UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
INSTITUTO COPPEAD DE ADMINISTRAÇÃO
Felipe Magalhães Bohrer
A INTEGRAÇÃO ENTRE DIFERENTES ABORDAGENS COMPORTAMENTAIS
E O PROCESSO DE INTERNACIONALIZAÇÃO DE BORN GLOBALS COM
MAIS DE UMA DÉCADA DE EXISTÊNCIA: ESTUDO DOS CASOS
MERCADOLIBRE E EBAY
Rio de Janeiro, 2012
2
Felipe Magalhães Bohrer
A INTEGRAÇÃO ENTRE DIFERENTES ABORDAGENS COMPORTAMENTAIS E O
PROCESSO DE INTERNACIONALIZAÇÃO DE BORN GLOBALS COM MAIS DE
UMA DÉCADA DE EXISTÊNCIA: ESTUDO DOS CASOS MERCADOLIBRE E EBAY
Dissertação de Mestrado apresentada
ao Programa de Pós-Graduação em
Administração, Instituto COPPEAD de
Administração,Universidade
Federal
do Rio de Janeiro, como requisitos
parcial à obtenção do título de Mestre
em Administração
Orientador: Prof. Luis Antônio da Rocha Dib
Rio de Janeiro, 2012
3
FICHA CATALOGRÁFICA
B676i
Bohrer, Felipe Magalhães
A integração entre diferentes abordagens comportamentais e o processo de
internacionalização de Born Globals com mais de uma década de existência:
estudo dos casos Mercadolibre e Ebay / Felipe Magalhães Bohrer. -- Rio de
Janeiro: UFRJ, 2012.
120 f.: il.; 31 cm.
Orientador: Luis Antônio da Rocha Dib
Dissertação (mestrado) – Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ,
Instituto COPPEAD de Administração, 2012.
1. Marketing. 2. Comércio eletrônico. 3. Administração – Teses. I. Dib, Luis
Antônio da Rocha. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto
COPPEAD de Administração. III. Título.
CDD: 382.6
4
AGRADECIMENTOS
Agradeço aos meus pais pelo apoio e pela disposição em participar do meu
processo de aprendizado, mesmo que fosse com uma palavra de apoio ou com um
lanche no meio da noite. O mesmo se aplica ao resto da minha família, pela torcida e
pelo interesse.
Agradeço à minha querida namorada Ana Carolina, companheira de todas as horas,
que me incentivou desde os processos de seleção para o mestrado até a defesa da
dissertação e compreendeu a entrega necessária que todo este processo exigiu.
Para ela, todo o meu amor.
Guardo um agradecimento especial para o meu orientador Luis Antonio Dib, que
emprestou todo o seu conhecimento para que esta pesquisa fosse possível. Boa
parte dos méritos deste trabalho se deve à sua exigência e seu domínio a respeito
do tema estudado. Não posso deixar de lembrar dos demais professores do
COPPEAD, que cada um a seu jeito foram tão importantes na minha formação. Além
deles, os funcionários do COPPEAD sempre disponíveis para resolverem todas as
demandas.
Gostaria de agradecer à turma 2010 pelos momentos maravilhosos que passamos,
nas salas de aula, pelos corredores do COPPEAD, em grupos de estudo ou nos
inúmeros eventos. Em especial, destaco o Grupo 5, do Schumpeterian Shocks e os
meus colegas da turma de marketing. Levarei estes momentos para toda a minha
vida.
Por último, agradeço a Deus, que permitiu que tudo isso fosse possível e me ajudou
a ter força para passar por todo este processo e sair dele uma pessoa melhor.
5
BOHRER, Felipe Magalhães. A integração entre diferentes abordagens
comportamentais e o processo de internacionalização de Born Globals com
mais de uma década de existência: estudo dos casos MercadoLibre e eBay
Rio de Janeiro, 2012. Dissertação (Mestrado em Administração)- Instituto COPPEAD
de Administração, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2012
RESUMO
O presente estudo tem por objetivo oferecer uma percepção dos processos de
expansão internacional de empresas de comércio eletrônico à luz das
abordagens comportamentais de internacionalização de empresas. Através de
uma pesquisa qualitativa de estudo de múltiplos casos do tipo exploratória foram
estudadas as empresas de comércio eletrônico MercadoLibre, criada na
Argentina em 1999, e eBay, concebida nos Estados Unidos em 1995. Os dados
foram obtidos de forma secundária a partir de revistas, jornais, matérias em
websites noticiosos e conversas informais com profissionais do mercado. Após
descrição dos dois casos entre a fundação das empresas e o ano de 2011, foi
efetuada uma análise do caso utilizando o modelo de Dib (2008), contemplando
tendências globais, fatores ambientais do país, fatores ambientais da indústria,
fatores específicos da empresa e fatores específicos do empreendedor. Na
análise foi constatada a interação entre as quatro abordagens comportamentais
estudadas: Modelo de Uppsala, Perspectiva das Networks, Empreendedorismo
Internacional e Born Globals, sendo uma delas de forma isolada incapaz de
explicar o processo de internacionalização das firmas escolhidas. Foi também
encontrada uma forte relação entre a importância estratégica do país escolhido e
o modelo de entrada seguido. Por fim, foi sugerido que o estudo aplicado seja
testado em outros mercados e de forma quantitativa no mercado de comércio
eletrônico.
Palavras-chave: Internacionalização de empresas. Comércio Eletrônico.
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BOHRER, Felipe Magalhães. A integração entre diferentes abordagens
comportamentais e o processo de internacionalização de Born Globals com
mais de uma década de existência: estudo dos casos MercadoLibre e eBay
Rio de Janeiro, 2012. Dissertação (Mestrado em Administração)- Instituto COPPEAD
de Administração, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2012
ABSTRACT
The present study aims to provide a perception of the processes of international
expansion of e-commerce companies in the light of behavioral approaches of
internationalization of companies. Through an exploratory type qualitative
research study of multiple cases were studied e-commerce companies
MercadoLibre, created in Argentina in 1999, and eBay, born in the United States
in 1995. Data were obtained from a secondary form of magazines, newspapers,
news websites and materials in informal conversations with market professionals.
After the description of two cases among the founding companies and the year
2011, was made an analysis of the case using the model of Dib (2008), covering
global trends, the country's environmental factors, environmental factors, industry
factors and company-specific factors specific to the entrepreneur. In analyzing
the interaction was found between the four studied behavioral approaches:
Model Uppsala, Perspective Networks, International New Ventures and Born
Globals,
one
of
them
in
isolation
unable
to
explain
the
process of
internationalization of firms chosen. It was also found a strong relationship
between the strategic importance of the chosen country and the entry model
followed. Finally, it was suggested that the study should be applied in other
markets and tested in a quantitative way in e-commerce market.
Keywords: Enterprise Internationalization. E-commerce.
7
SUMÁRIO
1.INTRODUÇÃO.................................................................................................. 11
1.1 OBJETIVOS DO ESTUDO ......................................................................... 12
1.2 O MERCADO DE E-COMMERCE ............................................................. 12
2. REFERENCIAL TEÓRICO .............................................................................. 15
2.1 TEORIAS COMPORTAMENTAIS .............................................................. 16
2.1.1 Modelo De Uppsala ............................................................................ 16
2.1.2 Perspectiva Das Networks ................................................................ 22
2.1.3 Empreendedorismo Internacional.................................................... 28
2.2.1 Fatores Externos Das Born Globals (Pré-Condições) ................... 36
2.2.2 Fatores Internos Das Born Globals (Definições) ............................ 38
2.2.3 Modelos De Análise ........................................................................... 45
2.2.4 Pesquisas Sobre Born Globals Na América Latina........................ 50
3. DISCUSSÃO DO MÉTODO ............................................................................ 51
3.1.DEFINIÇÃO DAS PERGUNTAS DE PESQUISA ...................................... 52
3.2. NATUREZA DO ESTUDO......................................................................... 52
8
3.3. OS CASOS ESCOLHIDOS ....................................................................... 56
3.4. COLETA DE DADOS ................................................................................ 57
3.5. LIMITAÇÕES DO MÉTODO DE ESTUDO DE CASO .............................. 57
3.6. LIMITAÇÕES DA PESQUISA ................................................................... 58
3.7.DEFINIÇÃO OPERACIONAL DE BORN GLOBAL .................................... 58
3.8. MODELO DE ANÁLISE ADOTADO .......................................................... 59
4. DESCRIÇÃO DOS CASOS ............................................................................. 60
4.1 MERCADOLIBRE ....................................................................................... 60
4.1.1 Breve Histórico .................................................................................. 60
4.1.2 O Ambiente De Negócios .................................................................. 61
4.1.3 Os Principais Concorrentes ............................................................. 64
4.1.4 O Movimento De Internacionalização Para O Brasil ...................... 66
4.1.5 Resultados E Conseqüências .......................................................... 69
4.2 EBAY .......................................................................................................... 72
4.2.1 Criação Do Ebay ................................................................................ 72
4.2.2 Crescimento ....................................................................................... 73
9
4.2.3 Começo Da Internacionalização ....................................................... 75
4.2.4 Internacionalização Para A Europa.................................................. 75
4.2.5 Internacionalização Para A América Latina .................................... 77
4.2.6 O Fracasso Japonês .......................................................................... 77
4.2.7 Expansão Para A Ásia E Problemas Culturais ............................... 79
4.2.8 O Mercado De Pagamentos .............................................................. 80
4.2.9 Ebay International Market ................................................................. 82
5. ANÁLISE DOS CASOS .................................................................................. 82
5.1 TENDÊNCIAS GLOBAIS ........................................................................... 86
5.2 FATORES AMBIENTAIS DOS PAÍSES ..................................................... 87
5.3 FATORES AMBIENTAIS DA INDÚSTRIA ................................................. 89
5.4 FATORES ESPECÍFICOS DAS EMPRESAS............................................ 90
5.5 FATORES INDIVIDUAIS DOS EMPREENDEDORES .............................. 94
6. CONCLUSÃO E RECOMENDAÇÕES ......................................................... 101
6.1. CONCLUSÃO .......................................................................................... 101
6.2. RECOMENDAÇÕES PARA PESQUISAS FUTURAS ............................ 105
10
7. BIBLIOGRAFIA ............................................................................................. 107
8. BIBLIOGRAFIA DOS CASOS ...................................................................... 113
11
1.INTRODUÇÃO
Na metade final da década de 1990, o mundo sofreu uma grande transformação:
a popularização da Internet comercial. Embora já existisse como uma rede
privada, primeiro militar e depois no âmbito acadêmico, a criação do sistema
World WideWeb em 1990, e a posterior abertura da rede para fins comerciais,
gerou condições para um novo mercado, com características singulares frente
ao universo das empresas tradicionais.
Dentre as muitas mudanças trazidas pela Internet, podemos destacar o
comércio como uma das áreas mais impactadas. A partir daquele momento,uma
página poderia ser acessada de qualquer lugar do mundo, o que quer dizer que
uma vez que a empresa abrisse a sua “loja” na Internet, ela estaria disponível –
ao menos para visita – em todos os continentes. Tal característica trouxe
umanova vertente para os processos de internacionalização de empresas.
O estudo das teorias de internacionalização de empresas teve seu início durante
a década de 1960, com teorias que seguiam modelos da Economia. Podem ser
detacadas a teoria do Poder de Mercado (HYMER, 1960), a do Ciclo de Vida
dos Produtos (VERNON, 1966)ou o chamado Paradigma Eclético (DUNNING,
1977). Estas teorias focavam no estudo da internacionalização de grandes
empresas.
Na
década
de
1970
surgiu
uma
nova
abordagem,
chamada
de
Comportamental.Dentre suas principais teorias destacam-se o Modelo de
Uppsala, (JOHANSON E VAHLNE, 1977), a perspectiva de Networks
(JOHANSON E MATTSON, 1988), o estudo do Empreendedorismo Internacional
(OVIATT E MCDOUGALL, 1994) e das empresas Born Globals (RENNIE, 1993).
Estas teorias consideravam também as pequenas e médias empresas e
estavam interessadas em como elas procediam em seus movimentos
internacionais, desde o início de seus processos de internacionalização.
12
1.1 OBJETIVOS DO ESTUDO
O presente estudo tem por objetivo oferecer uma percepção dos processos de
expansão internacional de empresas de comércio eletrônico à luz das
abordagens comportamentais de internacionalização de empresas, como o
Modelo de Uppsala, o Empreendedorismo Internacional, a perspectiva de
Networks e o fenômeno das Born Globals. Mais do que confrontar as diferentes
correntes teóricas, este estudo pretende se utilizar da conciliação destas para
um melhor entendimento das especificidades dos casos escolhidos, e
conseqüentemente do mercado de comércio eletrônico.
Para atingir este objetivo foi formulada a seguinte pergunta de pesquisa: como
as abordagens comportamentais das teorias de internacionalização
de
empresas ajudam a explicar os movimentos de internacionalização do
MercadoLibre e do eBay ao longo da existência das empresas, entre 1995 e
2012?
1.2 O MERCADO DE E-COMMERCE
O número de usuários de internet aumentou de forma dramática na última
década. Apenas entre os anos de 2000 e 2011, obteve crescimento de 528%,
chegando a mais de dois bilhões de usuários (INTERNET WORLD STATS,
2012).
Este ritmo vem sendo acompanhado pelo mercado de comércio eletrônico com
crescimento sustentado de mais de 20% ao ano – exceção feita a 2009, no auge
da crise mundial – chegando aos US$ 700 bilhões em 2011 e com a expectativa
de gerar US$1 trilhão até o fim de 2013 (JP MORGAN, 2011). Este valor por si já
seria significativo, mas torna-se impressionante se lembrarmos que este
mercado não existia no início da década de 1990.
A primeira loja online disponível para os consumidores foi a inglesa Gateshead
SIS/Tesco, com Jane Snowball, uma senhora inglesa, executando a primeira
13
compra, no ano de 1984. O sistema utilizado era o teletexto, que utilizava
terminais ligados a uma rede, uma espécie de internet rudimentar.
Apenas no ano de 1995 a primeira loja virtual para consumidores na internet, a
livraria Amazon.com, fundada por Jeff Bezos, iniciou as suas operações. A
empresa pode ser considerada um símbolo da expansão do chamado comércio
eletrônico(e-commerce) no mundo, tendo iniciado em uma garagem na cidade
de Seattle (EUA), e chegado ao ano de 2011 com 56.200 funcionários e US$48
bilhões em vendas (AMAZON.COM, 2012).Também em 1995 seria fundado o
eBay, uma das empresas estudadas nesta pesquisa.
No ano de 2000, 64 milhões de norte-americanos já compravam online. No
mercado europeu, um em cada 11 habitantes comprava online (TEHAN, 2002).
Empresas de e-commerce se tornaram expoentes do fenômeno das companhias
“ponto com” (“dotcom”), que passaram a ter acesso a grande quantidade de
capital de investimento, mesmo com grande incerteza acerca de seu potencial
de rentabilidade ou crescimento.
No entanto, em março de 2000, o índice NASDAQ, bolsa norte-americana onde
a maior parte das empresas de e-commerce operava, foi fortemente impactado
pelo aumento expressivo dos juros, causado pelo temor de uma explosão de
inflação devida aos valores inflados e à alta disponibilidade de capital naquele
mercado. A conseqüência deste ato foi a escassez de capital para as empresas
de internet em poucas semanas, causando a quebra de várias delas.
Por exemplo, este foi o caso da Pets.com, e-commerce para produtos da
categoria de pet shop, fundada em 1998, que levantou grandes somas de
investimentos, chegando inclusive a fazer uma oferta pública de ações,
captando 82 milhões de dólares em fevereiro de 2000 e anunciando com um
filme publicitário no espaço mais dispendioso da televisão dos EUA: o intervalo
do Superbowl, a final do campeonato nacional de futebol americano(CNET,
2000).
14
Assim como outras empresas de sua indústria, a Pets.com encerrou suas
operações antes do fim daquele ano. Os grandes prejuízos causados por
vendas com margens negativas e investimentos vultosos em publicidade
devoraram todo o capital da empresa, que não teve como buscar mais
investimentos no mercado.
A consolidação do mercado, assim, foi inevitável, embora mesmo com um
número menor de empresas, o crescimento tenha continuado acelerado nos
últimos anos, como podemos ver na Figura 1.
FIGURA 1 – EVOLUÇÃO FATURAMENTO ANUAL E-COMMERCE (EM U$ MILHÕES)
1.000.000
900.000
800.000
700.000
600.000
500.000
400.000
300.000
200.000
100.000
0
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010E
2011E
2012E
2013E
Valores em U$MM
FONTE: (JP MORGAN, 2011)
Em 2012, o desafio da indústria de comércio eletrônico é mais amplo. O
aparecimento de tecnologias de mobilidade (mobile), fez com o que e-commerce
se tornasse um concorrente mais ativo do varejo físico, afinal, o consumidor
pode comparar preços, obter informações e, por fim, comprar online de qualquer
lugar, até mesmo de dentro de uma loja física, em seu celular ou tablet. O
consumidor tem cada vez mais poder, por ter acesso a meios formais (no caso
brasileiro, o PROCON) e informais de reclamação (redes sociais, e sites como
Reclame Aqui e Confiômetro).
15
2. REFERENCIAL TEÓRICO
Para melhor entender oscasos estudados nesta dissertação serão abordadas as
principais teorias sobre a internacionalização de empresas. Podem ser
destacadas duas abordagens diferentes quanto a este tema: as abordagens
econômicas e as abordagens comportamentais.
Dentre as abordagens baseadas em decisões econômicas, a teoria de poder de
mercado de Hymer (1960) foi seminal. Esta previa que a propensão da empresa
em relação à tomada de riscos e aos custos de um movimento internacional
eram diretamente relacionadas à percepção da possibilidade de aumento de
poder do mercado e consequentemente de sua receita e lucros. A utilização de
vantagens únicas da empresa (transferíveis ou não) no país de atuação ou a
rivalidade com possíveis concorrentes eram tratados comos os principais
motivos para que a empresa executasse este movimento.
Outra teoria relevante dentro das abordagens econômicas é a do Ciclo de Vida
de Vernon (1966). Nesta, o autor defende que é necessário que se dê mais
ênfase a pontos como o timing de inovação, economias de escala e das
incertezas nos processos comerciais em detrimento da doutrina de comparação
de custos vigente até então. Baseado na curva do ciclo de vida, produtos que
estivessem ainda na fase de crescimento, deveriam ser fabricados nos países
desenvolvidos, devido à ânsia por mudanças constantes, da baixa elasticidade
de preço no período ou da necessidade de comunicação entre clientes e
fornecedores. Em produtos na fase de maturidade, a procura por flexibilidade é
reduzida, abre-se a oportunidade de economias de escala, somados à maior
preocupação com custos e à redução das incertezas formaria um quadro
favorável para que esta produção fosse levada à outros países.
Dunning (1977) buscou com seu paradigma eclético montar uma explicação
sistêmica onde as atividades da empresa no exterior aumentam mediante sua
habilidade para internalizar mercados em seu favor. Sendo assim, a empresa só
se comprometerá com negócios no exterior caso: (1) possua vantagens
16
competitivas exclusivas frente a empresas de outros países em relação a um
determinado mercado; (2) deve ser mais benéfico para a empresa utilizar estas
vantagens frente a simplesmente negociá-las – chamadas de vantagens de
internalização – e; (3) é necessário que interesse às empresas utilizarem estas
vantagens em conjunto com outros insumos fora de seu país natal – chamadas
de vantagens de localização.
Como as teorias econômicas foram desenvolvidas para explicar a atuação
internacional de grandes empresas multinacionais, o foco desta dissertação
estará mais nas teorias chamadas comportamentais, que foram desenvolvidas
com a preocupação de entender o processo de internacionalização, desde seus
movimentos iniciais e que, por isso, melhor se aplicam aos objetivos deste
dissertação.
2.1 TEORIAS COMPORTAMENTAIS
Neste
trabalho
daremos
atenção
especial
às
teorias
da
corrente
comportamental, estudando inicialmente o Modelo de Uppsala, criado em
meados da década de 1970 em trabalhos de Johanson e WiedersheimPaul(1975) e Johanson e Vahlne (1977) e que prevê um processo de
internacionalização lenta e gradual em contraposição ao conceito de Born
Globalsconforme batizado por Rennie (1993), no qual a empresa se
internacionaliza rapidamente após sua fundação. Para complementar estes
conceitos,
serão
consideradas
também
outras
teorias
da
abordagem
comportamental, como a do Empreendedorismo Internacional (ou International
New Ventures – INV) e a perspectiva de Networks, que fornecem importantes
insights sobre os casos estudados mais adiante nesta dissertação.
2.1.1 MODELO DE UPPSALA
Johanson e Wiedersheim-Paul(1975), ao estudarem as empresas industriais
suecas Sandvik, Atlas, Copco e Facit, observaram que estas não seguiam os
modelos econômicos de internacionalização de empresas e executavam este
17
movimento de forma lenta, sem os grandes investimentos das firmas
multinacionais. Desta forma, os autores concluíram que a internacionalização de
empresas é um processo onde o envolvimento internacional é gradualmente
aumentado.Johanson e Wiedersheim-Paul(1975) identificaram quatro estágios
pelos quais passa a organização que se internacionaliza:(1) a firma atende
apenas ao mercado doméstico, (2) exportação por meio de representantes
independentes, (3) criação de uma subsidiária de vendas, mas ainda sem
produção no exterior, e (4) abertura de plantas para produção diretamente no
país de atuação. Estes passos estão esquematizados na Figura 2.
