Contexto sócio-histórico Fase de ouro da burguesia, enriquecida com a Revolução Industrial, desfrutando do conforto moderno e do progresso; desenvolveu-se paralelamente ao Realismo-Naturalismo; Belle époque (fins do século XIX até a Primeira Grande Guerra); Surgiu na França, a partir de 1866, com uma antologia de poetas desejosos de reagir contra o sentimentalismo romântico: Le Parnase Contemporain; A denominação de Parnase Contemporain remete à Antiguidade Clássica: o Monte Parnaso, na região da Fócida (Grécia), que segundo a mitologia, era a morada dos deuses e poetas que se isolavam do mundo para dedicar-se exclusivamente à arte; Além da França, somente no Brasil se deu o Parnasianismo, diretamente inspirado no movimento francês; O Rio de Janeiro, então capitão federal, foi o centro da vida artística e cultural: Parnasianismo; Realismo; Naturalismo; Simbolismo; Impressionismo, são algumas das correntes estéticas que coexistiram no período entre 1881 e 1922; Características da poesia parnasiana “Arte pela Arte” – esteticismo; Volta-se para o belo; descompromisso com os problemas do mundo; Poetas encerram-se em suas torres de marfim; Impassibilidade (contenção do lirismo): a subjetividade é afastada do sentimentalismo; Perfeição formal: materialismo da forma, o artesanato do verso, palavra lapidada, burilada, assimilação dos ideais das artes plásticas; Poesia descritiva, plástica e visual: objetos; cenas históricas; fenômenos naturais (anoitecer, primavera, o amanhacer); cromatismo intenso; Contato com o oriente; gosto burguês pelo exótico e requintado; Retorno à tradição clássica: ideais da poesia greco-romana, renascentista e árcade – predomínio da razão; antropocentrismo; arte voltada para o belo ideal; para o bem, a verdade e a perfeição; mimeses (arte cópia da natureza) A um poeta Longe do estéril turbilhão da rua, Beneditino escreve! No aconchego Do claustro, na paciência e no sossego, Trabalha e teima, e lima , e sofre, e sua! Mas que na forma se disfarce o emprego Do esforço: e trama viva se construa De tal modo, que a imagem fique nua Rica mas sóbria, como um templo grego Não se mostre na fábrica o suplicio Do mestre. E natural, o efeito agrade Sem lembrar os andaimes do edifício: Porque a Beleza, gêmea da Verdade Arte pura, inimiga do artifício, É a força e a graça na simplicidade. Olavo Bilac Aspectos formais da poesia parnasiana • • • • Rimas ricas e raras; Forma fixa: soneto; Enjambements ou encadeamentos; Métrica rígida: predominância de decassílabos e dodecassílabos; • Preciosismo vocabular; O Ninho O musgo mais sedoso, a úsnea mais leve Trouxe de longe o alegre passarinho, E um dia inteiro ao sol paciente esteve Com o destro bico a arquitetar o ninho. Da paina os vagos flocos cor de neve Colhe, e por dentro o alfombra com carinho; E armado, pronto, enfim, suspenso, em breve, Ei-lo balouça à beira do caminho. Vocabulário: Úsnea: musgo, líquen Paina: fibras sedosas Alfombra: revestir com tapete macio; Balouça: balançar Bolar: tornar-se inconstante E a ave sobre ele as asas multicores Estende, e sonha. Sonha que o áureo pólen E o néctar suga às mais brilhantes flores; Sonha... Porém de súbito a violento Abalo acorda. Em torno as folhas bolem... É o vento! E o ninho lhe arrebata o vento. (Alberto de Oliveira) O Ninho O/ mus/go /mais /se/do/so, a ús/nea/ mais/ le/(ve) Trouxe de longe o alegre passarinho, E um dia inteiro ao sol paciente esteve Com o destro bico a arquitetar o ninho. Da paina os vagos flocos cor de neve Colhe, e por dentro o alfombra com carinho; E