O Indicador de Alfabetismo Funcional
autor: Vera Masagão Ribeiro
Resumo
O Indicador Nacional de Alfabetismo Funcional (INAF) é uma iniciativa de duas
organizações não governamentais brasileiras: o Instituto Paulo Montenegro e a
Ação Educativa. O Instituto Paulo Montenegro é ligado a uma grande empresa de
pesquisa que atua em toda a América Latina - o IBOPE - e tem como objetivo
canalizar recursos financeiros e técnicos da empresa para iniciativas de interesse
social sem finalidade lucrativa. A Ação Educativa tem como missão a defesa de
direitos educacionais, atua na área de pesquisa e informação, desenvolvimento de
programas de educação de adultos e mobilização social.
O INAF é a única iniciativa de medição do alfabetismo da população adulta em nível
nacional existente no Brasil. Seu objetivo é oferecer à sociedade informações sobre
habilidades e práticas de leitura, escrita e matemática da população adulta
brasileira, de modo a fomentar o debate público e subsidiar a formulação de
políticas de educação e cultura.
Abstract
The National Functional Literacy Indicator (NFLI) is an initiative of two Brazilian
non-governmental organizations: the Paulo Montenegro Institute and Ação
Educativa. The mission of Paulo Montenegro Institute is the development and
execution of projects within the bounds of Education. The institute is connected to a
large research institute that operates in all of Latin America - IBOPE - and its
objective is to channel financial and technical resources from the company to carry
out initiatives that are non-profit and have a social interest. The mission of Ação
Educativa is the defense of educational rights and it operates with research and
information, developing adult education programs, social mobilization and
advocacy.
The NFLI is the only initiative in Brazil, with national coverage, to measure the
literacy level of the adult population. Its objective is to offer Brazilian society
information regarding skills and practices of the Brazilian adult population, related
to literacy and numeracy, so as to foment public debate and assist in formulating
policies for education and culture.
Vera Masagão
Doutora em Educação, coordenadora de projetos e pesquisadora da ONG Ação
Educativa. PhD in Education, coordinator and researcher of the non-governmental
organization Ação Educativa -São Paulo, Brazil.
Metodologia
O INAF é feito com base em pesquisas anuais realizadas junto a amostras de 2 mil
pessoas representativas da população brasileira de 15 a 64 anos. Em entrevistas
domiciliares, são aplicados testes e questionários aos sujeitos que compõem a
amostra. O intervalo de confiança estimado é de 95% e a margem de erro máxima
estimada é de 2,2 pontos percentuais para mais ou para menos sobre os resultados
encontrados no total da amostra.
O primeiro levantamento do INAF, realizado em 2001, abordou habilidades e
práticas de leitura e escrita. Em 2002, focalizaram-se as habilidades matemáticas
e, em 2003, a leitura e escrita foi retomada. Alternando essas temáticas, o INAF
tem uma perspectiva de longo prazo: a construção de um indicador que subsidie
amplamente a compreensão sobre o alfabetismo e possibilite o monitoramento de
sua evolução.
Methodology
The NFLI is elaborated based on annual surveys held with representative sample
groups of 2 thousand persons, which represent the Brazilian population from age 15
to 64. During home interviews, tests and questionnaires are applied to those that
make up the sample group. The estimated confidence interval is 95% and the
estimated maximum error margin is 2.2% above or below the results found from
the total sample. The first NFLI survey, carried out in 2001, dealt with reading and
writing skills. In 2002, mathematical skills were focused and, in 2003, reading and
writing skills were re-assessed. In alternating these themes, the NFLI has a longterm perspective: to construct an indicator that will greatly assist understanding
literacy and enable monitoring its evolution.
Por que medir o alfabetismo adulto?
1. Histórico
No Brasil, contamos com estatísticas oficiais sobre o analfabetismo desde o final do
século XIX. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apura esse
índice com base na auto avaliação da população recenseada sobre sua capacidade
de ler e escrever. Ao longo do século XX, as taxas de analfabetismo entre
brasileiros com 15 anos ou mais vieram decrescendo paulatinamente, ainda que o
número absoluto de analfabetos só tenha começado a diminuir a partir de 1980.
Tabela 1: Analfabetismo entre pessoas com 15 anos
ou mais segundo os censos demográficos - Brasil (1920-2000)
Numero de analfabetos
(em milhões)
% sobre o total
da população
1920
11,4
64,9
1940
13,2
55,9
1960
15,9
39,6
1980
18,7
25,5
2000
16,2
13,6
Ano
Fonte: Ferraro, 2003
Seguindo recomendações da UNESCO, na década de 90, o IBGE passou a divulgar
também índices de analfabetismo funcional, tomando como base não a auto
avaliação dos respondentes mas o número de séries escolares concluídas. Pelo
critério adotado, são analfabetas funcionais as pessoas com menos de 4 anos de
escolaridade.