FIGURA 2 – MODELO DE ESTÁGIOS DE INTERNACIONALIZAÇÃO
Empresa não
internacionalizada
Exportação por
meio de
representantes
independentes
Criação de
subsidiária de
vendas
Produção /
fabricação no
país de atuação
Fonte: JOHANSON e WIEDERSHEIM-PAUL (1975)
Johanson e Vahlne (2009) voltaram à teoria três décadas mais tarde,
reafirmando que o processo de internacionalização se inicia em mercados de
baixa distância psíquica, através de modelos de baixo comprometimento
(podemos citar como exemplo a exportação, escritórios de representação ou
modelos contratuais, entre outros) e após certo período migra para modelos de
maior comprometimento como o estabelecimento de subsidiárias. Os autores
pontuaram também algumas alterações na teoria, como a maior participação de
aquisições nos modos de internacionalização das empresas e a maior
velocidade dos negócios globais. Todavia, segundo os autores, estas alterações
não devem ser vistas como mudanças fundamentais à teoria, que se manteria
estável em seus pontos-chave.
O modelo proposto, conhecido hoje como Modelo de Uppsala, considera que o
estágio atual de internacionalização é um fator crucial para o entendimento do
18
processo dos próximos passos desta. Johanson e Vahlne (1977) dividiram os
aspectos estudados em dois grupos: os aspectos de estado, que compreendiam
o comprometimento com os mercados estrangeiros e o conhecimento sobre
estes mercados e suas operações; e os aspectos de mudança que
compreendem as decisões de comprometimento de recursos a o desempenho
dos atuais negócios. Segundo Johanson e Wiedersheim-Paul (1975), os maiores
obstáculos a transpor no processo de internacionalização seriam a escassez de
recursos e de conhecimento.
Utilizando a premissa de que a meta da empresa é o lucro de longo prazo e que
esta busca evitar tomada de grandes riscos, os autores propõem que os
aspectos de estado afetam ambos os aspectos de mudança. Estes, por sua vez
transformam de volta os aspectos de estado em um processo cíclico, como
ilustrado na Figura 3.
FIGURA 3 – O MECANISMO BÁSICO DE INTERNACIONALIZAÇÃO – ASPECTOS DE
ESTADO E DE MUDANÇA
Estado
Mudança
Conhecimento
de Mercado
Decisões de
Comprometimento
Comprometimento de
Mercado
Atividades
Atuais
Fonte: JOHANSON e VAHLNE (1977)
Explorando mais os aspectos de estado, Johanson e Vahlne (1977) afirmaram
que o comprometimento com os mercados estrangeiros se divide em dois
fatores: a quantidade de recursos comprometidos e o grau de comprometimento,
medido pela dificuldade em encontrar investimentos alternativos a estes. Quanto
mais especializados e integrados foremos recursos, mais difícil será a
descoberta de investimentos alternativos para a firma.Johanson e Vahlne(2009),
19
em revisão à teoria original, sugeriram que este aspecto deva ser renomeado
para “posição na rede de relacionamentos”, uma vez que o processo de
internacionalização
da
empresa
está
contido
dentro
do
conceito
de
relacionamentos, e que o sucesso deste processo está ligado aos níveis
específicos de conhecimento, confiança e comprometimento característicos dos
relacionamentos. Os autores buscaram assim conciliar o Modelo de Uppsala
com a perspectiva de Networks.
O conhecimento de mercado, por sua vez, segundo Johanson e Vahlne(1977),
tem por característica ser experiencial e é crítico para o sucesso da
internacionalização, uma vez que não pode ser adquirido como o conhecimento
objetivo. Os autores destacam que, ao se internacionalizarem, as empresas não
possuem nenhum conhecimento experiencial, que só será obtido após certo
tempo de operação. Johanson e Vahlne(1977) propõem ainda outra forma de
divisão
do
conhecimento
objetivo:
conhecimento
geral
da
empresa
e
conhecimento específico de um mercado, que pode ser obtido através da
transferência de conhecimento de um mercado para outro. Posteriormente,
Johanson e Vahlne(2009) propuseram a alteração do nome deste aspecto para
Conhecimento de Oportunidades, uma vez que os autores passam a considerar
as oportunidades como elemento mais importante do conhecimento de
empresas que se internacionalizam.
Johanson e Vahlne(1977) concluíram que existe relação direta entre o
comprometimento de mercado e o conhecimento de mercado. Esta relação
consiste na percepção de maior valor do conhecimento de mercado quanto
maior for o comprometimento da empresa com um determinado mercado. Os
autores apontaram ainda que o ponto anterior se aplica especialmente ao
conceito de conhecimento experiencial, uma vez que é associado a um mercado
individual e não pode ser transferido para outros indivíduos ou mercados.
Aprofundando-se um pouco mais nos aspectos de mudança, Johanson e Vahlne
(1977) utilizaram a premissa de que as conseqüências de uma determinada
atividade da empresa só se materializam após certo tempo, o que quer dizer que
20
estas conseqüências só serão percebidas à medida que estas são repetidas em
maior ou menor intensidade. Este conceito é importante para entender o que os
autores chamam de “Current Business Activities” – que estamos tratando por
Atividades Atuais – no qual os autores assumem que o comprometimento total
com o mercado será maior à medida que o produto e suas atividades sejam
mais complexos e diferenciados. Johanson e Vahlne (1977) complementaram
afirmando que a contratação de pessoal com experiência no mercado-alvo pode
diminuir esta distância de tempo. No entanto, nem sempre este conhecimento
pode ser adquirido, o que para os autores, se converte em um importante fator
de explicação para um processo mais lento de internacionalização. Johanson e
Vahlne (2009) revisitaram este aspecto, sugerindo sua alteração para
“Aprendizado, criação e construção de confiança” a fim de dar maior destaque
às saídas do processo e às relações afetivas envolvidas especialmente na
construção de confiança.
O segundo item dos Aspectos de Mudança, “Commitment Decisions”, que
iremos tratar por decisões de comprometimento, pode ser melhor explicado
como as decisões de comprometer recursos em atividades estrangeiras.
Johanson e Vahlne (1977) entenderam que este ponto está intimamente ligado à
maneira que as alternativas são percebidas, seja por criação ou descoberta
(Johanson e Vahlne, 2009) e como elas são escolhidas. Em relação ao primeiro
ponto, assumiram que decisões são tomadas frente a oportunidades e
problemas e sendo assim dependentes da experiência da empresa, uma vez
que representam percepções de necessidades e possibilidades para ações de
negócios. Por conseguinte, a experiência da organização assim como a
experiência no mercado-alvo é considerada relevante pelos autores.Johanson e
Vahlne(2009) complementaram que um forte comprometimento com parceiros
pode também ser relevante neste quesito, uma vez que certos tipos de
conhecimento estão restritos a insiders da rede de relacionamentos, e não
disponíveis ao grande público, propondo também a alteração do nome deste
aspecto para “Decisões de comprometimento e relacionamento”. A variável
Tolerância ao Risco se torna importante nesta discussão, embora seja um fator
visto como muito complexo por Johanson e Vahlne (1977). Portanto, a não ser
que a empresa disponha de grande quantidade de recursos e/ou as condições
21
de mercado foram estáveis ou homogêneas ou a empresa apresente grande
experiência
no
mercado
ou
em
mercados
semelhantes
ou
forte
comprometimento em relação a seus parceiros nas redes de relacionamentos,
comprometimentos adicionais a fim de mitigar riscos e aproveitar oportunidades
serão feitos em pequenos passos.
Embora seja um modelo amplamente utilizado, a Teoria de Uppsala recebe
críticas de diversos autores, algumas das quais iremos abordar a seguir. Estas
críticas se dividem em dois principais blocos: os que questionam o modelo de
estágios em si e os que argumentam contra o processo de internacionalização
(HADJIKHANI, 1997).
Em relação ao modelo de estágios, Andersen (1993) apontou a que o Modelo de
Uppsala não observava possíveis decisões estratégicas dos gestores em
relação a sinais do mercado e de competidores. Além disso, pouca atenção foi
dada à dimensão tempo, uma vez que embora delimitados os estágios, não há
apontamento teórico sobre o tempo que cada um deles deveria durar. Hagen e
Hennart (2004) afirmam que variáveis econômicas como o tamanho do mercado
ou as eficiências de escala da empresa podem ter grande efeito sobre a
distância psíquica e por isso não podem ser negligenciadas. Para Oviatt e
McDougall (1999), a importância cada vez maior destes fatores externos tornou
o Modelo de Uppsala relevante para empresas que estão em um número cada
vez menor de indústrias isoladas do processo de globalização.
Já em relação ao processo de internacionalização, Frosgren (2001) questionou o
processo de aprendizado organizacional focado primordialmente no aprendizado
de experiência proposto pelo modelo.Segundo o autor, esta seria uma visão
estreita uma vez que não fazem parte do modelo proposto importantes
dimensões do conceito teórico de aprendizado organizacional, como o
aprendizado através de comportamento mimético, aquisição de empresas com o
conhecimento desejado ou a busca por formas alternativas de conhecimento. Os
próprios criadores da Teoria de Uppsala, Johanson e Vahlne (2009) em seu
texto de revisão do modelo buscaram uma visão mais ampla do processo de
22
aprendizado organizacional do que o proposto em Johanson e Vahlne (1977) ao
aproximarem a questão das redes de relacionamento com este aprendizado.
Frosgren e Hagström (2007) prosseguiram a crítica ao modelo como uma
explicação universal para o processo de internacionalização das empresas ao
estudar o caso da internacionalização de oito empresas de internet e perceber
que algumas das empresas se internacionalizavam com grande grau de
comprometimento para países que não tinham conhecimento algum (e sendo
assim, não tendo passado por fase de aprendizado organizacional) caso
tivessem a percepção de que o processo de não-internacionalização incorreria
em mais riscos para a empresa. Segundo os autores, para estas empresas, ao
invés de um comportamento incremental, pareciam muito mais relevantes
comportamentos do tipo “first-time-advantage” ou de “efeitos manada”.
Carneiro, Rocha e Silva (2008), ao tratarem da aplicação do modelo de Uppsala
a empresas de serviço, sugeriram que este segmento tenha incompatibilidades
com o modelo proposto uma vez que,desde o primeiro momento, é mais afeito a
modos de entrada de maior comprometimento, devido a maior facilidade de
transferência de recursos e do menor investimento necessário entre os países.
Os autores afirmam que esta tendência a ignorar os modos de entrada de baixo
envolvimento se deve à necessidade da presença física do prestador, à
simultaneidade da produção e consumo do serviço, sua maior dificuldade de
padronização e a maior demanda por controle e envolvimento devido à
necessidade de qualidade e agilidade na correção de possíveis problemas.
2.1.2 PERSPECTIVA DAS NETWORKS
Apesar de os estudos até meados da década de 1980 sobre empresas e seu
relacionamento com o ambiente de negócios serem calcados apenas em
transações únicas e no poder de negociação dos maiores players (TURNBULL,
FORD e CUNNINGHAM, 1996), pesquisas iniciadas neste período mostraram
que a maioria das transações comerciais não existia como um evento único e
sendo assim não poderia ser examinada como um evento único. Além disso, foi
23
observado também que normalmente poucos compradores respondiam por uma
parcela considerável dentro do faturamento da empresa. Sendo assim, o
mercado consumidor era visto como uma grande arena de negociações onde os
diferentes agentes do mercado interagiam entre si, em ações que poderiam
incluir negociações, pagamentos, entregas ou mesmo o contato social
(TURNBULL, FORD e CUNNINGHAM, 1996).Håkanson,em um estudo do IMP
Project Group (1982), deu a esta abordagem o nome de abordagem de
interação (Interaction Approach) compreendendo quatro grandes grupos de
variáveis: (1) o processo de interação; (2) as partes envolvidas; (3) o ambiente
no qual a interação se desenvolve e; (4) a atmosfera na qual a interação ocorre.
Estes fatores seriam capazes de identificar as diferentes relações entre as
empresas e sendo assim, as tornariam capazes de desenvolver ações a fim de
atingir os tipos de relacionamentos desejados (IMP PROJECT GROUP, 1982).
A partir dos estudos do IMP Project Group (1982), Cunningham (1985) avançou
sobre o assunto ao definir a grande quantidade de relacionamentos existentes
dentro de um mercado consumidor entre os mais diversos atores, fossem eles
clientes, fornecedores, complementares, ou organizações de serviço como
networks. Para Johanson e Mattson (1988), estas networks não possuíam uma
organização de coordenação hierárquica tampouco seguiam os modelos
tradicionais de mercado pelo simples mecanismo de preço. Para os autores, a
coordenação ocorreria na relação entre cada um dos envolvidos, especialmente
nos ajustes de quantidade e qualidade de serviços e/ou produtos, no tempo
envolvido ou se é necessário um planejamento conjunto ou de uma das partes.
Johanson e Mattson (1988) destacaram ainda a estabilidade da network, embora
afirmassem que os relacionamentos que existem e tem certa acomodação estão
sempre mudando devido a cada uma das transações envolvidas. Os autores
frisaram ainda que estas empresas podem ter interesses parcialmente
conflitantes.
Para Johanson e Mattsson (1988), a empresa deverá quebrar antigos
relacionamentos ou adicionar novos relacionamentos aos anteriores cada vez
que desejar se estabelecer em um novo mercado. Levando em conta que a
24
empresa de forma individual é sempre dependente dos recursos de outra, e que
seu poder de barganha se define através das posições dentro da network, os
autores citam um bem intangível chamado de Ativos de Mercado (Market
Assets), que servem para gerar receitas para a empresa e dar acesso aos ativos
de outras empresas. Por causa da interdependência entre as empresas,
Johanson e Mattsson (1988) afirmaram que os investimentos e suas
consequências a fim de atrair estes ativos também são interdependentes entre
as empresas da network.
No
campo
da
internacionalização
de
empresas,
a
construção
e
o
desenvolvimento de relacionamentos em networks no exterior são vistos como o
próprio processo de internacionalização (JOHANSON e MATTSSON, 1988).
Segundo os autores, este processo pode ocorrer por três vias:
Em adição às networks já formadas em seu país local, desenvolver também
posições em países estrangeiros – um bom exemplo são as extensões de linha;
Nos mercados estrangeiros onde a firma já está presente, aumentar o
comprometimento de recursos – estratégia de penetração
Integrando ainda mais as networks estrangeiras e locais – integração
internacional
Johanson e Mattson (1988) definiram que uma vez que as empresas em uma
network são interdependentes, as características da atuação em mercados
internacionais tanto da firma quanto do mercado influenciam o processo de
internacionalização
da empresa. Baseados nesta
definição, os autores
montaram uma matriz de classificação das empresas onde em no eixo vertical
se apresentava o grau de internacionalização da empresa, e no eixo horizontal o
grau de internacionalização do mercado (ou como os autores chamaram – da
rede de produção), chegando a quatro principais classes de empresas: (1) The
Early Starter; (2) The Late Starter; (3) The Lonely International; e (4) The
25
International Among Others. A Figura 4 especifica como elas estão distribuídas
ao longo da matriz.
FIGURA 4 - INTERNACIONALIZAÇÃO E O MODELO DE NETWORKS: AS SITUAÇÕES A
SEREM ANALISADAS.
Grau de Internacionalização do mercado (rede
Baixo
empresa
internacionalização da
Grau de
de produção)
Alto
Baixo
Alto
The Early Starter
The Late starter
The Lonely
The International
International
Among Others
FONTE: JOHANSON e MATTSSON (1988)
Johanson e Mattson (1988) explicaram cada uma das classificações da seguinte
maneira:
The Early Starter: Uma vez que possuem relacionamentos com empresas
estrangeiras em baixa quantidade e pouca importância, sua internacionalização
ocorre de forma mais cautelosa em mercados mais próximos, utilizando
representantes ao invés de subsidiárias, a fim de evitar maiores riscos. A partir
do momento que as vendas da empresa nos mercados estrangeiros aumentam,
esta pode vir a construir instalações para produção no exterior e se tornar uma
Lonely International
The Lonely International: A empresa com alto grau de internacionalização em
um mercado ainda local já possui experiência na operação no exterior, através
da aquisição de conhecimentos e da competência em atuar em mercados com
ambientes culturais e institucionais diversos. Além disso, a empresa tem uma
mais ampla possibilidade de alocação no ajuste de recursos, o que possibilita
26
que esta opere com melhores posições tanto dentro da network local quanto nas
redes dos países de atuação. A coordenação entre as atividades nas variadas
networks é essencial para o melhor aproveitamento das vantagens de ser uma
Lonely International
The Late Starter: Mesmo a empresa que só opera de forma local, participa,
ainda que indiretamente, de uma network internacional a partir do momento em
que os seus relacionamentos estão internacionalizados. Segundo os autores,
uma empresa pequena nesta situação deve se internacionalizar através de
grande
especialização
e
utilizando
os
relacionamentos
de
empresas
internacionalizadas em sua network doméstica como apoio para o seu processo
de
internacionalização.
Já
para
grandes
empresas,
o
processo
de
especialização é mais complexo e é recomendado às empresas que atinjam a
produção internacional através de aquisições e joint ventures.
The International Among Others: Quando tanto a empresa quanto o mercado
têm alto grau de internacionalização, um próximo passo resulta apenas em
movimentos de penetração e extensões de linha, caso não impliquem mudanças
importantes na estrutura da empresa. É provável que grandes alterações
estruturais na empresa internacionalizada sejam causadas por movimentos de
integração internacional. Como a organização encontra em grande parte
empresas na sua rede que também têm alto grau de internacionalização,
movimentos de internacionalização exigirão grande experiência em aquisições e
joint ventures, sob pena de maior propensão ao risco. Os autores concluíram
que as empresas International Among Others têm o uso estratégico de suas
posições dentro da network altamente relacionado às forças do mercado – seja
ele interno ou externo – e suas restrições.
Em estudo sobre as empresas pertencentes ao fenômeno das Born Globals,Dib
(2008) relacionou a velocidade de internacionalização à teoria de networks ao
observar que quanto maior a utilização de parcerias pela empresa, mais a
empresa tende a seguir um processo de internacionalização rápido. O autor
prosseguiu concluindo que também seriam maiores as chances de uma
27
empresa seguir um processo de internacionalização precoce e acelerado quanto
maior fosse a integração dentro de networks internacionais.
Chetty e Stangl (2010) relacionaram a internacionalização via networks como
conceito de inovação, definindo que esta é também um componente importante
na definição do impacto da internacionalização dentro da organização. Segundo
as
autoras,
empresas
que
possuem
uma
network
diversa
e
produtos/serviços/processos de inovação radical tendem a se internacionalizar
de forma também mais radical, assim como empresas de inovação incremental e
bons relacionamentos com financiadores. Já empresas de inovação radical em
ambientes de grande mudança tecnológica e baixa relação com financiadores
tendem a movimentos incrementais em seu processo de internacionalização,
assim como pequenas empresas de inovação incremental que contam com
relacionamento de network restrito.
Petersen e Tobiassen (2010), em um estudo sobre empresas de tecnologia no
setor de petróleo,afirmaram que em indústrias globais, com alto grau de
interconexão entre os concorrentes, o sucesso de uma empresa em uma
determinada região é um fator que age de forma positiva nas chances de
sucesso em uma outra região. Sendo assim, embora fatores como um mercado
local conservador e limitado e a necessidade de exploração de economias de
escala sejam fatores que impulsionassem a internacionalização das empresas, a
posse de uma tecnologia única e o fato de operarem em um mercado global são
os principais motivadores na internacionalização de empresas. Os autores
buscaram ainda expandir o conceito dos complementadores dentro de uma
network, uma vez que para o desenvolvimento desta tecnologia única, as
empresas dependem de relações de networks com provedores de recursos
financeiros e conhecimento, além de depender de networks com os mercados
do exterior a fim de vender tecnologias, sejam elas através das networks de
competidores, publicações científicas e apresentações em conferências.
28
2.1.3 EMPREENDEDORISMO INTERNACIONAL
Embora as teorias tradicionais da internacionalização de empresas pregassem
que as pequenas e médias empresas se internacionalizavam apenas por meio
de exportação, OVIATT e MCDOUGALL (1994) trouxeram em seu artigo a
perspectiva de empresas que eram internacionalizadas desde seu nascimento.
De forma mais completa os autores definiram estas empresas como:
“(...) organizações que desde sua concepção, buscam obter vantagens competitivas significantes
provenientes do uso de recursos e a venda de saídas (outputs) em múltiplos países. O fator
diferencial destas empresas startups é que em sua origem estas já são internacionalizadas,
conforme demonstrado por uma visível quantidade de recursos (material, pessoas, financeiros
ou tempo) em mais de um país.” (p.49)
1
Os próprios autores voltaram a esta definição alguns anos mais tarde (OVIATT e
MCDOUGALL, 2005), levando em conta o foco em oportunidades, a formação
de uma nova organização como sendo uma possibilidade e não uma obrigação,
englobando também o empreendedorismo dentro das corporações e valorizando
a atividade empreendedora além das fronteiras nacionais. A partir destes
pontos, foi proposta a seguinte definição:
“Empreendedorismo Internacional é a descoberta, concretização, avaliação e
exploração de oportunidades – além das fronteiras nacionais – a fim de criar
futuros produtos e/ou serviços” (p.539)
Como esta internacionalização ocorre de forma muito acelerada, este
movimento deve ser definido na própria concepção da empresa. Esta concepção
deveria ser considerada como o momento em que a empresa assume a postura
1
As traduções para a língua portuguesa deste trecho e de todos os trechos subseqüentes são de
responsabilidade do autor desta dissertação.
29
de comprometer de forma considerável recursos num empreendimento.
(OVIATT e MCDOUGALL, 1994)
Segundo os autores, quatro elementos são necessários para a existência: a
internalização de algumas transações, estruturas alternativas de governança,
vantagens pela localização em países estrangeiros e recursos exclusivos. Estas
condições constam da Figura 5, cujo framework explica o processo de
nascimento destas organizações.
FIGURA 5 - ELEMENTOS NECESSÁRIOS E SUFICIENTES PARA NOVOS
EMPREENDIMENTOS INTERNACIONAIS SUSTENTÁVEIS
Transações
Econômicas
Elemento 1:
Internalização
de algumas
transações
Organizações
Elemento 2:
Estruturas
Alternativas de
Governança
TransaçõesEconôm
icas
Elemento 3:
Vantagens de
Localização no
Exterior
Novos
Empreendimentos
Internacionais
Novos
Empreendimentos
Organizações
Transações
Econômicas
Novos
Empreendimentos
Organizações
Transações
Econômicas
Elemento 4:
Recursos
Exclusivos
Novos
Empreend.Inter.
