Iconicidade Heronides Moura (UFSC-CNPq) Significação: arbitrária ou motivada Os signos são arbitrários (Saussure) Tradição estoica: (200 A.C) Signo como relação arbitrária entre significado (inteligível) e significante (perceptível). Tradição platônica Esta tradição se opõe à tradição platônica, baseada no diálogo “Crátilo”, segunda a qual há uma relação entre significado e significante. Crátilo assume a posição de que o signo é natural, ao passo que Hermógenes defende a posição de que o signo é arbitrário. Como exemplo da posição naturalista, a palavra soma (corpo) derivaria de sema (sepultura). Ou seja, o som (significante) de soma evoca o significado de morte. Peirce Peirce: signo é formado por dois elementos = aspecto material e interpretante. Relação entre significante e significado define o tipo de signo: Ícone- significante representa o significado; há uma similaridade entre os dois. Exemplos: pinturas, mapas, diagramas. Índice- significante mantém relação de contiguidade com o significado. Exs: fumaça é índice de fogo; temperatura alta índice de febre; pegada, presença de animais, etc. Símbolo Símbolo- relação arbitrária Whitney Whitney (1827-1894), linguista americano, influenciou a linguística europeia ao defender que a linguagem é uma instituição social, formada por signos convencionais e arbitrários. Ele influenciou Saussure. Estruturalismo Autores estruturalistas como A. Meillet, J. Vendryes e Bloomfield (“The forms of language are arbitrary”) defenderam a arbitrariedade do signo. Opositores do dogma D. L. Bolinger "The sign is not arbitrary" (1949) Benveniste: "Nature du signe linguistique" (1939) Ligação entre som e sentido é « natural » para os falantes de uma dada língua. Camponesa suíça que teria dito: por que os franceses falam ‘ fromage ´ (queijo), já que « Käse ist doch viel natürlicher!„ (Käse (queijo) é muito mais natural!) Peirce: a oposição arbitrário x motivado é uma questão de grau. “it would be difficult, if not impossible, to instance an absolutely pure index, or to find any sign absolutely devoid of the indexical quality." Peirce, apud Jakobson, p. 249) Signos ideais “the most perfect of signs" are those in which the iconic, indexical, and symbolic characters "are blended as equally as possible". Peirce, apud Jakobson, 1971, p. 349. Para Saussure, o signo ideal é arbitrário. E o sistema de signos é puramente convencional. Por exemplo, o xadrez. “ the arrangement of the words in the sentence, for instance, must serve as icons, in order that the sentence may be understood.“ (Peirce, apud Jakobson, 1971) O agente primeiro! O humano primeiro! That the order of clauses corresponds in general to the order of events, as in “Veni, vidi, vici” (Jakobson 1971; Haiman,1985, p 73) Iconicidade e hierarquia social “The President and the Secretary of State attended the meeting“. (Jakobson, p. 350). A ordem das palavras reflete a hierarquia social! Iconicidade na linguística atual Na linguística contemporânea, esta conexão entre significante e significado foi recuperada no nível da sintaxe e da morfologia (Haiman, 1985), mas não no nível do signo. 1. A bicicleta está em frente da igreja. 2. A igreja está em frente da bicicleta. Iconicidade na sintaxe O agente é o “herói da mensagem”, e como tal deve vir na frente da sentença, na posição de sujeito. O objeto é subordinado ao agente, e como tal deve vir no fim da sentença. Quando a ação é sofrida pelo ser humano, ele passa para o final (passiva). Iconicidade na morfologia high-higher-highest, altus-altior-altissimus, alto, mais alto, altíssimo. Solteiro, solteiríssimo. Um universal linguístico é que o plural é sempre formado por um morfema adicional, mas não o contrário. (Jakobson, 1971). Flexão verbal é icônica Francês: 1 .je finis (Eu termino)- nous finissons, 2. tu finis vous finissez, 3. il finit - ils finissent; Polonês: 1. znam (Eu sei) - znamy, 2. znasz - znacie, 3. zna - znajq. O arbitrário relativo Mesmo Saussure admite signos “relativamente arbitrários”, ou seja, parcialmente motivados. “vinte é imotivado, mas dezenove não o é no mesmo grau, porque evoca os termos dos quais se compõe” (Saussure, Curso de Linguística Geral, p. 152). Morfemas dissociados no eixo sintagmático, mas identificáveis no eixo