Tabela 2: Analfabetismo funcional (menos de 4 anos de estudo)
entre pessoas com 15 anos ou mais- Brasil (1992-2000)
Ano
Numero de analfabetos funcionais
(em milhões)
% sobre o total da
população
1992
35,5
36,9
1997
34,5
32,0
1999
33,2
29,4
2000
33,0
27,3
Fonte: IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
Cabe perguntar, entretanto se quatro anos de escolaridade garante o alfabetismo
funcional. Como se sabe, esse conceito é relativo, e depende das demandas de
leitura e escrita colocadas pela sociedade. É por isso que, enquanto nos países
pobres se toma o critério de quatro séries escolares, na América do Norte e na
Europa tomar-se 8 ou 9 séries como patamar mínimo para a alfabetização
funcional.
A década de 90 foi também o período durante o qual se estruturou no Brasil um
sistema de avaliação da educação básica, com aplicação periódica de testes
padronizados em amostras de alunos em diferentes níveis do sistema. Como os
resultados atingidos pelos alunos nessas testagens são muito desiguais e
majoritariamente muito inferiores ao previsto nos currículos, ampliam-se as
dúvidas quanto à associação de níveis de alfabetismo com níveis de escolarização.
Alfabetismo Funcional no Brasil
Os resultados do INAF apurados em 2001, 2002 e 2003 foram amplamente
divulgados pela mídia, o que releva um significativo interesse público por essa
temática. O brasileiro sabe ler e escrever? Sabe matemática? O que os déficits
educacionais da população representam em termos de exclusão social? A escola
está conseguindo cumprir a função de garantir a todos os conhecimentos básicos
necessários à inserção no mercado de trabalho e ao exercício da cidadania? A
escola é a única responsável pela situação? Que outras condições são necessárias
para que as pessoas de fato desenvolvam e aproveitem ao longo da vida as
habilidades que adquirem na escola? Essas são questões da maior relevância, cujas
respostas podem dar conteúdo a expressões às vezes vagas como "educação de
qualidade" ou "democratização da cultura". Entretanto, não são questões simples
de responder, e remetem a problemas difíceis de resolver. Trata-se, na verdade, de
aspectos centrais da cultura de um povo, dos instrumentos simbólicos de que esse
povo dispõe para pensar, comunicar-se e agir sobre sua realidade. São aspectos
centrais da cultura que, por isso mesmo, estão fortemente associados a um amplo
leque de determinantes sociais e econômicos e são influenciados por valores e
ideologias.
Na linguagem corrente, o termo "analfabeto" significa outras coisas além de saber
ler e escrever", é um qualificativo fortemente estigmatizante, que carrega outros
sentidos como "ignorância", "cegueira", "chaga" e "subdesenvolvimento". Mas
recentemente, o termo "analfabeto funcional" passou a ser também utilizado,
estendendo todos esses estigmas não só aos chamados analfabetos absolutos (que
vêm diminuindo em termos percentuais e absolutos no Brasil), mas também a
todos aqueles que tiveram acesso limitado à escolarização ou que têm um domínio
limitado das habilidades de leitura e escrita. Nesse caso, já estamos falando de um
número muito maior de "estigmatizados", já que dois terços da população brasileira
maior de 14 anos têm menos de oito anos de ensino, nível mínimo de escolarização
que a Constituição brasileira garante como direito a todos os cidadãos.
Muitas vezes, nos discursos da imprensa ou dos políticos, esses sentidos
estigmatizantes associados ao analfabetismo e ao analfabetismo funcional são
atualizados em abordagem alarmistas do problema: "Dois terços da população
brasileira são analfabetos funcionais ou não entendem o que leem!´, "A chaga do
analfabetismo envergonha e afunda a nação no subdesenvolvimento!". Dizeres
como esses podem chamar a atenção do leitor e do eleitor sobre um problema
relevante, mas também colaboram para sua má compreensão, dificultando a
identificação de suas causas e das melhores estratégias para solucioná-lo. O que é
que os brasileiros leem e escrevem? Em que contextos tais habilidades são
necessárias e em que medida? Quais são as pessoas que leem mais e menos? Onde
vivem e trabalham, qual seu nível de escolaridade, sua condição socioeconômica e
de acesso à informação e à cultura? Com base em informações como essas é
possível compreender melhor como problemas relacionados ao alfabetismo se
relacionam a outros problemas sociais, como má distribuição de renda, déficits de
escolarização, falta de recursos materiais e humanos nas escolas, falta de
bibliotecas, de acesso à informática e à Internet, entre outros. É possível também
idealizar políticas mais consistentes e integradas, que ataquem a exclusão da
leitura e outras formas de exclusão a que está associada.