Sustentáveis
Novos
Empreendimentos
Internacionais
Novos
Empreendimentos
Organizações
Transações Econômicas
FONTE: OVIATT e MCDOUGALL (1994), MELLO (2009).
O processo descrito na Figura 5 pode se manifestar nas organizações de
diferentes maneiras. OVIATT e MCDOUGALL (1994) classificaram estas
empresas em quatro quadrantes (Figura 6).
30
Poucas atividades
Startup de Importação e
Exportação (I)
Comerciante Multinacional
(II)
Muitas atividades
Coordenação de Atividades da Cadeia de Valor
FIGURA 6 - TIPOS DE NOVOS EMPREENDIMENTOS INTERNACIONAIS
Startup geograficamente
focada (III)
Startup Global (IV)
Muitos
Poucos
Nùmero de Países Envolvidos
FONTE: OVIATT e MCDOUGALL (1994)
Os quadrantes I e II são o que os autores denominaram como as Novas
Empresas de Mercado Internacional. Estas empresas têm os processos
logísticos como atividade mais importante da cadeia de valor e que são mais
prováveis de internalização. Uma vez que o Investimento Direto no país deve ser
deixado no menor nível possível, a descoberta de desequilíbrios entre os países
e em como atendê-los passa a ser sua principal vantagem de localização. As
Startups de Importação/Exportação se encaixam dentro deste grupo por serem
empresas
de
comércio
exterior
que
negociam
com
poucos
países,
especialmente aqueles em que o empreendedor tem familiaridade, frente à
Comerciante Multinacional, que possui atividades em diversos países e está
sempre em busca de oportunidades de comércio entre eles.
As Startups focadas geograficamente têm como principal vantagem a
capacidade de utilizar serviços de uma outra região do planeta para servir as
necessidades específicas de um determinado local. A coordenação de
atividades como recursos humanos, desenvolvimento tecnológico e produção
são a fonte de vantagem competitiva para estas empresas. Esta vantagem pode
ser sustentável por dois motivos: pela complexidade social e o conhecimento
31
tácito envolvido na região e pela proteção de redes de relacionamento na área
geográfica atendida.
Finalmente, as Startups Globais obtêm vantagens competitivas da coordenação
extensiva entre as atividades e regiões de atuação, sendo assim consideradas a
mais radical manifestação de Novos Empreendimentos Internacionais. Embora,
devido à combinação de fatores como historicamente únicas, ambigüidade
causal e dificuldade de imitação pela complexidade social, sejam as empresas
com vantagens competitivas mais sustentáveis, são aquelas que necessitam de
mais habilidades de coordenação nas atividades e geográficas, e sendo assim
os empreendimentos mais difíceis de serem desenvolvidos.
OVIATT e MCDOUGALL (1999) defenderam, através de uma série de
proposições, que este movimento de internacionalização não está relacionado
apenas com o empreendedor, corroborando as críticas de HAGEN e HENNART
(2004) ao Modelo de Uppsala, utilizando também as condições do mercado para
explicar este fenômeno. Os autores destacaram a importância de fatores como
as inovações tecnológicas, o tamanho da economia do país, questões
regulatórias, tanto internas quanto externas, oportunidades de crescimento no
exterior, as condições da indústria, assim como as alianças entre empresas e a
complexidade de suas transações.
Posteriormente, Oviat e McDougall (2005) propuseram que a velocidade da
internacionalização dos empreendimentos é determinada por quatro forças: (1)
tornar viabilidade, (2) motivação, (3) mediação e (4) moderação. No framework
proposto
pelos
autores,
estes
fatores
no
princípio
do
processo
de
internacionalização, que se inicia com a percepção da oportunidade, terminando
por resultar em diferentes velocidades da internacionalização da firma, de
acordo com a combinação de forças de cada um destes (Figura 7).
32
FIGURA 7 – MODELO DE FORÇAS QUE INFLUENCIAM A VELOCIDADE DE
INTERNACIONALIZAÇÃO
Moderação
Conhecimentos:
Mercado estrangeiro
e sua intensidade
Viabilidade
Tecnologia
Velocidade de
Internacionalização
Entrada
Escopo no país
Comprometimento
Mediação
Percepções do
Empreendedor
Oportunidade de
Empreendimento
Moderação
Relacionamentos:
Força das ligações,
Tamanho da Rede,
Densidade da Rede
Motivação
Concorrência
FONTE: OVIATT e MCDOUGALL (2005)
A primeira força, “viabilidade”, se refere aos elementos que tornam a
internacionalização acelerada viável, sejam eles a redução do preço dos
transportes entre países, a evolução das comunicações ou a evolução da
logística internacional.
A segunda força, chamada de “motivação”, representa a pressão da
concorrência, que pode forçar a empresa a buscar oportunidades em mercados
estrangeiros, seja pelo temor de ataques no mercado local, seja pela
preocupação de que a concorrência ocupe mais rapidamente os mercados
estrangeiros.
A terceira força, denominada “mediação”, é referente à forma como o
empreendedor
ou
ao
grupo
de
empreendedores
compreendem
uma
determinada oportunidade, de acordo com suas características pessoais e
psicológicas.
33
Por último, a quarta força, “moderação”, se divide em dois grupos: o
conhecimento
disponível
acerca
daquele
movimento,
uma
vez
que
a
oportunidade já foi percebida, e as características da rede de relacionamentos
do empreendedor.
Autio (2005) sugeriu que uma vez que Oviatt e McDougall (1994) tentassem
formular uma teoria que explicasse comportamentos inesperados de empresas à
luz do Modelo de Uppsala, este e o Empreendedorismo Internacional teriam
características complementares, não sendo necessariamente opostos. Este fato
ocorre especialmente no início do processo de internacionalização, não
explicado pelo Modelo de Uppsala. Segundo o autor, este seria uma
possibilidade da criação de uma teoria única para a internacionalização de
empresas.
A fim de clarificar as diferenças entre Empreendedorismo Internacional e o
fenômeno das Born Globals, Mello (2009) apresentou de forma sintética os
pontos de maior proximidade e distância entre as duas abordagens, conforme
pode ser visto na Quadro 1.
34
QUADRO 1 – DIFERENÇAS ENTRE EMPREENDEDORISMO INTERNACIONAL E TEORIAS
DE BORN GLOBALS
Características
Empreendedorismo
Born Globals
Internacional
Gênese na Literatura
1989
1993
Contexto
Acadêmico
Consultoria
Campo de estudos a que Empreendedorismo
Marketing Internacional e
se liga
Gestão Internacional
Desenvolvimento
Teórico-empírico
Empírico
Conceitual
Abrangência
Empresas empreendedoras Empresas nascidas globais
internacionalizadas
Foco
Empreendedor
Empresa
FONTE: MELLO (2009)
Segundo Mello (2009), embora tenham nascido de forma praticamente
simultânea, a teoria de empreendedorismo internacional é originária do meio
acadêmico, enquanto as Born Globals foram apontadas primeiramente por uma
empresa internacional de consultoria, embora depois tenham sido objeto de
diversas pesquisas acadêmicas. Outro ponto de diferença é o campo de estudos
35
de cada uma delas. Enquanto a teoria de empreendedorismo internacional tem
sua raiz fincada no campo do empreendedorismo, a teoria de Born Globals está
diretamente
ligada
ao
campo
dos
negócios
internacionais
e
mais
especificamente do marketing internacional. Segundo o autor, a principal
diferença entre os dois modelos reside na visão sobre o empreendedor. No
empreendedorismo internacional o empreendedor é o ponto central dos estudos,
já na literatura de Born Globals, o papel de protagonista está mais diluído.
Por último, Mello (2009) propõe que, apesar da diferença entre as perspectivas
no campo téorico, estas são perfeitamente conciliáveis, inclusive com
capacidade de integração entre elas. O autor conclui ainda que a perspectiva
das Born Globals deva ser vista como um subconjunto dentro dos estudos sobre
empreendedorismo internacional, este, mais amplo ao considerar não só as
pequenas empresas que se internacionalizaram em seus primeiros anos de
existência.
As diferenças citadas acima ficarão mais claras ao longo do próximo capítulo,
que contém uma revisão detalhada sobre o fenômeno das Born Globals.
2.2 BORN-GLOBALS
O termo Born Globals foi visto pela primeira vez em Rennie (1993), em um artigo
acerca de um estudo da consultoria McKinsey na Austrália sobre empresas
exportadoras de manufaturas com alto valor agregado. Neste estudo, o autor
dividiu as empresas exportadoras australianas em dois grandes blocos.
Em primeiro lugar, as empresas baseadas localmente, que têm como principal
foco o mercado interno e se tornam exportadoras – modelo de baixo
comprometimento – em média aos 27 anos de idade, após saturarem este
mercado, numa clara referência a modelos tradicionais de internacionalização,
como a estrutura de estágios do Modelo de Uppsala (JOHANSON e
WIEDERSHEIM-PAUL, 1975).
36
Por outro lado, havia ali outro grupo de empresas, que desafiava a estas teorias,
uma vez que começavam a exportar em média com dois anos de idade e tinham
76% de sua receita oriunda das operações internacionais da organização. A este
segundo grupo, o autor deu o nome de Born Globals. Ainda segundo Rennie
(1993), as empresas Born Globals, tinham grande importância por dois motivos:
o primeiro era por serem fortemente competitivas mesmo frente a grandes
empresas, e em segundo lugar por serem fruto de evoluções tecnológicas de
transporte e comunicação e que seriam inviáveis apenas dez anos antes.
Knight and Cavusgil (1996) foram mais a fundo no conceito ao pontuar
que empresas Born Globals podem emergir em mercados de alta ou baixa
tecnologia e em mercados estabelecidos, como a Dinamarca e a Austrália, ou
emergentes, como os casos de Estados Unidos e Argentina, objetos deste
estudo. Os autores defendem que as empresas deste fenômeno tendem a ser
criadas por gestores com forte viés internacional em sua visão de negócios.
Nos próximos itens nos aprofundaremos mais no conceito, explorando os
fatores externos que possibilitaram a existência deste fenômeno, em seguida
entendendo quais fatores internos definem as empresas como Born Globals, e
por fim listando as variáveis específicas da empresa, empreendedor e de suas
networks
e
compreender
como
estas
influenciam
na
participação
na
internacionalização rápida das pequenas empresas.
2.2.1 FATORES EXTERNOS DAS BORN GLOBALS (PRÉ-CONDIÇÕES)
A fim de obter um melhor entendimento das Born Globals, diversos autores
buscaram entender as alterações no ambiente de negócios que propiciaram que
o tamanho da firma não fosse um empecilho à internacionalização da empresa e
sendo assim funcionariam como fatores externos de pré-condição para análise
do fenômeno. Estes fatores estão destacados a seguir:
•
O crescimento dos mercados de nicho através da demanda por produtos
mais especializados foram favoráveis a pequenas e médias empresas,
37
mais ágeis em atender demandas de pequenos mercados emergentes
(RENNIE, 1993). Ao mesmo tempo, os mercados se tornaram mais
homogêneos ao redor do mundo, com estes nichos existindo através das
fronteiras nacionais (MADSEN e SERVAIS, 1997).
•
Ciclo de vida de produtos cada vez menor, com maiores de possibilidades
de adaptação para empresas menores, usualmente mais ágeis, frente às
alterações nos desejos do consumidor. (RENNIE, 1993)
•
O crescimento da importância de networks no exterior, maiores
possibilidades de financiamento estrangeiro e de modelos de negócio de
global sourcing mesmo para pequenas empresas (MADSEN e SERVAIS,
1997)
•
Libertação das empresas do paradigma da economia de escala, vigente
até os anos 60. Empresas pequenas agora podem competir contra
grandes companhias através de processos eletrônicos em custo e
qualidade. (RENNIE, 1993)
•
Desenvolvimento e melhora de telecomunicações, destruindo a vantagem
competitiva que empresas grandes tinham quando fluxos de informações
eram caros e lentos e caros. (RENNIE, 1993)
•
Evolução da área de operações, logística e infra-estrutura barateando e
tornando mais confiável o transporte de bens e pessoas. (MADSEN e
SERVAIS, 1997)
•
Maior
capacidade
internacional,
de
devido
exploração
ao
de
gigantesco
oportunidades
crescimento
na
no
campo
experiência
internacional dos gestores. (MADSEN e SERVAIS, 1997)
•
Desenvolvimento de competências para lidar com culturas estrangeiras.
(MADSEN e SERVAIS, 1997)
38
Embora Zuchella (2002) tenha apontado que as mudanças no ambiente de
negócios não tenham ocorrido de forma igual em todas as indústrias e
mercados, sugerindo assim que a localização e/ou a indústria podem funcionar
também como um fator externo de pré-condições, pode-se verificar a existência
de estudos de casos de empresas Born Globals em diferentes indústrias em
países dos cinco continentes (cf., por exemplo, Dib e Rocha (2008),
Wickramasekera e Bamberry (2003), Elliot (2010))
Uma vez colocadas as pré-condições para o aparecimento do fenômeno,
partiremos agora para os fatores internos da organização que definem a
empresa como uma Born Global.
2.2.2 FATORES INTERNOS DAS BORN GLOBALS (DEFINIÇÕES)
Embora nas últimas duas décadas se estudem as empresas Born Globals, não
se conseguiu chegar a uma definição única do que são as empresas e quais
principais fatores as compõem (RIALP-CRIADO, RIALP-CRIADO, KNIGHT,
2002).Madsen e Servais (1997) relataram que alguns momentos os conceitos de
até então de Born Globals estão em acordo, mas em outros momentos são
conflitantes. Havia um consenso sobre o fato de a internacionalização ser rápida
e com um padrão definido de internacionalização e crescimento, e de alguma
forma sobre o tipo de estrutura de governança utilizado.
Rennie (1993), no artigo que introduziu o termo Born Globals definiu estas
organizações da seguinte maneira:
“(Empresas que) começaram a exportar, em média, apenas dois anos
após a sua fundação e atingiram 76% de suas vendas totais através de
exportação.” (p. 46)
Como demonstrado anteriormente, para definir uma empresa como uma Born
Global, Rennie (1993) se baseou na idade da empresa quando do seu primeiro
movimento de internacionalização e na relevância dos negócios internacionais
39
dentro do faturamento da firma. Oviatt e McDougall (1994) corroboraram desta
mesma ao tratarem não o tamanho da empresa, mas da idade como principal
objeto de estudo.
Knight (1997) apud Moen (2002) avançou no conceito proposto por Rennie
(1993) ao incluir não apenas a exportação, mas todos os movimentos de vendas
no exterior, mantendo a o percentual das receitas advindas com exterior como
uma importante parte na definição.
“Uma companhia que, desde a sua fundação, ou logo após esta, busca
obter, nos mercados internacionais, uma parte substancial de sua receita
de venda de produtos” (p.1)
Madsen e Servais (1997) sugeriram que o relacionamento com outras empresas
por meio de cooperação e competências também deveria ser um fator a ser
analisado nas empresas e propuseram um framework que contemplava a
propensão de uma firma a ser uma Born Global, baseado em três atores: o
empreendedor, a organização e o meio-ambiente.
Moen (2002), em seu estudo de caso sobre a nova geração de exportadores
europeus ressaltou a importância da data de nascimento da empresa,
considerando Born Globals apenas as empresas nascidas a partir de 1990,
assim como Dib (2008), que avaliou que deveriam ser chamadas de Born
Globals apenas as empresas criadas após os aparecimentos dos fatores de précondição citados no item anterior, excluindo assim empresas oriundas de
períodos anteriores.
Gabrielsson et al (2008) apresentaram uma nova variável ao destacarem a
importância do mercado global para os produtos da empresa e definiram as Born
Globals como:
“(…) nós definimos uma empresa Born Global como aquela que tem produtos com
potencial de mercado global. Esta precisa combinar este potencial com capacidade
40
empreendedora para buscar métodos de internacionalização acelerada. Além disso,
precisa ter uma visão global desde a sua concepção.” (p. 388)
Knight e Cavusgil (1996) utilizaram como fator de definição o escopo de atuação
das empresas Born Globals, gerando produtos de qualidade e design melhores
que a concorrência e que conseqüentemente, dificilmente operam em mercados
de commodities.
Luostarinen
e
Gabrielsson
(2002)
diferenciaram
os
termos
“Global”
e
“Internacional” ao considerarem Born Globals apenas empresas com 50% do
seu faturamento proveniente de operações fora de seus continentes de origem.
Já Sui (2010) também utilizou como parâmetro a distância do país de origem
com os locais de atuação da empresa. Estudando empresas canadenses, a
autora definiu como Born Regionals as empresas que exportavam apenas para
o mercado norte-americano, e como Born Globals, empresas que mantinham
negócios em países de outros continentes.
Bell, McNaughton e Young (2001), no entanto, trouxeram um novo elemento
para discussão ao descreverem casos de empresas que, embora já com certo
tempo de operação, passavam por algum acontecimento específico e a partir
deste momento internacionalizavam-se de forma rápida. A estas empresas
deram o nome de Born-Again Global firms. Gabrielsson et al.(2008) utilizaram
este mesmo termo para empresas que passaram por uma tentativa mal
sucedida de internacionalização inicial, mas após certo período adquiriam
características das Born Globals e obtinham sucesso em seus processos de
internacionalização.
No Quadro 2 estão apresentadas as principais definições citadas neste estudo.
41
QUADRO2 – DIFERENTES DEFINIÇÕES DE BORN GLOBALS
Definição
Autores
Idade no início das atividades internacionais da
RENNIE
(1993);
OVIATT
e
McDOUGALL
empresa
(1994);MADSEN E SERVAIS (1997); MOEN
(2002);DIB (2008);
Acontecimento
no
ambiente
interno
e/ou
BELL, MCNAUGHTON E YOUNG (2001)
externo da empresa
GABRIELSSON ET AL. (2008)
Relevância dos negócios internacionais dentro
RENNIE
da receita da empresa
(2002)
Modo de Entrada, escopo das atividades da
KNIGHT e CAVUSGIL (1996); SUI (2010)
(1993);
KNIGHT
(1997);
MOEN
empresa, área de atuação
Data de Nascimento da Empresa
MOEN (2002); DIB (2008)
Como pudemos observar no quadro acima, existem diversas formas de
caracterizar uma empresa Born Global, segundo a literatura consultada.
Todavia, Dib, Rocha e Silva (2010) fizeram uma intercessão entre as diversas
proposições, apresentando três quesitos principais para este entendimento: o
início das atividades internacionais da empresa, a relevância da receita
internacional dentro da receita da empresa e o modo de entrada e escopo das
atividades da empresa. Apresentaremos a seguir, resumidamente o que a
literatura apresenta sobre os três quesitos, suas concordâncias e divergências.
42
INÍCIO DAS ATIVIDADES INTERNACIONAIS DA EMPRESA
Conforme exibido no item anterior, existe certo consenso de que a idade da
firma ao início das atividades internacionais seja um fator de definição de uma
empresa Born Global. Entretanto, a tentativa de quantificar qual idade é a mais
apropriada para um ponto de corte observa grande variedade de opiniões (DIB,
2008).
Um primeiro ponto a ser discutido é o conceito de data de nascimento da
empresa. Embora diversos estudos (por exemplo Rennie, 1993) entendam o
nascimento da empresa como o momento de sua concepção – aí incluído todo o
tempo gasto com o planejamento – Oviatt e McDougall (1994), por sua vez, na
tentativa de aumentar a precisão da data de nascimento definiram esta como o
momento em que esta começa a operar excluindo todo o processo de
planejamento prévio.
Em relação à idade, Rennie (1993) defendeu que esta não deveria passar de
dois anos para a primeira internacionalização, assim como Moen (2002) e Moen
e Servais (2002). Já para Madsen et al. (2000) Knight e Cavusgil (1996), Suy e
Zu (2009) o início da internacionalização antes que a empresa completasse três
anos seria suficiente para que a empresa fosse classificada como uma Born
Global. Outros autores, no entanto, como Zucchella (2002), Dib (2008), Dib,
Rocha e Silva (2010) defenderam uma visão mais ampla do processo,
entendendo que com até cinco anos de existência a firma seria considerada
integrante do fenômeno das Born Globals.
RELEVÂNCIA DAS ATIVIDADES INTERNACIONAIS DENTRO DO NEGÓCIO
A relevância das atividades internacionais dentro do negócio é uma variável
relevante dentro dos estudos sobre empresas Born Globals uma vez que difere
empresas com atuação relevante no exterior de outras que promovem atividades
esporádicas, não tendo uma estratégia realmente internacionalizada.
43
Rennie (1993), tratando das empresas exportadoras australianas, definiu em
76% a porcentagem mínima de participação das vendas para fora do país dentro
do negócio da firma.
Knight e Cavusgil (1996) sugeriram o percentual de 25% das vendas para o
mercado externo assim como Madsen et al. (2000)e Sui e Yu (2009). Moen
(2002)seguiu a mesma medida, adicionando que empresas que não chegassem
a este valor deveriam ser denominadas Born Locals.
Já Chetty e Campbell-Hunt (2004), estudando o mercado neozelandês,
afirmaram que em mercados domésticos limitados este número deveria ser de
75% de participação das vendas externas dentro do faturamento da empresa.
Dib (2008) ressaltou que empresas que têm parte da sua cadeia de valor no
exterior, mas toda a sua venda concentrada no mercado doméstico tem sido
foco de raros estudos, levantando a hipótese de haver mais interesse na
geração de riqueza para o país de origem.
MODO DE ENTRADA E ESCOPO DAS ATIVIDADES DA EMPRESA
O último ponto de definição a ser explorado nesta revisão de literatura é o modo
de entrada e o escopo das atividades da empresa. Grande parte dos autores
estude especificamente a exportação das empresas, talvez pelo estudo seminal
do fenômeno de Rennie (1993) ter tratado especificamente deste modo de
entrada. Dib (2008) afirmou que uma vez que a alocação de recursos é menor,
seria uma conseqüência natural a maior atenção sobre as exportações.