paradigmático, são motivados (Jakobson, 1971, p. 353). berger- (pastor) berg-er; vacher (vaqueiro)- vach-er Neologismos Carteiro= (Cart)+ (eiro) Vaqueiro, bombeiro, blogueiro, etc. Um substantivo como blogueiro é motivado pelo significado de –eiro (sufixo agentivo) O marcado como icônico “In Russian the phoneme m occurs in the endings of marginal cases (instrumental, dative, locative), but never in other classes of grammatical cases”. (Jakobson, p. 353) Certos fonemas gramaticais. são índices de categorias Caos e ordem no sistema “O sistema da língua repousa no princípio irracional da arbitrariedade do signo...; o espírito (a mente), porém, logra introduzir um princípio de ordem e de regularidade em certas partes da massa de signos, e esse é o papel do relativamente motivado” Saussure, Curso de Linguística Geral, p. 154). Saussure x Jakobson Saussure percebia uma tensão (imotivado) e a gramática (motivada). entre o léxico Para Jakobson, mesmo o léxico é, em parte, motivado. Father, brother, mother. Semelhança entre os termos, embora não se possa identificar um sufixo –er. A metáfora é icônica A criação de uma metáfora é motivada pela associação entre um sentido primário e o sentido projetado, ou secundário. Jakobson “A metáfora é a vinculação de um significante a um significado secundário, associado por semelhança com o significado primário”. (Jakobson, Linguística e comunicação) Sinais icônicos Fontes da motivação Essa motivação pode ser: 1. Imagética 2. Conceitual 3. Cultural 4. Gramatical I. Motivação imagética Ela tem uma cintura de violão. Mão de alface Luminária tartaruga Exemplos do Tok Pisin Het (cabeça) het bilong diwai ‘copa da árvore' het bilong maunten 'topo da montanha' het bilong wara “fonte de água“ Metáforas com han (mão) han hilong diwai ‘galho de árvore' han bilong pik ‘pernas dianteiras do porco' han bilong pisin ‘asa de pássaro' plantihan ‘centopeia’ han wara ‘afluente de um rio” The seeds of speech (Aitchison, 1996, p. 95) Mãos de árvore Exemplos de outras línguas Braço de rio. (port.) Handschuh (alemão)= luva Embouteillage (francês)= engarrafamento Ocidente (do lat cadere, cair): onde o sol cai. Tramonto (italiano) poente Engarrafamento 2ª motivação: conceitual I see what Helen means It all became clear to Albert Peter's still in the dark I don´t get the point. Não estou captando a mensagem. Isso escapa à minha compreensão. Mundo mental interpretado a partir das sensações 'Deep and pervasive metaphorical connections link our vocabulary of physical perception and our vocabulary of intellect and knowledge' (Sweetser, 1990: 21) Variação cultural Sentenças são “engolidas” pelos Dogon da África ocidental. (The seeds of speech (Aitchison, 1996, p. 96) Conferir: “Não estou conseguindo digerir a notícia.” Conceitos e valoração O que está para cima é bom; o que está para baixo é ruim. The ups and downs of life. Ele está muito por baixo estes dias. Não são metáforas puramente porque envolvem uma valoração. imagéticas A vida como caminhada “Ainda creio que superaremos tudo isso. Essa fé nos dá a coragem de enfrentar as incertezas do futuro. Dá forças aos nossos pés cansados enquanto continuamos nossa marcha rumo à cidade da liberdade. Quando nossos dias tornaremse lúgubres e cobertos por nuvens e nossas noites tornarem-se mais escuras que mil meias-noites, saberemos que estamos vivendo no tumulto criativo de uma civilização genuína lutando para nascer”. (Martin Luther King Jr. Cerimônia de entrega do Nobel da Paz) Um exemplo bíblico Feliz o homem que está em vós, e só pensa em vossa santa peregrinação. Quando atravessam o vale árido, eles os transformam em fontes, e a chuva do outono vem cobri-los de bênçãos. Seu vigor aumenta à medida que avançam (Salmo 84). Dante A meio do caminho desta vida Achei-me a errar por uma selva escura, Longe da boa via, então perdida. (Dante, Inferno 1-1, A Divina Comédia. Tradução de Cristiano Martins.) No forró também... Se avexe não Toda caminhada começa No primeiro passo A natureza não tem pressa Segue seu compasso Inexoravelmente chega lá Se avexe não Observe quem vai subindo a ladeira Seja princesa ou seja lavadeira Pra ir mais alto vai ter que suar (Flávio José, “A natureza das coisas”.) III. Motivação cultural A tradução ou incorporação de