"L´invention de l´illestisme", assim o sociólogo francês Bernad Lahire entitulou
uma extensa obra onde analisa criticamente como o fato histórico e sociológico do
"acesso desigual à cultura escrita" transforma-se em discursos sobre o "problema
do ilestrismo", produzidos por diferentes agências e agentes sociais: ONGs,
educadores, assistentes sociais, políticos, governos, imprensa, academia, institutos
de estatística e agências internacionais. Mostra como cada um desses produtores
de discursos agrega sentidos ao "problema do iletrismo", de acordo com suas
ideologias e interesses.
Ao idealizarem o Indicador Nacional de Alfabetismo Funcional, a Ação Educativa e o
Instituto Paulo Montenegro estavam preocupados não apenas em oferecer
informação, mas principalmente informação qualificada, que ajudasse de fato na
compreensão e enfrentamento dos problemas. Por isso, estabeleceram um diálogo
amplo com pesquisadores que estudam a temática de diversos pontos de vista,
visando o rigor técnico e teórico, procurando conciliá-lo com a comunicabilidade dos
resultados para o grande público, principalmente por meio de sua veiculação na
grande imprensa.
Sendo uma iniciativa de duas organizações não governamentais que mantém
diálogo constante com pesquisadores acadêmicos, por um lado, e com a imprensa,
de outro, o INAF possibilita um cruzamento interessante entre diferentes lógicas
que constituem o analfabetismo como um problema social no Brasil
contemporâneo.
Bernard Lahire. "L´invention de l´illetrisme: rhétorique publicque, éthique et
stimates", Paris: Édition da Découverte, 1999
Como medir o alfabetismo
O INAF orienta-se por uma concepção ampla de alfabetismo, que abarca não só
habilidades de leitura, escrita e cálculo numérico, mas também as práticas de
leitura, escrita, cálculo e representação numérica dos diversos segmentos sociais,
em diversos contextos. Considera também relevantes as expectativas e os
julgamentos das pessoas sobre suas habilidades e práticas, tendo em vista a
dimensão ideológica da construção do alfabetismo como problema social. Por esse
motivo, o INAF utiliza dois tipos de instrumentos para coleta de dados: os testes
(de leitura/escrita e matemática) e questionários que recolhem informações
detalhadas sobre os usos que as pessoas fazem dessas habilidades em diversos
contextos, os acervos e equipamentos a que têm acesso, as opiniões que têm sobre
suas disposições e capacidades para usar a leitura, a escrita e o cálculo numérico.
Na elaboração dos instrumentos relativos à leitura e escrita, partiu-se da
construção de uma matriz que incluía diversas esferas da experiência cotidiana,
onde materiais escritos estão presentes. Para cada uma, elencaram-se os diversos
suportes e tipos de textos escritos correspondentes a diversos objetivos que
motivam a leitura e escrita (distrair, informar, registrar, controlar, etc). Finalmente,
elencaram-se também as habilidades de leitura e escrita envolvidas nessas
diferentes práticas de letramento, por exemplo, localizar o material escrito em que
uma informação desejada pode ser encontrada, identificar o tema central de um
texto, localizar nele informações específicas, comparar informações de diferentes
textos, estabelecer relações entre fato e opinião, mobilizar dados necessários à
redação de um texto, identificar o destinatário do texto e suas necessidades de
informação sobre o tema tratado e muitas outras. Processo semelhante foi feito
com relação às práticas e habilidades que envolvem representações e cálculos
matemáticos.
Nos questionários procurou-se fazer um levantamento extenso de informações
sobre práticas de leitura, escrita e cálculos.
Focalizaram-se o acesso e o uso de quatro materiais escritos principais: livros,
revistas, jornais e computadores. Outros materiais escritos foram incluídos e suas
finalidades de uso averiguadas considerando seis esferas de vivência: doméstica,
do trabalho, da participação cidadã, da educação e da religião.
