 A palavra trabalho deriva do latim tripaliare, que
nomeava o tripálio, um instrumento formado por
três paus, próprio para atar condenados ou para
manter presos os animais difíceis de ferrar.
 A origem comum identifica o trabalho à tortura.
 Se a vida humana depende do trabalho, e este
causa tanto desprazer, só podemos concluir que o
ser humano está condenado à infelicidade.
 É pelo trabalho que a natureza é transformada
mediante o esforço coletivo para arar a terra, colher
seus frutos, domesticar animais, modificar paisagens e
construir cidades.
 Pelo trabalho surgem instituições como a família, o
Estado, a escola; obras de pensamento como o mito, a
ciência, a arte, a filosofia.
 O ser humano se faz pelo trabalho, porque ao mesmo
tempo que produz coisas, torna-se humano, constrói a
própria subjetividade.
 O trabalho liberta ao viabilizar projetos e
concretizar sonhos.
 Nem sempre prevalece essa concepção
positiva, sobretudo quando as pessoas são
obrigadas a viver do trabalho alienado, que
resulta de relações de exploração.
 O trabalho é tortura ou emancipação?
 Nas sociedades tribais, as pessoas dividem tarefas de
acordo com sua força e capacidade.
 Como a divisão das tarefas se baseia na cooperação e
na complementação e não na exploração, tanto a terra
como os frutos do trabalho pertencem a toda a
comunidade.
 Para Jean-Jacques Rousseau, filósofo do século XVIII, a
desigualdade surgiu quando alguém, ao cercar um
terreno, lembrou-se de dizer: “Isto é meu”, criando
assim a propriedade privada.
 Desde as mais antigas civilizações existe a divisão
entre aqueles que mandam e os que só obedecem e
executam.
 Há aqueles que até hoje admitem ser “natural” essa
divisão de funções, pois alguns teriam mais talento
para o pensar; enquanto outros só seriam capazes
de atividades braçais.
 Um olhar mais atento constata que a sociedade
descobre mecanismos para manter a divisão, não
conforme a capacidade, mas sim de acordo com a
classe a que cada um pertence.
 Entre os antigos gregos e romanos era nítida
a divisão entre atividades intelectuais e
braçais.
 A palavra escola na Grécia antiga significava
literalmente o “lugar do ócio”, onde as
crianças se dedicavam à ginástica,
aprendiam jogos, música e retórica.
 Até a Idade Média, a riqueza se restringia à posse de
terras, mas ao final desse período e durante a Idade
Moderna, as atividades mercantis e manufatureiras
desenvolveram-se a tal ponto que a riqueza passou a
significar também a posse do dinheiro, provocando a
expansão das fábricas que culminou com a Revolução
Industrial no século XVIII.
 Esses acontecimentos decorreram da ascensão da
burguesia enriquecida, que valorizava a técnica e o
trabalho.
 A máquina começou a exercer grande fascínio.
 No século XVII, Pascal inventou a primeira
máquina de calcular.
 Torricelli construiu o barômetro.
 Surgiu o tear mecânico.
 Galileu inaugurou o método das ciências da
natureza, que se baseava no uso da técnica e
da experimentação.
 Francis Bacon (1561-1626), com o seu lema
“Saber é poder”, critica a base metafísica da
física grega e medieval e realça o papel
histórico da ciência e do saber instrumental,
capaz de dominar a natureza.
 Rejeita as concepções tradicionais de
pensadores “sempre prontos a tagarelar”,
mas que “são incapazes de gerar pois sua
sabedoria é farta de palavras, mas estéril em
obras”.
 Numa linha semelhante, Descartes (1596-1650)
afirma:
“Pois elas [as noções gerais da física] me fizeram ver
que é possível chegar a conhecimentos que sejam
muito úteis à vida, e que, em vez dessa filosofia
especulativa que se ensina nas escolas, se pode
encontrar uma outra prática, pela qual [...]
poderíamos empregá-los da mesma maneira em
todos os usos para os quais são próprios, e assim nos
tornar como que senhores e possuidores da
natureza.”
 No campo político e econômico, estavam sendo
elaborados os princípios do liberalismo.
 Foi instituído o contrato de trabalho entre indivíduos
livres, o que significa o reconhecimento do trabalhador
no campo jurídico.
 Uma das novidades das ideias liberais é a valorização
do trabalho.
 No século XIX, o filósofo alemão Hegel faz uma leitura
otimista da função do trabalho na célebre passagem
“do senhor e do escravo”, descrita na fenomenologia do
espírito: dois indivíduos lutam entre si e um deles sai
vencedor, podendo matar o vencido. Este, no entanto,
prefere submeter-se, para poupar a própria vida.
 A fim de ser reconhecido como senhor, o
vencedor conserva o outro como servo.
