Alienação e ideologia cap.5 Profª Karina Oliveira Bezerra Alienação e ideologia • A cultura pode ser contaminada por modos perversos que a desviam do processo de humanização. Estes são a alienação e a Ideologia, cujos riscos refletem nas definições dos objetivos de uma educação focada na emancipação humana. • O trabalho – entendido no amplo sentido de atividade prática e teórica – é uma condição para a instauração do mundo da cultura, mas, se as relações de poder não forem democráticas, persiste a cultura da dominação, com nítidos prejuízos para a equitativa repartição dos bens sociais, sobretudo da educação 1. O trabalho como práxis • O ser humano é capaz de transformar a natureza, tornando possível a cultura. A essa transformação denominamos trabalho, entendido no sentido amplo de trabalho material e intelectual. • O trabalho é a ação transformadora dirigida por finalidades conscientes. Diferente da ação animal a humana é conceituada como práxis: união indissolúvel da teoria e da prática, porque não existe anterioridade nem superioridade entre uma e outra, mas sim reciprocidade. • Ou seja, como práxis, qualquer ação humana é sempre carregada de teoria e esta é fecundada pela prática. O trabalho em nossa sociedade • Algumas profissões são predominantemente teóricas, enquanto outras se reduzem a formas rudimentares de trabalho manual. • A concepção de trabalho sempre esteve ligada a uma visão negativa que implica obrigação e constrangimento. • Na bíblia, Adão e Eva vivem felizes até que são expulsos do Paraíso. Adão é, assim “condenado” ao trabalho com o suor do seu rosto”, cabendo a Eva, por sua vez, o “trabalho” do parto. • No entanto, o trabalho é, sim, condição de liberdade, mas desde que o trabalhador não seja explorado, situação em que deixa de buscar a satisfação de sua necessidades para realizar aquelas que lhe foram impostas por outros. • Quando isso ocorre, o trabalho torna-se inadequado – e até um empecilho – à humanização: trata-se do trabalho alienado. 2. A alienação na sociedade industrial • Alienare: afastar, distanciar, separar. • Alienus: que pertence a outro, alheio, estranho. • Quando em uma sociedade existem segmentos dominantes que exploram o trabalho humano – como nos regimes de escravidão, de servidão – ou ainda se, para sobreviver, o indivíduo precisa vender sua força de trabalho em troca de uma salário aviltante, estamos diante de situações de perda da posse daquilo que ele produz. • O produto do trabalho encontra-se separado, alienado de quem o produziu. Com a perda da posse do produto, o próprio indivíduo não mais se pertence: não escolhe o horário, o ritmo de trabalho, nem decide sobre o valor do salário; não projeta o que será feito, comandado de fora por forças estranhas a ele. Devido à alienação do produto, o próprio indivíduo também se torna alienado, deixando de ser o centro ou a referência de si mesmo” Taylorismo • Esse sistema visa aumentar a produtividade e economizar tempo, suprimindo gestos desnecessários e comportamentos supérfluos no interior do processo produtivo. • Da necessidade de planejamento resulta intensa burocratização. Atividade que supõese é exercida com objetividade e racionalidade. • Na verdade a burocracia resulta numa técnica social da dominação. • O taylorismo substituiu a coação visível, típica da violência direta de um feitor de escravos ou de um contramestre de fábrica, por exemplo, por técnicas mais sutis de dominação, que tornam o operário dócil e submisso: as ordens de serviço vindas do setor de planejamento são impessoalizadas, diluídas na organização burocrática, e não mais com a face de um chefe que oprime. • Se estimula a competição com prêmios e promoções. Dificulta a solidariedade. • É como se as pessoas fossem destituídas de individualidade, imaginação, desejos e sentimentos. • A pessoa não é um fim, mas sempre um meio. 3. Sociedade pós-moderna e alienação • Era Cibernética: mudança significativa nas relações de trabalho, com a predominância do setor de serviços (setor terciário). • A exigência de melhor qualificação do empregado – e, portanto, a sua maior “intelectualização” – e a circulação de informação no setor de serviços poderiam ajudar a superar, ou pelo menos minimizar, a alienação? • Cada vez mais as empresas são controladas por administradores, os tecnoburocratas. Tudo isso pode dar a ilusão de que se dissolveu o duro conflito patrão-empregado, além de que o trabalhador teria estendido seu tempo de lazer, e ainda com expectativa da possibilidade de melhor distribuição de riquezas. • O que ocorre, no entanto, são mecanismos de exploração menos evidentes, já que a autonomia dos executivos tem como pano