A esfera doméstica incluía a administração da casa, a vivência em família, o
cuidado e a educação das pessoas, além de outras atividades relacionadas ao
consumo, às finanças pessoais, aos deslocamentos etc. Procurou-se investigar todo
o acervo de materiais escritos presentes na casa das pessoas: calendários,
correspondências, livros, jornais, etc. Além disso, alguns hábitos, tais como ler em
voz alta para crianças ou ajudá-las nos deveres escolares, se faziam listas de
compra, se liam embalagens de produtos ou manuais de equipamentos domésticos,
se compravam a prazo, se controlavam estratos bancários, etc. Perguntou-se,
ainda, que estratégias os entrevistados usavam, por exemplo, quando precisavam
encontrar um número de telefone num catálogo, ler uma placa de rua, escrever ou
ler uma carta pessoal.
Na esfera do trabalho, incluíram-se tanto ações para conseguir um emprego
(consultar anúncios classificados no jornal, elaborar currículo, preencher fichas,
realizar entrevistas, participar de concursos) como ações implicadas no próprio
trabalho. Para essa esfera foram elencados dezoito tipos de materiais como
memorandos, formulários, orçamentos planilhas, relatórios, manuais, catálogos
etc., e os entrevistados informaram se liam ou escreviam cada um no ambiente de
trabalho. Além disso, foram investigadas outras atividades que poderiam definir o
tipo de demanda de comunicação e aprendizagem a que os entrevistados se
expõem nesse contexto, por exemplo, trabalhar em equipe, atender ao público,
participar de reuniões de planejamento, de treinamentos, feiras e congressos ou
supervisionar o trabalho de outros. Perguntou-se, também, se os entrevistados
achavam que suas habilidades de leitura, escrita e matemática ajudavam ou
atrapalhavam suas oportunidades profissionais.
Na esfera do lazer, investigou-se o quanto os entrevistados gostam ou não de ler
para se distrair e quais são os tipos de leitura preferidas para esse fim. Além disso,
foram levantadas informações sobre outras práticas, que na esfera do lazer ou da
ocupação doa tempo livre poderiam cumprir as mesmas funções que a leitura:
assistir à TV, ir ao cinema, ao teatro, a museus, a eventos esportivos, etc.
Na esfera da participação cidadã foram incluídas práticas burocráticas como tirar
documentos, acessar benefícios sociais, declarar imposto de renda. Também
levantou-se informações sobre participação em eleições, sobre como se informam
sobre os candidatos nos quais votam, e, de uma maneira mais ampla, como se
mantém informados sobre questões de interesse público.
Na esfera da educação foram incluídas práticas relacionadas à educação formal e
não formal. Aos aproximadamente 20% dos participantes da amostra que estavam
inseridos no sistema de ensino formal (educação básica ou superior) foi perguntado
o que liam e escreviam nesse âmbito. Com relação ao conjunto da amostra,
entretanto, levantou-se informações sobre participação em oportunidades de
educação de adultos, que podiam incluir cursos diversos. Perguntou-se sobre a
temática dos cursos, sua duração e sobre quem os financiava.
Finalmente, a pesquisa também dedicou uma atenção especial à esfera da religião.
Estudos sobre a história do letramento em várias civilizações identificam a esfera
religiosa como crucial tanto no que se refere à disseminação da alfabetização
quanto aos lavores associados à leitura e ao livro. Os dados apurados pelo INAF
confirmam esse aspecto em relação à cultura brasileira, identificando que grande
parte das leituras a que as pessoas se dedicam estão relacionadas a essa esfera.
A abrangência dos testes de habilidades de literacy e numeracy foi muito menor.
Considerando os limites das condições de aplicação, a extensão dos testes foi
limitada, de modo a que a maioria dos sujeitos não gastasse mais do que 40
minutos para realizá-lo. Foram selecionados, portanto, os tipos de materiais
escritos e as habilidades mais freqüentes nas diversas esferas de vivência assim
como aquelas que podiam ser estudadas num teste dessa natureza.
O teste de leitura e escrita, contendo 20 itens, tem as seguintes características:
- os estímulos para leitura e escrita são textos correntes no cotidiano, como
anúncios, cartas, capas de revista, reportagens, listas de produtos, formulários e
documentos pessoais; grande parte reunidos numa revista de variedades,
mantendo o formato e a diagramação característicos de textos reais;
- as tarefas propostas a partir desses textos são abertas, visando aproximá-las de
situações reais de leitura, em que o leitor deve encontrar a informação textual de
que necessita sem contar com um leque de opções previamente dado (como ocorre
nos testes de múltipla escolha);
- as respostas requeridas são curtas e objetivas, de modo a viabilizar a posterior
codificação uniforme em termos de acerto e erro;
- foram incluídas perguntas muito simples, que podem ser resolvidas por pessoas
com níveis mínimos de habilidade, tais como localizar (apontando) o nome da
revista em sua capa, para o quê, em princípio, não é necessário decodificar as
letras, mas sim ter alguma familiaridade com o tipo de impresso;
- outras tarefas simples exigem a localização de um único item de informação
claramente identificável em textos curtos; as tarefas mais difíceis exigem a
localização de mais de um item de informação em textos mais longos, a
comparação entre mais de um texto ou partes do texto, o estabelecimento de
relações de causa/efeito, caso/regra geral, atenção à informação textual em casos
em que esta contradiz o senso comum.
