incidindo sobre a tônica final é fundamental
para o reconhecimento fonológico da asserção; (ii) quanto ao início desse movimento,
este pode se iniciar: na primeira postônica (na), segunda pretônica (can) e na tônica
final (ta). Por outro lado, o significado fonológico do contorno é prejudicado se o
movimento descendente se iniciar na primeira tônica (ri) do enunciado ou na
postônica final (va).
Figura 1 – Movimentos melódicos da asserção: melhor avaliados (azul) e pior
avaliados
(vermelho)
Este resultado corrobora a descrição da asserção proposta por Moraes (2008) ,
onde a posição nuclear é representada pelo o acento bitonal H+L*, já que o
movimento descendente sobre a tônica final é imprescindível para o reconhecimento
fonológico da asserção.
No que se refere ao contorno da questão total, os movimentos ascendente e
descendente no final do contorno são essenciais para o reconhecimento desse padrão
melódico. Além disso, a pretônica final (can) parece desempenhar um importante
papel para a caracterização fonológica desse contorno. Se recair sobre a pretônica
56 final um movimento ascendente, o reconhecimento do contorno é bastante
prejudicado; por outro lado, se o movimento for descendente, não há danos no
reconhecimento da questão total. Por fim, é importante notar o comportamento da
postônica final (va), pois se esta terminar com um valor de F0 relativamente alto, há
uma mudança de significado para o contorno que perde seu caráter interrogativo, e
adquire um sentido a que chamamos de “justificativa”.
Figura 2 – Movimentos melódicos melhor avaliados (azul) e pior avaliados
(vermelho) da questão total
A descrição fornecida pela análise do modelo IPO também corrobora a notação
do modelo AM para a questão total, por meio da atribuição do acento bitonal /L+H*/
na posição nuclear do contorno, pois o movimento ascendente na tônica final é
fundamental para seu reconhecimento. Além disso, o movimento descendente tanto
na pretônica final quanto na postônica final demonstrou fazer parte do
reconhecimento funcional da questão total.
4. Conclusões
Por meio do método de estilização equivalent copy dos padrões analisados,
pode-se concluir que a análise experimental evidencia características fonéticas
relevantes perceptivamente para os ouvintes que caracterizam o contorno
fonologicamente. Com este método de estilização, é possível minimizar a variação
fonética na produção dos enunciados para que se chegue a uma curva padrão,
caracterizando com mais precisão esses contornos entonacionais com suas
modulações fonéticas específicas e contribuindo assim para a descrição entoacional
do PB.
Ao se comparar a descrição proporcionada pelos dois modelos, verificou-se que,
no contorno da asserção, há uma variação que ocorre em relação à sílaba que inicia o
movimento descendente no final do contorno. Já no contorno melódico da questão
total, houve a constatação de que as sílabas pretônicas e postônicas finais são
importantes para a configuração do movimento ascendente final.
Referências
57 BOERSMA, P.; WEENINK, D. (2013) Praat: doing phonetics by computer
[Computer program]. (Version 5.1.05), disponível em: http://www.praat.org/
CUNHA, C.; SILVESTRE, A. (2013) Pelos cantos do Brasil: a variação entonacional
da asserção neutra em Natal, Rio de Janeiro e Posto Alegre. Letrônica, Porto
Alegre, v. 6, n. 1, p. 179-195, jan./jun., 2013.
MIRANDA, L. S. (2015) Análise da entoação do português do Brasil segundo o
modelo IPO. Dissertação (Mestrado em Mestrado em Língua Portuguesa) Universidade Federal do Rio de Janeiro.
MORAES, J. (2008) The pitch accents in Brazilian Portuguese: analysis by synthesis.
In: BARBOSA, P., MADUREIRA, S. and REIS, C. (eds.) Proceedings of the
Speech Prosody 2008: Fourth Conference on Speech Prosody, Campinas, 6 a 9
de maio de 2008, pp. 389-397.
PIERREHUMBERT, J. (1980) The phonology and phonetics of English intonation.
Bloomington: Indiana University Linguistics Club. PhD dissertation, MIT.
[IULC edition, 1987].
SILVA, J. C. (2011) Caracterização prosódica dos falares brasileiros: as orações
interrogativas totais. Dissertação de mestrado. Faculdade de Letras: UFRJ, Rio
de Janeiro.
’t HART, J.; COLLIER, R.; COHEN, A. (1990) A Perceptual Study of Intonation: An
experimental-phonetic approach to speech melody. Cambridge: Cambridge
University Press.
58 CONTORNO ENTOACIONAL E PISTAS DURACIONAIS DAS PERGUNTAS DE
CONFIRMAÇÃO (“NÉ?”) NO PORTUGUÊS BRASILEIRO
Alan Motta1, Carolina Serra²
UFRJ¹ ², FAPERJ¹
[email protected]; [email protected]
Neste trabalho, focalizam-se as pistas de duração silábica e os contornos entoacionais
que caracterizam as perguntas de confirmação (né?) no Português Brasileiro (PB), a
fim de verificar se essas perguntas são prosodizadas como um sintagma entoacional
(IP) independente ou se se encontram acopladas ao IP antecedente. Nossos objetivos,
portanto, são 1) investigar se na produção há um contorno nuclear tanto na pergunta
de confirmação quanto no IP que a precede; 2) averiguar o papel do alongamento
silábico pré-fronteira; 3) verificar a duração e a ocorrência de pausa silenciosa e sua
influência na prosodização do “né?”; e 4) comparar o contorno entoacional do “né?”
(quando houver) e o contorno nuclear do IP precedente, a fim de verificar possíveis
semelhanças entre esses contornos. O corpus de análise é constituído por amostras de
fala espontânea (Projeto Concordância - www.concordancia.letras.ufrj.br), de oito
indivíduos cultos, nascidos na cidade do Rio de Janeiro e de Nova Iguaçu, do gênero
feminino (quatro informantes) e masculino (quatro informantes) e de duas faixas
etárias distintas (de 18 a 35 anos e de 36 a 55 anos). O aparato teórico-metodológico
contempla os pressupostos da Teoria da Hierarquia Prosódica (Selkirk, 1984; Nespor
& Vogel, 1986[2007]), da Fonologia Entoacional Autossegmental Métrica (Ladd,
1996[2008]) e o instrumental de análise da Fonética Experimental. Para a análise
acústica e para a transcrição tonal, foi utilizado o programa Praat 5.3.84 (Boersma &
Weenink, 2014) de sonora. Os primeiros resultados indicam que 1) a grande maioria
dos “né?” foi realizada como um IP independente, ou seja, com um contorno nuclear
próprio (72% de ocorrências); 2) a não ocorrência da pausa (73% dos enunciados)
entre os dois IPs, por outro lado, demonstra uma certa integração entre eles, bem
como a ocorrência de IPs degenerados (sem acento tonal) (18%) e integrados (IP+né)
(10%); 3) há uma relação entre o contorno entoacional no “né?” e a faixa etária da
falante, uma vez que foi verificado que falantes mais jovens realizam a pergunta de
confirmação, frequentemente, sem as marcas entoacionais típicas da pergunta, o que
indicaria, nessas falantes, um esvaziamento semântico do item; 4) a marcação
entoacional do “né?” diferiu da marcação entoacional do IP precedente (75% de
ocorrência), mostrando que a pergunta de confirmação não é uma simples cópia do IP
precedente (Exemplo 1); 5) a velocidade de fala se mostrou relevante: falantes com
uma taxa de fala rápida demonstraram uma tendência a acoplar o “né?”ao IP anterior
(“IP+né”), atestando a importância dessa pista duracional para a prosodização das
perguntas de confirmação (Nespor & Vogel, 1986: 195); e 6) a pista de duração
silábica se mostrou importante para a observação da prosodização do “né?”, sendo o
item mais longo quando realizado separadamente em relação ao IP anterior e após
pausa, enquanto “né?” degenerados e integrados possuem, em média, menor duração
silábica. Ainda sobre a duração silábica, na primeira palavra do IP, a média de
59 duração das sílabas tônicas foi 25% maior do que nas pretônicas e as postônicas
foram em média 18% mais curtas em relação às sílabas pretônicas e 38% mais curtas
em relação à silaba tônica. Nas palavras em posição medial do IP, a média das sílabas
pretônicas foi menor em 20% em relação às tônicas e as postônicas foram menores
8% em relação às pretônicas e 25% em relação às tônicas. Já nas palavras no final de
IP, as pretônicas foram 43% mais curtas que as tônicas e as postônicas foram 7% mais
longas do que as pretônicas e 39% mais curtas em relação às tônicas, demonstrando a
importância do alongamento silábico nas palavras finais de IP para observação do
fenômeno em pauta, inclusive com as sílabas postônicas sofrendo maior alongamento
do que as pretônicas.
Exemplo 1:
“E isso era a única coisa que a gente tinha de bom aqui, né?” (Informante feminina da
2ª faixa etária de Nova Iguaçu)
Referências Bibliográficas
CASTRO, C. SERRA, C. & CALLOU, D. Prosodic structure, intonational structure
and nasal diphthong reduction: Brazilian Portuguese in focus. TIE 2014 submission.
D´IMPERIO, M.; ELORDIETA, G.; FROTA, S.; PRIETO, P. & VIGÁRIO, M.
Intonational phrasing in Romance: the role of syntactic and prosodic structure.
In: FROTA, Sónia; VIGÁRIO, Marina & FREITAS, Maria João(eds.). Prosodies.
Berlin: Mouton de Gruyter, 2005.
ELORDIETA, G.; FROTA, S. & VIGÁRIO, M. Subjects, objects and
intonational phrasing in Spanish and Portuguese. Studia Linguistica, 59 (2-3), 2005.
FROTA, S. Prosody and focus in European Portuguese. Phonological phrasing and
intonation. New York: Garland Publishing, 2000
FROTA, S., M. D’IMPERIO, G. ELORDIETA, P. PRIETO & M. VIGÁRIO. The
phonetics and phonology of intonational phrasing in Romance, 2007.
GUINI, M. Phonological Phrase-formation in Italian: a new proposal. In: DYCK,
Carrie (ed.). Toronto working papers in linguistics, v.12, n.2. Toronto: University of
Toronto, 1993.
60 LADD, D. R. Intonational phonology. Cambridge: CUP, 1996.
MORAES, J. Nuclear and pre-nuclear contours in Brazilian Portuguese intonation.
2007.
NESPOR, Marina & VOGEL, Irene. Prosodic Phonology. Foris Publications
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PIERREHUMBERT, J. & BECKMAN, M. Japanese tone structure. Cambridge,
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SELKIRK, Elizabeth O. Phonology and Syntax. The Massachusstts Institute of
Technology, 1984.
SERRA, C.R. Realização e percepção de fronteiras prosódicas no Português do
Brasil. Tese de doutorado, 2009.
TENANI, L. Domínios prosódicos do português do Brasil: implicações para a
prosódia e para a aplicação de processos fonológicos. Campinas: LEL/UNICAMP.
PhD Thesis, 2002.
VIGÁRIO, M. & FERNANDES-SVARTMAN, F. A atribuição de acentos tonais em
compostos no Português do Brasil. In: Selected papers, XXV Encontro Nacional da
APL, Porto, 2010, pp.769-786.
61 O PAPEL DA PROSÓDIA NA EXPRESSÃO DE ATITUDES NO DISCURSO
POLÍTICO
Leandro Moura
Universidade Federal de Ouro Preto
[email protected]
A prosódia, grosso modo entendida como um conjunto de aspectos
suprassegmentais, tais como organização temporal, organização melódica e
intensidade (cf. COUPER-KUHLEN, 1986; ’t HART, COLLIER & COHEN, 1990;
HIRST, DI CRISTO, 1998), é um componente linguístico de grande importância para
o discurso. Em situações comunicativas como, por exemplo, em debates políticoeleitorais televisionados, aspectos dessa natureza se juntam à argumentação retórica,
corroborando a construção de sentido. Na Antiguidade Clássica, Aristóteles (1998) já
dizia que, junto à argumentação, questões relacionadas ao ritmo, ao volume e à
harmonia, ou seja, ao que hoje entendemos como prosódia, são elementos retóricos
importantes para a construção do discurso. Assim como pontua Lacheret-Dujour
(2007), pensar numa interface prosódia-discurso nos dias atuais significa buscar, de
algum modo, compreender como algumas pistas prosódicas atuam durante os
processos de construção e de interpretação discursiva. Ao longo do tempo, foram
atribuídas à prosódia diversas funções. Por meio dela é possível, por exemplo,
distinguirmos modalidades frasais (função gramatical), identificarmos a origem
geográfica (função indicial) e reconhecermos o comportamento do falante (função
atitudinal ou, ainda, expressiva) (COUPER-KUHLEN, 1986; FÓNAGY, 2003). A
prosódia dos afetos sociais ganhou foco nas últimas décadas. Wichmann (2000)
reconhece que tal função é a mais importante entre as funções atribuídas à prosódia.
Reis (2005 apud OLIVEIRA, 2011), também de maneira positiva, sustenta que é a
partir da função atitudinal que a prosódia age por excelência. No português brasileiro,
algumas pesquisas têm se preocupado em mostrar como alguns parâmetros prosódicos
atuam na expressão de atitudes (ANTUNES, 2007; SILVA, 2008; OLIVEIRA, 2011).
Conforme Antunes (2006), entendemos que atitudes são expressões voluntárias,
intencionais, cognitivas e motivadas, dependentes do sistema linguístico, por meio das
quais o falante informa seu ponto de vista numa interação verbal. Desse modo,
pretendemos discutir, neste trabalho, qual o papel da prosódia na expressão das
atitudes que podem ser encontradas em debates políticos nos momentos em que um
candidato ataca seu(s) adversário(s). Entre essas atitudes, podemos citar a crítica, a
provocação, o sarcasmo e a ironia como exemplos. Nosso corpus se constitui de
enunciados extraídos de debates transmitidos por redes de TV durante as eleições ao
governo de Minas Gerais em 2014, pois acreditamos que eles são ambientes nos quais
as atitudes de ataque aparecem com bastante frequência, uma vez que um candidato
faz uso dessas estratégias – de provocar, de ironizar e de criticar seu adversário, por
exemplo –, com vistas à desconstrução da imagem do outro, promovendo uma melhor
apresentação de si (ou ethos, pode-se acrescentar). Para a análise, selecionamos os
62 momentos em que, perceptivamente, algumas mudanças prosódicas foram notadas,
junto à construção discursiva, associadas a um contexto semântico, além da
informação lexical. As frases passaram, então, por uma análise acústica com o auxílio
do software PRAAT (disponível para download, gratuitamente, em www.praat.org).
Assim como Crystal (1969), optamos por um estudo prosódico em sentido amplo,
compreendendo variações de altura melódica, variações rítmicas e de intensidade.
Desse modo, foi observado o comportamento da frequência fundamental (F0), no que
respeita os seguintes pontos: mínimo, máximo, inicial, final e médio; a tessitura do
enunciado; os movimentos finais (início e fim) e suas taxas de variação melódica e
outros movimentos que se mostrarem relevantes no enunciado. Esses valores foram
dados em semitons/100Hz, uma vez que estamos comparando locutores diferentes e
essas medidas são relativas, favorecendo tal comparação (SIMON et al., 2010).
