Maria Coutinho, discente da disciplina Direito Público Comparado - 3º ciclo, sob docência do Senhor Prof. Dr. João Caupers, da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa – FDUNL. 01 de julho de 2013. PROPOSTA DE SUMÁRIO CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS 1. Serviços públicos de saúde como determinação constitucional 2. As Constituições, as Cortes Constitucionais e os Serviços Públicos de Saúde (SPS) 2.1. A existência do SPS e a sua universalidade 2.2. Gratuitidade e financiamento do SPS 2.2.1. SPS gratuito e taxas moderadoras 2.2.2. Um sentido constitucionalmente adequado de tendencial gratuitidade 3. Estado Social e Financiamento do SPS CONSIDERAÇÕES FINAIS CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS Esta investigação tem como objeto a análise da proteção do direito à saúde, como direito social fundamental, positivado nas Cartas Políticas portuguesa e brasileira, sob tutela jurisdicional das respectivas Cortes Constitucionais. Propomo-nos vislumbrar as consequências da crise economico-financeira e institucional nos dois países em comparação, estabelecendo sistematicamente semelhanças e diferenças entre as realidades jurídicas, tendo como aporte as características constitucionais da universalidade, generalidade, integridade dos serviços públicos de saúde. Assim, apresentaremos duas realidades distintas: a brasileira, com o perene problema do Sistema Único de Saúde (SUS), sendo a assistência à saúde destacada na opinião pública como uma das principais preocupações do setor; e, a portuguesa, que a partir de maio de 2011, teve sua política de saúde permeada pelos compromissos avençados pelo Memorando de Entendimento Sobre as Condicionalidade de Política Económica (Memorandum of Understanding – MoU). 1. SERVIÇOS PÚBLICOS DE SAÚDE COMO DETERMINAÇÃO CONSTITUCIONAL O conceito de “saúde” de maneira conjugada onde derminantes sociais e “determinantes individuais se associam numa multiplicidade de fatores que vão dos estilos de vida, às redes sociais e comunitárias, às condições de vida e de trabalho e aos fatores socioeconómicos, culturais e ambientais de natureza geral. Significa isto que a saúde resultará da conjugação ecossistémica deste conjunto de variáveis. Portanto, seja o que for que aconteça com qualquer destas variáveis, pode ter impacte sobre a saúde”. (DAHLGREN, G.; WHITEHEAD, M. Policies and strategies to promote social equity in health. In: Stockholm: Institute for Future Studies, 2007.) Contudo, em tempos de crise, um conjunto de efeitos trazer problemas inesperados quanto a questão sanitária levantando discussões. Na dimensão política, o recuo ou possível recuo, do Estado em garantir um sistema de saúde universal e gratuito gera uma série de questões. Jorge Miranda, de um maneira simples expressou que, conferir plena operatividade a todos os direitos econômicos, sociais e culturais seria “querer fazer tudo ao mesmo tempo e nada conseguir”. (MIRANDA, Jorge. Os novos paradigmas do Estado social. In: Conferência proferida em 28 de Setembro de 2011, em Belo Horizonte, no 37.º Congresso Nacional de Procuradores de Estado. ) Constituição portuguesa/76: Artigo 64.º - Saúde, 2. “O direito à protecção da saúde é realizado: a) Através de um serviço nacional de saúde universal e geral e, tendo em conta as condições económicas e sociais dos cidadãos, tendencialmente gratuito;” Constituição brasileira/88: Seção II - DA SAÚDE. Artigo 196.º. “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.” Lei n.º 48/90, de 24 de agosto, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 27/2002, de 8 de Novembro. Lei n.