Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação
XX Congresso de Ciências da Comunicação na Região Sudeste – Uberlândia - MG – 19 a 21/06/2015
Transição Capilar: O cabelo como instrumento de política e libertação através da
identidade e suas influências 1
Paula Camilla Soares SILVA 2
Ângela Márcia da Silva BRAGA 3
Faculdades Integradas do Norte de Minas – Funorte, Montes Claros, MG
Cabelo quando cresce é tempo
Cabelo embaraçado é vento
Cabelo vem lá de dentro
Cabelo é como pensamento
(Cabelo, Jorge Ben Jor/ Arnaldo Antunes)
Resumo
Em várias partes do mundo o estilo de cabelo como o afro sofre com a não aceitação. Para
muitos, a saída é preservar a cultura do liso, por fazer parte de um modelo que aprendemos
a valorizar desde a primeira infância. No entanto, alguns movimentos, bem como a
evolução histórica, contribuíram para o processo interracial fundamentalmente novo, a
transição capilar, entendendo o cabelo do indivíduo como parte integrante da sua
identidade, bem como instrumento de empoderamento político e libertador.
Palavras-chave
Transição capilar; identidade; libertação; movimentos negros; processo.
INTRODUÇÃO
A colonização europeia sobretudo nas Américas, colaborou ao longo da história
para consolidar um padrão estético de beleza nas mais diversas culturas existentes. O
ideal era o de pessoas caucasianas, apresentando cabelos lisos, olhos claros e nariz
afilado.
Durante o regime escravocrata, os negros executavam trabalhos forçados nos
campos, na extração de minério e na casa-grande. As formas de violência, além do tronco
___________________
¹Trabalho submetido ao XXII Intercom Júnior 2015, na Categoria IJ08 Estudos Interdisciplinares da Comunicação
2
3
Estudante do 5° Semestre do Curso Jornalismo, e-mail: [email protected]
Orientadora do trabalho. Professora do Curso de Jornalismo, e-mail: [email protected]
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e o açoite, incluía a raspagem de cabelo, que para alguns grupos significavam o símbolo
de sua construção indentitária. O ato representava assim, uma quebra da dignidade. Desse
modo, o cabelo e a cor da pele, viriam retratar um significado muito maior do que o
próprio indivíduo. Para Nilma Lino Gomes, vivemos numa democracia racial, que na
verdade encobre os conflitos entre raças, acentuadas nos traços como o estilo do cabelo e
o que se faz dele é uma tentativa de camuflar a própria identidade étnico/racial na
identidade negra. “Mas tal comportamento pode também representar um processo de
reconhecimento das raízes africanas assim como de reação, resistência e denúncia contra
o racismo. E ainda pode expressar um estilo de vida”. (GOMES, 2002, p. 8).
ASPECTOS GERAIS SOBRE A IDENTIDADE CULTURAL
Para Stuart Hall, a identidade cultural está em crise. Para este autor, o movimento
de descentramento de pós-modernidade, ou seja, o conjunto das representações
absolvidas, constituem o produto das culturas em todo o mundo (2006). Para ele, o
indivíduo não é tão somente uníssono, mas sim constituído das culturas de um todo,
internalizando-as, para que possa traduzí-las e, consequentemente, adaptá-las para a sua
realidade. Ainda, que esse colapso é um fator determinante da mudança que ocorre dentro
das instituições e estrutura da sociedade e os fatores determinantes para o processo de
globalização.
Reconhecer-se como sujeito nacional é questão de discurso do imaginário, tratase de “um modo de construir sentidos que influencia e organiza tanto nossas ações quanto
a concepção que temos de nós mesmos” (HALL, 2006, p. 50). Assim, dizer que somos
de um determinado lugar ou pertencemos a um dado grupo, é parte da natureza. Para Hall,
a identidade da cultura nacional é colocada entre passado e futuro de modo que possa
sucumbir o que se está vivendo por tempos passados:
Este constitui o elemento regressivo, anacrônico, da estória da cultura nacional.