estrangeirismos é uma fonte de metáforas. A adaptação de termos culturais novos se baseia na recriação de conceitos já existentes na língua. Tradução intercultural Baniwa: canoa que voa (avião). Tradução para tupi de conceitos cristãos, feita por José de Anchieta: Tupã = Deus Tupãsy= Mãe de Deus, Virgem Maria Anhanga= Diabo tekó-poxy= Pecado (vida ruim) (Paulo Filho, 2010) As metáforas revelam os valores de uma cultura- Diacronia Entusiasmo. Do grego: enthousiasmos. entrar em Deus, ser tomado por inspiração divina Histeria. Do grego hustéra (útero) Trabalho. Do lat. tripalio (instrumento de tortura) Escravo (do lat. Slavus). Metáforas podem contar a história de uma cultura Bugre - vem do francês bougre (herético, homossexual), que vem do latim bulgarus. A tentação da falsa etimologia metafórica Aluno- sem luz ERRADO! “Aluno é uma palavra de origem latina que significa SEM LUZ. Pedagogicamente não deve ser mais utilizada, pois, segundo Paulo Freire, toda criança traz consigo uma bagagem, portanto ela não é um papel em branco onde o professor irá escrever novos conteúdos”. Vem do latim alumnus (criança de peito, lactente). Não precisamos inventar A língua produz criações surpreendentes: Carecer e casto têm ambas a raiz no verbo latino careo, que significa ‘ter falta de alguma coisa’. Logo, ser casto é carecer de algo. Outro exemplo de riqueza metafórica Ocidente, ocaso, ocasião, cadáver, acidente, incidente, decíduo Caduco Todas estas palavras vem do lat. cadere (cair). Michiel de Vaan, Etymological Dictionary of Latin and the other Italic Languages , 2008. Cultura na sincronia: neologismos metafóricos Selfie (inglês) Rubberneck (ing.) Lèche-vitrine (francês) Window-shopping (inglês) Waldeinsamkeit (alemão) lit. solidão da floresta. Schadenfreud (alemão). Lit. alegria-dano Torschlusspanik (alemão). Lit. medo do portão fechado Bicicleta: cavalo magro, em guarani. na língua literária dos Chunkchees do nordeste da Sibéria: "parafuso" é "prego giratório", "estanho" é "ferro delgado", "giz" é "sabão de escrever", "relógio" (de bolso) é "coração martelador" Luftmensch Ídiche ; so alemão luft, ar + mensch, pessoa Pessoa que vive no mundo da lua. Em parte conceitual, em parte cultural IV. Motivação gramatical Metáforas são uma gramaticalização. rica fonte de processos de Itens lexicais, em interpretação metafórica, passam a representar categorias gramaticais. Passado em Tok Pisin Kaikai pinis, mi go long wok Food finish I go to work (trad. Literal inglês) Comida terminar, eu ir trabalhar. (trad. Literal port). “Depois que eu tiver comido, vou trabalhar”. mi kikim pukpuk pinis I kick crocodile finish Eu chutar um crocodilo terminar. Eu chutei um crocodilo. The seeds of speech (Aitchison, 1996, p. 106) Fontes lexicais Há muitas fontes lexicais para uma ação completamente encerrada no passado (perfectivo ou completivo): Além de terminar, Bybee et alli. (1994, p 58) cita os seguintes verbos: ir (tucano), jogar fora (Palaung), enterrar (cantonês). O “ir” do tucano se assemelha à seguinte construção do inglês: He went and told her the whole story. Metáforas do futuro Verbos que são usados para exprimir o futuro: Vir (tucano, dinamarquês, etc) Ir (cocama, abipon, etc) Querer (inuit, Tok Pisin, dinamarquês) Ser capaz de (cantonês). Bybee et alli. (1994, p 252) Inglês: I will do that. Habere (cf. Benveniste: obrigação, estar fadado a) Mi laik go (Tok Pisin) 'I want to go‘ Eu quero ir. Significa: eu irei. The seeds of speech (Aitchison, 1996, p. 108) O futuro como obrigação Em basco e outras línguas, o morfema de futuro pode significar tanto tempo futuro, como obrigação (modalidade deôntica). Bybee et alli. (1994, p 259). O verbo haver (do latim habere), também tem esta ambiguidade: Hei de vencer. A marca de futuro shall, do inglês, vem do germânico dever, ter que. Logo, o futuro é uma obrigação, ou uma predestinação. Metáforas: jogando a linguagem para o futuro Eu vou vencer. Eu quero vencer. Eu tenho de vencer. Quais destes verbos podem metaforizar o futuro? Metáfora: ferramenta para entender o passado e prospectar o futuro da língua A metáfora é uma ferramenta útil para reconstruir o passado e também para prospectar que mudanças e transformações que uma língua está vivendo. OBRIGADO! [email protected]