Quanto à duração, foram observadas as taxas de elocução e de articulação, bem como
a duração das sílabas tônica e pretônica. Observamos também o valor médio da
intensidade. No entanto, é importante ponderamos que, para uma análise confiável
desse parâmetro, alguns cuidados devem ser tomados durante a obtenção dos corpora
– a posição do microfone, por exemplo, em relação à boca do falante. Como as
gravações não foram realizadas pelo pesquisador, não foi possível controlar essas
questões. Finalmente, procuramos observar, ainda que perceptivamente, a qualidade
de voz, termo que vem sendo proposto como o quarto parâmetro prosódico
(CAMPBELL, MOKHTARI, 2003; CHARFUELAN, SCHRÖDER, 2011),
identificando tipos de fonação que diferem daquele modal e como eles contribuem
para a caracterização e o reconhecimento das atitudes estudadas. Análises
preliminares mostraram que algumas atitudes nos debates político-eleitorais
analisados, como a crítica, por exemplo, tendem a apresentar valores de F0 e de
duração mais elevados em relação aos enunciados atitudinalmente neutros. Essas
variações parecem acentuar a força retórica dos marcadores prosódicos e são
importantes nos momentos de ataque ao adversário. Cabe salientarmos ainda que, ao
que nos parece, os candidatos fazem usos de estratégias diferentes para tentar atacar
seus oponentes políticos. Perceptivamente, notamos que enquanto um candidato opta
por ser extremamente crítico, outro adota um tom mais irônico durante os momentos
de ataque. Outro resultado perceptivo encontrado é que a qualidade de voz tende a
contribuir no reconhecimento das atitudes estudadas. Finalmente, esperamos trazer
contribuições para as pesquisas prosódicas desenvolvidas, sobretudo no que respeita a
função atitudinal da prosódia, além de estabelecer um diálogo importante entre
prosódia e análise do discurso.
Referências
ANTUNES, L. B. O papel da prosódia na expressão de atitudes do locutor em
questões. 306f. Tese (Doutorado em Letras: Estudos Linguísticos). Belo Horizonte:
UFMG, 2007.
ARISTÓTELES. Retórica. Lisboa: Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 1998.
CAMPBELL, N.; MOKHTARI, P. Voice Quality: the 4th Prosodic Dimension. In:
63 15th International Congress of Phonetic Sciences. Barcelona, Espanha. 2003.
Disponível em: http://www.speech-data.jp/nick/pubs/vqpd.pdf. Acesso em: 15 de
novembro de 2014.
CHARFUELAN, M.; SCHRÖDER, M. Investigating the prosody and voice quality of
social signals in scenario meetings. In: Proc. Affective Computing and Intelligent
Interaction.
Tennessee,
Estados
Unidos.
2011.
Disponível
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64 O PAPEL DA PROSÓDIA NA PERSUASÃO NO DISCURSO RELIGIOSO
NEOPENTECOSTAL
Cristiane Navais1, Leandra Antunes1
Universidade Federal de Ouro Preto1
[email protected]; [email protected]
Nos últimos anos vêm se desenvolvendo muitos trabalhos voltados para a
análise discursiva na perspectiva de que o sujeito desenvolve estratégias de
argumentação de acordo com as finalidades de influência que correspondem a seu
projeto de fala (CHARAUDEAU, 2001). Porém, tais pesquisas não contemplam com
profundidade a análise prosódica na construção do discurso oral. O discurso religioso,
como aquele das pregações e/ou sermões, é uma atividade de constante reformulação
na qual, por meio da interpretação de um livro fonte, por exemplo, a Bíblia, os
locutores procuram cativar grande parte de seus fiéis, com o uso do discurso oral
(MOURA, 2009). Nesse tipo de discurso temos uma fala orientada pela perspectiva
do locutor que se organizou de forma compatível às suas intenções e ao grupo ao qual
se refere (PATRIOTA; ALMEIDA, 2006). Por isso, vale analisar de que forma o
enunciador estrutura seu discurso, principalmente do ponto de vista prosódico, a fim
de atrair o ouvinte para um ponto específico da mensagem, ou seja, torna-se
fundamental investigar de que modo o locutor expressa seus afetos sociais (intenções,
crenças, atitudes) para convencer o outro (AUBERGÉ, 2002). Assim, este trabalho
tem por objetivo mostrar como a prosódia pode contribuir, por meio de atitudes do
locutor, na construção da persuasão em pregações de igrejas evangélicas
neopentecostais. A importância deste estudo está relacionada à lacuna de pesquisas
prosódicas em relação direta com o discurso religioso oral. Faz-se importante
verificar, também, se a prosódia pode, como parte da construção da persuasão, atuar
como elemento influente no aumento de fiéis evangélicos no Brasil ocorrido nos
últimos anos. É claro que a facilidade com que o discurso religioso neopentecostal
chega a centenas de lares deve-se ao aparato tecnológico. Porém, a adesão do público
ao discurso está ligada à forma (prosódica ou lexical) por meio da qual os líderes
religiosos proferem suas enunciações. Nesta pesquisa, foram tomados para estudo
dois sujeitos: o pastor fundador da Igreja Internacional da Graça de Deus, Romildo
Ribeiro Soares, conhecido como missionário R. R. Soares, e o pastor fundador da
Igreja Mundial do Poder de Deus, Valdemiro Santiago de Oliveira, conhecido como
apóstolo Valdemiro Santiago. O primeiro apresenta o único programa evangélico
transmitido em horário nobre da televisão brasileira, Show de fé, exibido pela TV
Band, enquanto o segundo aluga horários na Rede TV e Band. O corpus de análise
constitui-se de vídeos de pregação dos sujeitos escolhidos, com mais de 20000
visualizações, disponíveis no site Youtube <www.youtube.com.br>. Através desses
vídeos temos contato com o discurso desses pastores em situação real de interlocução,
pois os vídeos foram feitos nas igrejas, no momento da pregação. No atual estágio da
pesquisa, apresentaremos os resultados de uma análise piloto em que selecionamos
65 trechos do discurso oral desses dois sujeitos em questão nos quais estejam presentes
os mecanismos que, segundo Citelli (1986), mais acentuam a persuasão no discurso
religioso, quais sejam: uso do modo imperativo; vocativo subjacente; função emotiva;
uso de metáforas; uso intenso de parábolas e paráfrases; uso de estereótipos. Feita a
seleção desses enunciados persuasivos, foram também selecionados enunciados
neutros (que não apresentaram as características persuasivas acima indicadas), para se
proceder à análise acústica do corpus, feita no software PRAAT®. Foram analisados
valores de frequência fundamental (frequência fundamental - f0 inicial, final, máximo
e mínimo, bem como média de f0 e caracterização do movimento final de f0, em
Hertz), duração (duração de sílabas e palavras, quando havia prolongamentos e
proeminências, duração de pausas ou de outros fenômenos de duração relevantes à
análise, em segundos), velocidade de fala (divisão do número de sílabas pronunciadas
pela sua duração do enunciado, em sílabas por segundo). Nos enunciados persuasivos
notou-se maior variação de f0 e presença de prolongamentos, diminuindo a velocidade
de fala, quando tais enunciados foram comparados a outros não persuasivos.
Referências
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jan./abr. 2006.
66 TESTES PERCEPTUAIS A PARTIR DE DADOS PRODUZIDOS POR
FLORIANOPOLITANOS E ARACAJUANOS: UMA VALIDAÇÃO PARA
HIPÓTESES SOBRE VARIEDADES E MODALIDADES
Vanessa Gonzaga Nunes
Universidade Federal de Sergipe
[email protected]
Falantes de uma mesma língua, no geral, são capazes de discriminar uma
pergunta de uma afirmação; distinguem, ao menos em uma situação real de fala, uma
entonação que exprime alegria de outra que manifesta raiva; e podem, até, discriminar
falantes de localidades distintas. As diferenças entonacionais existentes entre
modalidades, expressões de atitudes ou variedades dialetais passam, sobretudo, pela
percepção dos ouvintes. Hoje já são inúmeros os pesquisadores que se ocupam da
descrição e da discriminação de entonações específicas, a partir de configurações
melódicas, mas nem sempre os dados de produção passam pelo julgamento de
aceitabilidade da comunidade de fala. Este estudo investiga a contribuição de testes de
percepção para a validação de hipóteses sobre variedades e modalidades, a partir de
dados produzidos por florianopolitanos e aracajuanos. Esta pesquisa está
fundamentada em autores como Moraes (2008), Cunha et al. (2012), Lira (2009),
Silva (2011) e Autor (2015), que encontraram pistas de discriminação entre
variedades dialetais, modalidades e atitudes. Em Autor (2015), encontramos, no
desenho da curva de F0, pistas que discriminam modalidades e variedades, a partir de
produções de sentenças declarativas e interrogativas totais neutras produzidas por
florianopolitanos e aracajuanos. No geral, a literatura (ABRAÇADO ET AL., 2007;
REBELO, 2007; MORAES, 2008 e SEARA ET AL., 2011; SEARA & REBOLLOCOUTO, 2011) sugere que a região nuclear (final da sentença) é a responsável pela
pista prosódica de distinção entre modalidades. Entretanto, Moraes (1998; 2008) e
Lira (2009) e Autor (2015) registraram para interrogativas totais ataques mais altos do
que o das declarativas. E Cunha et al. (2012) encontraram tons altos no início de
sentenças declarativas produzidas por locutores do norte e nordeste do Brasil. Além
disso, em Autor (2015) encontramos diferenças entonacionais, expressas através de
parâmetros como tessitura e média de F0, que poderiam justificar a percepção dos
falares analisados como distintos. É preciso, entretanto, verificar se tais diferenças,
encontradas no plano acústico, são percebidas por locutores naturais dessas
localidades. As hipóteses principais são: (i) falantes naturais de Florianópolis e de
Aracaju, capitais de Santa Catarina e Sergipe, respectivamente, são capazes de
identificar modalidades declarativas e interrogativas tendo como estímulo apenas um
trecho inicial ou final da sentença; (ii) a modalidade interrogativa pode ser
identificada corretamente a partir apenas da informação suprassegmental; (iii) existem
diferenças dialetais importantes dentro de Santa Catarina e de Sergipe que fazem com
que florianopolitanos e aracajuanos discriminem a sua variedade de outras do mesmo
estado. Para confirmar ou não essas hipóteses, elaboramos cinco testes de percepção
que foram realizados com florianopolitanos, na cidade de Florianópolis, e com
67 aracajuanos, na Grande Aracaju. Participaram dos quatro primeiros testes, 25
florianopolitanos e 25 aracajuanos e do último teste, que trata de identificação de
dialetos, 35 florianopolitanos e 35 aracajuanos, todos com idades entre 19 e 60 anos.
Os estímulos ouvidos pelos juízes eram: sentenças naturais (sem manipulação),
trechos de sentenças naturais e sentenças filtradas obtidas a partir do corpus Amper. O
teste estatístico utilizado para validar os resultados obtidos foi o de Wilcoxon, com
significância p <͇ 0,05. Os juízes foram capazes de identificar corretamente
interrogativas produzidas por seus conterrâneos a partir apenas da informação prénuclear (florianopolitanos acertaram 59,20% (Z=-3,21, p=0,001) e aracajuanos 64,5%
(Z=-3,71 p=0,000)) ou nuclear (florianopolitanos acertaram 80% (Z=-4,38, p=0,000)
e aracajuanos 85,2% (Z=-5,17, p=0,000)) das sentenças. Logo, a primeira hipótese foi
confirmada e corroborou com os dados acústicos que mostravam diferenças entre as
curvas das modalidades declarativas e interrogativas, tanto no início quanto no final
da sentença. A segunda hipótese também se confirmou, uma vez que os juízes foram
capazes de identificar adequadamente modalidades apenas a partir da informação
suprassegmental (Florianopolitanos acertaram 72,6% (Z=-4,21, p=0,000) e
aracajuanos 78,7% (Z=-5,05, p=0,000)). A terceira hipótese se confirmou
parcialmente porque apenas os florianopolitanos identificaram de maneira satisfatória
a sua própria variedade (84% de acertos). Os aracajuanos tiveram mais dificuldade de
identificar sua própria variedade dentre outras do mesmo estado. Esses últimos
tiveram 43,3% de acertos e o número de erros (56,7%) foi significativamente superior
ao número de acertos (Z=-2,03 p=0,042).
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69 AQUISIÇÃO PROSODICO-FONOLÓGICA EM CRIANÇAS NA FAIXA ETÁRIA
DE 2;5 A 3;2 ANOS COM HISTÓRICO DE PREMATURIDADE
– ESTUDO PILOTO
Julio Cesar Cavalcanti de Oliveira1, Daniela Monique Tavares Dos Santos2,
Luzia Miscow Da Cruz Payão3
Universidade Estadual de Ciências da Saúde de Alagoas123
[email protected], [email protected]
[email protected]
Introdução
A aquisição de linguagem representa um dos principais marcos para o
desenvolvimento global adequado. É por meio dela que a criança irá estabelecer
contato com mundo e desenvolver suas competências cognitivas. Através do contato
com os sons da língua e de experiências linguísticas é que se dará início à produção
da fala. Pesquisas em aquisição de linguagem têm demostrado a importância da
prosódia como responsável pelo engajamento da criança no diálogo e como o veículo
por meio do qual são estabelecidas as formas linguísticas, a partir de uma trajetória de
aquisição previsível, com base em princípios já estabelecidos por teorias de natureza
prosódico-fonológica.
A hierarquia prosódica (NESPOR & VOGEL, 1986) é composta por sete
unidades linguísticas, dispostas da maior para a menor, as quais representam o fluxo
contínuo da fala. Embora a aquisição em cada nível da hierarquia ocorra de forma
típica, em crianças sem comprometimentos cognitivos, não há evidência de estudos
que caracterizem a aquisição prosódica em crianças pré-termo, apenas referindo
atraso na aquisição fonológica, o que parece estar relacionado com a aprendizagem
do vocabulário e a expansão prosódica.
Objetivo
O presente estudo buscou analisar a expansão prosódico-fonológica a partir
dos preenchimentos segmentais da fala de três crianças do sexo feminino, pré-termo,
com idades entre 2;5 e 3;2anos, com históricos de prematuridade e internação
hospitalar, a fim de caracterizar o(s) perfil(is) de aquisição deste grupo.
Método
Este trabalho caracteriza-se como de natureza observacional, a partir da
análise da fala espontânea de crianças em processo de aquisição do Português
Brasileiro falado em Maceió (AL). O período de avaliação compreendeu cinco meses,
com intervalos de aproximadamente 30 dias entre cada uma, totalizando cinco
avaliações para cada criança. Os dados de fala foram registrados por meio de recurso
áudio-digital e motivados a partir de situações lúdicas, durante a manipulação de
70 brinquedos figurativos adequados para a faixa etária, explorados em conjunto com um
dos pais e outros membros da família, quando acompanhavam. As gravações
apresentaram em média 30 minutos.
