CULTURA 1 POR QUE DISCUTIR A TEMÁTICA? Atualmente, o debate sobre o tema cultura e a busca por uma definição do termo têm-se mostrado inesgotável nas Ciências Humanas e Sociais. Qual a razão disso? Como ela é assimilada, reproduzida, transformada e transmitida pelos indivíduos e pelos grupos? A cultura influencia na construção de significados e valores na sociedade moderna? Qual a importância da cultura nas análises da Teoria Educacional atual? Qual seu impacto e repercussão na concepção de escola e educação? Por que a cultura é um aspecto central de tantas discussões no momento? 2 Em certos aspectos, a cultura sempre foi importante, porém, a forma como ela foi definida e utilizada sofreu alterações com o passar do tempo. Além disso, entendemos que estes esclarecimentos poderão aproximar os pressupostos da pedagogia crítica e póscrítica dos objetivos do componente curricular para uma prática transformadora das relações na sociedade. 3 A polêmica tem início pelo paradoxo do uso do termo cultura É comum nas observações "o sujeito não tem cultura", "tal país tem mais cultura que outro", como é possível separar a construção dos pensamentos mais elaborados dos gestos mais comuns dos fazeres diários? Como explicar as evoluções políticas, econômicas e tecnológicas a partir das atividades mais rudimentares de diversos grupos humanos? 4 Determinismo biológico e geográfico Atribui capacidades específicas inatas a diferentes povos, em função da "raça" ou do ambiente físico nos quais se originaram, indexando certas expressões pejorativas a determinados grupos, como imigrantes, negros, índios, entre outros, e valorizando um etnocentrismo que se estende para outros povos marcados pelas ações de seus representantes. Este fato demonstra o pensamento preconceituoso que realça a pseudosuperioridade de determinado grupo social sobre outro. E T N O C E N T R I S M O 5 CONCEITO DE CULTURA PARA OS PCNS Um conjunto de códigos simbólicos reconhecíveis pelo grupo: neles o indivíduo é formado desde o momento de sua concepção; nesses mesmos códigos, durante a sua infância, aprende os conhecimentos e valores do grupo; por eles é mais tarde introduzido nas obrigações da vida adulta, da maneira como cada grupo social as concebe. (p.27) 6 ORIGEM DO TEMPO CULTURA LATIM Cícero (106-43 a.C.), pensador romano, Significa ação ou maneira de explorar certas produções naturais, cuidado com o campo e criação de animais. Estende o conceito para a cultura da alma (Bracht, 1997), uma ação que conduz à plena realização das potencialidades de algo ou de alguém, libertando o homem de seu estado natural. 7 IDEIAS ATRELADAS À CULTURA CULTIVAR CULTUAR Ideia de plantar e visando a colheita, no sentido figurado de gerar, crescer, cuidar, ou seja, uma ação em busca de algo a ser alcançado, a busca da perfeição do ser Ideia de veneração, de conservação, e valoriza o desenvolvimento do indivíduo para alçar a sua própria transcendência, isto é, cultuar a alma. Ou seja, o ser humano cultiva e cultua suas ações, suas produções, seus comportamentos e seus modos de viver para garantir a sobrevivência e, porque não dizer, a perpetuação da espécie humana transmitindo seus8 conhecimentos de geração a geração. Século XIII: Cultivar - cuidar: o cuidado com a terra, com o gado; Século XVI: "cultura" como um estado de cultivo (formação) de uma faculdade mental. Século XVIII: "cultura" vem sempre seguido de um complemento - cultura das artes, cultura das ciências. Decorrer do Século XVIII: determinação de um estado de espírito adquirido através da instrução, isto é, o estado do indivíduo que tem "cultura" "(...) à soma dos saberes acumulados e transmitidos pela humanidade, considerada como totalidade, ao longo de sua história" Nesta perspectiva, a expressão "cultura" está de acordo com a ideologia do iluminismo, por estar associada à idéia da razão, da educação e da evolução, um progresso intelectual e espiritual tanto no âmbito pessoal como no social. cultura atrela-se à idéia de produção humana, e esta produção, no sentido coletivo, fica a cargo de "civilização", ou seja, o progresso de uma nação. "cultura" e "civilização" homem situado no centro do universo 9 INTELECTUAIS E VANGUARDA X NOBREZA "ser civilizado" passa a ser visto, como refinamento superficial, aparência fútil, enquanto cultura, como enriquecimento intelectual e espiritual, consagrado pelas ciências, artes e filosofia. Cultura seria tudo aquilo que produzissem e que os diferenciassem do resto do mundo, as ações que pudessem ter sentido como responsáveis pelo progresso local e, conseqüentemente, a própria contribuição para o desenvolvimento humano. Como os povos mais simples não