1 TAXAS MODERADORAS – UMA ALTERNATIVA VIÁVEL? Numa época em que cada vez mais se recorre à figura da taxa como meio paradigmático de financiamento, torna-se uma necessidade premente reconhecer se estamos perante uma verdadeira taxa, ou antes, um imposto ou uma contribuição especial. De facto, no nosso sistema fiscal podemos encontrar três categorias de tributos: as taxas, os impostos e um tertium genus composto pelas contribuições especiais. Neste trabalho, contudo, faremos apenas uma pequena reflexão sobre as taxas, em geral, e mais especificamente sobre o fenómeno das taxas moderadoras de internamento e cirurgia ambulatória1 que são suportadas pelos utentes do nosso Sistema Nacional de Saúde. Neste contexto, veremos qual o objectivo destas taxas, se são verdadeiras taxas, e, se sim, se o seu valor não se aproxima de um nível confiscatório. Atentaremos ainda na sua conformidade, ou não, com a nossa Lei Fundamental. 1. Considerações gerais sobre as Taxas A doutrina2 e a jurisprudência têm vindo a “esmiuçar” o conceito de taxa, fornecendo largos contributos para a sua unificação e homogeneização. Um conhecimento profundo do que seja uma taxa é importante, na medida em que nos permitirá sem graves dificuldades, identificar, num caso concreto, o tipo de tributo em causa. Tal tarefa afigura-se-nos assaz relevante na tarefa de aplicação do respectivo regime jurídico. Como se sabe, este é diferente consoante estejamos perante uma taxa, um imposto ou uma contribuição especial.3 Porém, o que nos ocupa neste texto é a taxa e, por isso, procederemos de seguida à sua caracterização. 1 Antes, porém, faremos o enquadramento das taxas moderadoras em geral. Vide, sobre este conceito, Casalta Nabais, Direito Fiscal, 4ª ed., Coimbra, 2006, pp. 20 e ss.; Teixeira Ribeiro, «Noção Jurídica de taxa», in Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 117, p. 289; Cardoso da Costa, «Ainda a distinção entre “taxa” e “imposto” na jurisprudência constitucional», in Livro de Homenagem a José Guilherme Xavier de Basto, Coimbra, 2006, pp. 547 e ss.; Suzana Tavares da Silva, As Taxas e a Coerência do Sistema Tributário, Coimbra, 2008 ; Vital Moreira e Gomes Canotilho, Constituição da República Portuguesa – Anotada – Volume I – Artigos 1º a 107º, Coimbra, 2007, pp. 1094 e ss. 3 A este propósito, vide Constituição da República Portuguesa, 8ª Ed., Coimbra, 2005, Artigo165º, nº 1, alínea i). 2 2 Em geral, podemos definir a taxa como uma prestação pecuniária, coactiva, tal como o imposto, mas a que corresponde uma contraprestação específica por parte da Administração/Estado; em que é possível uma utilização individualizada por parte dos particulares. É nisto que se traduz a ideia da bilateralidade das taxas em contraposição à unilateralidade dos impostos. Devemos, todavia, não esquecer que à prestação de uma taxa não tem de corresponder necessariamente um benefício para quem a paga. Vejamos como exemplo a taxa de justiça. Quem a suporta pode não vir a ganhar a causa, não sendo imperativo um resultado favorável. Nem por isso a taxa deixa de ser devida. A nossa Lei Geral tributária dispõe no seu artigo 4º, nº2 as formas de contraprestação específica de uma taxa. Reza o seguinte: “ As taxas assentam na prestação concreta de um serviço público, na utilização de um bem do domínio público ou na remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares”. 4 Na prestação de um serviço público, como já referimos acima, é possível individualizar a utilização do mesmo pelo utente. Este facto permite distinguir a taxa do imposto, uma vez que, neste, os serviços não são passíveis se individualização estando afectos em geral a toda a comunidade. A utilização de um bem do domínio público exige uma utilização especial do mesmo pelo utente. 5 Por sua vez, na remoção de um obstáculo jurídico à actividade dos particulares, a contraprestação traduz-se na concessão de um benefício ao particular que o requerer. Podemos dar como exemplos, uma licença de construção, edificação, para porte de arma, etc…). 6 4 A norma apresenta-se controversa, uma vez que a doutrina se divide na identificação dos vários tipos de factos tributários. De facto, a LGT, no seu artigo 4º, nº 2 refere três tipos: prestação de um serviço público, utilização de um bem do domínio público e a remoção de um limite jurídico à actividade dos particulares. Ora, como se pode retirar do texto, Cardoso da Costa, «Ainda a distinção entre “taxa” e “imposto” na jurisprudência constitucional», in Livro de Homenagem a José Guilherme Xavier de Basto, Coimbra, 2006, pp. 547 e ss, existem duas correntes doutrinais, uma que entende que a remoção do limite jurídico justifica o pagamento da taxa sem mais; outra, entende que apenas se deve o pagamento no caso de estar em causa um bem semi público. É na senda desta doutrina que podemos dizer, acompanhando Cardoso da Costa que, na verdade existem apenas a prestação de um serviço público e a utilização de um bem do domínio público, já que a remoção de um limite jurídico acaba por ser também um serviço público. Acontece que, como bem explica Cardoso da Costa, o Tribunal Constitucional adopta a noção de taxa que corresponde à segunda doutrina mencionada, enquanto que a LGT perfilha das ideias da primeira. Problema interessante, mas que não nos cabe desenvolver nesta sede. Para mais informação ler o texto supra citado. 5 Sobre as taxas devidas pelo uso comum de bens do domínio público, a temática encontra-se desenvolvida em Suzana Tavares da Silva, As Taxas e a Coerência do Sistema Tributário, Coimbra, 2008. 6 Afigura-se do maior interesse o problema das licenças fiscais referidas por Casalta Nabais, Direito Fiscal, 4ª ed., Coimbra, 2006, pp. 14. Na verdade, o autor entende que só constitui uma taxa o tributo 3 Acresce à bilateralidade da taxa a ideia de proporcionalidade entre aquela e a respectiva contraprestação. Mais uma vez podemos a partir daqui encontrar uma diferença entre as taxas e os impostos. É que nestes, não existe a referência à proporcionalidade, mas antes ao critério da capacidade contributiva. O que os distingue mais especificamente? Na verdade, enquanto no imposto vamos ter em conta os rendimentos que auferem os contribuintes, pagando mais quem possui mais rendimentos, pagando menos quem tiver menos rendimentos, nas taxas, ao invés, devemos comparar o benefício auferido pelo particular em relação ao que pagou a título de tributo. Existem vários critérios que nos levam a aferir da proporcionalidade taxa/contraprestação. As taxas devidas podem ou não cobrir os custos do serviço prestado a favor do utilizador. Deve, contudo, corresponder ao custo previsível do serviço,7 servindo este como uma espécie de limite à fixação do seu valor O valor da taxa pode também ser analisado à luz do grau de utilidade que o serviço acarreta na esfera do beneficiado. Este é o chamado princípio da equivalência8 que tem como corolário o artigo 13º da Constituição da República Portuguesa (CRP). 