Luís Vaz de Camões 1525 – 1580? “Ó mar salgado, quanto de teu sal São lágrimas de Portugal!(...)” (Fernando Pessoa) BIOGRAFIA ESCASSA E CONTRADITÓRIA • • • • Nascimento = Lisboa - Portugal. Estudos Regulares = Coimbra - Portugal [grande conhecimento erudito] Origem familiar = Família fidalga que teria empobrecido. Pai = Simão Vaz de Camões - Mãe = Ana de Sá Macedo. ACONTECIMENTOS MARCANTES DE SUA VIDA: • • • Participação em batalhas e viagens pelas terras portuguesas na África e na Ásia. Em 1549, em uma batalha [Ceuta - norte da África] , incorporado ao exército português, perde o olho direito. Depois das batalhas segue sua vida conflituada na corte, que transitava entre os corredores da nobreza e a boêmia de Lisboa. ACONTECIMENTOS MARCANTES DE SUA VIDA: • • Em 1552 envolve-se em uma briga com Gonçalo Borges, encarregado das cavalariças do rei, e o fere no pescoço, com a espada, sendo preso por isso. Fica na prisão por um ano e só sai porque Gonçalo o perdoa. ACONTECIMENTOS MARCANTES DE SUA VIDA: • • Em 1553 embarca para o oriente, onde fica por aproximadamente 15 anos, passando por diversos países, nos quais recolhe dados para a produção de sua obra prima: OS LUSÍADAS. ACONTECIMENTOS MARCANTES DE SUA VIDA: • No Oriente vive sem muitos cuidados, sendo preso por dívidas não pagas e vivendo de esmolas e ajudas de amigos, como o cronista Diogo do Couto e o historiador Pêro de Magalhães Gandavo. ACONTECIMENTOS MARCANTES DE SUA VIDA: • Numa viagem pelas costas da China, para combater os ataques piratas contra as terras portuguesas, o navio em que Camões estava naufraga, perto da foz do rio Mekong. Neste naufrágio morre Dinamene, uma ex-escrava chinesa que teria sido talvez o único amor real do poeta. ACONTECIMENTOS MARCANTES DE SUA VIDA: • Dinamene, entretanto, não era o verdadeiro nome da moça e sim o de uma Ninfa oceânica e Camões passa a referir-se à amada usando este nome depois que ela morre afogada no mar (Dinamene = divindade do mar) ACONTECIMENTOS MARCANTES DE SUA VIDA: • Com a ajuda de Diogo do Couto, Camões retorna a Portugal em 1569, trazendo os originais de “Os Lusíadas” - que ele, segundo diz a mitologia que cerca sua vida, ao salvar-se do naufrágio, teria levado nas mãos, a salvo das águas, enquanto nadava em busca de terra firme - e lamentando não ter em suas mãos os originais de “Parnaso”, obra lírica que lhe teria sido roubada. ACONTECIMENTOS MARCANTES DE SUA VIDA: • Após a publicação de sua obra épica, em 1572, Camões passa a receber uma ajuda anual de 155 mil réis dada pelo Estado. Apesar deste dinheiro, morre na miséria em 10 de junho de 1580, sendo enterrado graças à caridade da Companhia dos Cortesãos. “Cantando espalharei por toda a parte, Se a tanto me ajudar o engenho e arte.” Os Lusíadas Os Lusíadas = lusos = portugueses • MODELOS CLÁSSICOS: “A ilíada” e “A odisséia” de Homero - “Eneida” de Virgílio • GÊNERO LITERÁRIO: ÉPICO DIFERENÇAS DO GÊNERO ÉPICO CLÁSSICO: • Do HERÓI Em vez da figura do herói com forças sobrehumanas, a figura de VASCO DA GAMA (herói de “Os Lusíadas”) é diluída para dar espaço aos Portugueses em geral, vistos como “herói coletivo”. DIFERENÇAS DO GÊNERO ÉPICO CLÁSSICO: • Na tradição épica, ocorre o “maravilhoso pagão”, isto é, a interferência de deuses da mitologia nas ações humanas. Em “Os Lusíadas”, também há a presença de deuses da mitologia clássica, porém o paganismo convive com idéias do cristianismo (“o maravilhoso cristão”), já que essa era a opção religiosa do autor e dos portugueses em geral que também sofriam a pressão da Inquisição, que controlava as publicações. ESTRUTURA POÉTICA: • VERSOS: Seguindo a medida nova, implantada no Classicismo, Camões compõe sua obra máxima em decassílabos (versos de 10 sílabas poéticas). ESTRUTURA POÉTICA: • ESTROFES: A estrofe adotada para a composição de “Os Lusíadas” é chamada de OITAVA RIMA (CAMONIANA), sendo composta de OITO versos DECASSÍLABOS, com RIMA (ABABABCC), onde os 6 primeiros versos formam rimas cruzadas ou alternadas e os 2 últimos formam rimas emparelhadas ou paralelas. Os versos também são chamados de HERÓICOS, porque têm como sílabas mais forte a 6ª e a 10ª sílaba. São versos próprios para os cantos épicos, heróicos. Às vezes aparecem decassílabos SÁFICOS, com sílabas mais fortes na 4ª, 8ª e 10ª sílaba. CANTOS: • A obra está dividida em 10 cantos, que podem ser comparados aos capítulos de um romance contemporâneo. Na totalidade da obra, temos 1102 estrofes de oito versos, o que dá um total de 8816 versos decassílabos perfeitos. ESTRUTURA NARRATIVA: • Inspirado no modelo épico clássico, Camões estrutura sua obra principal da mesma maneira que os antigos, dividindo-a em 5 partes: ESTRUTURA NARRATIVA: • PROPOSIÇÃO: três primeiras estrofes do canto I, em que é apresentado o poema (assunto). • INVOCAÇÃO: estrofes 4 e 5 do canto I, em que o poeta pede auxílio às ninfas(musas) do Tejo (Tágides) para compor sua obra ESTRUTURA NARRATIVA: • DEDICATÓRIA: da estrofe 6 até a 18 do canto I, em que o poeta dedica sua obra a D. Sebastião, rei de Portugal. • NARRAÇÃO: da estrofe 19 do canto I até a estrofe 