História dos Portugueses no Mundo (2012/2013) Aulas n. o 20 Os Portugueses na Índia II Baçaim, Damão e Diu Baçaim Cidade da costa ocidental da Índia, situada entre Damão e Bombaim, ocupada pelos portugueses durante dois séculos (1536-1738). No início do século XVI, a cidade pertencia ao reino muçulmano de Cambaia ou Guzerate, desempenhando um papel secundário no comércio do mar Arábico. A anexação desta cidade pelo «Estado» da Índia resultou das lutas que opuseram portugueses e guzerates, nas décadas de 1530-1540 e 1540-1550. Em 1533, o governador Nuno da Cunha atacou Baçaim com uma frota poderosa, composta por mais de 70 velas, transportando mais de 4000 homens, entre os quais cerca de 2000 portugueses. Vencida a resistência dos defensores da cidade, o governador ordenou a destruição de toda a fortaleza, para evitar que o rei de Cambaia organizasse aí a sua resistência. As lutas em torno de Baçaim inseriam-se num contexto complexo: 1) Os portugueses e guzerates disputavam o domínio das águas junto à costa noroeste indiana de que Diu era a chave; 2) Os mogores avançavam para sul e tinham-se apoderado do sultanato de Deli (1526). Com as fronteiras terrestres sob a pressão ameaçadora dos exércitos do grão-mogol, o rei de Cambaia entrou em negociações com os portugueses. Assim, a 23 de Dezembro de 1534, os portugueses celebraram um contracto com o rei de Cambaia que autorizou a construção de uma fortaleza na ilha de Diu e a soberania sobre todo o território de Baçaim. Em 1536, iniciou-se a construção da fortaleza de Diu. Fortaleza de Diu Em 1538, Rui Lourenço de Távora chegou à Índia, provido da capitania de Baçaim, cargo em que se distinguiu pela resistência aos ataques quer dos mogores quer dos guzerates e seus aliados turcos, com quem entretanto se rompera a paz. Este período de instabilidade prolongar-se-ia até ao segundo cerco de Diu (1546), quando os portugueses se apoderaram definitivamente daquela posição. A anexação de Damão, em 1559, consolidou o domínio português nesta região da Índia e Baçaim cresceu e prosperou, tornando-se a capital da «Província do Norte», que se estendia de Damão a Bombaim e asseguravam aos portugueses controlo de praticamente toda a costa entre Diu e Goa em que se situavam, além de Baçain, as importantes praças-fortes de Damão, a norte, e de Chaul, a sul. Ao contrário do que acontecia na maioria das outras fortalezas do Oriente, o domínio português em Baçaim não se circunscrevia à fortaleza, mas alargavase por território considerável, com uma superfície superior a 2000 km2 (alargado em mais 2800 Km2 com a anexação de Damão). Após o segundo cerco de Diu, o governador D. João de Castro distribuiu a pequenos nobres portugueses e a alguns hindus de Goa as aldeias da região de Baçaim até aí detidas por muçulmanos. Começava-se, então, a agrupar em Baçaim uma nobreza fundiária, muito numerosa, que valeu à capital da «Província do Norte» o nome de «Dom Baçaim». A concessão de terras a nobres portugueses e hindus teve os seguintes objectivos: 1) o desenvolvimento agrícola da região, que assim garantia o fornecimento de víveres para as armadas e as praças portuguesas; 2) possibilidade de recompensar os soldados por serviços prestados; 3) garantir a presença de uma força permanente de cavalaria, pois quem recebia terras era obrigado a possuir um cavalo e estar pronto para a guerra sem qualquer custo para a Coroa portuguesa. Baçaim foi, durante a ocupação portuguesa, um porto importante do comércio de cavalos oriundos de Ormuz, muito procurados por todos os potentados do Decão. Baçaim também exportava gengibre e arroz. De Baçaim seguiam mantimentos para Ormuz, Diu e Goa. Sendo uma região de boa madeira, também se desenvolveu a construção naval. No século XVII, tornar-se-ia extremamente lucrativo a plantação de tabaco, produto que tinha sido recém-introduzido da América. A capitania da cidade de Baçaim eram era um cargo