9 Não esqueçamos o critério da razoabilidade que se mostra igualmente imprescindível na análise do tributo. Ilustra bem o sentido deste princípio uma passagem do Acórdão nº 349/02 do Tribunal Constitucional em que se diz o seguinte: para que estivéssemos perante uma desproporção “seria necessário que essa desproporção fosse manifesta e comprometesse, de modo inequívoco, a correspectividade pressuposta na relação sinalagmática”. Daqui podemos retirar que ,na verdade, não é qualquer desproporção que leva à violação do principio da proporcionalidade, mas antes, um manifesto excesso ou um valor tão diminuto que se mostre completamente desajustado à respectiva contraprestação. Tudo o que foi dito se reconduz à descrição material da taxa. Resta referir algumas considerações sobre o aspecto formal deste tributo. No artigo 165º, nº1, alínea i), da CRP, prevê-se o seguinte: “É da exclusiva competência da Assembleia da República legislar sobre as seguintes matérias, salvo autorização do Governo: Criação de impostos e sistema fiscal e regime geral das taxas e demais devido pela remoção de um obstáculo real e não aparente. Neste último caso o objectivo é cobrar receitas e, como tal estaremos perante uma licença fiscal. 7 Vide, Suzana Tavares da Silva, As Taxas e a Coerência do Sistema Tributário, Coimbra, 2008, pp. 64 ss. 8 Vide, Cardoso da Costa, «Ainda a distinção entre “taxa” e “imposto” na jurisprudência constitucional», in Livro de Homenagem a José Guilherme Xavier de Basto, Coimbra, 2006, pp. 547 e ss 9 Cfr. Vários, Coordenação Sérgio Vasques, As Taxas de Regulação Económica em Portugal, Coimbra, 2008, pp.43. 4 contribuições financeiras a favor das entidades públicas”. Daqui podemos extrair a ideia de que a reserva parlamentar se estende ao regime geral das taxas. Não poderia ser de outra forma, sob pena de se desvirtuar a segurança jurídica que deve peremptoriamente existir neste campo, dado o movimento desenfreado que se desencadeou nos nossos dias de criação de taxas para tudo e a qualquer custo. Em suma, as taxas destinam-se a financiar o serviço público prestado ou a pagar a utilização do domínio público, não podendo ser destinadas a outros fins. Podem também ter como objectivo regular ou moderar a utilização dos serviços públicos, como é o caso das taxas moderadoras. Podemos também acrescentar a noção ditada pelo Dr. Teixeira Ribeiro.10 Segundo este autor, só podemos cobrar taxas quando esteja em causa um bem semi-publico. Ora, um bem desta natureza satisfaz necessidades colectivas e individuais. Isto significa que é necessária a procura dos bens pelo utilizador. Para mais, a utilização dos bens semipúblicos deve ser voluntária. 2. Breve excurso pelo desenvolvimento legislativo das Taxas Moderadoras A Constituição da República Portuguesa de 1976, no seu artigo 64º, nº2, estabelecia que: “o direito à protecção à saúde é realizado pela criação de um serviço nacional de saúde universal, geral e gratuito.” Contudo, em 1989, a redacção do preceito alterou-se: “… é realizado através de um serviço nacional de saúde universal e geral e, tendo em conta as condições económicas dos cidadãos, tendencialmente gratuito.” A figura das taxas moderadoras surgiu na nossa ordem jurídica com a Lei 56/79, de 15 de Setembro (Lei de bases da Saúde). O artigo 7º desta lei dispunha o seguinte: “O acesso ao SNS é gratuito, sem prejuízo do estabelecimento de taxas moderadoras diversificadas tendentes a racionalizar a utilização das prestações.” Estava dado o mote para o desenvolvimento do que é hoje um dos tributos mais discutidos na sociedade portuguesa. Em 1980, através do Despacho Ministerial 57/80, de 29 de Dezembro são introduzidas as taxas moderadoras para o «acesso a cuidados de saúde assegurados através das unidades prestadoras dos Serviços Médico-sociais». 10 Teixeira Ribeiro, «Noção Jurídica de taxa», in Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 117, p. 289. 5 O Despacho 58/80, de 29 de Dezembro vem estabelecer taxas para o «acesso dos utentes dos Serviços Médico-sociais a elementos complementares de diagnóstico, a tratamentos de radioterapia e a tratamentos de medicina física e de reabilitação». Em 1982, actualizam-se as taxas referentes ao acesso a cuidados de saúde nos Serviços Médico-sociais. No mesmo ano estabelecem-se as taxas moderadoras para o internamento e a urgência, mas o Acórdão nº 92/85 considerou inconstitucional porque não foram criadas por decreto lei. O despacho nº 5/83 eliminou as taxas moderadoras referentes a «internamentos hospitalares em regime de enfermaria nas unidades de internamento dos centros de saúde, nos hospitais centrais e distritais, gerais e especializados», «radioterapia e análises histológicas» e «atendimentos, nos serviços de urgência dos hospitais, das situações que impliquem tratamentos imediatos e inadiáveis». Em 1986, o DL 57/86, de 20 de Março, veio regulamentar as condições de exercício do direito de acesso ao SNS, mas sem deixar de prever isenções para certos grupos de utentes. Segundo o artigo 4º, nº1, são «fixadas taxas moderadoras dos cuidados de saúde prestados no âmbito do Serviço Nacional de Saúde, a pagar pelos utentes». A portaria nº 344-A/86, de 5 de Julho, veio esclarecer que: «tais taxas têm por fim racionalizar a procura de cuidados de saúde, não a negando quando necessária, mas tendendo a evitar a sua utilização para além do razoável». Estas vieram a ser mais concretamente indicadas na Lei 47/90, de 24 de Agosto (Lei de Bases da Saúde) referindo como isentos, na Base XXXIV, nº 2: “…os grupos populacionais sujeitos a maiores riscos e os financeiramente mais desfavorecidos, nos termos determinados na lei.” A efectiva concretização das taxas moderadoras aparece-nos apenas na década de 90, com o DL nº 54/92, de 11 de Abril. Foi também neste diploma que se especificaram os utentes isentos do pagamento daquelas taxas. O DL 287/95, de 30 de Outubro, por sua vez, alargou o círculo de cidadãos isentos. A Lei de Bases da Saúde, veio a ser alterada pela Lei nº 27/2002, de 8 de Novembro. Nada mudou no sentido de não se aplicar as taxas moderadoras. Em 2003, o Governo actualizou os valores das taxas no DL 173/2003, de 1 de Agosto11, valores estes agravados em 2005. 11 Republicado pelo DL nº 79/2008, de 8 de Maio. 6 Mais recentemente, em 2007, acresceram às taxas já existentes, outras, agora devidas em virtude do internamento de doentes e cirurgias em ambulatório, realizadas em estabelecimentos do Serviço Nacional de Saúde (SNS). Estas taxas estavam contempladas na Lei 53º-A/2006, que aprovou o Orçamento de Estado de 2007. Com efeito, pode ler-se no Relatório do Orçamento de Estado desse mesmo ano que o:“alargamento da aplicação das taxas moderadoras ao internamento nos hospitais do SNS” constituía a primeira de “um conjunto de medidas muito vigorosas que tem um significativo impacto imediato na contenção da despesa pública em 2007 e, simultaneamente, dá continuidade à racionalização e reforma (…) do financiamento do Sistema Nacional de Saúde”. Estas taxas tiveram como motor de arranque a necessidade de regular e moderar a afluência excessiva e desnecessária aos serviços dos Hospitais e Centros de Saúde. 