FACULDADE VALE DO CRICARÉ DIREITO DISCIPLINA DE LÍNGUA PORTUGUESA I AULA Nº 06 – 26-06-2015 PROFª ANDRÉA MANOEL Temas e Figuras: A depreensão do tema 1 TEMAS E FIGURAS Um asno, vítima da fome e da sede, depois de longa caminhada, encontrou um campo de viçoso feno ao lado do qual corria um regato de límpidas águas. Consumido pela fome e pela sede, começou a hesitar, não sabendo se antes comia do feno e depois bebia da água ou se antes saciava a sede e depois aplacava a fome. Assim, perdido na indecisão, morreu de fome e de sede. (Fábula de Buridan, filósofo da Idade Média) 2 TEMAS E FIGURAS Um indivíduo, colocado diante de dois objetos igualmente desejados, pode ficar de tal forma indeciso que acaba por perder a ambos. Esses dois textos querem dizer basicamente a mesma coisa. No Entanto, são estruturados de maneiras diferentes. 3 TEMAS E FIGURAS O primeiro é mais concreto. O segundo é mais abstrato. O primeiro remete a elementos existentes no mundo natural: asno, campo, feno, regato, águas, etc. O segundo remete a elementos mais abstratos, que explicam certos aspectos da conduta humana: indivíduo, objetos igualmente desejados, indeciso. 4 TEMAS E FIGURAS Subjacente a esses dois textos há o mesmo esquema narrativo: a) um sujeito encontra-se privado de dois objetos e quer conquistar a posse de ambos; b) devendo optar por um deles e sendo igualmente atraído pelos dois, é incapaz de realizar a escolha; c) permanece privado de ambos. 5 TEMAS E FIGURAS Como se vê, pode-se tomar um esquema narrativo, revesti-lo com termos abstratos e assim construir um texto. Ou pode-se concretizar esse texto abstrato com elementos concretos que representam coisas, ações e qualidades encontradas no mundo natural e, portanto, perceptíveis pelos sentidos. Aos elementos concretos presentes no texto chamaremos figuras; Aos elementos abstratos denominaremos temas. 6 Figuras são palavras ou expressões que correspondem a algo existente no mundo natural: substantivos concretos, verbos que indicam atividades físicas, adjetivos que expressam qualidades físicas. Por exemplo, asno, feno, regato, água, comer, beber, límpidas. Quando falamos em mundo natural, não estamos querendo dizer apenas o mundo realmente existente, mas também os mundos fictícios criados pela imaginação humana. Se imaginarmos um mundo em que as flores sejam de pedra, isso será também uma figura. 7 Temas são palavras ou expressões que não correspondem a algo existente no mundo natural, mas a elementos que organizam, categorizam, ordenam a realidade percebida pelos sentidos. Por exemplo, humanidade, idealizar, privação, feliz, necessidade. Há, pois, dois níveis de concretização dos esquemas narrativos: o temático e o figurativo. Este é mais concreto do que aquele. Conforme o modo de concretização da estrutura narrativa, temos dois tipos de texto: os textos temáticos e os figurativos. Estes 8 criam um efeito de realidade, pois constroem uma cena real com gente, bichos, cores, etc. Por isso representam o mundo no texto. Aqueles procuram explicar os fatos e as coisas do mundo, buscam classificar, ordenar e interpretar a realidade. Nos dois textos que apresentamos acima, isso fica bem evidente: o primeiro representa uma cena em que um asno, com fome e sede, não sabia se primeiro matava a fome ou a sede; O segundo interpreta o significado da referida cena, isto é, o fato de haver no mundo pessoas indecisas que perdem oportunidades na vida por não serem capazes de escolher. 9 Você pode ter notado que no primeiro texto aparecem também elementos abstratos, como hesitar e indecisão. Quando se diz que um texto é figurativo ou temático, na verdade, o que se quer dizer é que ele é predominantemente, e não exclusivamente, figurativo ou temático. Com efeito, podem aparecer algumas figuras nos textos temáticos e alguns temas nos textos figurativos. Como o nível temático e o nível figurativo são dois níveis sucessivos de concretização, podemos ter textos temáticos, isto é, sem a cobertura figurativa, 10 mas todo texto figurativo pressupõe, sob as figuras, um tema. Assim, para entender um texto figurativo é preciso alcançar seu nível temático. Se um leitor ingênuo, ao ler o primeiro texto apresentado no início desta lição, permanecesse apenas no nível figurativo, poderia dizer que o texto não passa de uma grosseira mentira, pois os asnos não têm indecisões. Um leitor mais avisado, porém, procuraria logo um significado mais amplo para o texto, que fosse além desses fatos concretos e mentirosos. Um texto figurativo sempre joga com dados concretos para, por meio deles, revelar significados mais abstratos. 