têm acesso a esse conhecimento, era importante a idéia de irradiar a cultura alemã às sociedades desprovidas destes valores. No século XIX, a noção alemã de kultur tende a um caráter particularista das diferenças nacionais, constituindo-se em único modelo a ser atingido pelas outras sociedades, em oposição à noção francesa universalista de "civilização" 10 Surge então, duas concepções de cultura Para os franceses, "cultura", no sentido coletivo, é antes de tudo a "cultura da humanidade" (Elias, 1990). Para os intelectuais alemães, cada povo tem sua "cultura", e esta se constitui no patrimônio de uma nação com um destino determinado a ser realizado. Em qualquer uma destas, o que permanece em comum é a perspectiva mono cultural, isto é,uma única cultura entendida como certa. desta discussão parte a oposição entre alta cultura e baixa cultura, ou 11 cultura erudita e cultura popular. Nesta direção, a educação seria o caminho para se atingir o grau "culto". 12 A palavra cultura foi introduzida na língua inglesa a partir da expressão colere, que em latim significava "habitar" - surgem daí palavras como colono e colônia - com sentido preservado em "culto" e "cultivar", atribuindo a idéia de cuidar. A cultura seria o fator de coesão social, afastando-se da esfera política e da prática. Nessa lógica, a difusão e a conservação da cultura seria da responsabilidade de pessoas instruídas, que dão sentido ao folclore, à cultura da nação e às obras realizadas por indivíduos sensíveis, ou seja, as produções artísticas expressas na pintura, na literatura e na música erudita, que representava o desenvolvimento humano perante as bruscas mudanças sociais ocorridas durante a Revolução Industrial. A idéia de que nenhuma classe social teria condições de se libertar dos preceitos liberais e utilizar a cultura para a busca da perfeição interna. 13 UTILIZAÇÃO DO TERMO CULTURA como algo que distingue os grupos humanos que estão em estado intelectual avançado na escala evolutiva como a produção de uma nação que a coloca acima das demais como modo de produção que diferencia uma classe que dispõe de conhecimento superior à outra classe social. 14 Diante dos fatos descritos, percebemos que a definição do termo está atrelada à sua evolução histórica e à busca de seu significado que, na verdade, configuram lutas sociais que estruturam relações de força e concedem sentido às questões sociais que as fundamentam. A análise cultural fornece condições para explicar as lógicas simbólicas em jogo na atualidade, o que torna necessário um esforço para compreender os seus significados. 15 “cultura" não é um conceito, mas sim vários, cada qual profundamente marcado por uma vertente teórica, atuando, porém, simultaneamente no âmbito da análise do homem e da sociedade. 16 O conceito de cultura EDWARD B. TYLOR -“um conjunto complexo, que inclui o conhecimento, as crenças, a arte, a moral, o direito, os costumes e as outras capacidades ou hábitos adquiridos pelo homem enquanto membro da sociedade” - TYLOR TINHA A IDEIA DE QUE A CULTURA ACONTECIA POR ESTÁGIOS. FRAZ BOAS - afirmando o relativismo cultural, pensamento que aponta a diversidade das culturas, e que toda cultura atua em relação a um local e espaço de tempo determinado, como também ao seu contexto sócio-histórico. A cultura aparece como um conjunto de traços e padrões de comportamento, cada qual dotada "estilo próprio", que a todo tempo influencia os indivíduos. CULTURAS: ENTIDADES SEPARADAS QUE NÃO PODEM SER JULGADAS POR OUTRAS. PESQUISA IN SITU ETNOGRAFIA BRONISLAW MALINOWSKI - Cada cultura constitui um todo, onde todos os elementos de um sistema cultural se relacionam de maneira harmônica o que faz desses sistemas estruturas funcionais e equilibradas, conservando as culturas idênticas a si mesmas – OBSERVAÇÃO PARTICIPANTE. EMILE DURKHEIM - apresenta uma idéia essencial de cultura e desenvolve a teoria de consciência coletiva que se apóia nas representações coletivas pertencentes a todos os indivíduos de uma mesma sociedade. As sociedades corporificam suas formas de organização social e modos de 17 vida, criando símbolos e expressando-as em rituais (RITO DO PÃO) MARCEL MAUSS - A sociedade escreve no corpo os seus costumes sociais Cultura, compreendida como um sistema autocontido de crenças e valores, com o social superando o individual. É a forma que explica o rito, a magia, os fatos, enfim, todas as práticas sociais, constituindo-se pelo conjunto das relações que uma sociedade estabelece. LÉVISTRAUSS TEORIA PSÍQUICA DA MENTE HUMANA - A cultura é um sistema simbólico, originado na mente humana e que se desenvolve como sistemas estruturais. CLIFFORD GEERTZ – Antropologia