144 do canto X (10), em que é narrada a aventura em si (a história da viagem de Vasco da Gama à Índia). ESTRUTURA NARRATIVA: • EPÍLOGO: as estrofes finais do canto X (10) [145 a 156], em que se termina o poema, com uma mostra bastante dolorosa da desilusão do autor com uma pátria que não merece mais ser cantada e elevada. ESTRUTURA NARRATIVA: • As três primeiras partes (PROPOSIÇÃO INVOCAÇÃO - DEDICATÓRIA) formam uma espécie de Introdução ao poema; e a parte final (EPÍLOGO) serve como um fechamento da obra, no qual o poeta retoma seu diálogo com Dom Sebastião, o alerta sobre os perigos que corre Portugal e mostra ao rei sua responsabilidade como condutor desta nação gigantesca e gloriosa. O NARRADOR: • Na segunda estrofe da obra, apresenta-se um narrador em primeira pessoa, o “EU” que vai conduzir a narrativa . Este narrador pode ser entendido como sendo o próprio CAMÕES, uma vez que se trata de um narrador que, entre outras coisas, interpreta os acontecimentos, emite julgamentos e adverte seus contemporâneos. O NARRADOR: • Ao lado do “EU” (poemático), em primeira pessoa, temos o narrador onisciente (observador), em terceira pessoa, que sabe tudo a respeito de todos e descreve fatos, idéias, sentimentos, que ocorrem na terra e no mar, no céu e no inferno, no passado e no presente. O NARRADOR: • Esta focalização atua na parte maior do poema épico, que chamamos de NARRAÇÃO. Em OS LUSÍADAS, começa a partir da estrofe 19 do Canto I. Também é preciso estar atento ao fato de que há partes na obra que são narradas por um dos personagens, como Vasco da Gama (Cantos 3, 4 e 5), Paulo da Gama (no Canto 8), etc. TEMPO E ESPAÇO NARRATIVO: • A viagem de Vasco da Gama para o Oriente tem início no ano de 1497 e termina, com a chegada em Calecut, na Índia, em 1498. Este é o tempo histórico que vai ser relatado na obra. Porém, dentro destes dois anos em que se dá a viagem de Vasco da Gama, temos por meio das memórias e lembranças que são apresentadas pelos personagens, vários séculos da história portuguesa. ESPAÇO: • Temos o mar como cenário básico: os oceanos Atlântico e Índico que vão sendo conquistados pelos navegadores portugueses. E ao longo desta viagem rumo ao Oriente, vão sendo apresentadas várias regiões por onde passam os navios e onde se passam histórias anteriores que são relembradas. A NARRAÇÃO • • • • • • • Resumidamente, podemos dizer que a Narração é contada na seguinte seqüência: Cantos I e II - viagem de Moçambique a Melinde. Cantos III e IV - a História de Portugal, anterior às navegações. Canto V - viagem de Belém (Portugal) a Melinde. Canto VI - viagem de Melinde a Calecut (Índia). Cantos VII e VIII - a estadia na Índia. Cantos IX e X - regresso e parada na Ilha dos Amores. A viagem de Vasco da Gama = ÍNDIA O ENREDO DE “ OS LUSÍADAS ” Resumo dos Cantos Primeiros versos do Canto I As armas e os barões assinalados, Que da ocidental praia Lusitana, Por mares nunca de antes navegados, Passaram ainda além da Taprobana, Em perigos e guerras esforçados, Mais do que prometia a força humana, E entre gente remota edificaram Novo Reino, que tanto sublimaram; Primeiros versos do Canto I E também as memórias gloriosas Daqueles Reis, que foram dilatando A Fé, o Império, e as terras viciosas De África e de Ásia andaram devastando; E aqueles, que por obras valerosas Se vão da lei da morte libertando; Cantando espalharei por toda parte, Se a tanto me ajudar o engenho e arte. CANTO I • Neste canto aparecem as três partes que compõe o que seria a Introdução da obra (PROPOSIÇÃO - INVOCAÇÃO e DEDICATÓRIA); • Na Proposição (três primeiras estrofes do Canto) o poeta delimita o assunto que vai ser cantado (narrado) – os temas apresentados são três: CANTO I • A) “as armas e os barões assinalados...” (os homens que enfrentaram os mares desconhecidos, venceram todos os perigos e criaram um novo reino em terras distantes) • B) “as memórias daqueles Reis...” (os monarcas portugueses que possibilitaram as navegações e, assim, ampliaram os domínios de seu reino e cumpriram a missão de cristianizar povos infiéis); CANTO I • C) “aqueles que por obras valerosas se vão da lei da morte libertando...” (os heróis que nasceram nestas navegações, aqueles homens que superaram os limites, praticaram atos heróicos, e passaram a viver na memória dos portugueses como modelos a serem seguidos). Canto I • Na Invocação (quarta e quinta estrofes do Canto) o poeta pede ajuda às ninfas (Tágides – ninfas, deusas que habitam as águas do Tejo – o principal rio de Portugal) para a composição do poema. Canto I E vós, Tágides minhas, pois criado Tendes em mim um novo engenho ardente, Se sempre em verso humilde celebrado Foi de mim vosso rio alegremente, Dai-me agora um som alto e sublimado, Um estilo grandíloquo e corrente, Porque de vossas águas, Febo ordene Que não tenham inveja às de Hipoerene. Canto I • Na Dedicatória (estrofes: seis até dezoito do Canto) o poeta faz uma homenagem ao Rei D. Sebastião, dedicando a ele os versos que vai cantar. Neste trecho, o poeta fala com o Rei, ainda jovem demais para assumir o trono português (herdou