armado, pronto, enfim, suspenso, em breve, Ei-lo balouça à beira do caminho. E a ave sobre ele as asas multicores Estende, e sonha. Sonha que o áureo pólen E o néctar suga às mais brilhantes flores; Sonha... Porém de súbito a violento Abalo acorda. Em torno as folhas bolem... É o vento! E o ninho lhe arrebata o vento. (Alberto de Oliveira) Musa Impassível Musa! Um gesto sequer de dor ou de sincero Luto jamais te afeie o cândido semblante! Diante de um Jó, conserva o mesmo orgulho, e diante De um morto, o mesmo olhar e sobrecenho austero. Em teus olhos não quero a lágrima; não quero Em tua boca o suave o idílico descante. Celebra ora um fantasma angüiforme de Dante; Ora o vulto marcial de um guerreiro de Homero. Dá-me o hemistíquio d'ouro, a imagem atrativa; A rima cujo som, de uma harmonia crebra, Cante aos ouvidos d'alma; a estrofe limpa e viva; Versos que lembrem, com seus bárbaros ruídos, Ora o áspero rumor de um calhau que se quebra, Ora o surdo rumor de mármores partidos. Francisca Júlia Musa Impassível Mu/sa! um /ges/to/ se/quer /de/ dor/ ou /de /sin/ce/(ro) Lu/to/ ja/mais/ te a/fe/ie o /cân/di/do/ sem/blan/(te!) Dian/te/ de um /Jó,/ com/ser/va o /mes/mo or/gu/lho, e/ dian/(te) De um /mor/to, o/ mês/mo o/lhar /e /so/bre/ce/nho aus/te/(ro.) Em teus olhos não quero a lágrima; não quero Em tua boca o suave o idílico descante. Celebra ora um fantasma angüiforme de Dante; Ora o vulto marcial de um guerreiro de Homero. Dá-me o hemistíquio d'ouro, a imagem atrativa; A rima cujo som, de uma harmonia crebra, Cante aos ouvidos d'alma; a estrofe limpa e viva; Versos que lembrem, com seus bárbaros ruídos, Ora o áspero rumor de um calhau que se quebra, Ora o surdo rumor de mármores partidos. Francisca Júlia Alberto de Oliveira (1857-1937) Antonio Mariano Alberto de Oliveira nasceu em 28 de abril de 1857 em Saquarema (RJ). Abandonou o curso de Medicina no terceiro ano e foi estudar Farmácia, formando-se em 1883. Também foi professor de Literatura Brasileira e um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras. Alberto de Oliveira é considerado “O Príncipe dos Poetas Brasileiros”, ficou com este título depois da morte de Olavo Bilac. Sempre permaneceu fiel ao Parnasianismo e à margem dos acontecimentos históricos. É considerado mestre nessa estética, com sua temática presa à descrição, desde a natureza até meros objetos, exaltando-lhes a forma. Perfeição formal, métrica rígida e linguagem extremamente trabalhada, chegando, por vezes, ao rebuscamento. Vaso Chinês Estranho mimo aquele vaso! Vi-o, Casualmente, uma vez, de um perfumado Contador sobre o mármor luzidio, Entre um leque e o começo de um bordado. Fino artista chinês, enamorado, Nele pusera o coração doentio Em rubras flores de um sutil lavrado, Na tinta ardente, de um calor sombrio. Mas, talvez por contraste à desventura, Quem o sabe?… de um velho mandarim Também lá estava a singular figura. Que arte em pintá-la! A gente acaso vendo-a, Sentia um não sei quê com aquele chim De olhos cortados à feição de amêndoa. Alberto de Oliveira A VINGANÇA DA PORTA Era um hábito antigo que ele tinha: Entrar dando com a porta nos batentes. — "Que te fez esta porta?" a mulher vinha E interrogava... Ele, cerrando os dentes: — "Nada! Traze o jantar." — Mas à noitinha Calmava-se; feliz, os inocentes Olhos revê da filha e a cabecinha Lhe afaga, a rir, com as rudes mãos trementes. Uma vez, ao tornar à casa, quando Erguia a aldraba, o coração lhe fala: — "Entra mais devagar..." Pára, hesitando... Nisso nos gonzos range a velha porta, Ri-se, escancara-se. E