- nos seis primeiros itens, os mais simples, o entrevistador faz a pergunta
oralmente, o entrevistado consulta o texto e responde oralmente; mede-se,
portanto, somente a leitura;
- nos demais itens, o próprio entrevistado deve registrar suas respostas no
formulário; assim, ainda que o foco seja a compreensão da leitura, habilidades de
escrita também estão implicadas na tarefa;
- na codificação das respostas em termos de acerto ou erro, leva-se em
consideração apenas o conteúdo expresso, ignorando-se aspectos relativos à
correção gramatical e ortográfica.
O teste de habilidades matemáticas, com 36 tarefas, tem algumas especificidades:
- as tarefas demandam habilidades de leitura de números familiares (preços de
produtos correntes, números de telefone, etc.) e números maiores (com ordem de
milhões) menos frequentes no dia a dia da maioria da população.
- algumas tarefas demandam também leitura de outras representações
matemáticas de uso mais ou menos frequente como gráficos, tabelas e escalas;
- as tarefas exigem a análise ou solução de situações problema envolvendo
operações aritméticas simples (adição, subtração, multiplicação e divisão),
raciocínio proporcional, cálculo de porcentagem, medidas de tempo, massa,
comprimento e área;
- as situações de leitura, análise e cálculo são propostas oralmente pelo
entrevistador, que também recorreu à manipulação de suportes conhecidos da
população em geral, tais como calendário, cédulas e moedas, folhetos de
propaganda, fitas e cartões representando azulejos, jornal, mapa e instrumentos
simples de medida como relógio, fita métrica e régua.
- as respostas produzidas pelos entrevistados são sempre comunicadas oralmente
ou com recursos gestuais (apontar); uma única questão exigia a produção escrita
(anotar o número de um telefone);
- para resolver as tarefas o entrevistado tem a sua disposição lápis, papel e uma
máquina de calcular simples;
- nas tarefas que envolvem cálculo, o entrevistador registra não só a resposta do
entrevistado mas os recursos utilizados para realizar os cálculos (cálculo mental,
lápis e papel e/ou calculadora)
- as tarefas mais fáceis são as que exigem leitura ou escrita de números familiares;
as mais difíceis exigem a elaboração de um plano de resolução envolvendo
contagem ou uma sequência de operações, ou ainda a interpretação de gráficos de
barra e setor e mapa em escala.
Definição de níveis de alfabetismo funcional
Como era de se esperar, o desempenho da população nos testes variou de nenhum
acerto a 100% de acertos, passando por todos os pontos da escala. Corroborou,
portanto, a noção de que o alfabetismo não é uma questão de tudo ou nada, mas
uma competência que pode ser desenvolvida em diversos níveis. Frente a isso,
como definir o que seria considerado alfabetismo suficiente, analfabetismo absoluto
ou funcional? Um primeiro passo foi analisar as características dos itens que foram
realizados com sucesso por pessoas com diferentes desempenhos (escore total) e,
com base nessa análise, caracterizar níveis de habilidade de acordo com faixas de
desempenho. As tarefas que serviram para caracterizar certo nível de habilidade
são aquelas realizadas corretamente por pelo menos 75% das pessoas naquela
faixa de escore total.
Depois disso seria preciso qualificar cada um desses níveis estabelecendo um
julgamento: qual nível de habilidade seria aceitável e qual deveria ser caracterizado
como insuficiente? Com base na análise das demais informações coletadas pela
pesquisa e em diálogo com consultores especialistas, chegou-se à seguinte
definição: os sujeitos que não respondessem pelo menos 2 itens seriam
classificados como analfabetos, os demais seriam classificados em três níveis de
alfabetismo. O termo analfabeto funcional - ainda que de uso corrente na mídia não foi utilizado, pois, a rigor, mesmo habilidades muito limitadas têm
funcionalidade em certos contextos. A manutenção do termo analfabeto, por outro
lado, visou chamar a atenção para uma situação que ainda é significativa em países
como o Brasil, nos quais significativas parcelas da população têm baixa renda e
baixa escolaridade, e nos quais a problemática do analfabetismo é pauta das
políticas sociais e educacionais.