º 8.080, de 19 de Setembro de 1990. Artigo 43. “A gratuidade das ações e serviços de saúde fica preservada nos serviços públicos contratados…” 2. CORTES CONSTITUCIONAIS E OS SERVIÇOS PÚBLICOS DE SAÚDE Como confronta-se alguns dos limites jurídicos-constitucionais dos serviços públicos de saúde, designadamente os relacionados com as exigências de universalidade, generalidade ou integralidade e, sobretudo, na gratuidade nos ordenamentos jurídicos. A Corte brasileira, diferentemente da portuguesa, atua numa posição próxima do controle judicial de políticas públicas. A Corte portuguesa não contempla instrumentos específicos que permitam um acesso direto em caso de violação dos direitos fundamentais. Não há nada similar ao “recurso de amparo”, típico da Espanha e dos países da América Latina, ou mesmo ao “mandado de segurança”, previsto na Constituição brasileira para tutelar os “direitos líquidos e certos”. Como expressa Maria Lúcia Amaral, “… a garantia dos direitos sociais afigura-se dificílima, por não depender só de decições legislativas ou de recursos jurídicos”. Atuação das Defensorias Públicas do Rio de Janeiro e São Paulo. 2.1. SERVIÇO PÚBLICO DE SAÚDE E A SUA UNIVERSALIDADE Portugal - AcTC. n.º 39/1984, considerou inconstitucional o diploma que o diploma que pretendia revogar parte substancial da lei que havia instituído o SNS, considerando que, o legislador ordinário não tinha margem de revogação ou retrocesso, já que se aquela intenção política revogatória fosse bem sucedida ela se traduziria num incumprimento omissivo inconstitucional dos comandos da Constituição. Brasil – 'Falta tudo', afirma único médico de cidade no Amapá. In: Folha de São Paulo. Giuliana Vallone e Carlos Cecconelo. Em: 09 de junho de 2013. 2.2. GRATUITIDADE E FINANCIAMENTO DO SPS “Existe forte evidência que as taxas moderadoras reduzem, de forma semelhante, a utilização de serviços de saúde de baixo ou elevado custo”. OSS “Aplicar taxas moderadoras indiscriminadamente significa impedir os cidadãos de recorrer aos serviços e tratamentos de que necessitam (mesmo quando essas taxas sejam relativamente baratas), o que poderá ter um impacte negativo na saúde”. (WHO. EOHSP - Health, health systems and economic crisis in Europe: impact and policy implications (draft for review). Copenhagen: European Observatory on Health Systems and Policies. World Health Organization, 2013. p. 45) No Brasil, o serviço de saúde sustenta-se com recursos do orçamento, da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, para além de outras fontes de impostos. STF. ADIN n.º 2.999-1/RJ, de 13 de março de 2008, propõe a invalidação EC n.º 29, que prevê a fixação dos percentuais incidentes da arrecadação dos impostos de competência estatual. 2.2.1. GRATUITO E TAXAS MODERADORAS O Brasil tem a carga tributária altíssima, arrecadando de impostos e contribuições federais a soma de 1,029 trilhão de reais em 2012. Só fica atrás para o bem-estar social europeu, onde o imposto é alto, mas a contrapartida do governo. (Análise a partir da Arrecadação das Receitas Federais – Maio de 2013) Em Portugal os utentes do SNS pagam taxas moderadoras, fruto de uma imposição estatal, possuindo uma origem ex lege, de acordo com a Base XXXIV, da Lei de Bases da Saúde nº 47/90, de 24 de agosto, “com o objetivo de completar as medidas reguladoras do uso dos serviços de saúde”, de que “são isentos os grupos populacionais sujeitos a maiores riscos e os financeiramente mais desfavorecidos”. AcTC nº 330/1989, veio a tratar das taxas moderadoras no acesso ao serviço de saúde. Crítica do Observatório Português dos Sistemas de Saúde, nos Relatório de Primavera 2012 e 20013, que apontam o termo “falsa taxa moderadora” em todo seu teor. “Não há conclusão que as taxas moderadoras afastem utentes”. (Ministro Paulo Macedo. In: Entrevista Revista Expresso, 29 de junho de 2013.) 