Política de Compras Públicas no Brasil: Trajetória e Questões Atuais 6 Congresso de Gestão Pública do Rio Grande do Norte Natal, 30 de julho de 2012 Ciro Campos Christo Fernandes Gestor Governamental na SEGEP-MP Doutor em Administração pela EBAPE-FGV [email protected] 1 Mudanças na política de compras: os marcos da trajetória 1. Centralização e padronização no período Vargas 2. Reforma de 1967: Decreto-lei 200 3. Reforma Sarney: Decreto-lei 2.300 (1986) 4. Lei 8.666, em 1993 5. Reforma gerencial (1995-1998): proposta da Lei Geral de Contratações 6. Pregão, em 2000 Quadro de análise Problemas: temas e/ou situações que mobilizam os governos, encarados como problemas merecedores de solução Propostas de políticas: processos de elaboração de alternativas de política Fluxo político: mudanças do clima político, disputas em torno das questões de governo envolvendo as forças políticas, eventos do calendário político (ex.: eleições) Decisão pela mudança: conexão dos fluxos, unindo problemas a soluções no momento oportuno. Atuação de empreendedores políticos 1. Centralização e padronização (1931 e 1940) • Criação da Comissão Central de Compras – CCC, com mudança de procedimentos (Decreto 19.587, de 1931) • Reestruturação da área de compras, com extinção da CCC, criação do sistema de material e revisão dos procedimentos (Decreto-lei 2.206, de 1940) Centralização (cont.) • Ingresso do tema na agenda: – Em 1931: associada a medidas de controle de despesas (crise econômica de 1930) – Em 1940: integrava a agenda da reforma administrativa, com a criação do DASP, durante o Estado Novo Centralização (cont.) • Problema (1931): falta de controle sobre os custos e qualidade das compras públicas • Soluções: criação de órgãos para centralização e padronização das compras + experimentação com procedimentos de centralização (1931-1932) • Influências: experiências internacionais; organização da Receita Federal (1926); métodos de organização racional do trabalho (“Administração Científica”) Centralização (cont.) • Problema (1938-40): desorganização e precariedade técnica da administração de materiais (crise da CCC) + exigência de registro prévio pelo TCU e regras do Código de Contabilidade • Soluções: reorganização com atenuação da centralização por meio de estrutura sistêmica (reforma dos serviços de material) • Influências: modelo do departamento administrativo central [adotado no DASP] Centralização (cont.) • Empreendedores (1930-1932): José Maria Whitaker (Ministro da Fazenda) • Empreendedores (1938-1942): Rafael Xavier (diretor da Divisão do Material – DASP) • Mudanças (1931): centralização das compras e adoção de procedimentos comerciais pela CCC • Mudanças (1940): atenuação da centralização e aprovação de regras e trâmites definindo papéis para o DASP, Tribunal de Contas e órgãos da administração federal 2. Decreto-lei 200 • Aprovação da lei de organização da administração pública, durante a reforma de 1967 (DL 200), contendo nova regulamentação das licitações • Ingresso do tema na agenda: incorporado tardiamente à agenda da reforma, patrocinada pelo presidente Castello Branco • Problema: obsolescência das regras de licitação + controles a priori do TCU • Soluções: rejeição dos modelos centralizadores + atualização das regras de licitação Decreto-lei 200 (cont.) • Influências: modelo “daspeano” do sistema de material (propostas iniciais da reforma, rejeitadas) vs práticas comerciais das empresas estatais e privadas • Empreendedor: José de Nazareth Teixeira Dias (secretário-executivo do MPCE) • Mudança: atualização das regras para simplificação + revisão da atuação do TCU 3. Decreto-lei 2.300 • Ingresso do tema na agenda: incorporado na fase final da reforma Sarney (1986), como projeto impulsionado pela estruturação da advocacia pública (criação da Consultoria Geral da República) • Problema: desorganização e fragilidade da defesa jurídica do estado nos contratos • Soluções: aprovação de um estatuto sistemático para as licitações e contratos Decreto-lei 2.300 (cont.) • Influências: elaboração doutrinária de juristas (Lopes Meirelles) • Empreendedor: Saulo Ramos (Consultor Geral da República) • Mudança: sistematização de regras no estatuto das licitações (Decreto-lei 2.300) 4. Lei 8.666 • Ingresso do tema na agenda: tema proposto pelo Congresso, num momento de explosão de escândalos e crise política do governo Collor (19911992) • Problema: direcionamento das contratações de obras + “vulnerabilidade” do DL 2.300 • Soluções: regras contra o direcionamento das licitações (em meio a disputas em torno das regras e seu rigor, objetividade e trade-offs entre competição