Instituto de Gestalt Terapia da Bahia Curso de Especialização em Gestalt Terapia Cintia Mara Lavratti [email protected] AJUSTAMENTOS NEURÓTICOS A NOÇÃO DE CLÍNICA GESTÁLTICA BUSCAMOS UMA FORMA DE CONSTRUIR A RELAÇÃO PSICOTERAPÊUTICA, ATRELADA A UMA NOÇÃO RADICAL DE CAMPO. NO CAMPO CLÍNICO, CLIENTE E PSICOTERAPEUTA SE ENCONTRAM IMPLICADOS, E É NESTA RELAÇÃO MÚTUA QUE O CONTATO ACONTECE OFERECENDO POSSIBILIDADES DE CRESCIMENTO, EXPANSÃO E DESENVOLVIMENTO DO SELF. PENSAR NA ATUAÇÃO CLÍNICA DO GESTALT TERAPEUTA É UM CONVITE A LEITURA DAQUILO QUE SE INSCREVE NO CAMPO. O PENSAMENTO CLÍNICO ESTAR EM CONTATO COM O CLIENTE REQUER, DE NÓS CLINICOS, UMA POSSIBILIDADE DE IDENTIFICAR A MANEIRA PELA QUAL ESTAMOS CONVIDADOS A COMPOR O CAMPO. QUE TIPO DE DEMANDA/SOLICITAÇÃO NOS É DIRIGIDA, PARA QUE A PARTIR DE ENTÃO SEJA POSSÍVEL RECONHECER A “MODALIDADE” DE AJUSTAMENTO QUE SE MANIFESTA ASSIM COMO A ESPECIFICIDADE DA INTERVENÇÃO DIANTE DO QUE APARECE. OS DIFERENTES TIPOS DE AJUSTAMENTO CRIATIVO AJUSTAMENTOS NEURÓTICOS – atravessados pela ansiedade decorrente de um processo de evitações sistemáticas. AJUSTAMENTOS PSICÓTICOS – atravessados pela angustia de não encontrar em si um fundo de co-dados que se apresentem diante das solicitações do semelhante. AJUSTAMENTOS AFLITIVOS – atravessados pelo desespero de não encontrar no meio um dado material que possa orientar um deslocamento no campo. O PROCESSO DE CONTATO “Contato é achar e fazer a solução vindoura”. (PHG, 1951, p. 48) Portanto o contato é sempre um evento temporal: intercâmbio entre materiais intencionalmente “co-dados” (retidos e doados como orientação temporal) e materiais “dados” na experiência, tal como os vividos essenciais da fenomenologia. O ATUAL E O INATUAL Os intercâmbios que se dão no campo atrelam inexoravelmente um dado material e atual, presente na fronteira de contato, a um co-dado inatual que é imantado do fundo de vividos e orienta a ação no horizonte de possibilidades.É a experiência da unidade que, em cada contato, experimentamos relativamente a todas as outras experiências de contato . SELF COMO VIVIDO Sistema de contatos no presente transiente Agente de crescimento O self é uma sorte de espontaneidade, que somos nós mesmos, sempre engajados em uma situação – que é o campo organismo/meio – na qual nos experimentamos únicos de diversas formas: - como seres anônimos (nas funções vegetativas, no sono, na sinestesia, no hábito, nos sonhos, etc); - como indivíduos (na sensomotricidade, nas formas de consciência que a habitam, na fala, etc) e - como “realidades” objetivas (nas identificações imaginárias, nas formações lingüísticas já sedimentadas como aquisição cultural, nas instituições, nos ideais). FUNÇÕES DO SELF FUNÇÃO ID GENERALIDADE INDETERMINADA Intencionalidade deliberada no domínio irreflexivo Retenção de nossos vividos, construindo um fundo histórico. Responsável por reter e repetir na forma de hábitos inacessíveis a lente que configura a nossa história e nos orienta nos deslocamentos que realizamos no campo. Domínio do excitamento ou das necessidades. Generalidade sensório-motora (indeterminada) que surge na fronteira de contato de modo espontâneo. FUNÇÃO EU INDIVIDUALIDADE DELIBERADA Intencionalidade deliberada que pode estar no domínio irreflexivo ou reflexivo - Criação - Destruição - Deliberação - Ação: motora Ações motoras e linguageiras (fala falante e falada) “Sistema de identificações e alienações” que desempenhamos com nossa musculatura a partir de um fundo histórico (função id) e em proveito de novas configurações materiais presumíveis. Gera uma individuação, cria um indivíduo, que é tão somente um certo movimento ou uma certa palavra, enfim, um comportamento que introduz uma modificação no campo. FUNÇÃO PERSONALIDADE GENERALIDADE DETERMINADA Intencionalidade deliberada no domínio reflexivo - Assimilação - Reconhecimento Ex.: linguagem, cultura, papéis. A função personalidade corresponde a nossa capacidade para representar nossas próprias vivências de