muito importante e lucrativo, razão pela qual muitos dos nobres portugueses desejaram ocupar este posto. A cidade foi ocupada pelo maratas, em 1738, o que constituiu um rude golpe para a nobreza indo-portuguesa. Os maratas são um grupo étnico que vive no estado indiano de Maharastra, que se tornou mais conhecido com o estabelecimento do Império Marata por Shivaji Maharaj, em 1674, e que durou até 1818. Da rica e senhorial «capital do Norte» resta hoje um conjunto de monumentos arruinados, mas que, pelas suas dimensões, nos revelam a importância de que esta cidade desfrutou, com particular relevo para as duas cintas de muralhas, testemunho inequívoco do crescimento que Baçaim conheceu ao longo de dois séculos de domínio português. Diu Ao contrário de Baçaim, Diu permaneceu sobre soberania portuguesa até 1961, quando a União Indiana decidiu juntar à Índia os territórios que os portugueses ainda detinham no subcontinente (Goa, Damão e Diu). Em Diu, tal como ocorria em outras praças portuguesas do antigo «Estado» da Índia, concentravam-se moradores portugueses, soldados, funcionários e «casados». Sabemos que no final do século XVI viveriam em Diu pouco mais de 200 famílias de origem portuguesa, e uma população muçulmana que poderia crescer até os 2000 residentes. No início do século XVII, o número de hindus residentes podia chegar aos quatro ou cinco mil habitantes. Um século mais tarde, em 1720, o polo urbano de Diu e as aldeias adjacentes totalizavam cerca de 1.900 habitações, albergando perto de 6.500 moradores guzerates. No século XX, o total da população residente na cidade era de apenas 5.200 indivíduos, incluindo hindus, muçulmanos e católicos. É impossível entender a importância económica e a influência de Diu no controlo e domínio da navegação e do comércio que se fazia com o Mar Vermelho, com o Golfo Pérsico e com a costa Malabar sem destacar a relevância da sua localização na grande e rica região do noroeste do subcontinente indiano que é o Guzerate. No Guzerate desenvolveu-se uma importante indústria têxtil em torno da qual cresceram outras manufacturas que produziam um diversificado conjunto de mercadorias destinadas a mercados tão longínquos como os sertões africanos, a ocidente, ou a Insulíndia, a oriente. Como contrapartida da exportação destes produtos manufacturados chegavam ao Guzerate grandes quantidades de matérias-primas e especiarias. A partir do século XVIII, a importância estratégica de Diu foi declinando gradualmente passando a ser uma sombra da sua dimensão comercial até ficar reduzida a um local de inquestionável valor histórico e de grande interesse para o estudo da arquitectura militar. Damão Também Damão permaneceu sobre a soberania portuguesa até 1961. O primeiro contacto dos portugueses com Damão ocorreu em 1523. Em 1534, o governador Nuno da Cunha enviou António da Silveira destruir o forte muçulmanos de Damão, pois sabia que ali se situavam os estaleiros navais que construíam e davam apoio às frotas muçulmanas inimigas dos portugueses. Mais tarde, foi enviado o capitão-mor Martim Afonso de Sousa para bombardear e destruir as fortificações islâmicas. Finalmente, em 1559 a cidade de Damão foi definitivamente tomada pelo vice-rei D. Constantino de Bragança. Em 1738, quando os maratas se apoderaram de Baçaim também ocuparam parte das terras de Damão. Em Damão não se tentou nunca, como em Goa, uma conversão maciça da população ao cristianismo e fora dos muros da praça foi diminuta a acção evangelizadora. Como tal, mais profundamente assimilados à cultura portuguesa do que os cristãos de Goa (a quem a conversão em massa deixou intacta a estrutura social e muitas tradições herdadas do hinduísmo), os cristãos de Damão perderam a divisão em castas e o uso da língua local, exprimindo-se em português. Depois da incorporação de Damão na União Indiana, muitos dos cristãos de Damão emigraram para Portugal ou para Moçambique.