ele vê na sala A mulher como doida e a filha morta. Alberto de Oliveira Raimundo Correia (1859-1911) Raimundo da Mota Azevedo Correia fez humanidades no Colégio Pedro II e Direito em S. Paulo. No período acadêmico foi ardente liberal e admirador de Antero de Quental. Formado, ingressou na magistratura. Durante algum tempo secretariou a legação brasileira em Lisboa. Embora reconhecido pelos conterrâneos como um dos melhores poetas do fim do século, pouco participou da vida literária, escudando a própria timidez com a reserva que lhe facultavam as funções de juiz. Morreu em Paris. As Pombas Vai-se a primeira pomba despertada... Vai-se outra mais... mais outra... enfim dezenas De pombas vão-se dos pombais, apenas Raia sanguínea e fresca a madrugada... E à tarde, quando a rígida nortada Sopra, aos pombais de novo elas, serenas, Ruflando as asas, sacudindo as penas, Voltam todas em bando e em revoada... Também dos corações onde abotoam, Os sonhos, um por um, céleres voam, Como voam as pombas dos pombais; No azul da adolescência as asas soltam, Fogem... Mas aos pombais as pombas voltam, E eles aos corações não voltam mais... Raimundo Correia Olavo Bilac (1865-1918) Olavo Brás Martins dos Guimarães Bilac nasceu no Rio de Janeiro. Abandonou os cursos de medicina (5º ano) e direito para se dedicar à poesia. Além de poeta, foi jornalista, crítico, inspetor da Instrução Pública e membro do Conselho Superior do Departamento Federal, entregandose a uma campanha em prol do serviço militar obrigatório. Pertenceu à Escola Parnasiana Brasileira, sendo um dos seus principais representantes, ao lado de Alberto de Oliveira e Raimundo Correia. PROFISSÃO DE FÉ Olavo Bilac Não quero o Zeus Capitolino Hercúleo e belo, Talhar no mármore divino Com o camartelo. Que outro - não eu! - a pedra corte Para, brutal, Erguer de Atene o altivo porte Descomunal. Mais que esse vulto extraordinário, Que assombra a vista, Seduz-me um leve relicário De fino artista. Invejo o ourives quando escrevo: Imito o amor Com que ele, em ouro, o alto relevo Faz de uma flor. Imito-o. E, pois, nem de Carrara A pedra firo: O alvo cristal, a pedra rara, O ônix prefiro. Por isso, corre, por servir-me, Sobre o papel A pena, como em prata firme Corre o cinzel. Corre; desenha, enfeita a imagem, A idéia veste: Cinge-lhe ao corpo a ampla roupagem Azul-celeste. Torce, aprimora, alteia, lima A frase; e, enfim, No verso de ouro engasta a rima, Como um rubim. Quero que a estrofe cristalina, Dobrada ao jeito Do ourives, saia da oficina Sem um defeito: Última flor do Lácio, inculta e bela, És, a um tempo, esplendor e sepultura: Ouro nativo, que na ganga impura A bruta mina entre os cascalhos vela... Amo-te assim, desconhecida e obscura. Tuba de alto clangor, lira singela, Que tens o trom e o silvo da procela, E o arrolo da saudade e da ternura! Amo o teu viço agreste e o teu aroma De virgens selvas e de oceano largo! Amo-te, ó rude e doloroso idioma, Vocabulário: Ganga: tecido vulgar Tuba: trombeta de metal Clangor: som forte Trom: catapulta Procela: agitação Arrolo: canto de ninar em que da voz materna ouvi: "meu filho!", E em que Camões chorou, no exílio amargo, O gênio sem ventura e o amor sem brilho! VILA RICA O ouro fulvo do ocaso as velhas casas cobre; Sangram, em laivos de ouro, as minas, que a ambição Na torturada entranha abriu da terra nobre: E cada cicatriz brilha como um brasão. O ângelus plange ao longe em doloroso dobre, O último ouro do sol morre na cerração. E, austero, amortalhando a urbe gloriosa e pobre, O crepúsculo cai