contato. É a réplica verbal do self. É um fundo de formas ligadas à conteúdos = pensamentos: falas faladas – tudo aquilo de que eu possa me lembrar, que eu possa recordar deliberadamente. O self aqui é uma generalidade linguísticamente determinada com um conteúdo semântico = biografia. Ela é o sistema de pensamentos, valores e instituições às quais recorremos no intuito de lograrmos uma identidade, um “ser social”. Assim compreendida, a função personalidade é uma espécie de “ELO QUE ASSEGURA O PERTENCIMENTO SOCIAL” que experimentamos junto aos grupos que integramos, aos valores que assumimos e aos expedientes lingüísticos de que nos servimos como “réplica verbal” de nossas vivências de campo (PHG, 1951, p. 188). COMPROMETIMENTOS DAS FUNÇÕES DO SISTEMA SELF Comprometimento da função ID Opera um tipo específico de ajustamentos voltado exclusivamente para o fundo de excitamentos que ou não foi retido ou foi retido de forma desarticulada, e portanto não se doa como orientação atual. “Busca” uma estratégia de atender a demanda feita no campo relacional não importando o horizonte de possibilidades apresentado através do dado material na fronteira de contato. Comprometimento da função EU Inibição sistemática de um fundo de excitamentos impedindo uma ação criativa do self no horizonte de possibilidades futuras, acarretando a repetição de uma forma inatual e anacrônica de interação. Evitação dos excitamentos ancorada em um risco/perigo que não está mais no campo atual. COMPROMETIMENTO DA FUNÇÃO PERSONALIDADE Falha no funcionamento espontâneo do sistema self, o que significa dizer, uma falha na experiência de contato, cuja conseqüência é a não produção de uma função personalidade. Determina uma vivência aflitiva, representada por uma impossibilidade real no campo. A criação, em situações em que se pode verificar ajustamentos aflitivos, tem relação com a solidariedade, com os pedidos genuínos de inclusão, na forma da qual efetivamente atribuímos e reconhecemos o poder do semelhante para nos ajudar. Dizendo de outro modo: apesar de dispormos de um fundo de excitamentos (função id), a falta de dados (de uma realidade material e sociolingüística) impede o sistema self de agir, de desempenhar a função de ego. Conseqüentemente, o sistema não apenas deixa de estabelecer o contato entre sua dimensão passada (excitamentos) e sua dimensão futura (expectativas, desejos), como também se vê impedido de assumir um valor ou identidade objetiva no presente. A função personalidade, portanto, não se desenvolve e o processo self sofre em decorrência de não poder assumir uma identidade objetiva. Perls, Hefferline e Goodman chamam essa situação de “misery”, “aflição”, conforme a tradução brasileira) (1951, p. 235) e “sofrimento éticopolítico, segundo a concepção do casal MüllerGranzotto (2007) Enquanto na psicose o self não pode se conservar de maneira estruturada, no ajustamento aflitivo o self não pode crescer e constituir uma identidade objetiva. AJUSTAMENTOS NEURÓTICOS Nossa necessidade de sobrevivência envolve tanto manter as condições biológicas em estado de operação funcional, quanto garantir nosso sentimento de inclusão e pertencimento. A família é o primeiro elo de amor – ou deveria ser – que experimentamos, mas igualmente é o primeiro aprisionamento, pois para sermos amados e valorizados, gradativamente vamos abrindo não de nós mesmos em detrimento do desejo do outro projetado sobre nós. DEFORMAMOS nossa hierarquia de necessidades reais e dominantes, para que sejamos bem educados, obedientes, “bons filhos”, cidadãos respeitáveis. APRENDEMOS SOCILAMENTE O VALOR E O SABOR DA INCLUSÃO, TANTO QUANTO A DOR E O DESESPERO DA EXCLUSÃO. Aprendemos a abandonar nossas necessidades em nome de uma demanda social. A DEFORMAÇÃO COMO CAMINHO “...saúde; capacidade de, continua e criativamente, formar figuras vívidas e fortes, de criativamente dar significados e de não aceitar sem exame aqueles que nos são propostos ou que tentam nos impingir.” (Walter Ribeiro, 1995) O