Mas frequentemente esse mesmo retorno ao passado oculta uma luta para
mobilizar as “pessoas” para que purifiquem suas fileiras, para que expulsem os
“outros” que ameaçam sua identidade e para que se preparem para uma nova
marcha para a frente. (HALL, 2006, p. 50)
OS MOVIMENTOS SOCIAIS NO PROCESSO DE RECONHECIMENTO
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O mundo pós-moderno trouxe várias diversidades em âmbito global. A identidade
negra se reafirma através dos movimentos sociais negros, com o objetivo de solidificar
esse orgulho repleto de significados, é a autoafirmação das africanidades e todas suas
ressonâncias. Na década de 1960, a luta pelos direitos civis americanos se aflorava
trazendo a luz da resistência negra e sua força ao mesmo tempo que revelava os horrores
da segregação racial. O movimento Black Power, respeitando a estrutura da fibra capilar
junto com o uso do seu pente garfo, tinha como característica o uso dos cabelos sem
qualquer tipo de tratamento químico para alisar, porque esta prática era também política,
entendida como uma maneira de herança colonial da Europa. Assim, surgem slogans
como “Black is beautiful”, “negro é lindo”.
Negar outros tipos de beleza que não outra senão a branca, determina que os
cabelos lisos são o referencial do máximo exigido padrão de beleza impondo que esta é a
alternatva única existente ou plausível. Como contraproposta, podemos citar dois
movimentos de ativismo social que correspondem, respectivamente, ao Movimento
Negro e ao Movimento Feminista:
“O primeiro negando o eurocentrismo como unico parâmetro do conhecimento e
promovendo um retorno à Africa tanto na tentativa de fortalecimento identitáriocultural quanto político. O segundo questionando o lugar da mulher na sociedade
e a crescente coisificação do corpo feminino, utilizado como objeto de consumo
masculino e desprovido de consciência própria”. (MALAQUIAS, 2004, p. 39).
Angela Davis, uma ativista ligada ao coletivo dos Panteras Negras dos EUA e
militante do Movimento Black Power, é um dos maiores expoentes dos anos 1960 e tudo
o que nele se configura. Sem dúvidas, o contexto histórico do mundo, trazendo a tona a
movimentos de libertação nacional tais como o “Revolução Cubana (1959), (...)
Revolução Cultural na China (1965) (...), Maio de 1968 em Paris. Em especial nos
interessam a Guerra do Vietnã e o Movimento dos Direitos Civis” (BARRETO, 2005, p.
63) e a própria história de Angela, nascida no Alabama, sul do EUA, num período de
marcante segregação racial e das “Leis Jim Crow” (leis que impediam os negros de
votarem nos Estados Unidos do Sul).
A cidade onde nasceu ficou associada ao bombardeio, promovido pela Klu Klux
Klan, que destruiu uma Igreja Batista em 15 de setembro de 1963. Em
conseqüência desse ataque, Carole, Cyntia, Adie e Denise, com idades entre 11 e
14 anos, morreram queimadas e mais 20 pessoas. O caso foi considerado um dos
crimes mais chocantes da história dos Estados Unidos. A igreja era um ponto de
encontro de militantes pró-direitos civis. Mais do que um fato isolado, o ocorrido
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em Birmingham revela o ambiente que reinava no lugar onde, como descreveu o
escritor William Falkner, “o passado nunca morre”.
Angela tem seus contatos com os ideais revolucionários dentro de escolas
segregacionistas de professores considerados reacionários e participa juntamente com sua
mãe dos movimentos, com apenas 15 anos de idade. (BARRETO, 2005) Depois de
concluir o seu doutorado em Los Angeles orientada por Hebert Marcuse, próxima do PC
e do Partido dos Panteras Negras, em 1968, decide se filiar ao Partido Comunista
Americano (CPUSA), participando como integrante do Coletivo Che-Lumumba.