2.2.2. UM SENTIDO CONSTITUCIONALMENTE ADEQUADO DE TENDENCIAL GRATUITIDADE “Tendencial gratuitidade significa que a prestação de cuidados e serviços de saúde no âmbito do SNS tende a ser gratuita, mas não tem de ser gratuita, pelo menos, não tem de ser sempre gratuita”. (NOVAIS, Jorge Reis. Constituição e Serviço Nacional de Saúde. In: Direitos Fundamentais & Justiça. n.º 11. Abr./Jun. 2010. p. 100.) O ser gratuito será a inclinação natural do SNS, será o seu sentido geral, a tendência, mas não será uma exigência de carácter absoluto, no sentido de vedar, hoje, o pagamento de qualquer “preço” do custo de prestações obtidas no âmbito do SNS. “… pessoas gastaram mais de 100 milhões de euros de taxas moderadoras, tiveram a redução de custos de medicamentos de mais de 300 milhões…” (Ministro Paulo Macedo. In: Entrevista Revista Expresso, 29 de junho de 2013.) 3. ESTADO SOCIAL E FINANCIAMENTO DO SPS O momento histórico permeado pela crise econômica põe em causa a possibilidade de progressão dos benefícios sociais proporcionados pelo Estado Social. Sabido por todos a estreita ligação entre a falta de crescimento econômico e os progressos na proteção social, pois o não crescimento faz com que a percentagem dos gastos sociais no PIB cresça em paralelo. O cidadão pode exigir imediata e directamente do Estado o respeito pelas suas condições e capacidades próprias de acesso ao bem saúde e a protecção desse acesso, já quando está em causa a exigência de ajuda estatal, isto é, de cumprimento do dever estatal de promoção do acesso dos cidadãos aos cuidados de saúde, aí o direito dos cidadãos e os correspondentes deveres estatais estão sujeitos a algumas reservas. (NOVAIS, Jorge Reis. Constituição e Serviço Nacional de Saúde. In: Direitos Fundamentais & Justiça. n.º 11. Abr./Jun. 2010. p. 100.) ANÁLISE JURISPRUDENCIAL 1. AUTO 96/2011, de 21 de junho. TRIBUNAL CONSTITUCIONAL ESPANHOL “Levanta la suspensión en el conflicto positivo de competencia 823-2011, interpuesto por el Gobierno de la Nación en relación con el Acuerdo del Consejo de la Xunta de Galicia por el que se aprueba el catálogo priorizado de productos farmacéuticos.” “La sostenibilidad del sistema sanitario público impone a todos los poderes públicos la necesidad de adoptar medidas de racionalización y contención del gasto farmacéutico” (…) “tanto más necesarias en una situación como la actual caracterizada por una exigente reducción del gasto público. La contención y reducción del gasto farmacéutico es, por tanto, un objetivo a conseguir por la totalidad de las estructuras del Sistema Nacional de Salud.” 2. AUTO 147/2012, de 16 de julho. TRIBUNAL CONSTITUCIONAL ESPANHOL “Levanta la suspensión en el conflicto positivo de competencia 1923-2012 interpuesto por el Gobierno de la Nación en relación con la resolución de la Dirección Gerencia del Servicio Andaluz de Salud de 25 de enero de 2012 por la que se anuncia convocatoria para la selección de medicamentos a dispensar por las oficinas de farmacia de Andalucía, cuando, en las recetas médicas y órdenes de dispensación oficiales del sistema nacional de salud, sean prescritos o indicados por principio activo.” “Racionalización del gasto farmacéutico con cargo al sistema nacional de salud (…), por el que se adoptan medidas extraordinarias para la reducción del déficit público” (…) “pues persiguen consolidar un esfuerzo de austeridad en el gasto farmacéutico que permita, conteniendo el crecimiento del gasto en medicamentos en el sistema nacional de salud, una reducción de la factura farmacéutica pública. (…) Administraciones públicas con competencias en la materia tienen la obligación de distribuir equitativamente los recursos públicos disponibles a fin de garantizar la sostenibilidad del sistema público de salud favoreciendo el uso racional de los medicamentos e instaurando políticas de contención del gasto en este ámbito”. 