FURG – Faculdade de Psicologia
Março de 2012
Profa. Letícia Langlois Oliveira
Alguns aspectos históricos
 História: Relações mente e corpo – mistério
 Doenças terminais: maus espíritos – exorcismo
 Hipócrates: Doença como reação global ou total tanto
do corpo quanto do espírito (+- 400 a.C.)
 Dicotomia sempre prevaleceu - talvez impulsionado
pelo terror de um corpo perecível (alma se salvaria)
 Galeno (antiga Grécia): Existência autônoma da doença
orgânica (+- 150)
 Pasteur e os micróbios (+-1850)
 Agente da sífilis = Euforia dos positivistas – agentes sempre
externos (físicos ou químicos)
 Motsloy (1885) “Quando o sofrimento não pode expressar-
se pelo pranto, ele faz chorarem os outros orgãos”
3 Fases
 Fase psicanalítica: estudo de gênese inconsciente de
enfermidades, teorias de regressão e ganhos
secundários
 Fase behaviorista: estímulo à pesquisa com homens e
animais, mecanicismo, ciências exatas, estudos sobre o
estresse
 Fase multidisciplinar: importância do contexto social e
de vários profissionais da área da saúde
Termo psicossomática
 Heinroth – expressão em 1818 com hífen
 Contribuições da Psicanálise: Anos 20-30, Deutsch (EUA) –
discípulo de Freud e o primeiro psicanalista que considerou um
tratamento psicanalítico para desordens somáticas.
- Conceito de perfil psicológico – traços de personalidade comuns a
determinados quadros clínicos
1940 – Unificação do termo. Campo da Medicina em que fatores
psicológicos influenciam decisivamente o aparecimento de
padecimentos orgânicos
Escola de Chicago
 Movimento só se consolidou com Alexander e a escola
de Chicago
 Mais do que perfis, o importante era que se podiam
identificar conflitos subjacentes
Ex: Nos hipertensos: conflito entre impulsos
contraditórios: aparência de passividade e calma
(vivenciados como algo humilhante) vs atividade
agressiva, visando o controle e triunfo sobre o objeto
Estudaram 7 doenças psicossomáticas
 - Asma brônquica
 - Úlcera gástrica
 - Artrite reumatóide
 - Retocolite ulcerativa
 - Neurodermatose
 - Tireotoxicose
 - Hipertensão arterial essencial
 Cada uma: conflito psicogênico específico ante o qual o
sujeito reagiria mais de forma “simpática” (reações
adrenalínicas, ativas, agressivas) ou “parassimpática”
ou “vagal” (nervo vago, passividade, reações mais
calmas)
 Ballint na Inglaterra (anos 50 – contratransferência dos
médicos)
 “Um funcionamento inadequado da psique pode
causar tremendos prejuízos ao corpo, da mesma forma
que, inversamente, um sofrimento corporal pode
afetar a psique; pois a psique e o corpo não estão
separados, mas são animados por uma mesma vida.
Assim sendo, é rara a doença corporal que não revele
complicações psíquicas mesmo quando não seja
psiquicamente causada” (Jung, 1953)
Psicossomática no Brasil
 Brasil - surgimento década de 60, período da “revolução
dos corpos”: medicina e psicologia buscavam respostas
para entender doenças sem explicação médica, na
tentativa de integrar corpo e mente
 Inspirada no movimento psicanalítico brasileiro
 Anos 90: novos rumos com as transformações na
estrutura assistencial
 Enfermagem, assistência social, nutrição, psicologia,
educação, fisioterapia, fonoaudiologia, odontologia ...
 Comprometimento com o cuidado geral e a dimensão
social da patologia
Psicossomática hoje
 Psíquico e somático: Homem Total
 Boa saúde: harmonia
 Doenças psicossomáticas: expressão física de uma dor emocional
Ou
A incorporação somática dos problemas emocionais
 Certas circunstâncias: fatores psíquicos acabam por projetar os seus
efeitos em determinados órgãos “escolhidos” inconscientemente
para servirem de receptores
Critérios CID-10: transtornos
somatoformes
 Característica essencial : presença repetida de
sintomas físicos associados à busca persistente de
assistência médica
- Médicos nada encontram de anormal e afirmam que os
sintomas não têm nenhuma base orgânica.
- Se quaisquer transtornos físicos estão presentes, eles
não explicam nem a natureza e a extensão dos
sintomas, nem o sofrimento e as preocupações do
sujeito.
Transtorno de somatização
 Transtorno caracterizado essencialmente pela presença de sintomas
físicos, múltiplos, recorrentes e variáveis no tempo, persistindo ao
menos por dois anos.