Melén e Nordman (2009) estudaram quais modos de internacionalização as
empresas Born Globals utilizavam durante seu movimento inicial e os seguintes
em direção ao exterior. Os autores dividiram as empresas Born Globals em três
grupos: as de comprometimento baixo, as de comprometimento incremental e as
de comprometimento alto.
44
Segundo os autores, as empresas de comprometimento baixo utilizavam
modos de entrada como o de exportação direta. Mesmo que estas empresas
tenham aumentado o empenho de recursos em mercados estrangeiros, estas
não migraram e nem pretendem migrar para modos de entrada de maior
comprometimento (Figura 8).
FIGURA8 – OS TRÊS GRUPOS DE BORN GLOBALS EM SUA CONTÍNUA
INTERNACIONALIZAÇÃO
Modos de Entrada de
Baixo Comprometimento
Exportação
Distribuidores /
Agentes
Modos de Entrada de
Alto Comprometimento
AliançasEstratégicas /
Joint Ventures
Fabricação
Subsidiárias de
Vendas
Comprometimento Baixo.
Comprometimento
Incremental.
Comprometimento Alto.
FONTE: MELÉN E NORDMAN (2009)
As empresas de comprometimento incremental, embora tenham iniciado seu
processo de internacionalização a partir de modos de entrada de baixo
comprometimento, em alguns dos mercados aumentaram seu relacionamento
com parceiros de negócios no exterior, através de alianças estratégicas e joint
ventures. Estes movimentos causaram um aumento do comprometimento da
empresa com os mercados internacionais.
As empresas de comprometimento alto são aquelas que iniciaram sua
internacionalização em modelos de alto comprometimento (como a instalação de
45
plantas e escritórios) em países mais relevantes para a empresa e atuando com
modelos de baixo comprometimento em países menos relevantes. Estas
empresas têm duas alternativas para continuar seu crescimento: a primeira é um
contínuo aumento de recursos e de comprometimento no exterior. A segunda é
um decréscimo do comprometimento através da liquidação de subsidiárias no
exterior.
Uma vez verificados os fatores externos de pré-condição e as principais
definições do fenômeno, nos debruçaremos sobre os modelos de análise das
Born Global se as variáveis específicas do fenômeno, da empresa, do
empreendedor e das networks, que interferem na possibilidade de a empresa
apresentar comportamento compatível com as definições citadas anteriormente.
2.2.3 MODELOS DE ANÁLISE
Embora não se possa afirmar que existe um modelo de análise único para o
fenômeno das Born Globals, diversos frameworks já foram desenvolvidos como
forma de entender porque as empresas se tornam Born Globals. Rialp, Rialp e
Knight (2005), frente à escassez de estudos mais teóricos sobre firmas
internacionalizadas rapidamente, afirmaram que, a partir daquele momento, era
necessário maior foco no desenvolvimento de teorias, construtos e frameworks
teóricos.
A primeira tentativa de se desenhar um framework teórico especificamente para
analisar o fenômeno das Born Globals partiu de Madsen e Servais (1997). Os
autores propuseram que a interferência de três fatores interferiria positiva ou
negativamente na possibilidade de uma empresa assumir comportamentos
compatíveis com os previstos para empresas Born Globals – O empreendedor, a
organização e o ambiente de negócios.
Madsen e Servais (1997) defenderam que a análise de uma Born Global deve
remeter mesmo a antes do início da empresa com um estudo cuidadoso do
empreendedor. Para os autores, o criador da empresa deve ser ou um
46
empreendedor genuíno ou um profissional de grande experiência. Os autores
propuseram também que a experiência internacional é um elemento essencial
para a expansão internacional, uma vez que o empreendedor não percebe seu
país como o centro de sua vida e altera a percepção de distância psíquica.
Em relação à organização, os autores concluíram que as empresas Born
Globals têm maior especialização em comparação a outras empresas
exportadoras. Sendo assim, tem maior capacidade de atender nichos devido à
sua facilidade de personalização.
Em relação às características do ambiente de negócios, o tamanho do mercado
interno foi tratado por Madsen e Servais (1997) como importante para as Born
Globals,
uma
vez que
empresas com mercados domésticos menores
demonstram maior propensão a se tornarem Born Globals do que empresas
com mercados domésticos maiores.Comportamento parecido apresenta o grau
de internacionalização de mercado, uma vez que empresas em mercados mais
internacionalizados apresentam maior possibilidade de se tornarem Born
Globals do que empresas em mercados menos internacionalizados. Outro ponto
levantado por Madsen e Servais (1997) é a maior utilização das competências
de parceiros, especialmente em seus canais de distribuição. Por último, para os
autores, a organização deve ter alta capacidade de inovação e acesso à
Pesquisa e Desenvolvimento (Figura 9).
47
FIGURA9 – MODELO DE PESQUISA DE BORN GLOBALS
Empreendedor:
Experiência
Passada
Nível de Ambição
Motivação
Organização:
Competências
Rotinas
Estruturas
de
governança
corporativa
Ambiente:
Internacionalização do mercado
Alta
/
Baixa
Tecnologia
Especialização
Born Global:
Propensão
e
desenvolvimento
futuro
FONTE: MADSEN E SERVAIS (1997)
Andersson e Wictor (2003) avançaram na tentativa de estabelecer um
framework comum e definiram as maiores influências na criação de uma Born
Global: Empreendedor, Networks, Globalização e Indústria. Embora o desenho
do modelo seja diferente, o quadro de Andersson e Wictor (2003) é bastante
parecido com o de Madsen e Servais (1997).
A figura do empreendedor está mantida como uma força de influência. No
entanto, para Andersson e Wictor (2003), empreendedor não é apenas aquele
que inicia a empresa, mas todos que tomam atitudes empreendedoras dentro da
organização. Sendo assim, os gerentes da empresa seriam os maiores
responsáveis pelo processo de internacionalização.
O conceito de Ambiente de Madsen e Servais (1997), para Andersson e Wictor
(2003) se dividiu em dois grupos: a globalização, que se por um lado sozinha
não explica o aparecimento das Born Globals, por outro criou pré-condições
para que estas existissem; e a Indústria, não apenas as condições de
crescimento e internacionalização da indústria a qual a empresa pertence –
elemento de extrema importância –, mas também as condições das indústrias às
quais os principais clientes estão inseridos.
48
Por último, Andersson e Wictor (2003) inseriram as networks não como atores
secundários, mas como um dos principais fatores de influência para uma
empresa se tornar ou não uma Born Global. Os autores afirmaram que não
apenas as networks internacionais são importantes para uma empresa, mas
também as locais, e não são vistas apenas como estruturas para novas
estratégias e sim como oportunidades que podem ser utilizadas para a
implantação de suas visões (Figura 10).
FIGURA 10 - FRAMEWORK CONCEITUAL DE ANDERSSON E WICTOR
Empreendedores
Born
Globals
Networks
Indústria
Globalização
FONTE: ANDERSSON E WICTOR (2003)
Dib (2008) organizou de maneira mais detalhada que os anteriores, em uma
ordenação hierárquica, os fatores ligados ao surgimento de empresas Born
Globals.
Em
primeiro
lugar,
tendências
globais
exemplificadas
pela
homogeneização dos mercados e avanços nas áreas de comunicações e
transportes. Em seguida, é ressaltada a importância dos fatores ambientais do
país, a partir de políticas públicas de incentivo à internacionalização e a
saturação do mercado doméstico. Em terceiro lugar, o autor colocou os fatores
específicos da indústria, como a existência de cadeias de suprimento ou o
surgimento de mercados de nicho, ambos, no âmbito global. Em quarto lugar,
Dib (2008) esmiuçou os fatores específicos da empresa, como a posse de ativos
únicos, o pertencimento a uma network internacional ou a capacidade de
inovação da empresa. Por último, o autor descreveu os fatores individuais do
49
empreendedor como a experiência de trabalho ou educação no exterior ou o
conhecimento técnico deste.
Concentrando o esforço de sua pesquisa nos dois últimos fatores, Dib (2008)
esquematizou da seguinte maneira sua pesquisa: os já citados fatores
específicos da empresa e individuais do empreendedor, além de um novo bloco
ligado às relações de networks, criado pelo autor a fim de agrupar
características que ora eram ligadas à empresa e ora eram ligados ao
empreendedor (Figura 11).
FIGURA 11 - HIERARQUIA DOS FATORES QUE AFETAM O PROCESSO DE
INTERNACIONALIZAÇÃO
Fonte: DIB (2008)
Após estudar as pré-condições que possibilitaram a aparição de empresas Born
Globals, as definições do fenômeno e os modelos de análise, torna-se
importante um levantamento das principais pesquisas executadas na América
Latina, origem da empresa estudada nesta dissertação.
50
2.2.4 PESQUISAS SOBRE BORN GLOBALS NA AMÉRICA LATINA
Diversos estudos de caso sobre Born Globals vêm sendo executados nos
últimos anos na América Latina (por exemplo: KANTIS, FEDERICO e
MARTINEZ, 2004; LOZANO, MORGAN e ROBSON, 2007; DIB 2008; MELLO,
2009; DIB, ROCHA e SILVA, 2010;), especialmente no Brasil, embora possam
ser encontradas pesquisas na Argentina e México sobre o assunto. No entanto,
pôde-se perceber a pequena participação destes estudos em journals de
primeira linha de negócios internacionais. A maior parte das pesquisas foi
encontrada em teses, dissertações e/ou em revistas locais, e consiste, em sua
maioria, em pesquisas qualitativas de estudo de caso, exceto Dib (2008) e
Kantis, Federico e Martinez (2004) que efetuaram uma pesquisa quantitativa
com um grupo de empresas locais.
Segundo Ropelato et al (2009), os estudos sobre Born Globals executados no
Brasil apresentam concordâncias frente às definições do fenômeno, em relação
ao
tempo
decorrido
entre
o
nascimento
da
empresa
e
a
posterior
internacionalização e a participação das vendas internacionais frente à receita
da empresa. Os estudos brasileiros concentram-se basicamente em estudos
sobre empresas pertencentes ao setor de software (DIB, 2008; MELLO, 2009;
DIB, ROCHA e SILVA, 2010; SILVA, 2010), o que vai ao encontro dos estudos
internacionais sobre Born Globals, predominantemente focados no setor de
tecnologia (RIALP-CRIADO ET AL, 2002). Para Dib (2008), a possibilidade de
empresas de software enfrentarem as desvantagens de localização através de
uso de tecnologia e estratégias de distribuição, além da explosão de empresas
do setor nos últimos 15 anos, tornava o setor relevante para pesquisas na área.
Dentre as pesquisas argentinas encontradas, Kantis, Federico e Martinez (2004)
executaram uma pesquisa quantitativa com 181 empresas exportadoras do país.
Segundo os autores, as empresas exportadoras argentinas são mais dinâmicas
e de maior complexidade organizacional, embora apenas uma em cada três
tivesse iniciado seu movimento de internacionalização aos três anos de idade ou
menos. Erbes, Robert e Yoguel (2006), em estudo sobre a indústria de software
51
argentina,perceberam
o
grande
número
de
empresas
que
se
internacionalizavam de forma acelerada (embora não tenham quantificado um
prazo em sua pesquisa). Os autores concluíram que este ritmo acelerado estaria
associado a uma percepção de um mercado local insuficiente por parte dos
empreendedores argentinos deste setor.
A pesquisa de Lozano, Morgan e Robson (2007) sobre as Born Globals
mexicanas analisou o ambiente do país, as mudanças de seu cenário
econômico nas décadas de 1990 e 2000, como a abertura do mercado e a
entrada no NAFTA, transformando o país, de um importador para um exportador
de tecnologias. Os autores montaram uma survey com mais de 700 startups de
tecnologia
locais,
propondo
um
framework
que
sugere
a
orientação
empreendedora, a orientação de mercado, a estratégia de inovação, a
turbulência competitiva do mercado de exportação e as características da
empresa exportadora como fatores de definição do desempenho de um novo
empreendimento baseado em exportações. Os autores defenderam que aquela
havia sido a primeira pesquisa sobre Born Globals do país.
Embora tenham sido encontradas evidências de estudos em outros países da
América Latina (como a participação em congressos e pesquisas em curso) não
foi possível localizar publicações de artigos abordando os demais países da
região.
3. DISCUSSÃO DO MÉTODO
Neste capítulo será apresentada a metodologia de pesquisa utilizada nesta
dissertação. Esta discussão será iniciada a partir da definição das perguntas de
pesquisa, em seguida justificando os procedimentos metodológicos somados ao
método utilizado, e por fim serão analisadas as limitações do método
selecionado.
52
3.1.DEFINIÇÃO DAS PERGUNTAS DE PESQUISA
A definição das perguntas de pesquisa é um passo essencial para a escolha do
método e dos procedimentos metodológicos a serem adotados. Esta dissertação
apresenta a seguinte pergunta-chave:
Como as abordagens comportamentais das teorias de internacionalização
de empresas ajudam a explicar os movimentos de internacionalização do
MercadoLibre e do eBay ao longo da existência das empresas, entre 1995
e 2012?
Somadas a esta pergunta principal, foram feitas outras perguntas a fim de
orientar a pesquisa e a coleta de dados:
•
Quais foram as motivações para estes movimentos de internacionalização
das empresas?
•
Quais
fatores
influenciaram
a
escolha
dos
momentos
de
internacionalização e os modos de entrada nos diferentes mercados para
as empresas?
•
Quais são as conseqüências para as empresas mais de uma década após
o primeiro movimento de internacionalização?
3.2. NATUREZA DO ESTUDO
Os métodos científicos se dividem em dois grandes grupos – quantitativos e
qualitativos – considerados os objetivos de pesquisa. Enquanto os métodos
quantitativos visam à mensuração de forma direta e quantificação dos efeitos
(GODOY, 1995), os métodos qualitativos buscam percepções a cerca dos
objetos de estudo, através de análises em profundidade (CAMPOMAR, 1991).
53
Os estudos qualitativos podem ser divididos em cinco grandes grupos
(CRESWELL, 2006): a biografia, focada na exploração da vida de um indivíduo;
a fenomenologia, que busca entender a essência das experiências sobre um
fenômeno; a grounded theory, disposta ao desenvolvimento de uma teoria
baseada nos dados obtidos em campo; a etnografia, que tem por objetivo a
interpretação de um grupo social específico e por último; o Estudo de caso, que
através de fontes múltiplas busca desenvolver uma análise em profundidade de
um ou múltiplos casos. O Quadro 3 apresenta uma síntese dos diversos estudos
qualitativos e suas características.
54
QUADRO3 – DIMENSÕES PARA COMPARAR AS CINCO TRADIÇÕES EM PESQUISA QUALITATIVA
Dimensão
Biografia
Fenomenologia
GroundedTheory
Etnografia
Estudo de Caso
Foco
Explorar a vida de um
indivíduo.
Entender a essência de
experiências de um
fenômeno.
Desenvolver uma teoria
baseada em dados de
campo.
Descrever e interpretarum grupo
cultural e social.
Desenvolver uma análise
em profundidade de um
caso simples ou de
múltiplos casso.
Origem da
Disciplina
Antropologia,
Literatura, História
Psicologia e
Sociologia.
Filosofia, Sociologia e
Psicologia.
Sociologia.
Antropologia Cultural, Sociologia.
Ciências Políticas,
Sociologia, Avaliação,
Estudos Urbanos, Outras
Ciências Sociais
Coleta de
Dados
Primariamente
entrevistas e
documentos.
Entrevistas extensas com
até 10 pessoas.
Entrevistas com 20 a 30
indivíduos a fim de “saturar”
categorias e detalhar uma
teoria.
Primariamente observações e
entrevistas com artefatos
adicionais durante tempo extenso
no campo (6 meses a um ano).
Fontes Múltiplas:
documentos, registros em
arquivo, entrevistas,
observações, artefatos
físicos.
Análise de
Dados
Histórias, epifanias e
conteúdo histórico.
Declarações, significados,
temas de significados,
descrição geral da
experiência.
Codificação aberta,
codificação axial,
condificação seletiva e matriz
condicional.
Descrição, análise e
interpretação.
Descrição, temas e
afirmações
Forma
Narrativa
Descrição detalhada
da vida de um
indivíduo.
Descrição da essência de
uma experiência.
Modelo Teórico
Descrição do comportamento
cultural de um grupo ou de um
indivíduo.
Estudo em profundidade de
um casoou múltiplos casos
Fonte: CRESWELL (2006) traduzido por YUAN (2010)
55
Nesta
dissertação,
fez-se
a
opção
por
um
método
qualitativo,
mais
especificamente o de estudo de caso, método indicado quando não se podem
isolar do ambiente, os acontecimentos e características do objeto de estudos e
sobre os quais o pesquisador tem pouco controle (YIN, 1988). Somado a este
ponto, o método de estudo de casos é o método mais apropriado para responder
questões do tipo ‘como’ e ‘por que’ (YIN, 1988), conforme as apresentadas
anteriormente nesta dissertação.
QUADRO 4– SITUAÇÕES RELEVANTES PARA ESTRATÉGIAS DE PESQUISAS
Controle Sobre
Questões
Eventos
Comportamentais
Como, Por Que
Sim
Sim
Survey
Quem, Qual, Onde
Não
Sim
Archival Analysis
Quem, Qual, Onde
Não
Sim/Não
Análise Histórica
Como, Por Que
Não
Não
Estudo de Caso
Como, Por Que
Não
Sim
Estratégia
Tipo de Pergunta
Experimento
Fonte: YIN (1988)
Sellitz et al (1975) dividiu os objetivos de uma pesquisa em três grupos:
exploratórios (a familiarização com um fenômeno), descritivos (sobre as
características de uma situação ou um estudo de assiduidade da ocorrência de
56
um fenômeno) e os explanatórios (que pesquisam hipóteses de relação entre
variáveis).
Em relação à tipologia proposta por Sellitz et al (1975), optou-se por um estudo
do tipo exploratório, uma vez que, como demonstrado no referencial teórico
desta dissertação, não há unidade nas diversas abordagens comportamentais
de internacionalização de empresas, o que dificulta a formulação de hipóteses
precisas e operacionalizáveis acerca do assunto.
Sendo assim, a natureza do estudo escolhido foi uma pesquisa qualitativa de
estudo de múltiplos casos do tipo exploratória. A seguir serão esclarecidos os
motivos pelos quais os casos MercadoLibre e eBay foram escolhidos para esta
pesquisa.
3.3. OS CASOS ESCOLHIDOS
A fim de entender melhor como as abordagens comportamentais das teorias de
internacionalização de empresas explicam o caso de empresas latinoamericanas, foram escolhidos os casos MercadoLibre e eBay. A escolha do
MercadoLibre se deu por quatro principais motivos: em primeiro lugar, pelo local
de nascimento da firma, na Argentina – área de interesse do autor desta
dissertação e alvo de poucos estudos na área de internet –; em segundo lugar,
por ser uma empresa presente em mais de uma dezena de países, com mais de
uma década decorrida desde o seu primeiro movimento de internacionalização;
em terceiro por ser uma organização que continuou se internacionalizando, com
seu último movimento acontecendo no momento em que esta pesquisa foi
efetuada; e, por fim, por ser uma empresa da área de internet, indústria de
particular interesse do autor desta pesquisa. A escolha do caso eBay foi feita
para ser apresentada como um contraponto, de como uma empresa da mesma
indústria, mas nascida em um mercado maior e mais desenvolvido, como o
norte-americano, se comportou em seus processos de internacionalização e, a
partir deste ponto, traçar um paralelo entre suas ações e as ações do
MercadoLibre.
57
3.4. COLETA DE DADOS
Para desenvolvimento dos casos MercadoLibre e eBay foi realizada uma longa
pesquisa de dados secundários, uma vez que são empresas com
alta
exposição em publicações noticiosas. Foram utilizadas: notícias retiradas do site
do jornal argentino El Clarín; dos sites brasileiros Folha de São Paulo, Estado de
São Paulo e O Globo; dos sites das revistas Fortune, BusinessWeek, Forbes,
Exame, Info, Veja, Época (todas do Brasil) e Mercado (argentina); de relatórios
sobre a internet na América Latina de organizações como Morgan Stanley e
Ebit; de uma longa entrevista do empreendedor Marcos Galperín em 2007; e em
teses e casos acadêmicos sobre o mercado argentino de internet na virada do
milênio.
Outras fontes de informação foram conversas informais com ex-funcionários do
MercadoLibre e com outros agentes do mercado de internet brasileiro.
3.5. LIMITAÇÕES DO MÉTODO DE ESTUDO DE CASO
Os fenômenos observados em uma ou mais organizações em um estudo de
caso não podem ser generalizados para o universo, exceto em condições de
restrição e especificidade. Apesar disso, pode ser bastante útil na expansão e
generalização de proposições teóricas (YIN, 1988).
O Método de caso tem restrições ainda devido a possibilidade de menor
precisão e objetividade (YIN, 1988), além disso, pode ser visto como um método
muito focado na intuição, e suscetível a possíveis vícios de visões pessoais do
pesquisador (GOODE e HATT, 1975). Deve-se lembrar também que as
entrevistas são calcadas nas opiniões dos respondentes, e sendo assim não
necessariamente representam fielmente a realidade (SNOW e THOMAS, 1994).
Barretto e Rocha (2003) sugeriram que o tempo decorrido entre o momento de
tomada de decisão e a entrevista pode funcionar como um modificador, seja
58
através de racionalizações ou repressões, da percepção sobre as motivações
humanas.
Para Dib (2010), um meio eficaz de mitigar estes riscos é através da
triangulação dos dados através de entrevistas com mais de um funcionário da
organização além da comparação entre as entrevistas e os dados obtidos em
fontes secundárias, conforme foi feito nesta pesquisa.