interpretativa, fundamentada no paradigma hermenêutico - os símbolos e os significados não estão nas cabeças das pessoas, mas sim são partilhados por elas, pois, para ele: "A cultura é pública porque o significado o é” , teia de significados tecida pelo homem, na qual ele se encontra amarrado, preso. Para o sucesso de uma abordagem interpretativa da cultura, é necessário apoiarse no ponto de vista dos representantes daquela cultura para acessar àquele mundo e poder conversar com os sujeitos envolvidos em seu universo simbólico. IÚRI LOTMAN - A cultura se apresenta como um conjunto de textos e tem o sentido de "informação não hereditária, adquirida, preservada e transmitida por vários grupos da humanidade“, um texto é a "unidade mínima da cultura, capaz de gerar novos significados, mas, também, de preservar a memória de seus contextos anteriores" 18 Os quatro conceitos de cultura amplamente antagônicos entre si Cultura relativizada ao seu contexto histórico, única e específica Cultura como estrutura autoreguladora Cultura como sistemas estruturais fruto da consciência social Cultura como conjunto de significados Apontam concepções teóricas totalmente diferentes e provocam análises práticas diversas. 19 O papel da cultura na constituição da vida social ESTUDOS CULTURAIS RAYMOND WILLIANS RICHARD HOGGART E EDWARD P. THOMPSON questionamentos gerados a partir do predomínio dos meios de comunicação na veiculação e influência na divulgação da cultura Hoggart funda o Centro de Estudos Culturais Contemporâneos da Universidade de Birmingham, na Inglaterra. FOUCAULT DELEUZE DERRIDA Os Estudos Culturais concebem a cultura como campo de 20 luta em torno da significação social A cultura é um campo de produção de significados no qual os diferentes grupos sociais, situados em distintas posições de poder, lutam pela imposição de seus significados à sociedade mais ampla (Hall , 1997). O que está centralmente envolvido nesse jogo é a definição da identidade cultural e social dos diferentes grupos. Cultura é um campo onde se define não apenas a forma que o mundo deve ter, mas também a forma como as pessoas e os grupos devem ser. A cultura é um jogo de poder. Sinteticamente, poder-se-ia dizer que os Estudos Culturais estão preocupados com questões que se situam na conexão entre cultura, significação, identidade e poder. 21 OS INTERESSES DOS ESTUDOS CULTURAIS os Estudos Culturais tomam claramente o partido dos grupos em desvantagem nessas relações. Os Estudos Culturais pretendem que suas análises funcionem como uma intervenção na vida política e social. 22 A VIRADA CULTURAL A "virada cultural", segundo Hall (1997), diz respeito à abordagem da análise social contemporânea que passou a conceber a cultura como uma condição constitutiva da vida social, ao invés de uma "variável dependente" na análise social ou apenas um elo para a integração do sistema. VALORIZAÇÃO DE ÁREAS DO CONHECIMENTO : ARTES E LINGUAGEM 23 STUART HALL sugere que o ser humano utiliza variados sistemas de significados para definir o que as coisas significam, e, por meio desses significados, pode regular e organizar todas as relações sociais. Nessa perspectiva, toda ação social é cultural, e todas as práticas sociais expressam ou comunicam um significado, sendo, nesse sentido, práticas de significação. 24 O SENTIDO DO DISCURSO PARA A CULTURA Os discursos e as práticas discursivas influenciam a maneira pela qual vivemos nossas vidas, pois somente por meio do discurso e da linguagem é que os significados são validados, e podemos conferir sentido à realidade social. Segundo Foucault, essa definição da atuação e importância do discurso mostra-nos que a verdade depende mais de estratégias de poder e de práticas de significação do que qualquer critério ou questão epistemológica. 25 O ponto importante que enfocamos é que a validação da Ciência, das narrativas históricas, da justiça da moral do método, entre outros, fica atrelada ao poder de significar a experiência humana, sendo, nesse contexto estabelecida a identidade e a marcação da diferença. Esse processo é realizado por aqueles que detém o poder de definir quem está dentro - o idêntico, a norma - e quem está fora - o diferente. 