ras de duas águas, bem como pelas janelas e portas de carepas com provável influência de Goa, tal como a mobília e a própria tipologia. O pequeno território da praganá de Nagar-Havelly, junto a Damão, rico em florestas de teca, sua principal riqueza, integra um pequeno conjunto de aldeias maioritariamente hindus e ainda algumas famílias católicas. As casas resguardam-se do calor sob a som bra de frondosas e protetoras árvores. Na aldeia de Nardi, a caminho de Silvassa, ainda predominam as casas de armação vegetal preenchida com terra e arga massa, por vezes integrando bosta e/ou palha. Algu mas apresentam forte cor alaranjada, acentuando a sua presença entre o verde do arvoredo. Nalguns casos, o alpendre protetor do calor e da chuva é integralmente construído, talvez numa evo lução tipológica recente, ficando apenas a porta cen tral para acesso. De um modo geral, as coberturas são cerâmicas de duas águas, e as zonas superiores das empenas mantêm só a estrutura de madeira para ven tilar, mas protegidas com alas. A organização espacial mantêm-se idêntica às outras aldeias de Damão. (VM) Diu (íNDIA) ENQUADRAMENTO HISTÓRICO E URBANISMO Em 3 de fevereiro de 1509 travou-se na barra de Diu, em plena costa do reino ou sultanato do Gujarate - ou de Cambaia, como os portugueses o designavam a mais importante batalha naval na história da pre sença portuguesa no Oriente, pois abriu-lhes o domí nio do Índico durante tempo suficiente para estabele cerem o que veio a ser o Estado da Índia. Comandados pelo vice-rei Francisco de Almeida, os portugueses destruíram uma frota comandada por Mir Hussein (Hussein Al Kurdi) e composta por forças do sultanato mameiueo do Cairo e Alexandria, mercenários rumes e efetivos do samorim de Calecute e do sultão de Guja rate, estes armados por Meliqueaz (Malik Aiyaz), antigo escravo tártaro que era o governante de Diu e, assim, vassalo daquele sultão. A coligação inimiga, que há pouco mais de um ano patrulhava o Índico de forma a contrariar os propósitos portugueses e assim prote ger os interesses mercantis muçulmanos, contava ainda com o apoio das repúblicas (católicas) adriáti cas de Veneza e Ragusa. Paradoxalmente, pelo menos para a historiografia tradicional, esse marco estratégico na história da pre sença portuguesa no Oriente tem sido essencialmente assumido como resultado de uma mera vingança pes soal do comandante português pela morte do seu filho, Lourenço de Almeida, um ano antes, no encontro naval entre as mesmas armadas frente a Chaul, cujo resul tado foi desastroso para os portugueses, asserção essa que é suportada por factos e fontes credíveis. Na reali dade foi o seu último ato digno de nota enquanto vice -rei, aliás produzido em desobediência, pois já rece bera ordens expressas do rei para entregar o governo a Afonso de Albuquerque. Foi, porém, uma ação coe rente com a estratégia que definira, de mero domínio dos mares e combate às redes mercantis estrangeiras, visando substituí-las sem desígnios de soberania sobre os governos autóctones. Os feitos imediatos de Afonso de Albuquerque em Goa (1510) e Malaca (1511) não teriam sido possíveis sem a destruição desta primeira frota de coligação muçulmana, com um mal disfarçado apoio das repúblicas mercantis do Adriático. No estabelecimento e estruturação de uma rede de portos no índico os oponentes eram, de facto, os muçulmanos e Diu era nisso um porto chave. Situada no extremo da Península de Katiavar, na confluência de territórios e de culturas diversas, era central em relação aos fluxos comerciais entre o Golfo Pérsico, o Mar Vermelho e todo o Hindustão, com especial des taque para a sua posição como ponto de acesso aos BIBLIOGRAFIA: Brito, R. S., Goa e as praças do Norte, Lisboa, 1966. Dahanu [Danu] (íNDIA) ARQUITETURA MILITAR > FORTE O pequeno porto de Danu localiza-se na margem norte da barra do rio com o mesmo nome, cerca de cin quenta quilómetros a sul de Damão. A praganá de Danú, ocupada em 1559 pelos portugueses, era uma das subdivisões do distrito de Damão. A principal fun ção da posição costeira era defender as terras envol ventes dos ataques predatórios de piratas. Como tal, cerca de 1635 resumia-se a uma casa fortificada, pro tegida por uma pequena muralha, e ainda um baluarte saliente com algumas peças de artilharia. Para além da estrutura defensiva, estava próxima à Igreja de Nossa Senhora das Angústias, para assistência à pequena comunidade de cristãos residentes na povoação. Durante os vários conflitos com os maratas entre 1683 e 1739, existem escassas referências a Danu. Durante o período marata, a estrutura foi· remodelada e assim a encontraram os ingleses em 1817. Dessa fase resulta o essencial da estrutura atual, usada para quartel de forças da polícia: um perímetro retangular defendido por quatro redutos nos seus cantos, com várias depen dências e um poço no seu interior. (SM) 112 . P ATR IMÓN IO DE ORIGEM P OR TUGUES A N O M U N D O: A RQU ITETU R A E URBA NISMO Forte (Baluarte Cavaleiro e a cidade vistos da primeira linha de mura"as) foto: Nur.c:. Grancho ricos portos do Golfo de Cambaia. Era ainda impor tante a sua fácil articulação náutica com a costa orien tai africana. Excelentes condições natl.ffais coroavam a sua posição geográfica. Com efeito, Diu sendo uma ilha separada do território continental gujarati por um canal apenas navegável na entrada oriental, determi nou que a urbe e sistema fortificado se desenvolves sem nesse extremo da ilha, aliás de forma afilada e algo alcantilada. Diu significa "luz': Apesar da estrondosa vitórial o domínio sobre o local não foi imediato. Os ensaios de conquista de Afonso de Albuquerque, em 1513, e de Diogo Lopes de Sequeira, em 1521, falharam. Pelo meio ficou a autori zação, obtida por Albuquerque em 1514, para a insta lação de uma feitorial que funcionou com enorme ren dimento precisamente até àquela última tentativa. O controlo do Golfo Pérsico e do Mar Vermelho tardava e uma instalação mais sólida no litoral hindustânico de soberania muçulmanafoi gradual e apenas assumi damente pretendida com a governação territoriali zante de Nuno da Cunha (1529-1538). Favoreceu-o a pressão exercida pelo Império Mogol sobre o Gujarate, que permitiu a ocupação dos territórios de Baçaim em dezembro de 1534 e, em setembro seguintel a autori zação para uma instalação efetiva em Diu, especifica mente através da célere conformação de uma fortaleza no extremo nascente da ilha. O sultão gujarati, Baha dUl� sofrera uma pesada derrota e refugiara-se com a sua corte em Diu, solicitando aos portugueses apoio para a defesa, pois o ataque mogol era iminente. Tal como em Baçaim, o comando operacional foi de Mar tim Afonso de Sousa. Por estas razões, os estatutos de cedência de Baçaim e de Diu são muito diversos, e deram origem a situa ções urbanas necessariamente muito diferentes. Do ponto de vista político-administrativo, Diu surgiu como uma espécie de protetorado português de uma pequena porção do sultanato gujarati, que acabaria por ir integrando toda a ilha, a sua população el ainda, uma Ínfima porção do território mais próximo no conti nente. O resultado imediato foi uma partilha de poder entre o rei local, que se manteve soberano sobre o ter ritório continental e o Estado da 1ndia, que almejava tutelar a soberania dos mares e o comércio nas portas do Golfo de Cambaia. Ao invés de outras instalações como Baçaim ou Goa, à instalação em Diu nunca esteve subjacente qualquer desígnio de controlo e expansão territorial, de senhorialização e rendimento fundiário. A instalação era de controlo militar, marí timo e comercial, no que aliás cedo fraquejou, pois os portugueses nunca lograram controlar o Golfo de Cambaia - nem mesmo com a ocupação de Damão em 1559 e os muçulmanos desenvolveram alternativas. Sob o domínio portuguêsl Diu exportava essencial mente a produção próprial pois do continente pouco ali passou a afluir. Porém, o entendimento do sultão sobre o negócio que fizera era bastante diferente do dos portugueses e I - PRovINClA DO NORTE I NORTE DA INDIA' DAMÃO " DIU · 1 13 Diu I. Foruleude São Tomo! 2. en. do Capitic ,� 3. Poru. e Caos �. Ba.1u�rte de SãoJ�(ou do: São M:trtinho) 5. Baluarte de Santo. Tere» 6. Baluarte de Santo.lu�;a 7. Couraça Grand� ou Balu3J"\e da Barrn e. Ba.lume Chato 9, Baluarte de São TIago IO,BaJuartede São FHipe II.Ba!uarte CavJIero (iOJeialmeme de São Tomo!) 12.Ba.luartede São Nicolau IJ.B.aluartede Menagem (inicialmente de São TIago) 1�.Baluanede 5.10 Domingo< ou da Madre ",O." 15.Poru. do primeiro fone portugutl:s 16,Muralha urbana, cerca da cid.de 17.PortadoCampc e Pra�a do No..., Bazar IS.Balu.rtc dos Excomungados 19.Baluartedo Mar 20,Sitiodaprimt"..a M."" 2I.Capl':Ia de �o Martinho e (adjacente) sitiod.'8� da MtSencórdi."l n.Capebde São TIago 23.�MauU (�gi igrejadu OnzeM�V� e colégio jesuita) H.lgf"elJ de São Tomé 25,Recolhimento de Santana 26,Sido do con...em o dos Dominicanos 27.lgreia e Convem, de S�o Francisco (actual hospital) 28.Sftio do Hospital Real e ConventO de SãoJ050 de Deus 29,s.ítio da g I rej ade Nossa Senhon d<J bperaoça 30,Mesqu,(3 31.Tribu",,1 32.F'3lkiodo "'"'''''''' 33.l'1erndoe -- 3�,Sitioda MItIga aIf.indeg� 35.Cais. arsenal. gumdasle 36.Escola Régia de Guren.te 37.Esc�a Feminina Pani Bal 3S.Escola Poni Ba.i 39.Sitlo da cisterna do Rei <IO.Edifício de Habju�ão Colccdva Momeplo uma vez afastada, no imediato, a ameaça mogol e for mada a fortaleza, tentou livrar-se dos portugueses, o que lhe valeu a morte em fevereiro de 1537, ou melhor, o assassinato, pois tratou-se de um acidente simulado. Mas de novo se formava uma armada turca e mame luca a partir do Cairo e ao longo do Suez para dar com bate aos portugueses, sendo Diu o objeto concreto e imediato de ataque. Mais uma vez, estavam coordena dos com a resistência local gujarati. Os portugueses reforçaram o dispositivo defensivo, preparando-se para um cerco. Coube a António da Silveira comandar a defesa do cerco, instalado em agosto de 1538. Os guja ratis ocuparam então a cidade, obrigando os portugue ses a confinar-se à fortaleza. A esquadra turca desem barcou um mês depois. Tudo parecia perdido, mas a estrutura defensiva aguentou e em 5 de novembro os turcos levantaram ferro e os gujaratis o cerco. Em 1546 a história repetiu-se, sendo que desta vez o ataque apanhou de surpresa as duas centenas de por tugueses colocados em Diu. O infernal cerco durou de 21 de abril a 11 de novembro, atravessando!oda a mon ção, o que impedia o socorro português, que necessa riamente tinha de chegar por mar. Os sitiantes conta ram com a colaboração de mercenários italianos, designadamente engenheiros militares, e lograram rom per a cortina defensiva, dando azo a combates corpo a corpo. De facto, mais uma vez tudo pareceu perdido, " mas finda a monção a chegada do vice-rei João de Castro com reforços resolveu o cerco numa semana. Ambas as vitórias foram amplamente celebradas e deram ori gem a um gradual aumento de soberania portuguesa sobre a ilha. Por exemplo, em 1554 passaram a arreca dar todas as receitas da alfândega, em vez do terço ql!