3.6. LIMITAÇÕES DA PESQUISA
Além das restrições e limitações do método escolhido, a pesquisa sobre os dois
casos ofereceu algumas restrições em particular.
No caso do eBay, a principal dificuldade foi a distância, uma vez que a empresa
não opera com o marketplace no Brasil, apenas com o PayPal, e não houve a
disponibilidade de tempo e financeira para que a pesquisa fosse feita in loco na
sede da empresa, nos Estados Unidos.
No caso MercadoLibre, houve a restrição de informações, uma vez que o autor
desta dissertação foi convidado para assumir um cargo de gestão em um outro
marketplace brasileiro no decorrer do processo de pesquisa. Sendo assim,
mesmo com a possibilidade de entrevistas presenciais, por motivos éticos optouse por declinar destas e trabalhar apenas com dados secundários.
3.7.DEFINIÇÃO OPERACIONAL DE BORN GLOBAL
Um primeiro passo para a análise do caso foi definir frente à grande diversidade
de opiniões encontradas na literatura que valores dentro dos parâmetros préestabelecidos seriam utilizados para definir o que é uma Born Global.
Nesta pesquisa optou-se por utilizar a definição de Dib (2008), que afirmou que
empresas Born
Globals eram
aquelas que,
fundadas
após 1989,
se
59
internacionalizavam em até cinco anos após seu nascimento e que tinham ao
menos 25% de seu faturamento concentrado nas operações internacionais.
A opção pela não-restrição do modo de entrada se deveu ao trabalho de Melén
e Nordman (2009), mostrando que existem empresas Born Globals de variados
graus de comprometimento, não sendo necessária a opção de um modo
específico.
A opção pela utilização desta definição mais ampla se deve à localização do
objeto estudado, em países com grande extensão territorial, mercado
consumidor em larga expansão e entraves burocráticos, que poderiam agir como
redutores da velocidade de um processo de internacionalização, fazendo com
que este se manifestasse de forma diversa em ambientes de negócios diferentes
(ZUCHELLA, 2002).
3.8. MODELO DE ANÁLISE ADOTADO
O modelo de análise adotado para este estudo de caso utilizará como base o
modelo de Dib (2008) que observa uma visão bastante ampla do fenômeno ao
considerar as variáveis de tendências globais, os fatores ambientais do país, os
fatores específicos da indústria, os fatores específicos da empresa, das suas
networks e dos empreendedores, conforme apontado na Figura 12.
FIGURA12– MODELO DE ANÁLISE ADOTADO
60
FONTE: DIB, 2008
A partir de cada uma destas unidades a serem analisadas, será executado um
estudo longitudinal, buscando entender durante a existência da empresa, os
pontos
de
encontro
comportamentais
de
e
divergências
internacionalização
com
de
as
diversas
empresas
abordagens
encontradas
no
referencial teórico.
4. DESCRIÇÃO DOS CASOS
4.1 MERCADOLIBRE
4.1.1 BREVE HISTÓRICO
O estudante argentino de pós-graduação na Stanford University, Marcos
Galperín, então com 28 anos, tinha intenções corporativas ao oferecer uma
carona até o aeroporto a John Muse, um dos fundadores do fundo de private
equity Hicks, Muse, Tate and Furst, que havia ministrado uma palestra em sua
aula de Finanças. No caminho da universidade até o aeroporto, Marcos
conseguiu convencer Muse a investir em um plano de negócios que havia
desenvolvido durante sua estada em Stanford: um site de leilões, aos moldes do
bem-sucedido eBay, voltado para América Latina, uma região com ainda baixa
penetração de usuários de internet, mas de grande crescimento
em que o
original norte-americano ainda não havia investido. Era março de 1999 e a febre
das empresas ponto com estava em seu auge.
Embora Galperín afirme que nesta carona nasceu o MercadoLibre, a
operação da empresa começou de fato no fim do primeiro semestre de 1999, em
Buenos Aires, na Argentina, com a compra de um sistema de leilão por
U$15.000,00. A empresa de garagem recebeu mais quatro sócios minoritários,
entre eles o brasileiro Ademar Larine, e sua primeira grande injeção de
investimentos (U$2,5 milhões) que permitiu que, em paralelo à primeira
estruturação da empresa, já se desenvolvesse o site e um sistema próprio de
61
leilões personalizado, que tivesse suporte multi-línguas, para possíveis
expansões do grupo. A empresa ainda captaria até o fim de 1999 mais uma
injeção vultosa de investimento no valor de U$7,6 milhões.
A estréia do site ocorreu em agosto com números impressionantes: em apenas
dois meses já havia mais 13.000 usuários cadastrados e 4.400 objetos já
negociados, numa média de mais de 70 leilões por dia, totalizando U$1,4mi
negociado. O faturamento esperado para o ano seguinte era de U$3 milhões,
com previsão de break-even até o ano de 2002.
Para atingir tais metas, o MercadoLibre deveria fazer o que estava em seu DNA
desde o plano de negócios entregue a John Muse: se expandir regionalmente
pela América Latina, e o primeiro alvo deveria ser o maior mercado do
continente – o Brasil.
4.1.2 O AMBIENTE DE NEGÓCIOS
No ano de 1999, a internet ainda dava seus primeiros passos na América Latina.
Brasil e Argentina, embora fossem os países mais desenvolvidos da região,
tinham um índice de penetração de usuários baixíssimo. Marcos Galperín, em
entrevista a Sramana Mitra deu um panorama desta situação:
“O mercado era muito pequeno. Mal eram 3% de penetração. Destes 3%, os usuários de
e-commerce eram 10% ou menos. Hoje (em 2007) este número de penetração de
usuários é de 20%, mas ainda pode crescer muito mais.”(MITRA,
Os
mercados
brasileiros
e
argentinos
2007)
apresentavam
semelhanças,
principalmente quanto à rápida expansão, o potencial de vantagens competitivas
como first-mover e a abundância de venture capital na América Latina no
período. Havia algumas diferenças, sobretudo em relação a fatores culturais e
demográficos, conforme descrição a seguir:
62
O MERCADO ARGENTINO DE INTERNET
Com 600.000 usuários de internet dentro de uma população de 37 milhões de
pessoas, renda per capita de U$7.856,00, a mais alta taxa de penetração de
computadores da América Latina (6,1%) e previsão de quintuplicar o número de
usuários até 2003 (MORGAN STANLEY, 2000), o mercado argentino de internet
era uma área atrativa para empreendedores locais e estrangeiros. 58% das eventures da América Latina tinham sua origem no país. (FINANCIAL TIMES,
2000)
A baixa taxa de analfabetismo da população (2%) e alta taxa de cientistas e
pesquisadores por milhão de pessoas – 660, contra 150 do Brasil (IBRD, 2000)
– complementavam este quadro favorável. No entanto, alguns pontos devem ser
observados: o índice de penetração de internet por computador ainda era,
naquele momento, um dos mais baixos da América Latina, com apenas 31%,
menos da metade do Brasil, com 67%.
Do ponto de vista regulatório, buscou-se um desenvolvimento acelerado do ebusiness através de decretos como a redução do custo dos provedores e a
criação de uma linha especial para o acesso à internet por um valor menor do
que o habitual.
No entanto, a questão econômica já era uma preocupação, com altas taxas de
desemprego e grande déficit, empréstimo de U$40 bilhões solicitado ao FMI e as
sucessivas trocas de Ministros da Economia. Estes pontos, somados à
instabilidade econômica do país, levariam o presidente Fernando De La Rúa à
renúncia em Dezembro de 2001.
No que se refere especificamente a empresas, o mercado argentino de internet
apresentava crescimento exponencial em número de provedores (de 0,05 por
10.000 habitantes em 1993 para 39 por 10.000 habitantes em 1999), segundo
dados do ITU. (MARCUM, 2001)
63
Segundo Marcum (2001), uma característica importante do mercado argentino
de internet, naquele momento,era a predominância da imitação do modelo de
negócios importados dos Estados Unidos por grande parte das start-ups. Um
exemplo disso é o El Sítio, que funcionava à semelhança do site de buscas
norte-americano Yahoo!. Outro exemplo é a empresa estudada neste caso, o
MercadoLibre, que funcionava em um modelo parecido ao site de leilões EBay.
Ainda segundo o autor, a grande quantidade de start-ups (por exemplo, com o
lançamento de um portal vendas verticais a cada três dias) provocou saturação
do mercado, uma vez que a ainda baixa penetração da conexão de internet
dificultava o ganho da massa crítica necessária. A conseqüência deste fato foi
que cerca de 80% das start-ups passaram por severas dificuldades financeiras e
metade dos 8000 empregos gerados no ano anterior foi perdida no primeiro
trimestre do ano 2000.
O MERCADO BRASILEIRO DE INTERNET
Embora tivesse renda per capita menor que Argentina, Chile e México
(U$3.170,00), e uma penetração de PCs por usuário abaixo da média da
América Latina (3,7% x 4,1%), o Brasil detinha naquele momento quatro milhões
de usuários de internet, dentro de uma população de cerca de 172 milhões de
pessoas. Estes dados do país são expressivos principalmente devido às suas
dimensões e população continentais e ao alto índice de penetração de internet x
usuários de PCs (MORGAN STANLEY, 1999). Estes números se mostraram
ainda mais importantes quando analisamos as estimativas para ano de 2003 do
mesmo relatório, que previa uma base de 13,9 milhões de usuários de internet,
número que superava a soma dos usuários de Argentina, Chile e México e
representava 40% dos usuários da América Latina.
Os homens, que já eram maioria no acesso à internet (60% x 40%),
aumentavam esta diferença quando se tratava de comércio eletrônico (66% x
34%). Outro ponto destacado era a rápida expansão do tráfego do varejo
eletrônico, que aumentara quase quatro vezes (de 500.000 visitantes únicos
para 2.000.000) em apenas quatro meses, entre dezembro e março de 2001.
64
Um ponto de atenção é que este crescimento ocorreu contra a sazonalidade do
comércio e que, sendo assim, era ainda mais expressivo. (EBIT E IBOPE ERATINGS, 2002)
O mercado de comércio eletrônico no Brasil movimentou no ano de 2001 R$549
milhões. Não havia números confiáveis apenas sobre o mercado de leilões no
país. (EBIT E IBOPE E-RATINGS, 2002)
No ambiente político/regulatório, a situação era mais estável do que na
Argentina. Embora tivesse passado por duas crises econômicas entre 1997 e
1999 e a desvalorização da moeda, o país apresentava aparente estabilidade
econômica e política, embora ainda não houvesse legislação específica para o
mercado online e pouca interferência do governo brasileiro no setor.
4.1.3 OS PRINCIPAIS CONCORRENTES
Uma característica específica do mercado via internet é a de que a rivalidade
entre os concorrentes deixa de acontecer necessariamente no mesmo espaço
físico e adquire comportamentos impensáveis nos mercados convencionais. No
caso do MercadoLibre, podemos destacar três principais concorrentes de
origens e atuações bastante diferentes entre si: o DeRemate.com, com origem e
comportamento bastante parecido com o MercadoLibre; o EBay, que embora
não atuasse fisicamente no mercado latinoamericano deixava aberta a
possibilidade de compras diretamente desta região; e o Lokau, principal site de
leilões brasileiro à época.
DEREMATE.COM
Fundado na Argentina em 31 de agosto de 1999 por alunos latinoamericanos da
Universidade de Harvard, o DeRemate.com atuava nos mesmos moldes do
MercadoLibre e apresentava estratégia de expansão internacional bastante
parecida naquele momento.
65
Inicialmente, o DeRemate.com contou com U$50.000,00 de investimento de
cada um de seus 11 fundadores e em seu primeiro mês de existência da
empresa já haviam fechado uma parceria com o site Aucland.com. Esta
empresa francesa detinha um site de leilões eletrônicos em seu país de origem,
já preparado para o suporte para múltiplos idiomas e moedas, em um modelo
que previa transferência de tecnologia e injeção de recursos pelos quinze anos
posteriores da empresa em troca de 10% da participação dos sócios argentinos.
O site foi construído em apenas seis semanas e lançado em uma grande festa
no Planet Hollywood de Buenos Aires, com a presença de políticos e das
maiores redes de televisão locais.
Apenas duas semanas após o lançamento do site, o DeRemate.com voltou seus
olhos para a sua primeira expansão internacional, com a aquisição do site
brasileiro E-Bazar por U$50.000 e 2,4% de participação acionária na empresa
argentina. Foi adaptado o nome do site (Arremate.com) e todo o seu conteúdo
traduzido em apenas duas semanas, com o lançamento ocorrendo rapidamente.
Pesquisa
contratada
pela
empresa
em
julho
de
2000,
apontava
o
DeRemate.com como líder em marketshare e awareness no Brasil e na
Argentina, com larga escala de vantagem em relação ao seu concorrente
principal, o MercadoLibre (somente na Argentina, o índice de awareness era de
64% do DeRemate contra 10% do MercadoLibre. No Brasil este índice era de
30% contra 3%, respectivamente).
LOKAU
Fundado pelo ex-diretor das Lojas Americanas, Paulo Humberg, em junho de
1999, sob o nome de Freelance, com investimento inicial de R$400 mil, o
Lokau.com.br recebeu uma injeção de U$11 milhões da GP Investimentos
apenas dois meses depois. O site era o maior concorrente oriundo do mercado
brasileiro e detinha, em Abril de 2000, cerca de 280.000 usuários, com
aproximadamente 40% do marketshare de leilões pela internet no país.
66
Neste mesmo mês assinou uma parceria com o Universo Online, então o maior
provedor de internet do país e um dos maiores portais, na qual pagava R$20
milhões pela exclusividade de leilões eletrônicos para os usuários do portal.
4.1.4 O MOVIMENTO DE INTERNACIONALIZAÇÃO PARA O BRASIL
Em outubro de 1999, menos de dois meses após o lançamento do site
argentino, o MercadoLibre apontou suas baterias para o Brasil, num movimento
de expansão rápida, através de seu co-fundador Ademar Larine, colocado como
presidente da filial brasileira. As intenções da empresa ao se internacionalizar
eram latentes. Por um lado, adquirir a vantagem de first-mover na entrada no
país, por outro, tornar a empresa atrativa para a captação de novos
investimentos. Larine explicou assim as motivações para a entrada no país:
“Na época, a idéia era clara: ganharia o jogo quem investisse o mais rápido possível, e
com mais inteligência. Quando os recursos acabassem, bastava fazer uma nova rodada
de captação”(EXAME.COM,
2000).
Através de uma estratégia de investimento direto do tipo greenfield, o
MercadoLibre.com.br se internacionalizou de maneira contrária a de seus
concorrentes, que promoveram a entrada no Brasil a partir de aquisições (ainda
em 1999, o Arremate.com comprou o E-Bazar, já em 2001 o eBay comprou o
IBazar).
Com sede em São Paulo, a filial brasileira do MercadoLibre teve inicialmente
investimento de U$2,5 milhões, divididos em U$1 milhão para tecnologia e infraestrutura e U$1,5 milhão para o lançamento do site em campanha publicitária
assinada pela agência ADD . O site foi desenvolvido em paralelo ao site
argentino num tempo total de desenvolvimento de 120 dias. A equipe comercial
da empresa fez grande esforço a fim de promover a estréia do site com 2.700
leilões ativos (GAZETA MERCANTIL, 1999).
67
Com o objetivo de atingir 50.000 usuários nos primeiros 30 dias, o MercadoLibre
investiu em comerciais na TV Aberta (fato só retomado dez anos depois), a cabo
e em mídia online. Até o fim do ano de 1999, o objetivo era alcançar a marca de
150.000 usuários. O sentimento de corrida do ouro pelo nascente mercado
brasileiro como principal âncora da liderança na América Latina foi descrito por
Larine, conforme a seguir:
"Nosso objetivo primário é ser o maior site de produtos da América
Latina"(M&M ONLINE, 1999).
Para atingir tal objetivo, Larine contava com U$10 milhões captados de
entidades privadas norte-americanas. O desejo da empresa foi reafirmado em
outubro de 1999:
“Esse montante será aplicado gradualmente e fará com que nossa estratégia seja viável.
Não temos problemas de capital e iremos investir o que for necessário para ocupar a
liderança do mercado brasileiro e latinoamericano”.
(GAZETA MERCANTIL, 1999)
Tanto no Brasil quanto na Argentina, o MercadoLibre decidiu trabalhar de forma
bem similar seu composto de marketing. A parte visual do site era idêntica nos
dois países, mudando apenas o idioma e o sistema de cores.
O posicionamento da marca também era o mesmo. As propagandas eram
simplesmente dubladas e as imagens do site alteradas, geralmente no fim da
propaganda. As peças publicitárias eram elaboradas e produzidas no país de
origem da empresa. Essa prática, que permitia economia de escala, se manteve
posteriormente.
Quanto a preços e tarifas, no inicio das operações do site, em 1999, não era
cobrada nenhuma comissão pelas transações, pois o site buscava estimular o
uso e romper a “barreira inercial”. No ano seguinte, o MercadoLibre iniciou o
processo de cobrar tanto um percentual pelas transações, quanto uma taxa para
a publicação dos produtos.
68
As tarifas eram pagas somente pelos vendedores, sendo totalmente gratuitas
para os compradores. Para facilitar o processo de cobrança, nos primeiros
meses, o pagamento era feito após a conta do vendedor ultrapassar R$ 20,00
no Brasil ou 10 Pesos na Argentina.
TABELA 3 -TARIFA POR PUBLICAÇÃO: ERA COBRADA UMA PORCENTAGEM NO
PREÇO FINAL DE VENDA (Valores convertidos para a cotação do Real de 1/8/1999 (1 Peso=
R$1,81)
PreçoInicial da Negociação
TarifaporPublicação
Argentina
Brasil
Argentina
Brasil
Menor que
R$18,10
Menor que R$20,00
R$ 0,45
R$ 0,50
Entre R$18,10 e
36,20
Entre R$20,00 e 40,00
R$ 0,91
R$ 1,00
Entre R$36,20 e
90,50
Entre R$40,00 e 100,00
R$ 2,73
R$ 3,00
Maior que R$90,50
Maior que R$100,00
R$ 3,64
R$ 4,00
Além da tarifa por publicação, o site instituiu também a tarifa por venda
fechada, que funcionava como uma porcentagem do preço total: esta
porcentagem variava de acordo com o preço de venda. À medida que os preços
de venda aumentassem, a porcentagem a pagar como tarifa por venda fechada
seria menor.
TABELA 4 – TARIFA POR VENDA FECHADA (Valores convertidos para a cotação do
Real de 1/8/1999 (1 Peso= R$1,81)
Preço de Encerramento da negociação
Tarifaporvenda
Argentina
Brasil
Menor que R$905,00
Menor que R$1000,00
4%
Entre R$905,00 e 4.525,00
Entre R$1000 e 5000,00
3%
Entre R$4.525,00 e R$18.100,00
Entre R$5.000,00 e 20.000,00
2%
Maior que R$18.100,00
Maior que R$20.000,00
1%
69
4.1.5 RESULTADOS E CONSEQÜÊNCIAS
Após quase um ano do processo de internacionalização para o Brasil, os
números de marketshare e awareness no país não se mostravam animadores,
com apenas 3% de awareness e 14% de marketshare. Este resultado era
compreensível a partir da estratégia de comunicação montada a partir de janeiro
de 2000 pela empresa, de anunciar apenas em canais a cabo e em mídia online.
Galperín explicou assim o planejamento de comunicação do MercadoLibre:
“Havia 40 empresas fazendo exatamente o que fazíamos – algumas delas levantaram
mais fundos do que nós. Você pode contar nos dedos das mãos as que foram capazes
de levantar duas rodadas de financiamento. Esta era uma forma de nos diferenciarmos
das outras empresas. Todas as outras gastaram seu dinheiro em marketing de massa,
reproduzindo a estratégia do Pets.com.
Nós economizamos e desenvolvemos nossos produtos. Desde o começo, focamos na
construção de um bom produto e de uma boa infra-estrutura de TI. Esta é uma grande
diferença entre nós e todo o resto na região. Eles focaram mais em marketing do que no
produto, nós focamos mais no produto e menos em marketing.”(MITRA,
2007)
Para exemplificar Galperín podemos citar o Lokau, que iniciou um programa
diário de duas horas de duração na então recém-nascida Rede TV, ou os
comerciais de TV e anúncios impressos veiculados de forma intensiva feitos pelo
IBazar e Arremate.com na Rede Globo de TV ou na Revista Veja.
No dia 10 de Março de 2000, o índice da bolsa americana NASDAQ, que
concentrava a maioria das ações das empresas de tecnologia atingiu seu ápice
histórico chegando aos 5.048,62 pontos. Com temor de crescimento inflacionário
o Federal Reserve (Banco Central dos Estados Unidos) promoveu uma escalada
de juros, o que tornou os empréstimos muito mais caros e difíceis de serem
obtidos. As empresas de internet, com valores de mercado artificialmente
inflados, e que estavam mais preocupadas com burnrate (tempo em que o
investimento seria utilizado) do que com o conceito de break-even, tiveram
70
problemas para se adaptar a esta nova realidade. O resultado foi uma série de
redução em investimentos e em muitos casos falência de empresas que valiam
milhões de dólares dois meses antes.
A estratégia de contenção de custos do MercadoLibre começou a dar resultado
neste momento. Por causa de sua eficiência operacional a empresa conseguiu
em maio de 2000 levantar mais uma rodada de financiamentos no valor de U$46
milhões. Galperín completou:
“Nós economizamos a maior parte daquele dinheiro, estava difícil conseguir novos
investimentos,
e
esta
foi
uma
das
razões
pelas
quais
nós
sobrevivemos.”
(Mitra,2007)
Esta nova rodada de investimentos permitiu que a empresa mantivesse o seu
ritmo de internacionalização pela América Latina, com expansões para México e
Uruguai ainda no ano de 1999 e para Colômbia, Venezuela, Chile e Equador no
de 2000, todas com características bastante parecidas com o caso brasileiro,
através de investimentos diretos do tipo greenfield com alto grau de
padronização com as operações da matriz.