como uma extrema-unção. Agora, para além do cerro, o céu parece Feito de um ouro ancião que o tempo enegreceu... A neblina, roçando o chão, cicia, em prece, Como uma procissão espectral que se move... Dobra o sino... Soluça um verso de Dirceu... Sobre a triste Ouro Preto o ouro dos astros chove. XIII "Ora (direis) ouvir estrelas! Certo Perdeste o senso!" E eu vos direi, no entanto, Que, para ouvi-las, muita vez desperto E abro as janelas, pálido de espanto... E conversamos toda a noite, enquanto A via-láctea, como um pálio aberto, Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto, Inda as procuro pelo céu deserto. Direis agora: "Tresloucado amigo! Que conversas com elas? Que sentido Tem o que dizem, quando estão contigo?" E eu vos direi: "Amai para entendê-las! Pois só quem ama pode ter ouvido Capaz de ouvir e de entender estrelas". “Via-láctea”, de Olavo Bilac XXV A Bocage. Tu, que no pego impuro das orgias Mergulhavas ansioso e descontente, E, quando à tona vinhas de repente, Cheias as mãos de pérolas trazias; Tu, que do amor e pelo amor vivias, E que, como de límpida nascente, Dos lábios e dos olhos a torrente Dos versos e das lágrimas vertias; Mestre querido! viverás, enquanto Houver quem pulse o mágico instrumento, E preze a língua que prezavas tanto: E enquanto houver num canto do universo Quem ame e sofra, e amor e sofrimento Saiba, chorando, traduzir no verso. “Via-láctea”, de Olavo Bilac Ao pôr-do-Sol, pela tristeza Da meia-luz crepuscular, Tem a toada de uma reza A voz do mar. Aumenta, alastra e desce pelas Rampas dos morros, pouco a pouco, O ermo de sombra, vago e oco, Do céu sem sol e sem estrelas. Uma fadiga, um desconforto... Como a infeliz serenidade Do embaciado olhar de um morto. Escutem bem... Quando entardece, na meia-luz crepuscular tem a toada de uma prece a voz tristíssima do mar... “Sugestões do Crepúsculo”, de Vicente de Carvalho Outros poemas... Vaso Grego Esta de áureos relevos, trabalhada De divas mãos, brilhante copa, um dia, Já de aos deuses servir como cansada, Vinda do Olimpo, a um novo deus servia. Era o poeta de Teos que o suspendia Então, e, ora repleta ora esvasada, A taça amiga aos dedos seus tinia, Toda de roxas pétalas colmada. Depois... Mas, o lavor da taça admira, Toca-a, e do ouvido aproximando-a, às bordas Finas hás de lhe ouvir, canora e doce, Ignota voz, qual se da antiga lira Fosse a encantada música das cordas, Qual se essa voz de Anacreonte fosse Alberto de Oliveira O MURO É um velho paredão, todo gretado, Roto e negro, a que o tempo uma oferenda Deixou num cacto em flor ensangüentado E num pouco de musgo em cada fenda. Serve há muito de encerro a uma vivenda; Protegê-la e guardá-la é seu cuidado; Talvez consigo esta missão compreenda, Sempre em seu posto, firme e alevantado. Horas mortas, a lua o véu desata, E em cheio brilha; a solidão se estrela Toda de um vago cintilar de prata; E o velho muro, alta a parede nua, Olha em redor, espreita a sombra, e vela, Entre os beijos e lágrimas da lua. Alberto de Oliveira Anoitecer Esbraseia o Ocidente na agonia O sol... Aves em bandos destacados, Por céus de ouro e de púrpura raiados Fogem... Fecha-se a pálpebra do dia... Delineiam-se, além, da serrania Os vértices de chama aureolados, E em tudo, em torno, esbatem derramados Uns tons suaves de melancolia... Um mundo de vapores no ar flutua... Como uma informe nódoa, avulta e cresce A sombra à proporção que a luz recua... A natureza apática esmaece... Pouco a pouco, entre as árvores, a lua Surge trêmula, trêmula... Anoitece Raimundo Correia