o trono com apenas 3 anos – mas só foi coroado com 14 anos), e lhe diz que aceite os versos, como forma de dizer ao rei que este deve conhecer a história e a força de seu país antes de governá-lo. Canto I • O Rei D. Sebastião foi o último grande rei português, e quando este rei morre, na batalha de Alcácer-Quibir, morre com ele o sonho português de seguir sendo um grande império mundial. O culto a este passado glorioso de Portugal, presença constante na literatura deste país ao longo dos séculos, é chamado de sebastianismo, do qual serão adeptos autores como Pe. Antônio Vieira e Fernando Pessoa (em seu livro Mensagem). D. Sebastião = O “Desejado” 1554-1578 Canto I • O episódio do mais importante do Canto I é o CONCÍLIO DOS DEUSES, momento em que os deuses discutem o destino da navegação, ficando Júpiter, Vênus e Marte a favor dos portugueses e Baco contra os lusitanos. Canto I • Terminado o Concílio dos Deuses, seguem os portugueses a navegação pela costa africana. Camões não segue uma narrativa* cronologicamente ordenada: sua narrativa começa quando os portugueses já estão na costa oriental da África, entre Madagascar e Moçambique, já tendo passado o Cabo das Tormentas. • *Narrativa “in media res” = “no meio dos acontecimentos” – típico das epopéias clássicas. Canto I • • No final do Canto I temos a reflexão de Camões sobre a fragilidade do homem diante dos imprevistos (perigos) da vida : “No mar tanta tormenta e tanto dano,/ Tantas vezes a morte apercebida!/ Na terra tanta guerra, tanto engano,/ Tanta necessidade avorrecida!/ Onde pode acolher-se um fraco humano,/ Onde terá segura a curta vida,/ Que não se arme, e se indigne o Céu sereno/ Contra um bicho da terra tão pequeno?” Canto II • Narração da viagem entre Mombaça e Melinde, pela costa oriental do continente africano. Superando as investidas de Baco (que com suas maquinações e disfarces, insuflava os mouros contra os portugueses), salvos pela intervenção de Vênus, os portugueses chegam à Melinde, cidade em que são bem recebidos (Embora tendo sempre Vênus intercedendo pelos lusitanos, Vasco da Gama implora proteção celeste, dirigindo-se ao Deus cristão). Canto III • A abertura do terceiro Canto é um momento importante da narrativa, pois aqui vai se dar a mudança de foco narrativo. O poeta (Camões), que nos dois primeiros Cantos nos apresenta a parte final da viagem de Vasco da Gama, agora passa a palavra para o personagem, para o próprio Vasco da Gama, que vai relatar ao Rei de Melinde todo o glorioso passado de Portugal até a viagem que ele mesmo fez contornando o continente africano e chegando a Melinde. Canto III – Episódio Inês de Castro Canto III – Episódio Inês de Castro • Um dos episódios mais marcantes da História de Portugal, cantado por diversos poetas ao longo do tempo, a trágica morte de Inês de Castro merece igualmente destaque nas páginas de Os Lusíadas. Canto III – Episódio Inês de Castro • Resumidamente, trata-se de um caso de amor que envolve D.Pedro de Portugal e Inês de Castro, figura que entra na Corte Portuguesa pelas mãos da esposa de D.Pedro, D.Constança de Castela. Canto III – Episódio Inês de Castro • D.Pedro acaba por apaixonar-se por Inês de Castro e com ela tem três filhos. Após a morte da esposa, com medo de que Inês se tornasse Rainha de Portugal quando D.Pedro assumisse o trono de seu pai, D.Afonso IV, alguns nobre da Corte Portuguesa convencem o Rei a matá-la, o que este, depois de alguma hesitação, manda fazer no ano de 1355. Canto III – Episódio Inês de Castro • Camões, através da fala de Vasco da Gama, destaca do episódio sua carga romântica e dramática, deixando em segundo plano as questões políticas que o marcam. Canto III – Episódio Inês de Castro • 118: • Passada esta tão próspera vitória, Tornando Afonso à Lusitana Terra, A se lograr da paz com tanta glória Quanta soube ganhar na dura guerra, O caso triste e dino da memória, Que do sepulcro os homens desenterra, Aconteceu da mísera e mesquinha Que depois de ser morta foi Rainha. Canto III – Episódio Inês de Castro • 118: • O rei Afonso voltou a Portugal, depois da vitória contra os mouros, na Batalha do Salado, esperando obter tanta glória na paz quanto obtivera na guerra. Então aconteceu o triste e memorável caso da desventurada que foi rainha depois de ser morta, assassinada. Canto III – Episódio Inês de Castro • 119: Tu, só tu, puro Amor, com força crua, Que os corações humanos tanto obriga, Deste causa à molesta morte sua, Como se fora pérfida inimiga. Se dizem, fero Amor, que a sede tua Nem com lágrimas tristes se mitiga, É porque queres, áspero e tirano, Tuas aras banhar em sangue humano. Canto III – Episódio Inês de Castro • 119: • O Amor (Eros = o deus mitológico do amor), somente ele, foi quem causou a morte de Inês, como se ela fosse uma inimiga. Dizem que o Amor feroz, cruel, não se satisfaz com as lágrimas, com a tristeza, mas exige, como um deus severo e despótico, banhar seus altares (“aras”) em sangue humano: requer sacrifícios humanos. Canto III – Episódio Inês de Castro • 119: • O amor, surge neste episódio personificado (Eros = o deus do amor) como causa da morte de Inês. É apresentado como um sentimento negativo e antitético (que contém antítese = contraditório), pois seduz mas gera as maiores tragédias e tem em Inês uma heroína trágica, vítima desse amor cruel e despótico (tirânico). É caracterizado negativamente: “puro amor com força crua”, “fero...