Esta eficiência operacional permitiu ainda que a empresa suportasse um caso
de fracasso em sua internacionalização sem maiores conseqüências: a
Espanha. Seguindo o modelo argentino e brasileiro, não eram cobradas tarifas
sobre venda nos primeiros meses de operação. A receita do MercadoLibre vinha
da operacionalização de leilões para sites menores, entre eles o seu maior
cliente, o SubastasPC, especializado em leilões de produtos de informática. Em
meados do ano de 2001 (um ano após iniciar suas operações em solo espanhol)
no entanto, o gigante americano eBay promoveu sua entrada na Europa através
da compra do maior player local, o francês IBazar. Entendendo a ameaça a seus
negócios na Espanha, o MercadoLibre vendeu suas operações para o
SubastasPC e deixou o mercado espanhol, sem que este fato tivesse grande
impacto sobre as operações da empresa.
71
Com o ritmo de crescimento mantido e atividades promocionais mantidos, o
MercadoLibre se tornou rapidamente líder de mercado frente a outros players
que, sem a facilidade de financiamento, tiveram que enxugar suas operações ou
até mesmo mudar radicalmente o seu escopo de atuação.
O eBay não esqueceria do mercado latinoamericano de internet que já crescia
com grande velocidade. Só que desta vez, o maior player local era o próprio
MercadoLibre. No fim de 2001, as duas empresas assinaram um contrato de
parceria, no qual o eBay receberia 19,5% das ações da matriz argentina em
troca das operações do recém-adquirido IBazar no Brasil em uma parceria de 5
anos, encerrada em 2006.
Esta parceria deu a robustez necessária ao MercadoLibre para cada vez um
maior crescimento e a aquisição de seus maiores rivais. Em dezembro de 2002
a empresa assumiu a administração do site Lokau.com.br, de propriedade do
portal iBest. Embora fosse negada a aquisição, como sendo apenas um contrato
de administração, pouco tempo depois, empresa fechou a compra total do seu
concorrente.
No ano de 2004, o MercadoLibre inaugurou sua sede no Uruguai após cinco
anos de operação remota no país.
Restavam apenas dois grandes sites de leilão na América Latina, o
MercadoLibre e o Derremate.com, mas esta situação seria alterada em 11 de
novembro de 2005. Nesta data o MercadoLibre adquiriu as operações do
Derremate.com em 8 países (Brasil, Colômbia, Equador, México, Peru, Porto
Rico, Uruguai e Venezuela). Restavam ao seu concorrente apenas as operações
na Argentina e Chile. Estas operações foram adquiridas em agosto de 2008,
tornando o MercadoLibre o único player de grande porte de leilões na América
Latina.
Em agosto de 2007, a empresa realizou o seu IPO na bolsa americana
NASDAQ, com a expectativa de captar U$289 milhões com a abertura de
72
capital, com as ações valoradas em U$18. A abertura foi muito mais bemsucedida que o esperado ao encerrar o dia com o valor de U$27.
Em dezembro de 2010, as ações da empresa já valiam U$68 e apresentava
lucro líquido de U$40 milhões nos 3 primeiros trimestres do ano, com
crescimento de quase 100% sobre o mesmo período do ano anterior. As
operações internacionais respondiam por mais de 80% das receitas líquidas da
empresa no mesmo período.
Ainda no ano de 2010, o MercadoLibre voltou ao mercado europeu ao abrir um
site de leilões em Portugal, totalmente controlado do Brasil. O país foi escolhido
por não abrigar nenhum grande site de leilões como o eBay, ter 46% da sua
população com acesso à banda larga e ter registrado aumento de 20% na base
de clientes de comércio eletrônico no ano de 2009.
4.2 EBAY
4.2.1 CRIAÇÃO DO EBAY
Pierre Omidyar, um francês filho de iranianos, vivia nos Estados Unidos desde
os seis anos de idade, em 1948, onde se graduou em Ciência da Computação
pela Tufts University. A partir de então, teve uma trajetória discreta na área de
engenharia de software até 1995, quando uma coleção de embalagens de doces
alterou o seu destino.
A então noiva de Omidyar, hoje sua esposa, colecionava pequenas embalagens
de doces, conhecidas nos Estados Unidos como “Pez”, e sentia dificuldade para
trocar, comprar e vender elementos novos para sua coleção. A percepção desta
necessidade fez nascer em Omidyar a idéia de que era preciso um espaço onde
as pessoas tivessem acesso umas às outras, conforme ele mesmo explicou em
entrevista ao Academy of Achievement no ano de 2000:
73
“Eu queria criar um mercado eficiente onde os indivíduos poderiam se beneficiar desta
eficiência em todos os níveis. Logo após, pensei que a internet, a web era perfeita para
isso!” (ACADEMY
OF ACHIEVEMENT, 2000)
Começou então em seu tempo livre, a criação de um site que pudesse oferecer
a seus visitantes o acesso de vendedores a compradores e vice-versa, o
AuctionWeb. A primeira versão do website foi desenvolvida no feriado do dia do
trabalho de 1995. O vendedor inseriria o produto no site e o ofereceria por meio
de leilão a seus compradores, de forma a tentar aproveitar a eficiência do
mercado, o que era desejado por Pierre. A receita do site vinha de um pequeno
percentual retido em cada transação que era destinado ao site.
4.2.2 CRESCIMENTO
Em apenas seis meses, a receita do hobby de Omidyar já pagava todas as
contas de sua casa, e três meses depois já rendia a seu criador mais do que
este ganhava em seu emprego diurno. Segundo o empreendedor, apenas neste
momento ele percebeu que tinha um negócio em mãos, e que deveria olhar o
AuctionWeb de forma mais profissional.
Nos dois primeiros anos de sua história, o Auction Web cresceu entre 20% a
30% ao mês, um número impressionante, mesmo para startups de tecnologia.
Frente a este comportamento incomum, Omidyar buscou a ajuda de
profissionais de negócios para buscar que este crescimento se sustentasse pelo
maior período de tempo possível.
“Todo negócio na fase startup apresenta um crescimento acelerado, mas nunca por um
período tão longo de tempo. E estávamos fazendo projeções em cima apenas do que
tínhamos visto no passado. Contratei então pessoas de negócios que pudessem olhar
cuidadosamente esta área, já que muitos diziam que era impossível continuar crescendo
a esta velocidade.”(ACADEMY
OF ACHIEVEMENT, 2000)
74
O comentário anterior de Omidyar remete ao ano de 1997, em que a empresa
sofreu grande revolução em todas as suas áreas. Lewis e Skoll (2004)
consideram este período como o ano em que o site de leilões evoluiu para uma
companhia, de fato.
A primeira mudança e talvez a mais visível foi a troca do nome do site de
AuctionWeb para eBay, que deixava as possibilidades de atuação do site mais
amplas.
Ainda neste ano, com o crescimento de anúncios de1100% em relação ao ano
anterior, o site passou por graves problemas tecnológicos, tanto em seu
software, quanto em sua infraestrutura de servidores, ambos despreparados
para o volume de visitas, anúncios e transações ocorridos no período. Assim, no
último trimestre do ano, foi lançada uma nova plataforma, mais robusta para que
pudesse suportar o rápido crescimento dos anos seguintes sem maiores
sobressaltos.
Por fim, 1997 viu o primeiro plano de negócios do eBay, e a busca por parceiros
e investidores. Embora já fossem lucrativos, era importante que tivessem fôlego
para expandir os negócios, antes que grandes corporações já estabelecidas –
como a então gigante AmericaOnLine – criassem seus próprios marketplaces. A
contratação de uma equipe de marketing saída do MBA de Stanford foi outro
passo importante para a transformação da empresa de garagem na mega
corporação de vendas pela internet hoje conhecida.
No ano seguinte, em 1998, mais mudanças na empresa. No começo do ano,
Meg Whitman, executiva com passagens pela Walt Disney Company,
Dreamworks, Procter & Gamble e Hasbro foi contratada como CEO do grupo.
Embora o eBay já fosse um fenômeno da internet, era pouco conhecido fora
deste ambiente. A própria executiva apontou este fato como um ponto negativo
no processo de tomada de decisão para o aceite do cargo:
75
“Ninguém nunca tinha ouvido falar deles (eBay), e deixei um emprego incrível
em uma companhia conhecida, viajando com a minha família mais de 3000
milhas para aceitar o cargo.” (NBC NEWS, 2000)
Em 24 de setembro deste ano, o site promoveu sua abertura de capital,
levantando 63 milhões de dólares. As ações subiram 163.2% apenas neste dia,
fechando o dia em U$47,37, 29 dólares acima do preço-alvo de U$18,00, um
número alto, mesmo para empresas “ponto com” da época. Para efeito de
comparação, o Geocities, comunidade de hospedagem gratuita de sites, poucos
meses antes, teve uma valorização de 94% em sua estréia na bolsa de valores.
(CNET,1998)
4.2.3 COMEÇO DA INTERNACIONALIZAÇÃO
Ainda no fim de 1998, o eBay promoveu seu primeiro movimento de
internacionalização, montando páginas personalizadas para o Canadá e Reino
Unido. Enquanto no Canadá a expansão ocorria apenas com a criação do site
no país, no Reino Unido o lançamento foi acompanhado da contratação de
equipe local e participação em eventos. (MAHNKE e VENZIN, 2002) Em menos
de um ano já havia tomado a liderança de seu principal competidor local, o
QXL.com PLC.
Em 25 de fevereiro de 1999, o eBay, em parceria com o site australiano PBL
Online anunciou que lançaria versões locais do site de leilões na Austrália e
Nova Zelândia. O site passou por adaptações mínimas, como a inclusão de
salas de chat especificas daqueles países, mas em grande parte era o mesmo
modelo norte-americano replicado para os países da Oceania.
4.2.4 INTERNACIONALIZAÇÃO PARA A EUROPA
Em junho do mesmo ano, o eBay adquiriu o Alando.de, então o maior
marketplace alemão por U$22 milhões. O mercado alemão de internet, àquela
altura, tinha 10 milhões de usuários, um mercado grande demais para ser
76
ignorado, segundo Pierre Omidyar (CNN, 1999). Aproveitando a estrutura
recém-adquirida, a empresa disponibilizou um site específico para o mercado
austríaco, operado diretamente da filial alemã.
Em 2000, o eBay lançou seu marketplace francês, com o foco voltado para o
principal player local: o Ibazar. Segundo Matthew J. Bannick, vice-presidente de
negócios internacionais da companhia, o objetivo era destronar a concorrência
entre 12 e 18 meses (Businessweek, 2000). O Ibazar, àquela altura detinha mais
300.000 leilões por mês. Um ponto de atenção para a empresa foi a diferença
dos hábitos de consumo dos franceses, que passavam muito menos tempo
conectados à internet, pela cobrança por minuto, o que não acontecia nos
Estados Unidos, já em processo de expansão de conexões de banda larga.
Outra dificuldade encontrada pelos norte-americanos no mercado europeu foi o
grande número de gateways de pagamento e a diversidade de leis entre os
países – apesar da entrada do Euro, países como a Alemanha ainda exigiam
que para uma transação bancária ser confirmada, deveria-se ter uma assinatura
física do comprador (MAHNKE e VENZIN, 2002).
Embora tenha atingido um rápido crescimento no país, a posição do eBay na
França se solidificou em 2001, com a aquisição de seu principal concorrente, o
Ibazar, que àquela altura já detinha mais de 2,4 milhões de usuários
cadastrados e mais de 3,1 milhões de anúncios. O valor da compra, realizada
logo após o estouro da bolha e a queda acelerada do índice NASDAQ, foi de
U$125 milhões (Businessweek, 2008).
A compra do iBazar acelerou a internacionalização do eBay, uma vez que a
empresa fancesa já tinha filiais em sete outros países: Itália, Espanha, Portugal,
Brasil, Bélgica, Holanda e Suécia. Naquele momento, o eBay se tornou uma
empresa presente em 16 países.
Em junho de 2005, contrariando o seu passado de aquisições, o eBay inaugurou
seu site irlandês, aproveitando a base instalada de 200.000 clientes que já
utilizavam o eBay do vizinho Reino Unido. (RTE, 2005).
77
No ano seguinte, em abril de 2006, o eBay adquiriu o líder do mercado sueco de
marketplaces, o Tradera.com, nascido em 1999. Embora o site americano já
operasse em solo sueco desde a aquisição do Ibazar, apenas com esta
aquisição passou ter o predomínio do mercado local.
Em outubro de 2008, os dois líderes do mercado dinamarquês de classificados,
DenBla Avis e BilBasen foram incorporados pelo eBay em uma transação de
aproximadamente U$390 milhões. Este foi visto como um movimento estratégico
para dominação do e-commerce local, uma vez que os sites de classificados e
marketplaces são as opções preferidas de compras via internet no país. (EBAY,
2008).
4.2.5 INTERNACIONALIZAÇÃO PARA A AMÉRICA LATINA
No caso latinoamericano, como pudemos ver no caso MercadoLibre, o Ibazar
era um dos principais players do mercado, que se organizava à época após o
estouro da bolha da internet, com corte de funcionários (no caso do
Arremate.com) ou em revisões estratégicas (no caso do Lokau.com) (ISTO É
Dinheiro, 2001). Ao contrário do que se previa, a marca IBazar foi mantida após
a operação, não havendo assim a entrada da marca eBay no Brasil.
Em outubro do mesmo ano, o MercadoLibre comprou o IBazar brasileiro, e por
meio de troca de ações, os norte-americanos do eBay passaram a ter uma
participação de 19,5% na empresa argentina (ComputerWorld, 2001). Até o ano
de 2012, o eBay não operava com marca própria no Brasil, atuando apenas em
sua participação dentro do MercadoLibre. O mercado latinoamericano foi
descrito com mais detalhes no caso anterior.
4.2.6 O FRACASSO JAPONÊS
Em Fevereiro de 2000, o eBay anunciou uma joint-venture com a gigante dos
eletrônicos e computação japonesa NEC, para a instalação de uma filial do
marketplace americano no país. O site seria todo em japonês, comercializável
78
em ienes e com categorias específicas para o consumidor japonês. (CNET,
2000)
O mercado japonês já contava com um concorrente de peso, o Yahoo! Auctions,
já estabelecido alguns meses antes, e que contava com rápida expansão,
através de uma estratégia de anúncios gratuitos. Com pouco mais de um ano de
atuação, o Yahoo! Auctions já contava com 2,2 milhões de usuários no país. A
questão da vantagem do first-mover, foi assim abordada por Massashiro Inoue,
CEO da filial japonesa do Yahoo!: “Jerry Yang – co-fundador do Yahoo! Nos
EUA – percebeu que era crítico que fôssemos os primeiros, (...) correr atrás de
um líder é difícil, uma vez que no mercado de leilões, mais compradores trazem
mais vendedores, e assim por diante.” (BusinessWeek, 2001)
A escolha da CEO também se revelou um erro. Merle Okawara, que havia feito
carreira na indústria alimentícia norte-americana, transformando uma pequena
empresa em um gigante dos produtos congelados de U$100 milhões, Okawara
tinha o dobro da idade de seus funcionários epouco ou nenhum contato com
empresas de internet (BusinessWeek, 2001).
A lentidão em adaptar o site para os gostos dos japoneses, através de sessões
como horóscopos e resenhas, também foi apontada como problemática para o
sucesso do eBay no Japão. Àquela altura, o eBay não conseguia alcançar o
Yahoo! Auctions. Frente a este quadro, Meg Whitman declarou: “Estamos em
uma maratona, não em um sprint!” (BusinessWeek, 2001).
No entanto, no dia 31 de março de 2002, a filial japonesa da empresa fechou as
portas, cortando 17 vagas de trabalho. Embora tenha sido descrita pela empresa
como um processo de reorganização para uma melhor expansão para o resto da
Ásia, sobretudo o mercado chinês, analistas de mercado relacionaram o
encerramento da operação nipônica à perda definitiva de espaço no mercado
frente ao Yahoo! Auctions.
79
4.2.7 EXPANSÃO PARA A ÁSIA E PROBLEMAS CULTURAIS
Mesmo com o fracasso japonês, o eBay manteve as baterias de seu processo
de internacionalização voltadas para a Ásia, ao comprar, em fevereiro de 2002,
por cerca de U$10 milhões o maior site de leilões de Taiwan chamado
ubid.com.tw da Neocom Technology, entrando no mercado taiwanês em posição
de liderança. Este movimento, na época, foi visto como um passo intermediário
para a entrada na China. O próprio porta-voz da empresa à época, Kevin
Pursglove, declarou: “O eBay tem a forte intenção de adentrar o continente,
especialmente China e Hong Kong”(FORBES, 2002). Àquela altura, o eBay já
operava na região, na Coréia do Sul e Cingapura.
Ainda em março de 2002, o eBay começou a confirmar sua intenção de entrada
no mercado chinês ao adquirir 33% da EachNet, então o maior marketplace do
país, posição que foi consolidada em julho do ano seguinte, com a compra dos
67% restantes. Um ponto de atenção é que a marca EachNet foi mantida. O site
eBay.cn seria lançado apenas um ano depois, com alto investimento de mídia,
sobretudo com publicidade nos maiores portais chineses.
No ano de 2004, um de seus concorrentes, voltado para empresas médias e
pequenas, o Alibaba, em um movimento defensivo frente ao iminente
crescimento do site eBay no mercado chinês lançou o Taobao.cn, um
marketplace C2C com um modelo de negócio idêntico ao da firma norteamericana.
A estratégia do Taobao.cn era oferecer os anúncios de forma gratuita, com a
navegação focada no usuário e mais flexibilidade na postagem de ofertas, mas
adequados ao consumidor chinês médio, recém-apresentado à internet. O eBay,
assim como no Japão, teve dificuldade para se adaptar e mudar rapidamente
frente a um mercado com grande diferença cultural e em 2006 foi ultrapassado
por seu concorrente, apresentando apenas 29% de marketshare frente a 67% do
Taobao.cn. (FORBES, 2010)
80
Em junho de 2004, observando o crescente mercado indiano, o eBay fez um
investimento de £27 milhões no Baazee.com, um marketplace sediado em
Bombaim, com uma base de clientes de mais de um milhão de registros.
A expectativa pelo desenvolvimento do mercado era latente, conforme declarou
Meg Whitman, CEO da empresa: “Embora ainda sejam os primeiros passos do
comércio eletrônico na Índia, acreditamos nas oportunidades de longo prazo”.
(BBC, 2004)
Embora tenha experimentado um rápido crescimento em visitas, clientes e
número de ofertas, o eBay enfrentou logo em seu primeiro ano de atuação, um
grave problema com as leis indianas. No fim do mês de novembro, foram
vendidas pelo site diversas cópias de um vídeo amador que mostrava dois
adolescentes de uma exclusiva escola de Nova Déli praticando atos sexuais.
Embora a empresa tenha colaborado com as investigações da polícia, no fim do
mês de dezembro, o presidente da filial local da empresa, Avnish Bajaj, foi
preso, sob a acusação de divulgar pornografia em seu site. Quatro dias depois,
foi liberado, sob a alegação de que o vídeo não foi exibido em seu site e sim
apenas uma breve descrição deste. No entanto, o processo judicial correu até o
ano de 2008, quando enfim, o processo criminal contra o executivo foi
formalmente retirado.
Em novembro de 2004, o eBay lançou seu site nas Filipinas com uma estratégia
diferente das utilizadas anteriormente. Uma vez que o mercado filipino operava
com anúncios grátis, o eBay seguiu esta tendência ao não cobrar a taxa de
inserção de anúncios no país. Este site seria gerenciado inteiramente do
escritório da empresa em Cingapura, com planos de abrir um escritório local em
Manila tão logo a operação ganhasse corpo. (The Sunday Morning Herald, 2004)
4.2.8 O MERCADO DE PAGAMENTOS
Embora dominasse em boa parte dos países em que atuava o mercado de
marketplaces, o eBay tinha pouca ou nenhuma atuação no passo seguinte, que
81
era o pagamento destas ofertas, normalmente feito diretamente através de
transferência bancária ou de operadoras especializadas em pagamento, nas
quais podiam-se utilizar outros meios para pagar como débito automático e
cartão de crédito.
Visando este mercado, o eBay comprou ainda em 2000, uma startup
especializada em pagamento chamada Billpoint e utilizando parcerias com Visa
e Wells Fargo começou a oferecer a seus vendedores a possibilidade de que
todo o processo de venda fosse efetuado dentro do próprio site. Àquela altura, o
principal concorrente do produto da Billpoint era o PayPal, uma empresa de
pagamentos já bem estabelecida que, de forma análoga ao eBay se aproveitava
do benefício de first-mover em seu respectivo mercado.
Apesar dos esforços através de descontos e créditos em anúncios para os
vendedores, a estratégia de eBay e Billpoint fracassou, uma vez que embora
houvesse incentivo para o uso de seu produto, os compradores e vendedores já
detinham contas e confiança no PayPal, com pouca disposição de mudança
para a plataforma proposta pelo marketplace. Naquele momento, o PayPal se
utilizou do efeito de rede, e incentivando o processo de feedback positivo
através de uma campanha de member-get-a-member, onde cada cliente que
trouxesse um novo cliente ganhava créditos de U$5,00. Uma estimativa do
PayPal no começo de 2002, dava conta que 70% das ofertas anunciadas no
eBay aceitavam PayPal enquanto apenas 27% aceitavam o sistema de
pagamento nativo Billpoint. (CNET, 2002)
Assim, em 8 de julho de 2002, por meio de trocas de ações, em uma operação
avaliada em U$1,5 Bilhões (CNN, 2002), o eBay adquiriu o PayPal,
descontinuando assim o seu produto de pagamentos Billpoint. Pelo acordo O
PayPal continuaria a operar de forma independente, porém complementar ao
eBay. Nos movimentos de internacionalização seguintes do eBay, o PayPal
seria incluído e em alguns momentos até chegando antes do marketplace,
estando, no ano de 2012, em 190 mercados e operando com 25 moedas
diferentes.