\":.! haviam negociado anteriormente. Claro que a oportu nidade foi determinada por mais um facto local que gerou uma grande convulsão no Gujarate: a morte do sultão Mahmud III. De 1570 a 1574 os portugueses inter vieram na muralha urbana, o que significa a assunção do controlo global da cidade, então e sempre de uma forma razoavelmente cordata, respeitando princípios de identidade e liberdade religiosa de uma forma sem para lelo em qualquer outra posição no Hindustão. Em tudo o que acima se tem vindo a relatar está não apenas evidente a relevância que os muçulmanos atri buíam ao local, mas também subjacente o papel deter minante da fortaleza na sua defesa, sendo que a sua conformação foi dinâmica, evolutiva. Depois do cerco de 1546 seria submetida a uma reforma radical, pela introdução de uma nova cava e de baluartes de ore lhões, o que, com pequenas aJterações,lhe daria a C011figuração que ainda hoje exibe, resistindo à ruína. De tudo isso, bem como do seu interior, daremos melhor conta na entrada seguinte. Vejamos entretanto algo 1 16 . sobre a cidade em si, sendo que é desde logo imperioso assinalar o carácter verdadeiramente excepcional e único, no âmbito do património europeu na Asia, da fortaleza e da igreja jesuíta, o que é tratado em entra das específicas. Diu é uma ilhafusiforme, com cerca de quinze qui lómetros no seu eixo maior (este-oeste) e um máximo de cinco na respectiva meridiana. A ponta continental do outro lado do canal e da ponte é Gogolá, aldeia sobre uma restinga de areia com cerca de dois quilómetros quadrados, que sempre esteve integrada nos domínios da ilha. Quando os portugueses ali se instalaram exis tiam duas pontes que faziam a ligação, mas que o vice -rei João de Castro, apesar de as elogiar efusivamente, mandou destruir para isolar a ilha, aumentando a sua segurança. Como já acima se disse, a cidade localiza*se no extremo oriental da ilha e é cingida por uma cintura de muralhas anteriores à presença portuguesa, que a envolviam pela frente do canal e terra até ao século XIX. Da banda do mar, apenas uma enseada necessitou de fortificação, uma vez que a costa é abrupta, imprópria para qualquer tipo de desembarque. Os portugueses introduziram algumas alterações e reforços na muralha gujarati, designadamente em 1574, mas o essencial manteve-se. Hoje, desse períme tro geral conserva-se apenas a cortina que atalha a cidade do resto da ilha. A área muralhada é considerá vel, o que faz com que a maior parte não esteja nem nunca tenha sido ocupada. Por outro lado, confirma o facto de o núcleo urbano ser anterior ao seu amuralha menta. O território delimitado é acidentado, marcado por alguns morros e barrancos, descendo mais suave mente junto à frente para O canal. A cidade gujaratí - uma medina - desenvolve-se densa e literalmente contra a muralha, centrada na Porta do Campo, com distensão para a frente portuá ria, hoje em termos de movimento uma sombra de outros tempos. Na sua estrutura geral não apresenta de forma sistemática a morfologia habitual das cida des islâmicas, com adarves e impasses, mas uma trama viária que, apesar de muíto irregular, flui orga nicamente por entre bairros onde aquela estrutura, de facto, internamente se verifica. Para além da rele vante mistura hindu, parece assim óbvia uma inter venção da administração portuguesa, que ao longo dos séculos terá impossibilitado um emaranhado viá rio a que, cultural e militarmente, era avessa, man tendo circuláveis artérias de atravessamento da medina islâmica. O mesmo sucedia desde a Recon quista cristã na Península Ibérica nos séculos XII a XIII, sempre que se ocupava uma cidade islamizada, indo* -se aí bem mais longe nesse processo de reestrutura ção morfológica. PAT RIMÓ NIO DE ORIG E M PORTUGU E S A NO MUND O: ARQU ITETU R A E U RBAN IS M O Contudo, e apesar da profunda decadência de Diu em relação ao seu passado, ainda hoje se presencia o carácter artesanal e comercial em souk das principais ruas da apertada malha urbana gujarati de Diu, mantendo-se na toponímia e na atividade da zona com mais comércio a presença dos baneanes, a numerosa etnia dos comerciantes que mantêm a ligação de sem pre à costa oriental (suaili) africana. A verdade é que a própria arquitetura autóctone, pela extroversão e exu berância volumétrica e decorativa, também trai o espí rito próprio das cidades islâmicas, o que constitui uma variante regional, que nada tem de português, e tem de ser levada em conta na contabilização da especifi cidade urbanística de Diu. Assinale-se ainda o facto de a toponímia antiga denunciar o arruamento por tipos de atividade. No extremo leste da ilha localiza-se a fortaleza feita pelo conhecido processo de atalho, ou seja, a constru ção de uma muralha que seccionou parte da cidade, a qual passou a ser reservada como últimoreduto defen sivo. Foi dentro dela que desde logo se desenvolveu, com maior identidade, intensidade e densidade, um núcleo português. Mas a sua área de cerca de quatro hectares, incluindo os maciços, cava interior e equipa mentos civis, religiosos e militares que ocupam três quartas partes, jamais terá permitido o desenvolvi mento pleno de uma situação urbana, ideia instalada pela absolutamente equívoca, mas deliciota, represen tação iconográfica inserida nas Lendas da India . . de Gaspar Correia, matéria a que voltaremos na entrada seguinte. O que hoje verificamos no local e o que surge representado na demais cartografia e iconografia inclusive a algo anterior "Tavoa de Dio" (1539) inserta no RoteirodeGoa aDiu de João de Castro - são a melhor prova desta asserção. A "Tavoa" mostra-nos a cidade gujarati correspondendo estrutural e proporcional . mente ao que ela é, com a mesquita no local da atual, bem como a muralha de terra, o porto e os estaleiros, enfim a ribeira. Até o Baluarte do Mar está bem mais próximo do que hoje é. Contudo, dentro da fortaleza existiram inicial mente "muitas cazas [ ... ], muy nobres e fermozas, de dous ou três sobrados, onde antiguamente moravão muitos cazados portuguezes com suas famílias, os quaes, pella ma vezinhança que lhe fazião os capitães da fortaleza com seus criados e parentes, largarão as dHas cazas e se paçarão a viver fora, deixando-as cair e chegar aquele estado:' É o que relata António Bocarro, a par com o também muito equívoco desenho de Pedro Barreto Resende de 1635. Nunca terão ido a Diu, até porque continuamos sem perceber como ali caberiam essas "muitas" casas, com os respectivos arruamentos, num escasso hectare. Mas temos a certeza, até porque ainda há vestígios e cartografia fiável, que para além da Igreja da Misericórdia (1542) e do respectivo hospi tal, ali estiveram a Igreja Matriz de São Tomé (1536), as capelas de São Martinho (1546) e de São Tiago (1623), a feitoria e o Paço do Capitão, este junto e controlando a entrada aberta a um cais sobre o canal, com o Balu arte do Mar - localmente designado por Panikotha em frente. Todas essas estruturas ruíram ou arruinaram -se irremediavelmente, em especial ao longo do século XIX, quando a urbanidade portuguesa se virou defini tivamente para a frente do canal entre a fortaleza e a ribeira da cidade. Um pouco recuado, ainda em Quinhentos, erguera -se o Hospital dos Pobres, equipamento assistencial de pendor mais solidário que clínico, que alguma icono grafia coeva representa e do qual se conserva uma lápide. Entretanto, os equipamentos religiosos católi cos foram surgindo de forma esparsa, mas formando um arco com centro na fortaleza, delimitando a cidade preexistente. Disso dá boa conta a fotografia de satélite anexa, a cartografia antiga e as entradas seguintes que lhes são específicas. Com eles, bastante casario para portugueses e cristãos da terra, entretanto destruídos. Como todos os equipamentos, as igrejas marcam a paisagem urbana de Diu pela sua escala e expressão, mas também pelo relativo isolamento em que se encontram, num território urbanisticamente deserto de uma cidade portuguesa, que se chegou a lançar entre a nativa e a fortaleza, mas acabou por não resul tar. Não terá sido apenas pela falta de gente, mas essen cialmente por necessidades defensivas posteriores, uma vez que temos notícias do arrasamento desse tecido urbano. Segundo o relatório de António Bocarro e Pedro Barreto Resende, no ano anterior e por ordem direta do vice-rei, após relatório, já publicado por Pedro Dias, dos três inspetores ali enviados para deter minar de que obras carecia a fortaleza - e a que Bocarro, pelos dados meticulosos sobre a fortificação, inegavel mente recorreu - foram demolidas cento e trinta e sete casas "muy nobres e grandes" existentes junto à forta leza, por forma a se garantir campo aberto à sua defesa em caso de ataque. Já na ocasião se procedia ao des monte de um outeiro situado entre o Baluarte de São Domingos ou da Madre de Deus e o convento domini cano daquela invocação, do qual a Planta daJortaleza e cidade de Diu, levantada por João António Sarmento em 1783 ]Biblioteca Pública e Municipal do Porto, C. M.&A., Pasta 24(35)1 tem delimitado o perímetro. Não se baixava a guarda, nem se poupavam esforços. Apenas os conventos - franciscanos, jesuítas, domi nicanos, hospitalários - e as igrejas de Nossa Senhora da Esperança e a paroquial de SãoTomé resistiram, ape sar de haver documentos em que, ao longo dos anos, PRovfNCIA DO NORTE I NORTE DA fNDIA • DIU · 1 17 se dá conta dessa necessidade para todos eles, com compreensível exceção para a paroquial, um pouco maisdistante, mas alcandorada sobre um outro outeiro. Na sua Década XIII, António Bocarra relata que Antó nio Pinto da Fonseca, o primeiro provedor-geral das for tificações da Índia, em meados da década de 1610 ten tou impedir a continuação das obras da casa jesuíta, o que lhe valeu uma oposição feroz. Já os inspetores que em 1634 ali estiveram não foram da mesma opinião, considerando apenas como padrastos à fortaleza as referidas casas e o outeiro. De facto, as ordens contavam não apenas com o peso que tinham junto das autoridades, mas essencial mente com o argumento de se terem implantado, como era habitual, algo distanciadas da fortaleza - entre quatrocentos e seiscentos metros - balizando o cresci mento da cidade portuguesa em formação e a sua fron teira com o núcleo urbano pré-existente. Assim se explica o vazio urbano que persiste entre esses edifí cios, incluindo os que já desapareceram, e a fortaleza. Num posto onde a presença portuguesa dependia da segurança militar, era imperativa a esplanada sem padrastos, requerida por toda a tratadística e prática da engenharia militar moderna. Coma decadência comercial e, assim, urbana, a nm ção defensiva adquiriu ainda mais relevância. Demoli das numa idade de decadência económica e gradual despovoamento do posto, aquelas casas não seriam � substituídas no imediato por um novo bairro noutra posição. Alguns partiram, outros ocuparam casas dei xadas vagas por muçulmanos na medina. Atendendo aos dados demográficos fornecidos por diversas fontes, aquelas cento e trinta e sete casas (Bocarra refere cento e trinta e cinco) estariam perto do pleno das residências de portugueses e cristãos da terra, ou seja, com os con juntos religiosos eram a cidade portuguesa. Com efeito, todo o século XVII foi de grandes dificul dades paraDiu, com secas, inundações, epidemias, guer ras, pirataria, etc., ao que António Bocarro acrescenta a tirania dos capitães da praça, que asfixiavam as ativida des económicas com taxas e muita corrupção. Segundo ele, fora da fortaleza já só então (1635) viviam cinquenta e nove portugueses. Pelo final daquele século, apenas viviam em Diu cerca de cento e setenta portugueses (incluindo a guarnição) entre uma população de cerca de 5.500 pessoas. Número que se manteve até meados do século xx, com uma crescente diminuiç�o dos por tugueses até que foram forçados a partir em 1961. Entre outros testemunhos, o acima referido levan tamento de 1783 dá-nos um excelente retrato de toda essa singular situação urbanística, sendo nele mar cante a linha amarela que atravessa o conjunto urbano do canal ao mar e, segundo a respectiva legenda, I 18 . PATRIMÓNIO D E ORIG EM PORTUGUESA NO MUNDO: ARQU ITETURA E "divide os christoens dos gentillos': É a confirmação de uma separação que não é étnica, mas confessional, já referida noutras textos deste volume. Mas também confirma a existência, então apenas em mente, de uma cidade portuguesa/cristã que entretanto fora demo lida, pois do lado cristão da linha é ralo o casario que acompanha os já referidos edifícios religiosos, dos quais metade entretanto também soçobraria - domi nicanos, hospitalários com o seu hospital e Igreja de Nossa Senhora da Esperança - já apenas por mera incúria e decréscimo de crentes. O documento só não é absolutamente correto e expressivo porque repre senta o tecido da medina gujarati de uma forma esque mática, sem os adarves e impasses que a cartografia e a fotografia aérea/satélite atuais ainda confirmam. Caso contrário, o contraste morfológico e de densida des seria ainda mais evidente. Pelo que aqui tem vindo a ser reunido, vê-se como para Diu é hoje árduo invocar-se a temática da "cidade portuguesa" do Primeiro Império. Com as especifici· dades evidentes em outras na costa ocidental hindus tânica, é difícil vislumbrar-se uma Diu de Cima (que seria a cidade preexistente) versus uma Diu de Baixo (que poderia ter sido, ou efemeramente foi, a tal cidade intermédia entre aquela e a fortaleza). Por outro lado, não são conhecidos dados sobre a existência de uma fidalguia ou senhorialismo portugueses ou de cristãos da terra, goeses, etc. Seguindo um outro sistema de prioridades e condicionados por um conjunto de situa ções adversas, em Diu os portugueses não lograram preencher os requisitos mínimos do eventual arqué tipo do modo português de fazer cidade, dando-lhe consistência urbana, demográfica e um quadro social completo, assim lhe garantindo continuidade. A questão