Em 1970, o envolvimento de Angela com George Jackson, um afro-americano
preso com mais dois militantes, figuravam uma espécie de comitê. Durante a audiência
no Tribunal, o irmão mais novo de Jackson, Jonanthan Jackson, realiza uma ação para
sequestrar os jurados, juiz e o promotor do caso. Ao sequestá-los e levá-los para uma
caminhonete, um guarda presenciou a ação e começou a atirar. Ao final do tiroteio,
Jonanthan, o juiz , dois presos acabaram mortos e os demais manifestantes feridos. Ao
final de tudo, Angela acabou sendo acusada porque a arma utilizada estava registrada no
seu nome. Ela permaneceu na clandestinidade por um tempo, sendo considerada a
“mulher mais perigosa” dentre a lista dos procurados pelo FBI, naquele ano de 1970. Foi
mesmo no cárcere, que a ativista teve o seu desenvolvimento consciente de produção de
artigos e ainda mais amadurecer político. Foi, por meio dele, que os seus atuais
movimentos de luta contra o sistema carcerário se designa. Em todo mundo, lançaram a
campanha “ Free Angela Davis”, para sua libertação. Até mesmo cantoras que não eram
favoráveis de Angela, como a soul music Aretha Franklin, lutou pela libertação de Angela
pelo fato de ser uma pessoa negra. (BARRETO, 2005).
No Brasil, sua aparição acontece por meio de intervenção da tv. Em 1972, Maria
das Graças consegue a proeza de ser a primeira jornalista negra da Rede Globo de
Televisão, após ser aprovada no teste para apresentar o Jornal da Tarde da capital mineira:
Contudo, a efetivação da apresentadora foi condicionada à imposição de um
nome: Ana Davis, como uma referência direta a Angela Davis, naquela época já
bastante conhecida pelos brasileiros, em grande medida, como conseqüência da
cobertura que a imprensa internacional deu a sua prisão, julgamento e absolvição.
Maria das Graças, além das semelhanças físicas com Angela Davis, possuía
também o cabelo afro, tão em voga na época como símbolo da consciência racial.
Anna Davis era envolvida com os círculos culturais da cidade e escrevia para um
suplemento literário local. O convite para fazer a seleção partiu de uma produtora
da emissora que buscava uma mulher com um estilo novo. Posteriormente, Anna
passou a apresentar o Jornal Nacional com cobertura para todo o país.
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(Informações obtidas em entrevista realizada com a jornalista no dia 17 de agosto
de 20004). (BARRETO, 2005, p. 61).
A IMPORTÂNCIA DE SE CONSTRUIR REPRESENTATIVIDADE NEGRA NA
MÍDIA E SEU CONTEXTO BRASILEIRO
Se, com toda a discussão proponho discutir o que desencadeou na construção
histórica as representações e análises que temos a respeito do cabelo afro, bem como sua
cor, não se pode passar desapercebida a contribuição midiática envolvida nesse projeto.
Segundo Néstor Garcia Canclini, a respeito dos consumidores e cidadãos do mundo, a
transacionalização, possibilita que os bens tomados como culturais diminui os nossos
valores a repeito da identidade, em detrimento da comercialização: “grande parte do que
se produz e se vê nos países periféricos é projetada e decidida nas galerias de arte e nas
cadeias de televisão, nas editorias e nas agências de notícias dos Estados Unidos e da
Europa” (CANCLINI, 1999, p.165).
No Brasil, os movimentos norte-americanos iniciados reverberaram na década
seguinte em meio a ditadura militar, onde o povo brasileiro está começando a buscar sua
cidadania. No ano de 1978, o jovem Robson da Luz, foi preso inocentemente, e em
seguida, torturado até a morte por policiais em um Distrito Policial. “Nascia o Movimento
Negro Unificado, entidade que num curto período de tempo atingiu, após esse ato, nível
nacional, com representantes em todo país” (MALAQUIAS, 2004, p.40).