82
4.2.9 EBAY INTERNATIONAL MARKET
Em março de 2010, o eBay lançou o programa “eBay International Market” que
possibilitava que, a partir de um site em um país, adaptado para o idioma local e
com as categorias de produtos mais adequadas para a região, os compradores
pudessem ter acesso a ofertas de diversos outros países, desde que os
vendedores destas ofertas aceitassem fazer a entrega para o país do
comprador. Especialmente dentro das áreas de livre comércio, a utilização de
diversas bases de produto aumentava exponencialmente o sortimento oferecido
aos compradores.
Em seu lançamento, este mercado ficou disponível para Dinamarca, Grécia,
República Tcheca, Noruega, Russia e Suécia. Em seis meses, o volume de
produtos vendidos cresceu em 40%, e o número de novos usuários cresceu em
mais de 50%, abrindo as portas para que outros países participassem deste
novo modelo (COMPUTERWORLD, 2010). Este modelo poderia contar, ou não
com uma operação local do eBay no país de atuação.
Em maio de 2012, o número de países participantes deste programa já chegava
a 37, com a inclusão de Argentina, Austrália, Austria, Bélgica, Brasil, Canadá,
China, Finlândia, França, Alemanha, Hong Kong, Hungria, Índia, Irlanda, Itália,
Coréia do Sula, Malásia, México, Holanda, Nova Zelândia, Filipinas, Polônia,
Portugal, Cingapura, Espanha, Suíça, Taiwan, Tailândia, Turquia, Reino Unido,
Estados Unidos e Vietnã.
5. ANÁLISE DOS CASOS
Neste capítulo, serão analisados os casos MercadoLibre e eBay à luz das
teorias apresentadas na revisão de literatura. A fim de responder da melhor
forma possível à pergunta-chave da pesquisa, o capítulo está sub-dividido de
acordo com o modelo de análise proposto por Dib (2008): 1) Tendências globais;
2) Fatores Ambientais do País; 3) Fatores Específicos da Indústria; 4) Fatores
83
Específicos da Empresa; 5) Fatores Individuais do Empreendedor. Dentro destes
tópicos abordaremos também os modos de entrada nos diferentes países do
caso e os paralelos entre os processos de internacionalização dos dois
marketplaces.
Inicialmente, no entanto, se faz necessária uma comparação para que
possamos ter a dimensão das diferenças e semelhanças entre as duas
empresas estudadas (Quadro 4 e Figuras 13, 14 e 15).
QUADRO 4 – EVOLUÇÃO NÚMEROS EBAY E MERCADOLIBRE
Receita Líquida (U$MM)
Ano
MercadoLibre
eBay
Crescimento Anual
MercadoLibre
eBay
Numero de Países
MercadoLibre
eBay
1996
ND
ND
ND
ND
ND
1
1997
ND
41
ND
ND
ND
1
1998
ND
86
ND
108,2%
ND
3
1999
ND
225
ND
160,9%
4
8
2000
ND
431
ND
92,0%
8
9
2001
ND
749
ND
73,6%
9
17
2002
ND
1214
ND
62,1%
8
20
2003
6
2165
ND
78,3%
8
20
2004
13
3271
126,8%
51,1%
9
21
2005
28
4552
122,0%
39,2%
9
22
2006
52
5970
84,8%
31,1%
12
22
2007
85
7672
63,3%
28,5%
12
22
2008
137
8541
61,0%
11,3%
12
22
2009
173
8727
26,1%
2,2%
12
22
2010
217
9156
25,4%
4,9%
13
22
2011
299
11652
37,9%
27,3%
13
22
FONTES:EBAY, 2006; EBAY, 2009; EBAY; 2011; MERCADOLIBRE, 2008; MERCADOLIBRE,
2011; MERCADOLIBRE, 2012
84
FIGURA 13 – GRÁFICO COMPARATIVO DE RECEITA LÍQUIDA ENTRE EBAY E
MERCADOLIBRE
(em
milhões
de
dólares)
12.000
10.000
8.000
6.000
4.000
2.000
0
1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011
eBay
MercadoLibre
Como podemos ver na figura, que, embora, como vimos nos casos, ocupem
posições de liderança nos mercados onde atuam, as duas empresas estudadas
têm grande diferença de tamanho. Tal discrepância pode ser explicada pelos
mercados onde cada uma atua. No caso do eBay, no mercado norte-americano,
asiático e europeu, enquanto o MercadoLibre atua apenas na América Latina e
Península Ibérica, como mostra a Figura 14(no caso do eBay só estão
relacionados onde o marketplace tem sites, excetuando-se assim a área do
PayPal e do International Market).
85
FIGURA 14 – COMPARAÇÃO DE DISTRIBUIÇÃO INTERNACIONAL ENTRE EBAY E
MERCADOLIBRE
Pela Figura 15, pode-se perceber que, embora tenham tamanhos muito
diferentes e operem em mercados diversos, o eBay e o MercadoLibre
apresentam curvas de crescimento bastante similares, com um crescimento
acentuado nos primeiros anos de vida (os dados oficiais de faturamento anual
do MercadoLibre só estão disponíveis desde 2005), passando por um momento
de baixo crescimento em 2009 e 2010, período em que várias das principais
economias mundiais apresentaram baixo crescimento ou recessão, recuperando
velocidade em seu crescimento no ano de 2011. As taxas de crescimento acima
de 20% sugerem que o mercado onde operam ainda não atingiu a maturidade.
86
FIGURA 15 – GRÁFICO COMPARATIVO DE CRESCIMENTO PERCENTUAL DE RECEITA
LÍQUIDA ENTRE EBAY E MERCADOLIBRE
180,00%
160,00%
140,00%
120,00%
100,00%
80,00%
60,00%
40,00%
20,00%
0,00%
1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011
eBay
MercadoLibre
Feitas as comparações, podemos partir então para cada uma das 5 dimensões
propostas por DIB (2008), começando por Tendências globais.
5.1 TENDÊNCIAS GLOBAIS
No período a ser analisado, o crescimento dos mercados de nicho, os avanços
na tecnologia e telecomunicações e a evolução nas áreas de logística e
distribuição previstas por Rennie (1993) apresentam particular relevância dentro
do modelo de negócios virtual das duas empresas estudadas. Os sites
possibilitavam o anúncio de um número praticamente infinito de produtos para
atender um mercado cada vez mais estratificado, ao mesmo tempo os avanços
na área de tecnologia e telecomunicações, somadas às evoluções nas áreas de
logística e distribuição, além de pré-requisitos para o funcionamento do negócio
facilitavam possíveis contatos entre a matriz e as subsidiárias em países
estrangeiros, além da transferência de recursos (fossem eles financeiros,
humanos ou tecnológicos) entre os dois pólos.
A expansão da internet no mundo possibilitava um maior relacionamento entre
concorrentes, clientes, fornecedores, complementares ou organizações de
87
serviço, provocando o crescimento e o fortalecimento das networks, de acordo
com o conceito formatado por Cuningham (1985). As tendências descritas no
caso atuam no conceito proposto pelo Empreendedorismo Internacional (Oviatt e
McDougall, 2005), como alguns dos principais fatores de viabilidade, isto é,
aquelas que tornaram este fenômeno da internacionalização rápida possível.
5.2FATORES AMBIENTAIS DOS PAÍSES
Em relação aos fatores ambientais do país, o caso da internacionalização do
MercadoLibre encontra respaldo no modelo desenvolvido por Dib (2008) em
relação aos fatores do mercado argentino da virada do último milênio. O
pequeno mercado de então (cerca de 600.000 usuários) e a saturação do
mercado (com um grande número de novos empreendimentos) influenciaram
positivamente na velocidade de internacionalização da firma, diferentemente do
Brasil, que possuía um mercado consumidor maior e com maior possibilidade de
expansão que o mercado argentino, em linha com as diferenças nacionais do
fenômeno propostas por Zuchella (2002).
O mercado norte-americano, no entanto, apresentava já um mercado bastante
mais desenvolvido, com mais de 20 milhões de usuários quando da criação da
empresa e mais de 80 milhões de usuários no momento de sua primeira
internacionalização. Esta diferença de porte entre os dois mercados pode ajudar
a
explicar
a
distância
no
tempo
entre
o
começo
do
processo
de
internacionalização das duas empresas – um mês no caso do MercadoLibre e
três anos no caso do eBay. Outro ponto que pode ser relevante na diferença de
velocidade entre as empresas é o tamanho dos mercados a serem explorados
em relação ao tamanho do mercado local, uma vez que para os norteamericanos qualquer mercado exterior ao seu era menos relevante, ao contrário
do MercadoLibre que tinha um vizinho com melhor oportunidade de crescimento,
fosse pelo tamanho da população ou evolução da economia.
As diferenças entre os dois mercados são coerentes com as afirmações de
Knight e Cavusgil (1996) sobre a viabilidade do aparecimento de empresas Born
88
Global sem mercados desenvolvidos ou não seja no campo econômico e/ou no
campo tecnológico.
Por outro lado, o grande número de empreendimentos virtuais no país
possibilitava a criação de networks com outros players da mesma indústria,
fossem sites de busca e grandes portais já com presença em países
estrangeiros, o que facilitaria o desenvolvimento de posições em países
estrangeiros, em adição às networks locais, corroborando Johanson e Mattson
(1988) e a abordagem de networks.
Brasil e Argentina viviam realidade macroeconômica parecida após as políticas
de estabilização das moedas no começo da década de 1990. Assim como os
EUA em relação ao Canadá e países anglo-saxões na Europa.O momento de
calmaria financeira e crescimento econômico para os países desenvolvidos, por
um lado e estabilização dos países em desenvolvimento na virada do milênio por
outro, segundo Hagen e Hennart (2004), críticos do Modelo de Uppsala,
funcionariam como um redutor da já baixa distância psíquica entre os dois
países.
Por último, embora os objetos deste estudo fossem empreendimentos que não
eram focados em apenas um nicho, a maior homogeneização dos mercados
ajudou a tornar os serviços prestados pelas empresas em seus países mais
relevantes também em outros mercados, corroborando uma das condições
externas propostas por Madsen e Servais, (1997). Outro ponto que se alinha a
este pensamento é o de que as empresas foram bem-sucedidas em outros
mercados com pouquíssimas alterações no produto – exceto nos casos
chineses e japoneses do eBay.
89
5.3 FATORES AMBIENTAIS DA INDÚSTRIA
A análise dos fatores específicos da indústria de empresas de internet na virada
entre as décadas de 1990 e 2000 encontrou aderência nas críticas de Forsgren
e Hagstron (2007) ao Modelo de Uppsala, uma vez que tanto o eBay, quanto o
MercadoLibre privilegiaram a obtenção de vantagens de first mover frente à
obtenção do conhecimento gradual do mercado e considerou que o custo de
uma não-internacionalização era maior do que os riscos assumidos em um
movimento acelerado. A importância das vantagens de first movers foi explorada
fortemente nas duas empresas estudadas nesta pesquisa. No MercadoLibre,
Galperín deixa claro que não podia atrasar mais a sua ida ao Brasil e em sua
fala, demonstra o tempo todo a visão de “corrida do ouro”. O caso eBay mostrou
quando a lentidão na entrada em um país se tornou uma desvantagem, com o
crescimento do Yahoo! Auctions no Japão, e as dificuldades criadas para a
versão nipônica do eBay.
Além disso, a globalização da indústria de empresas de internet torna cada vez
mais irrelevante o Modelo de Uppsala, de acordo com Oviatt e McDougall
(1994), pela cada vez maior dependência dos fatores externos. A concorrência
(DeRemate.com no caso MercadoLibre e o Yahoo! Auctions no caso eBay),
como sugerida por Oviatt e McDougall (2005), age como fator de motivação,
uma vez que incentivou a internacionalização da empresa, fosse através da
maior concorrência no mercado interno ou mesmo pelo efeito manada da ida
desta para o exterior. A abundância de capital disponível para empresas “ponto
com” naquele momento também agiu como um fator relevante neste movimento
internacionalização. No entanto, o estouro da bolha da internet na bolsa
americana NASDAQ atuou como um gerador de vantagem competitiva para o
MercadoLibre,
que
estava
mais
estruturado
para
enfrentar
possíveis
adversidades e para o eBay, que já era grande o bastante para absorver o
impacto e manteve sua expansão internacional como será visto no item a seguir.
90
5.4 FATORES ESPECÍFICOS DAS EMPRESAS
Em relação aos fatores específicos das empresas, No caso do MercadoLibre, a
compra de um sistema de leilões pronto até que fosse desenvolvido o seu
próprio pode ser compreendido como uma forma de acelerar a obtenção de
conhecimento tecnológico da empresa, burlando de certa forma o ciclo de
aspectos de estado x aspectos de mudança, previsto por Johanson e Vahlne
(1977). Já o eBay, promoveu esta aceleração em outra esfera, uma vez que era
pioneiro neste mercado. A opção da empresa norte-americana foi pela
contratação de executivos vindos do mercado – MBAs de Stanford inicialmente,
e mais à frente, Meg Whitman, executiva de mercado. Neste ponto, podemos
traçar um paralelo entre as duas empresas: enquanto o eBay, que foi fundado
por um empreendedor da área técnica foi buscar profissionais da área de
negócios, o MercadoLibre que fora fundado por um profissional de negócios,
conseguiu reduzir seu gap tecnológico a partir da contratação de uma plataforma
pronta no mercado, novamente alinhados com Johanson e Vahlne (1977).
Por outro lado, a expansão internacional do MercadoLibre basicamente através
de investimentos do tipo greenfield, mostra que a empresa acreditava que não
seria vantajosa a tentativa de acelerar os processos de conhecimento de
mercado previstos no Modelo de Uppsala (ao contrário de concorrentes como o
DeRemate.com, por exemplo). Por sua vez, o eBay investiu fortemente em
aquisições e joint-ventures com os líderes de mercado locais, como nos casos
do Alando.de, Ibazar e PBL Online. Tal movimento pode ser explicado porque os
mercados de internet nos quais o eBay focou já seriam mais desenvolvidos,
reduzindo a vantagem de first-mover.
É
importante
perceber
que
o
MercadoLibre
e
o
eBay
apresentaram
características de um modelo de internacionalização acelerada, especialmente a
respeito dos seus movimentos para Alemanha e França (eBay) e Brasil e México
(MercadoLibre). Em linha com as definições de Moen (2002) e Dib (2008), os
primeiros movimentos de internacionalização ocorreram dentro de cinco anos da
91
fundação da empresa – no caso do eBay, 2 anos a partir da estabilização como
empresa e no caso do MercadoLibre, apenas um mês.
Todavia, não se pode afirmar que o eBay esteja alinhado com a definição de
Oviatt e McDougall (1994) de que a empresa desde a sua concepção visa obter
vantagens em múltiplos países, o que aconteceu apenas após a estabilização e
profissionalização da empresa. O MercadoLibre, por outro lado, já tinha desde a
sua concepção a visão de obter estas vantagens através de movimentos
internacionais, sendo assim, alinhados com a definição dos autores.
Como afirmaram Knight e Cavusgil (1996), eram empresas que atuavam em
ramos específicos, tinham diferenciais em seus produtos, e sendo assim,
estavam longe do que poderia ser tratado como commodity. Em relação ao
percentual de participação das operações internacionais, o MercadoLibre se
portou como um caso mais latente ao possuir no fim do período de cinco anos,
mais de 50% de sua receita oriunda do exterior. O eBay, no entanto, atingiu ao
final de cinco anos de vida 20% de receita vinda das operações internacionais
do grupo, atingindo os 25% apenas em seu sexto ano de existência, o que, pela
definição escolhida nesta pesquisa, tornaria a empresa americana inadequada
ao conceito de Born Global.
Os movimentos de internacionalização para o Canadá, Reino Unido, e
posteriormente o International Market (eBay); e
para Uruguai, Panamá,
Venezuela, Portugal (MercadoLibre), no modelo de operação remota, isto é,
operando sem um escritório local, não encontraram respaldo na literatura
pesquisada. No entanto, consideramos este modelo de operação muito próximo
ao da exportação de produtos, já que se presta um serviço estando sediado no
país de origem e não no local de consumo. Sendo assim, de acordo com Melén
e Nordman (2009), a empresa optou por modelos de operações de baixo
comprometimento.
A divisão dos movimentos em dois grupos (alto e baixo comprometimento), nos
dois casos, de acordo com os empreendedores pode ser explicado a partir das
92
declarações de Ademar Larine no caso MercadoLibre, que definia a conquista
do mercado brasileiro como um caminho para a conquista do mercado
latinoamericano e de Pierre Omidyar no caso eBay, que declarou que o mercado
alemão era grande demais para ser ignorado. Sendo assim, podemos entender
que a importância estratégica dos países foi um fator importante para a definição
do modo de entrada nos países.
Outro ponto de atenção é que em alguns dos movimentos de internacionalização
das empresas estudadas – Reino Unido e Canadá, no caso eBay e o Uruguai,
no caso MercadoLibre – tiveram suas operações iniciadas via operação remota,
diretamente dos países de origem e, com o crescimento das empresas,
observaram então a inauguração de escritórios próprios em seus países,
sugerindo um modelo de estágios, em linha com Johanson e Wiedersheim-Paul
(1975). A inauguração destes escritórios possibilitou a criação de serviços mais
complexos e personalizados o que vai ao encontro das afirmações de Johanson
e Vahlne (2009).
A posse de ativos únicos do MercadoLibre, através do desenvolvimento de
tecnologia própria de leilões multi-linguas e multi-moedas própria e da estratégia
de menor investimento em comunicação de massa tornaram a empresa mais
robusta para suportar alterações no ambiente de negócios e para manter sua
estratégia de expansão internacional, em linha com o conceito de recursos
exclusivos de Oviatt e McDougall (1994). No caso do eBay, a posse de ativos
únicos pode ser exemplificada pelo tamanho obtido rapidamente e sua escala, o
que gerou uma possibilidade maior de financiamento e sendo assim importante
vantagem competitiva sobre os competidores locais – levando em parte dos
casos, inclusive à sua aquisição. Outro ativo único a ser relembrado no caso
norte-americano é a força de sua marca, que mesmo hoje ainda é sinônimo de
leilões online. A alta capacidade de inovação das empresas neste ponto
encontra respaldo em Chetty e Stangl (2010), como um fator importante para a
definição da velocidade dos movimentos internacionais da firma, especialmente
para o eBay, que criou um novo mercado e se aproveitou dele para promover
sua internacionalização.
93
O MercadoLibre se internacionalizou somente para empresas da América Latina
e Península Ibérica, locais de menor distância psíquica, seja pela distância
física, pelo idioma ou por ambos, o que encontra respaldo nas proposições de
Johanson e Vahlne (1977), enquanto o eBay seguiu estas mesmas proposições
em seus primeiros movimentos para países desenvolvidos anglo-saxões – mais
especificamente Canadá, Reino Unido, Alemanha, Áustria, Austrália e Nova
Zelândia – e em seguida, partindo para países com distâncias psíquicas
maiores, mas que representavam oportunidades de mercado, como China e
Japão.
No cruzamento entre os dois casos, com acriação de uma network internacional
como o acordo internacional entre o MercadoLibre e o eBay, embora tenha
provocado restrições ao crescimento de ambos, uma vez que limitou o primeiro
ao mercado latinoamericano e o segundo a evitar este mercado, foi um
importante fator para que a expansão internacional do MercadoLibre já efetuada
não sofresse retração, como a que ocorreu no caso espanhol, o que corrobora a
visão de Johanson e Mattis (1988). Por outro lado, este acordo possibilitou que o
eBay mantivesse presença no mercado latinoamericano, sem que tivesse que
despender energia neste, podendo focar em mercados mais desenvolvidos à
época.
O alto grau de padronização do seu negócio permitiu que a empresa se
internacionalizasse
com
pouca
necessidade
de
capital,
com
menor
disponibilidade após o estouro da bolha da internet.
Por último, a observação de ambos os casos estudados está em desacordo com
a definição de Petersen e Tobiassen (2010) de que o sucesso em uma região
específica age como um fator importante de sucesso em uma outra região.
Como foi demonstrado na experiência espanhola – MercadoLibre – e Japão e
China – eBay – o sucesso em uma região não é uma prerrogativa de sucesso
em outra. No caso japonês, inclusive, a pouca adaptação ao mercado local foi
um importante componente da empreitada do eBay.
94
5.5 FATORES INDIVIDUAIS DOS EMPREENDEDORES
Os fatores específicos do empreendedor são bastante visíveis nas figuras de
Marcos Galperín e Pierre Omydiar. Em acordo com Madsen e Servais (1997)
que defendiam que a educação internacional do empreendedor era um
importante fator na visão internacional da empresa, a estada de Galperín em
Stanford (EUA), leva a um segundo ponto que é a utilização da network pessoal
do empreendedor a fim de conseguir financiamento com o fundo Hicks, Muse,
Tate andFirst para o desenvolvimento de um novo negócio e uma tecnologia
única, conforme previstos por Petersen e Tobiassen (2010).
Por sua vez, Pierre Omidyar, vivenciou o multiculturalismo dentro de casa, uma
vez que nascera na França onde vivera até os seis anos até se mudar para os
EUA, em uma família iraniana. No entanto, não conseguimos encontrar
evidência de que as networks pessoais do empreendedor do eBay tenham sido
exatamente relevantes para a criação do negócio, como no caso do
MercadoLibre. Por já estar inserido no mercado norte-americano e pela
velocidade em que fez sua abertura de capital, estas networks de financiamento
podem ter sido menos relevantes.
De outra forma, a vivência internacional de Galperín possibilitou a criação de
uma network internacional em relação à Muse, o que para Johanson e Mattis
(1988) é o próprio movimento de internacionalização. Outro ponto que corrobora
os autores acima é a participação de empreendedores de outras nacionalidades,
como Ademar Larine na criação da empresa, o que pode ser visto como uma
forma de a empresa adquirir o conhecimento sobre o mercado, outra forma de
burlar a lentidão e a gradualidade previstas por Johansson e Vahlne (1977). Já
Pierre Omidyar, se utilizou de joint-ventures para criar suas networks
internacionais. Como vimos no caso, a maior parte dos seus movimentos
internacionais resultou da compra e/ou parceria com empreendedores locais.