que resta para uma investigação ainda por empreender - uma monografia completa de Diu elaborada segundo metodologia credível- é a de como, até que ponto, por onde e como se desenvolveu, por intervenção administrativa portuguesa posterior, um tipo diverso de cidade a partir daquela que foi encon trada. Não uma cidade portuguesa, mas uma cidade de influência portuguesa, sendo claro que, como vere mos de imediato, o seu carácter atuaI deve muito a intervenções feitas nas últimas décadas da adminis tração portuguesa. Após as razias urbanisticas de Seiscentos, os escas sos portugueses foram· se então recompondo de forma rala no espaço intermédio entre a fortaleza e a medina, com uma maior concentração ao longo do canal, sobre a ribeira e porto. É ali que ainda hoje encontramos o palácio do governador e um conjunto integrado de novos equipamentos urbanos, resultado de uma ope ração desenvolvida no último quartel de Setecentos, URBANISMO Praça do Novo Bazar Foto: Walter Rossa reflexo do frustre plano pombalino de "restauração" do Estado da Índia, empreendido em 1774. São eles, de este para oeste, entre outros afins: o mercado no sítio da primitiva alfândega e com uma coluna monu mental servindo simbolicamente de pelourinho datado de 1799, que substituiu um anterior localizado junto da fortaleza; o novo cais urbano com a nova alfândega; e o arsenal com o seu magnífico portal articulando os respectivos armazéns, o cais privativo e o guindaste datado de 1 782. Tudo isso implicou o desmantelam�nto de parte considerável da muralha que encerrava a cidade ao canal, processo que seria concluído no início do século xx. É uma evolução que já se nota no meio século com preendido entre o levantamento de 1783 acima refe rido e outro, a Planta do Casto Praça, e Cidade de Dio de 1833 da autoria de José Aniceto da Silva (Gabinete de Estudos Arqueológicos da Engenharia Militar 1227/2A-24A-III). Evolução monumentalizante, aliás na linha de uma tendência, que nos parece de raiz gujarati, para a celebração de factos e pessoas através de monumentos urbanos, obeliscos, colunas, lápides, patente da iconografia mais antiga até aos dias de hoje no próprio museu arqueológico montado em 1904 na Matriz de São Tomé, cuja epigrafia que já foi objeto de estudos exaustivos. O domínio britânico da índia pacificara a região e Diu e os portugueses puderam abandonar a fortaleza e, na medida do possível, urbanizar-se. Diu abriu-se então definitivamente ao continente, com a muralha na frente para o canal a dar lugar a um passeio em mar ginal entre o cais urbano e a fortaleza, passando pelo mercado e pelo palácio e dotado de um varandim, estrutura de sabor romântico inovador e então comum a muitas outras cidades portuguesas. Foi o corolário de um período em que os portugueses reaproveitaram muitos elementos das construções entretanto demolio das ou arruinadas, para se instalarem ao longo do canal e junto aos conventos. Surgiriam alguns equipamen tos (escolas, tribunal), e até habitação coletiva para funcionários. Particularmente significativa é a abertura em 1857 da Estrada de Torres Novas - designação que homena geia o governador que a ordenou, António César de Vasconcelos Correia, conde de Torres Novas (1855-1864) - um gesto de estruturação urbana que permi tiu a regulação do novo edificado que a conformou. É uma autêntica rua direita entre o porto e as igrejas, embora termine sem remate condigno num pequeno largo junto ao edifício do tribunal. O seu traçado revela a intenção de polarizar a efetiva ocupação do territó rio da cidade portuguesa e, consequentemente, a con solidação do largo do complexo jesuíta, dito de São Paulo, como lugar central. Com todas as limitações é, ainda hoje, o mais expressivo toque ocidental na mor fologia urbana de Diu. Mas não é o mais expressivo. Esse é o insólito esboço de praça que nos surge quando entramos na cidade pela Porta do Campo. Era já um espaço urbano na cidade preexistente, mas adqui riu uma expressão italianizante, clássica, com a cons trução nos seus lados norte e este de dois pórticos em arcaria de pedra lavrada em rústico (bugnato). Tudo faria crer uma intervenção quinhentista ou seiscentista, mas não. A sua construção e projeto são sinteticamente relatados pelo seu autor, Miguel de Noronha de Paiva Couceiro, quarto conde de Paraty e governador de Diu entre 1948 e 1950, a páginas 135-136 do seu livro Diu e eu. O que existia era "um largo, rodeado de muros que vedavam terrenos particulares" e "os restos de uma balaustrada barroca encastoando wna pedra de armas Correios Foto: Miguel de Noronha de Paiva Couceiro Palácio do Governador Foto: Miguel de Noronha de Couceiro PRovfNCIA DO NORTE I NORTE DA fND IA • DIU · I 19 Paiva 'I Reais. E wn arco que dava para uma das ruas de acesso." Ele, que era wn "grande amador de praças - o mais atra ente motivo de wna urbanização quando os arquitec tos o sabem aproveitar" revela que "Estava feito o plano [com essas preexistências] e eu acordei com todos os proprietários dos terrenos circundantes que abrissem os seus muros com lojas, sob o mesmo risco de arcadas e balaustradas tomado do modelo antigo. E chamou-se -lhe Novo Bazar'� Miguel de Paiva Couceiro (1909-1979) foi governa dor de Diu nos anos em que se concretizou a indepen dência do Raj, com a separação, violenta e por razões confessionais, entre Índia e Paquistão. A situação não podia ser mais difícil, em especial numa possessão por tuguesa próxima daquele último país e encastoada em território de maioria muçulmana. O seu governo de Diu foi apenas de dois anos, pois a dinâmica que lhe impôs e a ação que desenvolveu de aproximação aos indianos valeu-lhe desentendimentos (e prováveis ciúmes) com o governador-geraL A imprensa indiana considerava-o o Mountbatten português, desejando que ascendesse ao governo da então designada Índia Portuguesa. Além disso, promoveu consideráveis reformas admi nistrativas' a melhoria das ligações ao exterior e das con dições sanitárias, bem como a instalação de um con junto de equipamentos assistenciais (hospital, centro médico) e culturais, designadamente bibliotecas (Noro tom Mulgi e Revam Bai). Restabeleceu o apro�siona menta de água potável (abandonado há quarenta anos) e fundou a primeira estação de rádio do Estado da Índia, num pequeno edifício modernista junto do aeroporto, recentemente demolido. Já para a nova estação de cor reios, o projeto determinou uma clara gramática neo clássica, rara nas províncias ultramarinas do Estado Novo. Mas a sua impressionante ação não se pautou apenas por um excepcional e modernizante desempe nho diplomático e governativo, pois o seu papel indivi dual como construtor, de claras opções revivalistas, não se ficou pela Praça do Novo Bazar, acima referida. Talvez mais marcante, ainda que hoje de percep ção difícil pela descaracterização e envolvente vegetal, foi a sua ação de reabilitação do Palácio do Governa dor - no fundo uma verdadeira renovação - que tam bém relata no seu livro e que no jornal Anglo-Lusitano de 24 de junho de 1950 mereceu a seguinte referência: "Com fachada do século XVII, encimando os brazões dos valorosos heróis de Diu, Nuno da Cunha, António da Silveira, D. João de Mascarenhas e D. João de Cas tro, todo o mobiliário artistico característico de estilo indo-português, os interiores e principalmente a 'Sala de Parvati; enriquecidos com pedra e madeira lavrada': Na realidade, Miguel de Paiva Couceiro não só incor porou inúmeras pedras de armas dispersas por ruínas 120 . da cidade, como o encerrou fazendo-o neo-manuelino, em especial através da lavra de colunas e pedras de armas em ameias concheadas, arcarias com frisos de bolas, etc. É uma surpreendente maravilha revivalista, de óbvia temática colonial, que à primeira vista engana na cronologia tanto quanto a nova praça. Na sua auten ticidade equívoca, é um dos paços que restam dos governantes do velho Estado da índia. Na década que se seguiu, o Estado Novo manteve uma ação modernizadora, mas travando a sua última batalha contra a inevitabilidade da integração de Diu e dos demais territórios da então Índia Portuguesa na Índia. Miguel de Paiva Couceiro travara e perdera só a sua batalha de sinal oposto. Por fim, em dezembro de 1961, reagindo à invasão das forças armadas indianas, também ali, em Diu, ingloriamente e pela última vez portugueses lutaram e perderam a vida por algo que não poderia continuar seu. Prevaleceram marcas múltiplas, essencialmente de matriz cultural, edifícios e espaços de cruzamento, uma morfologia urbana única, dados e fontes históricas abundantes, tudo ainda por estudar cabalmente. Mas no meio de tudo a maior expressão advém da componente estratégica e militar, pois foi sempre esse o desígnio e o paradigma para a presença portuguesa em Diu. Por isso o território e a sua vocação militar desenharam e conformaram a cidade, em vez de ter sido a cidade a modelar o território. (WR, NG) BIBLIOGRAFIA: Almeida, José Julião do Sacramento, "Igrejas, conventos e capelas em Dio'; O Oriente Português, n.O 6, Nova Goa, 1936, pp. 67-79; Antunes, Luís Frederico Dias, "Diu, espaços e quotidianos'; Espaços de um Império: Estudos. 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ARQUI TETURA M I L I TAR Além de escassos elementos pontuais - os fortins situados em Brancavará (1774), Monacavará, Naroá (1744) e Gogalá - o impressionante sistema fortifi cado de Diu é composto essencialmente por três ele mentos: a cerca gujarati preexistente, que encerra a área urbana da cidade do resto da ilha; o Baluarte do Mar - ou Panikotha - um forte plantado no meio da entrada navegável do canal que separa a ilha do con tinente; e a fortaleza erguida no extremo nascente da ilha. Impressionante não apenas pela expressão e dimensão, mas por deter um conjunto de característi cas inusitadas e por se ter preservado o suficiente para ainda se ter uma boa percepção de que como foi pen sado, executado e utilizado. A muralha urbana preexistente cercava a cidade pelo lado de terra e do canal, sendo que do lado do mar apenas uma enseada necessitou da construção de dois baluartes (sendo um o dos Excomungados) e cortinas, pois o resto da costa era alcantilada e, assim, impossí vel para o desembarque. De tudo isso resta apenas o longo tramo que se estende do canal ao mar. Sofreu diversas intervenções portuguesas, muito em especial a reforma empreendida entre 1570 e 1 574 que nela ficou epigrafada e deu lugar a que muitos tudo consideras sem português. Não foram, contudo, ref�mas estrutuFosso entre as dWlS linhas fortificadas Fete: Walter Re';a rais, que lhe tenham alterado a expressão, sendo parti cularmente marcante a abertura de duas portas além da única até então existente. Uma terceira seria aberta mais tarde. Na porta primitiva, a do Campo, foi intro duzido um aparelho decorativo que a cristianizou. Pese embora a sua marcante presença atual, é no entanto necessário fazer um esforço para imaginar a sua totalidade na origem, para o que a "Tavoa de Dia'; inserida no Roteiro de Goa a Diu de João de Castro dos primeiros meses de 1 539, será o melhor ponto de par tida, mas à qual é necessário juntar, pela clareza do traçado planimétrico, os conhecidos levantamentos gerais da cidade de 1783 e 1833 (> entrada anterior). A expressão global era claramente medieval, com dezoito torres indiferenciadamente quadradas e semi circulares e, segundo o Livro das Cidades e Fortalezas ( 1 582) e a referida cartografia, teve uma cava inundá vel trinchada em rocha. Os panos são altos, com pla nos jorrantes até meia altura, e a Porta do Campo tem um sistema decorativo de clara inspiração gujarate. O Baluarte do Mar já existia à data da instalação militar portuguesa em Diu. Foi, aliás, o primeiro posto cedido pelo sultão aos portugueses, o qual funcionou então como alojamento das chefias. Porém, com exce ção para o seu perímetro alongado, a sua feição atual deve a expressão a diversas intervenções posteriores ainda por apurar, estudar e estabelecer. É muito prová vel que a parte que se mantém mais próxima da versão original corresponda ao corpo mais largo e arredon dado, situado a este, tendo a estrutura mais regular e alongada, que o prolonga para oeste - uma couraça sofrido mais alterações, a mais determinante em 1 587. Na articulação entre os dois está hoje um torreão - aliás encimado por um farol - que poderá muito bem ser uma reminiscência da torre de base quadrada clara mente representada no desenho de João de Castro acima referido e também por ele