Deisi Bohm Juliana Gonçalves Mariana Lima Duro Tábita Wittmann Porto Alegre, agosto de 2010. O experimento Diante de objetos diversos, o sujeito deverá classificá-los em objetos que flutuam e objetos que não flutuam na água, indicando as razões de sua classificação. Em seguida o sujeito faz a experiência e finalmente deve resumir os resultados observados, o que sugere o sujeito, se não o fez espontaneamente, a oportunidade para chegar a uma lei. Car. (14,7) Porque tu achas que o barco não afunda? Porque ele tem pneus cheios de ar, por isso se eu pegar qualquer coisa e colocar ar não vai afunda. E a canoa? Não afunda. Por quê? Porque não entra água. E se entrasse? Afundaria. Por quê? Porque dá peso. Aqui a gente tem vários objetos. Quais deles você acha que afunda? Todos, menos o plástico. Porque você acha que o plástico vai flutuar? Porque é leve. Vamos testar? Sim. Colocou a madeira na água. Não afundou. Por quê? Eu achei que afundaria, talvez porque é seca, leve. Tentou apertar com a mão para ficar no fundo. Porque você tá pressionando a madeira? Porque se ela ficar molhada daí eu acho que vai ficar no fundo. Tentou e ficou brava porque não ficava no fundo. Daí disse: então todas as pontes devem ser de madeira, porque daí nunca vai afundar. Ah! Por isso que o barco não afunda. E o plástico? Não afunda. E essa embalagem? Não afunda porque tem ar dentro. E o vidro? Afunda. Por quê? Porque é pesado. Então testa. Não afundou. Risos. Um amigo seu me disse que se colocasse água dentro do vidro ele afundaria, você concorda com ele? Sim. Por quê? Fica pesado, mas pensando bem eu acho que não. Porque não? Porque o balão cheio não afunda e uma garrafa de refrigerante fechada também não afunda. A lei A lei a ser encontrada primeiramente é a que diz que os corpos flutuam se têm densidade ou peso específico inferiores aos da água. Duas relações intervêm nessa lei: a de densidade (relação entre peso e volume) e a relação entre o peso do objeto (se é sólido ou se contém ar) e o volume de água correspondente. Além disso trata-se de construir uma classificação que inclui: corpos que flutuam sobre a água ou não, corpos que flutuam em certas condições e outras não (ex: corpos vazios que podem estar cheios de água ou ar) e corpos suspensos. A lei que finalmente deve ser descoberta é a relação entre duas grandes classes: corpos cuja densidade é inferior a da água e a dos corpos cuja densidade é superior. Esta lei não pode ser derivada de noções inteiramente acessíveis ao nível das operações concretas, pois nem a conservação do volume e nem a noção de densidade são elaboradas sistematicamente antes do nível IIIA (11 -12 anos) enquanto que a conservação do peso e alguns esquemas preparatórios para a noção de densidade são adquiridos desde o subestádio IIB. Estádio I Até os sete – oito anos aproximadamente as crianças se satisfazem com interpretações múltiplas e contraditórias entre si. Do ponto de vista de duas classificações apenas: flutuam ou não. No subestádio IA o sujeito não chega sequer a essa dicotomia. O subestádio I A Os sujeitos não possuem base para separar os objetos em duas classes constantes e procuram a causa do fato em sua descrição. E essa classificação é impossível, pois: 1) um mesmo objeto não conserva necessariamente suas propriedades 2) dois objetos em tudo parecidos não têm as mesmas propriedades 3) os objetos análogos podem ter também propriedades diferentes (o pequeno pedaço de madeira que afunda e o grande que flutua). A criança do nível I, ao contrário, não procura tornar dedutível o real, e não sabe ainda distinguir entre o dedutível e o acaso. O subestádio I B A criança tenta classificar os objetos de modo estável em flutuantes e não flutuantes, mas não chega a uma classificação coerente. Razões: 1. Como não encontra a lei, contenta-se com explicações múltiplas 2. Diante da experiência encontra novas explicações , acrescentando novas divisões 3. Algumas das classificações são contraditórias e os experimentos as complicam. Não percebem suas contradições. O subestádio II A O período que vai dos 7 a 9 anos se caracteriza por um esforço para afastar a contradição principal a que até então o sujeito se submetia sem reagir: que alguns objetos grandes podem flutuar e que alguns objetos pequenos podem afundar, sem excluir, por isso, que os leves flutuam, e não os pesados. Os problemas provocados são: 1) Será que as contradições do nível I tendem a desaparecer por si mesmas porque o sujeito aprende a noção de peso específico, ou será que afim de superar tais contradições constrói essa noção? 2) Se esse segundo caso é o que ocorre, como é que a criança chega a sentir as contradições apenas com o auxilio das operações concretas? O subestádio II A Há um aperfeiçoamento de classificação, devido às operações concretas de inclusão, permitindo a distinção entre “todos” e “alguns”: A+A’ = B e B-A’ = A, onde A<B. Ou seja, os objetos pequenos não são sempre mais leves que os grandes, então, nem todos os objetos que flutuam são pequenos e nem todos que afundam são grandes (classificação de dupla entrada quanto ao peso e ao volume, com 4 possibilidades). O peso específico não está relacionado ao peso e volume, mas a uma qualidade intrínseca de cada substância, não chegando a uma estruturação mais completa. O nível II B A partir dos 9 anos ou 9 anos e 6 meses chega a conservação do peso e então consegue aplicar ao peso as operações concretas de seriação, de igualização e, até certo ponto, de medida. Aqui a criança introduz um esquema novo: objetos com muito peso especifico são mais “cheios” que outros. No entanto, como o volume ainda não permite a conservação, não se trata ainda uma de uma relação operatória entre peso e volume. Nesse nível