áspero e tirano” Canto III – Episódio Inês de Castro • 120: Estavas, linda Inês, posta em sossego, De teus anos colhendo doce fruto, Naquele engano da alma, ledo e cego, Que a Fortuna não deixa durar muito, Nos saudosos campos do Mondego, De teus fermosos olhos nunca enxuto, Aos montes ensinando e às ervinhas O nome que no peito escrito tinhas. Canto III – Episódio Inês de Castro • 120: • Inês estava em Coimbra, sossegada, usufruindo (“colhendo doce fruto”) da felicidade ilusória (“engano da alma, ledo e cego”) e breve (“Que a Fortuna não deixa durar muito”) da juventude. Nos campos, com os belos olhos úmidos de lágrimas de amor, repetia o nome do seu amado aos montes (para cima, para o alto) e às ervas (para baixo, para o chão). • Mondego = rio que banha a cidade de Coimbra e que, segundo os versos, nunca seca devido às lágrimas de Inês de Castro = referência às cantigas medievais. Canto III – Episódio Inês de Castro • 122: De outras belas senhoras e Princesas Os desejados tálamos enjeita, Que tudo enfim, tu, puro amor, despreza, Quando um gesto suave te sujeita. Vendo estas namoradas estranhezas, O velho pai sesudo, que respeita O murmurar do povo, e a fantasia Do filho, que casar-se não queria, Canto III – Episódio Inês de Castro • 122: • O Príncipe, por amar Inês, se recusa a casar com outras mulheres (tálamo: casamento, leito conjugal) porque o amor despreza, rejeita tudo que não seja o rosto do amado (gesto significa rosto, semblante) a quem está sujeito. Ao ver este estranho amor, este comportamento estranho de não querer se casar, o pai sisudo (sério, grave) atende ao murmurar do povo e… Canto III – Episódio Inês de Castro • 123: Tirar Inês ao mundo determina, Por lhe tirar o filho que tem preso, Crendo co”o sangue só da morte indina Matar do firme amor o fogo aceso. Que furor consentiu que a espada fina, Que pôde sustentar o grande peso Do furor Mauro, fosse alevantada Contra uma fraca dama delicada? Canto III – Episódio Inês de Castro • 123: • (... manda matar (D.Afonso IV) Inês de Castro, para matar a chama do amor que mantém seu filho (D. Pedro está “preso” = apaixonado por Inês) preso. Que loucura fez com que a espada que venceu os árabes fosse erguida contra uma dama tão delicada?) Canto III – Episódio Inês de Castro • 124: • Traziam-na os horríficos algozes Ante o Rei, já movido a piedade: Mas o povo, com falsas e ferozes Razões, à morte crua o persuade. Ela com tristes e piedosas vozes, Saídas só da mágoa, e saudade Do seu Príncipe, e filhos que deixava, Que mais que a própria morte a magoava, Canto III – Episódio Inês de Castro • 124: • Quando os horríveis e cruéis carrascos, membros do Conselho de D.Afonso IV, trouxeram Inês perante o rei, este já estava compadecido (com dó) e arrependido. No entanto, o povo persuadia, incitava o rei a mandar matá-la. Inês, então, com palavras ou com a voz triste, sentindo mais pela dor e saudade do príncipe e dos filhos do que pela própria morte… Canto III – Episódio Inês de Castro • 125: • Para o Céu cristalino alevantando, Com lágrimas, os olhos piedosos (Os olhos, porque as mãos lhe estava atando Um dos duros ministros rigorosos); E depois nos meninos atentando, Que tão queridos tinha, e tão mimosos, Cuja orfandade como mãe temia, Para o avô cruel assim dizia: Canto III – Episódio Inês de Castro • 125: • ... erguendo os olhos cheios de lágrimas ao céu (somente os olhos, porque um carrasco prendia-lhe as mãos) e, depois, olhando para as crianças - que amava tanto e temia que ficassem órfãs -, disse para o avô cruel (o rei): Canto III – Episódio Inês de Castro • 126: -‘Se já nas brutas feras, cuja mente Natura fez cruel de nascimento, E nas aves agrestes, que somente Nas rapinas aéreas tem o intento, Com pequenas crianças viu a gente Terem tão piedoso sentimento Como c’o a mãe de Nino já mostraram, E c’os irmãos que Roma edificaram; Canto III – Episódio Inês de Castro • 126: • “Se já vimos que até os animais selvagens, cujos instintos são cruéis, e as aves de rapina têm piedade com as crianças, como demonstraram as histórias da mãe de Nino e a dos fundadores de Roma…” • Semíramis, rainha da Assíria e mãe de Nino, cuja mãe a abandonara num monte, onde fora alimentada por aves de rapina. Rômulo e Remo, fundadores de Roma, foram abandonados quando infantes (crianças) e amamentados por uma loba. Canto III – Episódio Inês de Castro • 127: -”Ó tu, que tens de humano o gesto e o peito (Se de humano é matar uma donzela Fraca e sem força, só por ter sujeito O coração a quem soube vencê-la), A estas criancinhas tem respeito, Pois o não tens à morte escura dela; Mova-te a piedade sua e minha, Pois te não move a culpa que não tinha. Canto III – Episódio Inês de Castro • 127: • Sendo assim, o rei Afonso IV, que tinha