“Quanto eu chorei por teus hinos e cânticos, aos suaves acentos das vozes de tua Igreja, que me penetravam de vivas emoções” (Santo Agostinho, Confissões) A música, pela suavidade da melodia, pela harmonia dos acordes e dos arranjos instrumentais, pela beleza dos solos, pelo empolgamento dos coros, encanta. (...) Por força dos sons e do ritmo, ela provoca a participação, ao mesmo tempo, em termos de emoção, de animação e de unanimidade, ajustando-nos e nos projetando na imensidão do mistério de Deus, no seio da Trindadecomunhão, em Jesus Cristo, cuja presença evoca com peculiar eficácia” (Doc. 43, sobre a animação da Música Litúrgica no Brasil) De origem nômade o povo de Israel é resultado de uma encruzilhada de culturas e civilizações. Os primeiros patriarcas conviveram desde a Babilônia – hoje região correspondente ao Iraque – ao Egito. Em seguida experimentaram a terra prometida, pouco maior que o atual Estado de Israel, perpassando pelo exílio de babilônico de Nabucodonosor até reingressar a terra atual. Neste longo espaço de tempo muitas culturas influenciaram o povo de Israel: babilônicos, assírios, egípcios, persas, fenícios, gregos e romanos. E foi em meio a esse entrelaçamento cultural que este povo teve seu desenvolvimento litúrgico, formando uma identidade musical que tem nos Salmos e Cânticos a maior representatividade. Na tradição litúrgica do povo de Israel, os músicos são descendentes da tribo de Levi. Os levitas músicos eram encarregados do canto e de tocar os instrumentos. Para serem admitidos a esse ofício litúrgico, os candidatos passavam por uma dupla prova acerca de suas aptidões musicais e sobre a pureza de origem, embora, na prática, fossem considerados como classe inferior. Os grupos eram tradicionalmente constituídos por famílias. Tinham um primeiro chefe de música que organizava o serviço de sua secção no culto e um mestre do coro que dirigia a salmodia e dava a entrada aos instrumentos. Cântico de Moisés e Miriam (Ex 15); o livro do Cântico dos Cânticos; os Salmos de Davi e Salomão; Magnificat; o Benedictus; Nunc Dimittis; os hinos apostólicos cuja centralidade é o Cristo. O canto torna-se um instrumento que conduz uma intercomunicação do fiel com o transcendente. O surgimento do canto litúrgico na época dos Santos Padres Para os Santos Padres o canto contribui pedagogicamente tanto para o processo de conversão quanto à cura física e espiritual. Esta práxis pedagógica foi relevante para o surgimento do primeiro ensaio de pastoral da música litúrgica, efetuado já nos séculos IV-V por Ambrósio de Milão e seu discípulo Agostinho de Hipona. O primeiro, após uma rica experiência espiritual no Oriente, introduziu no Ocidente um novo estilo de entoação dos salmos, mais vivo e dinâmico, feito alternadamente por versos entre os dois coros da assembleia. Entretanto, foi o próprio Agostinho o propagador do canto litúrgico popular. Ele não apenas incentivou o povo a cantar, mas também sabia escutar e apreciar, fazendo inúmeros comentários a respeito dos Salmos nos quais enfatizava o canto como uma via para a edificação das almas. Neste período em que viveu Agostinho (séc. IV e V) a comunidade cristã alcançou o ápice da organização ministerial em relação às assembleias, brotando o chamado pluralismo litúrgico-musical e, provavelmente, as Scholae Cantorum . Surgem ainda nesta diversidade os rituais dos Sacramentos, o Ofício Divino, o Ano Litúrgico e, consequentemente, a introdução nos ritos de várias formas de canto. O que foi a Scholae Cantorum? Foi uma Escola inicialmente formada por clérigos, incluindo em suas fileiras o “cantor” e um ou mais solistas. Foi fundada por Gregório Magno na Basílica de São Pedro, em Roma, no século VI. Além do canto e da música, os cantores estudavam a gramática e outras artes necessárias à compreensão do texto sagrado (CNBB, op. cit. , p. 162). O canto na época Medieval A romanização da Igreja e da Liturgia trouxe grande organização e aperfeiçoamento tanto no rito como no espaço litúrgico. Na época de Gregório Magno, as Scholae Cantorum tornaram-se mais aprimoradas, alcançando o seu ápice. Situadas entre o povo e o presbitério eram formadas de mestres altamente capacitados na área do canto que executavam melodias ricas e complexas. Era o surgimento do canto gregoriano ou “canto chão”, também denominado de monódico. Este era o canto da Urbe, próprio dos ambientes romanos e seus especialistas comumente eram monges e clérigos. Curiosamente, entre os séculos V-VIII onde o canto gregoriano adquiriu maior relevo, gradativamente os demais estilos foram perdendo sua força, com exceção do canto ambrosiano, que permaneceu vivo na tradição. O canto chão tornou-se oficial no âmbito eclesial, sendo considerado o modelo supremo da música sacra, ou o mais perfeito grau na expressão da Liturgia Romana . Posteriormente, surge a Polifonia ou canto polifônico. Ao contrário do canto chão, esta “privilegia uma arte refinada na mistura dos timbres e harmonias, tornando as músicas mais estéticas que litúrgicas” (CNBB, 2002, p. 60). Foi neste contexto que no século XI apareceu à figura do monge Guido d’Arezzo. Homem de espetacular inteligência, a partir de um hino dedicado a São João Batista, elaborou as escalas, a tonalização e as pautas musicais, tais como temos hoje. O Concílio de Trento em detrimento do perigo da Reforma Protestante buscou salvaguardar a tradição litúrgica, fazendo as devidas reformas, especialmente, no que diz respeito à doutrina dos Sacramentos. No campo da música ritual, constata-se uma forte influência da arte barroca como uma atmosfera de triunfo e de festa, com exuberância pontifical de chefes de coro e organistas, destacandose mais que o próprio presidente da celebração. O órgão torna-se um instrumento rei, sendo concorrente até mesmo do altar (cf. CNBB, 2002, p. 61). no século XVIII a Igreja começa a sentir um anseio de maior participação comunitária. Grande era a insatisfação. Surge então o Sínodo de Pistóia (1786) com o propósito de reformar alguns pontos, dentre os quais a participação dos fiéis e no referente a música, melodias mais simples e adequadas à linguagem popular. O Movimento Litúrgico A reforma de Guéranger na abadia beneditina de Solesmes fez eclodir o Movimento Litúrgico, fundamentalmente importante para uma abertura litúrgica mais eficaz e participativa, levando os fiéis a alimentarem melhor a própria vida espiritual. No Brasil este movimento chegou através de grupos provenientes da Ação Católica em 1933. Contudo, não teve êxito entre as camadas populares, restringindo-se aos seminários, mosteiros e à própria Ação católica. Se o movimento litúrgico foi a febre eclesial, o Vaticano II foi a grande revolução. A constituição dogmática Sacrossanctum Concílium não apenas renovou a liturgia, mas também tornou dinâmica e participativa, especialmente em relação ao rito que ao ser traduzido para a língua vernácula, fez da assembléia não uma mera espectadora, mas também parte integrante e essencial da celebração do Mistério Pascal. Outro aspecto relevante foi a compreensão do canto e da música como uma vivência simbólica da experiência da fé do Povo de Deus. Ambos são símbolos importantes do mistério de Cristo e da Igreja e não meros ornamentos exteriores.