A partir da música negra norte americana, embaladas pelo consolidado ritmo do
blues e jazz de 1920, e mais tarde o soul e o gospel fomentam a participação contra os
movimentos de segregação racial e vão mobilizar a reafirmação do sujeito enquanto negro
e cidadão (LAIER; AZEVEDO, 2013). Essas influências podem ser vistas claramente na
apropriação dessa cultura e ideologia norte americana em compositores brasileiros, como
Toni Tornado, que em 1965 tornou-se imigrante clandestino dentro dos Estados Unidos
e conheceu próximo aos Panteras Negras a fúria do racismo institucionalizado daquele
país. Wilson Simonal, filho de doméstica, que dentro da casa dos patrões aprendeu inglês
com cantores da soul music americana (NACKED, 2012) e se apropriou dessa
identificação para fazer sucesso. E, ainda, Jorge Ben Jor, cantor de um estilo peculiar, o
samba rock, que constroi diferentemente de outros artistas, um novo imaginário de
homens e mulheres, sobretudo da mulher negra.
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Suas musas são belas e dignas, se distanciando do estereótipo hipersexualizado
da mulher negra, muito presente no imaginário do período, como ocorre na
maioria das representações da mulata. Tais representações sobre mulatas
aparecem em diversas canções desde o século XIX e ainda circulavam nas
décadas de 1960 e 1970. (REIS, 2014, p. 2).
Mulheres contestadoras e que marcaram época na música popular braileira, tal
como Elis Regina, que se apresentou no Festival Internacional da Canção de 1971, ao
som de “Black is beautiful”, composição de Paulo Sérgio e Marcos Valle. Apresentação
que acarretou a prisão de Toni Tornado, ao se levantar no final da música, abraçar a
cantora e fazer o símbolo do Movimento dos Panteras Negras (REIS, 2014):
“Hoje cedo, na Rua Do Ouvidor
Quantos brancos horríveis eu vi
Eu quero um homem de cor
Um deus negro do Congo ou daqui
Que se integre no meu sangue europeu
Black is beautiful, black is beautiful
Black beauty so peaceful
I wanna a black I wanna a beautiful
Hoje a noite amante negro eu vou
Vou enfeitar o meu corpo no seu
Eu quero este homem de cor
Um deus negro do congo ou daqui
Que se integre no meu sangue europeu
Black is beautiful, black is beautiful
Black beauty so peaceful
I wanna a black I wanna a Beautiful”
TRATAMENTOS ESTÉTICOS
Com tudo o que foi visto até aqui, podemos concluir que o processo histórico
marcado pelas lutas e movimentos sociais negros, contribuíram para a afirmação da
identidade e reverbera cotidianamente através da importância da representatividade,
autoestima e conhecimento.
Sabemos, no entanto, que os padrões normativos brancos do capital, é submisso a
uma indústria mercadológica que lucra no seu trabalho de tentar sucumbir essa identidade
negra por meio de tratamentos químicos para alisar o cabelo. Segundo Abraham et al
(2009), no Brasil, existem diversos tratamentos de alisamento legalizados, usando como
base hidróxidos de sódio e lítio, hidróxido de guanidina e tioglicolato de amônio. Outros,
como o uso indiscriminado de formaldeído (formol) implicam em bem-estar da saúde.
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TRANSIÇÃO CAPILAR, ACEITAÇÃO E EMPODERAMENTO
Para melhor traduzir o processo de transição capilar – processo vivenciado por
pessoas que resolvem tirar toda a química existente no cabelo, devido aos tratamentos
químicos de alisamento, influenciados pela busca de sua identidade e até mesmo por
saúde capilar e emocional – foram feitas entrevistas com mulheres, o público de maior
constância dessa atitude, membros do grupo “ Transição Capilar – O seu diário”, contando
com 14.242 integrantes de todas as partes do Brasil na rede social Facebook. Trata-se de
um grupo de pessoas que se voluntariam a dar dicas umas às outras sobre como tratar os
fios, quais os procedimentos adotados e suas experiências durante a transição capilar.
