Riscofobia, Determinantes Sociais e a Relação Indústria/Estado/Consumo: ampliando o cenário diante das doenças crônicas não transmissíveis Preliminares: • Responsabilidade dos anfitriões pelo convite. • Desafio: Assumir e enfrentar malefícios à saúde de certas práticas/hábitos (e o poder da indústria) e ao mesmo tempo lidar com o moralismo e a naturalização do mal estar na atual civilização onde as normas de comportamento se tornaram mais rígidas. • Irreverência? • Ironia? • Ceticismo? • Ambivalência? Riscos e a Cultura Hiperpreventiva LD Castiel • • • • • Joost Van Loon – Risco e a cultura tecnológica A ideia de Risco nos coloca diante de uma sensibilidade catastrófica na cultura ocidental moderna. Tomados individualmente, em geral, riscos podem ter etiologia inteligíveis, racionais. Podem ser razoavelmente descritos, explicados, antecipados e sofrerem intervenções com graus de efetividade definida. Tomados como fenômeno cumulativo e complexo, os riscos parecem ser bem menos razoáveis. Tomados como um fenômeno geral abstrato, os riscos geram um ambiente apocalíptico. • A acumulação de riscos distintos – ecológicos, biomédicos, sociais, militares, políticos, econômicos, financeiros, simbólicos e informacionais – possui uma presença avassaladora no mundo de hoje. • Robert Crawford – Risk Ritual (...): • A busca de melhoria da saúde está entre as principais práticas simbólicas da modernidade. • Na saúde, assim como ao longo da vida social contemporânea, a racionalidade tecnocientífica, no contexto do capitalismo global predatório, não pode proporcionar a segurança que promete. • Pessoas vivem sabendo que por mais que se obedeça a regras de saúde, os perigos excedem à capacidade pessoal de proteção através do estilo de vida e outras medidas preventivas. • Várias propostas de prevenção e promoção de saúde veiculam práticas medicalizadoras que se baseiam numa pedagogia do risco. • Nossa subjetividade está cada vez mais impregnada por noções de risco. • E, também, de incerteza, que se manifesta em pensamentos, sentimentos e emoções experimentadas em distintos níveis da vida social e dos contextos socioculturais em que se vive. • No contexto dos agentes liberais no contexto do individualismo atual é possível pensar na produção de subjetividades singulares frankensteinianas como misturas próprias de cada um que incluem niveis de controle e de ansiedade, quanto a riscos calculáveis pela expertise científica e de riscos impossíveis de calcular, mas passíveis de serem imaginados pelas pessoas en seus entormos existenciais e profissionais. • Além disto, podem se misturar outros aspectos relativos ao risco: aventura/afirmação, agravo/dano, • Assim, pode-se pensar que todos possuimos, de alguma maneira, corpos-riscos. • Construto resultante de poderosos vetores da subjetividade em nossos tempos ambivalentes e paradoxais. • Corpos que estão, ao mesmo tempo, marcados por pressões ‘racionais’ e por traços ‘irracionais’. • Sob a égide da ideologia da hiperprevenção, tem-se a complicada tarefa de controlar todas as ameaças à saúde e à integridade. • Ameaças capazes de gerar angústia diante das dificuldades para sua gestão, pois muitas são incontroláveis e impossíveis de gerir. • Este contexto reflete um efeito na condução da vida com ênfase em: • elevada consciência de riscos, • inclinação a estados relativos a fobias, ansiedade, pânico, • receio/beligerância ao estranho, • fragilidade nas relações de confiança. • aumento da suscetibilidade ao abuso/abusadores, aos que perdem o autocontrole, aos reincidentes. • Houve uma contra-revolução nos anos 80/90 produto da moralidade tradicional e do neomoralismo da ‘correção política’. • Diminui o questionamento aos pressupostos que sustentam as relações de dominação. • Há uma outra volta do parafuso da correção política no âmbito da saúde em termos da regulação da conduta por meio do risco. • Produz-se uma ‘neo-moralidade’ que é sustentada pelas: • Justificativas éticas que tentam dar algum sentido à experiência do individualismo liberal por meio de narrativas morais, mas que isolam e alienam aos indivíduos na produção de suas subjetividades e identidades. • Imperativos científicos provenientes ds enunciados das evidências empiricistas, sem maiores discussões quanto a seus pressupostos