de fundo controlador o grande capital das empresas globalizadas, que concentram renda e impendem a distribuição homogênea da riqueza. • Enfraquecimentos dos sindicatos, antes responsáveis por inúmeras conquistas trabalhistas, agora ameaçadas pela terceirização dos serviços. A sociedade do lazer • A ampliação do setor dos serviços passou a oferecer inúmeras alternativas de lazer, gerando – concomitantemente ao consumo de produtos – o consumo do lazer. • É de se esperar, porém, que, em uma sociedade em que predomina o trabalho alienado, o lazer também seja contaminado pela manipulaçãoe deixe de se um momento de expressão da criatividade, para se tornar passivo e instrumento de veiculação ideológica. A bem montada indústria do lazer passa a orientar escolhas, estabelecer modismos, manipular o gosto, determinar programas. • O lazer não significa um “deixar passar o tempo”, mas requer a escolha de uma atividade não obrigatória e prazerosa, em que nos sentimos ativos e participantes. • Eis aí um desafio para os educadores: das condições para que jovens ocupem o seu tempo livre de modo criativo. 4. Ideologia e trabalho • Sentido amplo: ideologia é o conjunto de ideias, concepções, opiniões, crenças sobre algum ponto sujeito a discussão, bem como normas estabelecidas a partir de valores. • Sentido restrito: ideologia é uma representação ilusória da realidade porque o conjunto de ideias e normas de conduta veiculada leva os indivíduos a pensarem, sentirem e agirem de acordo com os interesses da classe que detém o poder. • Os ideais de “igualdade, liberdade e fraternidade” da Revolução Francesa, foram estendidos a todos de modo ideológico, mas não de fato, já que os proletários enfrentavam situações cada vez mais difíceis de sobrevivência. • A função da ideologia é, pois ocultar as diferenças de classe, facilitar a continuidade da dominação de uma classe sobre outra, assegurar a coesão entre os indivíduos e a aceitação sem críticas das tarefas mais penosas e pouco recompensadoras, simplesmente como decorrentes da “ordem natural das coisas”. Características da ideologia • Ao ocultar a situação concreta de exploração, a ideologia descreve uma realidade: Abstrata: na medida em que não se refere ao concreto, mas ao aparecer social. Universal: as ideias e os valores do grupo dominante são estendidos a todos. Lacunar: há “vazios”, “partes silenciadas” que não podem ser ditas, sob pena de desmascarar a ideologia. Ex: mais-valia. Invertida: ao explicar a realidade, o que é apresentado como causa é na verdade consequencia. • A ideologia “naturaliza” a realidade: não é “natural” que haja o contraste entre opulência e miséria, que exista a separação entre trabalho intelectual e braçal, nem que alguns estejam destinados ao mando e outros, à obediência. 5. Alienação, ideologia, educação e legislação • Como a escola pode ser influenciada pelos conflitos de interesses, é preciso estar atento para que ela não represente apenas os valores do grupo dominante. • Toda teoria da educação deveria partir do exame rigoroso e sistemático dos problemas existentes na realidade, a fim de definir os objetivos e meios que orientarão a atividade comum intencional. Por exemplo: crise da adolescência. • Ao examinar o texto de uma lei, é preciso ler nas entrelinhas, analisar o contexto em que se insere, a fim de descobrir as relações de poder que se acham por trás, no processo da sua gestação. • Se é preciso examinar os interesses subjacentes à elaboração e aprovação de uma lei, também é importante avaliar sua eficácia, porque vários fatores interferem na sua aplicação. Prática educativa e ideologia • Quais são as práticas educativas vulneráveis à ideologia? Organização escolar: qualquer organização só tem sentido enquanto mantiver viva a reflexão sobre os objetivos que orientam sua ação. Caso contrário, degenera em exigência puramente formal. O livro didático: não pode ser considerado um veículo neutro, objetivo, mero transmissor de informações. O enfoque das disciplinas: o ensino de história, por exemplo, torna-se ideológico quando se restringe à sequência cronológica dos fatos, sem a análise da ação das forças contraditórias que agem na sociedade. O trabalho do professor: mesmo quando imbuídos de boas intenções, os professores podem repassar a seus alunos valores que precisariam na verdade ser revistos e criticados. 6. Contraideologia: educar para a cidadania • A teoria educacional deve vir sempre acompanhada de forma reflexiva e crítica pela filosofia, cuja função é “explicitar os seus fundamentos, esclarecer a função e a contribuição das diversas disciplinas pedagógicas e avaliar o significado das soluções escolhidas.