Para comparação da aquisição total de palavras entre os sujeitos (S1, S2 e S3),
e comparação dos totais de preenchimentos consonantais e vocálicos das posições
silábicas – Pré-tônica, Tônica e Pós-tônica – os dados obtidos foram submetidos ao
teste de Lilliefors, para verificar o pressuposto de normalidade e em seguida, ao Teste
de Levene para verificar outro pressuposto, o de homogeneidade das variâncias dos
resíduos, sendo esses pressupostos de parametrização. Quando atendidos os
pressupostos, e por se tratar de comparação de mais de dois grupos, os dados foram
submetidos à análise de variância (ANOVA) e teste de Tukey para comparações
múltiplas (p<0,05). Não sendo atendidos os pressupostos utilizou-se o teste de
Kruskal Wallis e teste Dunn’s para comparações múltiplas (p<0,05).
A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade
Estadual de Ciências da Saúde de Alagoas – UNCISAL, processo de nº 1914, tendo
sido obtida a autorização dos responsáveis pelas crianças, mediante a assinatura do
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
Resultados E Discussão
No que se refere ao aspecto fonológico de S1, constatou-se a realização de
processos fonológicos ainda previstos para sua idade, como a substituição da líquida
não-lateral /ɾ/, embora a criança tenha apresentado êxito na sua realização em algumas
palavras com estrutura CV, demonstrando oscilação na aquisição desse fonema.
Predominaram palavras dissílabas e trissílabas, muito próximas ao padrão da fala
adulta, já evidenciando enunciados com organização morfossintática.
Quanto ao S2 foram observados os processos de anteriorização de fonemas
velares e harmonia consonantal, o que reflete atraso na aquisição fonológica, levandose em conta a idade cronológica da criança. Observa-se desde os primeiros dados a
tendência para anteriorização de alguns segmentos vocálicos /a/ e /o/ → [e] e
consonantais /k/ e /g/ →[t], o que reflete a dependência da aquisição do traço [dorsal]
no nível segmental. S2 produz palavras com mais de três sílabas, porém em menor
quantidade comparada a S1. Já realiza o preenchimento na posição de coda final com
a fricativa coronal /s/ e constrói frases com mais de dois itens lexicais, porém,
ininteligíveis.
Em S3 observou-se palavras truncadas, com ausência de fonemas na sequência
silábica, e construções frasais primárias, predominando substantivos e verbos como
itens lexicais. Essa criança apresentou o menor número de palavras produzidas e
reduzido sistema fonológico, repercutindo em formulações de palavras e frases pouco
elaboradas, o que concorda com a literatura, quando refere menor complexidade e
variedade de palavras, bem como elaboração de enunciados reduzidos em crianças
prematuras. Vale ressaltar que essa criança é a única ainda não inserida em ambiente
escolar e cuja mãe apresenta baixo nível de escolaridade. S3 apresentou também o
maior tempo de internação hospitalar.
71 Estudo longitudinal realizado com crianças pré-termo (D’ODORICO et al.,
2011), entre 12 e 24 meses, utilizando-se também do registro de fala espontânea,
evidenciou a inter-relação entre o desenvolvimento fonológico e o vocabulário,
constatando que o desenvolvimento fonológico está diretamente relacionado com a
aquisição inicial de novas palavras. Outro estudo (CRUNELLE; LE NORMAND e
DELFOSSE, 2003) aponta que o meio sociocultural causa impacto real nos aspectos
linguísticos referentes ao vocabulário e ao número de itens lexicais inseridos no
enunciado, bem como ressalta a importância da escolarização precoce como forma de
intensificar a estimulação ambiental.
Nos dados das três crianças avaliadas constatou-se maior preenchimento
segmental vocálico na sílaba tônica, corroborando estudos que consideram esta sílaba
a base para a organização fonológica na aquisição inicial, de forma que os segmentos
são primeiramente preenchidos nessa posição silábica para só então serem
introduzidos nas demais posições.
A análise estatística referente ao preenchimento segmental consonantal nas
sílabas conforme a posição acentual não evidenciou diferenças significativas intrasujeitos. Observou-se relativa simetria no preenchimento em todas as posições
silábicas
Quanto ao preenchimento da estrutura silábica, S1 apresentou a maior média
de segmentos consonantes preenchidos (14,8) e a segunda maior média de segmentos
vocálicos preenchidos (8,8). Em S2 observa-se a segunda maior média de segmentos
consonantais preenchidos (13,46) e a maior média de segmentos vocálicos (9,26). Já
S3 apresentou a menor média de segmentos vocálicos (8,6) e consonantais (10,46)
preenchidos, o que repercutiu no domínio prosódico e morfossintático de suas
produções.
Conclusão
Observou-se a tendência para o preenchimento segmental com vogal na sílaba
tônica em todas as crianças avaliadas, caracterizando essa sílaba como a
desencadeadora do preenchimento segmental e organizadora das demais posições
silábicas das palavras.
O desempenho no vocabulário não evidenciou disparidade entre os sujeitos
quanto ao número total de palavras, apesar de se constatar diferenças quanto a
complexidade das palavras produzidas e na elaboração das frases, o que demonstrou
certa relação com a expansão segmental.
A produção de palavras inteligíveis esteve relacionada com a expansão do
inventário consonantal e com a manipulação da sequência silábica mediante o
preenchimento com as vogais.
Dentre as três crianças avaliadas, S3 apresentou menor domínio de habilidades
linguísticas, indicando uma possível relação com a falta da escolarização e condições
socioculturais menos favorecedoras, refletindo no desenvolvimento da linguagem.
O atraso na aquisição fonológica detectado em S2 e S3 destaca a relevância do
monitoramento especializado em prematuros, a fim de prevenir e interceptar possíveis
72 alterações de linguagem que possam comprometer a fala e o futuro desempenho de
outras habilidades linguísticas.
PALAVRAS-CHAVE: Aquisição de Linguagem, Fala, Prematuridade.
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74 ENUNCIADOS INACABADOS E O “RUÍDO” NA COMUNICAÇÃO,
CARACTERÍSTICAS MELÓDICAS DO ESPANHOL FALADO POR
BRASILEIROS
Aline Fonseca de Oliveira1, Miguel Mateo-Ruiz 2
Universitat de Barcelona1, Universitat de Barcelona 2
[email protected]; [email protected]
Este trabalho apresenta uma análise contrastiva entre as características
melódicas do espanhol falado por brasileiros e o espanhol peninsular com a finalidade
de descrever o fenómeno entonativo e identificar as especialidades melódicas que os
aprendizes brasileiros necessitam adquirir para ter uma competência linguística plena
em espanhol. Este estudo restringe-se e enfatiza os fenômenos entonativos próprios
dos enunciados suspendidos (166) e neutros (152) emitidos em espanhol por falantes
brasileiros. Para tal foram contrastados dois corpus de enunciados, um deles obtido a
partir de um universo de 511 contornos entonativos (ver: Fonseca de Oliveira, 2013)
emitidos em situações comunicativas genuínas, por um conjunto de 12 informantes
brasileiros nativos, adultos, procedentes de vários estados brasileiros, ou seja, com
diferentes variedades dialetais: recifense, mineira, carioca, baiana, gaúcha, nortista,
sertaneja e paulistana. Todos residentes na Espanha há no mínimo dois anos a época
das gravações, com fluidez em espanhol. Dito corpus foi contrastado com outro, que
fundamentou os estudos sobre as características do espanhol da Espanha e suas
variedades, obtido a partir do trabalho inicial de Cantero e Font-Rotchés (2007) e de
dois amplos corpus de mais de 2500 enunciados emitidos por 770 informantes
(Ballesteros, 2011 e Mateo-Ruiz, 2014).
A referente pesquisa fundamentou-se no Método de Análise Melódica da Fala
(Análisis Melódica del Habla, AMH) desenvolvido por Cantero (2002) que estabelece
a existência de três tipos de entonação:
• Pré linguística, dá coesão ao discurso.
• Linguística, permite distinguir unidades com base na combinação de três
características, /enfática/, /suspendida/ e /interrogativa/.
• Paralinguística, agrega informação de caráter pessoal e expressivo.
Seguindo a metodologia da AMH realizou-se a análise acústica dos enunciados
utilizando o programa de análise e síntese de voz Praat, o que permitiu obter os
valores absolutos das melodias dos enunciados de forma precisa, os quais foram
estandardizados e representados em gráficos. Para a obtenção das curvas melódicas
utilizou-se o protocolo descrito em Cantero e Font-Rotchés (2009), que tem sido
utilizado em numerosos trabalhos sobre a entonação tanto do castelhano, catalão,
como
do
português
brasileiro
(ver
http://www.ub.es/lfa/
e
https://sites.google.com/site/dolorsfontrotches/) e de outras línguas românicas.
Quanto à entonação pré linguística, que engloba as características que
cumprem a função de organizar fonicamente o discurso, através do jogo
sotaque/ritmo/melodia cuja manifestação permite descrever o “sotaque estrangeiro”,
75 os fenómenos mais marcantes encontrados no corpus analisado foram: ausência de
primeiro pico, ausência de declinação, corpos planos com movimentos ondulados ou
em zigue-zague devido à presença de proeminências tonais e massivas ligaduras
internas. Tais características demonstram que a estruturação do discurso no espanhol
falado por brasileiros difere do identificado nos estudos entonativos para o espanhol
peninsular.
Por se tratarem de línguas romances e incontestavelmente parecidas, o
espanhol e o português apresentam poucas diferenças no tocante à entonação
linguística, entretanto, não se pode ignorar que do mesmo modo que ocorre no léxico,
na entonação pode aparecer o fenômeno dos “falsos amigos”, ocasionando “ruído” ,
ou seja, dificuldades comunicativas entre os falantes, como pôde ser observado
através dos resultados obtidos na pesquisa que evidenciaram as características
entonativas dos enunciados neutros e suspendidos produzidos pelos informantes ao
serem contrastados com os padrões entonativos estabelecidos para o espanhol
induzem a interpretações equivocadas por parte dos interlocutores nativos. Com
relação à entonação linguística observou-se o uso de diferentes melodias
(suspendidas, neutras e enfáticas) para a realização de enunciados neutros no discurso.
Nos enunciados suspendidos observou-se também a utilização de padrões melódicos
diversos: suspendidos, enfáticos, neutros e interrogativos, cumprindo a função no
discurso de contornos suspendidos.
Por tal motivo a descrição dos padrões melódicos da entonação linguística da
interlíngua dos brasileiros quando falam em espanhol assim como o detalhamento dos
processos de interferência e/ou transferência que aparecem em dita interlíngua
possibilitam o entendimento e aperfeiçoamento de métodos de ensino do espanhol
como língua estrangeira mais eficazes para os aprendizes brasileiros deste idioma.
Referências
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doutorado. Departamento de Filología Hispánica. Universidade de Barcelona.
http://www.tdx.cat/handle/10803/109963.
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76 Anais do VIII Congresso Internacional ABRALIN. Natal. Ed. Abralin. Associação
Brasileira de Linguística. Brasil
FONSECA DE OLIVEIRA, A. (2013): Caracterización de la entonación del español
hablado por brasileños. Tese de doutorado. Departamento de Didàctica de la Llengua
i la Literatura. Universitat de Barcelona. Espanha
FONSECA DE OLIVEIRA, A. e CANTERO, F. J. (2011): “Características da
entonação do espanhol falado por brasileiros”. Anais do VII Congresso Internacional
da ABRALIN. Curitiba, pp. 84-98
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Spanish: a new melodic pattern”. Anais do VII Congresso Internacional da ABRALIN.
Curitiba, pp. 1111-1125.
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Juana (Ed.). Aproximación a la enseñanza de la pronunciación en el aula de español.
Madrid: Edinumen, pp. 93-132.
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curva estándar”, Phonica, 6, pp. 91-111; www.ub.edu/lfa.
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ascendente del español: aproximación a sus usos pragmáticos”
MATEO-RUIZ, M. (2014): La entonación del español meridional, Tese de
doutorado. Departamento de Didàctica de la Llengua i la Literatura. Universitat de
Barcelona.
77 O EFEITO DO TELEFONE CELULAR NO SINAL DA FALA: UMA ANÁLISE
FONÉTICO-ACÚSTICA COM IMPLICAÇÕES PARA A VERIFICAÇÃO DE
LOCUTOR EM PORTUGUÊS BRASILEIRO
Renata Regina Passetti1, Plínio Almeida Barbosa1
Universidade Estadual de Campinas1
[email protected]; [email protected]
Este trabalho avalia os efeitos causados ao sinal da fala pela transmissão
telefônica de linhas móveis e, com isso, busca compreender quais parâmetros
acústicos da fala são afetados por esse tipo de transmissão. Os principais objetivos
deste estudo foram determinar o grau de modificação fonético-acústica intralocutor
causado pelo filtro de banda do canal telefônico à voz habitual e os efeitos que a
transmissão telefônica exercia sobre as vogais orais do português brasileiro.
A distorção envolvida na transmissão telefônica pode ser manifestada como
resultado de efeitos técnicos, como aqueles introduzidos pela filtragem específica do
canal telefônico, que filtra a energia em uma frequência de banda que varia entre 300
a 3500 Hz, ou seja, toda energia acima e abaixo desses limites de frequência é
atenuada e a informação pode ser severamente comprometida (cf. Rose, 2003). Além
disso, a transmissão telefônica ainda pode ser afetada por fatores ambientais,
relacionados a ruídos presentes no ambiente, pela tecnologia utilizada ou por fatores
relacionados ao falante, que pode adotar determinado comportamento ao falar ao
telefone que resultaria em uma alteração de estilo, a chamada “voz telefônica”. Ao
analisar a influência das transmissões telefônicas de linha fixa sobre os formantes de
vogais do alemão padrão, Künzel (2001) descobriu alterações significativas nos
valores de F1 entre os dois contextos de análise (gravações diretas e telefônicas) para
todas as vogais estudadas, com valores maiores para as gravações telefônicas.
Seguindo o trabalho deste autor, Byrne e Foulkes (2004) analisaram os efeitos da
transmissão de linhas móveis na frequência dos três primeiros formantes. Os
resultados encontrados seguiram, em parte, as descobertas de Künzel, porém com
alterações maiores nos valores de F1 para as gravações via celular, diferença que os
autores atribuíram às características do tipo de linha, neste caso, móvel ao invés de
fixa, e a diferenças da distância física entre a boca e o receptor telefônico. Além disso,
modificações nas frequências de F3 também foram atestadas para indivíduos que
apresentavam valores maiores para este formante. Com base nos estudos
desenvolvidos acerca da verificação de locutor envolvendo o efeito da transmissão
telefônica ao sinal da fala, esta pesquisa estudou os efeitos da transmissão de linhas
móveis em amostras de fala do português brasileiro.
O corpus constitui-se de gravações de 10 locutores do sexo masculino,
realizadas de forma simultânea nas condições direta e via celular. Enquanto os
locutores falavam com a pesquisadora pelo celular e esta os gravava por meio de uma
placa de som que funcionava como um dispositivo de interceptação telefônica, eles
também eram gravados diretamente, pelo posicionamento de um microfone em frente
a eles. Esse procedimento garantiu que o material de análise possuísse exatamente o
78 mesmo conteúdo, mas qualidades acústicas distintas, o que permitiu que avaliássemos
apenas a interferência da transmissão telefônica no sinal da fala.