11 As Várias Possibilidades De Leitura De Um Texto Uma rã viu um boi que tinha uma boa estatura. Ela, que era pequena, invejosa, começou a inflar-se para igualar-se ao boi em tamanho. Depois de algum tempo, disse: — Olhe-me, minha irmã, já é o bastante? Estou do tamanho do boi? — De jeito nenhum. — E agora? — De modo algum. — Olhe-me agora. — Você nem se aproxima dele. O animal invejoso inflou-se tanto que estourou. (Adaptação de fábula de LA FONTAINE. Fábulas.) 12 • Trata-se de uma história de animais ou de homens? • Como é que se sabe disso? Há no texto uma reiteração do traço semântico /humano/. Essa reiteração obriga a ler a fábula como uma história de gente. No plano humano, a rã não é a rã, mas o homem invejoso que faz tudo para igualarse a quem ele inveja. Os elementos com o traço /humano/ são os desencadeadores de um plano de leitura não integrado ao plano de leitura inicialmente proposto. Com efeito, os termos "rã" e "boi" propõem inicialmente 13 um plano de leitura: uma história de bichos. Entretanto, à medida que vamos lendo o texto, os elementos que contêm traço /humano/ não permitem mais que se leia a fábula como história de animais, pois desencadeiam um novo plano de leitura: a fábula passa a ser lida como história de homens. A recorrência de traços semânticos estabelece a leitura que deve ser feita do texto. Essa leitura não provém dos delírios interpretativos do leitor, mas está inscrita como virtualidade (possibilidade) no texto. 14 Lido de maneira fragmentária, um texto pode dar a impressão de um aglomerado de noções desconexas, ao qual o leitor pode atribuir o sentido que quiser. Sem dúvida, há várias possibilidades de interpretar um texto, mas há limites. Certas interpretações se tornarão inaceitáveis se levarmos em conta a conexão, a coerência entre seus vários elementos. Essa coerência é garantida, entre outros fatores, pela reiteração, a redundância, a repetição, a recorrência de traços semânticos ao longo do discurso. 15 Mas que deve fazer o leitor para perceber essa reiteração? Deve tentar agrupar os elementos significativos (figuras ou temas) que se somam ou se confirmam num mesmo plano do significado. Deve percorrer o texto inteiro, tentando localizar todas as recorrências, isto é, todas as figuras e temas que conduzem a um mesmo bloco de significação. Essa recorrência determina o plano de leitura do texto. Há textos que permitem mais de uma leitura. As mesmas figuras podem ser interpretadas segundo mais de um plano de leitura. 16 Retrato Eu não tinha este rosto de hoje, assim calmo, assim triste, assim magro, nem estes olhos tão vazios, nem o lábio amargo Eu não tinha estas mãos sem força, tão paradas e frias e mortas; eu não tinha este coração que nem se mostra. Eu não dei por esta mudança, tão simples, tão certa, tão fácil: — Em que espelho ficou perdida a minha face? (Cecília Meireles: poesia. Por Darcy Damasce-no. Rio de Janeiro, Agir, 1974. p. 19-20.) 17 Texto comentado • Nos versos 1 e 5, o autor, ao dizer que não tinha este rosto e estas mãos com as características do momento presente, faz pressupor que, no passado, ele os tinha com características opostas. • Ao dizer, no verso 9: "Eu não dei por esta mudança", define dois planos distintos: um, do passado; outro, do presente, ambos opostos entre si. 18 Significados que remetem ao presente (explicitamente): • Eu não tinha este rosto de hoje, • assim calmo, assim triste, assim magro • nem estes olhos tão vazios, • nem o lábio amargo • Eu não tinha estas mãos sem força, • tão paradas, e frias, e mortas, • eu não tinha este coração • que nem se mostra. 19 Significados que remetem ao passado (implicitamente): • Eu tinha aquele rosto de outrora • tão irrequieto, tão alegre, tão cheio • e olhos tão expressivos • e o lábio doce • Eu tinha aquelas mãos com energia, • tão dinâmicas, e cálidas, e vivas, • eu tinha outro coração, • que se manifestava. 20 • Como se vê, as figuras do eixo 1 agrupam-se em função do significado da estaticidade, da perda da energia vital; o que se pressupõe no eixo 2 agrupa-se em torno do significado do dinamismo, da posse da vitalidade plena. • Ao dizer "Eu não dei por esta mudança", o poeta manifesta a sua perplexidade diante do contraste entre o que era e o que veio a ser. Quando se agrupam as figuras a partir de um elemento significativo, estamos perto de depreender o tema do texto. No poema em pauta, por exemplo, é a decepção diante da consciência súbita e inevitável do envelhecimento. 21 Esse texto pode ser lido como o envelhecimento físico, o que é indicado por termos como "magro", "frias", etc. No entanto, outras figuras, como "triste", "amargo", "que nem se mostra", obrigam a ler o texto não como simples desgaste físico, mas como o desgaste psíquico, que se manifesta como a perda da energia, do entusiasmo, da alegria de viver. O texto admite ao menos duas leituras: o desgaste material das coisas com o fluxo inexorável do tempo e o desgaste psíquico do ser humano com o passar do tempo. 