12 De facto, chegou-se à conclusão que muitos dos utentes utilizavam de forma banal os serviços médicos, nomeadamente, o serviço de urgências, provocando um congestionamento no mesmo e contribuindo igualmente para o aumento do tempo de espera médio de todos os que procuravam o serviço. Viu-se, então, neste tributo uma forma de gerar um serviço eficiente, com qualidade, pretendendo-se uma melhoria da acessibilidade aos serviços e, acima de tudo, a racionalização da utilização dos mesmos. O diploma que cria a Entidade Reguladora da Saúde (ERS), vem no seu artigo 6º, nº2 definir como uma das atribuições daquela entidade “ defender os interesses dos utentes”. A mesma ideia é reiterada na Lei 47/90, de 24 de Agosto, na Base V, nº 2 e Base XIV, nº 1, alínea c).13 Procura-se assim concretizar o principal objectivo em sede de saúde, que se consubstancia no melhor serviço para todos os cidadãos/ utentes. Sucede que esta matéria é tudo menos pacífica, tendo-se desenvolvido à sua volta um conjunto de discussões, revoltas, injustiças… Tudo o que ficou acima exposto, constitui apenas o enquadramento da questão mais complexa que iremos desenvolver de seguida. Em modo de síntese, iremos percorrer vários aspectos ligados ao tema, entre os quais: a natureza jurídica das taxas de internamento e cirurgia em ambulatório; a sua conformidade constitucional; o problema no direito comparado e, por fim, tentaremos apontar uma 12 Veremos mais adiante que talvez não tenha sido este o principal objectivo do Estado ao criar as Taxas Moderadoras. Acresce, certamente, a este a necessidade de aliviar a “carteira” estadual empurrando a responsabilidade financeira para os utentes, ancorando-se, desta forma, escancaradamente, no princípio do “utilizador-pagador”. 13 A Lei 47/90, de24 de Agosto foi alterada pela Lei 27/2002, de 8 de Novembro. 7 alternativa a esta modalidade de financiamento, após estudarmos se esta última é ou não uma via sustentável. 3. Taxas de internamento e cirurgia em ambulatório – Taxa ou imposto? Aferição da sua constitucionalidade. Estas taxas surgiram em 2007 com o fito de alargar os meios de financiamento do Sistema Nacional de Saúde. Não bastassem já as taxas moderadoras cobradas pelos serviços em geral, agora o utente vê-se confrontado com outra exigência tributária no caso de dever ser internado ou operado em ambulatório… Ora, todos nós sabemos que o SNS, para funcionar minimamente, tem de ter um fundo de capital bastante “generoso”. Este monstro da saúde, que atinge dimensões gigantescas, implica constantemente o recurso a dotações orçamentais e, nas últimas décadas, às conhecidas taxas moderadoras. Já antes da década de setenta, em que surge a ideia de implantar este tributo, o SNS era financiado com impostos. Todos pagavam, todos utilizavam nas mesmas condições um serviço que era de e para a comunidade. Porém, os gastos com a Saúde não pararam de crescer nos últimos anos e gerou-se uma “insustentabilidade” do modelo de financiamento por impostos. A questão era saber o que fazer perante esta insuficiência do “dinheiro público” para satisfazer as necessidades dos serviços de saúde. Certamente que aumentar a carga fiscal não seria uma opção viável e, como tal, houve uma espécie de transferência para os utentes da despesa do SNS. Foi aqui que irromperam as taxas acima descritas. O utente, para além de contribuinte passa também a ser um “utilizador-pagador”, arcando duplamente com a despesa do SNS. Curioso é observar o que se afirma no Relatório de Primavera de 2007 do Observatório Português dos Sistemas de Saúde. Com efeito, Portugal é dos países da União Europeia (U.E.) em que os cidadãos contribuem mais do que a média dos outros países. Com o avançar do tempo, as taxas moderadoras têm vindo a agravar-se e tudo indica que não haja, brevemente, um travão a este crescimento. Começamos talvez a questionar-nos sobre quais serão as consequências a curto e a médio prazo… Poderemos deparar-nos 8 com uma situação de “pobreza” generalizada em que já não se conseguirá suportar os custos e assistir-se-á a uma migração para o sector privado. Desta forma, vai subverterse toda a intenção primordial do SNS que podemos ilustrar através do que dispõe a Base II, nº 1, alínea b) da Lei de Bases da Saúde: “É objectivo fundamental obter a igualdade dos cidadãos no acesso aos cuidados de saúde, seja qual for a sua condição económica e onde quer que vivam, bem como garantir a equidade na distribuição de recursos e na utilização de serviços”. Actualmente estamos perante uma situação que muitos apelidam de “injustiça social” ou mesmo “comparticipação inconstitucional”. 14 3.1. Taxa ou Imposto? Chegados até aqui urge estudar se as taxas de internamento e cirurgia em ambulatório, que é o nosso tema central, são verdadeiras taxas ou se simulam um imposto. Atrás já caracterizámos as taxas, por isso, apenas vamos indicar as notas base dos impostos15 de forma a destrinçar melhor as duas figuras. O imposto tem três elementos: objectivo, subjectivo e um teleológico. Quanto ao primeiro elemento, podemos dizer que o imposto é uma prestação, pecuniária, unilateral, definitiva e coactiva. Interessa apenas concretizar as três últimas notas, pelo que, as duas primeiras são notórias. É unilateral, uma vez que, ao contrário das taxas, à sua prestação não corresponde uma contraprestação específica. Não existe uma utilização individualizada pelo contribuinte, pelo que toda a comunidade aproveita em termos gerais do serviço. Apresenta-se como definitivo, uma vez que não dá lugar a qualquer reembolso. Por fim, é coactivo, na medida em que é uma imposição legal. A nota essencial que os distingue das taxas é a unilateralidade. Estes são as notas objectivas do imposto. Em termos subjectivos, o imposto é exigido a quem detenha capacidade contributiva16, a favor de entidades que exerçam funções públicas. 14 Observatório Português dos Sistemas de Saúde, Relatório de Primavera de 2007, pp. 59; Pedro Nunes (Bastonário da Ordem dos Médicos), in Jornal de Notícias, em 19/02/2009, referindo-se às taxas de internamento e cirurgia em ambulatório. 15 Seguiremos o ensinamento do Prof. Dr. Casalta Nabais, Direito Fiscal, 4ª ed., pp. 15 e ss. 16 Já foi explicado o seu sentido supra. 9 Por último, teleologicamente, é exigido por quem exerça as funções públicas para realizar essas mesmas funções. Muito importante também, é a inexistência de carácter sancionatório. Neste momento, e após tudo o que se disse, já nos encontramos aptos a discutir e a analisar que tipo de tributo se afigura a taxa devida pelo internamento e pela cirurgia em ambulatório. Não deixaremos, como é óbvio, de analisar e referir igualmente jurisprudência essencial nesta matéria e que nos será bastante útil. Já se disse supra que as taxas moderadoras (gerais) surgiram como tendo uma função reguladora, nomeadamente da afluência desnecessária e abusiva dos utentes aos serviços de urgência. Compreende-se que os estabelecimentos de saúde suportassem custos acrescidos sempre que disponibilizavam os seus recursos técnicos e humanos para tentar dar resposta a tantos “falsos Doentes”. Ora, nesta medida, a taxa funciona como um desincentivador do uso do serviço de forma tão reiterada. Contudo, não podemos negar que a taxa moderadora inicialmente instituída é uma verdadeira taxa! O utente paga a taxa17, a que corresponde a prestação de um serviço público de saúde, e ainda permite-se regular a utilização do mesmo serviço. Já a Lei de Bases da Saúde18 o diz na Base XIV, nº 2, alínea e): “Os utentes devem: Pagar os encargos que derivem da prestação dos cuidados de saúde, quando for caso disso.” Não se coloca em causa a qualidade do tributo que constitui a Taxa Moderadora. Diferente, porém, é o montante a que as mesmas ascendem podendo ,desta forma, obstar a que quem precise, mas não tenho condições económicas, deixe de procurar o serviço de saúde… Atente-se no que é dito no Acórdão do Tribunal Constitucional, nº 731/95: “A gratuitidade tendencial significa rigorosamente que as prestações de saúde não estão em geral sujeitas a qualquer tributação ou pagamento por parte de quem a eles recorra, pelo que as eventuais taxas (v. g. as chamadas taxas moderadoras) são constitucionalmente ilícitas se, pelo seu montante ou por abrangerem as pessoas sem recursos, dificultarem o acesso a esses serviços.” Ainda neste acórdão se estabelecem 17 Por curiosidade, veja-se a Portaria 34/2009, de 15 de Janeiro, que estabelece os valores das taxas moderadoras em geral. Por exemplo, as urgências básicas e médico-cirúrgicas que exigem uma quantia de 8,40€ ou as urgências polivalentes com um valor de 9,40€. 