detalhadamente des Crita no respectivo texto. No fundo, assume a silhueta de um navio de guerra fundeado no meio da entrada no canal, bem frente ao cais de acesso à fortaleza e ao seu antigo centro de comando: a Casa do Capitão, pelo que não só protegia a entrada do canal e a cidade, mas também o ponto mais sensível da fortaleza. Tinha, aliás, uma outra articulação defensiva com a fortaleza, a qual é bem descrita por Fernão Lopes de Castanheda (1552-1561): Diu "da banda da terra tinha hü baluarte fundado nagoa, de que atravessava hüa cadea de ferro muyto grossa aos muros da cidade, que se levantavam e abaixavam com cabrestãte e cõ ella se çarrava ho porto de maneyra que as náos questauã detro ficauão muito seguras e pão podião entrar nele outros estrangeyros sem lhe abayxarem a cadea." Uma forte estacada de madeira sobre um molhe artificial ... PROvfNCIA DO NORTE I NORTE DA fNDIA' DIU · 121 preexistente, desenvolvidos entre o Baluarte do Mar e a Península de Gogolá, resolviam o problema do acesso pelo lado norte do mesmo, dispositivo reforçado pelo baluarte redondo que os portugueses cedo - em 1538 ali ergueram, depois de terem arrasado uma muralha preexistente. A construção da muralha urbana e do Panikotha devem*se, muito provavelmente, à iniciativa de Meli queaz (Malik Aiyaz), o governante de Diu à data dos assédios e da ocupação portuguesa, pois como relatou João de Barros na Década Segunda da sua Ásia "era homem experto, e prudente, com sua industria a fez tão celebre, per trato de mercadoria, que alem do que cada hum anno pagava a El*Rey de tributo, se fez um riquissimo homem, com que fortaleceo e nobreceo a Cidade de muros, torres, e baluartes principalmente depois que nós entramos na Índia:' Porém, o que fez a diferença para o verdadeira* mente excepcional do sistema defensivo da cidade de Diu não foram essas obras gujaratis, mas a fortaleza que os portugueses começaram a erguer em 1535 no extremo oriental da ilha e da cidade. Existia ali um dis* positivo do sistema defensivo instalado sob o comando de Meliqueaz. Gaspar Correia refere uma "torre da barra, que está defronte do baluarte do mar': Em nossa opinião, o que surge representado no desenho de João de Barros e cuja construção não é referida por nenhum dos cronistas, já lá estaria quando os portugteses se lançaram na formação - pois assim não foi uma,cons trução integral - da fortaleza. Tal consiste, precisa* mente, num dispositivo de terraços e cais - uma espé cie de dois baluartes que, na sua algo confusa descrição de 1539, João de Castro cataloga como couraças e lajes - articulados por uma alta torre do lado do canal frente ao Baluarte do Mar. Por ali, num sistema que contro* lava a entrada da barra, teria, segundo Lopo de Sousa Coutinho, funcionado entre 1514 e 1521 a primeira fei toria portuguesa. Como veremos, todo esse sistema foi reformado pelos portugueses em meados da década de 1 540, dando-lhe a configuração que ainda hoje apresenta. O processo histórico que levou à instalação portu guesa em Diu ficou já atrás minimamente esclarecido: as fontes, a cartografia e iconografia e os trabalhos dados à estampa sobre esta fortaleza são muitos e pro lixos. A epigrafia é particularmente relevante para a datação e responsabilização pelas ações, fazendo com que na realidade este conjunto edificado conte a sua própria história. Tudo isso facilita o conhecimento, mas dificulta a seleção do que de essencial aqui é impe* rativo registar, até porque, independentemente de apresentarmos mais alguns contributos, continua por apurar de forma cabal a correspondência entre o exis* tente e as fases da sua concretização, para o que con* tribui mormente a alteração de designação sofrida pelos baluartes ao longo dos tempos. Optámos por registar a informação suficiente para se perceber como é que, de uma forma geral, o sistema se conformou - o que ocorreu no século XVI - deixando de lado os detalhes respeitantes aos seus ajustes desde então. Essa ponta da ilha tem, como a cidade, um solo rochoso, que se eleva numa plataforma sobre a linha de água do mar e do canal. A configuração triangular ditou a forma da fortaleza, tal como a evolução da arte de fortificar ditou a sua expressão, a qual deve muito da sua especificidade ao facto de ter evoluído mais por adição que por substituição, renovação ou reforma. Mas também é devedora do facto de as cortinas exte* riores terem prolongado a falésia, que por sua vez tam* bém foi adossada, de modo a que umas e outras se tenham fundido funcional, construtiva e paisagistica* mente. No fundo, muita da imponência do sistema deve*se ao acentuar da escarpa construída pela escarpa natural, o que é particularmente evidente nos dois fossos que artificialmente ligaram o canal ao mar, iso* lando o conjunto de terra e servindo de pedreira à obra. Uma vez feito o acordo com o sultão, em setembro de 1535 Martim Afonso de Sousa - o negociador e comandante português no terreno, ainda que o pró* prio governador, Nuno da Cunha, também ali tenha estado - ordenou a abertura de uma cava ligando o canal ao mar, fazendo assim uma ilha artificial no extremo da Ilha de Diu. Foi uma tarefa árdua, que implicou a escavação de um fosso em rocha numa pro* fundidade superior ao habitual, pois a altura da super* fície do terreno em relação a um nível inundável em qualquer maré em alguns pontos chega aos oito metros. Como veremos, seria repetida pouco mais de uma década depois. No mês seguinte marcou*se a for* taleza, cuja construção teve início formal no dia de 122 URBANISMO . PATRIM Ó N I O DE ORIG EM PORTUGUESA N O MUN DO: ARQ U IT ETURA E Baluarte de São Filipe Foto: Walter Rem Baluarte do Mar ou Panikotha Foto: Walter Rossa São Tomé, 21 de dezembro, com o lançamento da pri meira pedra do baluarte com essa designação pelo próprio Nuno da Cunha. Com o tempo, passaria a ser a designação do conjunto e da igreja matra, enquanto o baluarte passava a ser designado como Cavaleiro, por ser o mais proeminente do conjunto. O processo foi descrito por alguns autores, entre os quais Lopo de Sousa Coutinho no Livro primeiro [e segundo] do [l.'] cerco de Diu que os turcos poseram à fortaleza de Diu (1 556), a quem passamos a palavra, pois é bem mais claro do que lograríamos ser: "Lãçouse hu pano de muro da costa do mar a hu alto q se ali faz, & sobre eIle se fundou hu grande & fer moso Baluarte redõdo entulhado, o ql tinha noveta pal mos e diâmetro: & fezse pouco mais alto q o outro muro: & pos se lhe nome São Tome, por ser começado em seu dia. E dali se estende o outra vez ho muro dereyto ao rio: & antes q chegasse a agua tres ou qua tro lanças acabou, fazedo outro grã Baluarte, q tinha sessenta palmos e diâmetro, & pos se lhe nome o de Santiago [depois Baluarte de Menagem]: & antre estes dous baluartes, junto deste menor, ficou a porta da for taleza cõsua couraça, de rosto pera a cidade. Foy o muro de grossura de. xxvij. & xviij. Pees: & de alto vinte &. xxij a fora peyturil & ameas: cõ sua cava: a qual vinha acabar de fenecer a meo rosto do Baluarte menor, q està ao rio. Assi q ametade do dito Baluarte ficou sem cava, porq o sitio abayxa ali tãto, q casi fica no andar do rio. E assi mais ficou sem cava toda aqUa parte q cae sobre o rio, des o dito Baluarte até a feytoria velha. No qual espaço o dito rio nã chega ao muro senã de aguas vivas. E todo o outro tepo fica duas lanças ou mais afas tado. E neste espaço q digo, pouco distante do dito Baluarte menor, se fizera as casas pera os capitães da dita fortaleza. As quaes nã acuparam todo o dito espaço [ ... ] . O chão que acupa a dita fortaleza é em figura trian guiar. Em o meyo della avia hu gram cavouco, no qual depois e tepo de António da Silveyra ser capitão, se fez hua grã cisterna:' O que nos surge na "Tavoa de Dia" corresponde a essa primeira versão da fortaleza - que, como vimos, integrava estruturas preexistentes - tudo ainda com uma feição marcadamente medieval e sem ocupar o extremo do triângulo, uma ponta baixa, mas rochosa, que entrava na água, onde mais tarde veio a ser feita a Couraça Grande com o seu baluarte. Foi a estrutura acima descrita por Lopo de Sousa Coutinho, com muros com cerca de nove metros de espessura, que resistiu ao cerco de agosto a novembro de 1 538, que a deixou em muito mau estado, o que fez com que não pudesse ser aceite como solução definitiva, embora lá permaneça, inclusive com a primitiva Porta de Terra, hoje servindo apenas de acesso à ponte que atravessa o fosso inicial, que também veio a ficar no interior do sistema. No miolo, frente ao local onde esteve a Matriz de São Tomé (erguida logo em 1 536) e junto ao barranco que ocupa uma área considerável do espaço disponível e pelo qual se fazia o caminho até aquela porta, lá está PRovlNC IA D O N ORTE I NOR TE D A I NDIA • D IU , 123 aquele vice-rei enviou a D. João III: "As obras que fize rão sobre a fortaleza parecem mais que de humanas; porque o proprio capitão, e moradores della me não sabião dizer onde estavão os baluartes, e por onde cor rião os muros, e o lugar, onde jazia a cava: tamanhas montanhas de pedra tinhão lansado em todas estas partes, de maneira, que parecia impossivel, e hum tra� balho incomportavel poder tirar esta pedra e terra, e tornar a erguer a fortaleza palo luguar, por onde pri meiro estava. Polo que me foi forçado fazella de novo per fõra da cava; assi porque se pudesse fazer neste verão, como por ser por esta parte mais forte; por caso de hus oiteiros altos, onde os baluartes caem. O que me dera muito trabalho, senão acertara de vir do reino Francisco Pires; porque não há offieial, que saiba nada. E por esta rezão me cwnpre têllo que este verão, e não no mandar a Moçambique. A maneira de que faço a fortaleza he polia debuxo de Ceyta. Parece-me, que espantaraa muito a gente desta terra, mayormente depois que se fizer hua cava per fóra do muro novo; porque então ficaraa Dyo com duas cavas, e duas mura lhas, remedeando se os muros velhos de maneira, que fiquem em terraplenos sobre a cava antigua." Diu seguiu, de facto, o modelo de Ceuta e para isso seria fundamental a abertura em 1550 do novo fosso por onde ainda hoje entra a água do mar ao canal. A nova linha defensiva surgiu na frente da primeira, com três possantes baluartes: o de São Nicolau ao meio, com dois, São Filipe e São Domingos (ou da Madre de Deus), nos extremos. Em Ceuta são apenas dois. Tudo porque havia urgência e para a renovação da linha anterior seria necessário desentulhar o que resultara do pesado cerco, o que foi sendo feito poste riormente. Por isso temos duas linhas e dois fossos paralelos, que são um relato explícito da extraordiná ria evolução da engenharia militar entre as fases arcaica e moderna da era da pirobalística. É uma situação tão insólita que levou o cuidadoso Gaspar Correia a publi car com as suas Lendas da Índia finalizadas por volta de 1550 - um desenho que funde ambas as linhas numa, representando ainda todos os baluartes como redondos. Estivera em Diu antes, mas não poderia ter representado o que não vira ali, nem em parte alguma. Também por isso o não relata. Importava enviar uma imagem ao rei, que em 1546 expressamente o pedira para as principais fortalezas. O que hoje ali vemos tem, obviamente, um enorme conjunto de modificações introduzidas nos séculos seguintes, em especial em Seiscentos, período em que o sistema abaluartado, a par com a evolução da arti� lharia, sofreu um enorme desenvolvimento. Por isso em 1634 o viee-rei Miguel de Noronha, 4.