22 Entretanto, dizer que um texto pode permitir várias leituras não implica, de modo algum, admitir que qualquer interpretação seja correta nem que o leitor possa dar ao texto o sentido que lhe aprouver. E em que dispositivos podemos nos apoiar para controlar uma certa interpretação e impedir que ela seja pura invenção do leitor? Sem dúvida, o texto que admite várias leituras contém em si indicadores dessas várias possibilidades. No seu interior aparecem figuras ou temas que têm mais de um significado e que, por isso, apontam para mais de um plano de leitura. 23 São relacionadores de dois ou mais planos de leitura. Há outros termos que não se integram a um certo plano de leitura proposto e por isso são desencadeadores de outro plano. Na fábula "A rã e o boi", se não houvesse figuras com o traço /humano/, não se poderia interpretá-la como uma história de gente. Esses termos são os desencadeadores desse plano de leitura. O leitor cauteloso deve abandonar as interpretações que não encontrem apoio em elementos do texto. 24 Exercícios O homem e a galinha Era uma vez um homem que tinha uma galinha. Era uma galinha como as outras. Um dia a galinha botou um ovo de ouro. O homem ficou contente. Chamou a mulher: — Olha o ovo que a galinha botou. A mulher ficou contente: — Vamos ficar ricos! E a mulher começou a tratar bem da galinha. Todos os dias a mulher dava mingau para a galinha. 25 Dava pão-de-ló, dava até sorvete. E todos os dias a galinha botava um ovo de ouro. Vai que o marido disse: — Pra que este luxo com a galinha? Nunca vi galinha comer pão-de-ló... Muito menos sorvete! Então a mulher falou: — É, mas esta é diferente. Ela bota ovos de ouro! O marido não quis conversa: — Acaba com isso, mulher. Galinha come é farelo. 26 Aí a mulher disse: — E se ela não botar mais ovos de ouro? — Bota sim! — o marido respondeu. A mulher todos os dias dava farelo à galinha. E a galinha botava um ovo de ouro. Vai que o marido disse: — Farelo está muito caro, mulher, um dinheirão! A galinha pode muito bem comer milho. — E se ela não botar mais ovos de ouro? — Bota sim! — o marido respondeu: Aí a mulher começou a dar milho pra galinha. E todos os dias a galinha botava um ovo de ouro. 27 Vai que o marido disse: — Pra que este luxo de dar milho pra galinha? Ela que cate o de comer no quintal! — E se ela não botar mais ovos de ouro? — a mulher perguntou. — Bota sim! — o marido falou. E a mulher soltou a galinha no quintal. Ela catava sozinha a comida dela. Todos os dias a galinha botava um ovo de ouro. Um dia a galinha encontrou o portão aberto. Foi embora e não voltou mais. Dizem, eu não sei, que ela agora está numa boa casa onde tratam dela a pão-de-ló. Rocha, Ruth. Enquanto o mundo pega fogo. 2. ed. Rio de Janeiro, 28 Nova Fronteira, 1984. p. 14-9. Questão 1 Todos os dias a galinha bota um ovo de ouro. Botar ovos é seu trabalho. O ovo de ouro é o produto de seu trabalho. No entanto, ele não pertence à galinha, mas ao dono, que, ao fim de um certo período, estará rico. Qual o tema que se pode extrair dessas figuras? 29 Questão 2 Em troca do ovo de ouro (produto do trabalho), a dona dá sucessivamente à galinha: mingau, pão-de-ló e sorvete, farelo, milho. No final, não lhe dá nada. A galinha tem de catar o de-comer no quintal. Que significam as figuras mingau, pão-de-ló, etc., considerando que elas constituem o que se recebe para produzir ovos de ouro? 30 Questão 3 As figuras mingau, pão-de-ló, sorvete, farelo, milho mostram que a retribuição à galinha é cada vez menor, enquanto o fruto de seu trabalho permanece constante (todos os dias bota um ovo de ouro). Como gasta cada vez menos com a galinha, o homem vai ficando mais rico. Qual o tema que aparece sob essas figuras? 31 Questão 4 A galinha foi embora porque quase não lhe davam nada em troca do que produzia. Dizem que está numa casa onde a tratam a pão-de-ló. Essas figuras recobrem que sentido mais abstrato? 32 Questão 5 A mulher estava preocupada com o bem-estar da galinha quando a tratava com mingau, sorvete e pão-de-ló? Justifique. 33 Questão 6 A respeito desse texto pode-se afirmar que: (a) o patrão está sempre interessado no bemestar do trabalhador e não na sua produtividade. (b) o trabalhador mantém fidelidade total a uma empresa. (c) a diminuição do pagamento ao trabalhador ajuda a acumular riquezas. (d) que o trabalhador recebe de acordo com o trabalho que realiza. (e) que o homem é, por natureza, ambicioso e explorador. 34