A entrevista partiu da elaboração de perguntas estruturadas e dividiu-se em três
eixos temáticos: início (para computar as questões que tratam da infância e cabelo),
transição (como foi ou está sendo o processo) e política e movimentos (computar
respostas sobre a importância da representatividade negra). A entrevista constitui um
caráter heterogêneo, uma vez que as entrevistadas possuem diferenças de idade e são de
regiões diversas.
Uma das entrevistadas passa a identidade dos cabelos cacheados para toda a
família:
Minha mãe não sabia como lidar com meu cabelo, uma vez que na minha casa só
eu tenho cabelos cacheados, sofri muito. Pois não sabia como cuidar e na época
não tinha condições financeiras pra nada. Não gostava do meu cabelo de maneira
alguma, fazia vários alisamentos e sofri muito preconceito de tudo que era lado.
Eu fiz muita progressiva porque na minha casa só eu tinha cabelo crespo, até
minha mãe incentivava a usar liso por ser mais prático. Cansei de ficar fazendo
progressiva, meus cabelos ficaram feio quebradiços e gastava horrores no salão.
De tanto alisar escovar e pranchar me cansei dessa vida, fazer escova no calor era
um sacrifício que pra mim estava sendo muito difícil. Estou em transição a um
ano e cinco meses. A dificuldade era sair de casa com meus cabelos sem escovar,
liso nas pontas e cacheados na raiz. A minha a alegria foi quando surgiu o
primeiro cacho depois de todos esses anos usando ele liso. Minha infância e
adolescência foi sempre utilizando algum tipo de relaxamento, até surgir as
progressivas a salvação pra mim. A melhor alegria de todas é que através da
minha transição meus filhos resolveram assumir seus cachos, nos tornamos a
família dos cacheados adoroooo.
[Sobre danos drásticos causados pela química]. Sim com tantos relaxamentos ao
longo dos anos, houve uma época que quase fiquei careca devido a inúmeras
químicas que tinha meus cabelos. Na verdade procuro hidratar todo final de
semana, e faço muita umectação. Porque melhora muita aparência dos cachos.
Uso shampoo só uma vez na semana, porque acho que resseca muito meu cabelo
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mesmo utilizando shampoo sem sal. Não fiz Big chop (grande corte dos cabelos,
deixando em um tamanho muito curto para que se retire toda a parte existente de
química), preferi ir cortando ao longo dos meses as pontas lisas e acho que pra
mim foi ótimo pois agora estou bem satisfeita com a aparência dos meus cabelos.
Preferi passar essa parte crítica com escova, pois ficou feio demais até consegui
meu objetivo. [Sobre os tratamentos utilizados durante o processo] Muita
fitagem, e umectação. Hoje me sinto bem comigo mesma, e olho no espelho e
amo cada dia mais meus cachos. Estou persistindo em deixar eles cacheados
porque hoje me sinto livre das químicas, posso sair na chuva e não ter medo de
molhar meus cabelos e ficarem feio. Posso ir a praia e molhar os cabelos coisa
que não poderia jamais fazer.
[Sobre considerar importante o cabelo como parte da identidade] Sim
importantíssimo, na verdade fundamental. Gosto de todas blogueiras que
passaram pela transição, Lu Carrilho, Amanda etc. Porque na verdade elas
passaram pela mesma situação que passei, e foram corajosas e persistentes. E
lógico atingiram seu objetivo que é o mais importante.
Participo de várias comunidades de cabelos crespos, em transição e pra mim
foram esses grupos que me passou segurança e foram importantes na minha
transição. [Sobre ser importante que as marcas nos representem com cacheadas e
a linha correta] Sim, importante porque incentiva cada dia mais a continuar nossa
trajetória. [Sobre considerar importante a afirmação de quem é cacheado, crespo
e ou negro na mídia] Não acho importante, acho que todos somos iguais crespo,
cacheados enfim.... Acredito que na transição todas dicas e vídeos são bemvindos, mas alguns cabe a cada pessoa selecionar o que é perigoso ou não pra si.