vs qualidade-confiabilidade) Lei 8.666 (cont.) • Influências: experiência das empresas de construção civil (CBIC) + diagnósticos do TCU • Empreendedor: Luiz Roberto Ponte (deputado federal e líder empresarial) • Mudança: aprovação de novo estatuto (Lei 8.666) com regras e dispositivos contra a corrupção e o direcionamento das licitações 5. Proposta da lei de geral de contratações (1998) • Ingresso do tema na agenda: integrava a reforma gerencial de 1995-1998, associada à criação do MARE, no primeiro governo FHC • Problema: rigidez, uniformidade e detalhismo da Lei 8.666 + limitações técnicas e viezes na Lei 8.666 • Soluções: estrutura de lei que permitisse diferenciação de normas e procedimentos (discussão em torno de alternativas de estrutura e conceitos da lei) Lei de contratações (cont.) • Influências: elaboração de juristas baseada na aplicação da Lei 8.666 + experiência de gerentes da administração pública • Empreendedor: Bresser Pereira (ministro) + equipe MARE • Mudança frustrada: não encaminhamento ao Congresso do projeto de lei do novo estatuto, com diferenciação de regras e procedimentos 6. Pregão • Ingresso do tema na agenda: associado a medidas de controle e redução de despesas (LRF) e estabilização da moeda (crise do Real), em 2000, no segundo governo FHC • Problema: necessidade de redução de custos das compras e contratações + limitações e vieses da Lei 8.666 + Morosidade e burocratização dos procedimentos de licitação • Soluções: regras e procedimentos simplificados, ampla discricionariedade do pregoeiro e intensificação da competição entre os participantes Pregão (cont.) • Influências: experiência dos leilões de privatização + pregão adotado na Anatel (1996) • Empreendedor: Renata Vilhena (secretária-adjunta SLTI) • Mudança: criação de procedimento alternativo à Lei 8.666 com características inovadoras de simplificação, ampliação de discricionariedade e intensificação da competição (pregão, criado por MP em 2000, convertida em Lei 10.520, de 2002) Processos que impulsionam as mudanças • Ingresso e movimentação do tema em “espaços políticos” de decisão no estado • Eventos políticos que abrem oportunidades de mudança • Disputas entre visões e definições sobre o problema • Modelos e referências que influenciam a solução adotada: mudança na política pública • Atuação dos empreendedores políticos conjugando problemas e soluções no momento oportuno! Compras como política pública • Área de inserção institucional complexa: - superposição e fragmentação de estruturas - disputas de jurisdição entre órgãos - formação dos “triângulos de ferro” nas contratações - pressões por controle e accountability Questões para estruturação da política da área de compras • Debilidade persistente da área: – atribuível a divergências entre atores relevantes – disputas de jurisdição com outras áreas, órgãos de controle e legislativo – complexidade técnica e de organização – captura por setores do mercado fornecedor • Comparação com modelos internacionais: – trajetória (estruturação burocrática como modelo prescritivo) Questões (cont.) – conformação do arcabouço jurídico-legal (mais ou menos centralizado, detalhado, concentrado em procedimento, etc) – tipos de regras e procedimentos – inserção e papel da informática (TI) – padrões de relacionamento com o mercado fornecedor Questões (cont.) • Dilemas da modelagem e gestão da área: – disjuntiva entre resultados/eficiência versus controle – autonomia vs discricionariedade do administrador público – centralização organizacional vs descentralização – insulamento vs instrumentalização para outros objetivos de política pública Componentes e requisitos de um sistema de compras públicas Componente Arcabouço legal Política Arranjo institucional Profissionalização (civil service) Recursos Prevenção da corrupção Descrição ou função Legislação de compras estabelece responsabilidades das agências de compras e dos fornecedores Políticas nacionais consistentes, com padrões a serem seguidos por todos os órgãos, além de procedimentos de arbitragem de disputas. Estruturas definidas para conduzir os processos de contratação que minimizem decisões subjetivas e a politização das decisões (mecanismos de julgamento, instâncias de decisão, componentes dos editais e comitês de avaliação). Agências de compras com profissionais de compras treinados e reconhecidos como tais, sob as regras do civil service. Agências de compras apoiadas em orçamentos adequados, documentos padronizados e manuais de operação. Legislação clara aplicável aos dirigentes e fornecedores que aumente a transparência e incentive a participação da sociedade civil.