Lendas de amor dos índios brasileiros Katia Canton Ilustrações: Turma da Juventude 2006 Antes, bem antes de os portugueses chegarem ao Brasil a bordo de suas caravelas, em 1500, à procura de novas riquezas, por aqui já se contavam muitas histórias. Desde aquela época, os nativos, chamados por nós de índios, primeiros habitantes da Terra das Palmeiras(era assim que o Brasil era chamado por eles) já possuíam uma linda tradição, uma forma poética de explicar o céu e a terra, o sol e a chuva, e tudo o que acontece com as pessoas, as plantas, e os animais através das mais belas fábulas. Essa tradição é especialmente encantadora quando o assunto são histórias de amor. Tudo o que acontece no planeta Terra- os fenômenos da natureza, as árvores,os rios, as plantações e os animais- pode ser explicado pelos índios através dos mais lindos contos amorosos. E você vai ler agora uma dessas lindas histórias. Há muitos e muitos anos viviam no sul do Brasil, nas margens dos rios Paraná e Iguaçu, índios que pertenciam a uma tribo mágica. Seus habitantes acreditavam em deuses diferentes dos nossos. Acreditavam, por exemplo, que o mundo era governado pelo deus Cobra- Grande, na verdade uma sucuri, a maior cobra do mundo, que vivia no leito do rio Iguaçu. Para que nada de mal pudesse acontecer às suas famílias e à comunidade em geral, os índios costumavam fazer oferendas à Cobra- grande. Ofereciam ao deus as mais lindas garotas de sua tribo, que a partir daí não podiam mais namorar nem se casar, como qualquer garota. Passavam a viver ás margens do rio, perto da Cobra- grande, dedicando suas vidas a espelhar a imagem de sua beleza nas águas do rio, para alegrar Cobra-grande. Pois desde que Naipi nasceu, linda, linda, com os olhos cor de mel, a boca em forma de coração e a pele bronzeada e macia, todos sabiam que, de tão bela, um dia ela seria oferecida ao deus Cobra- grande. E esse dia chegou quando ela completou 15 anos. Estava mais bonita do que nunca. A tribo então preparava-se para a festa que acompanhava todo ritual de oferenda das belas moças ao deus Cobra-grande. Mas o que ninguém sabia era que o coração da indiazinha já tinha dono. Pertencia a Peri, um moço muito bom e educado, que também amava a menina. Filho do pajé Tarobá, uma espécie de médico da comunidade, Peri sabia curar vários tipos de doenças com ervas naturais. Dedicado e trabalhador, prometia à moça um bom futuro. Mas quanto à entrega de Naipi à Cobra-grande ele nada podia fazer. Na primeira noite de lua cheia, como era de costume, toda a aldeia começou a se aprontar para a festa. Homens e mulheres pintavam o rosto com uma tinta feita de sementes de urucum, vestiam trajes coloridos e se adornavam com penas de pássaros,sementes e flores. Uma bebida feita à base de milho e mandioca era reservada para os festejos e todos ensaiavam a dança da oferenda, enquanto faziam pinturas em seus corpos, com tintas especiais. Em todo canto reinava alegria, exceto no coração de Peri. Quanto mais se aproximava o último dia de lua cheia,mais amargurados ficavam os pequenos apaixonados. Até que, na data certa, Peri declarou para sua querida:”Não podemos deixar que isso aconteça, Naipi. Nosso amor é maior que tudo e que todos e por isso temos que fugir e ficar juntos. Peri propos à menina que eles, na quietude da madrugada, tomassem uma canoa, feita por ele, com bambu e corda, e fugissem para outra aldeia. “Outra comunidade há de compreender e acolher um casal que se ama tanto”, era a esperança do rapaz. Assim foi feito. Lá pela meia-noite, remando com força e esperança, os dois desciam pelas águas do rio Iguaçu com bastante rapidez.”Reme rápido, Peri, que eu estou com medo”, pedia Naipi bem baixinho. E o rapaz remava,remava. Remava muito até que, de repente, eles sentiram tudo estremecer! Eis que o Cobra- grande percebera o que tinha acontecido e, com raiva por causa da tentativa de fuga de sua prometida, foi desenrolando seu corpão enorme por baixo das águas do rio, chacoalhando-se com tanta fúria que as águas começaram a mexer, remexer até formar espuma. Nesse tremor de raiva, a cobra acabou provocando um fenômeno: quebrou barreiras das margens do rio e fez com que se formasse uma enorme catarata, cujas águas espumantes começaram a escorregar com força pelo chão. Os dois indiozinhos afundaram imediatamente. Por magia,Naipi foi transformada numa linda rocha, que ficou fincada como um monumento,à margem do rio Iguaçu. Peri, por sua vez, tomou a forma de uma árvore frondosa, que foi chamada de Palmeira.Ele ficou ali, bem pertinho da rocha Naipi. Passaram a viver juntos para sempre, mas de uma nova maneira. E assim se formaram as cataratas do Iguaçu, que ficam na foz do rio e são uma das grandes belezas naturais do Brasil. Quanto a Naipi e Peri, estão no espírito de amor incrustado em todas as rochas e em todas as árvores que existem em nosso país.