(Lenice Meireles da Costa, 46 anos, bancária, Osasco, SP).
Uma das entrevistadas ainda é menor, mas demonstrou muita maturidade durante
seu processo de transição:
Sempre vivia de tranças e rabo de cavalo muito apertado , quando o evento era
importante minha mae fazia cachinhos a dedo com bantante gel e tentei apenas 2
vezes escova e ficava bastante volumoso. Quando fui aprendendo a pentear eu
molhava bastante com creme para desembaraçar e prendia e como estudava de
manhã ficava sempre resfriada por isso alisei .
Fiquei 6 anos usando alisantes sempre caros e fazia chapinha toda semana em
casa. Chegou uma hora que meu cabelo começou a cair bastante e resolvi esperar
que parasse pra voltar a alisar , fiquei cerca de 7 meses sem alisar e percebi que
cacheado podia ser bonito. Então 4 meses depois resolvi fazer o bc , por ter
resolvido deixar cachear quando já tinha um tempo sem alisante e não ter tido a
paciência de esperar crescer minha transição foi bastante tranquila. Já tentei fazer
o cronograma capilar porém não tive paciência então quando posso hidrato e faço
humificação. Shampoo pessoalmente acho que é mais pra limpeza então não sou
muito qualificativa. Meu bc também foi bastante tranquilo, fui em um salão e não
tiveram de cortar pois tava apenas com 4 dedos de cabelos cacheados e o resto
liso ( meu cabelo ia até a bunda ) então cortaram até os ombros, quando cheguei
em casa comecei cortar umas pontinhas e quando fui ver tava quase careca . Não
usei nenhum truque só prendia durante os 4 meses de transição . Me sinto livre e
bem comigo mesma não ter que ficar tentando ser algo que não sou e aceitar o
jeito que Deus me fez.
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O cabelo e qualquer parte do ser humano é importante para identidade das pessoas
e sociedade. [Sobre seguir blogueiras] Não , admiro bastante a Ray [Rayza
Nicácio] pelo o que ela é, mas não sou de seguir fielmente nenhuma . Creio que
não exista realmente uma verdadeira marca que represente, se eu pudesse usaria
apenas produtos naturais como água e bicarbonato para limpeza e óleos e
verduras e frutas para hidratação e umectação . Hoje em dia a mídia retrata cachos
como uma moda , pra muitas meninas são , mas pra mim não. Produtos e dicas
vem de cada tipo de cabelo , então muita vezes o que serve pra uma pessoa não
serve pra outra. E não existe um produto milagroso . (Laila Santos Oliveira, 17
anos, estudante, Rio das Ostras, RJ).
Uma das entrevistadas não consegue oportunidade de trabalho devido ao sistema
de embelezamento exigido no mercado:
Enquanto era minha mãe que cuidava do meu cabelo era tudo sossegado, pois o
trabalho era só dela (risos),ela fazia lindos penteados e eu sempre estava muito
bem arrumada.
Enquanto era ela que cuidava eu não tinha do que reclamar,mas a partir do
momento que se tornou minha responsabilidade a coisa mudou, eu não sabia
como lidar, não tinha paciência e me sentia diferente das outras meninas de
cabelos lindos e lisos, e sempre tem aquelas piadinhas desagradáveis e quando
você é criança não tem opinião formada e não sabe como se defender e tudo te
magoa. No meu caso foi não saber como cuidar e o trabalho que eu tinha sempre
que ia me arrumar para ir á escola.a minha mãe vendo o meu sofrimento me levou
ao salão onde fiz meu 1° relaxamento aos 11 anos, e continuei a usar químicas
até os 24 anos.