o rosto e o coração humanos (se é que é humano matar uma mulher só porque esta ama um homem que a conquistou), poderia ao menos ter respeito e consideração às crianças, ainda que não se importasse com a triste morte da mãe. Inês suplica, então, que o rei se compadeça dela e das crianças, já que não queria perdoá-la ou absolvê-la de uma culpa, um crime, que não tinha cometido. Canto III – Episódio Inês de Castro • 130: Queria perdoar-lhe o Rei benino, Movido das palavras que o magoam; Mas o pertinaz povo, e seu destino (Que desta sorte o quis) lhe não perdoam. Arrancam das espadas de aço fino Os que por bom tal feito ali apregoam. Contra uma dama, ó peitos carniceiros, Feros vos amostrais, e cavaleiros? Canto III – Episódio Inês de Castro • 130: • O rei bondoso queria, pensou, em perdoar Inês, comovido por suas palavras. Mas o povo obstinado, persistente, e o destino de Inês (que assim o quis) não lhe perdoaram. Os que proclamavam (os conselheiros) que ela deveria morrer puxam suas espadas. Mostram-se cruéis atacando uma dama... e ainda querem ser chamados de fidalgos (nobres)? Canto III – Episódio Inês de Castro • 132: Tais contra Inês os brutos matadores No colo de alabastro, que sustinha As obras com que Amor matou de amores Aquele que depois a fez Rainha; As espadas banhando e as brancas flores, Que ela dos olhos seus regadas tinha, Se encarniçavam, férvidos e irosos, No futuro castigo não cuidosos. Canto III – Episódio Inês de Castro • 132: Tais contra Inês os brutos matadores, No colo de alabastro, que sustinha As obras com que Amor matou de amores Aquele que despois a fez Rainha, As espadas banhando e as brancas flores, Que ela dos olhos seus regadas tinha, Se encarniçavam, fervidos e irosos, No futuro castigo não cuidosos. Canto III – Episódio Inês de Castro • 132: • Assim, agem os cruéis assassinos de Inês. A ferem no pescoço (“colo”) que sustenta o belo rosto (“as obras”: o sorriso, o olhar, os movimentos do rosto) pelo qual se apaixonou (o deus Amor, Cupido, Eros, fez morrer de paixão) o príncipe, que depois a fará rainha. Os algozes (os matadores) banham, lavam suas espadas de sangue e também as “brancas flores”, molhadas pelas lágrimas de Inês. Atacavam enraivecidos, sem pensarem no castigo que o futuro lhes reservava. Canto III – Episódio Inês de Castro • 135: As filhas do Mondego a morte escura Longo tempo chorando memoraram, E, por memória eterna, em fonte pura As lágrimas choradas transformaram; O nome lhe puseram, que inda dura, Dos amores de Inês, que ali passaram. Vede que fresca fonte rega as flores, Que lágrimas são a água e o nome Amores. Canto III – Episódio Inês de Castro • 135: • As ninfas do Mondego (rio de Portugal), durante muito tempo, lembraram chorando a trágica morte de Inês. E, para sua memória eterna, as lágrimas transformaram-se numa fonte chamada “dos amores de Inês”, acontecidos ali. A fonte que rega as flores é refrescante porque é feita de lágrimas e de amores. Canto III – Episódio Inês de Castro • Após a morte de Inês. Seguem-se seis meses de desavenças entre o Rei D. Afonso IV e seu filho D. Pedro. Por causa da morte de Inês, D. Pedro revolta-se contra seu pai e, apoiado por Castela, estabelece um conflito bélico que vai gerar uma espécie de guerra civil em Portugal. Canto III – Episódio Inês de Castro • No fim, as pazes são feitas, e, quando morre D. Afonso IV, D. Pedro assume o trono português, vingando-se dos conselheiros que levaram seu pai a matar Inês, coroando-a como Rainha de Portugal. Ou seja, dizem que mandou desenterrá-la e a corou Rainha, obrigando os conselheiros a prestarem homenagens beijando sua mão. Canto III – Episódio Inês de Castro “La Reine Morte", de Henry de Montherlant é a obra que serve de inspiração ao filme que retrata o tema mais apaixonante da história portuguesa: o romance trágico de D. Pedro com Inês de Castro.No filme, os protagonistas são franceses e é falado em língua francesa. No entanto na película há atores portugueses de renome. Canto IV • Segue a narração da História de Portugal (A ascensão do mestre de Avis a rei de Portugal D. João I – e os sonhos proféticos de D. Manuel sobre a conquista da Índia) até o início da viagem de Vasco da Gama, que parte pelo mar sendo amaldiçoado por um velho que alerta sobre os perigos da conquista (episódio do VELHO DO RESTELO) . Diz o velho que aquele que busca os inimigos distantes, acaba esquecendo dos inimigos que estão próximos. Canto IV – Episódio do Velho do Restelo Canto IV – Episódio do Velho do Restelo • No final do Canto IV, nos é apresentado um velho que, da praia do Restelo em Lisboa, grita aos marinheiros, revelando-se como a única voz discordante em toda esta primeira parte do livro, pois ele questiona o valor de tamanha empresa. Canto IV – Episódio do Velho do Restelo • Para ele, toda esta viagem e esta sede de conquista são motivadas por desejos vãos de glória, pela cobiça. Além disso, ele alerta para os sacrifícios que serão feitos, para as mortes que acontecerão. Trata-se do único momento em que Camões modifica seu olhar aristocrático da história, destacando