 O servo submetido tudo faz para o senhor,
mas com o tempo o senhor descobre que não
sabe fazer mais nada, porque, entre ele e o
mundo, colocou o servo, e é ele que domina
a natureza.
 Desse modo, o servo recupera a liberdade,
porque o trabalho se torna a expressão da
liberdade reconquistada.
 A exploração dos operários fica explícita em extensas
jornadas de trabalho em péssimas instalações, salários
baixos, arregimentação de crianças e mulheres como
mão de obra mais barata.
 Esse estado de coisas desencadeou os movimentos
socialistas e anarquistas.
 Karl Marx (1818-1883) vê o trabalho como condição de
liberdade. A pessoa deve trabalhar para si, no sentido
de que deve trabalhar para fazer-se a si mesma um ser
humano.
 Marx nega que a nova ordem econômica do liberalismo
fosse capaz de possibilitar a igualdade entre as partes,
porque o trabalhador perde mais do que ganha.
 O resultado é a pessoa tornar-se “estranha”, “alheia” a
si própria: é o fenômeno da alienação.
 Há vários sentidos para a palavra alienação.
 Do ponto de vista jurídico, perde-se a posse de um
bem; para a psiquiatria, o alienado mental perde a
dimensão de si na relação com os outros; segundo
Rousseau, o poder do povo é inalienável; na
linguagem comum, a pessoa alienada perde a
compreensão do mundo em que vive.
 Para Marx, a alienação acontece quando o produto do
trabalho deixa de pertencer a quem o produziu.
 Prevalece a lógica do mercado, onde tudo tem um
preço, adquire um valor de troca.
 No novo contexto capitalista, ao vender sua força de
trabalho mediante salário, o operário também se
transforma em mercadoria.
 Ocorre o que Marx chama de fetichismo da mercadoria
e reificação do trabalhador.
 O fetichismo é o processo pelo qual a mercadoria, um
ser inanimado, adquire “vida” porque os valores de
troca tornam-se superiores aos valores de uso e passam
a determinar as relações humanas.
 A reificação é a transformação dos seres humanos em
coisas. Em consequência, a “humanização” da
mercadoria leva à desumanização da pessoa, à sua
coisificação.
 Segundo Michel Foucault um novo tipo de disciplina
facilitou a dominação mediante a “docilização” do
corpo.
 Michel Foucault (1926-1984) – filósofo francês,
desenvolveu um método de investigação histórica e
filosófica que chamou de genealogia. Examinando a
mudança dos comportamentos no início da Idade
Moderna, sobretudo nas instituições prisionais e nos
hospícios, buscou compreender os processos da
produção dos saberes que tornaram possível o controle
difuso e tematizado, que chamou de microfísica do
poder.
 Foucault aproveita a

Penitenciária de Stateville, inspirada no
Panopticon, de Jeremy Bentham.Estadis
Ybudis, 2002.
descrição que o jurista
Jeremy Bentham (séc.
XVIII) fez de um projeto
denominado Panopticon
(literalmente, “ver
tudo”), em que imagina
uma construção de vidro,
em anel, para alojar
loucos, doentes,
prisioneiros, estudantes
ou operários.
Controlados de uma torre central com absoluta
visibilidade, o resultado é a interiorização do olhar que
vigia, de modo que cada um não perceba a própria
sujeição.
Para refletir:
E hoje, como vive o cidadão comum? Os sistemas
eletrônicos de vigilância estão em todos os lugares: nos
prédios residenciais, empresariais, nas lojas, nos
shoppings, nas ruas e estradas.
Quais as vantagens desse aparato e quais os riscos de
expor nossa privacidade?
 Na nova estrutura, o “olhar vigilante” sobressai de
maneira decisiva.
 A organização do tempo e do espaço imposta na
fábrica não é, porém, um fenômeno isolado.
 Nos séculos XVII e XVIII, formou-se a chamada
“sociedade disciplinar”, com a criação de instituições
fechadas, voltadas para o controle social, tais como
prisões, orfanatos, reformatórios, asilos de miseráveis e
“vagabundos”, hospícios, quartéis e escolas.
 Assim diz Michel Foucault:
“Esses métodos que permitem o controle minucioso das
operações do corpo, que realizam a sujeição constante de
suas forças e lhes impõem uma relação de docilidadeutilidade, são o que podemos chamar as ‘disciplinas’.
Muitos processos disciplinares existiam há muito tempo
[...]. Mas as disciplinas se tornaram no decorrer dos
séculos XVII e XVIII fórmulas gerais de dominação. [...]