As vogais orais do português brasileiro foram transcritas e segmentadas e o
script ForensicDataTrecking (Barbosa, 2013) foi utilizado para extração automática
das seguintes classes de parâmetros: frequência dos três primeiros formantes (F1, F2 e
F3), frequência fundamental (F0), ênfase espectral, frequência de base da fundamental
(baseline) e duração interpicos de F0 presentes no discurso. As análises conduzidas
consideraram o efeito da transmissão telefônica sobre as vogais orais do português
brasileiro, sobre os locutores e, por fim, de modo a reunir os achados das duas
análises anteriores, analisamos o efeito da transmissão telefônica no espaço vocálico
dos locutores. As análises foram validadas estatisticamente pela condução de um teste
t de variáveis dependentes, com nível de significância de 5%, que tinha como objetivo
analisar as diferenças intralocutor entre os dois contextos de análise e de uma análise
de variância de um fator com o objetivo de investigar se, para cada parâmetro
analisado, as diferenças entre os valores de cada tipo de gravação diferiam
significativamente entre os sujeitos. Para identificar quais sujeitos diferiam entre si e
melhor compreender o efeito telefônico sobre os sujeitos, foi realizado o teste posthoc TUKEY HSD para os parâmetros acústicos nos quais a ANOVA apontou alguma
diferença significativa.
Os resultados deste estudo revelaram que a transmissão telefônica agiu de
forma a aumentar artificialmente os valores de frequência do primeiro formante para
todas as vogais orais. Esse aumento foi, em média, 14% na condição telefônica. Em
relação às frequências do segundo formante, a transmissão telefônica agiu de forma a
aumentar frequências de vogais com baixos valores de F2, como as vogais
posteriores, e a diminuir as frequências de vogais com altos valores de F2, como as
vogais anteriores. Em relação às frequências de F3, de modo geral, a transmissão
telefônica provocou uma diminuição nos valores deste formante de,
aproximadamente, 12%.
Os parâmetros valor de base da fundamental (baseline) – que representa uma
posição neutra de frequências de vibrações para a qual as pregas vocais retornariam
após excursões prosódicas, sendo considerada uma medida robusta diante de uma
série de fontes de variação (cf. Lindh e Eriksson, 2007) – e a duração interpicos de F0
– que apresenta importantes relatos do modo como o falante organiza a informação no
enunciado, no que diz respeito à entoação – mostraram-se robustos aos efeitos da
transmissão telefônica e não revelaram alterações estatisticamente significativas entre
os dois pares de amostras analisados para todos os locutores.
A análise do efeito telefônico no espaço vocálico dos locutores reuniu os
resultados das análises anteriores. De modo geral, observou-se um abaixamento
global do espaço vocálico na condição telefônica, como resultado do aumento nas
frequências de F1. Em relação às frequências de F2, a diminuição dos valores deste
formante para vogais anteriores e o aumento para as vogais posteriores comprimiu o
espaço vocálico da maioria dos sujeitos. As modificações nas disposições das vogais
podem ter consequências do ponto de vista perceptual, uma vez que o abaixamento e
a centralização do espaço vocálico fizeram com que determinadas vogais se situassem
79 proximamente à posição original de outras vogais, o que pode resultar em percebê-las
com qualidades vocálicas distintas.
Referências
BARBOSA, P. A. ForensicDataTracking. 2013.
BYRNE, C.; FOULKES, P. The ‘Mobile Phone Effect’ on Vowel Formants. The
International Journal of Speech, Language and the Law – Equinox Publishing, v. 17,
n.1, p.83-102, 2004.
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transmission on the measurement of formant frequencies. In: Forensic Linguistics,
v.8, n.1, p.80-99, 2001.
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p. 2025-2028, 2007.
ROSE, P. Effect of telephone transmition. In: SELBY H. & FRECKELTON I. (eds.),
Expert Evidence. Sydney: Thomson Lawbook Company, 2003.
80 A ENTOAÇÃO DE ENUNCIADOS IMPERATIVOS DECLARATIVOS
NO PROCESSO DE ENSINO-APRENDIZAGEM EM ELE
Maristela da Silva Pinto1, Jéssica Mendonça Bastos1
1
Departamento de Letras, UFRRJ
[email protected]; [email protected]
Pretendemos com este trabalho descrever fonética e analisar fonologicamente
a entoação de enunciados imperativos declarativos não neutros (pedido) em
Português do Brasil, língua materna (PB/LM), fala carioca; em Espanhol, língua
materna (E/LM), nas variedades de Castela; do México e Centroamérica; e do Caribe;
e em Espanhol como língua estrangeira (ELE).
Para tanto, (i) comparamos os contornos entonacionais de enunciados
imperativos declarativos não neutros (pedido) em PB/LM, fala carioca e em E/LM,
nas três variedades estudadas, (ii) descrevemos como os aprendizes de ELE
implementam a F0, a duração e o acento tonal nuclear desses enunciados em dois
momentos distintos de coleta. Desse modo, verificamos se esses aprendizes, após
tomarem consciência de sua produção e de serem expostos a uma sistematização - a
partir de um trabalho de descrição, percepção, repetição mimética e produção calcada
na atenção – continuam a transferir o sistema prosódico de sua LM para a Língua
Alvo (LA), conforme já comprovado por Pinto (2009), ou passam a neutralizar essa
transferência.
Compete destacar que a entoação é imprescindível para transmitir mensagens
de maneira adequada, visto que contribui de maneira fundamental para estabelecer o
significado dos enunciados (Olivé, 2004). No entanto, não é um elemento linguístico
fácil e rápido de adquirir.
Segundo McLaughlin (1987), é comum o aprendiz de LE fazer transferências
da LM quando os conhecimentos da LE não são suficientes para produzir enunciados.
Por conta dessa insuficiência, ao aprender uma língua estrangeira (LE), o aprendiz
carrega o acento estrangeiro e reproduz alguns aspectos fonéticos característicos de
sua língua materna. Pinto (2009), já evidenciou a ocorrência da transferência
prosódica nas modalidades assertiva e interrogativa total no par linguístico portuguêsespanhol.
Nesse contexto, torna-se importante refletirmos acerca dos processos de
aquisição e aprendizagem de línguas estrangeiras, a fim de atenuar as dificuldades
encontradas pelos aprendizes.
Na presente pesquisa, pretendemos verificar se tal transferência se mantém
quando há um ensino sistematizado da entoação, pautado em uma tomada de
consciência dessa transferência, na descrição dos contornos esperados, na percepção,
na repetição mimética dos enunciados e, por fim, em uma produção oral calcada na
atenção.
A fim de verificar se a metodologia por nós proposta é capaz de minimizar a
transferência prosódica da LM para a LE, comparamos os contornos entonativos de
81 enunciados imperativos declarativos não neutros (pedido) nas variedades linguísticas
mencionadas anteriormente.
Nas análises feitas ao longo da pesquisa, levamos em consideração as
propostas de Moraes (2008) para o PB/LM, fala carioca e as de Prieto e Roseano
(2010) para as três variedades do E/LM. Cabe ressaltar que obtivemos os contornos
através do programa computacional PRAAT.
Para a análise fonética do núcleo, descrevemos o comportamento da F0 e da
duração. Na análise fonológica, seguimos o modelo Métrico Autossegmental (AM),
proposto por Pierrehumbert (1980) e Ladd (2008) e o modelo Sp_ToBI (Estebas &
Prieto 2008).
Nosso corpus consiste em um total de 12 enunciados imperativos declarativos
não neutros (pedido), fala atuada, lido por 3 informantes mulheres. Desse modo,
analisamos 3 enunciados em PB/LM, fala carioca; 3 em E/LE, antes da
sistematização; 3 em E/LE, depois da sistematização; 3 em E/LM, um para cada uma
das variedades estudadas.
Os enunciados em PB/LM e ELE, antes e depois da sistematização, foram
produzidos por cariocas, do sexo feminino, adultas, entre 18 e 24 anos, estudantes do
curso de Letras – Português/Espanhol da UFRRJ. Já os enunciados em E/LM foram
extraídos do Atlas Interactivo de la Entonación del Español, de Estevas & Roseano
(2009-2010).
Cabe dizer que o número de informantes reduziu da primeira para a segunda
gravação, pois algumas informantes, infelizmente, desistiram do curso, e como se
trata de um estudo comparativo do antes e do depois da sistematização, tivemos de
trabalhar com um quantitativo menor do que o planejado a priori. Além disso, todas
as informantes são do sexo feminino, pois não havia, na turma pesquisada, nenhum
informante do sexo masculino.
Neste estudo dos enunciados imperativos declarativos não neutros (pedido),
observamos que, antes da sistematização (primeira gravação), as informantes
produziam o contorno entonativo em E/LE, em todas as variedades analisadas, como
em PB/LM, fala carioca, sua língua materna, ou seja, com uma subida da pretônica
para a tônica, seguida de uma queda da tônica para a postônica com alinhamento
antecipado (L+ >H*L%), conforme se vê nas figuras 1 e 2.
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0 Preencham este formulário. h
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5 en Pr
e e e cham a es e te for e o mu u lá á ri
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o L+>H* L% 0 Time (s) 1.618 Figura 1: Contorno circunflexo com alinhamento antecipado (L+>H*L%),
no enunciado “Preencham este formulário.”, PB/LM, fala carioca.
82 )
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Rellene este formulario
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L+>H*L% L%
1.8 Time (s)
Figura 2: Contorno circunflexo com alinhamento antecipado
(L+>H*L%), no enunciado “Rellene este formulario.”, E/LE, todas as variedades,
antes da sistematização.
Após a sistematização (segunda gravação), todas as informantes passaram a
produzir o contorno entonativo esperado na variedade da LA.
A informante que treinou a variedade de Castela passou a produzir o contorno
entonativo descendente conforme esperado na LA, ou seja, uma queda da pré-tônica
para tônica seguida de uma nova queda para a pós-tônica (H+L*L%), conforme se vê
nas figuras 3 e 4.
Figura 3: Contorno descendente (H+L*L%), no enunciado “Rellene este
formulario.”, E/LM, variedade de Castela.
)
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0 7
5 Rellene este formulário.
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a rio
a H+L* L% L% 0 Time (s) io
o 1.54
9 Figura 4: Contorno descendente (H+L*L%), no enunciado “Rellene este
formulario.”, ELE, variedade de Castela.
83 A informante que treinou a variedade do México e Centroamérica passou a
produzir o contorno entonativo circunflexo na postônica conforme esperado na LA,
ou seja, uma subida da pré-tônica para tônica, seguido de uma nova subida da tônica
para a postônica, com uma queda na própria postônica (L+H*HL%), conforme se vê
nas figuras 5 e 6.
Figura 5: Contorno circunflexo na postônica (L+H*HL%), no enunciado iAy,ya!
Vamos al cine, no seas payaso.”, E/LM, variedade de México e Centroamérica.
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o L+H* HL%
0 Time postônica
circunflexo(s)na
1.2
85 Figura 6: Contorno
(L+H*HL%), no enunciado
“Rellene este formulario.”, E/LE, na variedade do México e Centroamérica.
A informante que treinou a variedade do Caribe passou a produzir o contorno
entonativo ascendente médio conforme esperado na LA, ou seja, uma leve subida da
tônica para postônica, (L*M%), conforme se vê nas figuras 7 e 8.
84 Figura 7: Contorno ascendente médio (L*M%), no enunciado “Completen por
favor este formulario.”, E/LM, variedade do Caribe.
50
0
Rellene este formulario. 40
0
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0
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1.551
Figura 8: Contorno ascendente médio (L*M%), no enunciado “Rellene este
formulario.”, ELE, na variedade do Caribe.
Com base neste estudo, verificamos que nossa proposta metodológica é eficaz
e aplicável, pois constatamos que com um estudo sistematizado da entoação, a
transferência prosódica pode ser minimizada. Em outras palavras, o aprendiz, quando
toma consciência da transferência e passa a ser exposto a uma formalização das
questões da entoação, ou seja, a uma descrição das curvas, percepção dessas, passa
por um treinamento exaustivo (repetição mimética) e a uma produção atenta e
consciente, deixa de produzir a entoação de sua LM, passando a produzi-la, de forma
mais próxima, a da língua alvo.
Cabe ressaltar que estamos aplicando esta metodologia também para
enunciados espontâneos com os mesmos informantes, a fim de verificar se esta é
eficaz apenas no estilo lido ou também no espontâneo.
A partir disto, esperamos ter contribuído para a inserção do ensino de entoação
na formação de professores de LE e para a elaboração de futuras propostas didáticas
de desenvolvimento da competência prosódica.
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85 ESTEBAS VILAPLANA, Eva & PRIETO, Pilar. 2008. La notación prosódica del
español: una revisión del Sp_ToBI. In: Estudios de fonética experimental XVII.
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86 A IMPORTÂNCIA DO ESTUDO DAS ATITUDES PARA A IDENTIFICAÇÃO
DAS FORMAS ILOCUCIONÁRIAS
Bruno Rocha1, Tommaso Raso2
Universidade Federal de Minas Gerais1, Universidade Federal de Minas Gerais 2
[email protected]; [email protected]
Introdução
Este trabalho tem os objetivos de: a. contribuir para o desenvolvimento de
uma metodologia empírica e experimental para a descrição das ilocuções presentes na
fala espontânea, considerando as interações no plano prosódico entre as categorias de
ilocução e atitude; b. aplicar a metodologia para a descrição da ilocução de Ordem no
Português Brasileiro, a partir de dados do corpus C-ORAL-BRASIL (RASO;
MELLO, 2012). O trabalho baseia-se na Language into Act Theory (CRESTI, 2000;
CRESTI; MONEGLIA, 2005; RAS0, 2012; MONEGLIA; RASO, 2014), que define a
ilocução como a ação realizada pelo falante sobre seu interlocutor por meio de um
enunciado. O enunciado, por sua vez, é a menor unidade linguística dotada de
autonomia pragmática e prosódica, ou seja, um ato de fala (AUSTIN, 1962). A atitude
é definida por Mello e Raso (2011) como o modo pelo qual uma ilocução é realizada
(irritada, cortês, sedutora, etc).
Cada ilocução está associada a um conjunto de parâmetros prosódicos,
chamado de forma prosódica, e de parâmetros pragmático-cognitivos (CRESTI, 2000;
MONEGLIA, 2011). A importância dos parâmetros pragmático-cognitivos para a
produção e para o reconhecimento das ilocuções na comunicação deve-se ao fato que
há mais ilocuções do que formas entonacionais. Em outras palavras, há grupos de
duas ou mais ilocuções que compartilham a mesma forma prosódica.
A metodologia originalmente proposta por Firenzuoli (2003) e Moneglia
(2011) e já aplicada em dados do PB por Rocha (2013) pode ser resumida nos
seguintes passos: i. identificação de ilocuções em corpus; ii. descrição pragmáticocognitiva das ilocuções; iii. criação de cenas fictícias que eliciam a ilocução estudada
a partir de sua descrição pragmático-cognitiva; iv. substituição do perfil obtido na
cena de uma ilocução pelo perfil obtido na cena de outra ilocução, para verificar a
exclusividade dos perfis; v. descrição da forma prosódica da ilocução. Essa
formulação não contempla a questão da atitude. No presente estudo, foi aplicada uma
versão alternativa dessa metodologia voltada não tanto para a comparação da forma
prosódica de ilocuções diferentes, mas, sobretudo, para a variação de uma forma
prosódica em função de atitudes diferentes.