18 Lei 48/90, de 24 de Agosto, alterada pela Lei 27/2002, de 8 de Novembro. Esta vem aprovar o novo regime jurídico da gestão hospitalar, bem como alterar as bases XXXI. XXXIII, XXXVI e XL da anterior Lei de Bases. 10 algumas excepções à gratuitidade tendencial. Estas, segundo o acórdão só devem existir quando: “seja necessário racionalizar a procura de cuidados de saúde, através da aplicação de taxas moderadoras.” Entendemos que as taxas moderadoras, de facto, não são suficientemente baixas para que todos possam aceder ao SNS. Pode arguir-se, contudo, que a Lei prevê isenções para certos grupos populacionais.19 Ainda assim, as taxas deixam de fora muitas pessoas que não têm condições financeiras e que não se encontram abrangidas pelas isenções. Cabe-nos aferir da proporcionalidade daquelas taxas olhando a correspondente contraprestação. É que não nos podemos esquecer de um aspecto importante e que foi frisado pelo Dr. Vital Moreira, em 1989, que disse o seguinte: “as taxas, exceptuando os isentos, valem para todos os que recorrem aos serviços de saúde, não só para os que abusam deles, mas também para quem precisa de a eles acorrer.” É um grave problema, uma vez que o valor das taxas moderadoras não cessa de aumentar ano a ano, bem como cada vez se taxam mais serviços. A fixação do montante das taxas deve obedecer a determinados critérios e sujeitar-se a certos limites. 19 Apesar de exaustivo, parece-nos importante apreciar as alíneas do artigo 2º, nº1 do DL, nº 79/2008, de 8 de Maio que confere isenções a determinados grupos de utentes. A) Grávidas e parturientes : é uma condição temporária, pelo que, na verdade nem conta como isenção; B) As crianças até aos 12anos, inclusive : as crianças tendem a ser mais saudáveis quando são mais novas, pelo que também aqui a isenção não vai durar muito; C) Os beneficiários de abono complementar a crianças e jovens deficientes: na prática, quantos não recebem apoio nenhum? D) Os beneficiários de subsídio mensal vitalício; E) Os pensionistas que recebam pensão não superior ao salário mínimo nacional, seus cônjuges e filhos menores, desde que dependentes: pensionistas? Filhos menores? A maior parte destas pensões será de velhice…. E parece que receber mais do que o salário mínimo é ser rico e desnecessitado; F) Os desempregados, inscritos no centro de emprego, seus cônjuges e filhos menores, se dependentes; G) Os beneficiários de prestação de carácter eventual por situações de carência paga por serviços oficiais, seus cônjuges e filhos menores; H) Os internados em lares para crianças e jovens privados do meio familiar normal; I) Os trabalhadores por conta de outrem que recebam rendimento mensal não superior ao salário mínimo nacional, seus cônjuges e filhos menores, desde que dependentes: mais uma vez a ideia de que receber mais do que o salário mínimo é suficiente para uma família; J) Os pensionistas de doença profissional com o grau de incapacidade permanente global não inferior a 50%: tem de estar quase a morrer para ser isento…; L) As vítimas de violência doméstica: já é difícil estas pessoas darem a cara para apresentar uma queixa, porque razão exporão a sua qualidade de vítima de violência doméstica num hospital? M) Os beneficiários do rendimento social de inserção; N) Os insuficientes renais crónicos, diabéticos, hemofílicos, parkinsónicos, tuberculosos, doentes com sida e seropositivos, doentes do foro oncológico, doentes paramiloidósicos e com doença de Hansen, com espondilite anquilosante e esclerose múltipla; O) Os dadores benévolos de sangue; P) Os doentes mentais crónicos; Q) Os alcoólicos crónicos e toxicodependentes, quando inseridos em programas de recuperação, no âmbito do recurso a serviços oficiais: A maior parte das pessoas nem admite que tem o problema e nem todas recorrem a serviços oficiais… R) Os doentes portadores de doenças crónicas, identificadas em portaria do Ministro da Saúde que, por critério médico, obriguem a consultas, exames e tratamentos frequentes e sejam potencial causa de invalidez precoce ou de significativa redução de esperança de vida; S) Os bombeiros; T) Outros casos determinados em legislação especial. Acontece que, na verdade, acaba por haver menos isenções do que à primeira vista possa parecer… E todas estas condições estão sujeitas a prova (nº 2 do mesmo artigo). 11 Em primeiro lugar, não pode subverter a ideia constitucionalmente consagrada da gratuitidade tendencial. Deve permitir um acesso universal e igual a todos os cidadãos independentemente da sua condição económica ou social. E para além disso, não devemos esquecer que o SNS deve ser fundamentalmente financiado por impostos. Em segundo, o facto de a redacção constitucional ter alterado de “gratuito” para “tendencialmente gratuito” não deve abrir as portas ao arbítrio do legislador permitindo-lhe fixar a seu bel-prazer os montantes devidos, deixando de fora do serviço de saúde os mais pobres. Em terceiro lugar, sempre devem estar presentes os limites da igualdade e da proibição do excesso. A taxa deve ser indispensável, razoável, proporcional. Devemos atender ao que o utente pode razoavelmente pagar sem obstar ao acesso do mesmo aos cuidados de saúde. Por último, mas não menos importante, é imperativa a observância do princípio da igualdade. Todos os cidadãos devem ter acesso aos mesmos cuidados de saúde. E no que toca às taxas devidas pelo internamento e pela cirurgia em ambulatório? As taxas moderadoras, em geral, são devidas pelos utentes pela prestação de um serviço público na área da saúde.20 Ora, a saúde é um bem essencial, a que todos têm direito e de que todos devem cuidar. Já a CRP dispõe no artigo 64º, nº1 que “todos têm direito à protecção da saúde e o dever de a defender e promover”. Seguindo o ensinamento dos Doutos Professores Doutores Gomes Canotilho e Vital Moreira, o direito à protecção à saúde de que fala a nossa Lei Fundamental congrega duas vertentes: uma negativa, que se traduz no direito que todos têm de não ser prejudicado na sua saúde; uma positiva, que implica a necessidade de o Estado colaborar na garantia de acesso aos serviços de saúde.21 Nesta senda, devemos reconhecer aos Direitos Sociais duas dimensões: uma objectiva, que significa que o legislador deve actuar de forma a permitir a concretização do nosso direito; e uma dimensão subjectiva, que se prende com o facto de o direito social ser inerente à condição de cidadão.22 Nesta conformidade, podemos afirmar que a saúde 20 Cfr. Portaria nº 34/2009, de 15 de Janeiro que fixa a tabela das taxas moderadoras. Vide, Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa – Anotada – Volume I – Artigos 1º a 107º, Coimbra, 2007, pp 823 e ss. 22 Vide, Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Coimbra, 7ª ed., pp. 476. 