SÍNTESE DA APOSTILA “Cultura: um conceito antropológico”, de Roque de Barros Laraia A CULTURA E O PENSAMENTO “LEIGO” “Tenho o futebol no sangue”. Meu filho tem muito jeito para a música, pois herdou esta qualidade do avô Só podia dar nisso... olha o pai e a mãe que ele tem Tinha que ser pão-duro como todo judeu... “Isso é coisa de crioulo.” É comum, entre os diferentes setores de nossa população, a crença nas qualidades (positivas ou negativas) transmitidas por herança genética. O problema deste tipo de explicação é que facilmente as diferenças sociais são justificadas por discriminações raciais e sociais. Na verdade, o homem é o resultado do meio cultural em que foi socializado. Ele é o herdeiro de um longo processo acumulativo que reflete o conhecimento e a experiência adquiridas pelas numerosas gerações que vieram antes dele. Assim, não basta a natureza criar indivíduos altamente inteligentes (o que ela faz com frequência). É necessário colocar ao alcance desses indivíduos o material que lhes permita exercer a sua criatividade de maneira revolucionária. INTRODUÇÃO AO PENSAMENTO ANTROPOLÓGICO 1690 – John Locke: A mente humana não é mais do que uma caixa vazia por ocasião do nascimento, dotada apenas da capacidade ilimitada de obter conhecimento. A este processo, chamamos hoje, endoculturação. 1750 – Jacques Turgot: Possuidor de um tesouro de signos que tem a faculdade de multiplicar infinitamente, o homem é capaz de assegurar a retenção de suas idéias eruditas, comunicá-las para outros homens e transmiti-las para os seus descendentes como uma herança sempre crescente. 1775 – Jean-Jacques Rousseau Atribui um grande papel à educação, chegando mesmo ao exagero de acreditar que esse processo teria a possibilidade de completar a transição entre os grandes macacos (chimpanzé, gorila e orangotango) e os homens. Século 18 Alemanha KULTUR = aspectos espirituais de uma comunidade. França CIVILIZATION = realizações materiais de um povo. Século 19 – Tylor sintetizou as duas idéias na palavra inglesa CULTURE, significando este todo complexo que inclui conhecimentos, crenças, arte, moral, leis costumes ou qualquer outra capacidade ou hábitos adquiridos pelo homem como membro de uma sociedade. 1871 – Tylor definiu cultura como sendo todo o comportamento aprendido, tudo aquilo que independe de uma transmissão genética, como diríamos hoje. MAS COMO ISSO FOI POSSÍVEL? O homem foi diferenciado dos demais animais por ter a seu dispor duas notáveis propriedades: a possibilidade da comunicação oral e a capacidade de fabricação de instrumentos, capazes de tornar seu corpo mais eficiente. Essas duas características reunidas permitem afirmar que o homem é o único ser possuidor de cultura. O CONTEXTO HISTÓRICO DA ÉPOCA E AS EVOLUÇÕES POSTERIORES O livro de Tylor foi produzido nos anos em que a Europa sofria o impacto do livro A Origem das Espécies, de Darwin, o que fez com que a Antropologia que estava se iniciando nascesse com a marca do evolucionismo. Com essa idéia como pano de fundo, Tylor procurava demonstrar que a cultura pode ser objeto de estudo sistemático, pois trata-se de um fenômeno natural com causas e regularidades, permitindo formular leis, como um fenômeno natural, estudado pelas ciências naturais. Esta mentalidade faz com que ele explique as diferenças existentes entre os povos como resultado da desigualdade de estágios existentes no processo de evolução. Assim, uma das tarefas da Antropologia seria estabelecer uma escala da civilização, tendo num extremo as tribos selvagens, no topo as nações européias e no meio, as demais nações: etnocentrismo (considerar a própria cultura superior a outras) e ciência marchavam de mãos dadas. Trata-se de um pensamento positivista, que aplica as regras do chamado método científico das ciências naturais aos fenômenos sociais. A primeira reação ao evolucionismo (na época chamado método comparativo) inicia-se com Franz Boas, em 1896, quando escreveu o artigo intitulado “A Limitação do Método Comparativo na Antropologia”. Para ele, a Antropologia deveria reconstruir a história de povos ou regiões particulares e comparar sua vida social. Deste modo, desenvolveu o “particularismo histórico”, segundo o quel cada cultura segue os seus próprios caminhos em função dos diferentes eventos históricos que enfrentou. Em 1949, Alfred Kroeber mostrou como a cultura atua sobre o homem. Iniciou com a demonstração de que graças à cultura a humanidade distanciouse do mundo animal. Mais do que isto, o homem passou a ser considerado um ser que está acima de suas limitações orgânicas. Afirma, por exemplo, que mesmo tendo que atender a alguns instintos, como se manter vivo através do sono, da alimentação, da respiração, da atividade sexual, etc., essas funções comuns a toda a humanidade são satisfeitas de diferentes modos, conforme varia a cultura à qual pertence o indivíduo. Ele não nega que o homem pertence ao reino animal e que, como parte dele, participa do grande processo evolutivo em que muitas espécies desapareceram e só deixaram alguns vestígios fósseis. A espécie humana sobreviveu. E, no entanto, sobreviveu com um equipamento físico muito pobre e fraco. Quando evoluem, os organismos perdem ou modificam alguns órgãos ou habilidades que possuíam. Já o homem criou seu próprio processo evolutivo, pois, sem se submeter a modificações biológicas radicais, tem sobrevivido a numerosas espécies, adaptando-se às mais diferentes condições do meio. Kroeber demonstrou que, superando o orgânico, o homem de certa forma libertou-se da natureza. Tal fato possibilitou a expansão da espécie por todos os recantos da Terra, proeza que nenhum outro animal conseguiu. Tudo isso foi possível porque toda experiência de um indivíduo é transmitida aos demais, criando assim um interminável processo de acumulação. E isso ocorre porque existe a comunicação oral, como um sistema articulado baseado na linguagem como produto da cultura. O que estão dizendo nossos alunos com as diferentes linguagens que expressam suas diferentes culturas?