° conde de Unhares, enviou a Diu uma equipa de três inspetores, a cisterna feita por António da Silveira "que levava cinco mil pipas dagoa, muy bem lavrado edifício:' Em 1635, António Bocarra referiu vinte e quatro mil, pelo que será uma outra. Aliás, a cartografia mais recente denuncia a existência de várias cisternas. Após esse primeiro cerco, sob o comando do novo capitão de Diu, Manuel de Sousa de Sepúlveda, proce deu-se à reconstrução do dispositivo inicial, alargando -se para o dobro o respectivo fosso. Mas não só, poís foi revisto o sistema de defesa e acesso por terra e mar - a entrada da barra - através da construção de um com plexo dispositivo na frente para o canal, que pouco aproveitou as plataformas gujaratis que já serviam o Paço do Capitão e a feitoria. Foram então erguidos os baluartes de São Jorge (1542) e Santa Teresa (1544) a entrada sobre a meia-laranja, a couraça, as portas, o cais, a ponte sobre a cava, etc. Hoje o mais interessante de toda a resultante é que, com algumas modificações, se mantém, pois a sua reforma escassos anos depois foi feita através da introdução de uma nova linha avançada para oeste, com nova cava e desta feita abaluartada, compondo ambas um sistema com tanto de inexpug nável quanto de monumentalmente fantástico. O facto de ter resistido mal ao cerco de 1546, tornou evidente e urgente partir para uma solução diversa, atualizada. Desde 1538 o conjunto reformara-se dentro daquilo que os portugueses estavam a fazer um pouco « por todo o lado, mas com especial escopo experimental no Norte de Áfriea, procurando soluções para o sur gimento e evolução célere da artilharia, a famosa pas sagem da neuro- à pirobalístiea. A resposta teria que ser segundo o que veio a ser designado por sistema aba luartado, caracterizado por estruturas avançadas de frente angular aguda e não circular. Como em Marro cos, os baluartes redondos e quadrados até então ergui dos em Diu davam mau resultado. As obras gizadas por capitães e mestres-pedreiros teriam de ser substituídas pelas de engenheiros militares, o que corresponde a uma complexa mudança de paradigma, aqui impossí vel de caracterizar, mas que foi sumariamente abordada no texto de enquadramento do início do volume. A ciên cia e tecnologia eram de base italiana, mas os portugue ses foram precoces na sua posta em prática e desenvol vimento. Mazagão (1541) fora a primeira experiência, logo seguida de Ceuta (1541-1544) e Diu (1547). Foi Francisco Pires - um desses mestres-pedreiros de transição para engenheiro, com"tirocínio nas reali zações marroquinas, mais precisamente em Ceuta quem conduziu as obras ordenadas em 1547 por João de Castro, que também tivera papel determinante naquele processo. É a este que passamos a palavra, transcrevendo parte do relato, com o seu quê de exa gero (publicado por António Baião em 1923), que 124 PATRIM ÓNIO DE ORIGEM P ORTUGUESA NO MUND O: A RQ U IT ETURA - E URBANISM O encarregues de elaborar um relatório sobre o que era necessário fazer-se para tornar a fortaleza inexpugná vel. O relatório - já publicado por Pedro Dias e que por certo serviu de base à descrição de Diu que António Bocarra fez na sua obra Livro das Plantas de todas.. do ano seguinte - propôs de facto uma série de medi das, entre as quais a radical demolição de cento e trinta e sete casas e a remoção do outeiro situado entre o con vento e o Baluarte de São Domingos, ações já suficien temente caracterizadas na entrada anterior e com as quais se formou a esplanada da fortaleza, que assim deixou de ter padrastos. Também propôs obras de monta no dispositivo já existente, de que destacamos, entre outras, precisamente a reforma, concluída em 1639, ao Baluarte de São Domingos, da qual resultou a sua possante configuração atual. Não sabemos com precisão a data da execução da Couraça Grande ou Baluarte da Barra - a generosa pla taforma sobre a ponta da ilha - mas na sua DécadaXIlJ António Bocarra relata que foi da traça de António Pinto da Fonseca, provedor-geral das fortificações da índia, que por ali andou em meados da década de 1610, dando início ao processo de planificação da esplanada, matéria já referenciada na entrada antecedente. Aquele relatório de 1634 dá-a como destruída, carecendo de rápida reparação, o que terá sido cumprido, pois a construção dos baluartes que a montante a defendem tem datas conhecidas: Santa Teresa sobrff.o canal em 1652, e Santa Luzia a meio, sobre a dita couraça, em 1650. Pelas décadas de 1630 a 1650, o apuramento do sistema estava ao rubro, porque ao rubro estava o potencial assédio mogol, do qual a fortaleza foi sem pre o único e eficaz elemento dissuasor. As obras de reforma, manutenção e melhoramen tos da fortaleza não parariam, nem os relatórios sobre a ruína, que dada a ainda opulência do existente, hoje se nos afiguram exagerados. Com efeito, o que ruiu, por vezes até ao desaparecimento, foram as constru ções civis e religiosas. Os baluartes, as cortinas, as cou raças e as cavas continuam a postos, irradiando a memória do mais resistente e impressionante conjunto edificado português no Oriente. (WR, NG) Igreja de São Tomé Foto: Nuno Gnncho . A R Q U I TETURA REL I G I O S A No texto de enquadramento de Diu ficou assinalada a relevância que os edifícios religiosos tiveram para o lançamento e marcação do que se pretendeu que fosse a cidade portuguesa a instalar entre a fortaleza e a cidade gujarati preexistente. Nos textos relativos aos conjuntos franciscano e jesuíta que se seguem caracterizam-se os exemplares mais relevantes, sendo o último surpreendente e único na sua estrutura com- positiva e esfuziante decorativismo, na realidade, um dos mais importantes itens neste volume. Impõe-se, contudo, uma referência aos demais ainda existentes, começando por deixar claro que, apesar da exiguidade do território e da presença demográfica portuguesa, a arquitetura católica de Diu - de origem portuguesa, por conseguinte - não se restringe ao conjunto urbano, pois não podemos deixar de registar a existência da Igreja de Nossa Senhora de Fudam. A exiguidade da comunidade católica acabou por impor um relativamente baixo número de exemplares, mais ainda o desaparecimento na segunda metade do século XIX de alguns, de que se destacam, fora da for taleza, a Igreja de Nossa Senhora da Esperança e as casas de São Domingos e de São João de Deus, esta com o Hospital Real, que tinha a cargo. Da igreja domini cana da Madre de Deus guarda-se uma representação numa gravura que dá conta de um edifício modesto mas interessante, com uma torre sineira rematando a capela-mar. Compreensivelmente, a evangelização foi sempre mais difícil e menos bem sucedida em territórios de predominância islâmica, mesmo quando a tolerância se logrou instalar, como é o caso de Diu. Com o fim da soberania portuguesa em 1961 e, assim, com a saída dos já poucos portugueses que ali permaneciam em serviço, essa comunidade está reduzida a um número PROV[NCIA DO NORTE I NORTE DA INOIA ' DIU · 125 Igreja de Nossa Senhora de Fudam Foto: Walter R.ossa ínfimo, o que leva a que apenas um dos conjuntos, São Paulo, mantenha o culto religioso como paroquial e a sua escola, aliás frequentada por crianças e adolescen tes de diversas confissões, tendo as demais sido adap tadas a outros usos. Além dos edifícios franciscano e jesuíta, dentro da cidade apenas existem a Matriz de São Tomé e o Reco lhimento de Santana, este sem especial relevância his tórica ou arquitetónica. A primeira Igreja de São Tomé, erguida dentro da fortaleza em 1536 por iniciativa do governador Nuno da Cunha, desapareceu. Dela relata Gaspar Correia nas Lendas da lndia que era "posta no alto, muy forte, que d'eIla se podia tirar artelharia, se comprisse: os muros de vinte pés de largo, os cubelos abertos por dentro, moçiços até o primeiro andar d'artelharia, e descobertos, argamassados, muy fortes, que em cima tinhão outra artilharia': Ali por perto, também as capelas de São Martinho (fundada em 1 548 para celebrar a vitória de 1546) e São Tiago (1623, sobre uma ermida das primeiras décadas) erguidas no interior da fortaleza soçobraram, o mesmo sucedendo com a Misericórdia, erguida em 1542 e des moronada em 1825. De tudo isso restam apenas ruí nas que não permitem a sua caracterização significa tiva, com exceção para São Tiago, que mantém intacta toda a volumetria, incluindo a bordadura superior de pináculos, mas sem a abóbada de canhão que cobria a desenvolta nave única e cujo extradors8 estaria exposto. Com a capela-mor à altura da nave, apresenta -se ainda com a escala de uma igreja, não de uma capela. Como se encontra axialmente na continuidade do baluarte do mesmo nome e com um dos alçados laterais sobre a cortina da muralha que desce até ao oceano, a entrada é feita lateralmente através de um portal efusivamente decorado em baixo relevo, do qual se destaca num grande medalhão a figura de São Tiago cavaleiro. 126 . A Igreja de São Tomé foí constnúda extra-muros em 1 598 por ordem do arcebispo Frei Aleixo de Menezes, devendo funcionar como paroquial da cidade. Implan tada sobre uma colina isolada, com a capela-mororien tadaa poente (como todas as igrejas de Diu), tem a fron taria virada ao mar, impondo-se como .0 elemento edificado de maior impacto paisagístico da cidade, depois da fortaleza} claro. Impõe-se pela escala das suas duas torres da frontaria, rematadas por uma estrutura decorativa que contrasta com a fachada da nave, quase sem ornamentação. São uma espécie de estelas de sineira, prolongamentos do paramento fronteiro de cada uma das torres, funcionando como simulação de remate em calote esférica, falsa por conseguinte. É particularmente relevante o facto de a cobertura da nave denunciar no exterior a abóbada, com um extradorso visível e cintado, todo ele caiado. É uma solução que, além de São Tiago, faz lembrar igrejas que se encontram no Coromandel, designadamente as ligadas aos locais de martírio e sepultamento do orago, São Tomé, em Meliapor (Madras), embora aqui o lan çamento vertical seja muito superior, longe do atarra camento daqueles modelos. Mas na realidade é uma solução que se encontra em todas as igrejas existentes em Diu e que, por certo, encontrará justificação e ori gem mais óbvia em tradições construtivas e expressi vas locais. Por exemplo, as coberturas em telha são quase inexistentes, imperando as coberturas em ter raço. Volumetricamente, a Igreja de São Tomé surge assim como uma arca, apenas ultrapassada pelas torres e por uma coluna de claro sabor islâmico, que irrompe a meio da frontaria sobre o arco, aliás igual às que rematam as torres. Para quem se aproxima da ilhaporleste, sobrepõe -se à fortaleza como uma espécie de remate e farol de uma alvura conspícua. O interior é absolutamente des pojado, para o que contribui o facto de já não ter culto. Funciona desde 1904 como museu arqueológico, onde estão recolhidos múltiplos elementos arquitetónicos e lápides de edifícios relevantes que têm vindo a desapa recer na cidade. Também como paroquial foi erguida a Igreja de Nossa Senhora de Fudam, aldeia situada a meio da costa marítima da ilha. Não logramos encontrar qual quer informação sobre o edifício, o que só pode ser falha nossa, pois dada a sua escala e expressão por certo deixou registos documentais da sua fundação, não podendo ter deixado de chamar a atenção de quem se interessa por estas matérias. Pela sua gramá tica e composição terá sido erguida no século XVII. A fachada tem uma expressão peculiar, pois encontra -se dividida em três partes sensivelmente iguais, sendo que a fachada da nave, de estrutura retabular, ocupa o PATRIMÓN I O DE O R IG EM P OR.TUGUESA N O M U N D O : A RQ U IT ETURA E URB A N IS M O espaço equivalente ao de cada uma das torres, bem lançadas, mas rematadas de forma demasiado contida, desproporcionada em relação ao todo. Remate que, aliás, repete a solução dos congéneres da Igreja de São Tomé da cidade. É muito interessante o contraste da expressão simultaneamente chã e imponente das tor res com a singeleza decorativa e a expressão algo esma gada do corpo central, para o que contribui o facto de em altura se desenvolver em apenas cerca de dois ter ços do lançamento das torres. No seu conjunto, a arquitetura religiosa de Diu não dispõe de exemplares suficientes para se poder fazer uma apreciação de conjunto, estabelecendo relações e determinando especificidades, como a das cobertu ras das naves em abóbada de canhão aparente. Merece, contudo, que se faça a reflexão da sua inserção no con texto da arquitetura religiosa portuguesa/católica da Província do Norte do Estado da Índia, o que por razões de estrutura e vocação desta obra aqui não pode acon tecer. (WR, NG) > COLÉGIO DO EspíRITO SANTO E IGREJA DE NOSSA SENHORA DA CONCEiÇÃO OU DE SÃO PAULO o documento escrito mais fidedigno sobre este edi fício foi visto por Cunha Rivara em janeiro de 1859: uma inscrição pintada '1no corpo de uma janella tapada" na igreja: "Aos 7 de Abril de 1601 no sabbe.do antes da Dominga de Passione o Governadordesta Praça Duarte de Mello com o Reverendo Padre Vigario da Vara Manoel Fernandes lançarão a primeira pedra na Capella desta igreja que delineou o Padre Gaspar Soa res da Companhia de Jesus, e pera lembrança se fez este padrão no anno de 1710': Recolhendo esta informação e outras publicadas em Goa nos séculos XIX e xx, o padre Catão escreveu que a igreja e o colégio foram construídos entre 1601 e 1606, que a igreja foi "reedificada" em 1807, "melho rada em 1873 e lageada em 1888': Deste modo