O momento histórico das disciplinas é o momento em
que nasce uma arte do corpo humano, que visa não
unicamente o aumento de suas habilidades, nem
tampouco aprofundar sua sujeição, mas a formação de
uma relação que no mesmo mecanismo o torna tanto
mais obediente quanto é mais útil, e inversamente. [...] A
disciplina fabrica assim corpos submissos e exercitados,
corpos ‘dóceis’. A disciplina aumenta as forças do corpo
(em termos econômicos de utilidade) e diminui essas
mesmas forças (em termos políticos de obediência).”
 O poeta brasileiro Mário Quintana, em Das
ampulhetas e das clepsidras, diz o seguinte:
“Antes havia os relógios d’água, antes havia os relógios de
areia. O Tempo fazia parte da natureza. Agora é uma
abstração – unicamente denunciada por um tic-tac
mecânico, como o acionar contínuo de um gatilho numa
espécie de roleta-russa. Por isso é que os antigos
aceitavam mais naturalmente a morte.”
 Dialogando com o poeta, acrescentamos que somos
“feitos” de tempo: sem a memória e sem os projetos, o
nosso presente deixaria de ser propriamente humano.
 Se artificializamos demais os ritmos vitais, nem
poderemos “morrer bem”, já que vivemos tão mal!
 Frederick Taylor, no início do séc. XX, elaborou uma
teoria conhecida como “taylorismo”.
 Estabeleceu um “controle científico”, por meio da
medição por cronômetros, para que a produção fabril
fosse cada vez mais simples e rápida.
 A mesma intenção de aumentar a produtividade levou
Henry Ford, também norte-americano, a introduzir a
esteira da linha de montagem e o processo de
padronização da produção em série na sua fábrica de
automóveis.
 O parcelamento das tarefas reduz a atividade a gestos
mínimos, o que aumenta a produção de maneira
incrível, mas também transforma o trabalho “em
migalhas”: cada operário produz apenas uma parte do
produto.
 Aliado à lógica da produção em série, o investimento
em publicidade visava a provocar artificialmente a
“necessidade” da compra.
 Estava nascendo a sociedade de consumo.
 Com a implantação de tecnologia de automação,




robótica e microeletrônica, surgiram novos padrões de
produtividade.
A tendência nas fábricas foi de quebrar a rigidez do
fordismo e do taylorismo.
Implantado por diversas empresas, o sistema ficou
conhecido como toyotismo.
O novo sistema de produção é mais flexível por
atender aos pedidos à medida da demanda, com
planejamento a curto prazo.
É privilegiado o trabalho em equipe.
 Em julho de 2008, as autoridades do trabalho
japonesas reconheceram que um importante
funcionário da Toyota, de 45 anos, morreu devido ao
excesso de trabalho, um mal conhecido no país como
‘karoshi’. Ele teve uma isquemia cardíaca em janeiro de
2006 [...]. A vítima era o engenheiro-chefe do projeto
da versão híbrida do sedã Camry. Ele teria trabalhado
ao menos 80 horas extras mensais em novembro e
dezembro de 2005. Essa carga a mais de trabalho
incluía jornadas noturnas e finais de semana, além de
frequentes viagens para o exterior. [...]
De acordo com a agência Associated Press, a empresa
soltou uma nota de pêsames e afirmou que vai melhorar
o controle sobre a saúde de seus profissionais.” (UOL
Notícias, 9 jul. 2008.)
 Outra característica dos novos tempos na fábrica foi o
enfraquecimento dos sindicatos desde o final da
década de 1980, o que repercutiu negativamente na
capacidade de reivindicação de novos direitos e
manutenção das conquistas realizadas.
 Na segunda metade do século XX, notou-se o
deslocamento da mão de obra para o setor de serviços.
 Há mais trabalhadores no comércio, transporte e
serviços de escritório em geral do que nas fábricas ou
no campo.
 No nosso cotidiano, consumimos serviços de
publicidade, pesquisa, comércio, finanças, saúde,
educação, lazer, turismo etc.
 Os recursos da microeletrônica têm facilitado a nova
estrutura do tele trabalho que possibilita maior
autonomia e flexibilidade de horário.
 O consumo consciente – consumir é um ato humano
por excelência, que nos permite atender a necessidades
vitais.
 Abrange também tudo o que estimula o crescimento
humano em suas múltiplas e imprevisíveis direções.
 Não comemos e bebemos apenas para saciar a fome ou
a sede, mas temos preferências que o paladar apura, e
usamos de criatividade para inventar novos pratos e
bebidas saborosos.
 O consumo alienado – a produção em massa tem por
corolário o consumo de massa, porque as necessidades
artificialmente estimuladas levam os indivíduos a
consumir sempre mais.
 O consumo alienado degenera em consumismo
provocando desejos nunca satisfeitos.
 O comércio facilita a realização dos desejos ao
possibilitar o parcelamento das compras, promover
liquidações e ofertas de ocasião, estimular o uso de
cartões de crédito, de compras pela internet.