EFEITO DAS DEFORMAÇÕES Incapacidade de reconhecer a necessidade dominante; Incapacidade de reagir espontaneamente; Incapacidade de se concentrar sobre uma determinada coisa; Incapacidade de se retirar quando existe necessidade que isto ocorra. A ênfase global, entretanto, mudou da idéia de terapia para um conceito gestáltico de crescimento (desenvolvimento). Agora considero a neurose não uma doença, mas um dos vários sintomas de estagnação do crescimento. Na criança saudável, as frustrações mobilizarão as reservas inatas disponíveis (levando ao crescimento).Quando, porém, as frustrações são demasiado grandes ou ela é atrapalhada ou impedida de lidar com elas, a criança desenvolverá uma espécie própria e individual de psicopatologia. Ela começará a manipular o ambiente com comportamentos “infantilóides” (role playing), ou a assumir o controle para assegurar-se de que aquelas frustrações intoleráveis não ocorrerão novamente. (P.,H., G., 1951) “Todas as perturbações (neuróticas e psicóticas)se originam das incapacidades do indivíduo de encontrar e manter o equilíbrio correto entre si e o resto do mundo e todas elas tem em comum a sensação de que a sociedade e seu meio avançaram demais seus limites, indivíduo adentro. O neurótico é o homem sobre quem a sociedade influi demasiadamente. Sua neurose é uma manobra defensiva para protegê-lo da ameaça de ser barrado por um mundo esmagador.” (Perls,1973) Os ajustamentos neuróticos não se constituem em uma tipologia de pessoas neuróticas ou de quadros patológicos estabilizados, mas a compreensão da neurose como um único comportamento evitativo que pode se manifestar de várias formas. Muller-Granzotto, 2007. O neurótico teme seus excitamentos espontâneos, sendo assim delibera pela EVITAÇÃO. Age na direção da não ação, e desta maneira mantém as situações inacabadas através de um estratégia no campo, atravessada por um desvio de tudo aquilo que possa representar perigo ou ameaça. É uma resposta enrijecida e crônica de inibição. Retrata a tentativa de interagir com o conflito genuíno entre indivíduo e sociedade. O ENTENDIMENTO ACERCA DA GÊNESE DA NEUROSE O trabalho clínico com a neurose envolve o reconhecimento de uma sucessão de dados: 1 – A pessoa experimenta excitações na forma de necessidades e desejos e espontaneamente age para atende-los; 2 - Algumas de suas ações não são aceitas pelo ambiente. Ex. a criança é repreendida. A criança insiste em seu comportamento e as reações contrárias se recrudescem. 3 - A crianças se impede. Age para não agir, utilizando sua muscularidade. Aqui temos a “inibição deliberada”. A criança atende a seu ambiente, desatendendo sua necessidade. O excitamento é inibido deliberadamente, pois há perigo, medo e risco de não ser amado e aceito. Aqui se experimenta a ansiedade. 4 - Com a repetição de tal ação deliberada a mesma se torna um habito, e esta habitualização já é uma conversão à esfera da não consciência. Temos aqui a “inibição reprimida”. A atitude de inibir cai no esquecimento, mas a necessidade ocultada continua e inobjetivamente se reedita, pois o excitamento não pode ser aniquilado. “TODO SOFRIMENTO NEGADO RETORMA AO SEU PONTO DE PARTIDA...” A FISIOLOGIA DA NEUROSE O self cumpre sua função de contatar - Id. Os excitamentos encontram escoamento e se intensificam, o ego exerce sua função de deliberação identificando e alienando. Da-se o contato, há assimilação, aprendizado, crescimento; O organismo e o ambiente estão em interação. O organismo tem ainda uma generalidade restrita, o self insiste no seu compromisso de engajamento, mas o ambiente é poderoso em suas restrições. Diante de tais restrições a função ego delibera por inibir sua ação, pois o excitamento traz a mensagem, na experiência da ansiedade, de risco de não pertencimento. O pólo da criatividade fica inibido em favor do pólo do ajustamento conservativo – disfuncional; Instala-se a repressão. A inibição está reprimida e nela o ego está prontificado para garantir a manutenção da insensibilidade pela contração muscular. Foi edificada uma fisiologia secundária. A ansiedade é experienciada como risco de aniquilamento do self A energia da função ego está dividida. Parte converge para as necessidades cotidianas de contato, outra para repressão do excitamento. Este, continuamente pulsa pedindo escoamento e continuamente o “ego” empenha-se em impedi-lo. A partir dessas descrições cremos ficar mais fácil o entendimento das palavras de P.H.G.: “A neurose é a perda das funções de ego para a fisiologia secundária sob a forma de hábitos inacessíveis.