podemos assumir que a igreja e o colé gio dos jesuítas em Diu foram construídos entre 1601 e 1606, data indicada pelo padre Catão sem nota de fonte; que o arquiteto da igreja foi o padre Gaspar Soa res (fundador - e traçador? - em 1606 do colégio da Companhia em Rachai, Goa, como sabemos pela cró nica de Francisco de Sousa); que em 1710, por razões desconhecidas, alguém resoh:-eu fazer recordar a obra e o seu fundador fazendo colocar uma inscrição numa das janelas da igreja; que houve obras de teor indiscri minado na igreja e/ou no colégio em 1807 e 1873; e que a igreja foi pavimentada de novo em 1888. É possível, todavia, avançar uma hipótese sobre a obra que terá ocorrido em 1807. o edifício do antigo colégio - hoje ocupado por vários programas paroquiais - encosta-se ao flanco norte da igreja. É um quadrilátero regular articulado por um claustro quadrado com seis tramas por lado no piso térreo. A fachada principal do colégio, paralela à da igreja, está separada desta pelo espaço ocupado pela escada que dá acesso ao piso superior do claus tro, uma escada de tipo espanhol, de lanços abertos subindo numa caixa quadrada, sustentados por pila res, aparentemente a única deste tipo existente na antiga Índia portuguesa. Esta escada exprime-se no exterior por um tramo como que escavado a toda a altura da fachada e rasgado por janelas quadradas. O resto da fachada é absolutamente invulgar para um edifício colegial dos séculos XVI, XVII ou XVlll: a nível do piso superior abre-se uma arcaria de tipo loggia, constituída por onze arcos separados por pilares, ter minando na esquina do edifício sem marcação do cunhal. A fachada onde se abre esta loggia e o conjunto de portas e janelas colocadas irregularmente no piso tér reo parecem ter sido acrescentados ao quadrilátero do colégio, porque as divisões a que correspondem dupli cam outras servidas diretamente pelas galerias do claustro. É como se tivesse sido anteposta uma cortina ou fatia nova à face nascente do colégio. Uma panorâmica executada pelo engenheiro mili tar José Aniceto da Silva em 1833, atualmente no Arquivo Histórico Ultramarino, representa a fachada como a vemos hoje. Contudo, uma vista de Diu a par tir da fortaleza publicada pelo editor Arthus Bertrand reproduzindo uma litografia de Eugene Ciceri - tam bém no Arquivo Histórico Ultramarino - mostra uma fachada de seis janelas retangulares em cima sobre seis portas em baixo, aparentemente separadas por pilas tras, composição habitual em alçados da era clássica. PRovlNCIA DO NORTE I NORTE DA INDIA ' D I U · 1 27 Igreja de Nossa Senhora da Conceição Foto: Nuno Grancn< o artista cujo nome vem impresso na gravura é Eug/me Ciceri (l813-1890), um pintor francês de pai sagens, classificado por vezes como orientalista por ter feito representações do Norte de África, mas de quem nâo se sabe ter ido à Índia. O pai, Pierre-luc-Charles Ciceri (1782-1868) era também pintor, cenógrafo e especializava-se em panorâmicas de tipo diorama e ciclorama, como uma outra de Diu que existe com o nome do seu filho no já referido arquivo. É possível levantar a hipótese de que em casa dos Ciceri existis sem representações de Diu, que estes artistas decidi ram transpor para litografia e fazer gravar em data e circunstâncias desconhecidas. A vista de Ciceri mos traria portanto o colégio fundado pelos jesuítas como era antes de 1833, a data da panorâmica de Aniceto da Silva. Aceitando-se como boa esta hipótese, seria 1807 a data possível para a obra que substituiu a frente nas cente do edifício colegial por aquela que existe hoje. 1807 é o ano no qual se diz que a igreja foi reedificada. Na igreja propriamente dita, atual Matriz de Diu, não parece ter havido alterações importantes desde os anos iniciais de Seiscentos, quando o padre Gaspar Soares a traçou e foi construída. É um dos mais impor tantes edifícios da arquitetura indo-portuguesa, uma das mais notáveis igrejas da Ásia e da arquitetura cristã fora da Europa. Trata-se de uma igreja de nave única, �oberta de abóbada de canhão articulada por largos caixotões. A capeia-mar, bastante mais baixa que a nave, tem o mesmo tipo de cobertura. A nave é antecedida por um nártex interior sob coro alto e tem, no piso térreo, em cada lado, cinco nichos semicirculares cobertos com meias cúpulas de concha, abrigando portas e janelas. Em cima correm galerias com arcos onde se abrem portas. A importância excepcional da igreja não resulta só da sua evidente beleza, mas do facto de ser a mais antiga que se conhece no mundo de influência portuguesa, com alçados laterais articulados por capelas semicir culares. Não sabemos se terá sido a primeira deste tipo a ser construída, se a mais antiga que sobreviveu, se terão existido outras, talvez em Goa, entretanto desa parecidas. Certo é ter sido construída, na mesma época, apenas a Igreja do Espírito Santo de Margão, também jesuíta. Este tipo de planta é praticamente inédito fora da índia antigamente portuguesa, tendo existido em raros lugares europeus Ce somente em épocas anterio res). Corresponde a uma ideia de Sebastião Serlio, por ele publicada em 1547. A igreja e o antigo colégio situam-se num dos luga res territorialmente mais importantes da parte oriental de Diu, ou seja, da área urbanizada da ilha. A fachada 128 . principal enfrenta o caminho que vem da fortaleza a nascente. Este caminho entra no terreiro da igreja e passa ao longo da sua fachada sul, seguindo para a povoação guzerate a poente. O edifício articula, por tanto, a fortaleza, a povoação católica - que, a julgar pela planta de Aniceto da Silva, se situava primordial mente a sul, com uma rua orientada para a fachada late ral da igreja - e a passagem para a povoação guzerate. É por isso que o arquiteto traçou, tanto na fachada prin cipal da igreja como na fachada lateral sul, composi ções arquitetónicas e ornamentais altamente elabora das e eloquentes, que constituem outra razão para considerarmos a igreja wn monumento excepcional. A fachada principal é uma variação sobre o tema da fachada do Bom Jesus de Goa, terminada precisa mente na altura em que tinha início a obra de Diu. Paradoxalmente, porém, os jesuítas optaram em Diu por uma fachada mais italiana e clássica em matéria de proporção e ordens, mas menos europeia em maté ria de expressão ornamental. A fachada tem três ordens apenas na secção central, contra as quatro de Goa, per mitindo assim adotar proporções mais conformes à tratadística europeia. A ordem inferior é constituída por pares de colunas soltas e as superiores por pares de pilastras, uma composição menos variada mas mais clara do que a de Goa. Os capitéis são todos compósi tos, mas o friso da ordem inferior é dórico. Já as largas pilastras-contraforte de ângulo que enquadram a fachada e desempenham o mesmo papel que as (muito mais sóbrias) pilastras de laterite do Bom Jesus perten cem a uma ordem original, entre o jónico e o compó sito de folhas de palma. Esta ordem, talvez entendida como ática, prolonga-se na fachada lateral sul. O topo da fachada é também uma variação sobre temas do Bom Jesus: a voluta-chacra, o frontão reta, o óculo redondo com cartelas flamengas. Todos os temas orna mentais são de escultura mais simplificada que aque les que aparecem em Goa, e surge um tema novo nas ombreiras das janelas do primeiro piso: os termos -atlantes. Não sevê um único motivo não europeu, antes tudo parece ter provindo de desenhos italianos ou flamen gos, mas a escultura simplificada e o tratamento com cal branca fazem a fachada parecer menos europeia que as composições do mesmo tipo que vemos nas igrejas da Companhia em Goa e em Baçaim construí das na mesma época. Na fachada lateral, vigorosamente articulada por pilares separando os tramos, o arquiteto fez alternar janelas retangulares e óculos no piso de cima. Um ele gante soco servindo de banco percorre a base da fachada. No topo, corre uma balaustrada entre piná culos esféricos. (PVG) P ATRIMÓNIO DE O RIG EM P ORTUGUES A N O M U N D O : A RQ U IT E TU RA E U RB A N IS M O > Cruzeiro e g I reja de São Francisco Foto: WaJter RO$sa CONVENTO E IGREJA DE SÃO FRANCISCO A fundação de um convento em Diu era um projeto dos franciscanos desde a década de 1530, mas só se concretizou em 1 592 ou 1 593, quando os franciscanos recoletos da Custódia da Madre de Deus, muito ativos na Província do Norte, conseguiram fundar a casa por mão de Frei António dos Reis, com o empenhamento ativo do governador da praça, Pedro de Anaia. O título de fundação foi Nossa Senhora da Porciúncula, ou dos Anjos. Os títulos de Nossa Senhora da Conceição ou São Francisco de Assis são recentes. No tempo em que Frei Paulo da Trindade escreveu a crónica dos franciscanos no Oriente, a década de 1630, moravam no convento de Diu entre doze a quinze frades. O convento serve hoje de hospital, e as dependências conventuais estão muito maltratadas. A planta de Diu, traçada em 1833 por Aniceto da Silva, mostra o conjunto como ainda se encontra hoje no essencial: a igreja vira a fachada principal a sul e tem o convento a poente, articulado em volta de um claus tro. Um segundo claustro, mais pequeno, a norte do primeiro, com uma banda edificada a poente, indi ciava o começo da expansão do convento, que acabou por não se verificar. Situado numa pendente suave a sul, o conjunto eleva-se numa plataforma que é nobilitada por um adro acessível por uma grande escadaria em L, que dá • acesso as duas fachadas da igreja: a lateral, a nascente, e a frontal, a suL O cruzeiro assinala o canto do adro, onde hoje cresce também uma grande árvore. A fachada lateral da igreja é tão importante como a fachada frontal, porque está voltada ao caminho que vem da fortaleza e da povoação cristã. Articula-se em seis tramas separados por contrafortes rematados a pináculos esféricos. No terceiro tramo a contar da fachada abre-se uma porta. A fachada frontal é antecedida por uma galilé de três arcos, tema que pode ter sido característico da cul tura projetual dos franciscanos na Índia, embora tenham vindo até nós muito poucos casos: no norte, a igreja conventual de Baçaim, São João Batista de Taná (a julgar por fotografias antigas), Mahim de Bombaim (de acordo com uma gravura inglesa); em Goa: Nerul, Parrá. É provável que outras galilés isentas tenham sido incorporadas no corpo das igrejas, com o acrescento de coros altos (Pomburpa, Penha de França). Apresentava uma galilé deste tipo a igreja-mãe da Custódia da Madre de Deus na Índia, a famosa igreja do Convento da Madre de Deus de Daugim, demolida no século XIX e conhecida apenas por uma gravura publicada por Lopes Mendes. Esta gravura mostra tam bém que a existência na igreja de Diu de um adro aces sível através de uma escadaria em L pode ter sido ins pirada pela desaparecida igreja de Daugim (Goa). A igreja de Diu é de nave única, coberta por abó· bada de canhão sem telhado exterior, como é hábito neste território. A capela-mor, mais baixa, tem uma abóbada do mesmo tipo, mas decorada de caixotões. Em época posterior à da construção inicial, talvez no início do século XVIII, os cantos da nave do lado da cabeceira foram chanfrados por duas capelas em forma de nichos semicirculares cobertos por meias cúpulas concheadas, à maneira da igreja dos jesuítas. O elemento mais notável do convento é atorre, loca lizada ao lado da capela-mar à maneira franciscana. Tem dois pisos de altura e, como remate, wna cúpula com lanternim. Vê-se de muito longe em Diu. A pers pectiva desenhada por Aniceto da Silva mostra-a com quatro pisos abertos porjanelas, além do zimbório, mas pode ter-se tratado de exagero expressivo. (PVG) EQU I PAME N T O S E I N FRAESTRUTURAS > ESCOLAS A instrução primária no território de Diu estava dividida entre escolas de língua portuguesa e escolas de gujarati. Ko final do século XIX existiam quatro esco las de português: duas situavam-se na cidade, no antigo Convento de São Paulo e no Recolhimento de Santana; duas fora da cidade, em Vanakbara e outra em Goghla, ambas sem instalações próprias. Em contrapartida, como a população não-católica do te.rritório era mais afluente e maioritária (cerca de 98% em 1899) foram as escolas de gujarati que ganha ram relevo arquitetónico. Destacam-se três constru ções deste tipo, todas na cidade de Diu. A primeira estrutura, a Escola Régia de Guzerate, foi edificada em 1895 por iniciativa de Probudás Vir chande, comerciante em Moçambique, e localiza -se PRovíNCIA D O NORTE I NORTE D A í ND IA ' DIU · 129 cerca de duzentos e cinquenta metros