1. Metodologia
Primeiramente, foi feita uma busca por enunciados com a ilocução de Ordem
nos textos da seção informal do corpus C-ORAL-BRASIL. Esses enunciados foram
87 classificados com base na atitude e foi selecionado um grupo de 4 atitudes para ser
objeto da pesquisa (urgência, irritação, cortesia e uma atitude classificada como
atitude de referência). Foram registrados, em vídeo, quatro cenas fictícias que eliciam
a ilocução de Ordem com cada uma das atitudes estudadas. O perfil prosódico das
Ordens eliciadas nos vídeos foi comparado aos perfis encontrados em corpora. Em
seguida, foi feito um teste preliminar de percepção em que o perfil eliciado em uma
cena foi substituído pelos perfis eliciados em outras cenas e os sujeitos deveriam
julgar a adequação da substituição. Por fim, foi construído um modelo da forma
prosódica da Ordem, a partir do perfil eliciado em vídeo com a atitude de referência,
evidenciando as variações prosódicas possíveis em função da alternância das atitudes
estudadas.
2. Resultados
A análise dos exemplos e os experimentos realizados até o momento indicam que a
forma prosódica da ilocução de Ordem pode apresentar variação significativa em
função da atitude com que é realizado. A Ordem com atitude de referência
caracteriza-se por uma configuração ascendente-descendente de f0, com a porção
ascendente alinhada ao início de uma das primeiras tônicas do núcleo do Comentário
e a porção descendente nas sílabas subsequentes, podendo haver uma coda nas
últimas sílabas da unidade. A Ordem com cortesia apresenta uma configuração
ascendente-descendente de f0, com alinhamento semelhante ao da atitude de
referência, seguida por outra configuração ascendente-descendente, sempre ao final
da unidade e com range inferior de f0 com relação à anterior. Para essa atitude, em
particular, uma série de experimentos foi capaz de mostrar que a atitude deve-se
sobretudo à configuração ascendente-descendente final. A Ordem com urgência
diferencia-se da atitude de referência por possuir range de f0 mais baixo que a atitude
de referência e taxa de elocução mais elevada que a mesma. A Ordem com irritação
possui range de f0 e taxa de elocução mais elevados que a atitude de referência, mas
também relaciona-se a uma maior intensidade e mudança da qualidade de voz.
Nos testes de substituição entre os perfis obtidos nas cenas com atitudes
diferentes, os sujeitos indicaram que, em alguns casos, a substituição não é aceitável.
Em outras palavras, a cena projetada para a Ordem com uma atitude específica pode
ser incompatível com a Ordem com outra atitude. Esse resultado é importante do
ponto de vista metodológico, pois evidencia que nem toda incompatibilidade entre
perfis prosódicos deve-se a uma diferença de tipo ilocucionário. Por esse motivo, se o
teste de substituição for aplicado em perfis com ilocuções diferentes, deve-se
assegurar que essas ilocuções sejam realizadas com as mesmas atitudes. Dessa forma,
o pesquisador não corre o risco de que a incompatibilidade entre os perfis testados
deva-se a uma incompatibilidade atitudinal.
88 3. Conclusão
Este trabalho mostra que, para se estudar a forma prosódica de uma ilocução, é
necessário considerar as interações no plano prosódico entre as categorias de ilocução
e atitude. Em face disso, foram propostos ajustes na metodologia para discriminar as
propriedades prosódicas ilocucionárias daquelas atitudinais. Por fim, propomos que a
descrição da forma prosódica de uma ilocução compreenda o espectro de variação
prosódica em função de diferentes atitudes.
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89 ANÁLISE PROSÓDICA DE ENUNCIADOS INTERROGATIVOS DO RIO DE
JANEIRO
Priscila Francisca dos Santos
Universidade Federal do Rio de Janeiro
[email protected]
Os fenômenos relativos à variação da entoação como marca regional tem sido
estudados em diversas línguas o que traz uma importante contribuição para o
conhecimento da estrutura e tipologia entoacionais (cf. Sosa 1999, para o Espanhol;
Grabe 2004, para o Inglês Britânico; entre outros). Por outro lado, no que se refere ao
Português do Brasil, os estudos de prosódia e entoação na perspectiva da variação são
incipientes, ainda que existam teses e dissertações recentes defendidas na área (Lira
2009, Nunes 2011, Silva 2011, Silvestre 2012). Diante desse panorama, este trabalho
pretende fornecer uma descrição da entoação de enunciados interrogativos do tipo
questão total em três municípios do Estado do Rio de Janeiro: Niterói, Arraial do
Cabo e Campos dos Goytacazes. As mencionadas cidades foram escolhidas pelo fato
de pertencerem a três diferentes regiões do Estado, são elas: Região Metropolitana,
Região das Baixadas Litorâneas e Região Norte Fluminense e pela possibilidade de
representarem três diferentes padrões entoacionais para a fala interiorana devido à
posição geográfica que ocupam.
Com o objetivo de conhecer as realizações fonéticas das interrogativas do tipo
questão total do Rio de Janeiro, fez-se, nas localidades já mencionadas, uma descrição
melódica dos 96 dados selecionados do corpus do projeto ALiB que esboçam esse
tipo de modalidade. Foram ouvidos quatro informantes por localidade, distribuídos
equitativamente por duas faixas etárias - 18 a 30 anos e 50 a 65 anos.
No que concerne às características melódicas dos enunciados interrogativos do
português brasileiro, Moraes (2006) caracteriza o acento pré-nuclear por uma subida
melódica na primeira sílaba tônica, situada em nível médio, mais alta do que a
presente nas assertivas. Esse comportamento é representado pela seguinte notação:
/L+H*/. Já o acento nuclear seria representado por uma pretônica final em nível baixo
e um pico alinhado à direita da tônica final, seguido de um nível baixo sob a
postônica. Esse padrão é representado através de /L+<H*L%/.
Para elucidar o âmbito sobre o qual se debruça a análise entoacional, utilizouse a teoria da Hierarquia Prosódica, na linha do que propõem Nespor &Vogel (1986).
Já para proceder à análise da estrutura entoacional dos enunciados (da variação da F0
em termos de eventos tonais), foram utilizadas as abordagens feitas pela teoria AM da
Fonologia Entoacional, postuladas por Pierrehumbert (1980), Ladd (1996, 2008),
entre outros.
A conjugação dos modelos acima citados é feita, para o Português, em
trabalhos como de Frota (2000, 2002, 2003), Frota & Vigário (2000), Tenani (2002),
Viana & Frota (2007), Fernandes (2007), Serra (2009) e Cruz & Frota (2011).
90 Vale ressaltar que, embora o corpus não seja sintaticamente controlado, a escolha dos
enunciados para fins de comparação entre dialetos não foi feita de maneira aleatória.
Os dados analisados devem obedecer aos seguintes critérios: a) constituir um único
sintagma entoacional (I), de acordo com a hierarquia prosódica apresentada em
Nespor e Vogel (1994) ; b) possuir pronúncia neutra, isto é, ausente de manifestações
emocionais ou atitudinais; e c) possuir uma qualidade sonora adequada para a
segmentação silábica e medição dos valores da Frequência Fundamental. Além disso,
a fim de homogeneizar o padrão acentual e facilitar a observação das marcas regionais
apresentadas por meio da variação da F0, foram selecionados os dados que continham
o acento na penúltima sílaba do enunciado, ou seja, os enunciados terminados com
palavras paroxítonas. Essa escolha é relevante, uma vez que possibilita a observação
do comportamento da frequência fundamental nas sílabas átonas adjacentes à última
tônica de I.
Para segmentar e medir os valores da F0 nas sílabas,utilizou-se o programa
computacional PRAAT e a interpretação dos dados teve por suporte teóricometodológico o modelo autossegmental e métrico, na linha do que propõem
Pierrehumbert (1980) e Ladd (2008).
Em relação aos resultados, pode-se afirmar que o acento pré-nuclear
apresentou, na maior parte dos enunciados analisados, as mesmas características
melódicas: uma proeminência inicial recaída na sílaba tônica, constituindo uma
configuração circunflexa. Com base nisso, adotou-se a notação / L+H*/ já utilizada
por Moraes (2006) em seu estudo.Vale lembrar que a referida subida se situa em um
nível médio em relação à subida presente no acento pré-nuclear das frases assertivas.
No que concerne ao acento nuclear, encontrou- se, em todos os casos, uma
configuração circunflexa formada por um pico alinhado à direita da última tônica e
frequências mais baixas associadas às átonas adjacentes. O referido padrão era o
esperado, uma vez que essa subida fonológica é de fato o que imprime a força
ilocutória da questão total “fazendo com que a frase seja entendida como uma
pergunta, especialmente, em línguas que não tenham outros recursos morfossintáticos
para sinalizá-la (Silva, 2011,p.114).” Para representar esse comportamento, foi
adotada a notação /L+H*L%/, já proposta por Moraes (2006) para o mesmo padrão
melódico.
Diante dos resultados, torna-se possível aventar a hipótese de que o padrão
presente na capital do Rio de janeiro será, em boa parte, reiterado em seus municípios
interioranos.
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93 AQUISIÇÃO PROSÓDICA EM CRIANÇAS COM HISTÓRICO DE
PREMATURIDADE
Daniela Monique Tavares Dos Santos¹, Julio Cesar Cavalcanti de Oliveira2,
Luzia Miscow Da Cruz Payão3
Universidade Estadual de Ciências da Saúde de Alagoas123
[email protected]¹, [email protected]²,
[email protected]
Introdução
Na aquisição de linguagem a prosódia possibilita à criança tornar-se
participante no diálogo, ela é percebida por parâmetros de frequência fundamental,
pitch, intensidade e duração, que se relacionam com o acento, ritmo e entonação.
Essas pistas acústicas favorecem a saliência perceptual das palavras na fase inicial da
aquisição. De acordo com Nespor e Vogel existem sete unidades prosódicas, dispostas
de forma hierárquica, constituídas pelo enunciado, frase entonacional, a frase
fonológica, o grupo clítico, palavra fonológica, pé métrico e a sílaba. Na fala do
adulto a criança percebe a unidade mais saliente no enunciado e a partir dessa sílaba
acentuada segmentada ocorre o preenchimento da cadeia sonora das sílabas vizinhas,
a fim de completar-se o pé métrico visando à palavra-alvo. Nos últimos anos, muitos
autores têm pesquisado sobre a aquisição de linguagem em crianças pré-termo, que
são aquelas que nasceram com idade gestacional inferior a 37 semanas. Essas crianças
alcançam o desenvolvimento de linguagem, porém de forma defasada, dependendo
das condições perinatais que envolvem seu nascimento e meio sociocultural. Os
estudos constatam que os prematuros de nível socioeconômico menos favorável
apresentam maiores riscos de defasagem nas habilidades de linguagem comparados às
crianças inseridas em ambientes estimuladores (RIBEIRO et.al., 2011).
Objetivo
O estudo teve como objetivo analisar a organização prosódica e segmental
inicial da aquisição fonológica de duas crianças pré-termo entre 12 e 25 meses de
idade (1;3.27 a 2;1.4), quanto às unidades prosódicas menores: a sílaba, o pé métrico
e as palavras inicialmente produzidas.
Metodologia
Realizou-se anamnese com os responsáveis com a finalidade de se obter os
dados referentes ao período pós-alta hospitalar, as informações socioeconômicas,
culturais e aspectos do desenvolvimento de linguagem e assinatura do Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). As crianças foram submetidas à
avaliação médica e auditiva, com médico pediatra e fonoaudióloga, assegurando a
exclusão de problemas neurológicos e/ou auditivos que pudessem acarretar alterações
previsíveis nos aspectos de linguagem e no desenvolvimento cognitivo. S1 iniciou a
coleta na idade cronológica de 1;3.27 e concluiu com 1;11.25. S2 iniciou a coleta com
94 a idade cronológica de 1;6.16 e concluiu com 2;1.4. Os dados de fala espontânea
foram motivados a partir de situações lúdicas e comunicativas durante a manipulação
de brinquedos adequados para a sua faixa etária, explorados com os pais presentes nas
avaliações. As palavras foram transcritas com o Alfabeto Fonético Internacional,
discriminadas e computadas em tabelas, indicando-se a idade correspondente e
classificando-as quanto ao número de sílabas e a acentuação, incluindo-se a
tonicidade das sílabas constituintes (tônica, pré-tônica e pós-tônica). Computou-se o
inventário segmental (consonantal e vocálico) das sílabas identificadas nas palavras.
O período de coleta transcorreu por seis meses, com intervalo, aproximadamente, de
trinta dias, com duração de trinta minutos de gravação a cada avaliação. Utilizou-se o
teste t student para comparação da aquisição total de palavras entre os sujeitos, e
análise de variância (ANOVA) e teste de Tukey para comparações múltiplas das
médias dos totais de preenchimentos consonantais e vocálicos das posições silábicas
com p< 0,05.
Resultados e discussão
As crianças que participaram da pesquisa permaneceram internadas por mais
de três semanas, ambas apresentaram baixo peso, sendo S1 classificada como muito
baixo peso. Autores indicam que nos primeiros dois anos de vida os fatores perinatais
e neonatais são mais significativos. Quando comparado o número total de palavras,
não houve diferença estatística entre as crianças. As produções se caracterizaram por
enunciados de uma só palavra e, posteriormente, foram realizados grupos clíticos,
constituídos da produção da palavra de conteúdo acompanhada de um artigo. Esses
dados corroboram com pesquisa realizada com crianças nascidas pré-termo, que
produziram também enunciados mais curtos e apresentaram atraso no
desenvolvimento sintático e gramatical. Quanto ao componente fonológico, em
relação aos segmentos consonantais de acordo com a posição acentual ao nível das
palavras, não foi encontrada diferença estatística nos preenchimentos consonantais
entre as sílabas para os dados de S1 e S2. Estudos mostram que as crianças de
aquisição típica tendem a estruturar, inicialmente, padrão iâmbico das palavras, ou
seja, preenchendo preferencialmente a tônica e a pretônica Os dados de S2 mostram
que a criança mantém uma oscilação para a estruturação do pé-métrico, evidenciando
que ainda está no período inicial de aquisição. Pesquisa evidenciou crianças em
aquisição típica, na mesma faixa etária, já estruturando padrão trocaico, com
preenchimento silábico mais semelhante ao alvo (PAYÃO 2012). Essa defasagem em
prematuros, quanto ao preenchimento da sílaba, pode ser explicada pelo atraso na
maturação dos sons da fala (RAGÓ et. al., 2014). Os esboços de palavras das crianças
originados de sílabas proeminentes, foram constituídos apenas por vogais nucleares
ou com alguns fonemas consonantais como /p/, /t/, /m/ e /n/, ou seja, segmentos que
permeiam o estado zero de complexidade (BRATICELI; MOTA, 2013). Foi
encontrada diferença estatística quanto ao preenchimento segmental vocálico nos
dados das crianças. A produção das crianças concentra-se mais na realização de
vogais – núcleos silábicos –, que são os segmentos de maior sonoridade numa sílaba.
95 Estudo mostrou que informações carregadas por vogais foram melhor reconhecidas
por recém-nascidos que as informações carregadas por consoantes.
