O que Filosofia? é φιλοσοφία Surgida na Grécia, por volta do século VI a. C., veio substituir um modelo de explicação do mundo que já não dava mais conta de saciar a curiosidade dos homens – o mito. Atribui-se a Pitágoras de Samos a invenção da palavra. Teria ele afirmado que a sabedoria plena e completa pertence aos deuses, mas que os homens podem desejá-la ou amá-la, tornando-se filósofos. CONCEITO GERAL A Filosofia é um modo de pensar, é uma postura diante do mundo. É uma reflexão que permite ir além da pura aparência dos fenômenos, em busca de suas raízes e de sua contextualização em um horizonte amplo, que abrange os valores sociais, históricos, econômicos, políticos, éticos e estéticos. Há quem diga que a Filosofia incomoda, porque ela questiona o modo de ser das pessoas, das culturas, do mundo. Questiona as práticas política, científica, técnica, ética, econômica, cultural e artística. Não há área em que ela não se meta, não indague, não perturbe. E, nesse sentido, a filosofia é perigosa, subversiva, pois vira a ordem estabelecida de cabeça para baixo. Cabe ao filósofo refletir sobre a condição humana atual, como, por exemplo: O que é o ser humano? O que é a liberdade? O que é ser político? A Filosofia vai além daquilo que é, para propor o que poderia ser. É portanto, indispensável para a vida de todos aqueles que desejam ser seres humanos completos, cidadãos livres e responsáveis por suas escolhas. PARA QUE SERVE A FILOSOFIA? Esta é uma pergunta cuja resposta talvez não seja tão óbvia quanto se perguntar para que serve um martelo ou uma autoestrada! Este tipo de pergunta supõe que a Filosofia seja um instrumento, como um martelo ou uma autoestrada — o martelo é importante para o serviço de marcenaria, a autoestrada para a ordem urbana e o progresso do país. Guardamos em silêncio a ideia de que a importância de algo se mede por sua utilidade. O erro de se perguntar sobre a utilidade da Filosofia é pensar que ela possa mesmo servir... É porque vivemos numa civilização que procura dar a tudo uma utilidade, que quer tirar vantagem de tudo, que somos levados a perguntar para que serve a Filosofia. A esta pergunta, alguns teóricos respondem que ela não serve a ninguém nem a nada, pois é livre! Contudo, como exercício de liberdade, ela pode nos ajudar a nos livrarmos de saberes pré-concebidos, aceitos sem questionamentos que impedem a possibilidade de nos relacionarmos de uma forma diferente com o mundo. Se, ainda assim, você quiser pensar na Filosofia como um instrumento, digamos que ela seria uma espécie de “desconfiômetro”, uma peça de nossa inteligência utilizada para não engolirmos a primeira certeza que nos oferecem como sendo uma verdade indiscutível. O SURGIMENTO DA FILOSOFIA NA GRÉCIA ANTIGA Antes de surgirem os primeiros filósofos — os Pré-socráticos — os homens já tentavam explicar o mundo, contudo, se satisfaziam com respostas míticas, até então detentoras do saber originário. Um mito é uma narrativa fabulosa para explicar algo, muitas vezes, recorrendo à crença em deuses ou se baseando na imaginação. Na antiguidade, os gregos cultuavam uma série de deuses (Zeus, Hera, Afrodite) e semideuses (Hércules, Aquiles, Perseu), acreditando que os mesmos tinham super poderes. Por isso, a religião deles era conhecida como politeísta antropomórfica. A distinção entre deuses e semideuses se dava através do fato de que os deuses eram imortais e provenientes da geração divina. Já os semideuses eram fruto da relação de um deus com uma mortal e não tinham a imortalidade. PROBLEMAS SEMPRE EXISTIRAM... Como se explica tudo o que aí está? Os seres, os fenômenos da natureza e seu devir incessante, o mundo inteiro? Qual a origem disso tudo? Qual a essência do universo? Questões como estas a humanidade sempre teve e até hoje as possui. GENEALOGIA DOS DEUSES Urano (o “grande mijão”, traduz-se como o céu, que “chove”) era casado com Gaia (ou Géia, a