 As mercadorias são rapidamente postas “fora de
moda”.
 Sobre a questão da produção e do consumo,
debruçaram-se inúmeros filósofos, entre os quais os
pensadores da Escola de Frankfurt, movimento que
surgiu na Alemanha na década de 1930.
 Segundo os mesmos, chegamos ao impasse que nos
deixa perplexos diante da técnica – apresentada de
início como libertadora – e que pode se mostrar, afinal,
artífice de uma ordem tecnocrática opressora.
 A exaltação do progresso indiscriminado não tem
respeitado o que hoje chamamos de desenvolvimento
sustentável.
 Max Horkheimer acrescenta que a “doença da razão
está no fato que ela nasceu da necessidade humana de
dominar a natureza”. E mais, que “a história dos
esforços humanos para subjugar a natureza é também
a história da subjugação do homem pelo homem.
 Serve para qualquer fim, sem averiguar se é bom ou
mau.
 Na sociedade capitalista, os interesses definem-se pelo
critério da eficácia.
 Na sociedade da total administração, segundo a
expressão de Horkheimer e Adorno, os conflitos são
dissimulados e a oposição desaparece.
 Herbert Marcuse chama unidimensionalidade à perda
da dimensão crítica, pela qual o trabalhador não
percebe a exploração de que é vítima.
 O filósofo alerta sobre a distinção entre necessidades
vitais e falsas necessidades.
 A questão fundamental está na reflexão moral e
política sobre os fins das ações humanas no trabalho,
no consumo, no lazer, nas relações afetivas, a fim de
observar se estão a serviço do ser humano ou de sua
alienação.
 O lazer é uma criação da civilização industrial e
apareceu como fenômeno de massa.
 As reivindicações dos trabalhadores sobre o
alargamento do tempo de lazer obtiveram alguns
êxitos: descanso semanal, diminuição da jornada de
trabalho para oito horas, semana de cinco dias, férias.
 Estava sendo gestada a “civilização do lazer”.
 O tempo propriamente livre, de lazer, é aquele que
sobra após a realização de todas as funções que exigem
obrigatoriedade.
 O que é lazer, então? O sociólogo francês Joffre
dumazedier diz:
 “[...] o lazer é um conjunto de ocupações às quais o
indivíduo pode entregar-se de livre vontade, seja para
repousar, seja para divertir-se, recrear-se e entreter-se
ou, ainda, para desenvolver sua informação ou
formação desinteressada, sua participação social
voluntária ou sua livre capacidade criadora, após
livrar-se ou desembaraçar-se das obrigações
profissionais, familiares e sociais.”
 Será que a indústria cultural propicia alternativas de
escolhas e as cidades oferecem infraestrutura que
garanta aos mais pobres a ocupação do seu tempo livre
em atividades gratuitas ou menos dispendiosas?
 Está distante a possibilidade de expandir o tempo de
lazer.
 As empresas têm feito reestruturações severas
terceirizando tarefas (perda de benefícios); os
programas de enxugamento do quadro de pessoal
sobrecarrega os funcionários que, sob o risco de
desemprego, sentem-se obrigados a jornadas
fatigantes; o tele trabalho confunde horários de
trabalho e momentos de lazer; a flexibilização do
contrato de trabalho faz com que o trabalhador assuma
vários empregos de “jornadas curtas”.
 Além de tudo isso, os sindicatos, defensores dos
interesses dos trabalhadores, têm se enfraquecido.
 O filósofo francês Gilles Lipovetsky prefere não
demonizar o consumo, mas aceitá-lo como fenômeno
do nosso tempo.
 Recusa-se a aplicar à sociedade pós-moderna o
conceito marcuseano de unidimensionalidade.
 Também critica Foucault, identificando que houve
uma redução progressiva do processo disciplinar no
trabalho.
 No rastro da extrema diversificação da oferta, da
democratização do conforto e dos lazeres, o acesso às
novidades mercantis tornou-se mais comum,
diluindo-se de certo modo as regulações de classe.
 Apesar de considerar o consumidor mais crítico,
Lipovetsky reconhece o poder massificante da
publicidade e os malefícios do hiperconsumismo,
entendido como a ilusão de que a mercadoria nos
garantiria a felicidade.
 O risco é deixar que o consumo se converta no sentido
principal da vida das pessoas.
 O sociólogo polonês Zygmunt Bauman não é tão
otimista e diz que o consumismo “aposta na
irracionalidade dos consumidores, e não em suas
estimativas sóbrias e bem informadas.
 “A sociedade do consumo prospera enquanto consegue
tornar perpétua a não satisfação de seus membros.”
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Capítulo 6 – Trabalho, alienação e consumo