Estou em transição há 1 ano e 10 meses, sempre achei lindo cabelo cacheado e
crespo, mas achei que isso estava distante de minha realidade, mas ao assistir
vídeos de meninas que passaram pela transição e conseguiram, resolvi me libertar
das químicas, da escravidão, da falta de amor próprio e de gastos desnecessários.
A dificuldade é a dupla textura, a raiz alta, a sociedade que quer impor suas regras
e padrões e a alegria é ver que esse movimento de aceitação, transição está
tomando conta de muitas divas, e também quando vejo meu próprio crespo se
desenvolvendo e lindos cabelos nas ruas. [Sobre danos drásticos com químicas]
sim sofri 2 cortes químicos,alopecia,quebra e queda. [Sobre tratamentos
utilizados durante a transição] sigo a risca o cronograma, pois ele ajuda muito a
desenvolver o cabelo, cuidar e facilitar a transição, deixa os fios fortes, saudáveis,
com vida e brilho.
[Sobre usar shampoo e sua realçao com ele] uso , sem maiores problemas, não
acho que danifique, pois cuido muito do meu fuá. Optei por ir cortando aos
poucos, pois tive alopecia e fiquei com 2 buracos (lisos, careca) aí estou
esperando igualar,e para piorar fiz luzes e tive quebra total,aí se fizer o bc irá ficar
muito estranho, e porque estou em busca de emprego e as empresas ainda tem
preconceito.
[Truques e cuidados para passar pela transição] texturizações, fitagem, e ás vezes
faço prancha, mas sempre cuidando muito. Apenas sigo o cronograma, e com
produtos naturais. Me sinto realizada, apesar da transição, pois estou me
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redescobrindo e me amando mais, me aceitando. Melhora a minha aceitação,alto
estima e descobrir como sou de verdade.
[Sobre discutir que o cabelo faz parte da identidade] sim,pois muitas não sabem
o quanto são lindas,autênticas e empoderadas. Taís Araújo, Sheron Menezes,
Negra Li, Ray Nicácio, Nanda Chaves, Joyce Carter, Dani Azevedo, Beyonce,
Day Spiridon, e Lupita, todas elas sabem se impor, valorizam o que são e buscam
seu lugar ao sol
[Sobre seguir blogueiras] sim grupo fãs da Ray, pois tem a troca de experiências,
idéias, fotos e ajuda para as meninas. Tem que haver linhas que nos representem
com meninas com o cabelo igual ou parecido com o nosso, só que sem químicas,
pois muitos seguem e respeitam o que está em evidência,que está na mídia. Acho
que cada uma deve saber o que é melhor para si, procurando pesquisar os prós e
contras, pois nem tudo que dá certo para uma será bom para todas. (Ana Cláudia
Santos, 25 anos, estuda Técnico em Logística, Guarulhos, SP).
A última entrevistada que mesmo confessando não se sentir bem, continua
confiante para que conclua a sua transição:
[O cabelo na infância] Desde sempre muito difícil, na primeira infância com ele
natural com volume e difícil de pentear vivia de tranças, como a minha mãe não
sabia fazê-las tinha que ficar com as tranças desfazendo por dias até que minha
tia pudesse refazê-las. Não gostava do cabelo que tinha, via as meninas cada dia
com um penteado diferente e eu sempre com a “mesma cara”, sempre sofri
preconceito era chamada de Medusa.
A minha mãe tinha o cabelo alisado, a maioria das negras adultas que conhecia e
conviviam tinham também e um belo dia vi a possibilidade de poder sentir meu
cabelo nas costas e não mais a toalha como fazia quando queria fingir ter cabelo
“bom” era um produto verde fedido, e desde então meu cabelo nunca mais foi o
mesmo digo nunca mais porque estou na 3 tentativa de transição, porque quando
ele cresce fica bonito e tal, ainda por pressão por comodidade penso por que não
dá um “susto”( quando você relaxa com um pouco de creme, só pra deixar o
cabelo mais maleável).