em relação à ideia de realidade (A.U.D.I.). • Eficácia instrumental e gestão racional da vida. • A tríade • Há uma ênfase implícita na necessidade de hiperprevenção (prevenção + precaução + proteção) pois haveria ameaças de desastres, infortúnios e falta de segurança, mesmo com baixa probabilidade em termos de incidência. • A ironia da narrativa global do risco (Beck): Não sabemos o que não sabemos, quando se tem de lidar com desastres impossíveis de se calcular e tentar antecipar o que não se pode antecipar... • Hoje, é a normatividade baseada nos resultados de estudos bio-médicoepidemiológicos que rege os preceitos e recomendações que pretendem disciplinar as pessoas no interior dos discursos do comportamento saudável. • Além disto, há a idéia virtual embutida no risco que enquadra igualmente a todos para acatar as recomendações preventivas sem que se possa afirmarquais indivíduos sãos irão adoecer pois as afirmações probabilísticas referidas a populações. A noção de indivíduo é abstrata. • A grande meta (individualista) é a longevidade com vitalidade. • Para isto é necessário consumir produtos tecnológicos e adotar práticas de promoção da saúde sob a égide dos estudos bio-médico-epidemiológicos que produzem evidências científicas aceitas como satisfatórias e suficientes para conduzir nossas vidas. • Segundo E. Roudinesco: “jamais o sofrimento psíquico foi tão vívido (...): solidão, ingestão de psicotrópicos, (...) cansaço, dietas, obesidade, medicalização de cada minuto da vida. • A liberdade de cada um, tão necessária, quando parecia possível, parece que se tornou uma exigência de obrigações puritanas”. • É importante não se esquecer que o capitalismo contemporâneo se constitui como um modelo paradoxal. • Há uma proliferação de regulações normativas duais e ambíguas. • Os indivíduos seriam socializados em meio a a duas estruturas normativas (uma explícita e outra implícita), que, mesmo sendo contrárias entre elas, se articulam de maneira complementar. • Por um lado, as pressões que levam à conduta marcada por demandas de satisfação imediata consumada sem restrições. • De outro, as regras racionais que buscam estabelecer os modos de interação social e de constituição de ideais normativos de autoregulação, contenção, moderação; • [E a cultura do risco serviria para sustentar a esta faceta] • Isto pode gerar formas de vida nas quais lei e transgressão são enunciadas ao mesmo tempo como imperativos. • Alguns chamam a isto cinismo. • O capitalismo e suas formas hegemônicas de vida tendem a organizar-se de maneira cínica em virtude de sua tendência interna de debilitar continuamente às normas que ele mesmo enuncia. • Os códigos são enunciados de modo a serem passíveis de anulação, como se houvesse um pacto tácito, como se fosse necessário na maior parte do tempo enunciados que dão margem a leituras irônicas. • Enfim o que importa é participar de modos de instaurar outros compromissos ético-políticos em termos coletivos que sejam capaz de politizar e enfrentar a ética utilitarista dominante: • [(custoXbenefício-prazer) ou (ganhoXmalefício/desprazer)] • para tentar romper com situações padronizadas as quais não é possível confiar sem críticas, como: • dados econômicos das bolsas de valores, • recomendações baseadas em conhecimento especializado de pesquisadores eventualmente engajados em propostas hegemônicas sem garantias de ausência de conflitos de interesses, • os muitos tribunais da correção política, • as leis da natureza, das entidades divinas ou dos mercados. As campanhas dos cigarros Nobel (Espanha) “Desfruta de tuas contradições”, Ilustradas por Ivan Solbes Finale: • Eduardo Galeano O café da manhã tem sabor de medo. O medo ao silêncio atordoa as ruas O medo ameaça. Se você ama, terá aids. Se fuma, terá cancer. Se respira, terá contaminação. Se bebe, terá acidentes. Se come, terá colesterol. Se fala, terá desemprego. Se caminha, terá violencia. Se pensa, terá angustia. Se duvida, terá loucura. Se sente, terá solidão. Os que trabalham tem medo de perder o emprego. Os que não trabalham tem medo de não encontrar nunca trabalho. Quem não tem medo da fome, tem medo da comida (…) Eduardo Galeano E como não basta botar o ovo, é preciso cacarejar: uma dica de livro de auto-ajuda para lidar com este estado de coisas