21 12 constitui um Direito Social e tem uma grande importância, tendo até assento constitucional, como já vimos acima. Para além da protecção da saúde, não podemos, também, deixar de considerar o dever de todos de promover e defender a saúde (a própria saúde e a de todos em geral – Saúde Pública). Como se realiza então o direito à protecção da saúde? O artigo 64º, nº 2 da CRP diz-nos que é realizado: “ através de um serviço nacional de saúde universal e geral e, tendo em conta as condições económicas e sociais dos cidadãos, tendencialmente gratuito.” Daqui podemos retirar que o SNS deve ser universal, geral e tendencialmente gratuito. O que significa cada uma destas três características? Deve estar ao serviço de todas as pessoas e, como tal, diz-se que tem carácter universal. É geral, uma vez que deve abranger todos os tipos de serviços de saúde (o que nem sempre acontece, e daí a cada vez mais acentuada “fuga para o sector privado da saúde”). A última característica tem causado imensas confusões e discussões à sua volta. Segundo a nossa CRP, o SNS deve ser tendencialmente gratuito. Antes de 1989, o que se dizia era que o SNS devia ser gratuito, mas entretanto alterouse a expressão acrescentando a palavra “tendencialmente”. O que trouxe esta modificação? Na altura em que se procedeu a esta alteração, os deputados do PS, por ela responsáveis, frisaram o seguinte: “a sua gratuitidade será sempre regra e nunca a excepção e quando aceitámos a expressão tendencialmente gratuito quisemos com isto significar que a situação actual deve ir caminhando para a gratuitidade, não havendo nenhum retrocesso no sentido de agravar os pagamentos que já hoje são feitos pelos cidadãos.” 23 Se repararmos bem no que se disse na altura, verificamos que o acontece hoje é exactamente o oposto: estamos a caminhar para um SNS tendencialmente oneroso. O exemplo mais flagrante do que acabámos de afirmar está na figura das taxas de internamento e cirurgia ambulatória. Estas taxas que referi em último foram introduzidas no sistema em 2007, quando já se pensava que não podia piorar o acesso à saúde… Curioso é o facto de se atribuir a mesma função reguladora que inicialmente se atribuiu às taxas moderadoras gerais. Não 23 Acórdão do Tribunal Constitucional, nº 731/95. 13 esqueçamos que enquanto a utilização do serviço de urgências é decidida pelo próprio doente, é o médico que entende quando devemos ser submetidos a cirurgia ou a internamento. Não se compadece com um sistema, dito tendencialmente gratuito, a exigência do pagamento de uma taxa de internamento no valor de 5,20€ por dia de internamento, nos primeiros 10 dias e a mesma quantia para a cirurgia de ambulatório. Esta taxa não tem nenhuma razão de ser. Vamos aqui reintroduzir a ideia do princípio do “utilizador-pagador” que se verifica estar a cristalizar no nosso sistema, significando que quem começa, cada vez mais, a suportar os custos dos serviços de saúde são os utentes. Todos os cidadãos pagam impostos que devem cobrir os serviços públicos disponibilizados pelo Estado, nomeadamente de saúde. Perguntamos, desta feita, se não estamos a caminhar para um fenómeno novo de dupla tributação, em que o cidadão paga tudo a dobrar, primeiro com impostos e depois com taxas... Afinal, em que é que se traduz esta taxa de internamento e de cirurgia em ambulatório? Que espécie de tributo configura? Já vimos supra em que consiste uma taxa e fizemos uma pequena caracterização do imposto. Esta taxa foi instituída pela Lei 53-A/2006, que aprovou o orçamento de Estado de 2007, e está disposta no respectivo artigo 148º. Este preceito designa-as de “moderadoras”, o que não reflecte a real motivação da sua criação. Há um contra-senso entre o objectivo apontado no próprio relatório do orçamento de Estado (contenção da despesa pública) e a designação que lhe é atribuída. Qual é aqui o facto tributário? A gravidade da doença? A necessidade de se ser sujeito a cirurgia ou internamento? Parece que não existe nada para tributar. Estas taxas não têm nenhum efeito sobre a afluência aos serviços de saúde, nem faz sentido entender que o devem ter, uma vez que não dependem simplesmente da vontade do utente. É apenas um pretexto para financiar, mais uma vez, o SNS à custa de quem já pagou impostos, taxa moderadora e, para além disso, só por estar numa condição mais grave, tem de pagar esta “taxa”. Pelo que retiramos daqui entendemos que este tributo é uma forma de penalizar quem está mais gravemente doente… Analisando juridicamente este tributo, não podemos negar que estamos perante uma prestação de um serviço público, perfeitamente individualizável, mas, contudo, completamente desproporcional. Pior do que tudo isto é estarmos perante uma “taxa”, a meu ver, inconstitucional. 14 O facto tributário traduz-se na prestação de um serviço público individualizável que consiste nos cuidados médicos no que toca ao internamento e cirurgia em ambulatório. Porém, não nos parece que seja um facto tributário autónomo suficiente para justificar a criação e o subsequente pagamento da mesma por quem se sujeita àquele serviço. Não podemos entender este serviço como algo de novo apenas criado porque o utente o causou. Quando pagamos a taxa pela consulta, exames e urgência, já se devia incluir o possível internamento ou cirurgia. Entendemos necessário e pertinente a referência à noção jurídica de taxa do Dr. Teixeira Ribeiro24, em que o Douto Professor afirma que: “A possibilidade de cobrar taxas é exclusiva dos bens semi-públicos”. Mais, que: “…a utilização dos bens semi-públicos é voluntária”. Onde é que se encontra nesta taxa o elemento da voluntariedade? Uma pessoa não pede para ser operada ou internada. Normalmente esta é uma decisão tomada pelo médico. Ainda mais curioso é que se diz no já referido Relatório da Primavera de 2007. Na verdade, afirma-se que as taxas moderadoras para internamento e cirurgia em ambulatório são “financeiramente pouco significativas”. É, de facto, notória a tentativa de repercutir nos utentes todo e qualquer custo derivado dos serviços de saúde. Chegaremos a uma altura, em que o Estado não terá de se preocupar com o financiamento deste sector, porque os utentes é que vão passar a suportá-lo. Isto, sem esquecer o que antes se disse acerca de um possível fenómeno de “pobreza” que impedirá a maior parte dos cidadãos de aceder a um bem que deveria ser tendencialmente gratuito. A questão é que estamos perante um taxa, mas inconstitucional em razão do objecto sobre que versa. O internamento e a cirurgia estão incluídos num serviço claramente público, que é passível de individualização e de todo desproporcional. Contudo, com esta taxa tributa-se algo que não se devia tributar e daí ser inconstitucional. Porque é que não poderia ser um imposto? É que apesar de tudo estamos perante a utilização de um serviço público, de saúde, que pode ser individualizado. Mas é um serviço que já é tributado em dobro: com impostos e com as taxas moderadoras que já devem cobrir o internamento e a cirurgia. Revela-se de extrema complexidade a criação de uma nova taxa. A nova taxa só deve ser admissível se se mostrar necessária, adequada a moderar a procura abusiva dos 24 Teixeira Ribeiro, «Noção Jurídica de taxa», in Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 117, p. 289. 