 A maioria dos pacientes teve uma longa e complicada história de
contato tanto com a assistência médica primária quanto
especializada durante as quais muitas investigações negativas ou
cirurgias exploratórias sem resultado podem ter sido realizadas.
 Os sintomas podem estar referidos a qualquer parte ou sistema do
corpo. O curso da doença é crônico e flutuante, e frequentemente se
associa a uma alteração do comportamento social, interpessoal e
familiar.
 Quando o transtorno tem uma duração mais breve (menos de dois
anos) ou quando ele se caracteriza por sintomas menos evidentes,
deve-se fazer o diagnóstico de transtorno somatoforme
indiferenciado.
Transtorno hipocondríaco
A




característica essencial deste transtorno é uma
preocupação persistente com a presença eventual de um ou
de vários transtornos somáticos graves e progressivos.
Os pacientes manifestam queixas somáticas persistentes ou
uma preocupação duradoura com a sua aparência física.
Sensações e sinais físicos normais ou triviais são
freqüentemente interpretados pelo sujeito como anormais
ou perturbadores.
A atenção do sujeito se concentra em geral em um ou dois
órgãos ou sistemas.
Existem freqüentemente depressão e ansiedade importantes,
e que podem justificar um diagnóstico suplementar.
Transtorno neurovegetativo
somatoforme
 O paciente atribui seus sintomas a um transtorno somático de um
sistema ou de órgão, em grande parte neurovegetativo: sistema
cardiovascular, gastrointestinal, respiratório e urogenital.
 Os sintomas são habitualmente de dois tipos, sendo que nenhum dos
dois indica transtorno somático do órgão ou do sistema referido.
 O primeiro tipo - queixas a respeito de um hiperfuncionamento
neurovegetativo, por exemplo palpitações, transpiração, ondas de
calor ou de frio, tremores, assim como por expressão de medo e
perturbação com a possibilidade de uma doença física.
 O segundo tipo - queixas subjetivas inespecíficas e variáveis, por
exemplo dores e sofrimentos, e sensações de queimação, peso, aperto
e inchaço ou distensão, atribuídos pelo paciente a um órgão ou
sistema específico.
Transtorno doloroso
somatoforme persistente
 A queixa predominante é uma dor persistente, intensa
e angustiante, não explicável inteiramente por um
processo fisiológico ou um transtorno físico, e
ocorrendo num contexto de conflitos emocionais e de
problemas psicossociais suficientemente importantes
para permitir a conclusão de que os mesmos sejam a
causa essencial do transtorno.
 Uma dor considerada como psicogênica mas
ocorrendo no curso de um transtorno depressivo ou de
uma esquizofrenia não deve ser aqui classificada.
Outros transtornos somatoformes
 Todos os outros transtornos das sensações, das funções
e do comportamento, não devidos a um transtorno
físico que não estão sob a influência do sistema
neurovegetativo, que se relacionam a sistemas ou a
partes do corpo específicos, e que ocorrem em relação
temporal estreita com eventos ou problemas
estressantes .
Doenças psicossomáticas
 Hoje - grande incidência
 Diferentes idades
 Podem ser graves ou até fatais
 Integram o psíquico e o social
A doença e o social
 Sociedade – conceito amplo (significados extermos e
internos)
 Descrição objetiva, mas sempre com base em NOSSOS
referenciais
 Entendimento científico – apenas 1
EX: Casamentos arranjados, canibalismo
 Freud – uma doença é, antes de tudo, cultural
Ex: Medicalização da mãe
Dor ao fazer tatuagem...
Doenças psicossomáticas
atualmente estudadas
 Aparelho circulatório: infarto, pressão alta;
 Aparelho respiratório: bronquite; asma;
 Aparelho digestivo: gastrite; úlcera;
 Aparelho locomotor: dores musculares;
 Aparelho endócrino: aumento ou redução de apetite
(como anorexia e obesidade)
 Doenças de pele: acne; psoríase;
 Aparelho genital: impotência, frigidez;
 Aparelho reprodutor feminino: alterações na
menstruação e menopausa;
 Câncer;
 Doenças auto-imunes...
Como ocorre esse processo?
 Alteração orgânica como conseqüência de processos
psicológicos e vice-versa
 Os distúrbios emocionais desempenham papel
importante nessas doenças, transformando-as em
doenças crônicas
 Situações desconfortáveis podem gerar doenças
psicossomáticas
 Do ponto de vista fisiológico :
Preparação fisiológica para situações de emergência resposta transitória - atua até que as circunstâncias
externas adversas ou ameaçadoras tenham deixado de
existir.