Embora Omidyar tenha dado ao eBay a trilha de ser uma “Early Starter” e em
seguida uma “LonelyInternational” segundo os conceitos de Johanson e Mattis
(1988), o uso extensivo de parcerias e joint-ventures poderia sugerir, segundo os
95
mesmos autores, um comportamento de “Late Starter”, o que não foi o caso da
empresa. No entanto, a nomenclatura dos autores não foi particularmente útil,
uma vez que o caso das empresas se tratava de uma indústria totalmente nova
com grande mercado para expansão tanto dentro dos países como no exterior e
com ainda poucas empresas atuando.
Galperín e Omidyar ainda se enquadram em dois dos principais fatores
determinantes da velocidade de internacionalização previstos por Oviatt e
McDougall (2005): mediação e moderação.
A força de mediação fica bastante clara nas declarações de Galperín, que
demonstram a percepção do empreendedor de que a expansão inicial para a
América Latina permitiria a empresa aproveitar uma oportunidade não
vislumbrada por sua maior ameaça e benchmark: o eBay. Omidyar, por sua vez,
tinha a preocupação com mercados que cresciam fora dos EUA, o que pode ser
exemplificado por sua declaração acerca da relevância do mercado alemão.
A força de moderação no caso de Galperín é mais latente na face que trata das
características das redes de relacionamento do empreendedor, descritas acima,
mas também age no conhecimento disponível acerca do movimento de
internacionalização através da maior visão internacional do empreendedor e da
utilização de sócios dos países-destino da expansão, conforme demonstrado
tanto neste item quanto nos fatores específicos da empresa. No caso de
Omidyar, a força de moderação se deu a partir da contratação de profissionais
de negócios (curiosamente do MBA de Stanford, o mesmo curso que fazia
qGalperín) e da já citada anteriormente política de aquisições e parcerias do
eBay em seus movimentos internacionais.
96
QUADRO 5 – COMPARATIVO ENTRE AS DIFERENTES DIMENSÕES DE ANÁLISE E AS
ABORDAGENS COMPORTAMENTAIS UTILIZADAS
Dimensão De Análise
MercadoLibre
eBay
Tendências Globais
Crescimento dos Mercados de Nicho, Avanços nas telecomunicações
e logística, surgimento da internet comercial possibilita maior
facilidade de criação de Networks
Fatores Ambientais Dos Mercado
Países
Argentino
bastante
reduzido (600.000 usuários de
internet), porém em crescimento.
Mercado
norteamericano
desenvolvido (20 milhões de
usuários de internet) com alto
Estabilidade econômica recente e
grande número de startups de
internet.
potencial
de
crescimento.
Crescimento econômico em alta.
Fatores Ambientais Da Grande
importância
das
de
first-mover,
Grande
importância
das
vantagens de first-mover, Criador
Presença de uma massa de
concorrentes,
como
o
DeRemate.com. Abundância de
capital
de
risco
para
investimentos.
do mercado de marketplaces, o
maior concorrente é o Yahoo!
Auctions, que mesmo assim
ameaça apenas em alguns
mercados externos.
Fatores Específicos Das Internacionalização para países
Internacionalização para países
da América Latina e Península
Ibérica. Modelo de investimentos
greenfield nos países de maior
importância
estratégica
na
reunião e operação remota nos
demais. Primeiro movimento de
da América do Norte, Europa,
Ásia e Oceania. Operação
remota em poucos mercados e
compra ou parceria com líderes
de
mercados
nos
demais.
Primeiro
movimento
de
internacionalização após 2 meses
de operação. Pequena escala,
mas investimentos em tecnologia
e
maior
racionalidade
nos
investimentos em publicidade. As
atividades
internacionais
representam mais da metade da
receita da empresa.
internacionalização após 2 anos.
Larga
escala
atingida
rapidamente como ativo único.
Após
5
anos
de
internacionalização a receita das
operações
internacionais
representava 20% da receita total
da empresa.
Indústria
Empresas
vantagens
Fatores Individuais Dos Empreendedor com educação Empreendedor
Empreendedores
internacional.
Utilização
da
network pessoal de Galperín para
obtenção
de
Participação
financiamento.
decisiva
do
empreendedor
na
área
de
negócios
e
estratégia
de
internacionalização da empresa.
com
vivência
internacional
familiar.
Desenvolvimento
do
produto
como um hobby. Decisão de
internacionalização
apenas
a
partir da profissionalização da
empresa.
97
O Quadro 4 sintetiza as principais diferenças encontradas na análise do caso e
mostra que, apesar de apresentarem trajetórias parecidas, as duas empresas
demonstravam grande diferença, especialmente nos fatores ambientais dos
países – pelas diferenças no tamanho das economias e no desenvolvimento da
internet entre Argentina e Estados Unidos – e nos fatores individuais dos
empreendedores – Enquanto Galperín era visivelmente um homem de negócios,
Omidyar iniciou o eBay muito mais como um profissional de produto.
. O Quadro 5 apresenta um resumo das relações entre as abordagens
comportamentais de internacionalização de empresas e os casos analisados
neste
capítulo,
apresentando
uma
visão
geral
das
concordâncias
e
discordâncias em relação às teorias estudadas. Como pode-se ver, todas as
abordagens comportamentais obtiveram pontos de acordo e de desacordo com
os casos escolhidos.
98
QUADRO 4 – QUADRO-RESUMO DA RELAÇÃO ENTRE AS ABORDAGENS COMPORTAMENTAIS E OS CASOS ESTUDADOS.
MercadoLibre
eBay
Principais Características Apresentou? Detalhes
Modelo de Uppsala
Internacionalização
Estágios
(Aumento
Comprometimento).
em
de
O Mecanismo básico de
internacionalização resulta
da relação entre aspectos de
estado e mudança.
Empresas
se
internacionalizam
inicialmente para destinos
de baixa distância psíquica
Perspectiva
Networks
Em parte
Na maior parte dos primeiros processos de
internacionalização não se observou a utilização de
estágios, uma vez que se partiu para modelos de
alto comprometimento. No entanto em casos como
o uruguaio, a empresa operou em um modelo de
baixo comprometimento (operação remota) antes de
abrir um escritório no local.
Não
A empresa apresentou movimentos de grande
comprometimento (por exemplo, os casos brasileiro
e mexicano), onde não apresentava nenhuma
atividade e sendo assim não detinha um grande
conhecimento das operações.
Sim
O MercadoLibre buscou sua internacionalização por
países com baixa distância física em relação à sua
sede (países latinoamericanos), ou com baixa
distância cultural (Espanha e Portugal).
Em parte
No caso MercadoLibre, nos movimentos de
internacionalização de maior comprometimento com
a abertura de escritórios no exterior, contratando
profissionais dos países e sendo assim
desenvolvendo relacionamentos. No caso dos
países com modelo de operação remota, o único
relacionamento que existia era o dos anunciantes e
compradores no site, mas de forma passiva em
relação à empresa MercadoLibre.
das Internacionalização
é
o
processo de criação de
novos relacionamentos no
exterior.
Apresentou? Detalhes
Em parte
Não
Sim
Sim
Embora em seus primeiros movimentos de
internacionalização, o eBay tenha buscado modos
de entrada de menor comprometimento, nos
movimentos seguintes a empresa já se utilizou de
modos de entrada de maior comprometimento,
especialmente através de aquisições e joint
ventures
Foram observados movimentos de grande
comprometimento mesmo em mercados sem
atuação anterior e sendo assim com pouco
conhecimento.
Os primeiros destinos de internacionalização do
eBay foram os países de língua inglesa (Canadá,
Reino Unido) e posteriormente os de língua alemã
(Alemanha e Áustria).
A
maior
parte
dos
movimentos
de
internacionalização do eBay foi através de
aquisições e joint ventures, como no caso do
Alando.de (Alemanha) e do próprio MercadoLibre
(América do Sul).
99
Grau de Internacionalização
da Empresa e do Mercado
influenciam o processo de
internacionalização
de
empresas.
O Sucesso de uma empresa
em uma região age de forma
positiva em relação ao
sucesso
desta
mesma
empresa em outra região.
Quantidade e propensão à
utilização
de
parcerias
impactam na velocidade do
processo
de
internacionalização
Empreendedorismo
Internacional
Organizações que desde o
seu nascimento buscam
obter
vantagens
em
múltiplos países.
O empreendedor é
importante
agente
processo
internacionalização
empresas
um
no
de
de
Além do empreendedor, as
condições do mercado são
determinantes no processo
de internacionalização de
empresas.
Não
Não
Não se obteve evidências durante o estudo de caso
que o grau de internacionalização do mercado tenha
influenciado o processo de internacionalização. A
empresa se enquadraria como Early Starter pelo
baixo grau de internacionalização do mercado de
internet, no entanto, apresentou características
diversas desta classificação, como a menor cautela
no seu processo de internacionalização.
O fracasso da expansão para a Espanha apesar do
bom desempenho da empresa na América do Sul
está em desacordo com esta característica da
Perspectiva das Networks.
Sim
Foi observado que Networks internacionais tiveram
influência na velocidade de internacionalização do
MercadoLibre através de financiadores externos e
da contratação de profissionais do destino de
internacionalização.
Sim
O prazo de dois meses entre a concepção da
empresa
e
seu
primeiro
momento
de
internacionalização demonstra que a empresa
desde o seu nascimento já demonstrava a visão de
obter vantagens em outros países.
Sim
Sim
A figura de Marcos Galperín é central no processo
de
internacionalização
de
empresas
do
MercadoLibre o que corrobora a visão do
Empreendedorismo Internacional.
O aspecto de corrida do ouro das empresas de
internet na América Latina foi um importante
motivador para o MercadoLibre.
Não
Não se pode afirmar que o grau de
internacionalização do mercado tenha influenciado
os movimentos internacionais do eBay, até porque a
indústria de empresas de internet em 1998 ainda
era muito incipiente e com um grande mercado local
a ser desbravado. Apesar disso a empresa
apresentou comportamentos de uma Early Starter
em
um primeiro momento e uma Lonely
International no momento posterior.
Não
Apesar do sucesso do eBay nos mercados
norteamericano e europeu, a empresa colheu
fracassos em dois grandes mercados asiáticos
(China e Japão), justamente por problemas de
adaptação do seu modelo de negócio àquelas
regiões.
Sim
A grande quantidade de joint ventures e aquisições
da empresa reforçam a influência de associações
externas nos movimentos internacionais
Não
O eBay em seu nascimento estava muito mais
focado para o crescimento no mercado norteamericano, apenas após a profissionalização da
gestão começaram a ocorrer os movimentos de
internacionalização da empresa.
Em parte
A atuação de Omidyar teve relevância na criação da
empresa. No entanto, apenas a contratação de
gestores profissionais pelo empreendedor é que
pode se afirmar que a empresa constituiu sua
estratégia de internacionalização.
Sim
Assim como no MercadoLibre, o aspecto de corrida
do ouro também foi determinante para o eBay em
sua estratégia de internacionalização. O que
mudou, no caso da firma norte-americana foi a
região de atuação, muito mais voltada para Europa
e grandes mercados asiáticos.
100
A
velocidade
de
internacionalização
é
determinada
por
quatro
forças:
viabilidade,
motivação,
mediação
e
moderação
Born Globals
Organizações
que
se
internacionalizam
poucos
anos após a sua concepção.
Grande
relevância
das
atividades
internacionais
dentro do negócio.
Empresas Born Globals
podem apresentar modelos
de entrada e baixo, médio e
alto comprometimento
Sim
Das quatro forças, ficaram bastante claras a
viabilidade, através do desenvolvimento tecnológico,
a motivação, pela questão da corrida do ouro e a
moderação através das redes de relacionamento do
empreendedor.
Sim
O fato de o MercadoLibre ter se internacionalizado
apenas dois meses após sua concepção é
adequado à esta característica do fenômeno das
Born Globals.
Sim
Rapidamente o faturamento da subsidiária brasileira
se tornou a maior fonte de receitas da empresa,
atendendo à grande relevância prevista para que a
empresa seja considerada uma Born Global.
Sim
No caso MercadoLibre a empresa apresentou
modelos de baixo e alto comprometimento, nos
casos de operação remota e subsidiária
respectivamente.
Sim
Sim
Entre as quatro forças, pôde se perceber a
viabilidade, através da evolução da tecnologia, a
motivação, pela questão da corrida do ouro nos
mercados em crescimento e a moderação através
de movimentos de aquisição e joint ventures.
O eBay iniciou sua internacionalização menos de 3
anos após sua concepção com os movimentos para
o Canadá e Reino Unido.
Não
O mercado local do eBay (EUA) demonstrou maior
relevância sobre os mercados internacionais, que
demoraram seis anos para atingir a marca de 26%
de participação nas atividades da empresa.
Sim
O eBay apresentou modelos de operação remota
(no caso do Canadá e mais recentemente em
países
do
sudeste
asiático),
médio
comprometimento (através de joint ventures, como
no caso japonês) e grande comprometimento
através das diversas aquisições feitas pela
empresa.
101
6. CONCLUSÃO E RECOMENDAÇÕES
A pesquisa apresentada nesta dissertação buscou compreender o processo de
internacionalização de empresas de comércio eletrônico da segunda metade da
década de 1990 até o ano de 2012.
A seguir serão apresentadas as conclusões retiradas a partir desta pesquisa e
suas implicações gerenciais. Neste ponto, é importante relembrar, que, uma vez
que a metodologia escolhida se tratou de um estudo de caso, essas não devem
ser generalizadas para todo o universo de empresas. Por último, serão
sugeridos novos estudos acerca da empresas de internet, pelos seus modos
peculiares de operação e de lidar com questões internacionais, preenchendo
lacunas observadas durante a produção desta pesquisa.
6.1. CONCLUSÃO
Estudando os casos do MercadoLibre e eBay, à luz das teorias de
internacionalização de empresas, foi perceptível que as diferentes abordagens
comportamentais individualmente não são bem sucedidas ao explicar todo o
processo de internacionalização das empresas. No entanto, a combinação
destas abordagens apresentou alto potencial explicativo acerca dos movimentos
internacionais das firmas estudadas.
Em ambos os casos, a abordagem de Born Globals foi útil para o
entendimentodas pré-condições definidas nas tendências globais, uma vez que
as inovações tecnológicas, ocorridas nas décadas anteriores ao período
estudado, especialmente nas áreas de tecnologia da informação, logística e
distribuição, foram essenciais para que os fenômenos observados pudessem ter
ocorrido. De forma similar também foi utilizado o conceito de fatores de
viabilidade do empreendedorismo internacional, para adicionar às pré-condições
sugeridas por Rennie (1993) no estudo seminal sobre as Born Globals, os
conceitos de Networks, especialmente no aumento da relevância destas no
102
período estudado no caso, com a explosão de usuários de internet em todo o
Mundo.
Ainda a respeito das tendências globais, pôde se perceber também que o
panorama econômico mundial teve forte influência sobre o processo de
internacionalização e solidificação do MercadoLibre, à época do estouro da
bolha da internet, tendo pouca influência sobre o eBay, já uma empresa de
maior porte em março de 2000.
A respeito dos movimentos de internacionalização das firmas, foi observado que
em ambos os casos, as empresas apresentaram comportamentos dúbios, se
levarmos em conta apenas uma abordagem comportamental. No caso do eBay,
os processos de internacionalização para a Alemanha, França e Reino Unido
apresentaram características alinhadas com a perspectiva de Born Globals,
como o curto período entre a criação da empresa e o movimento internacional, a
escolha de modos de maior comprometimento de forma imediata, além da
relevância imediata destes negócios na estratégia da empresa. O mesmo pôde
ser observado no MercadoLibre e sua internacionalização para Brasil e México,
inclusive com maior intensidade, uma vez que o período entre a concepção da
empresa e o começo das operações internacionais foi de menos de um ano e as
operações estrangeiras da empresa já desde o princípio responderam por maior
parte de suas visitas e faturamento.
No entanto, em outros movimentos destas duas empresas, no caso do eBay no
Canadá e Áustria e no caso do MercadoLibre, no Uruguai, Peru e países da
América Central, ficou clara a opção por modos de entrada de menor
comprometimento, como a operação remota.Em alguns destes países, com o
crescimento
do
produto,
verificou-se
a
opção
por
modelos
de
maior
comprometimento, nos casos do Canadá (eBay) e Uruguai (MercadoLibre), onde
um período após o início de suas atividades via operação remota, foram
inaugurados escritórios locais. Estes movimentos citados estão alinhados com o
Modelo de Uppsala.
103
O que diferenciou os dois grupos (os de modos de internacionalização de alto e
baixo comprometimento) foi a importância estratégica entre eles, a citação dos
empreendedores acerca de Alemanha e Brasil explicitam esta visão. A questão
de efeito manada e vantagem de first-mover representaram questões centrais na
estratégia das empresas citadas, em linha com as afirmações de Forsgren e
Hagstron (2007).
A partir das conclusões citadas, pode ser inferido o seguinte modelo acerca das
duas empresas estudadas, conforme indicado na Figura 16.
FIGURA 16 – MODELO DE DEFINIÇÃO DE MODOS DE ENTRADA DO EBAY E
MERCADOLIBRE
Apesar de ser verificada a ocorrência de registros sobre a exportação, mais
notadamente no Modelo de Uppsala e na abordagem de Born Globals, a
inexistência de um produto específico a ser vendido e entregue para o cliente,
torna as características deste modelo de operação internacional únicas.
O empreendedorismo internacional e a abordagem de networks foram
especialmente úteis para a importância da figura do empreendedor nos casos
fosse melhor compreendida. O Multiculturalismo e a busca por criação de
Networks de Galperín e Omidyar exerceram forte influência na vocação global
das empresas. As forças de mediação e moderação também estiveram
presentes no caso, sobretudo no entendimento sobre a importância estratégica
de cada país e sendo assim, na definição do modo de entrada, como vimos no
modelo citado anteriormente. No Quadro 6, pode-se observar uma síntese de
104
como as diversas abordagens comportamentais interagiram para uma melhor
explicação dos fenômenos observados nos dois casos estudados.
QUADRO 6 – COMPARATIVO ENTRE AS DIFERENTES DIMENSÕES DE ANÁLISE E AS
ABORDAGENS COMPORTAMENTAIS UTILIZADAS
Dimensão De Análise
Autores citados
Abordagens Utilizadas
Tendências Globais
Cuningham (1985),
Born Globals
Rennie (1993),
Networks
Oviatt e McDougall (2005).
Empreendedorismo Internacional
Fatores Ambientais Dos Johanson e Mattson (1988),
Knight e Cavusgil (1996),
Países
Born Globals
Networks
Madsen e Servais(1997),
Zuchella (2002),
Dib (2008).
Fatores Ambientais Da Oviatt e McDougall (1994),
Oviatt e McDougall (2005),
Indústria
Empreendedorismo Internacional
Modelo de Uppsala
Forsgren e Hagstron (2007).
Fatores Específicos Das Johanson e Wiedersheim-Paul
Empresas
Modelo de Upalla
(1975),
Born Globals
Johanson e Vahlne (1977),
Empreendedorismo Internacional
Johanson e Mattis (1988),
Networks
Oviatt e McDougall (1994),
Knight e Cavusgil (1996),
Johanson e Vahlne (2009),
Chetty e Stangl (2010).
Fatores Individuais Dos Johanson e Mattis (1988),
Empreendedores
Born Globals
Madsen e Servais (1997),
Empreendedorismo Internacional
Oviatt e McDougall (2005),
Networks
Petersen e Tobiassen (2010).
Sendo
assim,
pode-se
concluir
que,
embora
operando
em
mercados
completamente diferentes, e com porte e faturamento bastante desiguais, é
possível traçar um paralelo e encontrar semelhanças nos processos de
internacionalização do eBay e MercadoLibre, especialmente no que tocam a
escolha dos modelos de entrada e a importância dada às vantagens de firstmover, e na importância do empreendedor como definidor da estratégia e visão
internacional das firmas.
105
6.2. RECOMENDAÇÕES PARA PESQUISAS FUTURAS
A presente pesquisa não teve por intenção esgotar a explicação do processo de
internacionalização das empresas de internet, entendendo que ainda existe um
grande campo para estudo dentro do campo das abordagens comportamentais
da internacionalização de empresas. Portanto, por se tratar de um estudo de
caso, não podemos extrapolar as conclusões aqui sugeridas para todo o
universo de empresas.
Uma primeira sugestão de pesquisa seria a realização desta mesma pesquisa
em empresas de internet nascidas nos últimos cinco anos, período de maior
consolidação da internet, para entender as mudanças no comportamento das
firmas atuais frente àquelas do fim da década de 1990.
Em seguida, sugiro um estudo mais aprofundado sobre o modo de operação
remota de empresas de internet, que prestam o serviço desejado sem que
estejam presentes no país onde este serviço é consumido, especialmente
utilizando a abordagem das teorias de internacionalização de empresas.
Ainda nesta linha, buscar mercados que tenham características de expansão
acelerada mais recentemente (o mercado de compras coletivas, por exemplo) e
compreender se as características observadas nesta pesquisa se confirmam em
outro mercado de crescimento acelerado.
A seguir, proponho que seja feita uma pesquisa utilizando duas empresas
totalmente independentes, uma vez que a associação dos dois casos estudados
- primeiro sendo o eBay um benchmark para o MercadoLibre, e em seguida com
a participação da primeira empresa nas ações da segunda – pode ter provocado
um viés de unidirecional nos processos de internacionalização destas.
Por último, sugiro que seja desenvolvido um estudo de maior amplitude e
natureza quantitativa a fim de entender se o modelo proposto de fato tem
106
aderência para um número maior de empresas, seja no mercado de internet ou
não.
107
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