[...] PORTANTO A NEUROSE NÃO É UMA ESTRUTURA NO PSIQUISMO, OU UMA FALHA DA PERSONALIDADE, OUTROSSIM OS AJUSTAMENTOS NEURÓTICOS REPRESEMTAM UMA INTERAÇÃO DISFUNCIONAL DE ALGUÉM EM RELAÇÃO A ALGUMA COISA. AS RELAÇÕES SÃO ESTABELECIDAS DE FORMA NEUROTIZANTE, POIS SEMPRE INCIDEM SOBRE O CAMPO – NA GT PRECONIZAMOS UMA ATITUDE DE NEGAÇÃO A UMA PATOLOGIZAÇÃO PREDITIVA, O INDIVÍDO ESTA REALIZANDO AJUSTAMENTOS NEURÓTICOS, MAS NÃO É NEURÓTICO. OS AJUSTAMENTOS NEURÓTICOS – P.H.G.(1951) CONFLUÊNCIA Impossibilidade de contato com o excitamento ( do ppio fundo de co-dados)através da inibição reprimida, que atua bloqueando toda e qualquer assimilação. Vivência do vazio estéril, o outro aparece como única possibilidade, pois fornece uma sensação de segurança. Satisfação possível: teatralização e regressão; Solicitação ao terapeuta: seja meu modelo. ATIVIDADE VIVENCIAL MÚSICA DRAMATIZAÇÃO ESTUDO DE CASO: CASO ERICA* *NOME FICTÍCIO INTROJEÇÃO O self não consegue ignorar no ‘novo’ dado o fundo de ansiedade que se apresenta, a inibição reprimida passa a atuar na substituição do excitamento por uma lei, regra ou norma social, para que a ansiedade se torne tolerável. Inversão do afeto. Atitude de resignação como elemento de coerção dos ppios excitamentos. Satisfação possível: masoquismo. Solicitação ao terapeuta: seja minha lei. MÚSICA DRAMATIZAÇÃO ESTUDO DE CASO: CASO CAMILA* *NOME FICTÍCIO PROJEÇÃO Esforço da inibição reprimida para evitar o confronto com as possibilidades, se desincumbindo das ações que caracterizam o contato e atribuindo ao semelhante tudo quanto possa representar a ansiedade evitada. Atitude de provocação. Satisfação possível: fantasia o confronto com a situação ansiogênica na ‘pele’ do outro. Solicitação ao terapeuta: seja meu réu. MÚSICA DRAMATIZAÇÃO ESTUDO DE CASO: CASO RENATO* *NOME FICTÍCIO RETROFLEXÃO Desmantelamento do ppio self, determinando sua destruição como forma de evitar o excitamento. O que pode ser assimilado aqui é um papel, onde o retroflexor se torna mártir. Satisfação possível: sadismo ativo. Solicitação ao terapeuta: seja meu cuidador. MÚSICA DRAMATIZAÇÃO ESTUDO DE CASO: CASO PAULO* *NOME FICTÍCIO EGOTISMO Tentativa de aniquilação do incontrolável, tentativa de evitar a frustração através da abstração. Está evitando a confusão e o abandono. Satisfação possível: vaidade. Solicitação ao terapeuta: seja meu fã. MÚSICA DRAMATIZAÇÃO ESTUDO DE CASO: CASO BRUNO* *NOME FICTÍCIO A CLÍNICA DA NEUROSE o processo de terapia consiste em: “mudar as condições e proporcionar outros fundos de experiência até que o self descubra-e-invente a figura: ‘Eu estou evitando deliberadamente este excitamento e exercendo esta agressão’. Poderá então prosseguir de novo em direção a um ajustamento criativo espontâneo.” (PHG, 1951, p. 236) “ nosso método terapêutico é o seguinte: treinar o ego, as diferentes identificações e alienações, por meio de experimentos com uma awareness deliberada das nossas variadas funções, até que se reviva espontaneamente a sensação de que ‘sou eu que estou pensando, percebendo, sentindo e fazendo isso’. Nessa altura, o paciente pode assumir, por conta própria, o controle. (PHG, 1951, p. 49) “ A desconfirmação de um ser, por via dos adestramentos e imposições sociais, representa a perda da fé e da confiança básica em si mesmo – o emudecimento do sábio interior. Neste contexto o sintoma pode representar a única voz de protesto que este ser desenvolveu” (Walter Ribeiro)