15 cuidados de saúde. “Se não for esse o caso, seja pelo seu montante, seja porque se aplicam à procura de cuidados ou de prestações independentes da vontade do utente, no sentido de situações de doença que o forçam à procura impreterível dos referidos cuidados e prestações, então não deve haver lugar à aplicação de taxas de moderação, na medida em que a respectiva imposição de pagamento seria falha da racionalidade que a justifica.”25 3.2.Razões da inconstitucionalidade Para não correr o risco da repetição, trataremos objectivamente deste tema, já que supra foram já tecidas considerações gerais que dispensamos agora. Antes de analisar o tributo em termos materiais, como dever ser feito, é mister referir que grande parte da jurisprudência constitucional, que já por si não é muita, no que toca às taxas moderadoras, apenas se preocupa com a sua conformidade constitucional em termos formais. Infelizmente parece que o mesmo sucede qualquer que seja o tributo em causa. Por este motivo, vamos dar mais atenção ao aspecto material da taxa a analisá-lo convenientemente. A taxa de internamento e de cirurgia em ambulatório não teria, de qualquer forma, nenhum vício formal já que a mesma foi instituída na própria Lei de Orçamento de Estado de 2007. Como tal, estaria legitimada, pelo menos, formalmente. Veremos como se passam as coisas em sede material. Muito concretamente, em relação à taxa devida pelo internamento e cirurgia em ambulatório, com a sua constituição, estamos a subverter a ideia plasmada na Lei Fundamental da gratuitidade tendencial. Com isto, não se quer dizer que os serviços de saúde prestados pelos estabelecimentos públicos tenham de ser integralmente gratuitos. Já manifestámos, inclusive, a nossa concordância em relação às taxas moderadoras gerais (outra coisa é concordar com o seu montante). Porém, as taxas de que trataremos agora são completamente desprovidas de sentido. Ora, segundo a CRP, nomeadamente, seguindo o vertido no artigo 64º, nº 3, alínea a), todos os cidadãos devem ter garantido o acesso aos serviços de saúde em geral. Tudo o que possa coarctar o acesso a esses serviços não deve ser admitido. É o caso destas 25 Ver anexos ao Relatório final da Comissão de sustentabilidade e financiamento do SNS, pp. 57. 16 taxas. O internamento e a cirurgia são condições impostas por força maior. São mesmo uma necessidade para o tratamento e a cura dos mais gravemente enfermos. Tributando os utentes que tenham de se submeter a estes actos, estamos a violar primeiramente, e de forma bastante grave, o princípio da igualdade. Veja-se a seguinte passagem do Ac. 148/94, do Tribunal Constitucional: “…princípio da igualdade assume, em especial, o carácter de uma proibição de arbítrio, isto é, uma proibição de medidas manifestamente desproporcionadas ou inadequadas, em relação à situação fáctica que se pretende regular.” Porquê penalizar quem está mais doente e que mais precisa dos cuidados médicos? Não se pretendia antes, evitar a afluência em massa de cidadãos que não se encontram em situação de urgência e ainda assim, acedem aos hospitais e centros de saúde, congestionando as salas de espera e contribuindo para o aumento do tempo de espera de quem realmente se encontra mal? Não é esta a função reguladora que o Governo entende que deve assumir esta taxa? Então porque é que quem tem de pagar são exactamente os utentes que necessitam urgentemente de tratamento e cuidados? São estas incongruências que não fazem sentido e apontam para que a taxa de internamento e cirurgia ambulatória seja uma “farsa tributária”. É socialmente injusto que quem mais precise, seja mais gravemente prejudicado face a quem não tem necessidade de ser internado ou operado. Em que é que se traduz a pretensão de melhoria do serviço e da sua qualidade e eficiência, quando o que acontece é exactamente o oposto? E não estaremos também perante um atentado ao direito à vida, na medida em que, para se ser internado ou operado, mesmo estando em perigo de vida, é exigida uma taxa absurda que financie nada mais do que uma obrigação dos estabelecimentos hospitalares? Afinal, não pagamos todos impostos e as já existentes taxas moderadoras? Em suma, é inconstitucional, por violar os artigos 64º, 12º, 13º e 24º da CRP. Atentemos, para complementar, no seguinte acórdão: “Ora, a verdade é que o conceito de «gratuitidade», ao ser assumido pela Constituição, ganha uma conotação «normativa» (lato sensu) e com isso perde a «determinação» absoluta de que aparentemente se revestia. De facto, se nesse contexto não seria impensável continuar a entender esse conceito no seu sentido puramente etimológico assim excluindo radicalmente a possibilidade de exigir um qualquer pagamento aos utentes do Serviço Nacional de Saúde como condição correspectiva ou 17 consequência do recurso que façam às respectivas prestações «ou a algumas delas», não é menos pensável entendê-lo, em termos menos estritos, como visando, essencial e fundamentalmente, garantir aos mesmos utentes que não terão eles de suportar individualmente os custos daquelas prestações, pelo que, isso sim, não lhes há-de poder ser exigida por cada uma de tais prestações uma contraprestação destinada directamente a transferir (ainda que só parcialmente) para eles o custo da prestação em causa – uma contraprestação, isto é, que tenha como objectivo «o pagamento» (o pagamento do «preço») do serviço prestado - ou então tal que (designadamente por força do seu montante) venha a ter, praticamente, um efeito equivalente (e subverta, desse modo, o que poderá qualificar-se como conteúdo essencial mínimo de qualquer ideia de «gratuitidade»).26 [Acórdão n.º 330/89, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 141, de 22 de Junho de 1989.] ” – Acórdão nº 148_94, do Tribunal Constitucional acerca das propinas do ensino superior. Mais se diz no mesmo acórdão: “Ensina Gomes Canotilho: À medida que o Estado vai concretizando as suas responsabilidades no sentido de assegurar prestações existenciais dos cidadãos (é o fenómeno que a doutrina alemã designa por Daseinsvorsorge), resulta, de forma imediata, para os cidadãos: O direito de igual acesso, obtenção e utilização de todas as instituições públicas criadas pelos poderes públicos (ex: igual acesso às instituições de ensino, igual acesso aos serviços de saúde, igual acesso à utilização das vias e transportes públicos); Direito de igual quota-parte (participação) nas prestações que estes serviços ou instituições prestam à Comunidade (ex: direito de quota-parte às prestações de saúde, às prestações escolares, às prestações de reforma e invalidez, etc.).” 26 Sublinhado nosso. 18 Veja-se ainda: “É que o princípio da universalidade dos direitos sociais, igualizando todos os cidadãos no respectivo gozo, não se destina a beneficiar os mais favorecidos, mas antes a não discriminar os mais carenciados. A lógica do Estado providência, vertida na nossa Constituição, assenta na ideia de que os seus benefícios são atribuídos a todos, como direitos, e não apenas aos mais desprotegidos, como esmolas, numa perspectiva meramente assistencial. A universalidade do gozo dos direitos sociais é, assim, uma decorrência da igual dignidade social de todos os cidadãos.” No acórdão nº 330/88, que entendeu as taxas moderadoras constitucionais porque “o conceito de gratuitidade ao ser assumido pela Constituição, ganha uma conotação normativa (lato sensu), e com isso perde a determinação absoluta de que aparentemente se revestia”, Vital Moreira publicou a sua declaração de voto dizendo o seguinte: “Constitucionalmente, a gratuitidade dos serviços de saúde seria «tanto garantia do direito à protecção da saúde quanto a gratuitidade do ensino básico é garantia do direito ao ensino, e quanto a proibição de despedimentos sem justa causa é garantia do direito à segurança no emprego, etc.»”