Conclusão
O presente estudo mostra que o Sujeito 2 apresenta defasagem maior, mesmo
quando sua idade cronológica é corrigida. Além do reduzido número de segmentos e
atraso no preenchimento das posições silábicas, S2 mantém a tendência em estruturar
padrão iâmbico no pé métrico. Os fatores neonatais e perinatais junto aos fatores
socioambientais foram relevantes, considerando o número reduzido de palavras e de
segmentos consonantais manipulados na sequência sílaba. Esses aspectos linguísticos
quanto à aquisição lexical e a organização prosódica e segmental repercutiram,
consequentemente, nas produções limitadas dos enunciados das crianças prematuras
deste estudo. Sugere-se, de acordo com as pesquisas observacionais, a importância de
estudos follow-up em aquisição de linguagem em crianças prematuras, com a
finalidade de prevenir e interceptar possíveis distúrbios nessa área.
Referências
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97 ANÁLISE DA ENTOAÇÃO DE DECLARATIVAS EM ESPANHOL,
PORTUGUÊS BRASILEIRO E ESPANHOL/LE COM PENTATRAINER2
Cristiane Silva1, Plínio Barbosa2
1
Instituto de Estudos da Linguagem, Universidade Estadual de Campinas
[email protected]; [email protected]
As principais funções da entoação estão relacionadas com as noções de
proeminência, agrupamento e discurso (BOTINIS et al. 2001). Neste estudo,
analisamos duas dessas funções: a função de proeminência e fronteira. Para isso,
utilizamos o modelo PENTA (XU e WANG, 2001; XU, 2005) e a técnica de análise
por síntese proposta pelos mesmos autores. Este estudo consiste na aplicação da
ferramenta automática PENTAtrainer2 (PROM-ON et al. 2009; XU e PROM-ON,
2014) para a análise da entoação de declarativas em espanhol língua estrangeira
falado por brasileiros (espanhol/LE), espanhol língua materna (espanhol/LM) e
português brasileiro língua materna (PB/LM). O modelo PENTA pressupõe que os
padrões gerais de F0 estão associados com as funções comunicativas e são específicos
para cada língua. Por essa razão, o objetivo deste estudo foi, inicialmente, analisar os
padrões gerais de F0 associados com as funções comunicativas de proeminência e de
fronteira tanto em espanhol como em PB. Em seguida, esses padrões foram
comparados com os encontrados para o espanhol/LE. O corpus é formado por
produções paralelas em três estilos de fala: leitura de frases isoladas, leitura das
mesmas frases em contexto, ou seja, inseridas em um texto e, finalmente, a narração
da história lida. Participaram do experimento dez brasileiros (cinco mulheres e cinco
homens) que produziram dados em PB/LM e espanhol/LE e cinco espanhóis (três
mulheres e dois homens). Foram analisados os dois parâmetros fundamentais do
modelo PENTA, a altura do alvo (b) e inclinação do alvo (m), para as duas funções
comunicativas. No estilo de leitura (frases isoladas e no texto), a análise demonstrou
que nas palavras fonológicas proeminentes das declarativas em fronteira não terminal
em espanhol/LM, PB e espanhol/LE as inclinações do alvo foram positivas para a
maioria dos sujeitos. Além disso, em muitos casos essa inclinação positiva estava
combinada com altura de alvo também positiva. Isso significa que o componente
subjacente principal dos contornos de F0 ao longo das palavras fonológicas
proeminentes em leitura em espanhol/LM, PB e espanhol/LE é ascendente. Na
narração da história lida, há maior variabilidade, em espanhol, os três homens
apresentaram valores negativos para a inclinação do alvo enquanto as duas mulheres
valores positivos. Em PB e espanhol/LE apenas dois informantes dos oito analisados
tiveram valores negativos para a inclinação. Os demais tiveram valores positivos.
Apesar da variabilidade, o contorno subjacente ascendente foi o traço mais comum
das palavras fonológicas proeminentes que não estão em fronteira terminal tanto em
PB como em espanhol/LM como espanhol/LE. Já as palavras fonológicas
proeminentes em fronteira terminal das declarativas em leitura (frases e texto)
apresentaram quase sempre inclinação e altura do alvo negativas. Isso indica que o
componente subjacente principal dos contornos de F0 em fronteira terminal das
98 declarativas lidas é descendente em espanhol/LM, PB/LM e espanhol/LE. Na
narração da história, novamente, há maior variabilidade. Em espanhol, os cinco
informantes tiveram inclinação do alvo positiva combinada com altura do alvo
negativa. O efeito dessa combinação, como assinala Barbosa (in press) é a atenuação
da taxa de descida do contorno terminal. Esse mesmo resultado foi observado em
apenas dois falantes de PB e um falante de E/LE. Os demais informantes
apresentaram quase sempre inclinação e altura do alvo negativos o que indica que o
componente subjacente principal dos contornos de F0 em fronteira terminal nas
narrações é descendente em espanhol/LM, PB e espanhol/LE, porém mais atenuado
em espanhol/LM. Na etapa seguinte do estudo, será discutida de forma mais
aprofundada a questão da variabilidade e em que medida os parâmetros do modelo
são capazes de explicar os padrões gerais de F0 associados com as funções
comunicativas de proeminência e fronteira em espanhol/LE.
Referências
BARBOSA, P. A. Intonation modeling in cross-linguistic research. Benjamins. No
prelo.
BOTINIS, A. et al. Developments and paradigms in intonation research. Speech
Communication, vol. 33, p. 263-296, 2001.
PROM-ON, S.; XU, Y. THIPAKORN, B. Modeling tone and intonation in Mandarin
and English as a process of target approximations. The Journal of the Acoustical
Society of America, v. 125(1), p. 405-424, 2009.
XU, Y.; WANG, Q. E. Pitch targets and their realization: Evidence from Mandarin
Chinese. Speech Communication, v. 33, p. 319-337, 2001.
XU, Y. Speech melody as articulatory implemented communicative functions. Speech
Communication, v. 46, p. 220–251, 2005.
XU, Y.; Prom-on, S. Toward invariant functional representations of variable surface
fundamental frequency contours: Synthesizing speech melody via model-based
stochastic learning. Journal of Phonetics, v. 57, p. 181-208, 2014.
99 PERCEPÇÃO INTERCULTURAL E INTERLINGUÍSTICA DE EMOÇÕES
AUTÊNTICAS: ESTUDO COM SUJEITOS BRASILEIROS E SUECOS
Wellington da Silva1, Plínio A. Barbosa1
1
Instituto de Estudos da Linguagem, Universidade Estadual de Campinas
[email protected]; [email protected]
Charles Darwin, em seu livro de 1872, apresentou a hipótese de que as
emoções são produtos da evolução e foram selecionadas por auxiliarem na
sobrevivência de nossos ancestrais, preparando-os para enfrentar situações relevantes
no ambiente por meio de alterações corporais (Darwin, 1872/2009). Essa visão
evolucionista das emoções implica a noção de universalidade: se as emoções são um
construto da evolução, então as mesmas emoções devem se manifestar de forma
semelhante em todas as culturas, uma vez que os seres humanos constituem uma
única espécie. A universalidade é, portanto, condição sine qua non da teoria
evolucionista das emoções (Ekman, 1992; Scherer et al., 2001). Desde a publicação
desse livro de Darwin, pesquisadores têm investigado de forma mais elaborada a
hipótese da universalidade da expressão de algumas emoções. Essas pesquisas,
realizadas em sua maior parte com expressões faciais, revelaram que essa
universalidade existe somente até certo ponto, mas que diferenças na expressão e no
reconhecimento de algumas emoções também existem entre culturas (Ekman e
Friesen, 1975).
Semelhanças e diferenças interculturais também são encontradas nos estudos
de expressão de emoções pela fala (ver Abelin e Allwood, 2000; Scherer et al., 2001;
Menezes et al., 2012, entre outros). A influência do estado emocional do falante na
sua voz ocorre porque as emoções causam, entre outras reações, respostas fisiológicas
no indivíduo. Essas alterações, por sua vez, ocasionam variações na respiração,
fonação e articulação, processos diretamente relacionados à fala (Scherer, 1986).
Além disso, as emoções também podem afetar a atenção e a cognição do falante,
dificultando o planejamento da fala (no caso do medo ou da ansiedade, por exemplo)
ou facilitando-o (no caso da alegria ou felicidade, por exemplo) (Johnstone e Scherer,
2000).
Entre as perspectivas teóricas que buscam explicar o que são e quais as
funções das emoções, duas se destacam mais. A primeira delas, conhecida como
discrete emotion theory, entende que os processos emocionais são distintos entre si e
possuem características (eventos antecedentes, avaliação, alterações fisiológicas,
características expressivas e comportamentais) únicas e universais. Essas emoções são
conhecidas na literatura como “básicas” e sua existência está limitada a um pequeno
número que varia de 6 a 14, dependendo do pesquisador (Cornelius, 2000; Scherer,
2000). Elas recebem nomes das línguas naturais, tais como “alegria”, “raiva”,
“tristeza”, “medo”, “nojo” etc. A outra perspectiva é a visão dimensional das
emoções, para a qual todos os estados emocionais podem ser caracterizados com
relação ao grau de algumas dimensões emocionais, tais como ativação, prazer
100 intrínseco, dominância e muitas outras (cf. Frijda et al., 1995). Essas dimensões se
manifestam quanto à sua intensidade por um contínuo, e não apenas por pólos
discretos de máxima ou mínima intensidade, como sugerido pela perspectiva das
emoções básicas (Schlosberg, 1954).
O principal objetivo do estudo apresentado foi o de investigar, dentro dessas
duas perspectivas teóricas, se a cultura e a língua materna dos sujeitos influenciam na
percepção das emoções, ou seja, se o fato de os estímulos serem de uma língua
estrangeira (português brasileiro ou sueco) da qual os sujeitos não possuem nenhum
conhecimento afeta a percepção das emoções pela fala. Também avaliamos se os
sujeitos brasileiros e suecos se guiam pelos mesmos parâmetros prosódicos para
julgar a expressão das emoções.
Os corpora utilizados consistem de 30 enunciados de 8 mulheres falantes do
português brasileiro extraídos do filme documentário “Jogo de cena” (Matizar e
VideoFilmes, 2007, Brasil) e 40 enunciados de 5 mulheres falantes do sueco extraídos
de programas de televisão e de rádio. Os enunciados (todos com duração entre 2 a 10
segundos) passaram por uma análise acústica, na qual as seguintes classes de
parâmetros acústicos foram medidas automaticamente com um script implementado
para o software PRAAT (Boersma e Weenink, 2011) por Barbosa (2009): frequência
fundamental e sua primeira derivada, intensidade global, inclinação espectral e
espectro médio de longo-termo (LTAS). Dessas classes foram calculados vários
descritores estatísticos, totalizando doze parâmetros acústicos.
Dois experimentos de percepção foram conduzidos com sujeitos brasileiros e
suecos
via
internet
através
da
plataforma
Survey
Gizmo
(http://www.surveygizmo.com/). No primeiro deles, os sujeitos avaliaram, em escalas
de 5 pontos graduadas de 0 a 4, o grau de expressão de emoções discretas descritas
por oito adjetivos (alegre, comovido, surpreso, triste, contente, angustiado, aflito e
entusiasmado) para os enunciados em português brasileiro. No segundo experimento,
os sujeitos julgaram o grau de expressão de cinco dimensões emocionais (ativação,
justiça, valência, motivação e envolvimento) para os enunciados em sueco.
As respostas dos sujeitos nos experimentos foram submetidas a análises de
PCA a fim de identificar as variáveis correlacionadas entre si e assim reduzir o
número de dimensões para as análises seguintes. Para ambos os experimentos, os dois
primeiros componentes já explicam mais do que 94% da variância total das respostas
dos sujeitos das duas nacionalidades. Para o experimento I, o primeiro componente
revelou que os juízes de ambas as nacionalidades separaram as etiquetas emocionais
em dois grupos, um positivo e outro negativo, que colocam as etiquetas alegre,
contente e entusiasmado de um lado e comovido, triste, angustiado e aflito, do outro.
Para o experimento II, os dois componentes da PCA revelaram que os sujeitos de
ambas as nacionalidades julgaram as cinco dimensões emocionais distinguindo entre
um estado de “calma” de um estado de maior agitação emocional.
Os dois componentes da PCA dos dois experimentos foram correlacionados
com os parâmetros acústicos por meio de regressões lineares múltiplas, que
mostraram que os sujeitos de ambas as nacionalidades se guiaram pelos mesmos
parâmetros acústicos para realizar os julgamentos nos dois experimentos. Os
101 parâmetros que se mostraram mais relevantes foram: inclinação do LTAS, a mediana
e a semiamplitude entre quantis da frequência fundamental e a média e o desviopadrão da inclinação espectral. Os resultados foram condizentes com aqueles
encontrados na literatura, segundo os quais um aumento no estado de agitação
emocional do falante está relacionado a um aumento da frequência fundamental da
voz e da energia concentrada nos harmônicos de frequências elevadas.
Foi possível concluir que a cultura, a língua materna e a experiência emocional
dos sujeitos brasileiros e suecos não influenciaram na percepção das emoções
expressas nos dois corpora.
Referências
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In: ISCA Tutorial and Research Workshop (ITRW) on Speech and Emotion, 2000,
Newcastle, Irlanda do Norte: ISCA Archive, 2000. p. 110 – 113.
BARBOSA, P. A. “Detecting changes in speech expressiveness in participants of a
radio program”. In: Proceedings of Interspeech 2009 - Speech and Intelligence.
Londres: Causal Productions, 2009. p. 2155-2158.
BOERSMA, P.; WEENINK, D. Praat: doing phonetics by computer (Versão 5.2.25).
Disponível em: http://www.praat.org. Acesso em 20 de maio de 2011.
CORNELIUS, R. R. “Theoretical approaches to emotion”. In: ISCA Tutorial and
Research Workshop (ITRW) on Speech and Emotion, 2000, Newcastle, Irlanda do
Norte: ISCA Archive, 2000. p. 3-10.
DARWIN, C. A expressão das emoções no homem e nos animais. São Paulo:
Companhia das Letras, 2009[1872].
EKMAN, P. “An argument for basic emotions”. In: Cognition & Emotion, v. 6, n. 3/4,
1992, p. 169 – 200.
EKMAN, P.; FRIESEN, W. V. Unmasking the face: A guide to recognizing emotions
from facial expressions. Nova Jersey: Prentice Hall, 1975.
FRIJDA, N. H.; MARKAM, S.; SATO, K.; WIERS, R. “Emotions and emotion
words”. In: RUSSELL, J. A.; FERNANDEZ-DOLS, J. M.; MANSTEAD, A. S. R.;
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Proceedings of the 6th international conference on speech prosody. Shanghai:
Tongjipress, 2012. p. 649 – 652.
102 R DEVELOPMENT CORE TEAM. R: A language and environment for statistical
computing. R Foundation for Statistical Computing, Vienna, Austria. ISBN 3-90005107-0. Disponível em: http://www.R-project.org. Acessado em 2010.
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SCHLOSBERG, H. “Three dimensions of emotion”. In: Psychological Review, v. 61,
n. 2, 1954. p. 81-88.