Terra), juntos tiveram muitos filhos: os gigantes e os Titãs e Titanesas (ao todo 12). Urano (deus do céu) copulava toda noite com Gaia (a deusa terra), mas odiava os filhos que tinha com ela, a ponto de devolvê-los para o próprio útero de Gaia (ao seio íntimo da terra), escondendo-os dela e da luz; e Urano sentia grande alegria ao fazer isso. Cansada, pesada e revoltada com Urano, Gaia arquiteta um plano para acabar a farra de Urano, alertando aos filhos sobre os atos do pai. A mãe Gaia pediu para os Titãs castrarem seu pai, Urano. Só quem deu ouvidos à Gaia foi o filho caçula, Cronos (ou Saturno). Resolvendo por castrá-lo para tomar o seu lugar. Gaia então, pelo plano, esconderia Cronos com uma foice em algum lugar, quando, à noite, Urano viesse copular com ela. Cronos decepa o sexo de Urano, jogandoo no mar. Após a castração, o Céu (Urano) e a Terra (Gaia) se separam definitivamente. Com isso, Saturno (Cronos) toma o poder e se casa com sua irmã Réia. Muitos mitos foram criados para explicar o mundo e a ordem do Universo. Entretanto, num certo momento da evolução do pensamento, as formas míticas de entender e explicar o mundo entraram em franca decadência, pois não conseguiram mais solucionar de modo satisfatório esses problemas inquietantes. Uma outra mentalidade entrou em formação, um modo de pensar que exigia explicações com elementos mais puramente racionais, explicações mais lógicas da realidade. Os pré-socráticos perguntavam-se acerca de uma realidade primeira e fundamental do Universo, uma realidade originária que não só teria dado origem a tudo o que existe, como também seria o substrato permanente de todas as coisas e aquilo para o qual tudo confluiria depois de sua destruição, morte ou corrupção. Eles chamavam essa realidade de physis, que significa “natureza”, no sentido exato de uma realidade fundamental que seria a essência do mundo e explicaria a sua origem. OS PRÉ-SOCRÁTICOS Eles também ficaram conhecidos como filósofos da natureza, pertencem à primeira fase do pensamento grego, chamada de naturalista, já que a investigação filosófica é dirigida para o mundo exterior, para a natureza (physis). Nela acreditava-se que era possível encontrar o princípio de todas as coisas, isto é, aquilo que está em todos os seres existentes, que é comum a tudo. Procurava-se esse princípio (arché), que seria a chave para conhecer e explicar tudo o que existe no Universo. Os filósofos pré-socráticos, observando as constantes transformações que ocorrem na natureza, buscavam uma explicação racional para os fenômenos naturais. E essa explicação não era satisfatoriamente dada pelos mitos ou pelos deuses. Os escritos desses grandes filósofos perderam-se quase totalmente. O que existe são fragmentos que chegaram até nós graças aos filósofos posteriores. Fragmentos que vêm sendo discutidos ao longo da história da filosofia. Tales de Mileto considerava a água como o princípio de todo o Universo. Ele teria chegado a essa conclusão pela observação de que, sem ela, as coisas ressecam e morrem. Outra hipótese para sua tese é o fato de que a água se apresenta nos três estados em que vemos os corpos da natureza: líquido, sólido e gasoso (portanto, a água se transforma ilimitadamente). Tales é o fundador da Filosofia Cosmológica: O Universo conhecido pelo homem. Heráclito de Éfeso – “o obscuro” –, apresenta seu pensamento por meio de aforismos (frases que expressam, de maneira condensada, uma ideia, um fato ou uma regra), com um estilo propositadamente enigmático. Sua ideia mestra é o devir eterno, a transformação incessante, pela qual as coisas se constroem e se dissolvem em outras. A ideia absolutamente original trazida por Heráclito é a de que o mundo não é um lugar estático, mas um fluxo permanente de todas as coisas, um constante vir-a-ser: No mesmo rio entramos e não entramos, somos e não somos. A essência verdadeira está na transformação! Em todo Ser está