Os três níveis de habilidade de alfabetismo e habilidades matemáticas estão
descritos no quadro abaixo:
Leitura
Habilidades
Matemáticas
Analfabetismo Não domínio das
habilidades medidas
Não domínio das
habilidades medidas.
Alfabetismo Nível 1
Localiza uma informação
simples em enunciados
de uma só frase, um
anúncio ou chamada de
capa de revista, por
exemplo.
Lê números de uso
freqüente: preços,
horários, números de
telefone. Capacidade de
anotar um número de
telefone, ler as horas no
relógio, medir um
comprimento com fita
métrica, consultar um
calendário (em que dia da
semana cai tal data)
Alfabetismo Nível 2
Capacidade de localizar
uma informação em
textos curtos ou médios
(uma carta ou notícia,
por exemplo), mesmo
que seja necessário
realizar inferências
simples.
Capacidade de ler
números naturais,
independente da ordem de
grandeza, capacidade de
ler e comparar números
decimais que se referem a
preços, contar dinheiro e
fazer troco. Capacidade de
resolver situações
envolvendo operações
usuais de adição e
subtração ou mesmo
multiplicação, quando não
conjugada a outras
operações.
Alfabetismo Nível 3
Capacidade de localizar
mais de um item de
informação em textos
mais longos, comparar
informação contida em
diferentes textos,
estabelecer relações
entre as informações
(causa/efeito, regra
geral/caso,
opinião/fonte), ater-se a
informação textual
quando contrária ao
senso comum.
Capacidade de adotar e
controlar uma estratégia
na resolução de problemas
que demandam a
execução de uma série de
operações, por exemplo,
tarefas envolvendo cálculo
proporcional (se o metro
de fita custa $2, quanto
custam 80 cm de fita?),
cálculo de percentual de
desconto. Capacidade de
interpretar gráficos e
mapas.
Habilidades de alfabetismo: testagem
De acordo com a testagem realizada em 2003, 8% dos brasileiros entre 15 e 64
anos encontram-se na condição de analfabetismo absoluto e 30% têm um nível de
habilidade muito baixo: só são capazes de localizar informações simples em
enunciados de uma só frase (nível 1) . Outros 37% conseguem localizar uma
informação em textos curtos (nível 2) e só 25% demonstram domínio pleno das
habilidades testadas (nível 3). A variação desses resultados em relação aos de
2001, quando foi aplicado o mesmo teste, ficam dentro da margem de erro da
pesquisa.
O teste de habilidades matemáticas, aplicado em 2002, mostra que, nesse domínio,
é menor índice dos que se encontram na situação de analfabetismo - não sabem ler
números naturais familiares (3%), mas também menor o índice de pessoas que
demonstram domínio pleno das habilidades testadas (21%).
Tabela 4
Resultados do INAF - Habilidades de
leitura e escrita e habilidades matemáticas
Leitura e escrita
Matemática
2001
2003
2002
9%
8%
3%
Alfabetismo - Nível 1
31%
30%
32%
Alfabetismo - Nível 2
34%
37%
44%
Alfabetismo - Nível 3
26%
25%
21%
Analfabetismo
Habilidades de alfabetismo: auto avaliação
Como a auto avaliação e os anos de estudo são também indicadores
frequentemente utilizados para medir o alfabetismo da população, é interessante
observar como os resultados do INAF se correlacionam com essas medidas. No
questionário do INAF, utilizamos a mesma pergunta utilizada no Censo Populacional
para apurar índices de analfabetismo - O Sr. sabe ler e escrever? Analisando os
níveis de alfabetismo definidos por meio do teste de leitura e escrita em 2003
segundo o tipo de resposta dada à pergunta do Censo verifica-se que um
percentual significativo de pessoal analfabetas segundo o teste se auto avaliam
como alfabetizadas; por outro lado, há também pessoas que demonstram algum
grau de habilidade no teste mas de auto avaliam como analfabetas. No total da
amostra, verifica-se um índice muito próximo de analfabetismo considerando-se um
ou outro critério: 7% pela auto avaliação, 8% pelo teste. Isso sugere que os dados
censitários não um indicador consistente no que se refere à medição pelo menos do
analfabetismo absoluto junto a população.