103 ANÁLISE PROSÓDICA E PRAGMÁTICA DE ENUNCIADOS
INTERROGATIVOS TOTAIS EM CONVERSAS COLOQUIAIS TELEFÔNICAS
NAS VARIEDADES DO ESPANHOL ARGENTINO E CHILENO
Carolina Gomes da Silva1, Leticia Rebollo Couto2
Universidade Federal do Rio de Janeiro1, Universidade Federal do Rio de Janeiro 2
[email protected]; [email protected]
Introdução
Esta pesquisa consiste em uma descrição da entoação de enunciados
interrogativos totais realizados em conversas telefônicas coloquiais por falantes de
espanhol das variedades de Buenos Aires e de Santiago do Chile, a partir da
investigação da correlação entre a forma prosódica e a função pragmática destes
enunciados. Para isso, nos baseamos nos pressupostos da Fonologia Entonacional
(LADD, 1996), no sistema de notação prosódica SP_ToBI (ESTEBAS-VILAPLANA
& PRIETO, 2008), além dos pressupostos da Pragmática e da Análise Conversacional
(BLANCHE-BENVENISTE, 1998; BRIZ, 1998 e 2002; LENVINSON, 2007).
A partir desse objeto de estudo, levantamos algumas perguntas de pesquisa: (i)
As descrições existentes para a entoação dos enunciados interrogativos totais, em
corpus de fala atuada, sugerem comportamentos divergentes do contorno de
frequência fundamental (doravante F0), no núcleo. Esses movimentos dos contornos
entonacionais também serão encontrados em conversas coloquiais dos enunciados
interrogativos totais nas variedades argentina (Buenos Aires) e chilena (Santiago do
Chile)? Ou seja, os dados de fala espontânea corroboram os resultados de pesquisas já
realizadas para a fala lida e/ou atuada?; (ii) Quais atitudes proposicionais podem ser
encontradas em conversas telefônicas coloquiais e (iii) A função pragmática que
ocupa o enunciado interrogativo total modifica seu contorno entonacional ou haverá
convergência entre a forma prosódica e a função pragmática?
A fim de responder às perguntas levantadas anteriormente, propomos alguns
objetivos, a saber: (i) Verificar quais são os contornos entonacionais encontrados em
conversas coloquiais dos enunciados interrogativos totais nas variedades argentina
(Buenos Aires) e chilena (Santiago do Chile), através do parâmetro acústico de F0,
observando se dados conversacionais e espontâneos confirmam ou não os resultados
já descritos para a fala lida e/ou atuada (SOSA, 1999; GABRIEL et alii, 2010; ORTIZ
et alii, 2010; FIGUEIREDO, 2011) e (ii) Analisar as atitudes proposicionais dos
enunciados interrogativos totais, observando se há convergência ou divergência entre
a forma prosódica e a função pragmática que os mesmos ocupam no discurso.
1. Metodologia
104 Para coletar os dados desta pesquisa, utilizamos o corpus FISCHER, que é
composto por setenta e nove gravações de conversas telefônicas, realizadas por
ligações de longa distância desde os Estados Unidos, da década de 1990, entre
pessoas que se conhecem (amigos, familiares, etc.). Um dos falantes está nos Estados
Unidos em função dos estudos e seu interlocutor continua em seu país de origem.
Vale mencionar que a fala não é limpa e o vocabulário das conversas não é restrito,
isto é, pode apresentar ruídos de fundo. Dessas setenta e nove gravações,
selecionamos quatro gravações que constituíram o corpus da nossa pesquisa, sendo
duas gravações entre falantes de espanhol da variedade de Buenos Aires e duas da
variedade de espanhol de Santiago do Chile, totalizando oito informantes, quatro para
cada variedade estudada – dois informantes do sexo masculino e dois, do sexo
feminino. Totalizando, assim, 78 enunciados interrogativos, sendo 39 enunciados da
variedade de Buenos Aires e 39, da variedade de Santiago do Chile.
Na realização deste estudo, levamos em consideração dois tipos de análise:
uma análise do ponto de vista acústico (análise fonética e fonológica) e outra, do
ponto de vista pragmático. Do ponto de vista fonético, analisamos o comportamento
da F0 no núcleo dos enunciados interrogativos totais. Cabe lembrar que consideramos
como núcleo, o vocábulo que contém a última sílaba tônica do enunciado. Do ponto
de vista fonológico, recorremos à versão do modelo Sp_ToBI, Spanish Tones and
Break Indices (ESTEBAS-VILAPLANA & PRIETO, 2008; AGUILAR et alii, 2009).
Objetivamos, através dessa análise fonológica, elaborar uma lista de representações
para os enunciados interrogativos totais proferidos por nossos informantes de Buenos
Aires e Santiago do Chile.
2. Análises Acústica e Pragmática
Verificamos algumas diferenças entre as duas variedades aqui analisadas. Na
variedade de Buenos Aires, com relação à implementação de F0 no núcleo,
observamos que 54% (19) dos 39 enunciados analisados apresentam contorno
ascendente-descendente. No que se refere à atribuição tonal, para o núcleo, 74% (29)
dos 39 enunciados analisados receberam notação fonológica L+¡H*HL%, como
ilustra a figura 1.
105 350
300
Pitch (Hz)
200
100
20
a
ah ha
a a
bla
e
n en
o
co
i
o
di
go
L+¡H*
HL%
ah ¿hablaban en código?
0
1.553
Time (s)
Figura 1: Enunciado interrogativo total da variedade de Buenos Aires, com núcleo
ascendente-descendente.
Constatamos com as análises dos nossos dados da variedade de Santiago do
Chile que com relação à implementação de F0 no núcleo, observamos que 85% (32)
dos 39 enunciados analisados apresentam contorno ascendente. No que se refere à
atribuição tonal, 85% (32) dos 39 enunciados analisados receberam notação
fonológica L+H*HH%, como exemplificado na figura 2.
350
300
Pitch (Hz)
200
100
20
a
ah
o
lo
a
ia
e
cambiaste
L+H*
HH%
ah ¿lo cambiaste?
0
0.874
Time (s)
Figura 2: Enunciado interrogativo total da variedade de Santiago do Chile, com
núcleo ascendente.
No que se refere à análise pragmática, observamos que nossos dados
demonstram a ocorrência de duas certezas epistêmicas que se distinguem pelo
comportamento de F0 na posição nuclear do enunciado. A primeira equivale aos casos
em que o grau de certeza é neutro, isto é, um pedido real de informação em que se
deseja obter um dado. A segunda engloba os casos em que há certeza da verdade do
conteúdo proposicional do enunciado, ou seja, as perguntas confirmativas.
Em síntese, as perguntas que funcionam como um pedido de informação
apresentam como contorno mais frequente o ascendente-descendente, com notação
106 fonológica L+¡H*HL% e as que funcionam como um pedido de confirmação,
apresentam como contorno mais frequente o descendente com notação L*L% (vide
figura 3), para a variedade de Buenos Aires. Já para a variedade de Santiago do Chile,
as perguntas que funcionam como um pedido de informação apresentam como
contorno mais frequente o ascendente, com notação fonológica L+H*HH% e as que
funcionam como um pedido de confirmação, apresentam como contorno mais
frequente o descendente com notação H+L*L% (vide figura 4).
Pitch (Hz)
550
30
ue
a
bue
o
a
na
on
da
L*
L%
¿Buena onda?
0
0.8479
Time (s)
Figura 3: Enunciado interrogativo total da variedade de Buenos Aires, com núcleo
descendente, característico dos enunciados conformativos.
Pitch (Hz)
550
20
e
es
a
tá
ui
o
muy
mor
L*
o
e
mon el
H+L*
L%
está muy mormón el?
0
1.579
Time (s)
Figura 4: Enunciado interrogativo total da variedade de Santiago do Chile, com
núcleo descendente, característico dos enunciados conformativos.
Ainda encontramos três exemplos de enunciados interrogativos totais cujo
núcleo apresenta foco contrastivo, dois na variedade de Buenos Aires e um na
variedade de Santiago do Chile. Nestes casos, o contorno mais recorrente, para ambas
as variedades, foi o circunflexo, L+H*L%, como ilustra a figura 5. No caso específico
da variedade de Buenos Aires, encontramos um enunciado interrogativo, funcionando
107 como uma pergunta de cortesia. Este enunciado apresentou contorno ascendente, com
tom de fronteira médio e recebeu notação fonológica L+H*M% (vide figura 6).
350
300
Pitch (Hz)
200
100
20
a
o
ya
ai
los
mail
L+H*
L%
¿ ya los mails?
0
0.7173
Time (s)
Figura 5: Enunciado interrogativo total da variedade de Santiago do Chile, com
núcleo circunflexo, característico dos enunciados com foco contrastivo.
450
400
300
Pitch (Hz)
200
100
10
o
ue
a
con tu her ma
i
ni
L+H*
o
to
HH%
¿con tu hermanito?
0
1.214
Time (s)
Figura 6: Enunciado interrogativo total da variedade de Buenos Aires, com núcleo
ascendente e tom de fronteira médio, característico de uma pergunta de cortesia.
3. Conclusões
Tal distribuição e classificação podem dar-nos pistas sobre o funcionamento
conversacional e as funções das perguntas nas interações conversacionais, que se
distinguem por diferentes padrões, acentos ou configurações tonais. O contraste
fonológico está mais relacionado ao nível semântico, de atitudes (atitude
proposicional confirmativa ou atitude social de cortesia) ou estruturas informativas
(foco contrastivo) do que ao nível pragmático conversacional.
108 Referências
AGUILAR, L.; DE-LA-MOTA, C.; PRIETO, P. (coords). Sp_ToBI Training
Materials. 2009. Web page: http://prosodia.upf.edu/sp_tobi/
BLANCHE-BENVENISTE, C. Lo hablado y lo escrito. In.: _________ Estudios
lingüísticos sobre la relación entre oralidad y escritura. Barcelona: Gedisa, 1998, p.
29-63.
BOERSMA, P. & WEENINK, D. Praat: doing phonetics by computer. Versão 5.3.08,
2012. Disponível em: http://www.fon.hum.uva.nl/praat/
BRIZ, A. El español coloquial en la conversación: Esbozo de una pragmagramática.
Barcelona: Ariel, 1998.
____________. El español coloquial en la clase de E/LE. Madrid: SGEL, 2002.
ESTEBAS-VILAPLANA, E. y PRIETO, P. La notación prosódica del español: una
revisión del Sp_ToBI. In: Estudios de fonética experimental XVII. Barcelona:
Laboratori de Fonética de la Universidad de Barcelona, 2008, p. 263-283.
FIGUEIREDO, N. S. Análise da Entoação em Atitudes Proposicionais de Enunciados
Assertivos e Interrogativos totais do Espanhol Argentino: nas variedades de Buenos
Aires e Córdoba. 2011. Dissertação (Mestrado em Letras Neolatinas). Faculdade de
Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2011.
GABRIEL, C. et alii. Argentinian Spanish Intonation. In: PIETRO, P & ROSEANO,
P. (org.). Transcription of Intonation of the Spanish Language. Lincom Europa:
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LADD, D. R. Intonational phonology. Cambridge: CUP, 1996.
LENVINSON, S. A estrutura conversacional. In: ____________. Pragmática.
Tradução: Luis Carlos Borges e Aníbal Mari. São Paulo: Parábola, 2007.
ORTIZ, H. et alii. Chilean Spanish Intonation. In: PIETRO, P & ROSEANO, P.
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München, 2010, p.255-283.
SOSA, J. M. La entonación del español. Su estructura fónica, variabilidad y
dialectología. Madrid: Cátedra, 1999.
109 INVESTIGAÇÃO SOBRE A NEGAÇÃO VERBAL NO PORTUGUÊS
BRASILEIRO ATRAVÉS DE CORPUS DE FALA ESPONTÂNEA: RESTRIÇÕES
PROSÓDICO-INFORMACIONAIS
Luis Filipe Lima e Silva1, Heliana Mello2
Universidade Federal de Minas Gerais1,2
[email protected]; [email protected]
Introdução
A negação verbal no Português Brasileiro (PB) é um tema que recebe muita
atenção na literatura, dada a sua variabilidade formal e o debate sobre a sua origem.
As divergências teóricas, muitas vezes ancoradas em procedimentos metodológicos
distintos, esboçam um panorama variado sobre o objeto de estudo. A negação verbal
no PB apresenta três formas, a saber, a pré-verbal, a dupla e a pós-verbal, ilustradas
abaixo:
(1) Neg V:
bfamcv01: [45] a gente não devia ter tirado ele do Arnaldinum //
(2) Neg V Neg:
bfamcv03: [248] n’ é o senhor não //
(3) V Neg:
bfamcv03: [218] fala besteira não //
Das abordagens analíticas voltadas para o estudo da negação verbal, destacamse as seguintes: análise sincrônica do fenômeno (cf. SCHWENTER, 2005), análise
diacrônica ancorada na hipótese do contato linguístico (cf. HOLM, 1988, MELLO,
1996), análise diacrônica ancorada na ciclicidade formal das línguas (cf. CUNHA,
2007). Apesar da relevância de se estudar a origem da variabilidade formal da
negação verbal no PB, nesta comunicação nos concentraremos na descrição do
fenômeno e na sua distribuição na fala espontânea.
1. Referencial teórico
A Teoria da Língua em Ato (CRESTI, 2000, MONEGLIA; RASO, 2014)
estabelece uma correspondência entre unidades prosódicas e unidades pragmáticas.
Através da análise do contínuo sonoro da fala, é possível perceber quebras prosódicas
terminais e não-terminais. As quebras terminais delimitam um enunciado, já as nãoterminais indicam unidades informacionais com valores pragmáticos distintos. Cada
enunciado veicula uma ilocução. Se o enunciado é simples, ele é composto de apenas
110 uma quebra prosódica. Caso ela seja complexo, ele apresentará mais de uma quebra.
Cada unidade informacional apresenta um padrão prosódico recorrente, sendo
possível elencá-los por meio de análise acústica. O quadro abaixo mostra as unidades
informacionais textuais2 e a função de cada uma:
Quadro 1 – Unidades informacionais segundo a TLA
Tipo
Etiqueta
Função
Comentário
COM
Veicula a força
ilocucionária do
enunciado.
Tópico
TOP
Estabelece o âmbito de
aplicação da força
ilocucionária.
Apêndice de
APC/APT
Integra textualmente a
Comentário/Tópico
unidade da qual é apêndice
Parentético
PAR
Dá instruções sobre como
deve ser interpretado o
enunciado ou parte dele.
Introdutor Locutivo
INT
Sinaliza que o que segue
tem nível hierárquico
diferente daquele da
enunciação (geralmente, é
uma metailocução).
Fonte: Adaptado de Bossaglia (2014)
Objetivos
Os objetivos deste trabalho são:
(i) descrever o comportamento distribucional das três formas de negação verbal no
PB;
(ii) a partir daí, propor uma análise do objeto de estudo, considerando características
prosódico-informacionais.
2. Metodologia
O marco metodológico utilizada para verificar as características prosódicoinformacionais foi a diferenciação de quebras prosódicas terminais ou não-terminais,
já anotadas nos arquivos de transcrição, bem como a função correspondente que cada
quebra representava, levando em consideração os pressupostos da Teoria da Língua
em Ato. Todas as ocorrências de negação no corpus foram classificadas e
computadas, a partir de sua tipologia (Neg V, Neg V Neg, V Neg).
2
Além das unidades informacionais textuais, há as dialógicas. Contudo, elas não são de interesse neste
trabalho, pois a ocorrência da negação verbal dentro de tais unidades não é possível.