os que se sacrificam (marinheiros, guerreiros...) em nome da glória, que é dos nobres. Canto IV – Episódio do Velho do Restelo • Mais adiante, o velho vai alertar para o fato de que Portugal se desprotege ao mandar tantos homens para as conquistas das terras distantes. Em outras palavras, para conquistar o mundo, Portugal esquece de cuidar de Portugal. O Reino se desguarnece e fica vulnerável aos ataques árabes e de Castela (Espanha), e a essência portuguesa é esquecida em nome das glórias vãs. Canto IV – Episódio do Velho do Restelo • No final, o velho ainda amaldiçoa os navegadores, na figura do primeiro que lançou um barco ao mar. Ele deseja que os feitos marítimos jamais sejam lembrados e que os nomes desses navegadores sejam esquecidos para sempre, que nunca sejam tema para nenhum poeta. Canto IV – Episódio do Velho do Restelo • 94: "Mas um velho d'aspeito venerando, Que ficava nas praias, entre a gente, Postos em nós os olhos, meneando Três vezes a cabeça, descontente, A voz pesada um pouco alevantando, Que nós no mar ouvimos claramente, C'um saber só de experiências feito, Tais palavras tirou do experto peito: Canto IV – Episódio do Velho do Restelo • 94: • Mas um velho de aspecto respeitável (venerável), que estava entre as pessoas, na praia, olhando para os navegadores e balançando a cabeça negativamente, levantou um pouco mais alto a voz grave, que foi ouvida claramente pelo que estavam no mar, e com uma sabedoria feita de experiências disse algumas palavras sábias, inteligentes, e profundas (“experto peito” - “experto” = experiente, experimentado, culto, inteligente). Canto IV – Episódio do Velho do Restelo • 95: —"Ó glória de mandar! Ó vã cobiça Desta vaidade, a quem chamamos Fama! Ó fraudulento gosto, que se atiça C'uma aura popular, que honra se chama! Que castigo tamanho e que justiça Fazes no peito vão que muito te ama! Que mortes, que perigos, que tormentas, Que crueldades neles experimentas! Canto IV – Episódio do Velho do Restelo • 95: • Este prazer dos homens de dominar e a cobiça fútil e sem valor da fama são tolices ilusórias, passageiras (“vaidade”). Esta satisfação falsa, enganadora, é estimulada pelas pessoas que a chamam de honra. Isso castiga grandemente os homens de coração tolo, vazio (“peito vão”) que ambicionam o poder e a fama; fazendo com que experimentem muitos suplícios (“mortes”, “perigos”, “tormentas”) e crueldade. Canto IV – Episódio do Velho do Restelo • 95: • Note que a expressão “peito vão”, nesta estrofe, se opõe à “experto peito”, na estrofe anterior. Essas estrofes remetem ao livro bíblico de Eclesiastes, em que o rei Salomão afirma e argumenta que “é tudo vaidade” (Eclesiastes 1:2) e que “Melhor é ouvir a repreensão do sábio, do que ouvir alguém a canção do tolo.” (Eclesiastes 7:5). Canto IV – Episódio do Velho do Restelo • 96: — "Dura inquietação d'alma e da vida, Fonte de desamparos e adultérios, Sagaz consumidora conhecida De fazendas, de reinos e de impérios: Chamam-te ilustre, chamam-te subida, Sendo dina de infames vitupérios; Chamam-te Fama e Glória soberana, Nomes com quem se o povo néscio engana! Canto IV – Episódio do Velho do Restelo • 96: • Esta ambição causa angústia e perturbação (“inquietação d’alma e da vida”), é origem de abandonos e adultérios e destrói fortunas e Estados. Chamam-na de nobre e elevada, quando é digna, merecedora, de desmoralizantes insultos, palavras infamantes. Fama e glória são palavras para enganar o povo ignorante e tolo. Canto IV – Episódio do Velho do Restelo • 97: —"A que novos desastres determinas De levar estes reinos e esta gente? Que perigos, que mortes lhe destinas Debaixo dalgum nome preminente? Que promessas de reinos, e de minas D'ouro, que lhe farás tão facilmente? Que famas lhe prometerás? que histórias? Que triunfos, que palmas, que vitórias? Canto IV – Episódio do Velho do Restelo • 97: • E o velho pergunta que novos desastres serão causados ao reino e ao povo, em nome de (disfarçados em) alguma palavra enobrecedora. Que promessas fáceis serão feitas de reinos, de minas de ouro, famas, histórias e triunfos para enganá-los? Canto IV – Episódio do Velho do Restelo • 102: — "Ó maldito o primeiro que no mundo Nas ondas velas pôs em seco lenho, Dino da eterna pena do profundo, Se é justa a justa lei, que sigo e tenho! Nunca juízo algum alto e profundo, Nem cítara sonora, ou vivo engenho, Te dê por isso fama nem memória, Mas contigo se acabe o nome e glória. Canto IV – Episódio do Velho do Restelo • 102: • O Velho amaldiçoa o homem que fez o primeiro barco (“pôs velas nas ondas”), como merecedor do inferno (“dino da eterna pena do profundo”), se houver justiça como a que ele acredita. Que nunca sejam feitos um alto conceito, nem música (“cítara sonora”) ou poesia (“vivo engenho”) que eternize sua memória por este feito (“Te dê por isso fama nem memória”), mas que, com o inventor do primeiro barco, morram sua fama, sua reputação (“seu nome”) e sua glória. CANTO V • Vasco da Gama conta ao rei de Melinde toda sua viagem, de Portugal até Melinde, passando pelas ilhas do Atlântico, pelas costas africanas (onde ocorre o episódio do VELOSO) e pelo Cabo das Tormentas, personificado no GIGANTE ADAMASTOR, o mais importante episódio deste canto. Camões interrompe, às vezes, a narração de Vasco da Gama. Neste canto, por exemplo, lamenta que os grandes navegantes não gostem de poesia. Canto V – Episódio do Gigante Adamastor Canto V – Episódio do Gigante Adamastor • Entre as estrofes 37 e 60, do Canto V, aparece um dos episódios mais interessantes da obra: o do Gigante Adamastor, um dos gigantes que enfrentou Júpiter (Zeus) em uma batalha mortal e que acabou transformado no Cabo das Tormentas (espaço geográfico situado ao sul do continente africano). Canto V – Episódio do Gigante Adamastor • Adamastor interpela os lusos, questiona suas intenções e conta sua própria história, revela seu amor por Tétis e desfaz-se em lágrimas ao final. Canto V – Episódio do Gigante Adamastor • No plano histórico, simboliza a superação pelos portugueses do medo do “Mar Tenebroso”, das superstições medievais que povoavam o Atlântico e o Índico de monstros e abismos. Adamastor é uma visão, um espectro, uma alucinação que existe só nas crendices dos portugueses. É contra seus próprios medos que os navegadores triunfam. Canto V – Episódio do Gigante Adamastor • No plano lírico é um dos pontos altos do poema, retomando dois temas constantes da lírica camoniana: o do amor impossível e o do amante rejeitado. • Adamastor, um dos gigantes filhos da Terra, apaixonou-se pela nereida Tétis. Não correspondido, tenta tomá-la, provocando a cólera de Júpiter, que o transforma no Cabo das Tormentas, personificado numa figura monstruosa, lançada nos confins do Atlântico. Canto V – Episódio do Gigante Adamastor • Uma tempestade ameaça a esquadra de Vasco da Gama, quando ela se aproxima do Cabo das Tormentas. Eis que uma figura gigantesca, horrenda e ameaçadora surge no ar. É Adamastor, que ameaça os portugueses, dizendo-lhes que o preço de haverem descoberto seu segredo seria alto. Profetiza os naufrágios que ocorreriam em suas águas, e os horrores por que passariam os que àquela terra viriam a ter. Canto V – Episódio do Gigante Adamastor • Vasco interpela o Gigante, perguntando-lhe quem era. Disse ser ele o Tormentório (Cabo das Tormentas). Muito tempo atrás, apaixonara-se pela bela ninfa (deusa das águas) Tétis, a quem vira um dia sair pela praia em companhia das nereidas (deusas que habitam o mar). Compreendendo que por ser gigante, feio e disforme, não poderia conquistá-la por meios normais, resolveu participar da guerra dos gigantes contra Júpiter, sem tentar subir ao Olimpo, mas buscando conquistar os mares de Netuno. Canto V – Episódio do Gigante Adamastor • Sabendo que era impossível conquistar Tétis por sua feiúra, Adamastor decidiu participar da guerra e revelou seu amor a Dóris, mãe da ninfa. Esta, por medo, contou tudo a filha e Tétis não se mostrou disposta a suportar o amor do gigante. Então, Dóris enganou Adamastor prometendo-lhe dar um jeito para solucionar o problema. Canto V – Episódio do Gigante Adamastor • Dóris fez com que a bela Tétis lhe aparecesse nua... E ele, desesperado de desejo, começou a beijar-lhe os lindos olhos, a face e os cabelos. Mas, aos poucos, percebeu, horrorizado, que, na verdade, estava beijando um penedo (rochedo) e ele próprio se transformara noutro penedo. Aquela Tétis que ele vira era apenas um 'arranjo' artificial que os deuses prepararam para puni-lo por sua audácia. Canto V – Episódio do Gigante Adamastor • Sua carne se transformou em terra dura, seus ossos viraram rochas, seus membros se espalharam por longínquas águas; enfim, os deuses o transformaram no cabo (o Cabo das Tormentas),que, como ironia final, é banhado pelas águas de Tétis. Canto V – Episódio do Gigante Adamastor • Então, o gigante termina seu relato caindo num choro assustador e se afasta dos lusos. A nuvem negra que os cobria se desfaz e Vasco pede proteção ao Deus cristão contra as maldições que Adamastor jogou sobre eles. Canto V – Episódio do Gigante Adamastor • 38: • Tão temerosa vinha e carregada, Que pôs nos corações um grande medo; Bramindo, o negro mar de longe brada, Como se desse em vão nalgum rochedo. "Ó Potestade (disse) sublimada: Que ameaço divino ou que segredo Este clima e este mar nos apresenta, Que mor cousa parece que tormenta?" Canto V – Episódio do Gigante Adamastor • 38: • A nuvem escura que surgiu vinha tão carregada que encheu de medo os navegantes. O mar, ao longe, fazia grande ruído ao bater contra os rochedos. Vasco da Gama, atemorizado, lança voz à tempestade (rogando ao poder sublime de Deus) perguntando o que era ela, que ela lhe parecia mais que uma simples tormenta marinha. Repare que o cenário aterrador fará a imagem do Gigante ainda mais terrível e assustadora. Canto V – Episódio do Gigante Adamastor • 39: Não acabava, quando uma figura Se nos mostra no ar, robusta e válida, De disforme e grandíssima estatura; O rosto carregado, a barba esquálida, Os olhos encovados, e a postura Medonha e má, e a cor terrena e pálida, Cheios de terra e crespos os cabelos, A boca negra, os dentes