. Por fim, para bem ilustrar a injustiça que são as taxas moderadoras de internamento e cirurgia em ambulatório, devemos lembrar o que foi dito pelo Conselheiro Guilherme da Fonseca no Acórdão 731/95, na sua declaração de voto: “é o próprio acórdão a registar a ideia de que a expressão «tendencialmente gratuito» não pode ser entendida no sentido de inverter a regra geral da gratuitidade do SNS, mas apenas como comportando excepções, mas é exactamente essa inversão que se obtém com a previsão de taxas, sejam elas quais forem, abrindo logo caminho aos aplicadores e aos utilizadores da Lei para fixarem os seus montantes, sem preocupação alguma com as condições económicas e sociais dos cidadãos”27 e ainda que “ o direito subjectivo público de obtenção de cuidados de saúde, de acordo com a incumbência constitucional de promover a gratuitidade do sistema nacional de saúde, não se compadece com uma política de sinal contrário, proibida pela Constituição”. 27 Na verdade, o que está a acontecer actualmente é exactamente o que o Douto Conselheiro Guilherme da Fonseca já previra. Verificou-se um aumento gradual do montante devido a título de taxa, bem como apareceram taxas que não existiam sobre cada vez mais serviços. 19 Para rematar em jeito de conclusão diz ainda: “o carácter tendencialmente gratuito proíbe, desde logo, outra política que não seja a da gratuitidade possível do sistema de saúde: a gratuitidade é obrigatoriamente o fim para que tende essa política. Daqui resulta uma subversão do que poderá qualificar-se como conteúdo essencial mínimo de qualquer ideia de gratuitidade”. A taxa em apreciação vai contra tudo o que diz neste acórdão que serve de paradigma para o nosso trabalho. 4. Extrafiscalidade versus Parafiscalidade As taxas, bem como os impostos, podem ter como objectivo não só a obtenção de receitas, mas também a pretensão de obstar ou mesmo incentivar determinados comportamentos ou actividades. É nesta medida que podemos distinguir entre impostos/taxas fiscais ou impostos/taxas extrafiscais. Analisaremos agora se as taxas de internamento e de cirurgia ambulatória apresentam as características da Extrafiscalidade e da Parafiscalidade. Antes disso, porém, cabe-nos distinguir os dois fenómenos. 4.1.Extrafiscalidade28 O fenómeno da Extrafiscalidade traduz-se num grupo de normativos cujo principal objectivo é alcançar determinado resultado económico ou social utilizando como modus operandi os instrumentos fiscais, nomeadamente os impostos e as taxas. Pode ter em vista afastar qualquer comportamento económico ou social, atenuando-o ou acabando com ele; por outro lado, é igualmente possível que pretenda desenvolver certas actividades ou comportamentos. Uma ideia a reter é que, na verdade, os tributos nunca são totalmente de índole fiscal. Falase a este propósito de uma Extrafiscalidade imanente. Nenhum tributo é exclusivamente neutro. 28 Vide, Casalta Nabais, O dever fundamental de pagar impostos, Coimbra, 2004, pp. 627 e ss. 20 A Extrafiscalidade verifica-se mais comummente nos impostos, não podendo, todavia, ser completamente afastada dos tributos bilaterais. A taxa pode desempenhar um papel relevante na vida económica. Pode funcionar como agravadora/desincentivadora; pelo contrário pode ser incentivadora ou mesmo moderadora. Ora, em geral, as taxas moderadoras começaram por ter uma função extrafiscal, na medida em que pretendiam regular a utilização do serviço de urgências dos hospitais e centros de saúde. Duvidamos, porém, que neste momento esse objectivo se mantenha. Dada a situação actual, entendemos que aquelas taxas passaram a ter antes um objectivo fiscal de arrecadar receitas. Mais do que moderar qualquer outra situação. Contudo, não é sobre as taxas moderadoras em geral que pretendemos incidir mas sim sobre as taxas de internamento e de cirurgia em ambulatório. Em que medida estas taxas têm carácter extrafiscal? A verdade, que já foi exposta acima, é que o Governo entendeu que estas taxas teriam como objectivo primordial moderar, mais uma vez, o acesso aos serviços de saúde. Para isso já tínhamos as taxas moderadoras gerais, mas ainda assim parece que não são suficientes. Não esqueçamos o que se disse supra, em que o Tribunal Constitucional veio dizer que só deve haver taxas moderadoras quando: “seja necessário racionalizar a procura de cuidados de saúde, através da aplicação de taxas moderadoras.” O que é que possivelmente pode ser moderado por estas taxas? À partida parece que nada… De facto, em que é que pagar o internamento ou a cirurgia vai impedir que os utentes não se dirijam ao hospital? Face a uma situação de saúde grave pode ser uma necessidade internar ou operar o utente. E só é operado ou internado quem, de facto, não se encontrar bem de saúde. Para além de que é o próprio médico que entende quando é que o cidadão deve ser internado ou operado, pelo que não faz sentido advogar que pagando esta taxa a afluência aos serviços vai ser menor. É vergonhoso o que os sucessivos governos têm vindo a fazer… A saúde é um direito de todos e inclusive, está constitucionalmente consagrado, mas nos últimos anos parece que se anda a subestimar este bem. A taxa de internamento e cirurgia em ambulatório é claramente um meio de obter receitas para financiar o sistema nacional de saúde. Uma vez mais, podemos convocar aqui o princípio do utilizador pagador, na medida em que, o utente começa a suportar a pouco e pouco, todos os custos que já são financiados pelos impostos e pelas taxas moderadoras. 21 Tornar-se-á insustentável um sistema como este em que se paga por qualquer serviço que se utiliza e mais do que uma vez. O mais provável, a curto/médio prazo é que os utentes prefiram fazer seguros de saúde ou mesmo recorrer ao sector privado que a seu tempo vai acabar por compensar mais do que o SNS. Podemos concluir então que não existem elementos extrafiscais na taxa que estamos a estudar. 4.2.Parafiscalidade29 A Parafiscalidade é um fenómeno que surge logo no século XIX quando nasceram os primeiros organismos administrativos ligados à regulação económica. Mais recentemente surgem igualmente e com grande força as entidades reguladoras independentes. É vantajosa para todos a actividade que estes organismos desempenham, mas por outro lado, não nos podemos esquecer de que esta actividade não se faz gratuitamente. Isto implica que se mobilizem grandes encargos financeiros. Então o que é que pode financiar estas entidades? “Constituem receitas destas novas entidades, as importâncias das taxas que incidem sobre as actividades coordenadas e os respectivos produtos”.30 As taxas de regulação económica são mais próximas dos impostos, uma vez que, “são lançadas sobre os produtos sujeitos à respectiva disciplina a título puramente unilateral e, portanto, como verdadeiros impostos.” 31 Para além disso não podemos individualizar os serviços utilizados pelos sujeitos passivos. Na verdade, estas taxas são contribuições especiais, já que são prestações a favor de entidades públicas. 