3. STF. RE 566471/RN. REPERCUSSÃO GERAL. RELATOR MIN. MARCO AURÉLIO JULGAMENTO: 15 DE NOVEMBRO DE 2007. “Dever do Estado de fornecer medicamento de alto custo a portador de doença grave que não possui condições financeiras para comprá-lo.” “Este tema tem-se repetido em inúmeros processos. Diz respeito à assistência do Estado tocante à saúde, inegavelmente de conteúdo coletivo. Em outras palavras, faz-se em jogo, ante limites orçamentais, ante a necessidade de muitos considerada relação de medicamentos, a própria eficácia da atuação estatal.” 4. STF. RE 724292 AGR/RS. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. RELATOR MIN. LUIZ FUX. JULGAMENTO: 09 DE ABRIL DE 2013. “À assistência à saúde, a ser atendida de forma solidária pelos entes públicos, deve ser integral, alcançando o fornecimentos de medicamentos, materiais de difícil acesso, ou tratamento a doentes que dele necessitem para o uso permanente ou por tempo indeterminado”. “É direito de todos e dever do Estado promover os atos indispensáveis à concretização do direito à saúde, tais como o fornecimentos de medicamentos, acompanhamento médico e cirúrgico, quando não possuir o cidadão meios próprios para adquiri-los.” Outros: RE 632718/RS; ARE 741583/RS; AI 736937/SC; ARE 729718/SP; RE 713241/RN – Alimento . CONTINUAÇÃO – ANÁLISE JURISDICIONAL BRASILEIRA A DEMANDA JURISPRUDENCIAL NO STF VERSA, PRIORITARIAMENTE, SOBRE TRÊS QUESTÕES: 1. a obrigação do Estado de fornecer prestação de saúde prescrita por médico não pertencente ao quadro do SUS ou sem que o pedido tenha sido previamente feito à Administração Pública - STA 328 AgR/PR, STA 334 AgR / SC; 2. a obrigação do Estado de custear a prestação de saúde não abrangida pelas políticas públicas existentes - AI 337657 AgR(tratamentos do exterior: desprovido.); 3. a obrigação do Estado fornecer medicamentos não licitados ou não previstos na lista do SUS - RE 726446/RS CONSIDERAÇÕES FINAIS É preocupante para qualquer Estado os custos dos direitos prestacionais. Contudo, promover ajustamento entre as ações previstas para o sistema de saúde, com a participação dos entes federativos, é necessária para alocar recursos na lei orçamentária – orçamento participativo. No Brasil, a desestruturação do sistema é evidente, necessitando com urgência de um equilibrio entre as demandas legítimas e as circunstâncias dos gestores públicos de uma maneira geral. Pois, na medida que matéria precise ser resolvida por demanda judicial, é sinal que ela não pôde ser atendida administrativamente. Em Portugal, há “continuidade institucional”, que favorece a solidez estrutural do serviço de saúde, ultrapassando obstáculos iminentes ao apontar e fazer-se cumprir medidas políticas de saúde de maneira eficiente. “Nenhum país com mais de 100 milhões de “… nesta conjuntura económica, é essencial habitantes assumiu o desafio de ter um manter um SNS a funcionar, um serviço sistema público, universal e gratuito de de possa receber os mais vulneráveis, saúde, que ofereça da vacina de graça até que seja um elemento de coesão social e o transplante”. (Min. da Saúde, Dr. Antônio de equidade.” (Min. da Saúde, Dr. Paulo Padilha, 03 de junho de 2013.) Macedo, 29 de junho de 2013.)