amarelos. Canto V – Episódio do Gigante Adamastor • 39: • Vasco da Gama não havia terminado de falar quando surgiu uma figura enorme, de rosto fechado, de olhos encovados, de postura má, de cabelos crespos e cheios de terra, de boca negra e de dentes amarelos. Era a assustadora e horrível imagem do gigante. Canto V – Episódio do Gigante Adamastor • 40: Tão grande era de membros, que bem posso Certificar-te que este era o segundo De Rodes estranhíssimo Colosso, Que um dos sete milagres foi do mundo. Cum tom de voz nos fala, horrendo e grosso, Que pareceu sair do mar profundo. Arrepiam-se as carnes e o cabelo, A mi e a todos, só de ouvi-lo e vê-lo! Canto V – Episódio do Gigante Adamastor • 40: • A figura do gigante era tão enorme que poder-seia jurar ser ela o segundo Colosso de Rodes (Estátua de Apolo, de 33 metros de altura, que guardava a entrada do porto da cidade de Rodes, uma ilha da Ásia Menor e que foi considerada como uma das sete maravilhas do mundo antigo). A introdução da fala do Gigante fez arrepiar os cabelos e a carne dos navegantes.Ou seja, a princípio, quando viram o gigante sentiram medo. Canto V – Episódio do Gigante Adamastor • 41: “E disse: - "Ó gente ousada, mais que quantas No mundo cometeram grandes cousas, Tu, que por guerras cruas, tais e tantas, E por trabalhos vãos nunca repousas, Pois os vedados términos quebrantas E navegar meus longos mares ousas, Que eu tanto tempo há já que guardo e tenho, Nunca arados d’estranho ou próprio lenho: Canto V – Episódio do Gigante Adamastor • 41: • O gigante chama os portugueses de ousados e afirma que nunca repousam e que tem por meta a glória particular, pois chegaram aos confins do mundo. Repare na ênfase que se dá ao fato de aquelas águas nunca terem sido navegadas por outros: o gigante diz que aquele mar que há tanto ele guarda nunca foi conhecido por outros. Ou seja, por seus mares distantes e nunca cruzados os lusos ousam navegar. Canto V – Episódio do Gigante Adamastor • 42: -“Pois vens ver os segredos escondidos Da natureza e do úmido elemento, A nenhum grande humano concedidos De nobre ou de imortal merecimento, Ouve os danos de mim, que apercebidos Estão a teu sobejo atrevimento, Por todo largo mar e pela terra Que inda hás de sojugar com dura guerra. Canto V – Episódio do Gigante Adamastor • 42: • Já que os portugueses descobriram os segredos do mar, nunca antes revelados, o gigante lhes ordena que ouçam os sofrimentos futuros, os castigos que os esperam no mar e na terra, que eles ainda iriam conquistar com duras batalhas, conseqüência do atrevimento de cruzar os mares. Canto V – Episódio do Gigante Adamastor • 43: - “Sabe que quantas naus esta viagem Que tu fazes, fizerem de atrevidas, Inimiga terão esta paragem, Com ventos e tormentas desmedidas. E da primeira armada, que passagem Fizer por estas ondas insofridas, Eu farei d’improviso tal castigo, Que seja mor o dano que o perigo! Canto V – Episódio do Gigante Adamastor • 43: • O gigante afirma que os navios que fizerem a viagem que Vasco da Gama está fazendo terão aquele cabo como inimigo. A primeira armada a que se refere Adamastor é a de Pedro Álvares Cabral, que perdeu ali quatro de suas naus: o dano - o naufrágio – foi maior que o perigo, pois os navegantes foram surpreendidos. Cabe salientar que a viagem de Cabral ocorreu em 1500, fato acontecido depois da viagem de Vasco da Gama, mas do qual já tinha conhecimento Camões. Canto VI Os portugueses partem de Melinde e rumam para a Índia, enfrentando uma forte tempestade provocada por Eolo, a pedido de Baco e Netuno, deus que passa a se opor aos portugueses, após o Concílio dos Deuses Marítimos. Mais uma vez Vênus intercede em favor dos lusitanos. Nova interrupção de Camões, que discorre sobre os caminhos da honra e da fama: critica os nobres ociosos. Canto VII Chegada à Índia e primeiros contatos com os nativos. Camões aproveita para lamentar-se sobre seu sofrimento (vida miserável), apelando para as Musas. Canto VIII Explicação de Paulo da Gama: as figuras das bandeiras que celebram grandes vultos da história portuguesa. Ainda na Índia, problemas com os mouros, intrigas promovidas por Baco, que atrapalham o comércio entre portugueses e mouros (Vasco é preso e resgatado a troco de mercadorias). Considerações de Camões sobre o poder do dinheiro e dos malefícios que ele origina. Canto IX Partida da Índia, início da volta para Portugal. Como prêmio, Vênus oferece aos navegadores a Ilha dos Amores (principal episódio do canto), onde ninfas amenizam o cansaço dos portugueses e onde Tétis (a paixão do Gigante Adamastor) aparece para Vasco da Gama. Canto X • • • Ainda na Ilha dos Amores, Tétis oferece a Vasco da Gama uma visão do universo (a Máquina do Mundo – descrição do universo e da Terra), segundo o pensamento de Ptolomeu. Mais uma vez são valorizados os feitos lusitanos e dá-se a volta a Lisboa. No Epílogo (parte final), Camões volta a falar ao Rei Dom Sebastião e relata sua inconformidade com os rumos da pátria portuguesa, imersa na cobiça. “ No gosto da cobiça e na rudeza Duma austera, apagada e vil tristeza.” (...)