Foi crucial um vídeo que vi na internet, antes de tomar a decisão usava aplique
de cabelo cacheado que eu mesma aprendi a fazer para ganhar tempo e não perder
dinheiro, então mas percebi que as pessoas elogiavam muito mas senti que elas
elogiavam o cabelo de outra pessoa, não era o meu não era Eu!!!, como citei
acima está durando 3 anos. Tive muita dificuldade em casa com meu esposo, que
confesso não me apoiou e não apoia, apesar de ele ser negro tem pensamento
muito diferente ele até quer me ver com o cabelo da Sheron Menezes, mas não
tem paciência de esperar que isso aconteça, mas tiro de letra por que foi decisão
difícil mas é impossível voltar atrás ( Uma mente que se abre a uma nova ideia,
jamais voltará ao seu tamanho original né?) [Dano drástico causado pela
química] Sim, todas as vezes que utilizava, teve uma vez do meu coro cabeludo
ficar minando por dias, achei que ia morrer.
[Sobre seguir o cronograma capilar] Não a risca, mas bem próximo do que é
proposto, inclusive quero registrar que pra mim a maior revolução não está só
em usar ou não química, mas em aprendermos a cuidar dos nossos cabelos,
lembro que o único cuidado que tinha era alisar de 15 em 15 dias hidratação nem
sabia o que era isso. [Como é sua relação com o shampoo] É ótima estou usando
um natural que ajuda no crescimento. Em todas minhas três tentativas fiz o big
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chop logo de cara até porque a situação era periclitante. Agora que estou com
esse problema estou usando coque, e a gelatina incolor no creme de pentear que
cacheia bem. Tudo, tudo que falam que é bom e eu vejo que tem uma certa
coerência , eu topo.
Estou péssima, quase ficando careca por causa da amamentação, mas bola pra
frente recomeçando novamente. Eu brinco ainda nesta vida, por que nem sei se
tem outra o meu cabelo vai ficar lindo, estou lutando por isso. [Sobre considerar
importante que se discuta que nosso cabelo faz parte da identidade] Com certeza.
[Sobre se sentir representada] Olha eu assisto muitos vídeos, muitas blogueiras
mas há um problema nisso, muitas fizeram se de um ato somente uma forma de
ganhar dinheiro perderam o foco. Agora marca muito difícil, não me iludo por
que sei que as marcas estão somente cedendo a oferta por que a procura sempre
foi enorme, mas agora está na mídia sabe que agora consumimos, eles dizem
pare de usar frutas e verduras nos cabelos nos fabricamos produtos pra
vocês.[Sobre participar de comunidade de fãs] Não.
Apesar do discurso acima, me sinto muito bem quando vejo uma negra cacheada,
no comercial de creme por exemplo, fica bem próximo da minha
realidade.[Considera importante a afirmação de quem é cacheado, crespo e ou
negro na mídia? ]Sim é importante por que a partir daí outras pessoas com uma
cabelo, menos evoluída no assunto aceita mais fácil. Eu acho engraçado, um
mesmo dizia para passar sabão em pó que tirava o alisamento, é preciso pesquisar
muito antes de fazer qualquer procedimento por mais simples ou a transição vai
pelo ralo e aí é começar tudo novamente. (Avanaildes Oliveira da Conceição, 29
anos, Técnica em Administração, Hortolândia, SP).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Contudo, é preciso que fique claro que este trabalho pretende suscitar novas
formas de pensamento diante dos nossos cabelos e da própria identidade. Sem condenar
as escolhas de quem o prefere não fazê-lo e se submeter as químicas. Trata-se da
oportunidade de uma alternativa diferente daquilo que se tencionou a se fazer obrigatório
em nós.
REFERÊNCIAS
ABRAHAM, Leonardo Spagnol et al. Tratamentos estéticos e cuidados dos cabelos: uma visão
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