a sudoeste do Mercado da Alfândega. É um ediffcio de dimensões modestas, que reflete a influência dos bangalós da administração britânica no subcontinente Indiano. Rodeado por uma varanda particada, a sobriedade da sua traça e a importância dada às aberturas e ventila� ção revela a orientação higienista da época. Atual mente ainda é uma instituição de ensino. A segunda escola foi aberta em 1927 e destinava -se ao sexo feminino. Recebeu o nome da sua funda dora, Pani Bai, mulher de Bhagvandas Laxmichand, cujo nome figura sobre a entrada principal. Localizado a cerca de quatrocentos metros a oeste da Igreja de São Paulo de Diu, o edifício pode ter resultado da reconversão de uma estrutura mais antiga. Apresenta uma morfologia retangular alongada e desenvolve-se em dois pisos. A fachada principal articula-se através de tramas separados por pilastras, destacando-se a zona central, com o acesso principal no piso térreo e provida de uma varanda saliente no piso superior. Esta varanda sofreu uma intervenção em 2008. Em redor da entrada existem vários relevos e motivos decorati vos, pintados em tons vivos. No resto da fachada abrem-se janelas em arco, sendo as de baixo igual mente decoradas com esculturas e relevos figurativos, referentes à religião hindu. A rematar o volume, existe uma balaustrada, elemento comum à maioria das edi� ficações em Diu. o terceiro edifício, construído cerca de 1931, está igualmente associado à ação filantrópica de Pani Bai, sendo também conhecido por este nome. Na porta principal figura o nome de Amradal Jamnugás, prová vel benfeitor da construção. Situa-se duzentos e cin quenta metros a leste da porta principal da linha amu ralhada da cidade. O edifício, de forma retangular, afasta-se da rua através de um pequeno jardim para o qual se abre através de uma colunata. A cobertura é plana e rematada por uma balaustrada. As fachadas apresentam profusa decoração, que sobrevém nos ele mentos estruturais, onde figuram motivos vegetais e geométricos de origem indiana. (ASF, SM) > MERCADO Desde o início do século XIX exjstiam no local ime diatamente a sul do cais da alfândega de Diu um mer cado e uma praça, onde se encontrava o pelourinho, que tem inscrita a data de 1770. A entrada neste espaço era feita através de dois arcos: o da Porta de Mar e o da Terra. Segundo Miguel de Paiva Couceiro, governador de Diu entre 1948 e 1950, o largo estava rodeado de muros que vedavam terrenos particulares, e as estruturas anti gas encontravam-se em ruínas. Com o acordo dos pro prietários, foram derrubados os muros e construído um novo mercado, seguindo o desenho das antigas arcadas e balaustradas. O Novo Bazar, como era chaEstola Pani Bai foto: Viclor Mestre \ 30 . ?ATf'I.\M6N\O DE ORIGEM PORTUGUESA NO 1'1UN D O: ARQUlTETURA E URBANISMO várias diferenças face ao edifício atual, nomeada mente a supressão da platibanda e o redesenhar das caixilharias. No lado poente existe uma pequena cis terna, presentemente atulhada de lixo. A construção tem uma abordagem semelhante aos edifícios públicos que seconstrllÍam em Goa, com mui tas afinidades com a arquitetura doméstica. (ASF, SM) HABITAÇ Ã O Mercado Foto: NurlO Grançho mado na época, terá ficado concluído pouco depois da saída do governador. a Mercado organiza-se em dois espaços comple mentares: praça, onde os comerciantes montam os seus pontos de venda livremente, e edifício, que encerra o espaço da praça para o lado do mar, onde se organizam por debaixo das arcadas em bancadas que se abriam para o exterior. O edifício tem acrescentos para o lado da praça e, recentemente, as arcadas do lado do mar foram encer radas com uma grelha que o tornou mais compacto e alterou substancialmente o seu modo e:e funcionar. Apesar de estas alterações terem complicado a leitura das relações que a estrutura original criava entre a cidade e o mar, continua a ser possível constatar ter sido uma das obras arquitetónicas mais interessantes do ultimo período de governação portuguesa em Diu. (ASP, SM) > TRIBUNAL a Tribunal da Comarca de Diu funcionou no antigo Convento de São Paulo até à reconstrução da casa de Luiz José, próxima da Alfândega, em 1866. Desde então, esse edifício passou a albergar os Paços da Câmara, a Conservatória e o Tribunal. Em data incerta dos inícios do século xx, o Tribunal foi transferido para novo local, na Rua do Conde de Torres Novas. Ali esteve até 1961, numa estrutura de aparência residencial defronte de um pequeno largo. a edifício, de formaretangular, apresenta a fachada principal no topo nascente, voltado para o largo nas cente. Por aí se acede ao primeiro piso sobreelevado através de uma escadaria. Nova escada conduz ao piso superior, onde funcionavam os gabinetes do magis trado e do procurador. Na fachada norte, contígua à rua, rasgam-se diversas janelas de sacada, não exis tindo qualquer porta. Uma fotografia de 1955 revela A cidade histórica de Diu mantém uma estável uni dade urbanística que a caracteriza desde praticamente o seu assentamento, apesar de o núcleo inicial em redor dos templos católicos e edifícios administrativos se encontrar algo fragilizado pela descaracterização, ruína de alguns edifícios fundadores e, sobretudo, pela galopante urbanização de novos bairros incaracterís ticos, "invasores" de territórios outrora expostos à pai sagem de uma cidade europeia e agora em risco de "dessacralização': Alguns núcleos ou bairros permanecem contudo estáveis, embora também aí se tenha iniciado a subs tituição de edifícios de reconhecida qualidade arqui tetónica, identitária desta cidade, por outros desqua lificadores da unidade urbana. A casa torreada, associada a volume(s) com pátios e açoteias, será sem dúvida a tipologia eleita, porven tura a que melhor expressa a arquitetura vernacular deste lugar de encontro de culturas e de sínteses, entre tanto aqui apuradas e também difundidas. Métodos, tecnologias de construção e sobretudo modos de habi tar associados à expressão da casa configuram uma identidade própria a esta tipologia fortemente mar cada pelo islão, ainda que o hinduísmo tenha também uma ancestral e pujante presença na cidade, havendo assim influências mútuas. A casa torreada identifica-se pela elevação sobre os demais de um volume de base quadrangular, ainda que, numa fase posterior, por associação de novos compartimentos, também surja longitudinal. A proxi midade entre casas desta tipologia na unidade de quar teirão constitui um dos aspectos mafs relevantes na expressão urbana. Por vezes circulamos por labirínti cas vielas que terminam frequentemente em becos, rodeados de torreões. Apenas dois núcleos urbanos distintos integram esta tipologia, respetivamente junto ao Mercado e antigo Largo da Alfândega, constituindo o núcleo de casas de famílias abastadas, e o núcleo de casas de menor dimensão e condição social junto à porta poente. Estas casas-torre, da tradição dos portos mediter rânicos, ganharam o título de "avista-navios" nas ilhas atlânticas e nalguns portos portugueses; em Diu estão PRovfNC IA D O N ORTE I N ORTE DA f NDIA • D IU 13 1 2 também relacionadas com a vida marítima, funcio nando como indispensáveis mirantes de mar. No bairro antigo, junto ao mercado, anda persis tem algumas importantes casas-torre como a da fami lia Bhasuber Grina Parsiwada, exemplo perfeito da casa aristocrática hindu de Diu. A espacialidade encontra-se devidamente hierarquizada a partir da sala de entrada, onde se recebem as visitas resguar dando a intimidade da casa numa sucessão de espa ços. No piso térreo, o(s) pátio(s) regula(m) parte dessa hierarquização, principalmente as atividades domés ticas, permitindo ainda a ventilação dos comparti mentos, sendo um destes, ainda não há muitos anos, para alojamento da vaca (que fornecia leite fresco). O torreão constitui, na continuidade do átrio, o núcleo nobre da casa, e nesse sentido tanto as paredes como os tetos, principalmente as imponentes vigas de madeira, acolhem delicadas e coloridas pinturas decorativas. A maior curiosidade destes torreões será o piso intercalar, com 1,10 metros de pé-direito entre a sala do piso térreo e o quarto do dono da casa, para guardaras cereais. Funciona como sequeiro com ven tilação transversal, garantida através de frestas prote gidas com rede, e por se encontrar sobrelevado do plano da rua, ficando assim também protegido dos roedores e de outras pragas. As escadas "esculturais" desenvolvem-se com altos e estreitos deiTaus até alcançarem o alçapão de piso. Um último degrau, de canto, com a dimensão de um pé, assinala o patamar do quarto "mirante'� As açoteias, utilizadas para secar especiarias e outros produtos, recolhem também as águas pluviais, comunicando entre si por orifícios junto ao pavi mento, apesar dos muretes elevados por unidade. Estas casas são elevadas em alvenaria de pedra branca calcária e os pisos constituídos por grandes vigas de madeira onde assentam placas da mesma pedra arga massada e por vezes ladrilhada. A porta da rua, como algumas do interior, é engradada, formando favos qua drangulares delicadamente lavrados, recebendo a porta da rua pequenos pingentes em latão. No exte rior, destacam-se os baldaquinos ou molduras supe riores, repletos de composições profusamente lavra das com temas hinduístas; curiosamente alguns exemplos, construídos em meados do século xx, inte gram temas art nouveau reinterpretados. Estas portas, tal como outros aspectos desta tipologia com e sem torre, transferiram-se para a Ilha de Moçambique, onde se instalou uma importante colónia de famílias provenientes de Diu. A casa-torre de Diu terá ainda uma identidade fun dadora difusa europeia, presente em alguns exemplos observados, nomeadamente na casa integrada no 1.32 · convento quinhentista de Santana, e no Fortim de Patelwadi. Em ambos os casos, a torre organiza a cons trução em termos defensivos, localizando-se em ele vações de nítida vigiJânda sobre o território. No caso conventual, a sua localização estará articulada com a própria fortaleza da cidade, como ponto de observa ção privilegiado sobre o vasto oceano, contra a possi bilidade de um ataque corsário. Outro tipo marcante é o das casas hindus com forte influência da art nouveau europeia, que representam uma parte significativa da atual identidade arquitetó nica e histórica de Diu, formada no século xx. Da mis cigenação cultural e respectiva estabilização de uma certa gramática formal terá surgido um período fulgu rante, cuja presença física quase exclusivamente se localiza no Bairro da Porta, a poente da cidade. Casas de dois e três pisos apresentam varandas e alpendres profusamente decorados com frisos, balaústres e rele vos figurativos, abstratizantes e realistas, além de ele mentos de composição oriental/hindu. Pátios com arcadas de colunas e Hntéis exuberantemente decora dos, balcões autonomizados de delicada filigrana dependuram-se nas fachadas e elegantes alpendres com beirais rematados por lambrequins de madeira. Interiormente, estas casas mantêm a tradição tipoló gica, quase sempre com pátio, ainda que tenham assi milado discretamente algumas nuances espaciais, principalmente ao nível da drculação horizontal e ver tical. As salas e salões apresentam-se profusamente decorados, fundindo a arte moderna com a tradicio nal arte oriental, onde o mobiliário procura acompa nhar a expressão arquitetónica. As portas neste bairro atingem detalhes excecio nais: por um lado mantêm a solidez de uma fortaleza, mas por outro acolhem delicados rendilhados deco rativos, tanto na caracterização das madeiras como nas molduras alpendradas. As cores exuberantes combinam-se num caprichoso jogo de tonalidades, acentuando a presença da casa no plano da rua. Estas casas pertencem a ricas famílias de comerciantes, atualmente a viver em Bombaim, encontrando-se quase praticamente encerradas desde a integração de Diu na União Indiana. Esta arquitetura vernacular combina diversas fon tes, provavelmente de forma empírica e por vezes ingé nua; contudo, imprimiu uma nova matriz identitária a este lugar, ao reinventar a ancestral arquitetura urbana local numa perspectiva de modernização da lingua gem formal, na introdução de novas escalas e harmo nias, impondo ainda uma revisão tipológica, atuando como catalisador de um novo e derradeiro tempo de mudança sociocultural. (VM) PATR IM Ó N I O DE O R IG EM P OR TUGUESA ��o M U N D O : ARQ UITE TURA E URB A N IS M O espaço de receber, comer e estar. A tardoz localiza-se a zona de águas, onde a pequena cozinha integra uma zona