111 3. Corpus
O corpus utilizado para este trabalho foi o C-ORAL-BRASIL (RASO;
MELLO, 2012). Esse é um corpus de referência do PB falado informal, contendo
208.130 palavras, distribuídas em 139 textos. A variação diafásica é privilegiada nos
textos do corpus. Assim, há as mais diversas situações de fala representadas nos
domínios privado/familiar e público.
Resultados
Os resultados apontam para as seguintes restrições prosódico-informacionais:
(i) a negação pré-verbal apresenta distribuição livre no que concerne às unidades
informacionais textuais;
(ii) a negação dupla ocorre majoritariamente em unidades ilocucionárias (COM,
CMM ou COB)3. Há apenas dois dados em unidade de Parentético;
(iii) a negação pós-verbal só ocorre em unidades ilocucionárias.
Referências
BOSSAGLIA, G. Interface entre sintaxe e articulação informacional na fala
espontânea: uma comparação baseada em corpus entre português brasileiro e italiano.
Caligrama, Belo Horizonte, v. 19, n. 2, p. 35-60, 2014.
CRESTI, E. Corpus di Italiano Parlato. Firenze: Accademia della Crusca, 2000.
CUNHA, M. A. F. da. Grammaticalization of the strategies of negation in Brazilian
Portuguese. Journal of Pragmatics, vol. 39, n. 9, p. 1638-1653, 2007.
HOLM, J.Pidgins and Creoles. Cambridge: Cambridge University Press. vols. 1 e 2.
1988.
MELLO, H. The Genesis and development of Brazilian vernacular Portuguese. 630f.
The City University of New York. 1996.
MONEGLIA, M.; RASO; T. Notes on Language into Act Theory (L-AcT) In: RASO,
T.; MELLO, H. (Orgs.). Spoken Corpora and Linguistic Studies.
Amsterdam/Philadelphia: John Benjamins, 2014. p.468-495.
RASO, T.; MELLO, H. (Orgs.). C-ORAL-BRASIL I: Corpus de referência do
português brasileiro falado informal. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2012.
SCHWENTER, S. A. The pragmatics of negation in Brazilian Portuguese.Lingua,
n.115, p.1427-1456, 2005.
3
As unidades ilocucionárias são aquelas que veiculam uma ilocução. Comentário Múltiplo (CMM) e
Comentário Ligado (COB) são configurações prosódicas ilocucionárias específicas em que mais de
uma ilocução é realizada. Para mais informações sobre essas unidades, cf. Moneglia & Raso (2014).
112 O ALINHAMENTO DO PICO DA F0 NA QUESTÃO TOTAL MARANHENSE
Gizelly Fernandes Maia dos Reis Soares
Universidade Federal do Rio de Janeiro
[email protected]
Este trabalho objetiva descrever a entoação em enunciados interrogativos
realizados por informantes maranhenses. Para tanto, pretende-se observar o
comportamento da frequência fundamental no domínio de I (sintagma entoacional),
enfocando-se especialmente a questão do alinhamento da F0 no acento nuclear, que é
composto por acento tonal mais tom de fronteira. A questão do alinhamento vem se
mostrando importante para a caracterização de alguns dialetos brasileiros, como
afirmam Silva (2011) e Silvestre (2013), e, análises prévias da fala maranhense
apontam que este também pode ser um aspecto relevante na distinção de falares
locais. O corpus analisado, constituído por dados de fala, é fruto da recolha do Projeto
Atlas Linguístico do Brasil (ALiB), nos municípios: São Luís, Brejo, Bacabal,
Imperatriz e Alto Parnaíba, por meio do Questionário do Projeto já mencionado.
Propõe-se, então, investigar o comportamento da sílaba de proeminência entoacional,
nas interrogativas do tipo questão total, e apresentar análise do corpus. Este é
constituído, até o momento, por cem enunciados interrogativos, realizados por
informantes de ambos os sexos e naturais dos municípios relatados anteriormente.
Para a descrição entoacional da fala em diferentes municípios maranhenses,
utilizaremos os preceitos teóricos presentes no modelo autossegmental métrico que se
ocupa do aspecto fonético-fonológico. O modelo autossegmental métrico considera
prioritariamente a representação formal dos contornos, sendo bastante produtivo para
a representação abstrata dos padrões fonológicos. A análise acústica será feita com o
auxílio do programa computacional PRAAT, por meio do qual segmentaremos e
transcreveremos todas as sílabas dos enunciados coletados. Trabalhos anteriores
(ATTERER & LADD, 2003; CUNHA, 2005; LIRA, 2009; ANTUNES, 2011;
SILVA, 2011; SILVESTRE, 2013) atestam a importância de nossa análise, pois
também apontam a posição do alinhamento do pico de F0 como um marcador
relevante na identidade regional do falante. Assim como estes estudos contribuem
para uma ampliação da descrição prosódica regional, o nosso também visa a descrever
os contrastes fonológicos e nuances fonéticas mais complexas a fim de colaborar para
o mapeamento prosódico regional que se tem desenvolvido nas últimas décadas. A
partir de uma análise preliminar, utilizando 10 enunciados de cada localidade,
notamos que ao compararmos os dados de Brejo, Bacabal e Alto Parnaíba com os de
Imperatriz e São Luís, de fato percebemos diferenças no que tange ao alinhamento.
De 10 enunciados realizados por informantes de Imperatriz, 7 tiveram, quanto ao
alinhamento, o mesmo comportamento de São Luís, diferentemente do alinhamento
em Brejo, Bacabal e Alto Parnaíba. Assim, tivemos um alinhamento situado mais
próximo à margem direita nos municípios que possuem uma característica mais rural,
os três últimos citados. Já em São Luís foi unânime (100%) a ocorrência do
alinhamento no ponto medial da vogal. Em Imperatriz, 70% dos casos foram da
113 ocorrência do alinhamento no ponto medial da vogal e 30% de um alinhamento
situado mais próximo à margem direita da vogal final. Chegamos, então, às seguintes
conclusões: (i) se observarmos isoladamente o comportamento da F0 nas sílabas
como um todo, não encontramos diferenças entre capital x interior, já que
encontramos, para ambas as localidades, movimentos melódicos ascendentedescendente e movimento melódico apenas ascendente; (ii) o alinhamento, observado
a partir da subdivisão das sílabas, de fato foi relevante para mostrar diferenças entre
capital e interior; (iii) apesar de poucos dados, os resultados apontam tendências na
descrição do falar maranhense, o que soma ao trabalho que se tem desenvolvido no
Atlas Linguístico tanto do Brasil, quanto do Maranhão.
Referências
ANTUNES, L. Análise prosódica de sentenças declarativas e interrogativas do dialeto
mineiro (Brasil) com diferentes Sintagmas Nominais (SN's) na posição de sujeito.
Revista Internacional de Linguística Iberoamericana (RILI) La prosodia en lenguas y
variedades del ámbito iberorrománico. v. IX, n. 17. Sevilha: Vervuert, 2011.
ATTERER, M. & LADD, D. R.. On the phonetics and phonology of “segmental
anchoring” of F0: evidence from German. Journal of Phonetics 32. 2004. p. 177–197.
CUNHA, C. S. Atlas linguístico do Brasil: uma análise das questões de prosódia. In:
MOTA, J. A; CARDOSO, S. M.. (Org.). Documentos 2: Projeto Atlas
Linguístico do Brasil. 1 ed. Salvador: Editora Quarteto. v.1. 2005. p.187-205.
LIRA, Z. A entoação modal em cinco falares do nordeste brasileiro. Tese de
Doutoramento em linguística. João Pessoa, Centro de Ciências Humanas, Letras e
Artes, UFP, 2009.
SILVA, Joelma Castelo. Caracterização prosódica dos falares brasileiros: as
orações interrogativas totais. Dissertação de Mestrado. Rio de Janeiro, Faculdade de
Letras/UFRJ, 2011.
SILVESTRE, A.P. A entoação regional dos enunciados assertivos nos falares das
capitais brasileiras. Dissertação de Mestrado. Rio de Janeiro, Faculdade de
Letras/UFRJ, 2012.
114 PROSÓDIA E PRAGMÁTICA: UM EXPERIMENTO DE INTERFACE
Juan Manuel Sosa1, Daise Ribeiro Pereira Carpes1, Roberta Pires de Oliveira2
Universidade Federal de Santa Catarina1, Universidade Federal do Paraná2
[email protected], [email protected], [email protected]
Introdução
Parte de um programa de pesquisa sobre a interface semântica/pragmática e
prosódia, este artigo apresenta os resultados parciais de testes de produção e
percepção de quatro padrões de correspondência entre contornos prosódicos e
expressão de atitudes proposicionais do falante.
Primeiramente, apresentamos o experimento de produção. A tarefa foi
elaborada com base nas quatro situações discursivas prototípicas descritas por Potner
et al (2010), mas diferentemente desse experimento, cujos padrões foram produzidos
por um único falante, especialista em fonética, no nosso experimento, os contornos
foram detectados a partir da coleta de dados de 6 participantes (3 homens e 3
mulheres), de idade entre 24 e 43 anos, de diferentes regiões, todos universitários. Os
dados foram coletados usando os softwares Praat e Ocenaudio. Cada participante
produziu 32 proferimentos-alvo – 8 para cada contexto –, num total de 192 dados. O
participante lia o contexto e proferia a sentença tendo em vista sua adequação ao
contexto. As sentenças não tinham pontuação – pontos são sinais gráficos da melodia.
Todas tinham o mesmo número de palavras e as palavras tinham o mesmo número de
sílabas, o mesmo padrão acentual. A estrutura sintática era sempre sujeito-verboobjeto. Os contextos exibidos aos participantes foram aleatorizados. Para a
identificação dos padrões de regularidade e dos contornos entoacionais, os dados
foram analisados auditivamente, assim como seus pitch tracks. Foram detectados
quatro contornos, cada um correspondendo a uma situação dialógica.
No contexto 1, o falante se compromete com a verdade da proposição em
questão, sinaliza que ele não antecipa nenhum desacordo do ouvinte e propõe que o
fundo conversacional seja atualizado com essa informação. Trata-se da situação
neutra, que responde à pergunta ‘o que aconteceu?’, e cujo contorno já foi descrito em
Moraes (2008). Eis um exemplo:
O João chega em casa da rua e pergunta o que aconteceu enquanto ele estava fora.
Você responde:
(1)
A Dora perdeu a bolsa
O contexto 2 é de pergunta sim-não, cujo padrão também é conhecido na
literatura (MORAES, 2008). No contexto 3, o falante compromete-se com a
proposição, sinaliza que ele antecipa que o ouvinte não concorda com ele e afirma de
forma enfática que tem certeza de que o fundo conversacional deve ser atualizado
115 com essa informação. O falante indica que, a despeito das crenças do ouvinte, tem
certeza do que ele afirma. Esse é o contexto de ênfase. Finalmente, o contexto 4 é de
incredulidade: o falante expressa que ele duvida de algo, mas acredita que seu ouvinte
crê que é esse o caso. Ele pede para o seu ouvinte confirmar se ele se compromete
com p ou com não p. O falante deveria pedir a confirmação sobre uma informação em
que ele não acredita. Eis os resultados das curvas:
1-f2
Pitch (semitones re 1 Hz)
94.88
90
85
81.38
H*
H*
H+L*L%
0.1252
1.341
Time (s)
Figura 1: Contorno de F0 prototípico identificado para as declarativas neutras.
14-f3
Pitch (semitones re 1 Hz)
100.4
95
90
85
80
75.86
H*
L+H*L%
0
1.276
Time (s)
Figura 2: Contorno de F0 prototípico identificado para as interrogativas sim-não.
19-f5
Pitch (semitones re 1 Hz)
96.92
90
85
82.88
L*+H
H*
0
H+L*L%
1.393
Time (s)
Figura 3: Contorno de F0 prototípico identificado para as declarativas com ênfase.
116 16-f1
Pitch (semitones re 1 Hz)
104.2
100
95
90
85
82.88
H% L+H*
!H*
L+H*L%
0
1.716
Time (s)
Figura 4: Contorno de F0 prototípico identificado para as interrogativas com
incredulidade.
Pode-se notar que o desenho melódico dos proferimentos é diferente tanto na
forma geral do contorno quanto nas alturas relativas dos picos, medidos em semitons.
No entanto, os núcleos das sentenças declarativas – a neutra e a enfática – é o mesmo
na notação AM, H+L*L%, consistente com a literatura. Também os núcleos das
interrogativas – a sim-não e a de incredulidade – são os mesmos, L+H*L%.
A distinção entre os proferimentos é então codificada em termos da forma do tom e
dos valores relativos dos picos pré-nucleares e nucleares. Esses resultados são
relevantes e sugerem que as distinções reconhecidas pelos falantes dependem tanto da
estrutura fonológica quanto dos valores quantitativos dos picos, especialmente no
núcleo.
Com esses resultados, montamos um teste de reconhecimento para verificar a
plausibilidade dos contornos. O teste era composto de 32 combinações de contexto e
proferimentos (oito para cada um dos quatro contextos). Até este momento,
realizamos apenas o piloto, montado e rodado no Praat. Os participantes tinham que
julgar a adequação entre os proferimentos e as situações dialógicas, lendo o contexto
e ouvindo duas das sentenças coletadas no experimento de produção. Eles escolhiam,
então, o proferimento mais adequado tendo em vista o contexto. Havia quatro opções
de escolha: o primeiro proferimento; o segundo; ambos; nenhum. A tarefa foi
executada por sete voluntários, dois homens e cinco mulheres, de diferentes regiões,
com idades entre 31 e 55 anos. Os resultados do experimento piloto indicam que a
correspondência entre os contornos e os contextos foi ao encontro das nossas
expectativas para todas as situações de contexto de interrogativas (do tipo sim-não e
de incredulidade). Nos contextos de declarativas (neutra e de ênfase), os resultados
foram menos precisos, pois muitas vezes os participantes indicaram como adequadas
as sentenças das duas situações, independentemente do contexto. Na nossa opinião,
isso ocorreu porque o contexto neutro, de pergunta de escopo amplo, pode ser
enfático. Com relação ao experimento de produção, ainda que ele tenha detectado
contornos claros, é preciso entender melhor o papel de outros critérios fonéticos,
como a duração das vogas e a ligação e o alinhamento dos picos. Acreditamos que
esses parâmetros possam estar envolvidos na configuração dos contornos
conversacionais que descrevemos. Embora prelimiar, este experimento piloto já
permite uma discussão metodológica e teórica, tema da nossa conclusão, que gerou
117 uma nova versão para o experimento. No momento, estamos aplicando essa nova
versão, buscando também mais participantes. Este trabalho visa a reforçar linhas de
pesquisa que buscam caminhos experimentais para discutir o tema, certamente
controverso, sobre a relação entre a expressão da atitude do falante e padrões
prosódicos.
Referências
MORAES, J. A. The Pitch Accents in Brazilian Portuguese: analysis by synthesis. In:
BARBOSA, P., MADUREIRA, S., REIS, C. (eds.) Proceedings of the Speech
Prosody, 2008.
PORTES, C; BEYSSADE, C.; MICHELAS, A.; MARANDIN, J-M.,
CHAMPAGNE-LAVAU, M. The dialogical dimension of intonational meaning:
evidence from French. Journal of Pragmatics, 74, 15-29. 2014.
118 
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CADERNO DE RESUMOS DO V COLÓQUIO BRASILEIRO