29 Vários, Coordenação Sérgio Vasquez, As Taxas de Regulação Económica em Portugal, Coimbra, 2008, pp.43 30 Vários, Coordenação Sérgio Vasquez, As Taxas de Regulação Económica em Portugal, Coimbra, 2008, pp.43 31 Alberto Xavier, 1974 22 No caso das taxas de internamento e de cirurgia em ambulatório não estamos perante uma prestação a favor de uma entidade pública. As taxas32 revertem a favor do Estado para financiar o SNS. Nesta medida, não podemos falar aqui de Parafiscalidade. 5. Direito Comparado O problema das taxas moderadoras e do acesso aos cuidados de saúde não é exclusivamente nacional. Com efeito, em todo o mundo se colocam questões acerca da qualidade do sector da saúde e de como há-de este ser financiado. Curioso é a recomendação que fez a Organização Mundial da Saúde no sentido de acabar comas taxas moderadoras. Esta entidade entende que as taxas moderadoras não são uma alternativa viável para o financiamento dos sistemas de saúde. No relatório Anual de Saúde diz-se então o seguinte a este respeito, que é necessário eliminar: “os entraves financeiros ao acesso aos cuidados de saúde, que, em muitos casos, traçam a diferença entre vida e morte.”E mais: “para conseguir a protecção financeira que deve acompanhar o acesso universal, os países têm de abandonar a cobrança de taxas aos utentes, sejam estes oficiais ou não, e generalizar os esquemas de pagamento antecipado e de criação de fundos de solidariedade.” Diz ainda que: “ De uma forma geral, a introdução de taxas moderadoras, ou de outros pagamentos directos, não é uma opção viável para corrigir o sub-financiamento do sector da saúde e para expandir a oferta; institucionaliza a exclusão dos mais pobres e não acelera os ganhos em cobertura universal”. Também a Comissão Europeia, no Relatório Conjunto sobre a Protecção Social e a Inclusão, de 2008, mostra preocupação face às desigualdades no acesso aos cuidados de saúde que existem na maioria dos países. A Comissão entende que: “a desigualdade no acesso aos cuidados de saúde justifica o facto dos mais pobres continuarem a ter uma esperança média de vida mais curta e a sofrer mais doenças, na medida em que se vêem, muitas vezes, privados de assistência média.” 32 Cfr. As taxas de Regulação económica no sector da saúde in Vários, Coordenação Sérgio Vasquez, As Taxas de Regulação Económica em Portugal, Coimbra, 2008 pp. 409. 23 Por isto, a Comissão convida os países a reflectirem se, de facto, as taxas moderadoras “moderam” o acesso indesejado aos serviços de saúde, ou antes, estão a ter um efeito perverso que é o de afastar destes serviços que não tem condições económicas para as suportar. Em geral, na Europa, os utentes da maior parte dos países têm de pagar taxas moderadoras. Na sua maioria, o sistema de saúde é financiado por impostos, sendo o nosso país o que apresenta uma maior contribuição dos utentes no financiamento do SNS. Isto apesar de a receita que provém das taxas ser muito pouco significativa. Por exemplo, em Espanha onde também há taxas moderadoras a Junta Nacional de Saúde pretende reformar o sistema e uma das primeiras medidas será baixar o valor das mesmas de forma a permitir o acesso de todos aos cuidados de saúde. Ainda, na sequência da Reforma Sanitária que se deu em Espanha pelo Decreto nº197/2005, proibiu-se a criação de novas taxas a partir de 01/07/2005. Têm vindo a baixar-se o montante das taxas sucessivamente. 6. Conclusão Depois de tudo o que ficou dito, percebe-se que a taxa de internamento e de cirurgia em ambulatório é uma figura controversa que gerou imensa discussão, nomeadamente em sede política. Para mais, fez surgir nos cidadãos um sentimento de revolta e receio, uma vez que estamos a lidar com um sector muito sensível e importante para todos. A saúde é um direito social que nos é garantido pela Lei Fundamental e, contudo, parece que nem isso nos traz a devida segurança e certeza. A partir do momento em que se alterou o preceito que consagra o direito à saúde, introduzindo a expressão “tendencialmente gratuito” tudo se tornou cinzento e confuso. Face a conceitos indeterminados como este existe sempre a possibilidade de se cair na arbitrariedade do legislador. É certo que devemos tomar em atenção a condição económica dos utentes, mas por vezes, o facto de estar escrito não confere certezas. 24 Se pensarmos bem, tendo a taxa sempre o mesmo valor, não será injusto para quem é mais pobre e terá mais dificuldade em pagar do que quem for rico? É sempre bastante complicado porque se, na verdade, tivéssemos em conta o critério da capacidade contributiva, mais estaríamos perante um imposto e não uma taxa. Porém, há quem entenda, e bem, que a capacidade contributiva deve também poder aplicar-se às taxas, ainda que apenas no caso de funcionar como critério de desagravamento, quando os sujeitos passivos mostrem dificuldades económicas. Parece ser o caso desta nossa taxa. Talvez fosse um critério mais justo! Ou então poderíamos fixar outro critério para o pagamento da taxa. Tendo em conta que a taxa moderadora tem como objectivo evitar o acesso exagerado aos serviços de saúde, porque não pagar mais quem não estiver numa situação grave de saúde? Não são essas pessoas que dão causa ao serviço acrescido? Quem se apresentar gravemente doente não deve pagar tanto como quem apenas se dirigiu ao hospital ou centro se saúde por mero capricho. Que outras vias podemos escolher para financiar o SNS? Criar novas taxas moderadoras está fora de questão. Veja-se a injustiça que se criou com a implementação das taxas que estudámos neste trabalho. A não ser que seja, estritamente necessárias e sobretudo adequadas à racionalização dos serviços e à sua moderação. Outra via é o co-pagamento: os utentes pagariam um preço que corresponda ao custo das prestações obtidas. Todavia, para alcançar este fim seria necessário alterar a Lei de Bases da saúde que apenas prevê o financiamento do SNS com taxas moderadoras. É óbvio que não poderia ser um preço excessivo que comprometesse o acesso de todos aos serviços de saúde. Fala-se de uma outra via que é constituída pelo chamado opting-out33. Esta via, porém, traria consigo alguns problemas. É que a saída dos utentes do SNS colocaria em causa a imposição constitucional que nos diz que o SNS deve ser geral, universal e gratuito. Ora, sendo assim, uma eventual imposição de saída do SNS só seria constitucional no caso de não se colocar em causa de nenhuma forma o direito de todos os cidadãos à protecção da saúde e se houver igualdade entre os serviços prestados a quem for afectado por este fenómeno em relação aos beneficiários do SNS. Acrescem dois 33 Ver anexos ao Relatório final da Comissão de sustentabilidade e financiamento do SNS, pp. 57. 25 requisitos essenciais para que este modelo seja válido: o consentimento do utente e a reversibilidade a todo o tempo. Podemos enveredar por um sistema de seguros de saúde. Contudo, não sabemos se seria viável. Veja-se por exemplo o caso dos Estados Unidos Da América. Por último, porque não criar um fundo de solidariedade? Uma espécie de sistema de segurança social, mas na saúde? Enfim, só sabemos que actualmente é de taxas que o SNS vive, de taxas que os utentes têm de pagar! Umas justificam-se outras nem tanto… (como é o caso da taxa de internamento e cirurgia em ambulatório). Curioso é saber que depois de tudo o que foi dito e das vantagens defendidas pelo Governo em sede de taxas de internamento e cirurgia em ambulatório, o mesmo decidiu acabar com elas no Orçamento de Estado para 2010. Porém, só no ano que vem a revogação entrará em vigor. Resta esperar para ver… 26