Auto-avaliação das habilidades (Critério do Censo)
segundo o desempenho no teste do INAF
Resposta
Classificação segundo o teste do
à
INAF 2003 - Leitura e escrita
pergunta
do Censo TOTAL
Analfa- Alfabetismo Alfabetismo Alfabetismo
(Sabe ler
betismo
- Nível 1
- Nível 2
- Nível 3
e
escrever?)
Sim
93%
(1858)
56
(35%)
569 (95%)
735 (99%)
498 (99%)
Não
7%
(142)
105
(65%)
30 (5%)
4 (<1%)
3 (<1%)
Total
100%
(2000)
161
(100%)
599 (100%)
739 (100%)
501 (100%)
Ao propor critérios mais flexíveis para a auto avaliação e investigar separadamente
a leitura e a escrita, observa-se uma maior variabilidade nos julgamentos. É
importante destacar que cerca de 50% das pessoas com nível 1 de alfabetismo não
julgam que tenham dificuldade para ler ou escrever enquanto no nível 2 cerca de
25% acreditem que tem muita ou alguma dificuldade para ler ou escrever. O
julgamento que as pessoas fazem com relação às suas capacidades de leitura e
escrita certamente está condicionado pelo uso que fazem da leitura e escrita em
suas vidas cotidianas que, variam substancialmente entre os grupos com diferentes
inserções sociais.
Auto avaliação das habilidades de leitura e escrita em separado segundo o
desempenho no teste do INAF
Total
Analfabetismo
Alfabetismo Nível 1
Alfabetismo Nível 2
Alfabetismo Nível 3
Incapaz de ler
5%
58%
1%
-
-
Lê com grande
dificuldade
8%
22%
16%
3%
-
Lê com alguma
dificuldade
24%
14%
36%
24%
11%
Não tem nenhuma
dificuldade para ler
64%
5%
47%
73%
88%
-
1%
-
-
-
Como avalia a
capacidade de
leitura
Não sabe/Não
opinou
Como avalia a capacidade de escrita
Incapaz de escrever
5% 48% 3%
Escreve com grande dificuldade
8% 32% 16% 2%
Escreve com alguma dificuldade
-
1%
20% 11% 30% 22% 9%
Não tem nenhuma dificuldade para
66% 8% 50% 75% 91%
escrever
Não sabe/Não opinou
-
1
-
-
-
Só recentemente as habilidades matemáticas foram reconhecidas como parte
essencial do alfabetismo adulto e consideradas nos estudos sobre a temática.
Entretanto, quanto se trata de auto avaliação, as habilidades matemáticas
aparecem como dimensão mais problemática junto à população. Os brasileiros
confiam menos na sua capacidade de cálculo do que na de ler e escrever, ainda que
a leitura de números figure como a menos problemática:
Índice dos que declaram ter alguma dificuldade em:
Fazer contas
51%
Ler
36%
Escrever
34%
Ler números
20%
Fonte: INAF 2002 e 2003
Obs: soma dos percentuais dos que declaram ser incapaz, ter
muita ou alguma dificuldade para realizar as ações.
Habilidades de alfabetismo: escolarização
A escolaridade destaca-se como principal variável explicativa do desempenho nos
testes do INAF, assim como em outros estudos sobre o alfabetismo adulto. Os
dados coletados no Brasil revelam que 4 anos de escolaridade não são suficientes
para garantir sequer um nível básico de habilidade em leitura (nível 2).
Tomando o levantamento realizado em 2003, focalizando habilidades de leitura e
escrita, os seguintes aspectos da relação alfabetismo x escolarização merecem
destaque:
- 20% dos que não completaram sequer uma série aprenderem a a ler e escrevem,
provavelmente por outros meios que não a escolarização;
- Quase um terço dos que completaram de uma a três séries escolares (32%) se
encontram ainda na situação de analfabetismo absoluto - não sabem ser e
escrever. Outros 51% se mantém num nível muito rudimentar de domínio da
leitura e escrita (Nível 1);
- Mesmo entre pessoas com 4 a 7 anos de estudo, pouco mais da metade atinge os
níveis básico e pleno de habilidade (Níveis 2 e 3);
- Só o ensino fundamental de 8 anos (nível de escolaridade obrigatório segundo a
Constituição brasileira) garante um nível pelo menos básico de leitura e escrita para
mais de 80%;
- O domínio pleno das habilidades testadas (Nível 3) só é majoritário entre as
pessoas com ensino médio completo ou mais.