contido o Não Ser, o seu oposto. Só é possível conhecer algo porque conhecemos o seu contrário: a guerra e a paz, o amor e o ódio, o quente e o frio, a alegria e a tristeza... Parmênides de Eléia: para ele, a permanência é a verdadeira essência dos seres. O que é, é e, não pode deixar ser. Ele ficou conhecido através de seu poema Sobre a natureza, que trata do caminho da verdade (alethéia) e do caminho da opinião (doxa). Ao percorrer o caminho da verdade, o homem, guiado pela razão, perceberia que o que é, é e não pode deixar de ser. Segundo Parmênides, o que é percebido pelos sentidos não permite que o homem conheça a essência das coisas e dos seres. Portanto, o Não Ser é inconcebível mesmo para o pensamento, pois, se pudesse ser pensado, existiria pelo menos como ideia. Leucipo é fundador do célebre sistema atomístico. Para ele, nada deriva do acaso, mas tudo deriva de uma razão e de uma necessidade. Os átomos são partículas homogêneas quanto ao conteúdo, onde a diversificação se dará por conta da figura dos mesmos e dos arranjos atômicos. O todo seria vazio e ocupado por corpos; os mundos se formariam quando estes corpos entrassem no vazio, misturando-se uns aos outros. SOFISTAS A importância que foi dada ao indivíduo durante o surgimento da filosofia e da política, favoreceu o surgimento de um grupo de filósofos chamados sofistas. Estes dominavam a arte da oratória, isto é, o uso habilidoso da palavra. Eles discursavam em público e ensinavam sua arte em troca de pagamento. Tudo devia ser avaliado segundo os interesses do homem e de acordo com a forma como este vê a realidade social. Isso significa que, as regras morais, as posições políticas e os relacionamentos sociais deveriam ser guiados conforme a conveniência individual. Para esse fim, qualquer pessoa poderia se valer de um discurso convincente, mesmo que falso. Apesar da palavra se referir a sábio, sofista virou sinônimo de alguém que profere um discurso excessivamente adornado, complexo, enganador: “Um caçador interesseiro de jovens ricos.” (Platão) Contudo, o fato é que os sofistas concluíram que não podemos conhecer o Ser, mas só podemos ter opiniões subjetivas sobre a realidade. A preocupação filosófica dos sofistas se voltava para o homem e a vida em sociedade, vendo na linguagem uma forma dos homens se relacionarem com o mundo e com os outros humanos, persuadindo-os de suas ideias e opiniões. Neste caso, a verdade é uma questão de opinião e persuasão, sendo a linguagem mais importante que a percepção e o pensamento. Entre os principais pensadores sofistas figuram: Górgias (c. 485-376 a.C.), Hípias (século V a.C.) e Protágoras (c. 485-410 a.C.) O tipo de argumento utilizado por eles ganhou o nome de sofisma. A sofística, portanto, destruía os fundamentos de todo o conhecimento, já que tudo seria relativo e os valores seriam subjetivos, assim como impedia o estabelecimento de normas de comportamento que garantissem os mesmo direitos para todos os cidadãos da pólis. Sócrates “o mais sábio dos homens”, segundo o oráculo de Delfos. Contudo, conhecedor da própria ignorância: “Só sei que nada sei.” O instrumento adotado por Sócrates para o exercício de sua atividade filosófica foi o diálogo, dividido em duas etapas. Na primeira, que ficou conhecida por ironia, o filósofo, insistindo em que nada conhece, leva o interlocutor a apresentar suas opiniões. Em seguida, envolve-o na estrutura confusa de suas próprias afirmações, terminando por trazer à tona toda a ignorância de seu interlocutor – maiêutica. Para Sócrates, “conhecer a verdade” teria como consequência inevitável agir bem; quanto aos maus atos, só seriam cometidos por ignorância. O bem e a verdade estariam intimamente ligados, seriam inseparáveis: conhecer seria igual a conhecer o bem. Agir conforme o bem seria decorrência do conhecimento. Pelo mesmo raciocínio, uma ação danosa a si ou aos outros seria decorrência do desconhecimento.