como ainda não há relações operatórias suficientes para dominar o conjunto das relações entre o peso e o volume, a explicação pressentida não é ainda encontrada , e ainda não se atinge a coerência do sistema. O Estádio III Percebemos como é longo o caminho até encontrar uma explicação não-contraditória e única, podendo ser obtida apenas com o auxílio de operações formais, mesmo que as relações entre as densidades possam ser representadas sob forma concreta. Colocar em relação o peso do corpo considerado e o peso de um volume igual de água, é imaginar uma situação que não corresponde, em nada, à observação concreta. O esquema do mais ou menos “cheio” (IIB) se transforma num estabelecimento de relação entre o peso e o volume próprio do objeto e da água deslocada. O Estádio III Como as hipóteses até então aceitas são inicialmente afastadas? II) Como o sujeito chega a construir uma nova hipótese? III) Como é que chega a verificá-la? I) I) Como as hipóteses até então aceitas são inicialmente afastadas? Neste estádio, somente as hipóteses muito primitivas são afastadas sem verificação. A novidade em relação ao estádio II é que o sujeito se coloca no ponto de vista de todas as combinações possíveis, de maneira achegar a implicações e não implicações para a construção da nova hipótese. A eliminação das hipóteses consideradas insuficientes se dá de três maneiras, supondo a nãoimplicação. Introdução às Operações Lógicas e ao grupo INRC: Dadas duas proposições, p e q, que podem assumir valor verdadeiros ou falsos negações, e p . q: lê-se “p e q” p q: lê-se “p ou q” Explorando as possíveis combinações de operações elementares, decorrente das negações e afirmações. p . q Tabela verdade: p v q Tabela verdade: A eliminação das hipóteses consideradas insuficientes se dá de três maneiras, supondo a não-implicação. Se denominarmos: • p = flutuar • q = leveza (fator associado a p) 1. Empiricamente o sujeito pode c0ntentar-se com a verificação (ex.: o bloco de madeira é pesado e flutua), sendo a negação da implicação . 2. O sujeito pode considerar as duas possibilidades reunidas: , ou seja a afirmação de p independe da veracidade ou falsidade de q. 3. Se denominarmos: • p = flutuar • q = grande quantidade de água no recipiente. Nesse caso, o sujeito pode não conservar o fator q pela veracidade de todas as combinações possíveis, denominada afirmação completa ou tautologia, que contém, novamente, a não-implicação . A afirmação completa (p * q) é definida pela operação II) Como o sujeito chega a construir uma nova hipótese? A criança do nível III rejeita a hipótese de que o peso do corpo deve ser comparado ao volume total da água, mas sabe que a quantidade de água deve ser igual ao volume do corpo. Nesse nível, generaliza-se o modo de comparação do nível II. É evidente que essa comparação é mais difícil no caso de um corpo sólido e a água, pois o volume de água igual ao do sólido imerso não tem contornos visíveis e resulta de uma abstração preliminar. 4a. Se denominarmos: • p = flutuar • q = igualdade de volume com determinada quantidade de água • r = é mais leve que a quantidade de água A ligação estabelecida pelo sujeito vem a ser: Constituindo o esquema das demonstrações fundamentadas em “quando todas as outras coisas permanecem iguais”. Esta expressão corresponde ao produto de duas operações: (2) Implicação recíproca (equivalência) entre flutuação do corpo e seu peso (relativo ao mesmo volume de água) e a afirmação da independência entre peso e volume. 4b. Assim, a explicação encontrada no nível III engloba todos os casos possíveis. No caso em que o peso do corpo é igual ao da água (mesmo volume), encontramos: Sendo, • p0 = nem flutuar nem afundar • r0 = nem mais pesado nem mais leve do que a água III) Como chega a verificá-la? O exame dos processos de verificação utilizados pelo sujeito confirma inteiramente o que precede e permite, especificamente, controlar o fato de os raciocínios dos sujeitos não serem mais simples estabelecimentos de relações ou correspondências concretas, mas suporem necessariamente a combinação formal. Na ausência de raciocínio probabilístico, a constatação é que alguns objetos de madeira flutuam, mas não todos. No Nível III é observado o conjunto de todas as combinações possíveis, onde apenas um fator varia e os demais permanecem imutáveis, buscando uma afirmação única e geral. O processo de verificação característico do estádio III é o esquema “quando todas as outras coisas permanecem idênticas”. Isso, como regra geral só aparece no nível IIIB. De maneira geral, a verificação característica no nível III consiste em dissociar os fatores segundo combinações não apresentadas pela observação direta e compor as ligações assim dissociadas segundo operações de conjunções e implicações. Nesse caso, a lei a ser descoberta supõe elaboração formal, ainda que essa descoberta seja preparada por uma longa estruturação concreta. Mas, sem dúvida, as combinações possíveis nestes casos são pouco numerosas, o que impede que o papel das operações formais se oponha, suficientemente ao das operações concretas e, dessa forma, que o esquema “desde que todas as coisas permaneçam idênticas” adquira toda sua generalidade. Referências PIAGET, J. e INHELDER, B. Da Lógica da Criança a Lógica do Adolescente. São Paulo: Ed. Pioneira, 1976. GOMES, Luiz Carlos. O GRUPO INRC DE PIAGET E AS OPERAÇÕES LÓGICAS. Acesso em agosto de 2010. https://grupos.ufrgs.br/pipermail/edp-53-l/2007August/000785.html HEGENBERG, Leonidas. A lógica e a teoria de Jean Piaget: a implicação significante. Psicol. USP v.2 n.12 São Paulo 1991. Acesso em agosto de 2010. http://pepsic.bvspsi.org.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S167851771991000100003&lng=pt&nrm=