Com relação às habilidades matemáticas, constatou-se em 2002 que:
- 80% dos entrevistados com até 3 anos de estudo não ultrapassam o nível 1 (só
conseguem ler números familiares);
- Mesmo entre os que tem de 4 a 7 anos de estudo é ainda muito significativo o
número daqueles que permanecem no primeiro nível (38%);
- Só na população com pelo menos 8 anos de estudo é que mais de 80% atingem
os níveis 2 ou 3;
- Entre as pessoas que têm mais de 8 anos de estudo mas não completaram a
educação secundária (8 a 10 anos de estudo), o percentual dos que atingem o nível
3 de habilidades matemáticas (25%) é significativamente menor do que os que
atingiram esse nível em leitura e escrita, na mesma faixa de escolaridade (40%).
Práticas de leitura e escrita
Os baixos níveis de alfabetismo atingidos por pessoas com até 7 anos de estudo
surpreendem a muitos e certamente estão associados a deficiências do ensino
oferecido nas escolas, especialmente aquelas frequentadas pelas populações de
baixa renda. Essas deficiências têm sido evidenciadas nas avaliações do sistema
escolar brasileiro. Entretanto, ao tratarmos de alfabetismo adulto, temos que
considerar que estão sendo avaliadas habilidades consolidadas ou desenvolvidas ao
longo de vivências pós escolares na grande maioria dos casos. É preciso considerar
as oportunidades de uso da leitura e da escrita que as pessoas têm em seus dia-adia, condicionados por seu tipo de ocupação e a seu nível de renda, entre outras
variáveis.
As pessoas que estavam trabalhando ou já tinham trabalhando alguma vez
perguntou-se que materiais liam e escreviam em seu trabalho. Ofereceu-se uma
lista de dezoito itens e o entrevistado podia citar ainda outros. Os tipos de
materiais mais lidos no trabalho são bilhetes (27%), pedidos ou comandas (18%),
revistas (18%), jornais (18%), agendas ou calendários (17%), relatórios (17%),
faturas, notas fiscais, recibos ou duplicatas (16%) manuais de instrução (15%),
plantas mapas ou desenhos técnicos (8%),entre muitos outros. Os materiais
escritos com mais frequência são bilhetes (27%), pedidos ou comandas (21%),
relatórios (18%), contas e orçamentos (17%), faturas, recibos, notas fiscais e
duplicatas (13%), agenda (13%), formulários (10%), cartas, ofícios e memorandos
(10%).
Proporções bastante significativas de pessoas não leem (38%) e nem escrevem
(42%) nada no contexto de trabalho. A proporção dos que leem ou escrevem três
ou mais tipos de materiais e que, portanto, fazem usos mais diversificados de suas
habilidades de alfabetismo corresponde, respectivamente, a XX e XX%. Como era
de se esperar, as pessoas com mais escolaridade são as que têm, no ambiente de
trabalho, maiores demandas de leitura e escrita.
Quantidade de tipos de materiais que lê e escreve no ambiente
de trabalho, por anos de estudo - INAF 2003
Total
Até 3
anos
4a7
anos
8 a 10
anos
11 anos
ou mais
Nenhum
38%
71%
43%
22%
11%
Um
18%
14%
23%
22%
9%
Dois ou três
18%
12%
21%
10%
8%
Quatro ou mais
26%
4%
13%
32%
64%
Nenhum
42%
76%
47%
29%
12%
Um
26%
16%
30%
31%
23%
Dois
14%
5%
13%
19%
18%
Três ou mais
18%
2%
9%
21%
46%
Tipos de materiais
de leitura
Tipos de materiais
de escrita
É fato que as demandas de leitura e escrita no ambiente do trabalho são restritas
para a maioria da população. Entretanto, isso não significa que a leitura e a escrita
não sejam práticas amplamente disseminadas junto à população:
- 65% dos entrevistados afirmam que gostam de ler para se distrair;
- 75% afirmam que leem livros ainda que de vez em quando;
- 32% afirmam que leem jornal pelo menos uma vez por semana;
- 30% afirmam ler revistas pelo menos uma vez por semana.
O tipo de leitura que as pessoas realizam varia significativamente de acordo com o
nível de escolaridade dos respondentes. A leitura de inspiração religiosa é
frequente, principalmente nos grupos com menor escolaridade. Outros tipos de
leitura são mais frequentes entre pessoas com mais escolaridade, como se observa
nas tabelas abaixo, que mostram os tipos de materiais que as pessoas gostam de
ler para se distrair e os tipos de livros que leem. Normalmente, as políticas de
promoção e democratização da leitura focalizam somente os livros literários,
ignorando outros materiais - como revistas e jornais - pelos quais a população
adulta também se interessa.
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O analfabetismo funcional - Instituto Paulo Montenegro