E se esse estado perdura a ponto de se tornar habitual?
Afecções degenerativas, cardiovasculares, digestivas,
neurológicas etc.
Somatizadores
 Tendência para sentir, conceber e/ou comunicar os estados
ou conteúdos psicológicos sob a forma de sensações
corporais, alterações funcionais ou metáforas somáticas
 Desde a infância
 “Papel e comportamentos de doente”
 Discrepância entre doença detectável e incapacidade
manifesta
 Procura de validação para a doença
 Apelo à responsabilidade médica
 Atitudes de vulnerabilidade e desamparo
 Evitação de papéis saudáveis
 Compensações ambientais – ganhos secundários
Psicanálise + Psicossomática
 FREUD - Objetivo maior: AUTOCONHECIMENTO
 Equilíbrio ID, EGO e SUPEREGO
 Ênfase no momento em que ID se transforma em EGO
(ou ISSO em MIM) – surgimento do eu no mundo
 Essa totalidade às vezes não é clara
Ex: Joaquina identificada com o morto na escolha da profissão
 Presença de pulsão de morte (Marty, 1983)
1. Pensamento operatório
- Não apenas referente a um modo de relação com o outro,
mas também a uma determinada maneira de pensar.
- Forma de relação objetal marcada pela pobreza de
investimentos libidinais e ausência de reação afetiva face a
perdas ou a outros tipos de acontecimentos traumatizantes
(Escola Francesa)
2. Alexitimia
- Somatizadores não sabem ler seu estado de humor,
dificuldades de simbolização das vivências emocionais
(Escola Americana )
Alexitimia
 A (falta, sem), lexis (palavra) e thimos (afeto): sem palavras
para os afetos (Wiethaeuper et al., 2005).
 4 características fundamentais:
- dificuldade de identificar e descrever sentimentos
- dificuldade em distinguir sentimentos de emoções
corporais
- diminuição da vida imaginativa e do pensamento simbólico
- estilo cognitivo predominantemente direcionado para a
realidade externa em detrimento da própria subjetividade.
 Não necessariamente ausência de emoções, mas
grande dificuldade de compreender tanto os próprios
sentimentos quanto os dos outros (McDougall, 1989).
 tendência excessiva à “adaptabilidade à realidade”,
pouca criatividade, pobreza nos investimentos
libidinais (Marty & M’Uzan, 1963),
 inabilidade para a comunicação por linguagem
simbólica
 dificuldade em estabelecer uma conexão de causa e
efeito, por exemplo de relacionar fatos estressantes aos
sintomas somáticos (Nemiah, 1970).
2 tipos: primária e secundária
 Alexitimia primária :traço de personalidade,
origem constitucional - considerada como um
fator predisponente ao desenvolvimento de
distúrbios psicossomáticos e psiquiátricos
(Campbell, 1996; Taieb et al., 2002).
 Alexitimia secundária: traumas ou mecanismos de
defesa, uso intenso da negação e da repressão.
Estratégia de enfrentamento - natureza transitória
(Pedinielli & Rouan, 1998).
 Índices importantes de alexitimia relacionados ao
abuso de substâncias, depressão, personalidade
borderline, transtornos sociopáticos da
personalidade, transtornos somatoformes e
transtornos alimentares (Martinez-Sánchez, AtoGarcía & Ortiz-Soria, 2003).
 Joyce McDougall (1991):
- Falhas nos projetos introjetivos da primeira infância
- Manutenção de uma ligação somatopsíquica em um
nível pré-simbólico
- Incapacidade de expressar o inconsciente através de
representações e mecanismos de defesa
Pensamento operatório
 Mundo interno pobre
 Alto investimento no mundo externo
 Hiperadaptados
Ex: superinvestimento no trabalho como substituto da
mãe
 Inconsciente “cego de nascimento”
 Palavra serve pouco para descarregar tensão
 Le Shan (1994): Câncer – mais emoções do que
capacidade para expressá-las
 1. Incapazes de dar vazão aos sentimentos, de deixar
que os outros saibam... Dificuldade de demonstrar
raiva e agressividade em defesa própria
 2. Acham que o outro está certo, não protestando
 Anedonia – dificuldade de viver as emoções prazerosas
 Adulto alexitímico = criança não verbal
Ex: Menino não chora
 Família alexitímica – criança como extensão narcísica
ou libidinal, ou criança não “ensinada” a sentir
 Vulnerabilidade – corpo da mãe
“É mais importante sabermos que tipo de doente tem a
doença, mais do que o tipo de doença que o doente
tem”.