de lavagem de roupa e banho, enquanto o sani tário se individualiza. Este bairro constitui uma experiência exemplar no contexto dos conjuntos habitacionais projetados e construídos no século xx nos territórios de influência portuguesa, pela capacidade de fundir princípios do modernismo internacional ao clima local e às exigen tes imposições programáticas e económicas e, ainda, aos aspectos fundamentais da culturalocal, tornando-o numa obra de elevada qualidade, caracterizada pelo rigoroso cumprimento da sua função social e pelo universalismo cultural da expressão arquitetónica. (ASF, SM, VM) Bairro da Associação do Momepio da Polícia do Estado da índia fOIO; Viclor Mestre > BAIRRO DA ASSOCIAÇÃO DO MONTEPIO DA POLíciA DO ESTADO DA íNDIA Nos últimos anos da existência do Estado da Índia, houve alguma preocupação em melhorar as condições domésticas das populações menos favorecidas. No ter ritório de Diu subsistem dois exemplos das interven ções disso resultantes. O Bairro da Associação do Montepio da Polícia do Estado da Índia situa-se muito perto do antigo con vento franciscano da cidade. No contexto do território, as suas características revelam-nos uma arquitetura modernista marcada pela métrica, rept:!tição e ritmo de uma fachada-grelha abstrata, interceptada longitu dinalmente por uma galeria em consola, terminando nos topos com duas elegantes escadas, destacadas das empenas. Pelo menos formalmente, este bairro faz parte de um conjunto de outras intervenções de habitação eco nómica para funcionários do Estado, como será o caso do Bairro São Francisco Xavier, em Pangim, onde um dos blocos também recorre ao tema da grelhagem qua drangular na fachada principal, embora de forma mais modesta. Todo o conjunto aposta na repetição de módulos (fogos), que se associam e sobrepõem for mando dois pisos, em unidades de pares de grelhagens de modo a deixar vazios de idêntica dimensão entre novos agrupamentos que marcam as entradas. Verifica-se uma grande coerência entre tipologia e expressão arquitetónica, que procura levar ao limite a otimização do espaço útil interior, resolvendo de forma ímpar o recato entre vizinhos no espaço privado exte riar, resguardado por detrás das grelhas. Esse espaço é acessível por galeria, no caso do piso superior, e longi tudinalmente no recuo do passeio no piso térreo. No fogo, a organização do espaço comum reduz a área de circulação ao mínimo, resguardando a intimidade da casa através de uma subtil parede de transição entre o > BAIRRO DOS PESCADORES DE BRANCAVARA O Bairro dos Pescadores de Brancavara (Vanak bara), situa-se no extremo oeste da Ilha de Diu. Esta povoação desenvolveu-se a partir de uma comunidade de pescadores, vindo a tornar-se o terceiro núcleo populacional do território, após a cidade de Dit,l e Gogolá. Par volta de 1630, edificou-se a Igreja de Santo André, e em 1774 houve necessidade de construir nova fortificação para defender a povoação. Construído nos derradeiros anos da presença por tuguesa, localiza-se a oeste da igreja, elemento agrega dor da comunidade. A organização urbana linear resulta da associação da casa mínima, que introduz uma escala e expressão arquitetónica contidas. Res ponde assim ao enquadramento saciocultural da comunidade que lhe está na origem, bem como às limi tações económicas do projeto. A singular unidade urbana do Bairro dos Pescadores resulta das ruas dis postas paralelamente à praia, próximas do areal, acedendo-se ao mar por travessas perpendiculares onde todo o bairro flui, tendo de permeio uma terra comum utilizada como zona de despejo e seca de peixe. PROV(NCIA DO NORTE I NORTE DA INDIA ' DIU · 1 33 Bairro dos Pescadores de Brancavara Foto: Victor Mestrt Uma estrutura palafítica elementar com passadei ras de madeira avança sobre o mar para acesso e amar ração dos barcos. Contudo, é em terra que a vida social ligada à lida do mar decorre, nas ruas enquanto natu ral prolongamento das pequenas e estreitas casas, reco lhidas num alpendre que protege do clima e aconchega a ínfima entrada, que constitui um discreto sinal de composição repetido ao longo dos planos de fachada. Este bairro remete-nos para o pioneiro bairro modernista dos pescadores de Olhão, no sul de Portu gal, do arquiteto Carlos Ramos. Encontramos seme lhanças na unidade e composição urbana, com um certo espírito modernista, e também nalguns aponta mentos como as escadas nos topos das ruas para acesso às açoteias, apesar de as casas maioritariamente terem cobertura de duas águas. As paredes das casas do Bairro de Brancavara são elevadas recorrendo à tecnologia tradicional, em blo cos de pedra de areia trabalhados à mão, argamassa dos, rebocados e caiados de branco. Pontualmente observam-se cores fortes de pigmentos. As coberturas são em armação de madeira protegida por telhas cerâ micas e abatidas, formando uma única cobertura que acentua a horizontalidade do conjunto. Do alto do adro da Igreja Matriz observa-se a dimensão e a organiza ção urbana do bairro, integrado numa orografia marí tima específica e autonomizado da urbanidade dis• persa de Brancavara. (ASF, SM, VM) BIBLIOGRAFIA: A Jornada Continua (30/12/59 a 39/12/60) 2 anos de Go verno do Estado da tndia do Sr. General Manuel A. Vassalo e Si/lia, Goa, 1960, pp. 276-277, 311-313. A R Q U I TETURA RURAL > A CASA TRADICIONAL A planície domina praticamente todo o território, quer na ilha, quer na pequena porção do continente que até 1961 esteve sob dominação portuguesa. Nes sas grandes extensões de terreno aberto a escassez de água faz-se sentir, devido à porosidade do solo, de tom amarelado, resultante da desagregação dos calcareni tos oolíticos, pelo que os poços são a alternativa na obtenção de água para rega, tornando extremamente difícil a agricultura. Nalgumas localidades observam -se grandes eiras circulares e respectivas debulhas. Pequenas matas de diferentes espécies cercam os campos e aí se acolhem as aldeias ou pequenos aglo merados. As palmeiras Garli e outras espécies bordejam grandes extensões dunares, interrompidas pontual mente por salinas. Os núcleos mais significativos, como PÓ drama, Bunxivará, Brancavará e Gogolá, desenvolveram-se enquanto estruturas urbanas irre- 1 34 guiares, destacando-se nalgumas delas a igreja, o res pectivo adro e o acesso enquanto elementos estrutu rantes; nalguns casos terão constituído um tímido núcleo embrionário de uma organização administra tiva, onde a igreja desempenhava uma função deter minante na coesão social, destacando-se das demais Fudam e Brancavará. As tipologias rurais são predominantemente de piso térreo, com alpendre ao correr da fachada, por vezes parcialmente ocupado com a adição de um com partimento num dos lados. Genericamente, as cober turas são de duas águas, proporcionando em algumas o aproveitamento do desvão para arrumas diversos, através de um improvisado estrado de varas e pranchas que se apoiam em esteios e frechais de madeira, for mando o suporte da armação principal. No caso das aldeias de Malála e Nagoá, as casas agrupam-se encostadas entre si, formando planos de ruas muito estreitos para proteção solar e da chuva da monção. São os alpendres fronteiros que permitem maior desafogo e consequentemente um lugar de con vívio entre familiares, saudação e conversação entre vizinhos. Um singelo muro de alvenaria corrido} para lelo à fachada, não só delimita o espaço exterior coberto privado como serve de banco e de suporte das colunas em alvenaria rebocada, ou em toros de madeira. As casas são elementares na sua estrutura tipológica: pra ticamente são divididas entre a zona de confecção, ou seja, a cozinha sempre com fogo de chão em pequena elevação formando uma fornalha e respectiva área de comer em redor} tendo no lado oposto uma zona divi dida por um tabique rebocado. Nesta área guardam -se haveres diversos, como roupa, recipientes com pro dutos da terra, etc. Em ambos os espaços se observam camas de estrado de corda tensionada entre travessas, formando um quadro com pés de madeira. Em algu mas casas e apenas sobre a zona oposta à cozinha, PA TRIMÓNIO DE ORIG EM PORTUGUESA N O MUNDO: ARQU ITETUR.A E URBANISMO Casa tradicional Foto: Victor Mestre o estrado superior, quando totalmente compacto, per mite a sua utilização, através de um alçapão, para arru mas mais valiosos e pontualmente para dormir. Nas aldeias de Patelwadi e Buchiwadi, as casas de dois pisos destacam-se das demais pelas varandas cor ridas em madeira. Nesta como nas outras aldeias, as atividades artesanais mantêm uma importante linha gem de família de artesãos, com destaque para os car pinteiros. Nas casas de sobrado, a escada é interior em madeira e a compartimentação mantém-se elementar. O piso sobradado é composto por vigas de madeira colocadas no sentido da menor dimensão, recebendo pranchas de forro ou placas de cantaria argamassada sobre o vigamento, como nas casas da cidade de Diu. As coberturas são de duas águas e porvezes rasgam -se vãos nas empenas em ambas as tipologias, respec tivamente de piso térreo e sobradadas. A elevação das paredes exteriores e interiores, quando estruturais, é feita em alvenaria de pedra calcária local, que se pre para com instrumentos de corte manual, como sucede em Goa com a laterite, seguindo ancestrais bitolas. As argamassas tradicionais de areia e cal estão atual mente a ser substituídas pelo cimento, mantendo-se contudo as tintas de pigmento misturadas na cal de cores fortes, ainda que o branco predomine. A casa linear modesta de empena com porta e duas águas, em acentuado desaparecimento, constituirá o testemunho de uma tipologia primitiva'tlssociada às hortas, aos campos da lavoura e respectivas eiras. Extremamente baixa, esta casa mais parece um abrigo temporário, ou um celeiro como os de Goa em laterite; no entanto, até há bem pouco tempo constituía uma prolífera tipologia, que com grande probabilidade terá sido o modelo básico das tipologias elementares. Na aldeia de Patelwadi, observamos esta pequena cons trução localizada fora do núcleo e junto do mesmo, onde a porta da fachada de empena curiosamente transita para a fachada lateral, proporcionando um pé-direito mais favorável, em virtude da necessidade de altear os frechais laterais. Ainda na mesma aldeia observamos o que parece ser a continuidade da inova ção da mesma casa, em termos de escala, proporção e compartimentação, com a introdução de um simplifi cado alpendre. O território de Diu engloba ainda a península e a aldeia de Gogolá, densamente povoada, com o núcleo fundador junto ao arco da aldeia sobrepujado por uma casa-torre, e o cruzeiro, símbolo do cristianismo neste lugar. A maioria das casas é de piso térreo com cober tura de duas águas, ainda que na zona central tenha dois e três pisos, algumas com varandas e outras com açoteias. (VM) BIBLIOGRAFIA: Brito, R. S ., Goa e a s praças do Norte, Lisboa, Dongri [Dongrim] (íNDIA) ARQUI TETURA REL I G I O SA > IGREJA DE NOSSA SENHORA DE BELÉM Esplendidamente localizada num sítio ainda into cado pela urbanização de Salcete, a fachada virada a norte, ao largo do rio de Baçaim, com a antiga cidade escondida pelo coqueiral e a bruma na outra margem a noroeste, a Igreja de Nossa Senhora de Belém de Dongri mantém provavelmente o perímetro murário, O tipo arquitetónico, O terreiro onde se localiza e a situação relativamente ao povoado com que terá sido fundada pelos jesuítas cerca de 1613. Esta data, apensa à fachada já no século xx, corresponde à colocação do primeiro pároco, Francisco de Azevedo, SJ. A igreja é de nave única coberta de telhado e capela -mar com abóbada ou teta liso de canhão, rebocado} mas é natural que seja ou tenha sido abóbada, a julgar pela presença exterior de contrafortes. A fachada apre senta três tramos, três portas em arco, sendo a central a maior, e duas sineiras a que correspondem mais dois tramas muito estreitos. O argumento essencial a favor de que o perímetro murário da igreja seja ainda primo-seiscentista é a forma interior de algumas janelas: redesenhadas modernamente de forma gótica, mantiveram o carac terístico recorte em asa de cesto que encontramos por toda a parte no norte e, aqui e ali, em Goa ou Kerala, em edifícios de Quinhentos ou Seiscentos. Em 1902 foi feita e cronografada com esta data a obra da escada que, a sul, por detrás da sineira do mesmo lado, dá acesso exterior ao coro alto sobre a entrada. 1966. PRoviNC1A DO NORTE I NORTE DA IND1A • DIU " DONGRI . 1 35 Igreja de Nossa Senhora de Belém (pormenor) Foto: AceNO BOB. UClOAAQ