26 O popular é comumente desconsiderado em relação ao erudito Comumente pensa-se que as tradições populares constituem-se na maior forma de resistência ao modo como a reforma do povo pode ser pensada. A cultura popular, há tanto tempo, está associada à questão da tradição de ritos, cultos e outras formas culturais e também é por isso que esse tradicionalismo é constantemente mal interpretado como produto retrógrado ou conservador. Conseqüentemente, os comportamentos destas classes são entendidos como barreiras para alcançar estágios "desenvolvidos”. Ao refletirmos sobre estes posicionamentos, verificamos que a cultura popular transmite a idéia de luta e resistência, mas também de apropriação e expropriação. Formas culturais são símbolos e práticas sociais pelas quais a cultura se manifesta, expressa-se. A música, a religião, as roupas, as brincadeiras, os esportes e a educação, entre tantos, são exemplos de formas culturais. As formas culturais se desenvolvem para os grupos sociais darem sentido às suas vidas. 27 POPULAR O popular, pautado no debate cultural, é entendido como categoria de oposição àquilo que é erudito, o que pertence às elites. O que é de domínio do povo não pode ser um conteúdo das classes dominantes (Ball, 2003). Esse pensamento mostra uma possibilidade de compreensão das mudanças das coisas, pois, de tempos em tempos, certas produções populares são elevadas na categoria cultural, ao passo que outras são rebaixadas das classes dominantes para o consumo das massas, como destacamos anteriormente o papel da gênese e divulgação do esporte. 28 O que vale é a tensão permanente de relacionamento, influência, oposição e resistência da cultura popular versus a cultura dominante. 29 TRADIÇÃO a idéia de tradição e valorização do que é popular em determinada época não passa de estratégia de poder, algo para fazer valer a afirmação de imutável, inteiro e autêntico. Muito do que se diz de tradição surgiu no período denominado Modernidade. Precisamos estar atentos a quem interessa vincular a idéia de "tradição". Ao analisarmos algumas formas da cultura corporal, percebemos o conceito em questão. 30 EXPANSÃO CULTURAL ATUAL Vivemos em um momento sócio-histórico em que os riscos de homogeneização cultural, fruto da expansão constante da lógica capitalista, são permanentes, porém não tão simples como possa parecer, afinal toda relação social implica força e luta. 31 A cultura é o terreno onde as transformações são agenciadas e realizadas. A cultura é um campo permanente de contenção e resistência. A cultura é um campo de conflito pela transformação ou manutenção dos objetivos das classes populares, de moralização das classes trabalhadoras e de desqualificação dos pobres e a conseqüente e imprescindível reeducação do povo pelos grupos dominantes. 32 CENTRALIDADE DA CULTURA Diz respeito à forma que a cultura penetra em cada recanto da vida social contemporânea, atuando e mediando tudo na organização da sociedade moderna, atribuindo-lhe dois fatores: um substantivo - "que diz respeito ao lugar da cultura na estrutura empírica real e na organização das atividades, instituições e relações culturais na sociedade, em qualquer momento histórico particular"; e um outro fator, de aspecto epistemológico, que se refere "à posição da cultura em relação às questões de conhecimento e conceitualização em como a cultura é usada para transformar nossa compreensão, explicação e modelos teóricos de mundo"( p.15). 33 Hall (1997) DIVERSOS TEXTOS partido político família escola vizinhança REALIDADE práticas corporais 34 RELAÇÃO DE PODER ENTRE CULTURAS CULTURA DOMINADA CULTURA DOMINANTE 35 HIBRIDIZAÇÃO não ocorre a soma das culturas, nem a simples substituição de uma pela outra, mas sim a criação de uma outra forma de prática social nova, um terceiro espaço (Bhabha, 1999). (discurso político produzido no Brasil ) 36 CONTROLE SOCIAL A cultura é definida como produção estética e assume posição central no processo de dominação. No jogo de distinção social, a capacidade de produzir cultura é restrita à classe social dominante, fazendo as classes dominadas atribuirem sua situação social à sua suposta incapacidade de produzir cultura. Para este sociólogo, a escola tem papel importante nesse processo, pois reproduz a relação de dominação cultural. Bourdieu (1996). 37 PONTOS DE ANÁLISE PARA A COMPREENSÃO DA LÓGICA POLÍTICA E SOCIAL Em primeiro lugar, a crise entre cultura e as estruturas de relações sociais dentro da constituição de classe, gênero e idade que geram formas variadas de dependência e opressão. Em segundo, a cultura deve ser analisada como forma de produção por meio da qual os diferentes grupos em suas relações dominantes ou subordinadas estabelecem e realizam suas metas através de relações assimétricas de poder. Por último, a produção, a legitimação e a circulação dos bens culturais produzidos pelos diversos grupos são áreas centrais de conflito. 38 CULTURA E EDUCAÇÃO FÍSICA como devemos tratar os modos pelos quais são produzidas, mantidas, contestadas e transformadas as desigualdades sociais nas práticas culturais da escola e da Educação Física. 39